FACULDADE MERIDIONAL - IMED
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM
AMARTYA SEN COMO FUNDAMENTO DAS DECISÕES DO STF
NOS ANOS DE 2013 E 2014
MARLON ANDRÉ KAMPHORST
Passo Fundo, 2015
COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR MERIDIONAL - IMED
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO – PPGD
CURSO DE MESTRADO EM DIREITO
O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM
AMARTYA SEN COMO FUNDAMENTO DAS DECISÕES DO STF
NOS ANOS DE 2013 E 2014
MARLON ANDRÉ KAMPHORST
Dissertação apresentada à Faculdade Meridional/IMED, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Direito, na linha de pesquisa “Direito, Democracia e Sustentabilidade”, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Neuro Jose Zambam
Coorientadora: Profa. Dra. Salete Oro Boff
Passo Fundo, 2015
CIP – Catalogação na Publicação
K15d Kamphorst, Marlon André
O direito ao desenvolvimento sustentável em Amartya Sen
como fundamento das decisões do STF nos anos de 2013 e
2014 / Marlon André Kamphorst. – 2015.
149 f.: il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade Meridional – IMED, Passo Fundo, 2015.
Orientação: Prof. Dr. Neuro José Zambam. Coorientação: Profa. Dra. Salete Oro Boff. 1. Sen, Amartya Kumar, 1933 -. 2. Desenvolvimento
sustentável. 3. Brasil. Supremo Tribunal Federal. I. Zambam, Neuro José, orientador. II. Boff, Salete Oro, coorientadora. III. Título.
CDU: 503.2:34
Catalogação: Bibliotecária Angela Saadi Machado - CRB 10/1857
DEDICATÓRIA
Dedico a todas as pessoas que entendem que o respeito à vida não se
circunscreve à vida humana e que veem na proteção à natureza uma forma de
amar ao próximo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha noiva Greice pelo incentivo, compreensão, companheirismo e
amor de todas as horas. A minha mãe, pai (sempre presente) e irmão pelo
incentivo, serenidade e pelos exemplos de vida e pela amizade incondicional.
Agradeço também a meu orientador professor Neuro Zambam, pela parceria,
ensinamentos e companheirismo; a professora Salete Oro Boff, pelos conselhos,
bem como todo o corpo docente e aos funcionários do Curso de Mestrado em
Direito da IMED pelos fartos ensinamentos de Direito e de vida. Por fim, agradeço
aos queridos colegas da turma 2013/2015 pelo convívio alegre e prazeroso, pela
amizade que se mantem e pelas experiências compartilhadas.
EPÍGRAFE
Desenvolvimento e a eliminacao de privacoes de liberdade que limitam as
escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua
condicao de agente.
Amartya Sen
RESUMO
Resumo: O objetivo deste estudo é fundamentar o desenvolvimento sustentável
como um direito fundamental. A pesquisa é uma exigência do PPG da IMED
como trabalho de conclusão do Mestrado em Direito, e está vinculada a linha de
pesquisa “Fundamentos do Direito e da Democracia” e possui como marco teórico
Amartya Sen. O método utilizado será o dedutivo, com a finalidade de obter uma
conclusão acerca das premissas apresentadas. A existência de um direito
fundamental é a premissa maior e o desenvolvimento sustentável, a menor. Como
técnica de pesquisa será abordado o panorama geral da problemática do
desenvolvimento econômico especialmente nas obras “Sobre Ética e Economia”,
“A Ideia de Justica”, “As Pessoas em Primeiro Lugar: a etica do desenvolvimento
e os problemas do mundo globalizado” e “Desenvolvimento como Liberdade” de
Sen, em dialogo com outros autores e comentadores no objetivo de deduzir com
base na Constituição Federal e nas decisões do STF a existência de um direito
fundamental ao desenvolvimento sustentável. O fenômeno ambiental se constrói
sobre um aparente dilema entre desenvolvimento e preservação implicando a
construção de novos padrões de comportamento a serem observados tanto pelo
Estado quanto pela sociedade civil em busca de um ideal de sustentabilidade.
Nesse sentido, o sistema de proteção dos direitos fundamentais estabelecidos
pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garante igualmente,
através do artigo 225, o direito e o dever de promover o equilíbrio do meio
ambiente tanto para as presentes como para as futuras gerações. Podemos
considerar o desenvolvimento sustentável um direito fundamental, imperativo da
interpretação sistêmica entre a Constituição e as decisões do STF, que lhe
confere, em grande parte dos julgados, notas de fundamentalidade. A teoria de
Sen contribui para a reestruturação e (re)valorização da economia para o bem-
estar humano, considerando os valores que cada cultura preconiza como
importantes para si e para sua coletividade, resgatando os sentidos do vínculo e
do limite das relações entre humanidade e natureza.
Palavras-chave: Democracia. Desenvolvimento sustentável. Direitos.
ABSTRACT
Abstract: The objective of this study is fundamental to sustainable development
as a fundamental right. Research is an IMED PPG's requirement as a working
conclusion of the Master in Law, and tied the line of research "Law Basics and
democracy" and has the theoretical basis Amartya Sen. The method used will be
deductible, with the order to obtain a conclusion of the assumptions presented.
The existence of a fundamental right is the major premise and sustainable
development, the smallest. As a research technique will be discussed the
overview of the economic development issues especially in the works "On Ethics
and Economics", "Justice Idea," "The People First: the ethics of development and
the globalized world problems" and "Development as Freedom" Sen in dialogue
with other authors and commenters in order to deduce based on the Federal
Constitution and the decisions of the Supreme Court the existence of a
fundamental right to sustainable development. The environmental phenomenon is
built on an apparent dilemma between development and preservation implying the
construction of new patterns of behavior to be observed by both the state and civil
society in pursuit of an ideal of sustainability. In this sense, the system of
protection of fundamental rights established by the Constitution of the Federative
Republic of Brazil in 1988 guarantees also, in Article 225, the right and the duty to
promote the balance of the environment both for the present and for future
generations. We consider sustainable development a fundamental, systemic
imperative of interpretation between the Constitution and the decisions of the
Supreme Court, which gives it a large part of the trial, fundamentality notes. Sen's
theory contributes to the restructuring and (re) valorization of the economy to
human well-being, considering the amounts that each culture advocates as
important for you and your community, rescuing the senses of the bond and the
limits of the relationship between humanity and nature.
Keywords: Rights. Sustainable development. Democracy.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
STF Supremo Tribunal Federal
STJ
MP
Superior Tribunal de Justiça
Ministério Público
ONU
PNUMA
PNMC
PIB
ADI
CC
ADO
CPC
EUA
RE
MS
ADPF
Organização das Nações Unidas
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
Politica Nacional Sobre Mudanca do Clima
Produto Interno Bruto
Ação Direita de Inconstitucionalidade
Código Civil
Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão
Código de Processo Civil
Estados Unidos da América
Recurso Especial
Mandado de Segurança
Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 2
1 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO SUTENTÁVEL .................................. 8
1.1 O direito ao desenvolvimento e o distanciamento entre ética e economia 10
1.1.1 A liberdade como medida do desenvolvimento ................................. 20
1.2 A igualdade como alcance das capacidades ............................................ 30
1.2.1 Amartya Sen e o desenvolvimento sustentável ................................. 36
2 DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA
CF E NAS DECISÕES DO STF DOS ANOS 2013 E 2014 .............................. 45
2.1 O direito fundamental ao desenvolvimento sustentável .......................... 46
2.1.1 O artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil 50
2.2 A abordagem do STF sobre o desenvolvimento sustentável nos
anos de 2013 e 2014 ................................................................................ 56
2.2 A teoria de Amartya Sen como fundamento das decisões do STF ............ 67
3 A EFETIVAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO UM
DIREITO FUNDAMENTAL .............................................................................. 75
3.1 A legislação ambiental ............................................................................ 76
3.1.1 A judicialização do meio ambiente e os atores processuais ...... 87
3.1.1.1 O descumprimento da legislação e a responsabilidade por dano
ambiental . ................................................................................................... 94
3.2 Amartya Sen e a efetivação do direito ao desenvolvimento sustentável 100
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 114
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 122
2
INTRODUÇÃO
A sustentabilidade, ao longo das últimas décadas, tem atraído o
interesse dos mais diversos campos do conhecimento. A preocupação
ambiental passou a ser compartilhada a partir da constatação de um cenário
paradoxal, o esgotamento dos recursos naturais e a continuidade de um
modelo de desenvolvimento econômico que agrava, em larga medida, a
situação ecossistêmica da vida no planeta.
A profundidade desse binômio reflete, sobremaneira, na redução da
diversidade de biomas, espécies vegetais e animais, na diminuição sistemática
da capacidade autorregenerativa do ecossistema, no aumento das catástrofes
naturais, na redução da qualidade de vida das populações mais pobres e a
consequente degradação do sistema de proteção dos direitos fundamentais.
De um modo geral, há uma clara oposição entre o modelo adotado pela maioria
dos países e a constitucionalidade efetiva do desenvolvimento sustentável.
Apesar do aparato jurídico, político e social existente, ainda subsiste a
supressão de direitos fundamentais básicos como comer, morar e beber água
potável. Em um consolidado sistema de polarização social, caracterizado pelo
protagonismo econômico, o sujeito não só é privado dos direitos materiais de
subsistência como, em larga medida, também daqueles direitos ligados à
participação nos empreendimentos sociais e do Estado, da ciência, da
tecnologia, entre outros.
Nesse cenário, o direito fundamental ao desenvolvimento sustentável
vem sendo denegado em função do protagonismo econômico e suas metas,
que giram em torno do aumento do PIB, da valorização dos rendimentos do
capital fixo, do controle da inflação pela variação oportunista da taxa de juros,
entre outros fatores. Nesse contexto, o problema ambiental, de afetação
imediata no direito dos indivíduos e da sociedade, não raro é considerado
empecilho ao crescimento econômico.
Frente à afirmação inicial de que o direito ao desenvolvimento
sustentável constituiu-se positivamente em solo nacional, é perene que seja
analisado em que condições, diante da ordem jurídica, moral, política, social e
3
cultural esse direito fundamental vem se efetivando e, mais especificamente, se
de fato, existe a possibilidade do direito ao desenvolvimento sustentável.
Embora o direito exista, a sua efetivação carece de amparo nos poderes
constituídos, para que atuem de forma sistêmica. O legislativo deve produzir a
lei; o executivo fiscalizar essa mesma ordem para com todas as pessoas e
entidades e o judiciário aplicar com rigor as penas existentes, a fim de que seja
incorporada como lei moral válida para todos e culturalmente aceita,
correspondida e aplicada no dia a dia.
Frente a isso, Sen propõe que o crescimento econômico sirva a
liberdade, e o mecanismo de mercado e suas ramificações sejam instrumentos
pelos quais as populações implementem a condição de homens e mulheres
livres. Mais do que isso, desenvolvimento não é só crescimento econômico, é
também um conjunto de benefícios acessíveis a todos os indivíduos. Isso
implica, sobretudo, em um reposicionamento estrutural do significado e da
compreensão do desenvolver-se e do libertar-se, à medida que há,
paralelamente, uma tentativa de reaproximação de conceitos éticos aos
conceitos econômicos.
Nesse panorama, a principal certeza que emerge da aproximação entre
as liberdades e as igualdades, é que elas serão o substrato da ideia de
desenvolvimento na esteira da sustentabilidade. A proximidade desses
conceitos visa justamente a reavaliar o desenvolvimento a partir de uma
superação do axioma segundo o qual a economia é a única medida para se
afirmar o progresso.
A perspectiva desta dissertação perpassa a necessidade de
fundamentar o desenvolvimento sustentável como norma constitucional e sua
efetivação no cenário social, numa conjuntura que converge para o diálogo
interdisciplinar e demonstra os benefícios recíprocos das liberdades pessoais e
da legislação ambiental caminharem juntas.
Quando se aborda a aproximação entre o direito e a sustentabilidade, é
pertinente enfocar as possibilidades concretas para sua efetivação, eis que
mais do que mera adequação formal (previsão legal e caso concreto), a busca
pela realização de um direito fundamental insere-se na tentativa global de
4
preservar a qualidade de vida para todos, tanto para as atuais como para as
futuras gerações.
Esta pesquisa é uma exigência do PPG da IMED como trabalho de
conclusão do Mestrado em Direito, e está vinculada a linha de pesquisa
“Fundamentos do Direito e da Democracia” e analisará o debate
contemporâneo acerca do direito fundamental ao desenvolvimento sustentável,
sua existência e efetivação, utilizando como marco teórico as lições de Amartya
Sen, como balisador para as decisões operadas pelo STF nos anos 2014 e
2015. Como critério científico, foram analisadas todas as decisões que
envolvam desenvolvimento sustentável e direito fundamental, nos anos de
2014 e 2015, sendo que 17 (dezessete) decisões serviram de suporte as
citações diretas, indiretas e paráfrases na medida que, consideram o
desenvolvimento sustentável um direito fundamental.
Como técnica de pesquisa será abordado o panorama geral da
problemática do desenvolvimento econômico nas obras “Sobre Ética e
Economia”, “A Ideia de Justiça”, “As Pessoas em Primeiro Lugar: a etica do
desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado” e “Desenvolvimento
como Liberdade” de Sen, objetivando evidenciar que a economia não deve
estar somente ligada à busca do autointeresse e do acúmulo de bens, mas
também inserido em uma dimensão ética.
Sen recompõe o indivíduo como agente social que deve adotar uma
concepção ética, de modo a minimizar o seu autointeresse ao invés de
maximizá-lo para obtenção de satisfação pessoal. Um sujeito inserido neste
contexto, considera o seu meio envolvente e não somente suas motivações
pessoais, valendo-se das capacidades como maneira de aproximação ao agir
econômico sem negligenciar os aspectos éticos inerentes.
Portanto, o encontro das leituras de contexto realizadas por Sen e o
cenário político-jurídico brasileiro acerca do desenvolvimento sustentável é
capaz de subsidiar uma compreensão mais ampla das razões, dificuldades e
possibilidades de efetivação desse direito, razão que torna a pesquisa
pertinente, relevante e atual.
Nessa esteira teórico-analítica, o objetivo a ser alcançado é o de
analisar a existência de um direito fundamental ao desenvolvimento
5
sustentável, diante da previsão Constitucional (CF/1988), e da posição
emanada pelo STF, especialmente nas decisões analisadas nos anos de 2013
e 2014.
Assim, postula-se investigar com base no pensamento seniano, a
insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento que impede a adoção
de um padrão sustentável que promova as liberdades, as capacidades e a
realização humana. Do mesmo modo que, também, busca-se conceituar o
desenvolvimento sustentável a partir de sua previsão legal do artigo 225 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, considerando
decisões do STF, tendo como marco teórico inicial a ADI 3540/STF, julgada em
31 de Agosto de 2005, circunscrita pela análise das decisões do Supremo dos
anos 2013 e 2014, bem como apontar as condições, alternativas e
possibilidades para a sua efetivação.
Contudo, em termos mais específicos, a pesquisa pretende abordar o
contexto da efetividade do direito fundamental ao desenvolvimento sustentável,
mediante a análise do cenário que enseja a reflexão (distanciamento entre
ética e economia), os mecanismos jurídicos existentes no ordenamento
brasileiro e as possibilidades de sua realização.
Dessa forma, considerando os três principais núcleos da pesquisa (cisão
entre ética e economia, direito fundamental ao desenvolvimento sustentável no
ordenamento jurídico e formas de sua efetivação), o trabalho almeja analisar os
conceitos produzidos pela literatura afeta ao tema sustentabilidade em relação
às previsões legais e às decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal
Federal, sobretudo a partir de uma interpretação orgânica e dialética dessas
fontes de justificação do direito fundamental ao desenvolvimento sustentável.
Uma inspeção aos dispositivos legais e à jurisprudência correlata será
verificada nesse processo, considerando a ligação necessária que se
pretenderá buscar entre Constituição, decisões e a realização desse direito.
Neste sentido, procura-se analisar no primeiro capitulo os conceitos de
liberdade e igualdade propostos por Sen, no objetivo de fundamentar a
possibilidade e a necessidade de posicionar as pessoas como condicionantes
sociais, na busca de transpassar o modelo econômico e exclusivo de
progresso, com a afirmação da ética nas relações econômicas. Para, após,
6
desenvolver as diretrizes do desenvolvimento sustentável na visão seniana,
como substrato da fundamentação desse modelo de desenvolvimento vir a ser
qualificado com um direito fundamental.
No segundo capitulo, busca-se prover e justificar o desenvolvimento
sustentável como um direito fundamental, com esteio na Constituição Federal
Brasileira e na posição alicerçada pelo Supremo Tribunal Federal, no
julgamento de ações que se coadunam com a fundamentalidade desse modo
de desenvolvimento que compreende a proteção constitucional ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Asserção que vai ser corroborada pelas
decisões do STF analisadas, que implicam a proteção ambiental como bem
coletivo e considerada, em determinados aspectos, como prioridade em
relação à atividade econômica, cujos princípios devem ser ponderados e
harmonizados.
A efetivação do desenvolvimento sustentável demanda uma gama de
leis e ordenamentos jurídicos, a amparar a atuação judicial em defesa do meio
ambiente constituem o aspecto central do terceiro capítulo. Nessa perspectiva,
além da tímida atuação das instituições de defesa ambiental e do cidadão, o
surgimento do Ministério Público como defensor dos direitos difusos, é um
alento contra a impunidade tão vastamente produzida.
Trata-se também, a responsabilidade pelo dano ambiental quando
descumprida a legislação que sedimenta o desenvolvimento sustentável, o que
demanda em um aparato punitivo, mas que se arraiga a aspectos preventivos,
diante da atuacao do MP, notadamente por meio do inquerito civil e do termo
de ajuste de conduta, como forma ágil e eficiente de proteger o meio ambiente,
evitando-se a morosidade das demandas judiciais.
Considerando a natureza bibliográfica do presente trabalho, o metodo
adotado no seu desenvolvimento e o dedutivo, com o objetivo de deduzir a
conclusão de que o desenvolvimento sustentável é um direito fundamental,
diante das premissas apresentadas. A existência de um direito fundamental é a
premissa maior e o desenvolvimento sustentável, a premissa menor.
Para tanto, realizou-se pesquisa bibliográfica de vários autores acerca
do tema proposto, revisao de artigos doutrinários em revistas especializadas,
jornais, Internet, jurisprudencia e eventual coleta de dados junto à biblioteca e
7
jurisprudência do STF, através de consulta ao site (www.stf.gov.br),
diretamente aos arquivos de decisões e aos autos de processos na sede do
Supremo Tribunal Federal.
Por sua natureza democrática, essa análise repousa sobre a
necessidade de uma avaliação estrutural do atual modelo de desenvolvimento
e da própria interpretação; a imersão do sujeito no pensamento e na ação da
sustentabilidade como uma tarefa democrática séria, da qual depende o futuro
geracional do planeta; a chegada a um novo conceito e finalidade do
desenvolvimento a partir da liberdade, igualdade e democracia.
Esses pressupostos, afora outros, indicam a necessidade de formar uma
base, tanto interpretativa como de ação, para o projeto da participação social
enfocado pela sustentabilidade. Isso porque, a ligação a ser estabelecida entre
desenvolvimento como liberdade, participação social e sustentabilidade deve
ser democrática, acima de tudo. Não por conta de uma coerência meramente
conceitual, mas porque a participação do sujeito no mundo já não pode mais
ser pensada sem a democracia.
A partir dessa perspectiva inicial, é fundamental, pela ênfase que se
quer dar ao desenvolvimento sustentável, aproximar os conceitos de liberdade,
sustentabilidade e democracia. A produção de bens e serviços no
desenvolvimento sustentável, em um contexto de reconciliação entre ética e
economia, precisa estar alinhada com os direitos que emanam da Constituição
e no plano cotidiano da sociedade, representar mais qualidade de vida para
todos.
O cenário e as formas de atuação que limitam a compreensão do
desenvolvimento são passíveis de serem identificados pela análise de Sen; a
existência positiva do direito ao desenvolvimento sustentável é, por seu turno,
justificável a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e
da consagrada interpretação pelos tribunais superiores; por fim, o
relacionamento dialético dessas estruturas do conhecimento é capaz de
apontar alternativas e ações que redimensionem o caráter fundamental do
direito ao desenvolvimento sustentável.
8
1 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO SUTENTÁVEL
Ao verificar a aproximação do conceito de desenvolvimento com as
noções de liberdade e igualdade, Amartya Sen faz uma análise não circunscrita
apenas ao campo da economia, mas em um sentido mais apurado, em o
Desenvolvimento como liberdade. E, nesse panorama, a principal questão que
nasce dessa aproximação é: o que significa desenvolver-se com liberdade?
Mais do que isso: como a liberdade e a igualdade podem subsidiar a análise da
ideia de desenvolvimento na esteira da sustentabilidade? Por fim: é possível
afirmar, então, que a aproximação desses conceitos visa justamente a reavaliar
o conceito de desenvolvimento a partir da superação do axioma segundo o
qual a economia é a única medida para se afirmar esse desenvolvimento?
O ponto de partida de Sen é claro: o paradoxo entre
superdesenvolvimento e miséria. Como uma das mais drásticas marcas do
século XXI, a desigualdade social extrema requer, para dizer o mínimo, uma
profunda discussão sobre o que é o desenvolvimento e como ele deve atentar
para a liberdade e igualdade dos sujeitos que compõem, em todos os
segmentos, o tecido social (SEN, 2010).
É nesse contexto que o Desenvolvimento como liberdade passa a ter
sentido. Dentro de um consolidado sistema de polarização social, caracterizado
pelo protagonismo econômico e político – que sozinho intenta conceituar
desenvolvimento - o sujeito não só é privado dos direitos materiais de
subsistência como, em larga medida, também daqueles direitos ligados à
participação nos empreendimentos sociais e do Estado. Sob esse foco, a ideia
de desenvolvimento como liberdade passa a ser envergada em direção a essa
nova condição que o sujeito deve desempenhar: o de partícipe da dinâmica
social.
Contudo, inobstante essa breve aproximação, a menção ao
desenvolvimento, à liberdade, à igualdade e à participação social ainda parece
constituir-se um tema demasiado abstrato. Nessa senda faz-se imperioso
questionar: em qual plano a busca do sujeito por participação social – que visa
ao melhoramento da sua condição de vida e da comunidade – deve ser
9
desempenhada? Sob este aspecto, todo o conjunto de capacidades que podem
ser desenvolvidas pelo sujeito precisa ter um marco objetivo, realizável no
plano concreto.
É dessa necessidade de concreção que nasce a aproximação do
desenvolvimento como liberdade, participação social e sustentabilidade, que
vem a ser a determinante que especifica o plano de atuação do sujeito-
partícipe no mundo social. A partir disso, o sentido de se estimular a
participação social ganha corpo, mesclando a busca pela melhor condição de
vida a uma preocupação mais abrangente. A sustentabilidade é direcionada,
assim, para o campo democrático (unidade do pensar e do agir, da
epistemologia e da ética) com vista às condições reais de uma vida sustentável
no planeta.
