Educação Matemática Afrocentrada na formação inicial e continuada de
professores de Matemática
José Ivanildo Felisberto de Carvalho
UFPE – Centro Acadêmico do Agreste
Este texto apresenta uma reflexão sobre os desafios e possibilidades de abordagem dos
saberes matemáticos na perspectiva da Educação Afrocentrada. Pretendemos vislumbrar
alternativas para a desconstrução de uma visão que põe o conhecimento científico
unicamente como uma construção eurocêntrica. Como método, desenvolvemos uma oficina
formativa com quatro grupos diferentes constituídos por professores e futuros professores que ensinam matemática no estado de Pernambuco no ano de 2018. O ensino e
aprendizagem da matemática numa perspectiva afrocentrada certamente possibilita
processos idôneos com a nossa realidade brasileira, reverberando para a constituição de
espaços democráticos e cidadãos mais conscientes com respeito às questões sobre
identidade negra e racismo.
Palavras-chave: História da Matemática; Formação de professores; Educação Afrocentrada; Legado
Africano; Educação Matemática Afrocentrada.
Introdução
Este texto tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre os desafios e
possibilidades de abordagem dos saberes matemáticos na perspectiva da Educação
Afrocentrada (MADHUBUTI, 1990) que por sua vez está ancorada na teoria da
Afrocentricidade (NASCIMENTO, 2009; ASANTE, 1987, 2015). Apresentamos ainda
o registro de vivências formativas com professores de matemática em formação inicial e
continuada. Embebidos das noções postas para uma pedagogia afrocêntrica e nos
processos de ensino e aprendizagem da matemática optamos em didaticamente
denominar tais reflexões e vivências como Educação Matemática Afrocentrada. Neste
sentido, pretendemos vislumbrar alternativas para a desconstrução de um paradigma que
valida o conhecimento científico unicamente como uma construção eurocêntrica.
Concernente aos cursos de matemática-licenciatura as discussões sobre uma
abordagem afrocentrada dos saberes ainda é muito principiante; de forma positiva, nos
últimos anos há cursos de licenciatura que trazem essa temática em sua estrutura
curricular, entretanto tal fato não é uma realidade na maioria dos referidos cursos que
formam professores para o ensino de matemática na Educação Básica.
No campo das pesquisas em Educação Matemática a abordagem da
Etnomatemática desenvolvida por D`Ambrósio (D`AMBRÓSIO, 2005; VIEIRA E
D`AMBRÓSIO, 2014) nos apresenta uma crítica sobre a hegemonia eurocêntrica nas
ciências e nos alerta para a importância de um trabalho aportado em um paradigma não-
eurocêntrico para o ensino e aprendizagem da Matemática. Tais estudos e discussões já
somam mais de três décadas, se considerarmos como marco inicial do programa de
pesquisa Etnomatemática os anos de 1984 quando da realização do V Congresso
Internacional de Educação Matemática no qual o professor Ubiratan D`Ambrósio
apresenta alguns das pesquisas já desenvolvidas e em 1985 é criado o ISGEm –
International Study Group on Ethenomathematics (D`AMBRÓSIO, 2008). Na formação
de professores de matemática se torna emergente repensar as estruturas curriculares dos
cursos em face dos estudos etnomatemáticos, uma vez que não há uma discussão
sistematizada no seio dos referidos cursos, como por exemplo, se compararmos com
outras teorias de ensino e aprendizagem da matemática.
