Download - indispensá- câno- pôde 1982 N... · 2015. 2. 13. · com Deus, epara alcançar isso servia-se do en-tendimento. Sua condição de homem religioso e ao mesmo tempo pensador impediu-lhe

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Não se conhecem detalhes acerca de comoessas inquietações se desenvolveram noespirito de Espinosa, só sabemos que muitocedo manifestou desejo de estudar as novascorrentes científicas. Para isso, era indispensá-velo conhecimento do latim, que continuavasendo a lingua dos sábios, o que ofez tornar-sealuno de Francisco van den Ende, médico elivre-pensador que, além de ensinar-lhe as lln-guas clássicas, iniciou-o no pensamento carte-siano.

A nova educação e as próprias convicçõesalhearam Espinosa de seus companheiros dereligião. Nunca pretendeu ser um agitador, po-rém, com o decorrer do tempo, viu que era im-possivel acomodar sua vida aos estreitos câno-nes da ortodoxia judaica. Ao morrer seu pai,em 1654, pôde desenvolver-se com maior de-sembaraço: deixou de visitar. a Sinagoga e depraticar os jejuns, e travou estreitas relaçõescom cristãos. O choque surgiria fatalmente. Aprincípio os judeus guardaram silêncio, pois te-miam que o proceder de um homem de quemtanto haviam esperado pudesse ter imitadores.Quiseram retê-Io com dádivas, e se lhe prome-teu uma pensão anual se, pelo menos em apa-rência, permanecesse fiel à religião judaica.Quando Espinosa rechaçou essa indigna pro-posta, foi perseguido e renegado. Seu cunhadoe sua irmã quiseram exclui-Io da herança pa-terna, porém, recorrido ao tribunal holandês,ganhou o pleito; no entanto, depois disso cedeua seus irmãos por sua propria vontade aherança, reservando-se tão-só uma cama.

Em 1656, os rabinos lançam sobre ele a ex-comunhão maior e o expulsam da comunidade.A fórmula da excomunhão, que datava dos pri-meiros tempos da Idade Média, era terrivel.Eis aqui algumas de suas mais importantes im-precações:

"Por decisão angélica e expressão manifestados santos; com a aprovação de Deus e de todaesta Comunidade, excomungamos, expulsa-mos, anatematizamos e maldizemos a Baruchd'Espinosa ... Maldito seja no dia e na noite;maldito seja ao deitar e ao levantar; malditoem sua saida e maldito em sua entrada! Quejamais Deus lhe perdoe! ... Mandamos queninguém trate com ele por palavra ou por es-crito; que ninguém, lhe preste socorro nem favoralgum; que ninguém esteja com ele sob omesmo teto nem se lhe aproxime a 'quatro va-

No século XVI, os numerosos judeus que vi-viam na Espanha foram objeto de constantesperseguições. Convertidos à força em cristãos,continuaram sendo suspeitos aos olhos da In-quisição, e incessantemente temiam por suavida. Em princípios do século XVI I, os PaísesBaixos lhe ofereceram refúgio, pois haviam re-cobrado a liberdade através da luta contra osespanhóis, e praticavam a religião protestante.Ali os judeus voltaram às suas antigas crençase viveram em conformidade com as leis do Tal-mudo De uma destas familias de emigradosnasceu, em 1632, Baruch d'Espinosa, em Ams-terdam.

Estudou na academia israelita de Amster-dam, onde aprendeu hebraico, leu a Biblia e oTalmud, e·aguçou seu talento na interpretaçãode seus textos. Demonstrando muita inteligên-cia, consagrou-se à teologia judaica, e, como

, não tinha vocação para comerciante, seus com-patriotas viram nele a futura coluna sustenta-dora da Sinagoga. Porém estas esperançasdos rabinos se frustraram quando Espinosa sededicou ao estudo do racionalismo.

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ras de distância: que ninguém leia uma obracomposta ou escrita por ele!"

A excomunhão significava para Espinosa aseparação de todos os seus companheiros dejuventude; ao que parece, desde então nenhumjudeu manteve contato com ele. Não contentescom isto, os rabinos quiseram persegui-lo tam-bém como cidadão, e conseguiram expulsá-lode A msterdam , apresentando-o ante os pro-testantes como homem perigoso para a reli-gião. Graças à tolerância das autoridades ci-vis, pôde residir tranqüilamente numa aldeiadistante poucas milhas daquela cidade.