Ainda assim, essa metodologia democrática do participar precisa
estabelecer consensos: de que é necessário partir de uma avaliação estrutural
do atual modelo de desenvolvimento (e da própria interpretação do mesmo); de
que a imersão do sujeito no pensamento e na ação da sustentabilidade é uma
tarefa democrática séria, da qual depende o futuro geracional do planeta; de
que a chegada a um novo conceito e finalidade do desenvolvimento só é
possível com as ideias de liberdade, igualdade e democracia.
Todos esses pressupostos, afora outros que é possível considerar, vão
indicar a necessidade de se formar uma base – tanto interpretativa como de
ação – para o projeto da participação social enfocado na sustentabilidade. Isso
porque, a ligação a ser estabelecida entre desenvolvimento como liberdade,
participação social e sustentabilidade deve ser democrática – acima de tudo.
Não por conta de uma coerência meramente conceitual, mas porque a
participação do sujeito no mundo já não pode mais ser pensada sem a
democracia. Esse filão democrático é, noutro aspecto, um método de trabalho
cujo fim aponta justamente para o seu próprio aperfeiçoamento.
A partir dessa perspectiva inicial, é fundamental, a ênfase que se quer
dar à noção de desenvolvimento de Amartya Sen, balizadora de toda
argumentação, que visa aproximar os conceitos de liberdade, participação,
sustentabilidade e democracia com vista a robustecer a condição de ativo,
social e participativo do sujeito contemporâneo. Aliás, é justamente o conceito
10
de capabilidade de Sen – a ser analisado – que condensa as propriedades
efetivas que aquele sujeito precisará reunir.
Assim, ter-se-á uma análise das razões que levam Sen a teorizar o
“desenvolvimento como liberdade” (é o panorama que circunda o livro) e uma
inspeção aos conceitos de liberdade e igualdade, umbilicalmente ligados
àquela dinâmica aproximativa. Tais análises serão desenvolvidas,
respectivamente, nos tópicos seguintes, não sem já direcionar tais conteúdos à
questão da participação democrática, das atuações específicas em prol do
direito à sustentabilidade. A arquitetura orgânica do trabalho servirá, nesse
sentido, para tornar o tema em sua totalidade, sem isolamentos temáticos e
conceituais.
1.1 O direito ao desenvolvimento e o distanciamento entre ética e
economia
Tratar do pensamento de Amartya Sen significa dizer a quem a obra
responde e a quais ideologias combate. O economista indiano, prêmio Nobel
de economia de 1988 e autor de Desenvolvimento como liberdade, é o primeiro
a fazer uma análise significativa da liberdade e que, em seu cerne, é sinônimo
de privação, miséria e empobrecimento multicontextual, sedimento substantivo
da “violacao de liberdades politicas elementares e de liberdades formais
básicas” (SEN, 2010, p. 9).
Amartya Sen, com uma coragem científica lúcida desmistifica, em larga
medida a liberdade, propalada pela intenção liberal de servir à vontade livre.
Quer dizer: trouxe a discussão do desenvolvimento para uma análise
eminentemente crítica da função que a liberdade e a igualdade cumprem na
delimitação do que é e do como se interpreta o desenvolver-se.
Nesse sentido, quando afirma que os conceitos técnicos mais
dramáticos da economia, como PIB, renda per capita servem como condições,
como meios para se pensar e realizar a expansão das liberdades (SEN, 2010),
rompe com um modelo de interpretação do desenvolvimento, segundo o qual a
economia é o único meio capaz e legítimo para medir o quão desenvolvida é
11
uma nação. É certo que a questão das condições de liberdade, em
determinada medida, é oriunda da teoria de John Rawls1, sobretudo à medida
que está “inserida nesse contexto de profunda preocupacao com a justica”
(ZAMBAM, 2004). Todavia, essa influência determinante sequer é negada pelo
economista.
Sob esse aspecto, a aproximação entre desenvolvimento e liberdade na
forma como preparada por Sen insere-se na estrutural tentativa de pensar uma
teoria da justiça para o mundo contemporâneo. Cuida-se, portanto, de uma
resposta a um progressivo e consolidado esquema de segregação ideológica
entre economia e ética, cuja pauta é estabelecida por um modelo neoliberal de
mensuração do progresso econômico. E, também por isso, aproximar
desenvolvimento de liberdade significa, portanto, reaproximar a economia da
ética. Esse último aspecto indica, por outro lado, a vigência de um corte
estrutural forte entre progresso econômico e agir humano (economia e ética).
A razão para a separação entre economia e ética é genealogicamente
remota e redescobre um esquema social, político e ideológico de
aperfeiçoamento da ideia de produção e acúmulo de capital. Do ponto de vista
científico, desde a separação de disciplinas como a Teologia (Idade Média) e
Política (Modernidade), os rumos traçados pela economia indicam uma
progressiva filiação à função pragmática de seu objeto e método, voltados para
a pesquisa interna dos elementos que, em sentido bastante estrito, a compõem
(SEN, 1999).
Diante desse cenário, as questões econômicas estão alicerçadas em
uma eficiência pragmática, no crescimento do PIB e na riqueza, enquanto
aspectos morais e de justiça são relegados a graus mínimos de importância. O
comportamento de maximização do autointeresse, mesmo que na tentativa de
relacioná-lo a um contexto ético, normalmente apresenta uma dicotomia entre
egoísmo e altruísmo, entre o indivíduo e o todo, distanciando o comportamento
1 A influência de John Rawls no pensamento de Sen pode ser verificada, mais especificamente, em sua Teoria da Justiça, obra na qual estabelece uma crítica contundente à noção de rawlsiana de justiça como equidade. Para Sen, as contribuições de John Rawls às ideias de equidade e justiça convidam para a celebração, e ainda há outras ideias presentes em sua teoria da justiça que demandam, como já afirmei, uma análise crítica e reformulação. Dentre os aspectos que carecem de mais investigações, Sen inclui a relevância do comportamento real e das perspectivas globais e as alternativas ao contratualismo. De modo geral, o pensamento rawlsiano precisa ser revisitado e superado a partir de novos elementos que a contemporaneidade global vem desenvolvendo (SEN, 2011, p. 82).
12
individual do comportamento social. Consecutivamente a isso, os indivíduos de
um mesmo grupo podem ter interesses que são em parte convergentes e em
parte conflitantes.
Para Sen (1999, p. 23), portanto,
Pode-se dizer que a importância da abordagem ética diminuiu substancialmente com a evolução da economia moderna. A metodologia da chamada ‘economia positiva’ nao apenas se esquivou da análise econômica normativa como também teve o efeito de deixar de lado uma variedade de considerações éticas complexas que afetam o comportamento humano real e que, do ponto de vista dos economistas que estudam esse comportamento, são primordialmente fatos e não juízos normativos. Examinando as proporções das ênfases nas publicações da economia moderna, é difícil não notar a aversão às análises normativas profundas e o descaso pela influência das considerações éticas sobre a caracterização do comportamento humano real.
Nesse contexto, numa economia positivista, calcada na técnica particular
e hermética, não há espaço para a discussão ética. A própria motivação
humana passou a estar relacionada a um plano quase que exclusivamente
econômico, prescindindo da ideia de multicontexto, de cultura da diversidade e,
fundamentalmente, tornando a própria busca da felicidade uma prerrogativa
economicista (SOUZA, 2012). A individualidade voltada para o todo, para a
unidade entre o eu e o nós se esvai e é substituída por uma visão privada do
mundo.
Sobre a relação interesse particular e público, recorda Valls (2004, p. 25)
que a ética grega “colocava, realmente, a busca da felicidade no centro das
preocupacoes eticas” e suplantada pelo atomismo particularista, pela
maximização dos desejos particulares em detrimento do bem público. Nesse
diapasão, passa a perder sentido o fato de o próprio Aristóteles partir, no
contexto da etica eudemonista, do “estabelecimento da nocao de felicidade”, a
qual visa, substancialmente, “buscar o que e o bem agir em escala humana, o
agir segundo a virtude” (ARISTÓTELES, 2001). Uma análise mais profunda,
revela que e essa “escala humana”, universal, coletiva, que perde, em larga
medida, o sentido.
Aliás, o próprio Aristóteles (2001, p. 35) estabelece que a “excelência
moral é produto do hábito”, e já vem potencializada nas pessoas, e “Portanto,
nem por natureza nem contrariamente a natureza a excelência moral é
13
engendrada em nós, mas a natureza nos dá a capacidade de recebê-la, e esta
capacidade se aperfeiçoa com o hábito.” Notadamente, contudo, o hábito moral
está ligado, amplamente, à relação humana cotidiana, à inter-relação das
pessoas na sociedade, o que requer mais do que o contato imediato,
pragmático com o outro. Este, por seu turno, não é – e isso já na visão
aristotélica, mas melhor trabalhada em Kant – condição de realização do
interesse particular. Significa que a moralidade forma-se como conjunto,
confluência de pessoas no tecido social: a interdependência não é apenas
comercial e econômica, mas social.
No tocante às ideias recém-evocadas – kantismo e interesse ou vontade
particular - é necessário estabelecer um paralelo primeiro entre o declínio da
importância ética e o início do pensamento liberal e, depois, entre o sujeito
como meio e Kant. Tal empreendimento realiza-se com um fim apenas
ilustrativo e adjeto das razões que afastaram a economia da ética, já que não
haverá priorização por uma busca radical às origens, inclusive revolucionárias,
do pensamento liberal.
Mesmo assim - sobretudo para entender a condição nova do indivíduo
depois do Renascimento, do Iluminismo, da Reforma Protestante, das
revoluções burguesas do século XVIII e XIX – é necessário indicar que a
relação indivíduo-sociedade é bastante influenciada pelo conceito de interesse
ou vontade particular nascido e criado na teoria liberal. A busca por liberdade
(cujo itinerário indica, como cediço, a própria não linearidade da história desse
conceito) está alçada desde as revoluções políticas inglesas e francesas às
revoluções industriais, fundamentais dentro da história econômica do mundo
(LOSURDO, 1998).
Nesse contexto, é ilustrativa a análise de Hegel acerca, por exemplo,
das fases da maior revolução burguesa do século XVIII, a Revolução Francesa
de 1789. Isso porque, a liberdade, no dizer de Hegel (1999) foi sendo refinada
ao longo das reivindicações – muitas delas violentas – até chegar ao
liberalismo. Este, por seu turno, funda-se no conceito de vontade particular, a
qual tem diante de si - porque liberta da ideia de criatura (protestantismo) e da
noção de servilismo (feudalismo) – o próprio interesse como fundamento. A
virtude política de Aristóteles é perdida, e se torna mais clara, portanto, a
14
posterior refuga da ideia de coletividade, de felicidade para além do aspecto
economicista.
À medida que o liberalismo – resultado do primado burguês da liberação
em relação ao catolicismo (plano religioso), do feudalismo (plano econômico) e
do absolutismo monárquico (plano político) – condensa a economia, inspirando
justamente aquela tendência já tratada de se pensar pragmaticamente, essa
caracteristica do “interesse e vontade particular” como ponto de convergencia e
que passa a definir a efetiva separação entre ética e economia (SEN, 1999).
Ou seja, não tem mais sentido falar em relação entre homens senão sob
o aspecto particular, economicista e, diante disso, a coletividade e a ética
perdem terreno (KANG, 2011). Tal é o panorama da aproximação das ideias de
declínio da importância ética e início do pensamento liberal, brevemente
situado. Dentro desse ambiente, falar em direitos civis, democracia,
desenvolvimento sustentável tem menor atratividade.
Todavia, esse cenário faz lembrar a segunda aproximação já aludida:
Kant e a máxima do homem como fim. Como panorama do Desenvolvimento
como liberdade, tal relação faz muito sentido, já que pensar o progresso
multicontextual a partir da ideia de liberdade vai requerer, no mínimo, que se
tenha reduzido substancialmente o subjetivismo de uma premissa como: o
interesse particular é o fundamento da felicidade.
Mesmo quando se trata a liberdade em um campo mais amplo, como o
Estado e as instituições, o princípio da autonomia de Kant ainda se mantém
forte, já que, no fundo, as condições de vida (para além do pragmatismo
econômico) referem-se a um sujeito concreto e que empreende também a
reflexão moral – o mesmo – futuramente, será o sujeito social e participativo.
Kant (2009) esclarece sobre o princípio da autonomia: escolher sempre de
modo tal que as máximas de nossa escolha estejam compreendidas, ao
mesmo tempo, como leis universais, no ato de querer.
Acrescenta Kant (1991, p. 224)
[...] realmente existem leis morais puras que determinam plenamente a priori (sem atender a motivações empíricas, isto é, a felicidade) o fazer, ou deixar de fazer, ou seja, o uso da liberdade de um ente racional em geral; estas leis comandam-
15
nos de um modo absoluto [...] e em todos os sentidos são portanto necessárias
Disso resulta, quase que obviamente, uma refuga do entendimento
liberal segundo o qual o interesse particular funda a sociedade. Se, por um
lado, esta última concepção deixa de lado a ética, lacerando, portanto, as
ligações com o discurso moral: por outro, isso vai significar a adoção indireta
de uma moral particularista, privatista, contrária à noção kantiana e à própria
tentativa de Sen de reaproximar ética e economia.
Do ponto de vista do agir humano como um todo, o redimensionamento
de ética e economia em um mesmo vetor, ao contrário da ideia antes evocada,
vai estabelecer como fundamento que a ação humana é primordialmente ética.
Mais do que isso: pensar o desenvolvimento como liberdade corresponde,
justamente, a esse fundamento, o qual enseja a importante aplicação de suas
menções no campo econômico e o direcionamento de grande parte das ações
dos homens que têm na economia o estabelecimento de suas diretrizes,
obrigações, anseios, enfim, o futuro, do qual a moralidade não pode se separar
(VALLS, 2004).
Porém, essa busca por um fundamento coletivo – e que explica toda a
tentativa de reatar ética e economia – não faz desaparecer o interesse
particular. Caso assim fosse, o próprio uso da liberdade como medida para o
desenvolvimento seria inútil, já que, radicalmente, ser livre tem um sentido
concreto. Essa liberdade se objetiva neste e naquele sujeito, os quais possuem
ambições, necessidades específicas e não necessariamente coletivas. O que
desaparece é, todavia, a desistência de um diálogo ético contínuo com a
economia, redescobrindo, pari passu, os seus limites, as suas funções etc.
Afinal, como lembra Oliveira (1993), que a liberdade existe tanto como
substância coletiva como quanto querer livre.
De modo que Sen não prega o fim do desenvolvimento, mas vai além da
própria interpretação moral desenvolvida por Kant, já que considera como
importantes questões relativas à miséria, à fome, ao analfabetismo, às
intervenções democráticas as quais determinam também o comportamento
moral. A própria liberdade depende de fatores contingentes, que variam de
nação para nação, de continente para continente e que vão reivindicar, em
16
último caso, uma atenção que não é apenas econômica – basta lembrar a
exigência de que esse pensamento parta do ambiente democrático. E, nesse
cenário, também a necessidade de considerar o homem como fim e não como
meio é um pressuposto, o que torna Kant importante dentro do diálogo.
É o próprio Sen quem explica.
A visão da racionalidade como auto-interesse [sic] implica inter alia,uma decidida rejeicao da concepcao da motivacao “relacionada a etica”. Tentar fazer todo o possivel para obter o que gostariamos pode ser parte da racionalidade, e isso pode incluir o empenho por objetivos desvinculados do auto-interesse, os quais podemos valorizar e desejar promover. Considerar qualquer afastamento da maximização do auto-interrese uma prova de irracionalidade tem de implicar uma rejeição do papel da ética na real tomada de decisão (SEN, 1999, p. 31).
Quando, portanto, Sen fala em “autointeresse” está tratando daquela
noção de vontade particular, de atendimento a necessidades isoladas do
compromisso ético. A motivação que está disposta no mundo – nos indivíduos
e no próprio projeto político das soberanias – perde, inclusive com o avanço
tecnológico voltado para o desenvolvimento como progresso econômico, uma
noção mais aproximada de reflexão ética. A liberdade, a igualdade, a
participação democrática, o crescimento sustentável da indústria, o futuro
geracional do mundo, à medida que não são indicadores claros do
desenvolvimento, são relegados a um plano secundário.
Nesse ideário, ao passo que o Produto Interno Bruto – PIB tornou-se,
numa clara inspiração economicista de progresso, à medida do
desenvolvimento, os estados nacionais passaram a enveredar as suas políticas
econômicas para alcançar PIBs maiores. Ou seja, maior o PIB, maior o
desenvolvimento oficial do país. Política econômica, nesse contexto, vai
significar o conjunto de medidas para consolidar uma economia estável e
crescente, cujo índice ilustrador desse crescimento é justamente o Gross
Domestic Product- GDP (KANG, 2011).
No pensamento de Sen há, de um lado, a preocupação com a visão
economicista, que singulariza a conceituação de desenvolvimento em um
índice. Por outro, as graves injustiças sociais que se radicam, do ponto de vista
filosófico, no divórcio entre a ética e a economia, mas cujas raízes mais
profundas estão na execução concreta de um modelo econômico que tem a
17
desigualdade como condição de sucesso. Como manejo ideológico, dissemina
a concepcao do “autointeresse” como projeto de vida e liberdade (PINZANI,
2010).
O que faz, portanto, Sen teorizar a liberdade como medida do
desenvolvimento tem como base a ação fundada na generalização do
autointeresse como única motivação do comportamento humano. Só que, essa
ação é contrária à ética e não pode, por isso, promover o contentamento
esperado. Diante disso, somente uma ação coletiva, de cooperação social e
capaz de amadurecer o agir responsável corresponderia a uma opção ética
séria e estruturalmente voltada para o melhoramento abrangente das
condições de vida. No fundo, o que está em jogo é a capacidade de unificação
do projeto pessoal com o fim coletivo, amparado no sentimento de
responsabilidade e regozijo com a sociedade em que se vive, e não somente a
satisfação pessoal momentânea.2
Nesse sentido, do ponto de vista da atitude singular do sujeito, a questão
volta-se ao autointeresse e à atrofia da capacidade de desenvolvimento de
uma postura ética. Logo, o combate se situa no plano da consciência ética e da
reflexão moral difusamente estabelecida – o desenvolvimento das
capabilidades (o que será oportunamente analisado). Todavia, é importante
recobrar Sen (1999, p. 10): “[...] a economia, como ela emergiu, pode tornar-se
mais produtiva se der uma atenção maior e mais explícita às considerações
eticas que moldam o comportamento e o juizo humano”. Significa, portanto,
que a mudança requer também uma ação de dentro para fora, no âmago do
pensamento econômico.
Contudo, essas medidas de combate à dissociação entre ética e
economia, por ora somente indicam o nível subjetivo ou a consequência
daquela cisão para os agentes envolvidos. A noção de capabilidades será
retomada na sequência do trabalho. Dessa forma, o diagnóstico produzido por
Sen também relê os aspectos fragmentários (sempre entre ética e economia)
2 Pinzani (2010, p. 169) esclarece: “Atribuimos autonomia a um sujeito quando ele e capaz de agir conforme um projeto pessoal de vida boa (projeto que,contudo,pode ser inspirado por modelos pré-existentes) e de considerar a si e a outros sujeitos como capazes de estabelecer relações de direitos e deveres (em outras palavras: quando é capaz de ver a si e aos outros como titulares de direitos e possuidores de deveres)”.
18
também existentes nos sujeitos, para além da expressão política de suas
ações.
Portanto, do ponto de vista dos sujeitos também é possível identificar,
afunilando as ideias de interesse particular ou “autointeresse”, a razoes que
levam ao surgimento do Desenvolvimento como liberdade. Se já restaram
constados alguns conceitos ligados à condição do sujeito no processo de
afastamento entre ética e economia (é exemplo a ideia de interesse particular),
Sen recupera a ideia de agente.
Diz o economista.
Estou usando o termo agente [...] em sua acepção mais antiga – e mais grandiosa – de alguém que age e ocasiona mudança e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos, independentemente de as avaliarmos ou não também segundo algum critério externo [...] da condição de agente do indivíduo como membro do público e como participante de ações econômicas, sociais e políticas (interagindo no mercado e até mesmo envolvendo-se, diretamente, em atividades individuais ou conjuntas na esfera política ou em outras esferas) (SEN, 2010, p. 34). (grifo nosso).
Por mais que Sen já indique nessa passagem uma condição pós-
Desenvolvimento como liberdade, idealizando algo como que um dever-ser de
sujeito que reunifica ética e economia está-se, ainda no plano da reavaliação
do modelo hermético de economia, como primeiro estágio para a postulação da
liberdade como explicitação do desenvolvimento. Ou seja, tudo que o sujeito
não é nessa fase é agente de “acoes econômicas, sociais e politicas”. Sob
esse aspecto, este indivíduo é um carente de conteúdo, em que o processo de
tomada de consciência desse ambiente segregado está por iniciar. No fundo, é
o próprio distanciamento entre ética e economia que impede, nesse primeiro
plano, que o sujeito seja agente.
Em larga medida, portanto, o que está como cenário do
Desenvolvimento como liberdade é uma crítica prévia ao comportamento
autointeressado, único que tem sentido no âmbito das escolhas econômicas.
Tal região comportamental identifica, no dizer de Timm de Souza (2000, p. 149-
150), “o estranho e abissal contraste que se estabeleceu, nos últimos tempos,
entre o frenetismo e a superficialidade dolorosa em que habitam as mônadas
19
desesperadas que constituem a massa dos indivíduos da cultura capitalista e
pós-industrial”.
Existe, como contraprodução à ideia de agente, um sistemático e
nevrálgico sistema de contínuo afastamento daqueles conceitos. Continuidade
quer significar, nesse âmbito, a manutenção das estruturas que executam o
atomismo econômico e, por outro lado, o desestímulo da transformação de
indivíduos em agentes, sobejamente pelo caráter contraproducente que isso
representaria.
Ainda uma vez, a partir da lição de Timm de Souza (2000, p. 150), é
preciso anotar que esta última tentativa (de reduzir o crivo que faz nascer os
agentes) deflagrou uma situacao mais ou menos visivel: “o homem – e a
mulher – pós-modernos tudo querem, tudo desejam, menos profundidade de
qualquer tipo; é nisto que a velocidade e o frenetismo apostam, é nisto que se
baseia todo o espectro de (im)possibilidades”.
Inobstante, Oliveira (1993, p. 248) esclarece que
Foi a partir dessa concepção do homem como indivíduo isolado que se articulou a ética da sociedade moderna, a dimensão normativa da ‘racionalidade econômica’ do modo de producao capitalista. No seu cerne está a ideia de liberdade identificada ao interesse próprio, o que se vai concretizar em livre iniciativa, livre concorrência, livre mercado. Numa palavra, aqui se identifica, pura e simplesmente, liberdade como interesse próprio.
O que se vai esclarecendo é a percepção de que tanto no indivíduo
quanto nas instituições, mutatis mutandis, a marca ideológica é única: o
afastamento do mundo coletivo e, portanto, a minimização atrofiante da ética.