Fernandes, Lima, Araújo e Lima (2017) realizaram uma pesquisa com oito
docentes licenciados em Matemática e que lecionam em um curso de matemática-
licenciatura. Os autores apontam que apenas 37,5% dos professores deste estudo,
tiveram contato com a etnomatemática, revelando assim que uma prática docente em
sala de aula baseada numa pedagogia nessa linha é dificultada pelo o desconhecimento
sobre os conceitos etnomatemáticos. E ainda, discorrem que 75% dos docentes
pesquisados não relacionam saberes etnomatemáticos com o cotidiano dos seus alunos,
isto é, mesmo acreditando que os conceitos etnomatemáticos são importantes e que
deveriam ser inseridos no currículo escolar, os professores não praticam o saber/fazer
etnomatemáticos. Lucas e Cordeiro Moita (2017) descrevem que, de uma maneira geral,
quando orientado pela Etnomatemática, o ensino tende a distanciar-se de práticas
predominantemente tradicionais, assim contribuindo para a superação de alguns
desafios que o ensino de matemática tem enfrentado ou imposto aos alunos, aos
educadores e ao próprio conhecimento matemático. Em Rosa e Orey (2017) temos
exemplos que nos ajudam a pensar alternativas pedagógicas e as influências da
etnomatemática nas salas de aula da Educação Básica. Trazemos à baila a
etnomatemática por contribuir com enfrentamento às visões científicas do
eurocentrismo. Passaremos agora para um recorte mais específico que põe em cena uma
reflexão sobre educação, legado matemático africano e a formação de professores.
Como bem aponta Silva, Farias e Silva (2017) os movimentos sociais negros
brasileiros lutaram arduamente e sistematicamente para inclusão do estudo da história
do continente africano e a luta dos negros no Brasil desde 1950. Em 2003 com a lei
10.639 promulgada no Brasil e complementada pela lei 11.645 em 2008 fica
estabelecida a obrigatoriedade do estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena nos estabelecimentos de ensino públicos e privados. Chama-nos atenção
quando encontramos docentes das ciências exatas se eximindo da responsabilidade de
aplicar as referidas leis em que determinam o estudo da história e da cultura afro-
brasileira e dos povos indígenas em todo o currículo escolar. O professor de
matemática, salvo exceções, parece não ter sido formado e sensibilizado nesta
perspectiva. Santos e Souza (2018) corroboram a necessidade emergente de uma
reformulação curricular que atenda a implantação da Lei 10.639/03 requerendo uma
ampliação no plano prático, conceitual e epistemológico do que significa construir um
currículo sob a perspectiva racial, considerando, ainda para as áreas de conhecimento,
as epistemologias africanas que descolonizam os currículos.
Há uma carência na formação dos professores de matemática o que os faz em
muitas situações acreditar que a África não tem nada haver com a matemática (FORDE,
2017) desconhecendo a história da matemática que deveria ser abordada desde a sua
formação inicial. A história da África está indiscutivelmente atrelada a história do povo
brasileiro e com, o desenvolvimento de atividades e situações por meio de um estudo
matemático de base africana será possível solidificar conhecimentos mais autênticos
além de possibilitar uma postura crítica dos estudantes. Sem contar que, muitas dessas
atividades e jogos da matemática africana, podem ser trabalhadas ludicamente e que
aproximem os estudantes de matemáticas socialmente referenciadas, onde todos que
estão em sala de aula podem desenvolver os saberes matemáticos.
Educação Afrocentrada e a luta pelo reconhecimento do legado africano
O pesquisador Molefi Kete Asante1 (2015) nos apresenta algumas reflexões, ao
tonificar o fato de que a influência africana sobre a Grécia antiga, a mais velha
1 Molefi Kete Asante é professor titular do departamento de Estudos Afro-americanos da Universidade de Temple na
Filadélfia (EUA), onde fundou e implantou o primeiro programa de doutorado em Estudos Afro-americanos dos
Estados Unidos. Fundou e foi curador do Museu de artes e antiguidade africanas na cidade de Búfalo, NY.
civilização européia, foi profunda e significante na Arte, Arquitetura, Astronomia,
Medicina, Geometria, Matemática, Direito, Política e Religião. Entretanto há diversos
fatores que contribuem para que tal influência não seja revelada, que não venha à tona.