Espinosa teve de acomodar-se às novas con-dições de sua vida; estava resolvido a não fazernada contra suas convicções e a evitar, atéonde possível, todo conflito ou luta com os queo rodeavam. Não abraçou nunca o cristia-nismo, porque apesar do altissimo respeito quenutria pela moral de Cristo, não admitiu ja-mais os dogmas da igreja cristã. Esteve em es-treita relação com algumas seitas que só eramtoleradas na Holanda, comunidades que emsua essência aceitavam o Cristianismo para areforma moral de sua vida, porém em relaçãoaos dogmas deixavam seus membros em abso-luta liberdade.

Como carecia de recursos e não podia obtercargo algum nem dedicar-se ao ensino, teve deapela" para o trabalho manual para ganhar osustento. Aproveitou seus conhecimentoscientíficos e se dedicou a preparar cristais paralentes de telescópios, dos quais havia naquelaépoca grande demanda em conseqüência dosdescobrimentos astronômicos, sendo, emtroca, muito poucos os que sabiam fabricá--los.

O tempo que o seu trabalho lhe deixava li-vre, dedicava-o ao estudo. Em princípio viveucom simplicidade e modéstia numa aldeia pró-xima a Amsterdam, depois em Leiden, perto deHaya, e por último nesta cidade. Espinosa to-mou parte ativa nas questões que agitaramseus contemporâneos. A liberdade religiosa aaHolanda, país que havia dado hospitalidade aseus pais, e que a ele havia proporcionado umrefúgio seguro contra todas as preocupações,estava seriamente ameaçada: os calvinistas,que por razões políticas tinham-se filiado àcasa dos Orange, tratavam de impor o pre-domínio de sua Igreja. Espinosa interveio nes-tas contendas com a publicação (1670) de seu'Tratado Teológico-político ", que, como opróprio nome indica, ocupa-se das relações en-tre a teologia e a política, entre a Igreja e o Es-tado, e no qual sustenta a superioridade deste ecombate a influéncia política do clero; aomesmo tempo nega a origem divina da Bíblia,fazendo uma crítica histórica do Antigo Testa-mento, para o qual estava capacitado pela for-mação judaica de sua juventude. O audaz es-crito alcançou grande ressonância, e era tantaa indi nação rovocada com sua publicação,

quanto o desejo de lê-lo. Apareceram numero-sas réplicas, e o autor teve de sofrer as conse-qüências de sua ousadia. Seus amigos pessoaiso abandonaram, e a perseguição ameaçava al-cançar por igual a obra e o autor. A proteção deJan de Wit, diretor naquela ocasião da políticaholandesa, livrou-o de um sério perigo. Entre-tanto, começava a oscilar a posição de Jan deWit, que havia descuidado da organização doexército terrestre, preocupando-se somente daarmada, debilitando assim a resistência holan-desa contra a invasão das tropas de LuIS XlV.A indignação popular, sustentada pelo clero,culminou em 1672 com o terrível assassinatode Jan de Wit e de seu irmão. O filósofo, de tãopacífico temperamento, revoltou-se contraaquele crime vergonhoso e quis expressar seuprotesto colocando nos muros de sua casa umaplaca, na qual dizia que os habitantes de Hayaeram os maiores bárbaros do mundo. Indubi-tavelmente pereceria vítima da ira popular se odono da casa não lhe tivesse ocultado, impe-dindo a agressão.

Isto explica porque Espinosa não publicara,sob seu nome, mais que uma exposição da filo-sofia de Descartes, o qual escreveu para umdiscípulo seu que não era capaz de receber aexposição de suas próprias idéias e doutrinas.Este livro valeu o chamado da Universidade deHeidelberg, que, em carta dirigida a Espi-nosa, lhe assegurava a liberdade de ensino, po-rém com a condição de que não diria nada con-tra a Igreja. Espinosa sabia que não tardariamem surgir novos conflitos, e com a claridade ecalma que punha sempre em seus assuntos pes-soais, não quis aceitar tão honroso chamado.Continuou, pois, seu sistema de vida; porém oduplo esforço, intelectual e físico, de seu traba-lho, e o pó de cristal que se produzia com o po-limento, prejudicou sua delicada saúde,levando-o a contrair uma afecção pulmonarque lhe causou morte prematura, com a idadede 45 anos. '

Seus amigos publicaram, pouco depois, suasobras, entre as quais figuravam a principal, aque Espinola havia posto o título de "Ética",ou "Teoria ou Doutrina da moral ou da vidajusta" .