Eis, portanto, uma das estruturas concretas – vivida tanto no imaginário quanto
no agir cotidiano. Mais tarde, será ainda possível relacionar a superação dessa
crise às tentativas de incluir o sujeito no rol participativo para a sustentabilidade
(do indivíduo ao agente); por ora, a crise é diagnóstico e panorama da obra de
Sen.
Percebendo a complexidade dos problemas sociais Boff (2013, p. 107)
acrescenta que
20
As sociedades contemporâneas, por conta de sua organização e de seus problemas, são complexas. O acelerado processo de globalização evidencia as desigualdade que retratam as deficiências do ordenamento social, das concepções de justiça e as disparidades entre o progresso econômico, a opulência e a pobreza. De outra parte, oferece as condições para a maior e melhor integração entre os povos, culturas e a consequente expressão e respeito das diferenças.
A elaboração de uma teoria do desenvolvimento como liberdade atende,
portanto, ao combate de um largo e consolidado esquema de realidades
paradoxais que reduzem, substancialmente, a nitidez do próprio conceito de
justiça (deve-se lembrar as origens rawlsianas do pensamento de Sen). Ainda
assim, a liberdade, como conceito que se liga à própria autorrealização do
homem (OLIVEIRA, 1993), pressupõe uma série de conceitos afetos e que,
efetivamente, a tornam concreta no plano político e social. Mais em específico,
a sua existência como exposição da ideia de desenvolvimento depende de
determinantes ligadas, por exemplo, à igualdade jurídica e social.
1.1.1 A liberdade como medida do desenvolvimento
A visão da liberdade moderna é, do ponto de vista filosófico, ligada ao
Iluminismo e, do ponto de vista político, tem relação com revoluções burguesas
dos séculos XVII e XVIII. Ainda que não seja possível aventar todas as
características e implicações dessa origem de uma forma mais precisa, é
inarredável o fato de que contrastam dramaticamente das formas antigas e
médias de se entender o sentido e a existência do homem na comunidade.
Na perspectiva moderna, a liberdade passou a representar a
possibilidade de trocas e transações como efetivos direitos ligados à
individualidade pública, avalizada para prosperar e dominar a sociedade civil a
partir de interesses particulares. Nesse aspecto, temas como privação da
liberdade, redução das oportunidades, terão sempre como prisma a
necessidade de se reconhecer ao sujeito o direito de trocas e transações
econômicas, ainda que tais elementos sejam oriundos de um comportamento
tipicamente mercadológico (SEN, 2010).
Mesmo assim, no tocante à liberdade como medida do desenvolvimento,
Sen (2010, p. 29) e categórico em afirmar que “o desenvolvimento tem de estar
21
relacionado sobretudo com a melhoria da vida que levamos e das liberdades
que desfrutamos”. Em geral, significa dizer que o criterio renda,
industrialização, aumento do PIB são indicativos importantes, mas não
suficientes quando as liberdades sao, ao mesmo tempo, “fins primordiais” e
“meios principais”. Para Sen, o crescimento econômico deve ser instrumento
de expansão das liberdades. O aumento do capital e da renda deve servir
como meio de acesso a condições concretas de melhoramento da qualidade de
vida.
Se, por um lado, “ser genericamente contra o mercado seria quase tão
estapafúrdio quanto ser genericamente contra a conversa entre pessoas”, por
outro “vem depois do reconhecimento da importância direta da liberdade de
troca – de palavras, bens, presentes” (SEN, 2010, p. 21). Portanto, para Sen o
mercado nao deve ser imediatamente refutado e suas práticas “genericamente”
suprimidas. Aliás, a ideia de generalidade quer significar, justamente, que as
críticas determinadas precisam ser feitas mas que, enquanto organização
econômica, é contraproducente a apologia a algo como o fim do mercado.
É por isso que o economista afirma categoricamente: “na visao do
desenvolvimento como liberdade, os argumentos de diferentes lados têm de
ser apropriadamente considerados e avaliados” (SEN, 2010, p. 22). Tanto
quem defende a prevalência absoluta das atuais práticas de mercado como
quem rechaca, por completo, o “mecanismo de mercado” está unilateralmente
equivocado. Se é certo que as práticas de mercado precisam ser revistas,
sobretudo para serem alinhadas às condições de vida e a um grau maior de
liberdade, também é patente que o mercado é capaz de dar contribuições
significativas a esse processo.
Contudo, em meio a esse cenário díspar de compreensão do
desenvolvimento, seria suficiente oferecer o conceito de liberdade em um
sentido genérico, básico, como um grande pressuposto para as sociedades
democráticas e como ponto inarredável para o mecanismo de mercado? Sen
(2010, p. 10) responde: “para uma compreensão mais plena da relação entre
desenvolvimento e liberdade, precisamos ir além desse reconhecimento
básico”, ou seja, caminhar para uma visao instrumental do crescimento
econômico.
22
Em funcao dessa necessidade de “ir alem”, Sen (2010, p. 25) faz uma
crucial e elucidativa distinção entre liberdades instrumentais e substantivas que
auxilia, sobretudo, a tarefa de analisar sem confusões as estruturas
fundamentais através das quais é possível afirmar que a liberdade é defensável
como medida (meio e fim) do desenvolvimento. Tanto o papel instrumental
quanto constitutivo da liberdade desembocará na conclusão orgânica da obra:
o desenvolvimento pode ser medido pela experiência na liberdade.
Sen (2010, p. 56) ainda considera: “a importância intrinseca da liberdade
humana como o objetivo preeminente do desenvolvimento precisa ser
distinguida da eficácia instrumental da liberdade de diferentes tipos na
promocao da liberdade humana”. Significa, em outras palavras, que a liberdade
em um sentido constitutivo por si só é insuficiente, porque não oferece
elementos concretos, práticos, pelos quais se possa propor, sem leviandade,
que ela própria é a medida do desenvolvimento. Portanto, o que constitui a
liberdade passa pela análise das formas instrumentais que a fazem existir.
Dentro dessa proposta, Sen tipifica cinco formas instrumentais de
liberdade, capazes de produzir uma análise mais completa do grau de
liberdade vivido. São elas: (1) liberdades políticas, (2) facilidades econômicas,
(3) oportunidades sociais, (4) garantias de transparência e (5) segurança
protetora (SEN, 2010).
Acerca de como essas tipologias se relacionam, explica Sen (2010, p.
25).
Cada um desses tipos distintos de direitos e oportunidades ajuda a promover a capacidade geral de uma pessoa. Eles podem atuar complementando-se mutuamente [...]. Na visao do “desenvolvimento como liberdade”, as liberdades instrumentais ligam-se umas às outras e contribuem com o aumento da liberdade humana em geral.
É a partir dessa ligação abrangente que as liberdades políticas (1) –
incluindo os assim denominados direitos cívicos – correspondem àquelas
oportunidades de decisão quanto aos princípios e formas que desejam ver no
governo. Mais do que isso, possibilitam a crítica aos modelos políticos de
definição de metas e de uso das políticas públicas, crítica esta que demonstra,
em um segundo momento, a própria liberdade de expressão dentro do
ambiente democrático. O pluripartidarismo oferece, além disso, a possibilidade
23
de uma escolha pessoal do “agente” e, em geral, as liberdades políticas
condensam as próprias características democráticas.
Se é possível falar em participação social, atividade de agente e
compromisso com a causa sustentável, então a liberdade política deve estar
largamente reconhecida, já que corresponde, justamente, à oportunidade real
de o indivíduo participar, ativa e discursivamente, da vida pública de seu país.
Nesse sentido, as liberdades políticas são importantes para a tentativa de se
afirmar a busca pelas capacidades democráticas de um sujeito que age em
função da sustentabilidade – daí, inclusive, a ideia de instrumentalidade dessa
modalidade de liberdade (SEN, 2010).
Por outro lado, as facilidades econômicas (2) são, em geral, as
condições de um indivíduo para trocar bens e utilizar seus recursos como
melhor lhe apraz. São as capacidades que as pessoas adquirem de acordo
com as movimentações do próprio mercado, sobretudo em contextos como o
do aumento de rendimentos, das trocas de bens, de acesso a financiamentos,
etc. Complementariamente, as oportunidades sociais (3) “sao as disposicoes
que a sociedade estabelece em áreas como educação e saúde, as quais
influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor” (SEN, 2010, p.
59).
São essas condições objetivas que definem, em larga medida, o acesso
do indivíduo a hospitais e escolas de qualidade, aos meios de informação
capazes de o manterem informado de forma qualificada. Uma vez disponíveis
esses elementos básicos, mais chances de se incrementar o contexto das
decisões políticas e da participação do indivíduo. Por outro lado, a
precariedade dessas condições sociais vai impossibilitando a) as condições de
bem-estar imediatos e b) a probabilidades de o sujeito tornar-se participativo –
daí sua importância crucial para o conceito de agente participativo.
No tocante às garantias de transparência (4), Sen explica.
As garantias de transparência respeitam à necessidade de abertura que as pessoas podem esperar: a liberdade de lidar uns com os outros sob a garantia de clareza e de esclarecimento. Quando essa confiança é seriamente atingida, a vida de muitas pessoas – diretamente interessadas ou terceiros - pode ser afetada negativamente pela falta de lisura. As garantias de transparência (incluindo o direito à clareza) podem, assim, ser uma categoria importante de liberdades instrumentais. Tais garantias têm um
24
evidente papel instrumental na prevenção da corrupção, da gestão irresponsável e dos arrangismos subterrâneos (SEN, 2010, p. 60).
Nesses cenários de corrupção que se extremam ao redor do mundo –
sobretudo no Brasil contemporâneo - faz todo o sentido a locução de Sen sobre
a transparência. Afora estar em conexão com a democracia, aproxima o sujeito
da dinâmica institucional e administrativa, o que será futuramente, para o
sujeito participativo, uma questão de interação mais direta com as metas e
rumos do estado (CASAGRANDA; ZAMBAM, 2014).
Por fim, “ainda que muito bem funcione um sistema econômico”, e
imperativo criar mecanismos de socorro frente a intempéries mais graves, ou
seja, uma segurança protetora (5). É necessário, diz Sen (2010, p. 60) uma
“previdencia social para proporcionar uma rede de proteção social que evite
que a população afetada se veja reduzida a uma miséria abjeta e até, nalguns
casos, exposta à fome e à morte”. Em tal âmbito, serao necessários alguns
“dispositivos institucionais permanentes”, capazes, imediata e
emergencialmente, de prover as condições mínimas para a existência da
liberdade (são exemplos dados pelo economista, dentre outros, o seguro-
desemprego e bancos alimentares).
Todas essas condições, à medida que se cruzam como capacidades
necessárias à liberdade, afastam o desenvolvimento das tradicionais
interpretações restritivas que, no nível global, tomam o aumento do PIB como
medida eficaz de desenvolvimento e, no âmbito da vida do indivíduo, acreditam
que o critério renda é o único capaz de indicar o grau de liberdade vivido.
Enquanto instrumentos, ligam-se à ideia de uma liberdade constitutiva ao
passo que “aumentam diretamente as capacidades das pessoas, mas tambem
suplementam-se mutuamente e podem, além disso, reforçar umas às outras”
(SEN, 2010, p. 61).
Aliás, não é difícil compreender que um indivíduo com boas condições
de saúde, educação, moradia esteja mais disposto a, inclusive, participar dos
rumos do seu país e a pensar, consciente da estrutura global do meio
ambiente, a sustentabilidade. Quanto mais um sujeito gasta seu tempo e seus
recursos para suprir sozinho deficiências da terceira liberdade instrumental (as
oportunidades sociais (3)), menos ele estará interessado em participação
25
social, já que não é evidente que as crises graves que assolam o sujeito em
particular torná-lo-ão mais socialmente ativo.
É o próprio Sen (2010, p. 258) que elucida a questão por meio de um
exemplo.
A educação também amplia os horizontes, e em um nível material, ajuda a difundir os conhecimentos sobre planejamento familiar. E, obviamente, mulheres instruídas tendem a gozar de mais liberdade para exercer sua condição de agente nas decisões familiares, inclusive nas questões relacionadas à fecundidade e à gestação de filhos (grifo nosso).
No exemplo da mulher instruída, está explícito que os meios
(instrumentos) para a vida livre é que direcionam o sujeito para tantos outros
aspectos da vida, seja no âmbito doméstico ou social. A liberdade não pode,
justamente por isso, estar simplificada a um esquema formal de enunciação de
um axioma como todos são livres e iguais. As condições que fazem a liberdade
existir no dia a dia deste ou daquele sujeito é que concretizam e tornam visível
o desenvolvimento. Não é, portanto, um aumento nominal na renda per capita
ou no PIB que vai indicar, univocamente, o estágio de desenvolvimento de uma
nação.
Retomando este aspecto, tem-se que o critério renda não é suficiente
para indicar o desenvolvimento e, consequentemente, a liberdade. Tal
afirmação, no fundo, é amplamente comprovada justamente com a postulação
das liberdades instrumentais, que compreendem, como visto, muito mais do
que “reursos” ou “renda que dispoem” (SEN, 2010, p. 40).
Sen empreende essa análise ao tratar da liberdade, capacidade e
qualidade de vida, sendo importante inspecionar esses elementos porque
condizem, diretamente, às noções que circundam a liberdade teorizada pelo
autor. A liberdade desde a perspectiva da qualidade de vida é ainda hoje atual
porque, drasticamente, abissais e básicos problemas se mantêm, a despeito de
toda a movimentação do mercado, das tecnologias.
Se, por um lado, esse paradoxo é o próprio ponto de partida do autor
(como tratado no tópico precedente), por outro ele descobre (descortina) as
realidades mais carentes de ação social, institucional, filantrópica. Indo além, é
possível afirmar que, dentro de um cenário tão díspar, é impossível acreditar
26
que um cálculo matemático que origina uma cifra chamada renda per capita é
capaz de ler o ambiente social para identificar o grau de liberdade e fornecer,
por si só, todas as condições instrumentais de liberdade. Tal visão
desconsidera elementos como: cultura, ambiente político e social, costumes,
religiões.
Sendo assim,
[...] a perspectiva baseada na liberdade apresenta uma semelhança generica com a preocupacao comum com a ‘qualidade de vida’, a qual também se concentra no modo como as pessoas vivem (talvez mesmo nas escolhas que têm), e não apenas nos recursos ou na renda de que elas dispõem. O enfoque na qualidade de vida e nas liberdades substantivas, e não apenas na renda e na riqueza, pode parecer um afastamento das tradições estabelecidas na economia, e em certo sentido é mesmo [...]. Mas, na verdade, essas abordagens mais amplas estão em sintonia com as linhas de análise que têm sido parte da economia profissional desde o princípio (SEN, 2010, p. 40/41) (grifo nosso).
Portanto, é fundamental tratar da qualidade de vida para além do critério
renda. Disso depende, substancialmente, o reconhecimento do conceito de
liberdade como tratado por Sen. Aliás, desde Aristóteles as capacidades
múltiplas direcionam para a vida feliz e não uma unidade restritiva como a
riqueza. Não obstante, também para os modernos Gregory King, François
Quesnay, Lavoisier, dentre outros, a importância da renda é instrumental e
depende das circunstâncias.
Isso não significa, contudo, a eliminação do critério renda como
instrumento. Tanto a defesa irrestrita do mecanismo de mercado quanto o seu
contrário e prejudicial à ideia de liberdade instrumental. Por um lado, “a
negação de oportunidades de transação, por meio de controles arbitrários,
pode ser, em si, uma fonte de privacao de liberdade” e, por outro, essa
privação pode ser realizada a partir da concepcao dogmática de que “os
mercados expandem a renda, a riqueza e as oportunidades econômicas das
pessoas” (SEN, 2010, p. 42).
Como já mencionado, Sen não prega o ocaso do mecanismo de
mercado, apenas dimensiona suas atividades para o âmbito da
instrumentalidade, o que reduz, com bastante significado, a importância de um
exame restritivo do desenvolvimento. Em uma análise do conceito de liberdade,
o que ora se faz, essa chamada quer indicar, precisamente, que é dúbia –
27
senão falaciosa – a tentativa de se pregar: quanto mais renda, mais livre, numa
típica interpretação privatista, utilitarista e economicista.
O que se estabelece, portanto, entre o crescimento econômico e as
liberdades, sejam elas instrumentais ou constitutivas, é inter-relação e
complementaridade, sobretudo à medida que “a contribuicao do crescimento
econômico tem de ser julgada não apenas pelo aumento de rendas privadas,
mas também pela expansão de serviços sociais [...] que o crescimento
econômico pode possibilitar” (SEN, 2010, p. 61).
Tal grau de complementaridade e interdependência entre ambos fatores
é exemplificado com o uso, no Japão, de investimentos humanos e criação de
oportunidades sociais. Cumpre destacar que “o desenvolvimento econômico
do Japão foi claramente muito favorecido pelo desenvolvimento dos recursos
humanos relacionados com as oportunidades sociais que foram geradas”
(SEN, 2010, p. 61/62). O exemplo prático é capaz, mais uma vez, de ligar
crescimento econômico com liberdades instrumentais, indicando, por fim, a
insuficiência do critério renda.
Todavia, essa averiguação do critério renda encaminha-se, em Sen,
para uma distinção também crucial entre as oportunidades criadas pelo sistema
de mercado e o direito das pessoas a realizarem transações e trocas. Este
último aspecto – importante recordar – é uma liberdade instrumental
(facilidades econômicas (2)) ou um direito associado à política de vivência em
sociedade, em nada devedora da benevolência do mercado, como assaz tenta-
se pregar. Portanto, este último argumento [de que o mercado cria
oportunidades] “é totalmente diferente do argumento de que as pessoas têm o
direito de fazer transacoes e trocas” (SEN, 2010, p. 43).
A partir dessas considerações enfatizamos que a perda oriunda da
privação dessa facilidade econômica (o direito de transação e troca) tem
implicações sociais e não apenas econômicas. Dentro do ambiente econômico
ainda prevalece o direito de as pessoas, a partir de convicções não diretamente
ligadas ao mercado, decidir onde trabalhar, em que ramo atuar, etc. O contrário
disso importaria na desconsideração do valor central da própria liberdade. No
fundo, o que está em jogo é a completa desconsideração de valores (a
liberdade é um deles) que se julgou não pertencerem diretamente à economia.
28
Isso fez com que o mercado centralizasse todas as determinantes do
desenvolvimento e, em tal restrição, é comum que se considere o aumento do
PIB ou o aumento da renda per capita indicativos suficientes do
desenvolvimento. Sen cita o liberal John Hicks, que assim apresenta a questão:
“os principios liberais [...] nao eram, em primeiro lugar, principios econômicos;
eram uma aplicação à economia de princípios considerados aplicáveis a um
campo bem mais amplo” (apud SEN, 2010, p. 45).
Por essas e outras razões é que, quando se fala em capacidades do
agente e qualidade de vida, o mercado parece negar interesse pela
problemática, sobejamente porque não são critérios técnicos capazes de
indicar – seja nominal ou proporcionalmente – se o desenvolvimento aumentou
ou diminuiu. E é por isso que a análise capacidades do agente e qualidade de
vida acaba se relacionando aos conceitos de mercados e liberdades.
Assim, tanto instrumental quanto constitutiva ou substantivamente, a
liberdade reúne-se em torno de uma unidade que somente em observância de
todos os elementos integradores é capaz de se tornar unívoca. Sen usa clareza
ao indicar que se trata de uma das possíveis visões que podem dimanar da
problemática liberdade versus desenvolvimento. Nao existe, assim, “um criterio
de desenvolvimento único e preciso segundo o qual as diferentes experiências
de desenvolvimento sempre podem ser comparadas e classificadas” (SEN,
2010, p. 52). Segue aduzindo.
Dada a heterogeneidade dos componentes distintos da liberdade, bem como a necessidade de levar em conta as diversas liberdades de diferentes pessoas, frequentemente haverá argumentos em direções contrárias. A motivação que fundamenta a abordagem do ‘desenvolvimento como liberdade’ não consiste em ordenar todos os estados – ou todos os cenários alternativos – em uma ‘ordenacao completa’, e sim em chamar a atenção para aspectos importantes do processo de desenvolvimento, cada qual merecedor de nossa atenção (SEN, 2010, p. 52).
A liberdade é, portanto, um conceito polissêmico cujas determinantes
culturais, religiosas e sociais interferem no processo de unificação conceitual.
Todavia, está ele ciente de que determinados aspectos ligados à liberdade não
podem ser mitigados – ou completamente exterminados – apenas por questões
29
de ordem política, religiosa, oriundas da particularidade consuetudinária que se
origina ao redor do mundo através dos séculos.
Uma vez que o papel constitutivo da liberdade relacionado a liberdade
substantiva produz o enriquecimento da vida humana, eis que, não é estrutural
e publicamente defensável que limites de motivação particular sejam preferidos
em detrimento da ordem democrática, dos direitos humanos, da redução da
fome e miséria, dentre outros problemas crassos que ainda persistem (SEN,
2010, p. 55).
A exigência de Sen, porém, é de igual forma cristalina: que os sujeitos
envolvidos nessa tensão entre cultura e liberdade participem das discussões
públicas a esse respeito. Sendo assim, se um modo de vida tradicional tem de
ser sacrificado para que a pessoas saia da pobreza devastadora [...], então as
pessoas diretamente envolvidas que têm de ter a oportunidade de participar da
decisao do que deve ser escolhido” (SEN, 2010, p. 53).
Por ora, a questão dos sujeitos somente se relaciona aos pressupostos
que orbitam ao redor da liberdade, sendo a participação uma exigência da
democracia, ou seja, ainda entendida num sentido genérico e referencial. Aliás,
como já mencionado, a democracia é uma necessidade do próprio
desenvolvimento do mecanismo de mercado (SEN, 2010, p. 45)3.
Existe, portanto, um caráter inarredável entre liberdade,
desenvolvimento econômico e democracia. Esta, enquanto método das
próprias discussões públicas acerca das características, meios e fins da
liberdade, revela, além de tudo, um estágio civilizacional e político maduro, mas
ainda incapaz de percorrer todos os confins do mundo, mesmo no ocidente,
sobretudo porque a pobreza extrema não é apenas um óbice à vida deste ou
daquele indivíduo, mas obstáculo à própria democracia (SEN, 2010).
Sen (2010, p. 207) ensina que
Desenvolver e fortalecer um sistema democrático é um componente essencial do processo de desenvolvimento. A importância da
3 Sen (2010) questiona a capacidade de o autoritarismo produzir crescimento econômico. A pergunta que se faz e: “O autoritarismo realmente funciona bem?” Por mais que a Coreia do Sul, Cingapura e China tenham demonstrado, apenar de seus regimes políticos autoritários, crescimento econômico maior do que alguns Estados menos autoritários (Índia, Costa Rica e Jamaica), bastaria que se recordasse que a liberdade do povo, que se calca na dimensão social e cultural, é muito mais ampla do que o registro do PIB e importa, portanto, na diferença entre análise restritiva e abrangente de desenvolvimento.