Dentre estes fatores destacamos a necessidade de perpetuar a dominação sobre
os povos e países que alguns grupos hegemônicos consideram inferiores, disseminando
que as culturas dos referidos povos são inferiores e sem desenvolvimento. Na escola
desde a Educação Infantil somos bombardeados por uma infinidade de situações que
nos faz acreditar na supremacia européia e que nada que exista antes ou fora do mundo
ocidental possa ser levado em consideração. Fazendo um recorte para os saberes
matemáticos, exemplificamos com a pesquisa de Silva, Farias e Silva (2017) ao qual
discorrem que a tradição do cálculo mental sempre esteve viva e presente no cotidiano
dos brasileiros sem que a escola reconhecesse que nesse aspecto fomos fortemente
influenciados pelos africanos.
Adentrando sucintamente na Teoria da Afrocentricidade, Asante (2009) nos
apresenta que a afrocentricidade é um tipo de pensamento, prática e perspectiva que
percebe os africanos como sujeitos e agentes de fenômenos atuando sobre sua própria
imagem cultural e de acordo com seus próprios interesses humanos. (ASANTE, 2009,
p.93). Convém ressaltar que nos textos sobre afrocentricidade se compreende os
africanos da África e da Diáspora africana. Santos Júnior (2010) aponta que a
afrocentricidade consiste num paradigma, numa proposta epistêmica e também num
método que procura encarar quaisquer fenômenos através de um conceito chave, o
conceito de localização, o qual promoverá a agência dos povos africanos em prol da
liberdade humana. Lima, Reis e Silva (2018) reafirmam que não se deve considerar
afrocentricidade, necessariamente, sinônimo da assunção de alguns costumes africanos.
A abordagem afrocentrada reconhece as pessoas negras enquanto sujeitos epistêmicos
(LIMA, REIS E SILVA, 2018).
Outra característica fundamental que quero destacar neste texto é que a
afrocentricidade não é uma versão negra do eurocentrismo (ASANTE, 1988) por isso
não usamos o termo afrocentrismo. O eurocentrismo impõe sua realidade como uma
verdade universal e induz à uma crença de que todo não-branco é visto como um grupo
específico, por conseguinte, como não-humano (SANTOS JÚNIOR, 2010). Ao
contrário, a afrocentricidade estabelece uma perspectiva de que é possível a existência
de um pluralismo de culturas sem hierarquia, mas isto exige igualdade cultural e
respeito. A passagem a seguir esclarece ainda mais esta questão,
Ninguém pode tirar as dádivas da Europa, nem isto deve ser jamais um
objetivo de estudos, mas a Grécia não pode impor-se como uma cultura
universal que se desenvolveu inteiramente do nada, sem as fundações que
recebeu da África. (ASANTE, 2015, p...)
Como aponta Asante (2015) começar uma discussão sobre mundo antigo
somente em 800 a. C. é, certamente, um saber pobre. As classes no poder sempre
procuram promover e manter as mitologias que justificam seu domínio. Na maioria de
casos, conhecimento constrói-se sobre conhecimento e por meio dos estudos e pesquisas
afrocentradas é possível articular que os gregos eram estudantes dos egípcios. Cunha
(2015) também discorre sobre esse assunto ao afirmar que
a negação do passado científico e tecnológico dos povo s africanos e a exacerbação do seu “caráter lúdico” foi uma das principais façanhas do
eurocentrismo e que ainda hoje abala fortemente a auto-estima da população
africana e da diáspora, pois os “métodos”, “conceitos” e muitos cientistas
europeus deram a impressão ao restante do mundo, de que as populações
africanas não tiveram uma contribuição relevante para a construção do
conhecimento universal.
Como percebemos urge a necessidade de uma revisão histórica e epistêmica, que
inclusive inclui os conhecimentos matemáticos, para trincar a “suposta história oficial
da humanidade”. Em D´Ambrósio (2008) e Nascimento (2009) os autores indicam a
apropriação indébita do patrimônio cultural africano pela civilização Greco-romana.