Espinosa era de temperamento profunda-mente religioso, que aspirava à união íntimacom Deus, e para alcançar isso servia-se do en-tendimento. Sua condição de homem religiosoe ao mesmo tempo pensador impediu-lhe acei-tar o credo de alguma ordem religiosa; isto seexplica devido a que a submissão e o acomoda-mento exteriores são mais fáceis para tempe-ramentos de pensamento menos claro ou desentido religioso mais débil que o seu. Se qui-sermos compreender a filosofia de Espinosa,convém relacionar estas aspirações, profunda-mente arraigadas na alma do filósofo, encami-nhadas a fundamentar uma vida moral e reli-giosa por meio do pensamento.

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O PENSAMENTO DE ESPINOSA

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Deus é o ser absolutamente perfeito, con-teúdo e resumo de todo ser; nada há fora delee, por conseguinte, é o único a que se pode cha-mar substância. Da natureza e conceito destasubstância única, infinita, que tudo abarca,procede, com necessidade matemática, todoser e todo não-ser. Para Espinosa, a criação doUniverso não é nem pode ser um ato livre queDeus pudesse deixar de realizar a sua vontade:Deus é a unidade do mesmo Universo; e consti-tui um atributo essencial e necessário da divin-dade o manifestar-se neste Universo. Todo oindividual e distinto só é real quando participada divindade. A idéia da individualidadebaseia-se numa limitação e, portanto, numanegação: nós (individualidade) somos homensunicamente (limitação] porque não somos ani-mais, plantas ou pedras (negação); podemosescolher uma determinada profissão enquantorenunciamos a todas as demais possibilidadesde preocupar-nos com o sustento. Esta conclu-são nos permite compreender o principio me-diante o qual Espinosa pretende derivar da uni-dade da natureza divina a especialidade indivi-dual dos distintos seres; toda concreção ou de-terminação é uma negação.

Todas as coisas distintas, corpos ou almas,não são senão uma conseqüência necessária eoutras tantas limitações de uma natureza di-vina, verdadeiramente ativa e eficiente; e esta éde tal índole, que se emana e manifesta em for-mas infinitamente variadas. Espinosa designacom O nome de atributos a esses desdobra-mentos ou modos de manifestar-se a divindade,cada um dos quais independente de todos osdemais e ilimitado em seu gênero. Dos infini-tos atributos da divindade, só dois nos sãoacessíveis: a extensão ou o mundo corporeo, eo pensamento ou o mundo do espírito. Ambossão totalmente independentes um do outro; po-rém, como os dois pertencem à mesma unidadedivina, que tudo abarca, um e outro estão regi-dos pela mesma ordem regular. Nem nossopensamento, nem nossa vontade movem nossobraço; porém este obedece a nossa unidadecom Deus pelo fato de que, quando queremosmover o braço, no mesmo instante se produz,pela lei de necessidade do fenômeno fisico, ummovimento cerebral, que é causa do movi-mento do braço. Um pensamento não pode serjamais a causa de um movimento, nem vice-versa; porém, como os pensamentos e os movi-mentos procedem da mesma necessidade di-vina, a conexão das coisas corporeas é idênticaao enlace e ao trabalho dos pensamentos.