30
democracia reside, como procuramos mostrar, em três virtudes distintas: (1) sua importância intrínseca, (2) suas contribuições instrumentais e (3) seu papel constitutivo na criação de valores e normas. Nenhuma avaliação da forma de governo democrática pode ser completa sem considerar cada uma dessas virtudes.
De acordo com isso, tanto a liberdade quanto a democracia partem da
necessidade última de distinção entre instrumentalidade e constituição. O
conceito de liberdade – grassado como ponto-chave do desenvolvimento – é,
substancialmente, formado pela extensão cumprida por seus papéis,
instrumental e constitutivamente. O que Sen deixa claro, portanto, é a
iminência do sentido prático, objetivo que a liberdade deve representar.
Mais do que um princípio universal movido desde o esclarecimento
moderno, dizer que o sujeito é livre constitui uma tarefa a ser realizada em
duas frentes: a demarcação do sentido valorativo e normativo da liberdade e o
seu desenvolvimento instrumental, calcado na ideia do como fazer?, sobretudo
porque valores e condições objetivas são pressupostos para argumentar a
necessidade de um sujeito participativo: o pelo quê lutar e a reunião das
capacidades para tanto.
Ainda assim, à medida que tratar dessas condições objetivas de
participação parece também requer a atenção ao conceito de igualdade. Mas,
oportuno, que tal conceito seja analisado, não sem estar ligado às ideias de
Sen e à questão da participação ativa do agente no âmbito do desenvolvimento
sustentável. Inserta no contexto do desenvolvimento, mormente enquanto
oponível à atual forma de atenção às carências humanas, a igualdade obteve
tratos distintos, sobretudo pela diversidade de segmentos, instituições e
ideologias que se propuseram a indicar o quem vem a ser um sujeito e uma
sociedade igual.
1.2 A igualdade como alcance das capacidades
O conceito de igualdade de Sen significa, sobretudo, a manutenção de
uma íntima ligação com a ideia de liberdade. É a deficiência das formas de a
liberdade existir – mormente no tocante ao papel instrumental – que vai
31
indicando, circunscrita e concretamente, as diferenças abissais entre as
capacidades de uns e de outros, o que interfere diretamente no âmbito da
igualdade.
Sobre esse aspecto, o trato do conceito de igualdade pode ser muito
bem exposto a partir da análise da privação das capacidades (oportunidades
sociais enquanto liberdade instrumental), já que indica um ponto de partida
díspar e desigual. Mais do que isso, parte do pressuposto, já brevemente
aludido, de que o critério renda é apenas um dos indicativos da privação das
capacidades. 4
Por isso,
[...] a necessidade de alguma forma igualitária para defender uma teoria indica a importância amplamente atribuída à não discriminação, que pode ser vista como motivada pela ideia de que, na ausência desse requisito, uma teoria normativa seria arbitrária e tendenciosa. Parece haver aqui um reconhecimento da necessidade de alguma forma de imparcialidade para a viabilidade de uma teoria (SEN, 2011, p. 327).
Mais do que implicações internas no conjunto dos conceitos de uma
teoria da justiça, a igualdade vai indicando, na medida em que sofre as
alterações inerentes à ideologia que a defende e caracteriza, que se trata
sempre de uma igualdade de algo. Ou seja, a particularização – ou migração
para o campo concreto - do axioma geral do igualitário requer sempre a
pergunta: “igualdade de que?”.
Ainda assim, é necessário estabelecer, com vista à importância da
igualdade e à fundamental característica da capacidade para a vida humana:
“devemos exigir a igualdade de capacidades?” Sen (2011, p. 329) estabelece:
“tenho de dizer que a resposta e nao, e por várias razoes distintas”. Essas
razões que negam um uso comum da igualdade das capacidades entre as
diversas teorias da justiça, com significativa importância para o campo do
desenvolvimento como liberdade, vão delinear uma séria de caracterizações
que tornam a igualdade um conceito incapaz de ser unívoco.
4 O autor esclarece sobre a pertinência do conceito de igualdade nos debates acerca da liberdade e justiça. Mesmo em uma teoria como o utilitarismo, é estabelecida uma reflexão sobre a igualdade: “igualdade de tratamento entre os seres humanos, atribuindo igual importância aos ganhos e às perdas de utilidade de todos, sem excecao” (SEN, 2011, p. 326).
32
A primeira oposição de Sen à exigência da igualdade de capacidades é
esta: as capacidades se ligam às oportunidades substantivas e a vantagens
individuais, ao que não se pode atribuir, imediatamente, uma contribuição clara
aos processos de equidade e justica. Isso porque a “capacidade e, de fato,
nada mais do que uma perspectiva em cujos termos as vantagens e
desvantagens de uma pessoa podem ser razoavelmente avaliadas” (SEN,
2011, p. 331)
E segue aduzindo:
A questão central aqui diz respeito às múltiplas dimensões nas quais a igualdade importa, que não são redutíveis à igualdade em um único espaço, seja de vantagem econômica, recursos, utilidades, qualidade de vida ou capacidades. Meu ceticismo em relação a uma compreensão unifocal das exigências da igualdade (nesse caso, aplicada à perspectiva das capacidades) é parte de uma crítica mais ampla de uma visão unifocal de igualdade (SEN, 2011, p. 331).
Essa perspectiva reavalia, portanto, a ideia de “igualdade de que”,
tratando de orientar a discussão para além de uma matriz simples, ou seja, de
cuja resposta indique um único ambiente no qual essa igualdade deva ser
quista e incorporada, mesmo dentro do processo de compreensão do
desenvolvimento como liberdade. A tentativa liga-se à intenção de se pensar a
igualdade “como um ideal social que impulsiona a busca pela superacao das
situações que ameaçam as pessoas, a estabilidade social e o equilíbrio
ambiental” (ZAMBAM, 2012, p. 247).
Em segundo lugar, segue aduzindo Sen (2011, p. 331), “pode haver
outras exigências sobre juízos distributivos, que podem não ser mais bem-
vistas como exigências de igual liberdade geral para diferentes pessoas, em
qualquer sentido claro”. Existem, de acordo com essa linha de pensamento,
variações provocadas, por exemplo, pelo esforço e trabalho pessoal que
tornem a exigência da igualdade um contrassenso, incapaz de produzir
melhorias à ideia de justiça.
Por fim, as duas últimas razões que levam Sen objetar um apego
exclusivo à ideia de igualdade das capacidades são, as diferentes formas de se
definir capacidade e o fato de a igualdade não ser o único valor a ser
considerando por uma teoria da justiça. Ambas as ideias correspondem a um
mesmo eixo interpretativo e que estabelece – se bem que na esteira das
33
razões anteriores – a incapacidade de consensos unívocos e unifocais. No
fundo, a capacidade é definida também a partir dos contextos locais (culturais,
políticos, econômicos) e que reduzem um sentido prático de definições gerais.
Todavia, ao negar a concentração exclusiva na igualdade de
capacidades, ou em considerações gerais baseadas na capacidade, Sen não
desqualifica “o papel extremamente significativo das capacidades na ideia de
justica”. Significa que “a busca arrazoada de um elemento muito importante da
justiça social, que não desloque todo o resto, ainda pode ter um papel crucial
no empreendimento de melhorar a justica” (SEN, 2011, p. 333).
Aliás, essa ideia de justiça social, sobretudo, tem relevância para a
aproximação de conceitos como liberdade, desenvolvimento, capacidades e
suas respectivas privações. O contexto da privação das capacidades – que
diretamente se relaciona às oportunidades de se incrementar a renda, o acesso
à cultura, à educação, a sistemas eficientes de saúde e controle epidemiológico
– influi na igualdade desses acessos e não sob um ponto de vista formal, cuja
unidade não se dá justamente pela variação abissal entre os sistemas de
suprimento das carências.
Zambam (2012, p. 247) sintetiza.
A busca pela superação das graves desigualdades inicia pela constatação das diferenças que caracterizam as pessoas. Existe uma ampla variedade de comportamentos, culturas, formas de organização, entre outras, que definem as relações externas entre as pessoas e a sua estrutura de relacionamento externo. Essa constatação é decisiva porque é a razão da qualidade de vida das pessoas e do equilíbrio de suas relações que se evidencia a preocupação com a justiça e se organiza a vida da sociedade.
Tal concepção responde a um cenário que torna a exigência formal de
igualdade das capacidades impraticável. Partir do pressuposto de que a
equidade positiva das capacidades é suficiente e desejável em absoluto
importa, dentre outros, na supressão das características que diferenciam,
drasticamente, os tipos de problemas vividos ao redor do mundo. E, ademais,
considerando a relação íntima entre oportunidades e capacidades, a questão
da igualdade descamba, não raramente, para o critério da renda e sua
importância no contexto das privações e desigualdades.
34
A resposta dada por Sen é a mesma daquela dada em relação ao grau
das liberdades: “Essa limitacao [ver a desigualdade como desigualdade de
renda] tem o efeito de contribuir para que se negligenciem outros modos de ver
a desigualdade e a equidade, modos que influenciam de maneira muito mais
abrangente a elaboracao das politicas econômicas” (SEN, 2010, p. 146). Como
regra, é a responsabilização singularizada, polarizada e unívoca da
desigualdade de renda que afeta uma compreensão abrangente dos problemas
que importam em desigualdade.
Daí o porquê de uma privação sistemática das capacidades – meios de
os indivíduos contribuírem para a própria qualidade de vida e para a qualidade
de vida de todos – minar as tentativas de concretização da justiça social. Sem
o atendimento das necessidades básicas as oportunidades de, por exemplo,
prosperar se dizimam e, consequentemente, a desigualdade se constitui, por
fim, como afastamento entre grupos sociais, como fome crônica, como
analfabetismo, como morte prematura pelo débil controle de epidemias. E,
como prova da irredutibilidade do critério abrangente da origem das
desigualdades, populações com rendas maiores, ainda assim, sofrem
desigualdades de ordem racial, de gênero, de orientação sexual, de credo e
ideologia política.
Sobre esse aspecto, a privação das capacidades de se emergir da
pobreza, do racismo, da xenofobia, da intolerância religiosa é alastrada e se
constitui como um desafio plural, que não apenas exige respostas da economia
política. Ainda que o critério renda tenha fundamental importância no tocante à
igualdade, a pobreza é muito maior do que o acesso equânime à condições de
elevação da renda, sobretudo porque para a economia a igualdade de renda
seja a menos possível e desejável (SEN, 2011).
O que está em jogo, sobejamente, é a disparidade nas oportunidades
sociais disponibilizadas e que conduzem – como previsão producente do
mecanismo de mercado – ao anacrônico sistema de convívio entre a alta
tecnologia como braço do capital e a fome, a doença, e a morte endêmica,
cenário este que “denuncia a ocorrencia de injusticas” e, por outro lado, que
torna mais necessário o “debate e aprofundamento sobre a construcao da
justica” (ZAMBAM, 2012, p. 245).
35
Esse cenário é avaliado por Sen e Kliksberg (2010) nos termos da
participação social.
A relevância da cidadania e da participação social não é apenas instrumental. Elas são partes integrais daquilo que devemos preservar. Temos de combinar a noção básica de sustentabilidade corretamente defendida por Brundtland, Solow e outros, com uma visão ampla dos seres humanos – uma visão que inclua os agentes cujas liberdades têm valor, não apenas como recipientes reduzidos a meros padrões de vida (SEN; KLIKSBERG, 2010, p. 72).
Ainda assim – em que pese a já instituída pluralidade de contextos que
se cruzam no tema da liberdade e igualdade, a percepção de um
desenvolvimento como liberdade deverá, no dizer de Sen (2010), estar voltado
para a sustentabilidade, às condições ambientais e sociais do uso dos recursos
escassos, das matérias-primas e da tecnologia.
As condições de sustentabilidade, de cunho pessoal e no plano Estatal,
devem também ser pensadas de modo intergeracional. Nesse sentido, refere
Boff (2013, p. 128), que
[...] as políticas voltadas para o desenvolvimento se imbricam nas políticas para a promoção da sustentabilidade intergeracional. Propostas como diversificar a sustentabilidade econômica, por meio de investimentos em estrutura básica, na educação e na qualidade de vida, associadas ao incremento de investimentos em fontes renováveis e alternativas de energia, são meios de se efetivar os direitos sociais, econômicos e difusos, bem como de implementar a cautela e a responsabilidade da atual geração para com as necessidade das futuras gerações.
Em sentido mais restrito, pensar a liberdade, o bem-estar das
populações como objetivos, e os recursos econômicos como meios, atende,
justamente, a uma interpretação ecossistêmica da vida e das necessidades
que ultrapassam a esfera do humano. Aliás, trata-se, muito mais, de atender a
conceitos como liberdade e igualdade com uma relação cruzada com a
economia, aparentemente insensível para as condições de desigualdade e
ausência de oportunidades ao redor do globo.
Dentro desse sentido, a própria pauta da sustentabilidade terá o condão
de reconduzir a ideia de oportunidades e igualdade, sobretudo por conta das
implicações abrangentes decorrentes da reflexão sobre a vida do planeta que,
36
muito mais do que apenas significar um trato específico em relação aos
recursos naturais escassos, vai importar a reavaliação das relações sociais, da
moradia nas cidades, do acesso ao trabalho. (SEN, KLIKSBERG, 2010).
1.2.1 Amartya Sen e o desenvolvimento sustentável
Para situar o que Sen entende por desenvolvimento sustentável é
necessário, preliminarmente, compreender tal conceito dentro de seu gênero: a
sustentabilidade. A diferenciação gênero/espécie identifica o grau de
abrangência de um e outro conceito. O desenvolvimento sustentável é, nesse
sentido, a aplicação do conceito de sustentabilidade no âmbito político-
econômico.
Isso porque a noção de sustentabilidade abarca uma gama mais vasta
de ligações e implicações em múltiplas disciplinas, ainda que não haja, no dizer
de Rattner (1999) sequer unanimidade quanto ao próprio conceito de
sustentabilidade, já que este “transcende o exercicio analitico de explicar a
realidade e exige o teste de coerência lógica em aplicações práticas, onde o
discurso e transformado em realidade objetiva” (RATTNER, 1999, p. 233)5.
Para Boff (2012, p. 32) sustentabilidade significa
[...] toda ação destinada a manter as condições energéticas, informacionais, fisíco-quimícas que sustentam todos os seres vivos, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando sua continuidade e ainda atender as necessidades da geração presente e das futuras, de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneracao, reproducao e coevolucao”.
Todavia, apesar desse jogo denso de ligações pressuposto no conceito
de sustentabilidade – e da própria dificuldade de reduzir tais aspectos em uma
5 Rattner e ainda mais profundo e estabelece, no nivel conceitual, que a “sustentabilidade também nos remete a uma dimensão temporal pela comparação de características de um dado contexto ecológico e sociocultural no passado, presente e futuro. O primeiro serve como parâmetro de sustentabilidade, enquanto que o último requer a definição do estado desejável da sociedade no futuro” (1999, p. 234).
37
noção unívoca – é possível dizer que sustentabilidade é a implicação
necessária entre justiça social, qualidade de vida e meio ambiente (JACOBI,
1999). Os três elementos correspondem à (i) implicação social coletiva da
sustentabilidade, (ii) ao elemento individual de melhoria nas condições
pessoais de vivência e (iii) à preocupação em nível global com o futuro das
espécies (homem e não homem).
Ainda que de forma geral, é possível perceber a imbricação conceitual
desses três elementos em dois aspectos: (i) a imediata relação entre sociedade
e indivíduo e (ii) entre ecologia e desenvolvimento, sobretudo considerando
que as grandes ações em âmbito ambiental são exigidas no nível da produção
de bens e serviços - ou seja, são demandas postas à economia e à política e
que nasceram de forma pontual a partir da bandeira ambientalista, do
“manifesto pela sobrevivencia do planeta, de bichos e plantas ameacados pela
extinção e no Terceiro Mundo, assumiu a forma de defesa da sobrevivência
social dos desvalidos” (JACOBI, 1999, p. 28).
Novamente remontando o aspecto conceitual, é possível afirmar,
portanto, que a noção de sustentabilidade nasce da preocupação ambiental
(biólogos e ecologistas em geral). Assume, então, um status no direito e na
economia, sobretudo após a análise das razões da degradação ambiental, que
Sen (2010) classifica como uma interpretação restritiva da ideia de
desenvolvimento – a identificação sem mediação do desenvolver-se com o
crescimento dos índices econômicos clássicos.
A sustentabilidade - enquanto pensamento mais abrangente sobre as
consequências ecológicas do crescimento econômico - é que coloca a
exigência de uma nova forma de desenvolvimento que foi assumida por Sen.
Portanto, o desenvolvimento sustentável como matéria do direito e da
economia tem suas raízes no problema ambiental (na sustentabilidade em sua
perspectiva ecológica) e visa, nesse sentido, a reduzir uma interpretação
econômica que “prioriza o desenvolvimento econômico em detrimento da
dimensao humana, social e ambiental” (ZAMBAM, 2012, p. 135).
Aliás, essa “dimensao humana, social e ambiental” aludida por Zambam
retoma os três elementos afetos ao conceito geral de sustentabilidade: a
38
existência pessoal6, a vida coletiva e a preocupação ecológica global que,
nesse sentido, constituem-se efetivamente como marcas conceituais da
sustentabilidade e que a põe em contato mais direto com o conceito de
desenvolvimento sustentável de Sen.
Daí Sen tomar como ponto de partida o fato de que a exploração
contínua e exagerada dos recursos naturais compromete a saúde do planeta e
a vida das futuras gerações. A economia, por seu turno, é responsável por
grande parte dessa exploração, já que se vale da natureza no processo
produtivo e no beneficiamento de produtos. Disso nasce, sobremaneira, a
necessidade de se pensar os compromissos e responsabilidades da economia
no plano da sustentabilidade. Desenvolvimento sustentável é uma preocupação
de Sen justamente porque reavaliar as implicações do setor na natureza
constitui-se como forma de entender o papel instrumental que a economia terá
de desempenhar.
Do ponto de vista genealógico, o desenvolvimento sustentável é assim
apresentado por Sen:
A ideia de desenvolvimento sustentável surgiu essencialmente da preocupação relacionada à excessiva exploração dos recursos naturais e ambientais. Já no seu início, a discussão sublinhou os limites da atividade econômica imposta pelo ambiente físico, e concluiu que espécies e ecossistemas deveriam ser utilizados de maneira que lhes permitisse renovação indefinida (ZAMBAM, 2012, p. 136).
De um modo bastante preciso, é colocado em foco todo o panorama
aberto pelo próprio Desenvolvimento como liberdade, cuja mentalidade a que a
obra visa responder é, justamente, a mesma que pensa o desenvolvimento
sustentável com um interesse secundário, mormente patrocinado pela ideia de
preservação das condições de exploração dos recursos naturais. Aliás, a
ligação umbilical entre liberdade e desenvolvimento sustentável tem em comum
o cenário de uso irrestrito e imperialista das condutas econômicas e, por outro
lado, o desafio de tratar a liberdade a partir de um sentido coletivo, capaz de
6 Jacobi (1999, p. 41) avalia essa dimensão pessoal (ator concreto) na dinâmica da sustentabilidade, já que “a ideia de sustentabilidade implica na prevalência da premissa de que é preciso estabelecer uma limitação definida nas possibilidades de crescimento e um conjunto de iniciativas que levem em conta a existência de interlocutores e participantes sociais relevantes e ativos através de práticas educativas e de um processo de diálogo informado, o que reforca um sentimento de corresponsabilizacao e de constituicao de valores eticos”.
39
atrair a atividade do sujeito para além da redoma dos interesses particulares
(SEN, 2010).
Significa dizer, portanto, que o desenvolvimento sustentável é um
conceito cuja produção discursiva e social é coletiva, emanada da coalizão
estrutural das forças que atuam contra o logicismo do mecanismo de mercado.
Isso vai justificar, mais adiante, a afirmação de um sujeito social e politicamente
ativo, que se conduz a partir de bandeiras coletivas tal como, de fato, é a
sustentabilidade. Por ora, este sujeito tem diante de si um desafio fundamental
enquanto leitura: a degradação ecossistêmica e a aceleração do consumo
(SEN, 2010).
Importa constar, portanto, que o desenvolvimento sustentável está
ligado, também em Sen, à propriedade regenerativa do sistema ecológico
frente ao uso irrestrito dos recursos naturais escassos e parte de um
pressuposto que na visão de Kesselring (2007, p. 115) pode ser assim definido:
“o crescimento econômico nao e, por conseguinte, nenhuma condicao
suficiente para uma melhora na qualidade de vida”. Claramente, tal premissa
possui relação com a ideia da insuficiência do critério PIB/renda per capita,
como já destacado.
No dizer de Zambam (2012, p. 136), “a organizacao da arquitetura da
sociedade, composta por interesses em permanente conflito e, não raras
vezes, contraditórios, necessitada superar concepções e práticas que dificultam
ou desprezam as muitas formas de cooperacao”. Esses interesses particulares
– e o substancial e exclusivo atendimento aos mesmos – está ordenando para
aquela visão do crescimento econômico como suficiente para exprimir,
inclusive, o melhor grau de liberdade e, portanto, são diametralmente opostos a
uma concepção sistêmica e orgânica de desenvolvimento.
Se, então, é grave desconsiderar o crescimento econômico para as
“politicas de desenvolvimento”, o que se forma como nova base epistemológica
para pensar o desenvolvimento é, como segue afirmando Zambam (2012, p.
137), “a necessidade de uma abordagem imparcial, que inclua, alem das
demandas particulares ou de grupos de interesses específicos, a preocupação
com as futuras gerações, o equilíbrio dos recursos ambientais e as
necessidades dos paises, especialmente dos mais pobres”.
40
Dentro desse âmbito de reflexão, é preciso aclarar o que esta nova base
epistemológica retém: a superação do sentido teleológico do lucro e da
exploração dos recursos naturais, da mão de obra, da vontade particular
traduzida em consumo. A mudança estrutural do fim, enquanto liberdade,
redefine um modo de pensar e de agir e se constitui como uma formação
coletiva do pensamento da ação social. Sob esse aspecto, teria pouco sentido
discutir o desenvolvimento como liberdade desconsiderando a sustentabilidade
e as crises energéticas, por exemplo.
Todavia, a preocupação com o ecossistema não se reduz a uma
tentativa, interna ao mecanismo de mercado, de manter uma regeneração
utilitária dos recursos naturais, como que mera conservação das condições de
se continuar explorando. O futuro, do ponto de vista sustentável, não condiz a
uma interpretação pragmática do ecológico, mas tem como entendimento
sedimentado um valor moral superior: a qualidade de vida planetária e o futuro
geracional do mundo. É, no dizer de Zambam (2012, p. 139), um “valor moral
substantivo” de matriz “universalista” e, no dizer de Sachs (2002, p. 58), “um
desafio planetário”.
Aliás, dentro dessa mesma ideia, Loureiro (2003, p. 92) esclarece.