Esse movimento de contestação científica é fortalecido por cientistas e historiadores que
tem dedicado suas pesquisas para trazer à cena questões cruciais com relação aos males
causados pela visão eurocêntrica do conhecimento, dentre eles citamos Cheick Anta
Diop e Kabengele Munanga.
A hegemonia eurocêntrica mundial tão impregnada em nossa sociedade vai
contribuir para atitudes e práticas racistas, e conseqüentemente, deságua nas práticas
educacional, se revela no chão da escola, tomando corpo uma educação eurocêntrica,
com significativos prejuízos sociais. Inclusive em suas pesquisas Lima, Reis e Silva
(2018) advogam que a hegemonia eurocêntrica está presente nos estudos educacionais,
invisibilizando outras perspectivas teóricas. Somando-se a este fato, Madhubuti (1990)
descreve que uma pedagogia afrocentrada é necessária para oferecer suporte à linha de
resistência à essas condições. Ainda corroborando com Madhubuti (1990) com uma
pedagogia afrocentrada é possível produzir uma educação que contribua para alcançar
orgulho, equidade, poder, riqueza e continuidade cultural para os africanos na América
e noutros países.
Em um dos seus estudos com crianças afro-americanas Madhubuti (1990) nos
questiona quais as características que seriam necessárias para que as experiências
informais com a matemática compartilham atributos suficientes da matemática da escola
formal e que possa servir como base para a aprendizagem na escola.
Pensando na motivação dos estudantes, que inclusive na disciplina de
matemática se deve ter um cuidado ainda maior, quais efeitos a incorporação das
contribuições africanas na matemática, ciências e tecnologias no currículo escolar
podem se constituir como elementos motivadores dos referidos estudantes? Neste
sentido, construímos dois questionamentos/reflexões, a saber: Como professores de
matemática em formação inicial e continuada compreendem a epistemologia/história
dos conhecimentos matemáticos? Como ampliar o conhecimento didático e matemático
do professor e possibilitar um trabalho com a matemática numa perspectiva dos
princípios de uma Educação Afrocentrada?
Vivências Formativas com professores e futuros professores de matemática
Nesta seção apresentamos as vivências formativas com professores e futuros
professores de matemática. A proposta deste trabalho surgiu como a necessidade de
enfretamento à processos formativos que não dão conta ainda de uma abordagem
afrocentrada com o referido grupo de professores envolvidos. Como método,
desenvolvemos oficinas formativas com quatro grupos diferentes constituídos por
professores e futuros professores que ensinam matemática no estado de Pernambuco no
ano de 2018. No total as oficinas envolveram 55 participantes distribuídos entre
professores em formação inicial (20 participantes), ou seja, estudantes da graduação em
licenciatura em matemática e professores já graduados e em exercício (35 participantes).
As oficinas foram construídas para em um primeiro momento levantar dados
concernentes às concepções dos professores sobre a história da matemática e
posteriormente, vivenciar um jogo de origem africana – o Igba-Ita do povo Igbo da
Nigéria, que foi adaptado como recurso didático para o fortalecimento de vínculos de
identidade africana. Em ambos o momento a interação nas oficinas se deu de forma
dialógica com espaço para as falas e debates. Utilizamos recortes teóricos e resultados
de pesquisa para permear as discussões e contribuir com uma nova perspectiva teórica e
prática concernente ao ensino e aprendizagem da matemática.
Como dissemos, no primeiro momento os participantes foram indagados sobre
quais seriam para eles os grandes heróis da matemática presentes na sala de aula e a
concepção sobre o propósito do ensino da matemática na Educação Básica, a figura 1
apresentamos um registro com um dos grupos participantes.
A reflexão dos professores durante os encontros nos ajudou a compreender as
ideias que circulavam durante os encontros formativos. À luz dos princípios defendidos
por Zeichner (1998), as falas, os pensamentos, os posicionamentos individuais, podem
ser interpretados como manifestação do crescimento de cada professor no grupo
formativo.