Daí se deduz também que a toda coisa cor-porea corresponde um ser animico. Nossaalma não é já uma verdadeira substância, masuma parte da ordem divina do mundo espiri-tual, que corresponde a uma determinada

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-P..a/~(~t)dÇl,(p,:~m/jiv~nÇJ)f{C?,:lflfrJ(kvl{('R~",((Q\C(Pseja, ao nosso corpo. Se e certo para nosso Icorpo, deve sê-lo também para os demais cor-pos. Espinosa não se vê impelido a negar queos animais tenham alma, porque estes nãoconstituem uma exceção no mundo concebidopelo filósofo; antes, inclui as coisas aparente-mente inanimadas que devem ter algo espiri-tual. Para Espinosa, nós mesmos pertencemosou formamos parte de uma ordem necessáriaque nossa vontade não pode alterar um mínimosequer. Segundo esta ordem, é absurdo pensarque o homem possa influir de algum modo nomundo corpóreo. Na natureza não há fins, nemconveniência ou adaptação a esses fins, senãocausas e ações necessárias destas causas, e amesma necessidade impera também na esferaespiritual. Todo ato de nossa alma procede,com matemática necessidade, da maneira dedesenvolver-se a divindade, ou é um atributo dopensamento, da mesma maneira que a quedade uma pedra lançada ao ar procede do atri-buto da extensão. Daí que o filósofo deva con-templar os sofrimentos humanos com a calmafria e racional com que contempla as figurasgeométricas, ou melhor, sem amor ou temor,porque também procedem necessariamente deDeus e devem ser compreendidos nesta necessi-dade.

Claro é que num mundo tão lógico e severa-mente uniforme e ordenado não cabe a liber-dade da vontade. Nossas ações e pensamentossão tão necessariamente determinados pelacorrelação divinamente natural, quanto o mo-vimento giratório da Terra ou a queda da pe-dra. Os homens se enganam quando acreditamque são livres; e o motivo desta opinião é quetêm consciência de suas ações, porém ignoramas causas que as determinam; por conseguinte.o que constitui a própria idéia de liberdade é ofato de desconhecerem a causa de suas ações.Dizem que as ações humanas dependem davontade, mas isto constitui umafrase sem sen-tido, porque todos ignoram o que é a vontade ecomo a vontade pode mover o corpo.

Assim, um menino acredita que o seu apetiteé livre, quando tem vontade de beber leite, domesmo modo um encolerizado quando pre-tende vingar-se, ou um covarde ao fugir. Umhomem em estado de embriaguez acredita di-zer muita coisa, que a livre vontade da Almanesse estado lhe dita, e que fora dessa situaçãoele jamais diria: igualmente o que delira, ocharlarão, a criança, e um grande número depessoas de semelhante espécie, acreditamfalarporque o livre mando da alma assim o quer,não podendo, portanto, conter o impulso que osleva a falar.

A experiência mostra, pois, que a razão emque os homens se fundam para se julgarem li-vres, está na consciência das suas ações e naignorância das causas que as determinam:além do mais, os decretos da alma não são mais

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quando os homens vivem dirigidos pela razãoconcordam mais em natureza: e, por conse-guinte, quanto mais procura cada um o que lheé útil, mais úteis são os homens uns para comos outros.

Agir por virtude é agir sob o -governo da ra-zão, e tudo aquilo para o qual nos esforçamos,dirigidos pela razão, chama-se conhecimento:assim, o bem supremo dos que seguem a vir-tede é conhecer Deus, ou melhor, um bem co-mum a todos os homens, que pode ser possuidoigualmente por todos, enquanto são da mesmanatureza. O bem que se deseja para si mesmo,que se segue de virtudes, é também desejadopara os outros homens, tanto mais quantomaior seja o conhecimento que se tenha adqui-rido a respeito de Deus.

Chama-se moralidade ao desejo de fazerbem, que se origina disto que nós chamamos ogoverno da razão. Quanto ao desejo que temum homem de unir-se aos outros, através doslaços da amizade, chama-se honradez: honra-dos os que aplaudem os homens que vivem diri-gidos pela razão, e vis os que se opõem ao esta-belecimento de amizade. Percebe-se facilmentea diferença que existe entre a impotência e averdadeira virtude, pois, enquanto esta últimaresulta apenas em agir sob o governo da razão,a impotência consiste unicamente em que o ho-mem se deixe passivamente conduzir pelas coi-sas exteriores, que lhe determinam a fazer oque pede a constituição do mundo exterior enão o que exige a sua própria natureza consi-derada em si mesma.