O pensamento ambientalista parte da premissa correta de que o mundo é um só, que os problemas sociais, políticos, econômicos e de preservação da natureza não se limitam a fronteiras. A sociedade global exige solidariedade e cooperação sem fronteiras. No entanto, esse aspecto de uma globalização ambiental precisa ser visto com cuidado e por um viés político. O fenômeno da globalização da economia de mercado e a internacionalização dos grandes conglomerados empresariais não apresenta tendência hegemônica na direção de uma globalização ecológica, mas para a consolidação hegemônica de um capitalismo financeiro
Em larga medida, a constatação operada diz respeito diretamente à
questão das dificuldades de se concretizar ações sustentáveis em planos
globais. A “necessidade de uma análise integrada das atividades econômicas,
sociais e políticas, envolvendo uma multiplicidade de instituições e muitas
condições de agente relacionadas de forma interativa”, ao passo que
democratiza e alastra a visão do todo, também se constitui como dificuldade
intrínseca (SEN, 2010, p. 11).
41
A comunhão de recursos e núcleos temáticos parece constituir a grande
via metodológica segundo a qual o pensamento da sustentabilidade é feito e as
ações políticas são pautadas. A consciência – traço fundamental para se poder
falar, mais tarde, em agente participativo, mas já agora de possibilidades
concretas dessa unidade metodológica – da relação que estabelece com a
natureza parece exigir uma dupla concepção dos recursos naturais, e que
Zambam (2012, p. 127) assim define: “ao mesmo tempo em que justamente
utiliza esses recursos como meio importantes e indispensáveis para alcançar
seus objetivos, [o homem] tem uma atitude que pode ser caracterizada como
contemplacao, preservacao e responsabilidade”, e tal consciencia e que o
“impede de reduzi-los [os recursos] a simples meios para satisfação de seus
interesses imediatos”.
Oliveira refere que (2012, p. 297)
Em síntese, podemos dizer que o conceito tradicional de sustentabilidade é antropocêntrico e, portanto, dado seu caráter especista, instrumental em relação à natureza, ecossistemas e indivíduos não-humanos. Resumidamente o lema é: sejamos sustentáveis porque isto convém aos nossos interesses, ao nosso bem-estar, a nossa sobrevivência. Em uma variação: sejamos sustentáveis para seguirmos explorando/coisificando a natureza, os animais.
Não é por acaso, assim, que as diretrizes e consensos da ideia de
sustentabilidade e contexto global direcionam-se para uma espécie de agir
ético, pautado, com grande precisão, em toda a gama de constatações até aqui
apresentadas.7
A consciência histórica das origens e rumos traçados pela visão
economicista, limitada, bem como do uso ilimitado dos recursos naturais
escassos, identificam as razões do agir, compreendendo a ação política aqui e
agora como uma resposta a um desenvolvimento progressivo de concepções
não ecossistêmicas (PADILHA, 2002).8
7 Nesse sentido, para Oliveira (2013, p. 49) a “Ética da terra, e por excelencia uma Ética
Ecocêntrica. Está voltada para a coletividade, e não para os indivíduos (ex.: investe contra a extinção de espécies, conquanto não se atenha aos seres singularmente considerados): o todo é maior do que as partes, o conjunto é mais valioso do que as suas partes.” 8 A diferença entre o Antropocentismo e Biocentrismo, se posta no fato de que no primeiro o homem está no centro do universo e utiliza a natureza pensando no bem estar e não existe a
42
À medida, portanto, que se percebe a relação entre economia capitalista
e esgotamento dos recursos naturais, torna-se mais clara a razão de se
aproximar a sustentabilidade da ideia de desenvolvimento como liberdade,
ainda que o desenvolvimento econômico não seja, para Sen, prescindível no
contexto da sustentabilidade.
É Zambam quem esclarece.
O desenvolvimento econômico opera, nessa nova perspectiva, como um meio importante para o desenvolvimento humano sustentável. Essa afirmação é decisiva para a fundamentação de uma concepção alternativa, porque existem outros meios, tão importantes quanto este, que efetivamente contribuem para o desenvolvimento global. Sua importância deriva da capacidade de legitimar o valor moral da sustentabilidade (ZAMBAM, 2012, p. 138).
A aproximação entre economia e sustentabilidade – que recobra
diretamente aspectos da necessária recondução de um diálogo ético-
econômico – indica, por um lado, o suprimento de uma necessidade corrente
de alterar o status isolado da economia para o de ciência que mantém relações
com as outras ciências sociais e, por outro, atende a uma exigência bem mais
complexa e nevrálgica: prover a saúde e o bem-estar do planeta.
Ainda que os aspectos relativos à reaproximação da ética e da economia
já tenham sido tratados nos tópicos anteriores, não é demais ou
contraproducente – agora sob a égide sustentável – recobrar um efeito
específico do afastamento entre essas duas estruturas conceituais e que
impacta sobremaneira no quesito vida sustentável: “a paixao infantil” da
economia pelos conceitos abstratos que, no dizer de Piketty (2014, p. 38),
relegam a pesquisa histórica e as outras ciências sociais a um plano
secundário intocado. A sustentabilidade, contudo, requer condutas e ações
políticas específicas e objetivas, ao que se somam os diálogos também
concretos de interpretação e releitura.
É a partir dessa metodologia da sustentabilidade que tem sentido
incorporar a economia enquanto ciência com interesse e responsabilidade
ambiental, ainda que o ecossistema, no dizer de Zambam (2012, p. 143),
preocupação com o valor intrínseco dos outros seres, enquanto que o segundo reconhece o valor intrínseco dos seres vivos além da vida humana.
43
“organiza-se a partir de diversos níveis de integração e superação ou
eliminacao de anomalias naturais”, enquanto as formacoes sociais “nao
espelham as mesmas caracteristicas”. Aliás, a abrangencia do discurso
sustentável para as outras ciências sociais visa, justamente, a retificar esse
defeito estrutural que é o mantimento das desigualdades sociais crônicas.
Assim, significa dizer que somente uma intervenção ativa no campo da
sustentabilidade é capaz de fazer surgir correções na ordem social e ambiental.
Isso compreende, dentre outras, posturas e ações políticas e éticas, capazes
de realimentar o desejo de transformação estrutural – sistêmica – dos
ambientes sociais e ecológicos. Tal necessidade explicita, mais uma vez, a
organicidade e interdependência da questão ambiental à social.
Em uma releitura dos critérios de sustentabilidade de Sachs, Zambam
(2012, p. 143) sinaliza
Fundado numa compreensão sistêmica de sociedade e de gerenciamento dos recursos disponíveis, entre os quais devem ser destacados os humanos, os ambientais e os tecnológicos, esse entendimento fundamenta uma relação na qual não existe uma sobreposição de interesses e de vontades, exceto por graves motivos, mas a ação integrada, solidária e cooperativa entre os envolvidos, num processo dinâmico e viável na sua estruturação teórica e operacional (grifo nosso).
Portanto, a partir das concepções correntes acerca do desenvolvimento
sustentável (Sen, Sachs, Capra, dentre outros), é possível apontar
determinantes específicas e metodológicas do combate ao uso indiscriminado
dos recursos naturais, das epidemias crônicas, do sistemático não atendimento
das necessidades humanas básicas e da disparidade no campo das
oportunidades sociais, ou seja, dos problemas ecossistêmicos e sociais.
Tais elementos são estabelecidos não como finalização de um conjunto
de consensos fixos, mas como pano de fundo do debate que o trabalho
pretende levar adiante nos próximos capítulos. Portanto, tem-se que o debate
acerca da sustentabilidade em uma aproximação com a economia e com a
pretensão de incluir como partícipes ativos os cidadãos requer, mais uma vez,
que: a) reconheça os limites estruturais das abordagens simplistas e isoladas;
b) seja um processo democrático e partilhado; c) seja metodologicamente
sistêmico, conduzido por matrizes ecológicas e sociais; d) não se limite às
44
hierarquias estabelecidas no plano social e que, a priori, determinam os
fundamentos e o proceder operacional.
Outros elementos podem ser angariados ao longo do trabalho, tal como
a participação social (o agente socialmente ativo) como fundamento
democrático da concretização da sustentabilidade ambiental, social, cultural,
ecológica etc. (SACHS, 2002). Tais aspectos retratam ora pequenos e grandes
avanços obtidos no processo de discussão pública da sustentabilidade, ora
panoramas relidos nos contextos e passíveis de abordagem.
Diante disso, as condições estruturais que tornam possível agir com
vista à sustentabilidade, sobretudo no elemento humano (agentes ou sujeitos),
são aspectos que necessitam ser abordados, justamente à medida que
representam a atuação direta na sociedade e a caracterização do papel de
agente.
45
2 DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
NA CF E NAS DECISÕES DO STF DOS ANOS 2013 E 2014
O direito fundamental ao desenvolvimento sustentável é, no atual
contexto constitucional, uma construção interpretativa que une dois tipos de
corroboração: a legal e a jurisprudencial. Posto de outro modo: não há, na
Constituição Brasileira de 1988, uma previsão direta, como por exemplo, o
desenvolvimento sustentável é um direito fundamental de todo e qualquer
cidadão ou da sociedade, de modo que o seu fundamento deve ser buscado a
partir de uma interpretação sistêmica, ou seja, na qual as partes são
compreendidas como pertencentes a um sistema e cujo sentido é produzido
em recurso ao todo.
O método sistêmico pressupõe que o ordenamento jurídico é um todo
unitário e permite escolher o significado da norma que seja coerente com o
conjunto, não de forma isolada, mas com todo o aparato jurídico. Nesse
sentido, a Constituição deve ser interpretada em conjunto com as decisões que
analisam seu sentido.
Sob este aspecto, muitos são os elementos presentes no texto
constitucional de forma não explícita, tal como a própria adesão ao modelo
predominante de desenvolvimento econômico. Significa dizer que o texto
constitucional contém bases não positivas e, por outro lado, que há
normatividade produzível a partir da conjunção de regras, princípios,
fundamentos e objetivos do Estado. Esse é o caso do direito fundamental ao
desenvolvimento sustentável, cuja exigibilidade técnica – se cumpre os
requisitos para, por exemplo, ser exigido judicialmente – não será objeto de
análise.
Diante dessa inexistência positiva, o direito fundamental ao
desenvolvimento sustentável deverá advir como resultado de uma
interpretação sistêmica do artigo 225 da Constituição de 1988 e do contorno
fundamental a ele produzido pelas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal. A primeira ponderação, versará sobre as caracterizações
46
fundamentais do direito ao desenvolvimento sustentável e visará ao
estabelecimento da efetiva fundamentação desse direito nas bases escolhidas.
Será exposta, ainda, a caracterização do artigo 225 da Constituição de
1988 como primeiro fundamento do direito fundamental ao desenvolvimento
sustentável, bem como as decisões do STF dentro do mesmo propósito, como
segundo fundamento. Após, serão analisadas as decisões do STF em
contraposição ao marco teórico de Sen, sobretudo de modo a se vislumbrar a
relação que possuem na temática da economia e da proteção ambiental,
denotando desse esforço a vinculação da teoria seniana com os fundamentos
apresentados nas decisões.
2.1 O direito fundamental ao desenvolvimento sustentável
A identificação do caráter fundamental de um direito é, em um primeiro
momento, de ordem jurídico-positiva. Significa que a barreira do positivado foi
transposta e, com isso, a necessidade de se explicar as razões formais pelas
quais um imperativo existente é axiomático: o direito está na Constituição.
Pressupõe, com isso, enquanto ligação imediata dos conceitos de sujeito e
norma, uma mera subsunção (SARLET, 2001).
Todavia, dentro de uma definição não restritiva do que seja um direito
fundamental, esse caráter é uma construção orgânica ou sistêmica, ainda que
permaneça constitucional. Sistêmica no sentido de pertencer ao núcleo do
direito como uma derivação da compreensão do Estado como um organismo
(elementos constitutivos e matéria do regramento), como uma consequência
natural que pertence ao jurídico à medida que outras bases estão aí postas.
No contexto do direito ao desenvolvimento sustentável, essas bases são
o artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – em
geral todo o capítulo VI que trata do meio ambiente – e toda a construção
jurisprudencial, em âmbito constitucional (ações constitucionais), que resume
uma série de princípios e metas em torno da relação desenvolvimento e meio
ambiente.
47
O que significa dizer, portanto, que uma interpretação sistêmica do
direito constitucional é capaz de fazer derivar o caráter constitucional do direito
ao desenvolvimento sustentável. Se, porventura, parte-se de um contexto pré-
dado de proteção ao meio ambiente, tem-se conjuntamente uma forma
interpretativa na qual o intérprete deve considerar as normas constitucionais
não como isoladas e dispersas, mas como preceitos integrados – evitando-se,
assim, contradições internas no seio da Constituição (SILVA, 2004).
A contradição interna, nesse sentido, seria desconsiderar a eminência
do direito ao desenvolvimento sustentável quando a Constituição lhe outorga
um status constitucional forte, muito bem expresso na complexidade de sujeitos
e bens jurídicos envoltos na previsão do artigo 225, caput, da Carta Maior. Não
obstante, o contexto interpretativo dos tribunais superiores, sobretudo o
Supremo Tribunal Federal, não faz senão ratificar, em larga medida, um tipo de
interpretacao que transcende o elemento “positivo” e estabelece o direito ao
desenvolvimento sustentável como fundamental.
Nesse âmbito, o próprio conceito de desenvolvimento sustentável, já
tratado, é capaz de subsidiar um aporte interpretativo, já que contém um
caráter sistêmico de interpretação de necessidade, recurso escasso, meio
ambiente e futuro geracional da humanidade. Ou seja, “a necessidade de um
modelo alternativo de desenvolvimento, que se pode chamar de ‘sustentável’,
impõe-se diante da necessidade de contemplar a pluralidade de interesses,
preocupacoes e aspiracoes das sociedades” (ZAMBAM, 2012, p. 135). Se,
então, essa necessidade é de caráter eminente, global e convém ao direito
(mais como uma necessidade urgente do que como uma liberalidade), então
não é possível que seja afastada do âmbito constitucional como um direito
fundamental.
Aliás, mais do que um direito fundamental atrelado à personalidade
individual, ao destinatário singular da regra, a fundamentação do direito ao
desenvolvimento sustentável leva em consideração a coletividade total
envolvida no projeto de qualificar, pelo direito, as condições da vida presente e
futura, sobretudo se levada em consideracao a “ambiguidade e ausencia de um
consenso na esfera conceitual e terminológica” do que seja um direito
fundamental (SARLET, 2001, p. 32).
48
Portanto, é preciso esclarecer que o apelo ao caráter fundamental da
sustentabilidade visa, como regra, um fim que é, imediatamente, um fim
coletivo (teleologia coletivista). Essa conclusão pode ser buscada na
identificação feita pelo legislador constituinte dos destinatários da previsão
legal de um meio ambiente ecologicamente equilibrado – e também dos
responsáveis pela realização deste projeto. O artigo 225, caput, aqui tomado
tão somente em relação a este aspecto particular, estabelece, tanto em relação
ao direito (para quem) quanto ao dever (por quem), que “todos tem direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Mas, vai alem: “poder público” e
coletividade” tem o dever de protege-lo e preservá-lo.
Sobre esse aspecto, os sujeitos do direito ao desenvolvimento
sustentável são eminentemente coletivos. A alusão é mais significativa do que
pode parecer: indica que todo um sistema de direitos e prerrogativas – ligado a
todos os indivíduos – atrela-se ao direito à sustentabilidade, reforçando, nesse
ponto, a organicidade e interdependência de direitos. Não há como garantir a
liberdade, a igualdade e direitos constitutivos em geral partindo-se de uma
interpretação constitucional não orgânica, que prescinda da sustentabilidade
como condição ao exercício dos demais direitos.
Isso significaria, outrossim, reduzir o conteúdo político-social da
Constituição e torná-la, simplesmente, uma carta técnica de organização
hierárquica de poderes e estrutura. Dessa conclusao resulta: “nao há dúvida de
que ela deve significar algo alem do direito positivo: ‘um espelho refletindo a
alma nacional’, talvez; uma expressao dos ideais da nação, aspirações a
valores esperados” (MICHELMAN, 2005, p. 132).
Mais do que isso, a sustentação do caráter fundamental do direito ao
desenvolvimento sustentável representa a essencialidade de se tratar do
assunto no âmbito constitucional, aí reproduzindo e desenvolvendo a
preocupação ambiental como uma rede interligada de cooperação e ação
(ZAMBAM, 2012, p. 136).
Do ponto de vista econômico, a discussão acerca de um novo modelo de
desenvolvimento já foi capaz de apresentar o déficit de uma interpretação
restritiva de progresso (SEN, 2010), inclusive de modo a estabelecer critérios
importantes para se perseguir uma ética para o próprio desenvolvimento. Por
49
seu turno, a discussão nas ciências naturais sobre o futuro do planeta (das
espécies vivas como um todo) é uma das mais ativas no contexto global de
uma preocupação do tipo universal, e na visão de (LEITE, 2003), sobretudo, ao
ir além do âmbito acadêmico e provocar interações sociais importantes, –
ações de conscientização, protestos e denúncias.
Contudo, o direito, internamente, tem demonstrado uma preocupação
técnica que decorre do reconhecimento do caráter fundamental de uma
garantia constitucional: a exigibilidade perante o Estado - alteração de status –
e o consequente desenvolvimento de ações concretas que visem à realização
desse direito (MICHELMAN, 2005).
Significa dizer que, reconhecido o caráter fundamental, torna-se exigível,
inclusive em recurso às instâncias judiciais, a efetivação desse direito. Essa
alteração de status corresponde a uma mudança paradigmática da
sustentabilidade de princípio do direito ambiental a direito fundamental efetivo,
exigível9. Contudo, o estado, em relação aos sujeitos do direito ao
desenvolvimento sustentável, deve tutelar de forma direta e agir no processo
de consecução e implementação de diretrizes sustentáveis? Além disso, de
que ordem ou dimensão é o direito ao desenvolvimento sustentável?
O problema do caráter fundamental do direito ao desenvolvimento
sustentável desemboca, então, na questão de se o fundamento desse último
direito é o mesmo – e, portanto, com a mesma alocação na terceira dimensão
de direitos – do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado inserido
no artigo 225 da Constituição de 1988. E, se, além disso, a titularidade do
direito é individual ou metaindividual.
Este último aspecto leva em consideração a interdependência dos
direitos fundamentais e, assim, a proximidade do modus da exigibilidade de um
e outro direito: ligação entre as dimensões de direitos e a forma como, em cada
uma, é possível exercer a jurisdição constitucional (SOUZA JUNIOR, 2005).
A análise desses dois aspectos – filiação do direito ao desenvolvimento
sustentável no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sujeitos
9 Outra implicação desse reconhecimento do status fundamental do direito ao desenvolvimento sustentável refere-se à atuação judicial e à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário no âmbito Executivo. Trata-se, sobremaneira, de um problema de atuacao e “extensao do Judicial”, sobretudo se se considerar uma especie de legislatura judicial que decorre da falta de regulamentação de leis ambientais precisas (LEAL, 2013, p. 217).
50
legítimos a exigi-los – poderá ser feita, com maior acuidade e precisão, no
estudo do artigo 225 da Constituição de 1988 e, na sequência, na interpretação
emanada dos tribunais superiores – julgamento das ações constitucionais.
2.1.1 O artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil
A compreensão do fundamento constitucional do direito ao
desenvolvimento sustentável é sempre sistêmica e reporta, com isso, toda a
ordem democrática do Estado de Direito. Significa, portanto, que os próprios
fundamentos da nação e seus objetivos podem estar dispostos como
justificações do desenvolvimento sustentável.
De um ponto de vista constitucional mais específico, estabelece o artigo 225,
caput, da Constituição brasileira de 1988:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Genericamente, estão aí arrolados os sujeitos destinatários da norma e,
por outro lado, os responsáveis pela realização conjunta do direito versado.
Chama atenção, contudo, a instituição de uma cooperação entre Estado e
sociedade, o que faz transparecer, nitidamente, o caráter compartilhado e não
restritivo da realização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Todavia, de um ponto de vista mais abrangente, a existência do
dispositivo legal citado traduz, como faz expressamente constar na ADI 3540
que (BRASIL, 2005, p. 11/12), “a consagracao constitucional, em nosso
sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas
asseguradas às formacoes sociais contemporâneas”. Nao obstante, como
segue aduzindo, “essa prerrogativa, que se qualifica por seu caráter de
metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
Portanto, a relacao entre o “todos” e o caráter metaindividual reforça,
substancialmente, as ligações cooperativas como esforços para a perseguição
do ideal de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por outro lado,
51
estabelece a preocupação ambiental como uma matéria global, objeto do
próprio ordenamento jurídico pátrio. Nesse contexto, a tutela ao meio ambiente,
à medida que é considerada terceira dimensão de direitos, está ligada a
aspectos reais da sociabilidade humana.
Bonavides (1993, p. 481) explica.
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo [...]. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade (grifo nosso).
A relação que se estabelece entre meio ambiente e humanidade indica,
portanto, que vários aspectos estão ligados à questão ambiental, sendo
fundamentais para a realização dos direitos individuais, difusos e coletivos.
Nessa seara, o “desenvolvimento”, como diz Bonavides (1993), passa a ser
compreendido como integrante do rol de relações com a previsão constitucional
do artigo 225. Notadamente, o direito ao desenvolvimento sustentável é
indissociável de uma previsao do tipo “todos tem direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado”.
Claramente, torna-se perceptível a compreensão não individualista do
direito, porque se trata, fundamentalmente, de compreender o desenvolvimento
sustentável em uma perspectiva de direito coletivo, sobretudo se se levar em
consideração o aspecto global do tema e a implicação multiabrangente da
sustentabilidade: afetação econômica, política e social. Na esteira do direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, tratar da sustentabilidade na ideia
de desenvolvimento vai pressupor componentes cooperativos, participativos e
que liguem o estágio constitucional (reconhecimento) às práticas sociais que
tendem a realizar essa previsão organicamente sintetizada.
Ainda em relacao à ideia de “coletividade” expressa no próprio caput do
artigo 225 da Constituição de 1988, tem-se que ela se liga a um dos objetivos
fundamentais da nação, disposto no artigo terceiro, inciso segundo da
Constituicao: “garantir o desenvolvimento nacional”. A garantia do
desenvolvimento nacional é, em uma interpretação menos restrita, de ordem
52
coletiva, plural e engloba todos os componentes sociais, políticos e econômicos
do tecido social, isto é, o desenvolvimento, entendido como objetivo da nação
pressupõe a ação de todos e que seja para todos.
A isso se liga, sobremaneira, a necessária compreensão da unidade
constitucional, segundo a qual a previsão expressa na Carta Magna funda um
mesmo sentido político ideológico e, nesse sentido, as previsões aí constantes
são coerentes. Com isso, as disposições constitucionais, devem manter, entre
si, estreita coerência e organicidade, sobretudo considerando os objetivos, os
fundamentos e os princípios que inauguram o texto constitucional (MORAES,
2007).
Qual é, contudo, a relação que pode ser estabelecida entre princípios
constitucionais, o artigo 3°, II (desenvolvimento nacional) e o artigo 225, caput,
da Constituição brasileira de 1988 (meio ambiente ecologicamente
equilibrado)? É possível que ambas as estruturas constitucionais possam ser
mediadas pela ideia de desenvolvimento sustentável?