Figura 1: Registro de uma das oficinas formativas
Fonte: o autor, 2018
Neste sentido, os dados, constituídos pelo registro das discussões, apontaram que
os professores ainda apresentam uma lacuna com relação aos conhecimentos sobre o
legado africano matemático; na maioria do discurso dos professores identificamos
exemplos que fortalecem a noção errônea de que, por exemplo, os saberes matemáticos
foram constituídos por alguns poucos europeus como Pitágoras e Tales de Mileto, estes
inclusive são os mais citados por ambos os grupos, quer sejam professores em formação
inicial ou professores em exercício.
Outro dado que constatamos é de que não há referências dos professores
participantes à matemática originada e desenvolvida na África. Há algumas citações
com respeito às pirâmides do Egito, entretanto sem uma sólida relação com os povos
negros que contribuíram com a sistematização dos referidos saberes.
Vale salientar que por meio do espaço dialógico das oficinas formativas, tal
como afirma Zaichner (1998), os professores ampliaram o seu arcabouço de
compreensões sobre a temática em questão.
As lacunas que os professores e futuros professores apresentam estão
diretamente relacionadas com os currículos dos cursos de formação inicial, em nosso
caso, licenciatura em matemática. Santos e Souza (2018) ao realizarem um estudo com
as ementas de cursos de licenciatura em matemática discorrem que,
podemos inferir que o Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em
Matemática (re)produz discursos pedagógicos que mantém os professores/as
em formação presos a formações discursivas e ideológicas de marcos
civilizatórios eurocentrados, impedindo que esses sujeitos tenham acesso a
outros gestos de leitura e interpretação de discursos que também fazem parte
da sua história.
Neste sentido, acreditamos que uma abordagem fidedigna e idônea dos saberes
matemáticos nas salas de aula deve considerar o legado matemático africano. Inclusive
como enfrentamento a abordagens eurocêntricas que não contribuem para o
reconhecimento das identidades africanas e afro-brasileiras. Na próxima seção
apresentamos o Jogo Igba-Ita como parte integrante da oficina formativa.
Jogo Igba-Ita
O contato inicial com o jogo se deu por meio da leitura do livro Jogos e
atividades matemáticas do mundo inteiro da pesquisadora Cláudia Zaslavsky.
Procedemos a um levantamento bibliográfico de textos que mapeassem as práticas
desenvolvidas pelo povo Igbo da Nigéria localizada no continente africano (localização
em verde na Figura 2), entrando em contato com o livro original Among the Ibos of
Nigeria de George T. Basden com edição do ano de 1921 no qual discorre sobre o jogo
em referência e alguns outros jogos. Em seguida aprofundamos o estudo dos conceitos
probabilísticos que permeiam o jogo e as possíveis articulações com situações da
historicidade do conceito de probabilidade.
Figura 2: Localização do Povo Igbo da Nigéria (em verde no mapa)
Fonte: http:// cp2.g12.br/blog/saocristovao2/files/2019/04/SociedadesReinosAfricanos.pdf
Um dos objetivos do trabalho com o Jogo Igba-Ita é que conceitos fundamentais
para o ensino e aprendizagem da probabilidade, tais como espaço amostral e
aleatoriedade, sejam revisitados por meio de uma construção significativa deste
conhecimento.
Outro objetivo é oferecer aos professores outros contextos possíveis de
desenvolvimento do raciocínio probabilístico para o trabalho em sala de aula com a
ideia de acaso, espaço amostral e quantificação de probabilidades, sob o ponto de vista
de sua gênese histórica. Contudo o objetivo primordial é a vivência de uma prática
matemática de base africana, particularmente, do povo Igbo da Nigéria (Figura 3).