É útil, também, antes de tudo aperfeiçoar-mos o entendimento ou a razão, enquanto issoseja possivel. A felicidade suprema ou a beati-tude do homem, consiste apenas nisto, porquea beatitude não é outra coisa que o contenta-mento interior que nasce do conhecimento in-tuitivo de Deus: aperfeiçoar o entendimentonão é outra coisa são conhecer Deus e os atri-butos de Deus, com as ações que dai se deri-vam pela necessidade da natureza. Por isto ofim último do homem, conduzido pela razão,ou seja, o desejo supremo com o qual ele pre-tende dirigir todos os outros desejos, é que oleva a conceber adequadamente todas as coisasqeu podem ser para ele objeto de claro conheci-mento. Pois as coisas são boas somente na me-dida em que ajudam o homem a desfrutar avida da alma, que justamente é definida peloconhecimento claro: dizemos que são más uni-camente aquelas coisas que, pelo contrário,impedem o homem de aperfeiçoar a Razão edesfrutar a vida de acordo com ela.

Vê-se, com facilidade, em que difere um ho-mem conduzido apenas pela emoção e aqueleoutro que é dirigido pela razão. O primeiro,queira ou não, não sabe de modo algum o quefaz: o segundo não faz mais senão agradar a simesmo, ou, ainda, faz somente aquilo quesabe, que está colocado em primeiro lugar den-

que os próprios apetites e variam, por conse-qüência. seguindo a disposição variável docorpo. Na verdade. os que acreditam que falamou silenciam, ou que realizam uma ação qual-quer através da vonrade da alma, sonham comos olhos abertos.

Esta doutrina é útil em quatro aspectos: 1)porque nos ensina que agimos unicamente pelogosto de Deus e que participamos da naturezadivina: 2) porque nos ensina como devemoscomportar-nos quanto aos êxitos da fortuna:esperar e suportar, com a mesma disposição,uma e outra face da sorte, uma vez que todasas coisas derivam de Deus: 3) porque nos en-sina a não odiar, nem depreciar ninguém, anão enganar, ou sentir cólera por alguém, ouainda não invejar aos demais. Ensina cada uma se contentar com o que tem e a ajudar o pró-ximo, não por piedade, por parcialidade ou su-perstição, mas por convicção racional, pelo go-verno da razão, segundo exigem as situações: e4) ensina, também, a condição pela oual aspessoas devem ser governadas e dirigidas, paraque cheguem livremente ao melhor, e não paraserem escravas.

Quanto ao mal e ao bem, não indicam nadade positivo ou negativo nas coisas. São apenasmodos de pensar ou noções que formamos,porque comparamos as coisas entre si. Umamesma coisa pode ser, ao mesmo tempo, boa emá, e também indiferente: por exemplo, amúsica é boa para o melancólico, má para oaflito, mas para o surdo não é boa nem má.Entendemos por bom aquilo que sabemos, comcerteza, que é um meio de nos aproximar cadavez mais do modelo da natureza humana talqual a concebemos. Pelo contrário, entende-mos que é mau aquilo que sabemos, com cer-teza, que nos impede de reproduzir um modelo.

Com respeito à virtude, o seu princípio é opróprio esforço para conservar o seu ser (di-vino) e a felicidade consiste no fato de o ho-mem poder conservar o seu ser: a virtude deveser desejada por si mesma, e não existe coisaalguma mais valiosa que ela: ou que nos sejamais útil. Quanto mais nos esforçamos em pro-curar o que é útil, ou seja, conservar o nossoser, e quanto maior for o nosso poder em con-seguir isto, mais dotados estamos de virtude:ao contrário, à medida que não conservamos oque é útil, o nosso ser, vamos ficando impoten-tes.

Não se dá coisa alguma singular na Natu-reza mais útil ao homem, que um homem viversob o governo da razão, porque o mais útilpara o homem é o que se acha mais de acordocom a sua natureza. O homem, portanto, ageabsolutamente pelas leis de sua natureza,quando vive sob o governo da razão, e somentenesta medida concorda sempre, necessaria-mente, com a natureza do outro homem: nãohá, pois, nada entre as coisas singulares maisútil ao homem ue um outro homem. Assim,

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tI'Oda vida, e que e o que ele deseja mais poresta mesma razão. Chama-se, em conseqüên-cia, servo o primeiro, e livre o segundo. Um ho-mem livre não pensa em coisa alguma, nem namorte: sua sabedoria é uma meditação, nãoem torno da morte, mas em torno da vida.