Pode-se, inicialmente, assumir a premissa segundo a qual tanto o
desenvolvimento quanto o meio ambiente são problemas ou questões de
ordem global (SILVA, 2002). Soma-se a isso a ideia de que o próprio artigo 225
da Constituição brasileira de 1988 – em consideração a esse ambiente geral de
preocupação ambiental gerado pela Declaração de Estocolmo sobre Meio
Ambiente (1972) – já tratou de tornar essa temática um assunto nacional, ou
seja, enraizado na cultura jurídica pátria (BRASIL, 2005).
Sobre esse aspecto, há uma ideia de desenvolvimento latente às
próprias preocupações ambientais do legislador constituinte. Mais do que isso,
há uma ligação implícita entre desenvolvimento e meio ambiente, de modo que
não se pode pensar outro modelo para o desenvolvimento nacional senão
aquele pautado no postulado ambiental de protecao ao futuro do planeta: “a
atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios
destinados a tornar efetiva a protecao ao meio ambiente” (BRASIL, 2005, p. 2).
Esse elemento, portanto, atrela o artigo 3°, II da Constituição brasileira
de 1988 ao artigo 225 do mesmo diploma legal: o modelo de desenvolvimento
deve ser sustentável. O desenvolvimento sustentável é um direito
constitucional cujo caráter fundamental assenta-se na representação global da
53
necessidade de se preservar a vida presente e futura. Não se trata, portanto,
de mera disposição subjetiva, ligada a um indivíduo concreto mas sim a toda a
coletividade.
A partir desse pressuposto, o artigo 225 da Constituição brasileira de
1988 segue em um sentido mais programático, estabelecendo:
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
Em se tratando de ações a serem tomadas pelo Poder Público, portanto
limitadas à esfera institucional, todas as previsões do parágrafo primeiro podem
ser aplicadas às atividades econômicas que pululam na sociedade civil. O risco
primordial, de ordem coletiva, ligado ao exercício da atividade econômica
estabelece-se sob a ótica do cuidado com o meio ambiente e, portanto,
levando em consideração uma prerrogativa constitucional forte: a
sustentabilidade.
Essa relação entre cuidado com o meio ambiente e exercício da
atividade econômica segue sendo objeto da sequência do artigo 225.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma
54
da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas (grifo nosso).
Percebe-se que há no texto constitucional uma relação de zelo à
proteção ambiental. E isso de modo a justificar uma proposição que expresse a
harmonia entre atividade econômica e desenvolvimento sustentável, inclusive
impondo condições e exigências à exploração econômica (é exemplo o
parágrafo 2° do artigo 225).
É decorrência estrutural de coerência, nesse contexto, que o progresso
econômico seja limitado por normas de ordem ambiental. Portanto, normas de
desenvolvimento sustentável são limitações ao poder irrestrito do mecanismo
de mercado, sob o fundamento global (ponto de vista geográfico) e universal
(ponto de vista da abrangência teórica do postulado). A disposição
constitucional, nesse sentido – o exemplo é o artigo 225 da Constituição
Brasileira de 1988 – tem dupla significação: sintetiza uma preocupação mais
abrangente, da ordem do mundo da vida e possibilita, no plano jurídico-
constitucional, a realização de medidas para a efetivação do cuidado como o
meio ambiente.
No dizer de Torres (2005, p. 111),
Não há, no art. 225, só um direito subjetivo reconhecido, mas uma determinação objetiva, e não programática, ao ‘Poder Público’, em todas as suas dimensões, sob a forma de autêntico mandamento constitucional, a ser respeitado em todos os seus termos, mormente pelos responsáveis por atividades diretamente vinculadas com afetação a qualquer espécie de bem ambiental.
O que Torres reforça é a já aludida restrição das atividades econômicas
em função da proteção ambiental. Os bens ambientais predominam como
formas ou condições da vida coletiva e o interesse econômico imediato deve,
frente a isso, ser limitado ou, ainda, posto em relação com as exigências do
desenvolvimento sustentável.
No dizer de Gomes (2008, p. 5), essa consciência da necessidade de
harmonização entre desenvolvimento e proteção ambiental remonta todo um
55
contexto social e histórico de afirmação da agenda ambiental em setores como
o direito e a política e que, no Brasil, conduziu o legislador constituinte de 1988
à própria redação do artigo 225.
Ou seja,
A Constituição Federal também estabeleceu medidas e providências cabíveis [...] que se destinam a assegurar a efetividade do Meio Ambiente equilibrado, presentes nos incisos de I a VIII do art. 225. A inserção de um capítulo tratando, especificamente, das questões ambientais na Constituição Federal é reflexo, já neste tempo, de uma consciência de preservação, em decorrência dos problemas ambientais emergentes e das pressões populares que se iniciaram a partir da década de 70, com a organização da sociedade civil brasileira (GOMES, 2008, p. 5).
Nesse cenário, podemos inferir que desenvolver-se de forma sustentável
significa, em âmbito geral, um combate planetário ao uso ilimitado dos recursos
naturais e ambientais escassos e, por outro lado, mudança na qualidade de
vida, nos hábitos e na relação pessoal com o meio ambiente.
Significa, portanto, a interiorização pelo texto constitucional de
elementos transnacionais de proteção ao meio ambiente, da titularidade
coletiva desse direito e, sobretudo, conforme alerta Fiorillo (2009), da
compreensão de que o ecossistema não se traduz ou se interpreta somente
por meio da lógica econômica do contrato, da propriedade privada de alguém
em específico.
Refere Fiorillo (2009, p. 100/103):
O art. 225 da Constituição Federal estabelece, [...] que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo, e essencial ä sadia qualidade de vida. Destarte. [...] Daí poderemos reiterar nossa visão no sentido de que o art. 225 da Constituição, ao estabelecer a existência jurídica de um bem que se estrutura como sendo de uso comum do povo e essencial a qualidade de vida, configura uma nova realidade jurídica, disciplinando bem que não é público, nem, muito mesmo, particular. O povo, portanto, é que exerce a titularidade do bem ambiental
O artigo 225 da Constituição brasileira de 1988 constitui o primeiro pilar
de sustentação do caráter fundamental do direito ao desenvolvimento
sustentável. Está, além disso, conectado a todo o texto constitucional e a sua
interpretação adequada somente é possível considerando-se os demais
aspectos da sustentabilidade presentes, por exemplo, na noção de objetivos da
56
nação, nos moldes do desenvolvimento econômico e em todo o capítulo
destinado à proteção ambiental. Ainda assim, contudo, é necessário analisar
como esse conteúdo constitucional é interpretado pelo STF, sobretudo
considerando que o ato de decidir conforme a Constituição é uma leitura e
atualização constante da ideia de proteção ambiental.
2.1.1.1 A abordagem do STF sobre o desenvolvimento sustentável nos anos de 2013 e 2014
O caráter fundamental do desenvolvimento sustentável pode agora ser
examinado, ainda sob a égide da justificação, a partir do âmbito jurisprudencial
– o artigo 225 da Constituição de 1988 foi o primeiro pilar do argumento de que
o modelo sustentável de desenvolvimento encontra raízes na Constituição
enquanto direito fundamental.
No fundo, a relação que se pretende estabelecer é entre os julgados do
STF e uma visão de desenvolvimento que remete à preocupação global com o
meio social, econômico, político e ambiental. Assim, a cadeia jurisprudencial
deverá considerar, para corroborar a pretensão de justificar como fundamental
o direito ao desenvolvimento sustentável, que ao direito importa não só
aspectos jurídico-normativos muito específicos, mas também elementos
relativos à vida em sociedade e ao equilíbrio do meio ambiente.
Para este propósito, e como critério científico, foram analisadas todas as
decisões que envolvam desenvolvimento sustentável e direito fundamental,
produzidas nos anos de 2014 e 2015 produzidas pelo STF, sendo que 17
(dezessete) decisões serviram de suporte as citações diretas, indiretas e
paráfrases, na medida que consideram o desenvolvimento sustentável um
direito fundamental.
Inicialmente, foi utilizado, como marco histórico específico a Ação Direta
de Inconstitucionalidade 3.540, julgada em 2005 pelo Supremo Tribunal
Federal, que mesmo estando fora do critério cientifico adotado, é a decisão que
formou a posição do STF nesse aspecto e vem sendo utilizada e citada em
grande parte dos julgados analisados, medida da importância de sua analise
interpretativa.
57
Ainda que outros tantos julgados sejam, de igual forma, capazes de
fornecer uma visão da maneira que o STF decide em relação ao
desenvolvimento sustentável, as decisões selecionadas ganham em clareza e
especificidade, relacionando-se com precisão ao artigo 225 da Constituição
Brasileira de 1988 e ao próprio pensamento de Sen.10
O marco histórico tomado, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
354011, julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 2005 versou – em termos
mais abrangentes e para além dos aspectos processuais comuns às ações
constitucionais – sobre a tensão entre direito ambiental e o exercício da
atividade econômica. A discussão pautou-se no ferimento do artigo 225,
parágrafo 1°, inciso III da Constituição Brasileira de 1988 pela Medida
Provisória 2.166/6712, que previa a possibilidade de alteração ou supressão de
espaços territoriais destinados à preservação ambiental.13
Os dois aspectos fundamentais em torno dos quais girou a decisão -
proteção ao meio ambiente e desenvolvimento de atividades econômicas –
transcenderam a discussão sobre o aspecto formal da inconstitucionalidade e
10 É possível afirmar que entre 2005 e 2014 – lapso este que não será analisado com mais precisão – foram prolatados alguns julgamentos importantes para a temática ora apresentada, vindo a se constituir como provas de que o diálogo sobre o direito ao desenvolvimento sustentável se mantém ininterrupto no cenário dos tribunais superiores. Quando oportunos e necessários, também esses julgamentos serão mencionados de uma forma adjacente, sempre com a pretensão de sedimentar um núcleo teórico estável que mantém a unidade dos julgados. 11 Os elementos processuais constitucionais da ADI 3540/2005 não são objetos imediatos da pesquisa; todavia, tem-se: “trata-se de ação direta que, ajuizada pelo eminente Senhor Procurador-Geral da República, objetiva o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 1º da Medida Provisória nº 2.166- -67, de 24/08/2001, na parte em que alterou o art. 4º, “caput” e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, da Lei nº 4.771, de 15/09/1965, que instituiu o antigo Código Florestal. Cabe-me observar, no entanto, que sobreveio ao ajuizamento da presente ação direta a edição da Lei nº 12.651, de 25/05/2012, que expressamente revogou os diplomas normativos ora questionados neste processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade, como claramente resulta do seu artigo 83, que assim dispoe: “Art. 83. Revogam-se as Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e suas alterações posteriores, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001.” (grifei) Sendo esse o contexto, entendo configurada, na espécie, hipótese de extinção anômala deste processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade em virtude da revogação superveniente tanto da Medida Provisória nº 2.166-67/2001 quanto da Lei nº 4.771/1965” (BRASIL, 2005). 12 “Altera os arts. 1o, 4o, 14, 16 e 44, e acresce dispositivos à Lei no 4.771, de 15 de setembro de 1965, que institui o Código Florestal, bem como altera o art. 10 da Lei no 9.393, de 19 de dezembro de 1996, que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, e dá outras providencias.” 13 O Procurador-Geral da República sustentou em suas razões a inconstitucionalidade da MP 2.166/67 por desatender ao comando legal do artigo 225, §1°, III da Constituição. Segundo arguiu, havia a necessidade de lei regulamentar a alteração ou supressão de espaços territoriais destinados à preservação ambiental, de modo que os órgãos administrativos – como fazia constar a MP – não tinham competência constitucional para deliberar sobre tal ordem.
58
representaram uma importante síntese jurídico-constitucional no tocante à
posição do ordenamento jurídico brasileiro frente à questão ambiental já em
2005.
Levando em consideração a relação já estabelecida entre
desenvolvimento como liberdade e os aspectos restritivos da visão econômica
tradicional e dominante (SEN, 2010), a temática abordada pelos ministros do
Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI 3540, tende a
recuperar instâncias globais do elemento ambiental e conduzir a uma
interpretação coerente com o ordenamento jurídico pátrio.
Diante disso, o voto do Ministro-Relator Celso de Mello é esclarecedor,
sobretudo à medida que parte de uma clara concepção da relação que se deve
estabelecer entre desenvolvimento e sustentabilidade.
A ementa do julgado, para o propósito do trabalho, já é esclarecedora.
MEIO AMBIENTE – DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF ART. 225) – PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER METAINDIVIDUAL – DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) – QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE – NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS – ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (ART. 225, §1°, III) – ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE – MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI – SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL – RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3°, II C/C ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) – COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES – OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160/161) - QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO AO MEIO AMBIENTE – UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLICITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) – DECISÃO NÃO REFERENDADA – CONSEQUENTE INDEFERIMENTO DO PROCEDIMENTO DE MEDIDA CAUTELA (grifo nosso).
A primeira importante referência da decisão é (i) o cenário internacional
de proteção ao meio ambiente e que se liga, em grande medida, às
necessidades globais de uma geração sustentável – resposta à atuação do
59
mecanismo de mercado em atenção a uma concepção restritiva (economicista)
de desenvolvimento.
Mais em específico, tais são os aspectos trazidos à discussão por
ocasião do julgamento: (ii) o enquadramento do direito ambiental nas
dimensões de direitos, (ii) o aspecto intergeracional do cuidado com o meio
ambiente, (iii) a agenda global de proteção ao meio ambiente (Declaração de
Estocolmo de 1972) e (iv) a titularidade coletiva do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Importante perceber a relação entre a ADI 3540/2005 e o diagnóstico
feito por Sen (2010) no tocante ao distanciamento entre ética e economia. Os
aspectos versados pela decisão levam em consideração a relação íntima entre
meio ambiente, economia e o âmbito global.
Se, por um lado, o meio ambiente oferece uma “restricao ao direito à
atividade econômica”, como diz Celso de Mello, entao, por outro lado, está-se
replicando o argumento de Sen de que a economia concebida como
crescimento a todo custo deve dar lugar a uma concepção de desenvolvimento
“relacionado, sobretudo, com a melhora da vida que levamos e das liberdades
que desfrutamos”, o que nao pode ocorrer em um meio ambiente
ecologicamente desequilibrado (SEN, 2010, p. 29).
Quando o STF, no julgamento da ADI 3540, (BRASIL, 2005, p. 2) diz
que “a atividade econômica nao pode ser exercida em desarmonia com os
principios destinados a tornar efetiva a protecao ao meio ambiente”, está, do
ponto de vista teórico, explicitando uma concepção de economia muito ligada à
desenvolvida por Sen, ou seja, aquela economia cujos limites ambientais
motivam sua reestruturação a partir de elementos não imediatamente técnicos,
como qualidade de vida, justiça social. Não há espaço, dentro de uma visão
econômica que visa à liberdade, senão para a concepção de que o meio
ambiente equilibrado constituiu um terreno de efetivação dessa liberdade.
Logo, no âmbito do STF, a interpretação desse modelo de economia vai
significar a prolação de decisões limitativas à atividade econômica concebida
nos moldes tradicionais, calcadas na criticada visão restritiva de
desenvolvimento. É nesse sentido que a ADI 3540 tem significação simbólica,
porque consolida um entendimento aberto e multidisciplinar da importância da
60
proteção ao meio ambiente frente às atividades do mecanismo de mercado. É,
por outro lado, uma aplicação coesa e estruturante do próprio artigo 225 da
Constituição Brasileira de 1988.
Enquanto marco, portanto, a ADI 3540 atrela os julgamentos posteriores
a uma unidade performativa que caracteriza a forma de decidir, sobretudo de
modo a evitar retrocessos interpretativos na aplicação do conteúdo
constitucional. Contudo, é possível que os julgamentos posteriores
acrescentaram algo de significativo e contenham atualizações de aspectos
relevantes quanto à justificação legal do direito ao desenvolvimento
sustentável.
De um ponto de vista genérico, também os julgamentos prolatados em
2013 e 2014 partem das mesmas bases interpretativas já presentes no
julgamento da ADI 3540/2005: a metaindividualidade dos direitos ligados à
proteção ambiental, a subordinação legal do direito às atividades econômicas
ao direito ao meio ambiente, ou seja, da supremacia do interesse coletivo em
relação às demandas individuais, dentre tantas outras.
Esse conjunto levou o STF, no julgamento do Agravo Regimental
715977 em 18/02/13, de relatoria do Ministro Dias Tofolli, a insistir (BRASIL,
2013a, p. 4) “Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão),
que assiste a todo o genero humano”. Tal compreensao do direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado em nada difere do posicionamento já
adotado em 2005.
Segue, contudo, o acórdão (BRASIL, 2013a, p. 4/5):
A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral.
Apesar dos traços comuns com o julgamento da ADI 3540, aqui se
especifica melhor a relação binominal entre economia e sustentabilidade,
inclusive nos termos como expressos na preocupação de Sen (2010). O
61
“interesse empresarial” identifica a propensao da economia de elevar-se sobre
o meio ambiente pelo argumento do suprimento das necessidades humanas.
Segundo esse viés de justificação, que, contudo, desde o diagnóstico de Sen
não pode mais ser encarado como absoluto, a sociedade como um todo é
devedora dos avanços proporcionados pela racionalidade econômica e os
“efeitos indesejados” nao passam de precos ou consequencias mais ou menos
inclusas na opção pelo desenvolvimento.
Aliás, essa ideia e retomada por D’Isep (2009, p. 54) quando lembra:
[...] o desenvolvimento sustentável enfatiza a sociabilidade do capitalismo, pois o condiciona a uma visão antropocêntrica. Tanto o ‘ecologismo’ quanto o ‘capitalismo selvagem’ excluem do ordenamento jurídico esta visão (antropocêntrica), que se traduz no homem (social, coletivamente abordado) e sua qualidade de vida.
Uma posição em relação a essa tensão – interesses corporativos do
capitalismo e ecologia – é gerada nas decisões prolatadas pelo STF, momento
em que se vai demonstrando a insustentabilidade de uma tese que relega a um
segundo plano a preocupação com o desenvolvimento sustentável. Nesse
ponto, o fundamento da decisão (ARE 715977) inverte essa lógica e, nesse
sentido, toma partido em relação àquele embate: indica a submissão das
pretensoes econômicas à “defesa do meio ambiente”.
Essa base do decidir é importante e, no fundo, explicita, ao menos no
âmbito do discurso jurídico oficial, um fundamental consenso e consciência
acerca dos papéis destinados ao Estado no tocante à proteção do meio
ambiente. Tal modo de decidir parece ratificar, portanto, o fato de que “os
instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam
viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente”, o que e confirmado pelo próprio
ARE 715977. (BRASIL, 2013a, p. 5)
Importante perceber: a constitucionalidade que vincula a decisão legal
tambem vincula a atuacao administrativa: “Nao há discricionariedade do
administrador frente aos direitos consagrados constitucionalmente, sendo,
nesse aspecto, vinculada a atividade administrativa” (BRASIL, 2013b, p. 1),
significando que todo o Estado, ao menos em seu conteúdo burocrático, já
conta com os elementos constitucionais de proteção ao meio ambiente e,
62
consequentemente, da anterioridade legal da sustentabilidade em relação à
economia (STF, Agravo de Instrumento AI 805417, julgado em 05/03/2013).
Essa dimensao “administrativa” indica que o caráter fundamental do
direito ao desenvolvimento sustentável é de abrangência democrática, ou seja,
comporta uma leitura e aplicação em setores da sociedade civil e do Estado e,
com isso, não se restringe a uma percepção apenas judiciária. Aliás, a própria
origem constitucional indica essa dimensão abrangente do direito ao
desenvolvimento sustentável, de modo que sua aparição objetiva pode muito
bem ser percebida nas decisões proferidas pelo STF.
Nesse sentido, o próprio STF demonstra a superação daquilo que
Bobbio (1992, p. 25) vai chamar de preocupacoes quanto “a sua natureza e o
seu fundamento, se sao direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos”,
mas parte-se da necessidade iminente de garanti-los. O processo de decidir
pela prevalência do direito ao desenvolvimento sustentável em relação às
prerrogativas econômicas encerra, em grande medida, um posicionamento
mais perene e firme a partir do qual garantias são desenvolvidas.
É frente a esse espírito de garantias aos direitos fundamentais que
segue se posicionando o STF (Recurso Extraordinário n. 673681, julgado em
05/12/2014), sobretudo tendo em vista o típico embate entre forças econômicas
e sustentabilidade. Refere (BRASIL, 2014a, p. 12) que
O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional [...] representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.
Reaparece, mais uma vez, o caráter não imediatista da proteção ao
meio ambiente. A consolidação de uma sociedade justa e equilibrada passa,
sobretudo, pela atribuição de importância ao futuro geracional, ou seja, às
gerações que dependerão das condições do planeta para terem vida digna.
O esforço constitucional, nesse sentido, não pode olvidar o problema do
desenvolvimento sustentável, sobremaneira no tocante à conservação das
63
condições mínimas de vida para todos. No fundo, não se trata de uma proteção
meramente utilitária do uso dos recursos naturais escassos, mas uma
preocupação com a qualidade de vida em um futuro democrático.
A regência da atividade econômica pelos preceitos fundamentais de
proteção ao meio ambiente – um elemento de justificação reiteradamente
presente nos julgados – aparece como fundamental. O que acaba por recobrar
muitos dos elementos pelos quais, em Sen, há o diagnóstico da separação
entre ética e economia.14
É possível, aliás, atentar novamente para a consciência da
complexidade de uma tensão que verse sobre os interesses econômicos e o
meio ambiente. Daí o posicionamento do STF em relação a esse paradigma
ser fundamental. Isso leva, no julgamento do Recurso Extraordinário 679641,
julgado em 30/10/2014, o STF a repisar, em síntese (BRASIL, 2014b, p. 3/4)
que:
[...] princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade de comércio interpretados e aplicados em harmonia com o do desenvolvimento social saudável. [...] Princípios constitucionais (art. 225) a) do desenvolvimento sustentável e b) da equidade e responsabilidade intergeracional. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: preservação para a geração atual e para as gerações futuras. Desenvolvimento sustentável: crescimento econômico com garantia paralela e superiormente respeitada da saúde da população, cujos direitos devem ser observados em face das necessidades atuais e daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e respeito às gerações futuras.
O mesmo posicionamento já constava do julgamento, em 26/03/2014, do
Recurso Extraordinário 700872, ao confrontar meio ambiente e propriedade
privada. De igual forma e antes disso, o Agravo de Instrumento 802389, julgado
em 25/02/2013 já dispunha (BRASIL, 2013c, p. 5) que:
14 Nesse sentido, esclarece Sen (1999, p. 23) que “Pode-se dizer que a importância da abordagem ética diminuiu substancialmente com a evolução da economia moderna. A metodologia da chamada “economia positiva” nao apenas esquivou-se da análise econômica normativa como também teve o efeito de deixar de lado uma variedade de considerações éticas complexas que afetam o comportamento humano real e que, do ponto de vista dos economistas que estudam esse comportamento, são primordialmente fatos e não juízos normativos. Examinando as proporções das ênfases nas publicações da economia moderna, é difícil não notar a aversão às análises normativas profundas e o descaso pela influência das considerações éticas sobre a caracterização do comportamento humano real.