Figura 3: Igbos
Fonte: http://igboupf14.blogspot.com/p/sociedade.html
Os jogadores apostam uma, duas ou três conchas no centro, chamando de
“bolo”. O desafiador lança as quatro conchas. O desafiador ganha o bolo de apostas
quando as conchas caírem de uma das seguintes maneiras:
Quatro conchas com as aberturas para cima
Quatro conchas com as aberturas para baixo
Duas conchas para cima e duas conchas para baixo
O desafiador pega todas as conchas do bolo e continua a lançar quatro
conchas. Se o desafiador perder, o “bolo” permanece no centro. E a vez passa para o
próximo jogador que se torna o novo desafiador. Se a qualquer momento um jogador
não tiver no mínimo 4 conchas para apostar, sairá do jogo. O vencedor é aquele que
tiver mais conchas. Por fins didáticos é necessário decidir antecipadamente a quantidade
de rodadas, caso contrário o jogo poderá se estender por um tempo maior. Para uma
melhor compreensão do jogo e dos conceitos probabilísticos abordados indicamos a
leitura do artigo O Jogo Igba-Ita e a construção do conceito de probabilidade (SILVA E
CARVALHO, 2014). Na figura 4 temos o registro de partidas do jogo com os
participantes das oficinas.
Figura 4: Partida do Jogo Igba-Ita
Fonte: o autor, 2018
Chamamos a atenção para a importância de recursos didáticos que sejam
desencadeadores de maiores reflexões no chão da sala de aula. Umas das reflexões que
fizemos no grupo, e que, como já dissemos anteriormente, amplia as possibilidades que
o professor de matemática pode lançar mão, seria o significado simbólico de levar para
o espaço escolar as conchas. As referidas conchas podem se constituir como um
elemento que revele preconceito e resistência por parte dos estudantes; um dos
participantes em uma das oficinas pontuou que os estudantes podem associar as conchas
com “macumba” e revelar uma compreensão embebida por discursos que não respeitam
as religões de matriz africana.
Destacamos ainda que ao mesmo tempo em que jogamos estamos vivenciando
uma forma de conhecimento e de prática cultural de um grupo étnico-racial, tal ação nos
fortalece enquanto práticas negras de imenso valor cultural e científico. É necessário o
enfrentamento ao que Silva, Farias e Silva (2017) nos apontam como o estabelecimento
de uma positivação da racionalidade dos europeus bem como a negação de outras
formas de conhecimentos matemáticos como as dos índios e as dos africanos na escola.
Considerações finais
Nos tempos atuais, particularmente no contexto brasileiro, se torna importante a
valorização de atividades com professores e futuros professores de matemática para
fortalecimento e reconhecimento de suas raízes, culturas, e não menos importante, uma
compreensão significativa sobre as origens do conhecimento matemático.
Salientamos, por exemplo, que o modo ocidental de contar não é o único e
diferentes povos e civilizações desenvolveram métodos particulares de resolver os
problemas matemáticos, até hoje utilizados por diferentes povos (SILVA, FARIAS E
SILVA, 2017). Como enfatiza Cheikh Anta Diop, a matemática pitagórica, a teoria dos
quatro elementos de Tales de Mileto, o materialismo epicureano, o idealismo platônico,
o judaísmo, o Islã e a ciência moderna têm suas raízes na cosmogonia e na ciência
africana do Egito (NASCIMENTO, 2007).
A partir da imersão nas oficinas formativas com professores em exercício e
futuros professores de matemática e a vivência de abordagens didáticas que localiza os
conhecimentos africanos da África e da diáspora africana acreditamos que há caminhos
possíveis para o enfrentamento ao racismo, inclusive por meio do reconhecimento
histórico e cultural do legado do povo negro na ciência. Para Nascimento (2009) uma
abordagem afrocentrada colaborará na transmissão de geração em geração de crenças,
costumes, hábitos, conhecimentos e valores afro-brasileiros sem culpa, medo e
distanciamento.
Reafirmamos que conhecer, discutir e refletir, por meio de espaços de formação
inicial e continuada, pode possibilitar um rebatimento em nossas propostas
metodológicas para construção do conhecimento matemático no chão da sala de aula,
reverberando para a constituição de espaços democráticos e cidadãos mais conscientes
com respeito às questões sobre identidade negra e racismo.
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