A verdadeira liberdade do homem relaciona--se com a firmeza da alma. E o homem dealma forte considera, antes de mais nada, quetudo se deriva da necessidade da Natureza di-vina e que, por conseguinte, se em sua opiniãoalguma coisa é considerada como insuportávele má, imoral, digna de horror, baixa ou in-justa, é porquejulga as coisas de uma maneiradesordenada, incompleta e confusa: por estemotivo, esforça-se antes de tudo em concebê--Ias como são em realidade e em afastar os obs-táculos que se opõem ao conhecimento verda-deiro, tais como o ódio, a cólera, a inveja, aironia, o orgulho e tantos outros semelhantes,'portanto esforça-se, no possível, em fazer obem e manter-se feliz.

Concluindo, o ignorante, além de ser agi-tado de muitas maneiras em face das causasexteriores, não possui nunca o verdadeiro con-tentamento interior: está numa inconstânciaquase completa em relação a si mesmo, a Deuse às coisas, e tão logo cessa de sofrer, tambémcessa de ser.

Ao contrário, o sábio, considerado como tal,não conhece a perturbação interior, senão quetem, por causa de certa necessidade eterna,consciência de si mesmo, de Deus, das coisas,e assim jamais cessa de ser, porque possui overdadeiro contentamento. Entretanto, se o ca-minho que conduz até aqui parece difícil, nempor isso devemos deixar de percorrê-lo. Certa-mente, tem de ser difícil o que é encontradocom tão pouca freqüência. Se a salvação esti-vesse em nossas mãos, se pudéssemosconsegui-Ia sem grande esforço, é possivel quea desdenhássemos, como fazem quase todos.Tudo o que é belo, é também difícil e raro.

LUCY BLUMENTAL

Bibliografia1. Zweig, Arnold "O Pensamento Vivo de

Espinosa"Livraria Martins Edi-tora S.A., São Paulo,1955"Los Grandes Pensado-

res"Editoral Labor, S.A.,Barcelona, 1935

2. Cohn, lonas

o Sistemade memóriada abelha

As abelhas possuem um sistema memoriza-dor surpreendentemente sofisticado que as ca-pacita a viajar em busca de alimento em diasnublados, de acordo com dois biólogos de Prin-ceton.

Já é fato conhecido há muito tempo que asabelhas vaculhadoras usam o Sol como umponto de referência para sua orientação de vôo.Elas também informam uma às outras a dire-ção onde está o alimento mediante uma dançacomplicada, baseada na posição do Sol e doalimento. Mas como podem elas executar essadança em dias nublados, quando não podemver o Sol?

Existem três possibilidades principais, se-gundo Fred C. Dyer e James L. Gould, em ar-tigo publicado na revista Science. As abelhas

. podem ver os raios ultravioletas do Sol atravésdas nuvens. Ou podem empregar um compassomagnético tal como o usado pelos pombos--correio em dias enevoados. Ou então, elas po-dem recordar a posição do Sol assumida emdias anteriores.

Para testar tais possibilidades, os dois biólo-gos idearam uma experiência de duas etapas.Primeiramente, eles colocaram uma colméia eum suprimento de alimento ao longo de umafi-leira de árvores efizeram as abelhas se acostu-marem a seguir as árvores para obterem seu a-limento.

Então, eles deslocaram a colméia para umoutro lugar junto com dois suprimentos de co-mida - um na mesma direção periférica comoa do suprimento anterior, e o outro numa dire-ção diferente, mas ao longo da mesma linha deárvores.

Em dias ensolarados e no novo local. todasas abelhas incorporaram a posição direcionalcorreta do Sol em suas danças. mesmo se con-fiassem em acompanhar a fileira de árvorespara encontrar seu alimento. Mas em dias nu-blados. as abelhas acompanhavam a fileira deárvores e embora executassem a sua dança.esta não era a correta para a sua nova posição.conquanto o fosse para a localização anterior.As abelhas. aparentemente. estavam confiandona sua lembrança do rumo anterior do Sol enão podiam determinar a posição do astro di-retamente.

O sistema de orientação das abelhas produ-toras de mel. cone/uem os biólogos. é sofisti-cado bastante para conservar a memória dotempo e ter a noção do movimento do Sol du-rante o dia. [Extraido do Jornal do Brasil-27.12.81)

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