64
A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural.
Seguindo o padrão dos julgados até então analisados poder-se-ia aduzir,
como prevalentes, os seguintes elementos: a) prioridade do direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado sobre a atividade econômica; b) a
existência de um sistema constitucional de proteção ao meio ambiente; c) a
atuação conjunta do Estado e da sociedade civil na defesa dos direitos
coletivos derivados da proteção ao meio ambiente; d) a normatividade forte do
art. 170 VI e 225 da Constituição; e) a justificação sistêmica (constituição,
códigos e tratados internacionais) do direito fundamental ao desenvolvimento
sustentável, dentre outros.
Além disso, a unidade teórica dos julgados, expressa em todas as
decisões, recobra o que já a ADI 3540/2005 havia tornado consenso,
demonstrando que os princípios constitucionais e doutrinais básicos presentes
em 2005 permanecessem os mesmos. Refere o julgado (BRASIL, 2005, p. 3)
que
O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações
65
Todos esses elementos justificam, ainda hoje, a postulação do caráter
fundamental do direito ao desenvolvimento sustentável. Não há como atender à
prioridade dos direitos ligados à proteção ambiental sobre o interesse
econômico senão pela sua justificação sistêmica, pelo reforço da atuação
conjunta da sociedade, pelo apelo à Constituição, às leis, aos acordos e
tratados internacionais, às próprias decisões do STF como subsídios e
justificações do desenvolvimento econômico sustentável como forma de religar
ética e economia, condições de vida digna e futuro das gerações.
Por um lado, a existência do art. 225 da Constituição denota a
cristalização de muitos dos elementos contemporâneos de proteção ambiental,
da preocupação do legislador em incluir o problema ambiental no rol dos
elementos do Estado. Por outro, os julgados do STF desempenham a tarefa de
atualizar o conteúdo constitucional com as demandas da sociedade, com as
caracterizações doutrinárias do que vem a ser o direito ao desenvolvimento
sustentável e a função do Judiciário nesse processo (STF, ADI 3540/2005).
Se, nesse sentido, e verdade que “o principio do desenvolvimento
sustentável [está...] impregnado de caráter eminentemente constitucional”, da
mesma forma como o “ direito à preservacao do meio ambiente, que traduz
bem de uso comum da generalidade das pessoas, [deve...] ser resguardado
em favor das presentes e futuras geracoes”, entao a importância fundamental
do direito ao desenvolvimento sustentável só pode ser a consequência lógica
do compromisso com essas verdades – as quais foram repisadas em todos os
julgados analisados.
Alem disso, “o meio ambiente nao e incompativel com projetos de
desenvolvimento econômico e social que cuidem de preservá-lo como
patrimônio da humanidade” (BRASIL, 2007, p. 2), de modo que o seu caráter
fundamental não ilide a manutenção dos sistemas de produção de bens e
serviços, conforme fundamentos da Ação Civil Originária n. 876, julgada em
19/12/2007 pelo STF.
Mais do que isso, o direito fundamental ao desenvolvimento sustentável
visa, segundo a linguagem de Sen (1999), a reconciliar as pretensões
econômicas com a estrutura ética que subjaz à sustentabilidade. Desse modo,
pretende viabilizar condições econômicas que se compatibilizem com as
66
exigências da proteção ao meio ambiente. Nesse sentido, o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da Constituição) e o direito
fundamental ao desenvolvimento sustentável não são senão perspectivas
distintas para a consolidação do mesmo projeto de sustentabilidade.
Nesse escopo, as decisões do STF atuam como justificações efetivas de
toda uma mentalidade que é constitucional, mas também global, de proteção
ambiental. Há aí, portanto, a tradução dos aspectos gerais da proteção ao meio
ambiente – sobretudo diante do contraponto com os interesses decorrentes da
atividade econômica – em normatividade. Se, por si só, a constitucionalidade
não se traduz em legislação, em procedimento administrativo, em políticas
públicas de proteção ao meio ambiente, então o Judiciário desempenha a
tarefa política de democratização dos elementos sustentáveis – a judicialização
da política ou politização do Judiciário (ENGELMANN; CUNHA FILHO, 2013).
Diante desses aspectos, o teor predominante das decisões do STF
aponta para a importância e iminência da proteção ambiental por intermédio do
desenvolvimento econômico sustentável. Significa, portanto, que a atividade
econômica tem finalidades que não podem ser entendidas como incompatíveis
com a proteção ambiental. Uma correta interpretação dos objetivos e
fundamentos do Estado, nesse sentido, tende a aproximar, ainda mais, essas
duas estruturas.
Uma vez que não há a pretensão de abolir o sistema de produção de
bens e serviços, mas a adequação desses procedimentos econômicos a uma
dinâmica de sustentabilidade passaria a viger como forma de conciliar ética e
economia? Ou seja, há, nesse cenário, uma compatibilidade entre o trabalho
político do STF e a pretensão de Sen em conciliar economia e ética?
No escopo de responder aos questionamentos, seguiremos analisando
que Sen propõe que o desenvolvimento como liberdade e a superação da ética
sobre a economia e o desenvolvimento como liberdade devem passar pelo viés
sustentável enquanto preocupação global, e as decisões do STF projetam a
matriz ambiental em contrapartida à relação com a atividade econômica,
buscando a ponderação e harmonização de suas atividades.
67
2.2 A teoria de Amartya Sen como fundamentos das decisões do
STF
O cenário formado pela justificação do direito ao desenvolvimento
sustentável – art. 225 da Constituição e as decisões do STF – conduz a um
novo pressuposto: a proposta de Sen – desenvolvimento como liberdade e
superação da dicotomia ética-economia – é compatível com o substrato teórico
da atuação do STF. Assim, diante da constitucionalização da proteção ao meio
ambiente, pressupõe-se que o desenvolvimento seja sustentável e, assim, a
ação no âmbito da liberdade e da consciência perpassa aspectos de efetivação
da norma, alcançáveis através da exteriorização da condição de agente,
justamente o propósito de Sen.
Seguindo essa premissa, é preciso recordar que a conciliação entre
ética e economia visa a estabilizar o princípio da sustentabilidade por meio de
práticas econômicas sustentáveis e, com isso, estender a compreensão do
desenvolvimento para além dos padrões técnicos da economia tradicional, que
é majoritária. A aproximação entre os saberes, é vista por Sen (1999, p. 10) no
sentido de que “[...] a economia, como ela emergiu, pode tonar-se mais
produtiva se der uma atenção maior e mais explícita às considerações éticas
que moldam o comportamento e o juizo humano”.
O desenvolvimento, na visão de Sen, é verificado a partir da liberdade
que produz. Assim, os níveis de mensuração da economia tradicional
(crescimento do PIB, da renda per capita etc.) são parciais e desconsideram
vários elementos sociais, políticos e culturais que compõem o critério de
avaliação do desenvolvimento, englobando igualmente aspectos da liberdade
de seus cidadãos, a qual passa, inevitavelmente, pela compreensão da
importância do meio ambiente.
Nesse contexto importa considerar que o atual interesse pela
sustentabilidade surge dessa tomada de consciencia” e do reconhecimento de
que os discursos sobre desenvolvimento e liberdade devem passar pelo âmbito
sustentável enquanto preocupação global. “O desafio ambiental faz parte de
um problema mais geral [...] nos quais o bem é desfrutado em comum em vez
de separadamente por um só consumidor” (SEN, 2010, p. 343). Portanto,
68
afirmar que o direito ao desenvolvimento sustentável é fundamental, expressa
justamente essa consciência.
Por seu turno, as decisões do STF, nesse sentido, podem ser assim
expressas: a proteção ambiental tem prioridade em relação à atividade
econômica e ambos os direitos aí implicados devem ser harmonizados. Desse
modo, a proteção ao meio ambiente pressupõe que o desenvolvimento seja
sustentável e que, dada a ordem constitucional estabelecida, seja um direito
fundamental em que todos os cidadãos são os destinatários da norma.
Quanto aos elementos que aproximam Sen da unidade doutrinária ou
teórica dos julgados, inobstante poderem ser diversos, tais são as estruturas
que, aparentemente, ligam um e outro: a) a iminência do discurso ambiental; b)
a não ruptura completa com o modelo de desenvolvimento econômico; c) a
prevalência dos direitos ligados à proteção ambiental em relação à atividade
econômica e d) a necessidade de interpretar o conteúdo ético da economia.
Em um primeiro momento, a atenção à primeira estrutura (iminência do
discurso ambiental) em Sen parece conduzir ao problema da globalização dos
discursos e, nesse sentido, à alocação do problema ambiental como uma
causa e problema típico do ocidente industrializado (SEN, 1999, p. 18).
Todavia, o apelo às retóricas antiocidente não seria apropriado para tratar das
razões pelas quais se deve, na atualidade, encarar como também estatal o
problema ambiental. Além de que a ideia de que o oriente resistiu à
industrialização já ter sido superada.
Nesse sentido, o argumento de Sen é mais genérico e pode ser assim
formulado: a não atenção ao problema ambiental conduzirá a humanidade ao
colapso energético e comprometerá o futuro (SEN, 2010). Por seu turno, o
argumento do STF, presente nos julgados, parte do mesmo pressuposto: é
necessário garantir as condições de vida digna e desenvolvimento às gerações
futuras.
Genericamente, essa tese também pertence à própria teoria da justiça
de Sen (2011), a qual, justamente focando no elemento concreto de realização
da liberdade – e, portanto, em detrimento das origens conceituais mais
abstratas do elemento justo - passa pela reavaliação dos conceitos de
desenvolvimento e sujeito livre.
69
Isso significa – para além do diálogo de Sen com Burke - que a
sustentabilidade, apesar da urgência e importância, é um assunto cujo debate
sempre implicará dissensos e controvérsias, mas que, ainda assim, é um
diálogo iminente (SEN, 2011). Tal razão explica, por outro lado, a reincidência
do tema nas decisões do próprio STF. Mais do que isso, as decisões tomadas
não se formam senão com uma dose de controvérsia e insatisfação.
Ainda assim, a base comum entre o argumento de Sen e dos
argumentos que lastreiam as decisões do STF é verdadeira e encontra
subsídios nos índices de crescimento demográfico, nas dificuldades de acesso
às reservas de recursos naturais, na crescente emissão de poluentes, no uso
desregrado de defensivos agrícolas e no desmatamento. É isso que torna o
desenvolvimento sustentável o “condutor de grande parte da literatura
ambiental” (SEN, 2011, p. 64).
Sob esse aspecto, a aproximação entre sustentabilidade e
desenvolvimento econômico não pretende ser mera análise conjuntural das
razões, do sistema de justificação ou o porquê da degradação (visão descritiva
do problema), mas implica, sustenta Sen (2011, p. 65), uma postura de agente.
A razão profunda de argumentar em favor do desenvolvimento sustentável é
assim exposta por Sen (2011, p. 65): “Nao deveriamos nos preocupar em
preservar – e na medida do possível expandir – as liberdades substantivas
atuais das pessoas ‘sem comprometer a capacidade das futuras geracoes’ de
ter as mesmas – ou até mais – liberdades?”
A pergunta de Sen traduz com clareza a relação entre o marco teórico
das liberdades substantivas e o direito ao desenvolvimento sustentável. Isso
significa que a preservação dos recursos naturais e ambientais escassos não
pretende apenas manter os meios para a manutenção da produção de bens e
serviços, mas garantir tanta ou mais liberdade para as gerações futuras.
Por outro lado, aquilo que em Sen (2010, p. 9) é expresso como uma
contradição da sociedade capitalista, ou seja, a opulência versus a falta de
acesso às liberdades mais básicas (privações), é um ponto de partida
suficiente para situar o diálogo com o mundo e criar, inclusive, acordos e
tratados internacionais que são, em primeiro lugar, consensos em defesa da
70
vida. A referência que o STF faz a esses documentos internacionais corrobora
a ideia comum de que a proteção ambiental é uma agenda global.
Afora ser global, essa abordagem é também complexa, porque importa
considerar não só a economia, mas a política, a cultura, a religião e todos os
fatores que incentivam ou desaceleram a busca por liberdade. Contudo, central
para a teoria de Sen é a reavaliação interna da economia, de seus hábitos,
meios e progresso. Em sentido estrito, a economia não é negada
absolutamente, desconsiderada enquanto segue um determinado modelo
econômico, carecendo apenas ser acrisolada (SEN, 1999, p. 23).
Nessa segunda estrutura – a não ruptura com o modelo de
desenvolvimento econômico – também o STF, lastreado pela própria
Constituição, tenta redimir uma economia predatória por meio da harmonização
dos interesses. A atividade econômica, todavia, é reconhecidamente
capitalista, de modo que mesmo a atuação do Estado em relação aos ajustes
econômicos é um agir nos mesmos moldes. Significa, nesse sentido, que
também as decisões proferidas pelo STF não visam negar a estrutura-base do
modelo de desenvolvimento.
Nesse sentido, o protagonismo de Sen em relação às considerações
sobre a liberdade como medida do desenvolvimento é também o protagonismo
não contundente do STF. Essa falta de ataque à estrutura do modelo
predatório de desenvolvimento econômico, contudo, é a marca da não
extrapolação dos limites constitucionais atribuídos ao órgão. O STF está
restringido pela Constituição, e esta, por seu turno, abriga o modelo dominante
de produção de bens e serviços.
Por outro lado, o elemento liberdade, no sentido como está em Sen,
aparece de forma tênue nos julgamentos do STF quando o assunto é a tensão
entre economia e meio ambiente. Isso se dá, contudo, não por um problema de
condução do julgamento ou falta de análise do conteúdo ventilado nas ações,
mas porque compreende a proteção ambiental como um direito de titularidade
coletiva, enquanto a liberdade como marca do desenvolvimento parece referir-
se mais às condições pessoais – individuais, portanto – de vida digna.
Não se pode concluir a partir desses poucos elementos que o STF, no
sistema de julgamentos com base no problema global do meio ambiente, tenha
71
mais coesão por tratar, em último caso, a questão da liberdade como uma
causa coletiva e não apenas como uma relação entre condições e liberdade
individual – diálogo que conduziria ao debate entre liberais e comunitaristas. O
que está em jogo, em sentido mais abrangente, é que a base comum, seja em
uma análise coletivista ou individualista, ainda é a do modelo predominante de
desenvolvimento econômico.
Todavia, a relação entre a liberdade em Sen e os direitos coletivos como
predominantes em questões relativas ao meio ambiente pode retornar na
análise da terceira estrutura: a prevalência dos direitos ligados à proteção
ambiental em relação à atividade econômica. Aí estariam, basicamente, noções
de direitos ligados à coletividade e individualidade, respectivamente. Isso
porque a proteção ambiental, conforme posicionamento do STF, objetiva a
tutela coletiva que é, em um sentido genérico, a tutela de toda a humanidade, o
que inclui mesmo as gerações não nascidas.
Por seu turno, a atividade econômica visa ao desenvolvimento
econômico – portanto, não abrangente – e tem como substrato um direito
constitucionalmente inferior ao direito à vida, que é o direito ao acesso aos
bens e serviços não naturais. Em geral, a posição do STF é consistente e
opera desde a lógica constitucional que hierarquiza, mesmo formalmente,
direitos entre si. Sob este aspecto, não deve ser retórica a postulação da
preferência do direito à vida ao direito à propriedade privada, por exemplo.
Portanto, quando está em jogo o confronto entre a atividade econômica
e a proteção ambiental torna-se difícil recorrer somente à tese distintiva entre
direito individual e coletivo. Assim sendo, o recurso àquele primeiro critério –
hierarquia do direito à vida – parece fornecer uma razão mais decisiva quanto à
predominância da proteção ambiental em relação ao direito à atividade
econômica.
Aliás, quanto a esse aspecto – localizar na positivação, com caráter
fundamental, um direito – Sen (1999, p. 65) faz uma importante alusao: “a
concepção de que os direitos não podem ser intrinsecamente importantes está
razoavelmente arraigada na tradicao econômica hoje estabelecida”. Mais do
que isso, e a própria influencia utilitarista, do “welfarismo”, que reduz, segundo
Sen, a importância da ideia de direitos estabelecidos. Mas há outro motivo: “a
72
falta de interesse que a economia do bem-estar tem demonstrado por qualquer
etica complexa” (SEN, 1999, p. 66)15.
Tal razão reconduz, assim, a problemática para a questão da
aproximação entre ética e economia. Como Sen (1999, p. 19) destaca, “o
contraste não se dá necessariamente entre o autointeresse, de um lado, e
algum tipo de preocupacao geral por todas as pessoas, de outro.” Assim, a
preocupação em agir de determinada forma que não seja somente a
autointeressada, permeará a noção de que o agir ético necessariamente não
vai ser vinculado ao agir baseado no interesse próprio, mas no dever de
vincular a ação à moralidade, à responsabilidade e à ética, pois vai considerar
outros fatores que não só as motivações pessoais, como no caso o interesse
em preservar para as futuras gerações.
Na visão de Sen, esse aspecto da prevalência da proteção ambiental
sobre os direitos econômicos pode ser reconstruído pela própria ideia de
conciliação entre economia e ética, portanto. Há uma relação muito próxima
entre liberdade, economia e sustentabilidade e a ideia de prevalência torna-se
imbricação ou correspondência: liberdade individual e comprometimento social
(SEN, 2010, p. 343). A distinção, por exemplo, entre direitos de tutela individual
e coletiva vai se tornando menos evidente.
Isso porque a economia baseada na ética é capaz de perceber os riscos
de uma atividade econômica predatória. Essa consciência gera, como
consequência necessária, a tomada de cuidados ambientais que, por sua vez,
ensejarão melhores condições de vida aos cidadãos e, com isso,
proporcionarão mais liberdade.
A aproximação entre ética e economia, argumenta Sen (1999, p. 104)
traz consequência positivas, ainda que não seja uma tarefa fácil. Contudo,
essas dificuldades não ilidem o caráter iminente de uma interpretação
abrangente do desenvolvimento. O que, em relação às decisões do STF, pode
ser chamado de tentativa de harmonização entre economia e proteção
15 Mesmo que não seja objeto aqui analisar a importância ou deficiência da positivação, a ideia de que o direito ao desenvolvimento sustentável obtenha um caráter fundamental, constitucionalmente construído, não visa a criar uma realidade pela via do direito positivo, mas sim institucionalizar um elemento que já faz parte do contexto constitucional brasileiro. Estão aí as decisões do STF como representações da importância e realidade desse discurso.
73
ambiental. Em Sen aparece sob a forma da economia e das condições de
liberdade, assim, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, expressado na
Constituição Federal e nas decisões do Tribunal Constitucional Pátrio, é, sem
dúvida, uma condição de liberdade.
A harmonização ou equilíbrio entre ecologia e desenvolvimento
econômico, elemento presente tanto em Sen quanto nas decisões proferidas
pelo STF, pode muito bem ser traduzida na ideia de um direito ao
desenvolvimento sustentável. Este último, enquanto síntese de dois tipos de
pretensões ou interesses, pode significar a recondução da economia tradicional
ao elemento ético, ao mesmo tempo em que, em um sentido prático, importa a
adoção de hábitos econômicos não predatórios, ou seja, revitalização dos
processos de produção de bens e serviços de modo a não prejudicar ou
impedir a proteção ambiental.
Ainda que essa recondução da economia à ética vise, em Sen, a
agregar liberdade aos indivíduos, incrementando as condições pelas quais
trabalham e vivem em sociedade, é uma tarefa que parte do pressuposto liberal
da liberdade individual frente às determinações do mercado, ainda assim o
problema ecológico não está atenuado. Aliás, o desrespeito à proteção
ecológica é uma atitude contraditória mesmo para o capitalismo mais
tradicional (SEN, 1999, p. 94), porque já um raciocínio otimizante (maior lucro
com o menor dano) seria mais bem compatível como a manutenção dos
sistemas econômicos do que uma opção cega pelo lucro a qualquer custo.
Todavia, essa ideia da proteção ambiental como reserva das condições
materiais (os recursos naturais escassos) de produção de bens e serviços é,
ela mesma, também problemática, sobretudo porque desconsidera, a relação
hierárquica entre direito à vida e direito aos bens materiais – essa posição
hierárquica é constitucional e adotada pelas decisões do STF. Mais do que
isso, submete as condições de vida, que dependem da proteção ambiental, ao
desejo latente de preservação das condições do lucro e, nesse sentido,
professa: sem preservar a vida não se preserva o sistema da lucratividade.
Nesse sentido, como refere Derani (2008, p. 63), “a questao ambiental e,
em essência, subversiva, visto que é obrigada a permear e a questionar todo o
procedimento moderno de produção e de relação homem-natureza, estando
74
envolvida com o cerne da conflituosidade da sociedade moderna”. Essa
mesma pretensão de crítica é a base da análise feita por Sen (2010), já que a
aproximação entre ética e economia pressupõe, de início, uma avaliação dos
hábitos do mecanismo de mercado em função da proteção ambiental e do
incremento das liberdades individuais.
Assim, tanto em Sen quanto na base teórica das decisões do STF há um
reconhecimento efetivo da necessidade de se desenvolver uma economia
sustentável que se radica, como visto, na iminência da crítica ao capital. A
percepção de que o problema ambiental alude responsabilidades
compartilhadas está presente tanto no marco teórico traçado por Sen quanto
no segundo fundamento (as decisões do STF) que justifica o caráter
fundamental do direito ao desenvolvimento sustentável.
Trata-se de reconhecer o direito ao desenvolvimento sustentável como
fundamental não por razões ainda ligadas à necessidade de manter um
substrato para a produção de bens e serviços, mas pelo fato de que a
sustentabilidade, via de regra, não é somente econômica, mas diz respeito à
vida social, à cultura dos povos e à política dos países, imperativo fundamental
para compreender o porquê de o desenvolvimento sustentável ser
fundamental.
Predita fundamentalidade, produziu legislação vasta, de cunho
constitucional e infraconstitucional, que preocupou-se de forma intensa com a
temática da proteção ambiental, criando-se um verdadeiro microssistema
jurídico-ambiental, de preservação e proteção do meio ambiente considerado
como de vanguarda no mundo.
Porém, em que pesem os avanços legislativos, o país continua incapaz
de conter a destruição ambiental, permeiam a ausência de implementação do
direito fundamental ao desenvolvimento sustentável. O surgimento do
Ministerio Público como defensor dos direitos difusos, notadamente por meio
do inquerito civil e do termo de ajuste de conduta, é um alento contra a
impunidade que em conjunto com a responsabilização de ordem administrativa,
civil e penal pelo dano ambiental se radicam como formas de efetivar esse
direito como fundamental.
75
3 A EFETIVAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO
UM DIREITO FUNDAMENTAL
A Constituicao Federal consagrou, em seu art. 225, o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental (art. 5º § 2º,
CF) e está intimamente relacionado à dignidade da pessoa humana, um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro.
Expressão do princípio da indivisibilidade dos direitos humanos
fundamentais, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado estende
e reforça o significado do direito à vida (art. 5, caput), à saúde (arts. 196 e s.)
além da dignidade da pessoa humana (art. 1, III) para garantir uma vida
saudável e digna de ser vivida, capaz de propiciar o desenvolvimento humano,
antes de mera sobrevivência.
Ao lado desse direito, caminha, obviamente, um dever de protecao, que
se impoe aos vários agentes, públicos e privados, para que atuem de forma a
dar efetividade ao ordenamento. A parte do Estado, há uma vinculacao no
sentido de tornar possivel a concretizacao dos direitos fundamentais e,
primordialmente, os que tocam à dignidade humana.
Pode-se dizer que há uma vinculacao estatal que acumula as posicoes
de agente degradador, quando empreende na construção de obras e divisas,
desconsiderando os bens ambientais, (conivente com a acao depreciadora do
meio ambiente), e omisso na funcao estatal de licenciar e fiscalizar as próprias
acoes. Aquem dessa posicao Estatal, deve ser lembrado que a questao do
ambiente nao denota apenas uma atitude passiva de nao interferencia, tambem
sao necessárias medidas positivas à consecucao da tutela ambiental
adequada.
Logo, o objetivo da proteção do artigo 225 não abarca somente os
elementos naturais (água, ar, solo, flora, fauna), mas também os seus aspectos
artificiais e culturais, incluindo a estética da paisagem natural e o ambiente
construído pelo homem, cuja interação propicie o desenvolvimento equilibrado
da vida em todas as formas. O meio ambiente, representa um bem jurídico
autônomo que resulta da combinação de elementos do ambiente natural e da
76
sua relação com a vida humana, o que demanda sentimento e atitude fraterna
de todos ao seu meio. A partir dessas acepções, verificamos que o meio
ambiente, conforme artigo 225 da Constituição Federal de 1988 é um bem de
todos, indistintamente e que sua preservação compete tanto ao poder público
quanto à coletividade.
Dessa forma, a existência da legislação ambiental é esteio para a busca
da efetividade do desenvolvimento sustentável, como respeito à lei e como
punição por condutas em desacordo com a legalidade. Veremos que as leis
existentes guarnecem o meio ambiente e, se cumpridas, são alicerce á
efetivação desse modelo de desenvolvimento; se descumpridas, a punição
pode ter caráter educativo e de eficácia futura.
3.1 A legislação ambiental
O direito ambiental brasileiro está situado entre decisões políticas que
implicam sobretudo na escolha de valores éticos, jurídicos, culturais,
econômicos e sociais que demandam a luta pela própria afirmação. Em 1998,
posteriormente à Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, a Constituição
Federal reservou um capítulo próprio para a proteção ambiental.16
No Estado do Rio Grande do Sul, a Constituição Estadual alicerça os
valores expostos na Constituição Federal e vai além ao erigir a manutenção do
meio ambiente como essencial à qualidade de vida dos seres humanos. No
documento estadual vem assentado que17,
16 Antes de 1988, não havia menção específica à proteção ambiental, enquanto que à atual enumera também, além do capítulo próprio, normas que derivam ao desenvolvimento sustentável, que poderão ser encontradas, por exemplo, nos arts. 5º LXXII, art. 20, incisos II e IV (Bens da União), artigos 21 inciso XIX e XX e 22 incisos IV, XII, XXVI (Competência da União), artigo 23 incisos III, VI, VII, IX e XI (Competências Matérias Comuns), artigos 24 incisos VI, VII e VIII (Competência Legislativa Concorrente), art. 129 inciso III (Funções do Ministério Público), artigo 170 inciso VI (Princípios de Ordem Economica), artigo 174 paragrafo 3º (Atividade Garimperira), artigo 182 (Politica Urbana), artigo 186 inciso II (Função Social da Propriedade Rural), artigo 200 inciso VIII (Atribuições do SUS), artigo 216 (Patrimonio Cultural) e artigo 231 paragrafo 1 (Terras Indigenas). Além disso, a legislação ambiental que as constituições dos 26 Estados Brasileiros, mais o Distrito Federal, instituíram em muitos aspectos, proteção ambiental mais abrangente do que a imposta na Constituição Federal, algumas com riquezas de detalhes. 17 Existe no Rio Grande do Sul, por exemplo, o Bioma-Pampa, cuja biodiversidade é de importância histórica, advinda das tradições dos gaúchos, que deve ser objeto de lei estadual.
77
Art. 250. O meio ambiente é bem de uso comum do povo, e a manutenção de seu equilíbrio é essencial à sadia qualidade de vida. § 1.º A tutela do meio ambiente é exercida por todos os órgãos do Estado. § 2.º O causador de poluição ou dano ambiental será responsabilizado e deverá assumir ou ressarcir ao Estado, se for o caso, todos os custos financeiros, imediatos ou futuros, decorrentes do saneamento do dano.
Art. 251. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido. § 1.º Para assegurar a efetividade desse direito, o Estado desenvolverá ações permanentes de proteção, restauração e fiscalização do meio ambiente, incumbindo-lhe, primordialmente: [...] XIV - promover a adoção de formas alternativas renováveis de energia; XV - estimular a criação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs); XVI - valorizar e preservar o Pampa Gaúcho, sua cultura, patrimônio genético, diversidade de fauna e vegetação nativa, garantindo-se a denominação de origem.
Dentre as Leis Federais que regulamentam o meio ambiente sob a ótica
do desenvolvimento sustentável, podemos citar a Lei 12.651/2012 (Código
Florestal), a Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), a Lei 7.661/88
(Gerenciamento Costeiro), a Lei 7.802/89 (Lei dos Agrotóxicos), a Lei 8.974/95
(Engenharia Genética), a Lei 9.433/97 (Recursos Hídricos), a Lei 9.605/98 (Lei
dos Crimes Ambientais), a Lei 9.985/00 (Unidades de Conservação), a Lei
11.284/06 (Floresta Pública).
A Lei 6.938/81 que estabeleceu o Sistema Nacional do Meio Ambiente
(SISNAMA), pode ser considerada o marco teórico de influência legal
necessária a outras leis ambientais federais e estaduais. Em sua constituição,
o SISNAMA compreende o Conselho de Governo como órgão maior, o
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) como órgão consultivo e
deliberativo, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) como órgão central e o
Sobre a valorização e preservação do Bioma-Pampa, afirma Rech (2011, p. 35) “O pampa gaúcho nada mais é do que as pastagens naturais utilizadas para a criação de gado, as quais devem ser conservadas na sua diversidade, garantindo-se, inclusive, a denominação de origem. É, sem dúvida, um patrimônio natural de significado valor histórico, cultural e econômico que nao pode ser descaracterizado.”
78
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) como o órgão executivo.18
As partes da Administração que tratam das questões do meio ambiente
no âmbito federal são denominadas órgãos setoriais e, na esfera dos Estados,
de órgãos seccionais, sendo que ao lado destes, existem repartições e
instituições ambientais dos municípios, chamadas de órgãos locais do sistema
do meio ambiente. O sistema busca integrar os órgãos regionais e locais na
execução das regras estabelecidas pelo CONAMA, sendo que a fiscalização
das normas e dos padrões de qualidade ambiental deve ser executada pelo
IBAMA.
A Lei nº. 6.938 de 1981, em seu artigo 4º, inciso I, estabelece que “A
Política Nacional do Meio Ambiente visará: I - à compatibilização do
desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio
ambiente e do equilibrio ecológico”. Nessa linha de pensamento, o que se
pretende com esse dispositivo é a conciliação do desenvolvimento econômico
com o equilíbrio ecológico.
18 Divisão de poderes e funções vem estabelecida pela lei 6.938/81, em seu art. 6º, que assim dispoe: “Os órgaos e entidades da Uniao, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, assim estruturado: I - órgão superior: o Conselho de Governo, com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais; II - órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida; III - órgão central: a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente; IV - órgãos executores: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, com a finalidade de executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com as respectivas competências; V- Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental; VI - Órgãos Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições; § 1º - Os Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição, elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA.; § 2º Os Municípios, observadas as normas e os padrões federais e estaduais, também poderão elaborar as normas mencionadas no parágrafo anterior.; § 3º Os órgãos central, setoriais, seccionais e locais mencionados neste artigo deverão fornecer os resultados das análises efetuadas e sua fundamentação, quando solicitados por pessoa legitimamente interessada.; § 4º De acordo com a legislação em vigor, é o Poder Executivo autorizado a criar uma Fundação de apoio técnico científico às atividades do IBAMA.
79
Matriz também percebida na visão seniana de que o desenvolvimento
econômico deve ser baseado em outros fatores que não somente o seu
autointeresse. Refere Sen (1999, p. 31) que “Tentar fazer todo o possivel para
obter o que gostaríamos pode ser parte da racionalidade, e isso pode incluir o
empenho por objetivos desvinculados do autointeresse, os quais podemos
valorizar e desejar promover.” O afastamento do interesse exclusivamente
individual vem a promover a ação sustentável, percebida também pelo STF, no
julgamento do RE 700872/SC, em 26/03/14, em que a Ministra Rosa Weber
(BRASIL, 2014c, p. 2) refere que
MEIO AMBIENTE - RESERVA EXTRATIVISTA - CONFLITO DE INTERESSE - COLETIVO VERSUS INDIVIDUAL. Ante o estabelecido no artigo 225 da Constituicao Federal, conflito entre os interesses individual e coletivo resolve-se a favor deste último. PROPRIEDADE - MITIGACAO. O direito de propriedade nao se revela absoluto. Está relativizado pela Carta da República - artigos 5o, incisos XXII, XXIII e XXIV, e 184
Nessa visão, o meio ambiente representa um bem jurídico autônomo,
que resulta da combinação de elementos do ambiente natural e da sua relação
com a vida humana. Estes elementos materiais também são bens jurídicos e
podem ser utilizados para fins econômicos, desde que o uso não leve a uma
apropriação individual do meio ambiente como um bem imaterial.
Assim, é possível verificar que a construção dos direitos de terceira
dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma
determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira
isolada, tal como ocorria em momento pretérito.
Importa acrescentar que os direitos de terceira geração possuem
natureza essencialmente transindividual, porquanto não possuem destinatários
especificados, como os de primeira e segunda geração, abrangendo a
coletividade como um todo, e que transcendem o plano local ou nacional, mas
fazem parte de uma arena global. Preceito referendado pelo Ministro Celso de
Mello, no julgamento do RE 673681/SP, em 05/12/14, quando asseverou
(BRASIL, 2013a, p. 5) que
A preocupacao com a preservacao do meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes geracoes, para tambem atuar em
80
favor das geracoes futuras [...] – tem constituido, por isso mesmo, objeto de regulacoes normativas e de proclamacoes juridicas que, ultrapassando a provincia meramente domestica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declaracoes internacionais, que refletem, em sua expressao concreta, o compromisso das Nacoes com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade.
São direitos de titularidade difusa ou coletiva, alcançando destinatários
indeterminados ou, ainda, de difícil determinação, mas que contemplam a
humanidade como um todo. Os bens ambientais, tanto os constituídos do
ambiente natural, como os integrantes do ambiente cultural devem ser
considerados como bens de interesse público, sujeitos a um regime jurídico
especial que condiciona as atividades elementares a esse exercício. A
titularidade individual do direito ao meio ambiente não significa que não seja
mais um bem coletivo, mas consagra um direito de exercício metaindividual, de
caráter indivisível, o que repercute em uma atitude pessoal, implicando uma
característica de direito individual.19
19 Nesse sentido, já havia mencionado o Ministro Celso de Mello em outras decisões, que se posicionam fora do critério científico adotado no presente trabalho, [análise das decisões proferidas pelo STF nos anos de 2013 e 2014], mas que serviram de substrato e fundamento destas, e vem sendo citadas corriqueiramente quando do julgamento dos recursos que envolvem matéria ambiental e, mais especificamente, sobre o desenvolvimento sustentável. Portanto, importante, considerá-las no apego teórico do estudo. Ao proferir o voto condutor do julgamento da ADI 1856/RJ, afirmou o Ministro (BRASIL, 2011, p. 21/22) que “Vale referir, Senhor Presidente, neste ponto, ate mesmo em face da justa preocupacao revelada pelos povos e pela comunidade internacional em tema de direitos humanos, que estes, em seu processo de afirmacao e consolidacao, comportam diversos niveis de compreensao e abordagem, que permitem distingui-los em ordens, dimensoes ou fases sucessivas resultantes de sua evolucao histórica. Nesse contexto, e tal como enfatizado por esta Suprema Corte (RTJ 164/158-161), impende destacar, na linha desse processo evolutivo, os direitos de primeira geracao (direitos civis e politicos), que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, e que realcam o principio da liberdade. Os direitos de segunda geracao (direitos econômicos, sociais e culturais), que de outro lado, identificam-se com as liberdades positivas, reais ou concretas, pondo em relevo, sob tal perspectiva, o principio da igualdade. Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geracao (ou de novissima dimensao), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuidos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o principio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geracao (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansao e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponiveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurivel, [...], que confere particular enfase, dentre os direitos de terceira geracao (ou de novissima dimensao), ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado: “Com efeito, um novo pólo juridico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altissimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geracao tendem a cristalizar-se neste fim de seculo enquanto direitos que nao se destinam especificamente à protecao dos interesses de um individuo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o genero humano mesmo, num momento
81
Quanto a esse aspecto, no tocante à degradação do meio ambiente, não
há dúvidas de que as consequências geradas são prejudiciais a toda a
humanidade, e sendo o fato global e de efeitos intergeracionais, exsurge a
necessidade de que a solução seja de igual abrangência. Pois, o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado apresenta-se como uma forma a
garantir a preservação do meio natural às presentes e futuras gerações,
conforme preceitua o artigo 225 da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988.
Considera-se o desenvolvimento sustentável como um direito
transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é plenamente verificável
que os postulados que reclamam a preservação ambiental encontram esteio na
necessidade de se assegurar às futuras gerações os instrumentos
imprescindíveis para o desenvolvimento de suas potencialidades.
Ao julgar a ADI n° 1.856/RJ, em 26/05/11, que tratava da
inconstitucionalidade de Lei 2.895/98 do Estado do Rio de janeiro que permitia
a competicoes entre aves das racas combatentes [rinha de galos], o Ministro
Celso de Mello, estabeleceu os fundamentos do voto que serviram de substrato
ao julgamento do ARE 679641/RS em 30/10/14, em que o Ministro Gilmar
Mendes, utiliza como fundamento da decisão, referindo, (BRASIL, 2014b, p. 3),
que a
Adequacao da arguicao pela correta indicacao de preceitos fundamentais atingidos, a saber, o direito à saúde, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts. 196 e 225 da Constituicao Brasileira) e a busca de desenvolvimento econômico sustentável: principios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade de comercio interpretados e aplicados em harmonia com o do desenvolvimento social saudável. [...] preservacao para a geracao atual e para as geracoes futuras [...] Atendimento ao principio da precaucao, acolhido constitucionalmente, harmonizado com os demais principios da ordem social e econômica.
Quando à redação do caput do artigo 225 da Constituiçâo da República
Federativa do Brasil de 1988, refere como “todos”, faz mencao aos já nascidos
(presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração),
expressivo de sua afirmacao como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolucao de trezentos anos na esteira da concretizacao dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexao sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicacao e ao patrimônio comum da humanidade.”
82
cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os
recursos naturais que hoje existem.
Assim, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto direito
dotado de densidade principiológica, apresenta-se como instrumento robusto
para se propiciar o desenvolvimento das múltiplas e complexas capacidades
apresentadas pelas pessoas, tal como elemento alcançado pelo princípio da
dignidade da pessoa humana e seus diversos influxos informadores.
A positivação adotada pela Carta Magna permite que se fale em Estado
de direito ambiental, o que impregna todas as normas que se relacionam ao
vasto leque do domínio normativo da expressão "meio ambiente". Atenta ao
problema da projeção das gerações futuras no que concerne ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e seguindo o alerta sobre a necessidade de um
comportamento solidário e cooperado, a Constituição Brasileira estabeleceu o
dever de todos defender e preserver o meio ambiente para as presentes e
futuras gerações.
Entretanto, tal previsão obstaculiza-se aos paradigmas dominantes no
direito, na medida em que a construção de um novo sujeito de direito – o
sujeito transgeracional – não limitado espacial e temporalmente, impõe a
vinculação de direitos a um sujeito em parte não nascido, ou seja, implicaria na
imposição constitucional de um dever para com quem ainda não existe.
Deve ser compreendido que o meio ambiente é patrimônio comum da
humanidade, e se insere como sendo uma herança do passado que,
transitando pelo presente, é destinado aos hóspedes futuros do planeta,
devendo, para tanto, estar assegurado. O direito fundamental ao
desenvolvimento sustentável passa a representar, não apenas um ideário de
determinado momento histórico, mas uma norma dotada de eficácia,
imediatamente aplicável e, portanto, reveste-se de um dever moral e jurídico.
Trata-se um poder-dever do cidadão, no sentido que todos possuem o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como essencialidade do
fator humano, bem como, todos possuem o dever de defender e preservar o
meio ambiente no presente, para que possa ser compartilhado e utilizado pelas
gerações futuras. Tecidas assim as diretrizes para o surgimento do sujeito
83
abstrato (gerações futuras), que ainda não é vida, mas que será sujeito social
no futuro, e que possui, lá, direito ao meio ambiente sadio.
A consagração do direito ao ambiente em nível fundamental determina
que nenhum agente, público ou privado, pode tratá-lo como um meio para
obtenção de determinado fim, ou como um valor menor, ou indefinido, ou
infinito, [...] Esta previsão concede ao cidadao o direito a um “valor minimo
ambiental” que, para Grimone (2012, p. 117), “Esse minimo, que pode variar de
caso para caso, é uma prestação indispensável que o Estado deve ofertar ao
cidadão com o intuito de resguardar, ainda que de maneira incompleta,
determinado direito fundamental.” E, portanto, pode ser judicialmente exigivel,
pois corresponde à existência de um núcleo essencial do direito fundamental
ao ambiente e à qualidade de vida.
Podemos inferir que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação
com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de
imprescindível relevância para a sua existência, sendo, inclusive, insumos para
o desenvolvimento de todas as suas complexas e plurais potencialidades, tal
como instrumento que assegura a materialização do princípio da dignidade da
pessoa humana. (FIORILLO, 2010).
O Ministro Ayres Brito, em seu voto ao analisar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade n°. 4.029/AM, salientou que (BRASIL, 2012, p. 39):
E, em materia de meio ambiente, eu tendo a achar que tudo e urgente e tudo e relevante, pela qualificacao que do meio ambiente faz a Constituicao Federal, às expressas, no artigo 225, dizendo que o meio e um direito - ecologicamente equilibrado, claro - de todos, e “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida". Ou seja, o meio ambiente e um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada individuo, sadia qualidade de vida, diz a Constituicao, e por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele e imbricado, e conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nos diziamos que o meio ambiente e compativel com o desenvolvimento, hoje nos dizemos, a partir da Constituicao, tecnicamente, que nao pode haver desenvolvimento senao com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminacao do conceito me parece de rigor tecnico, porque salta da própria Constituicao Federal. (grifou-se)
Decisão esta de 2012, que serviu de pano de fundo à posição
referendada pelo Ministro Dias Tóffoli ao julgar o AI 802389/MG em 25/02/13,
onde definiu que (BRASIL, 2013c, p. 5/6)
84
A ATIVIDADE ECONOMICA NAO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCIPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTECAO AO MEIO AMBIENTE. [...] a invocacao desse postulado, quando ocorrente situacao de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condicao inafastável, cuja observância nao comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservacao do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras geracoes.
Percebe-se que a fundamentação dos julgados, quando não idênticas,
são complementares, e versam sobremaneira da análise realizada pelo
Tribunal na ADI 3540/05, quando então como acuidade os Minstros
examinaram o tema. É denotável, desta maneira, que a constitucionalização do
meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre
da premissa que os robustos cânones e princípios norteadores foram elevados
ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das
liberdades públicas e dos direitos fundamentais.
Decorrente de tal fato, produz efeito erga omnes, sendo, portanto,
oponível contra todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente
estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de
quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só
a população local, mas sim toda a humanidade.
Nessa senda, o direito à integridade do meio ambiente substancializa
verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua
singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade
social.
Assim, com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225
da Carta Maior, o axioma do direito fundamental ao desenvolvimento
sustentável está atrelando o meio ambiente como vetor da sadia qualidade de
vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a
85
espécie humana está se tratando do bem-estar e das condições mínimas de
existência.
O poder público possui papel fundamental na consecução desse
objetivo, justamente porque o constituinte determinou uma série de ações e
obrigações estatais na definição de espaços territoriais a serem protegidos, que
para Milaré (2000) são as áreas de proteção especial, áreas de preservação
permanente, as reservas legais e as unidades de proteção.
Explicita melhor Milaré (2000, p. 178/215),
A Constituição da Republica, em seu art. 225, I, II, III e VII, define como dever do Poder Público: a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais e o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; a preservação da diversidade e integridade do patrimônio genético do pais. Primeiramente, cria-se um direito constitucional fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Como todo direito fundamental, o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado é indisponível
E, portanto, a efetividade do direito, estabelecida pela Constituição
Federal, pode ser entendida tanto como eficácia jurídica quanto eficácia social,
como sendo a capacidade (potencial) de uma norma constitucional para
produzir efeitos legais, o que por sua vez, significa o desempenho concreto da
função social do direito e representa a materialização, no mundo dos fatos, dos
preceitos legais, que simboliza a aproximação entre o dever-ser normativo e o
ser da realidade social.
Entrementes, no seio desta realidade socialmente ambientada por
valores, desejos, culturas e atos, reveste-se de grande importância para a
efetividade do desenvolvimento sustentável a pessoa consciente, que possui
papel fundamental em termos de conhecimento e de informação das
consequências da devastação ambiental para o prospecto das gerações
futuras, e quiçá, dessa própria geração.
Segundo Grimone (2012, p. 152),
uma das formas de contribuição do cidadão para o desenvolvimento sustentável é o consumo consciente. O consumidor, atuando de maneira responsável, pode diminuir o desperdício, diminuindo a utilização de recurso naturais como a água, participar do reuso dos materiais através da coleta seletiva, incentivar a agricultura familiar e orgânica, adquirindo produtos da localidade onde vive, e principalmente controlando o impulso de consumir, refletindo mais sobre a real necessidade de se adquirir determinada mercadoria.
86
A atuação social, utilizando da condição de agente para desenvolver e
atuar socialmente na profusão do agir sustentável, diante da afirmação de um
sujeito social e politicamente ativo, que se conduz a partir de bandeiras
coletivas, como é o caso da sustentabilidade, no sentido de vislumbrar a leitura
entre a degradação ecossistêmica e a aceleração do consumo (SEN, 2010).
O aparato Estatal e as condições estruturais que tornam possível agir
com vista à sustentabilidade, sobretudo no elemento humano (agentes ou
sujeitos), são aspectos que representam a atuação direta na sociedade e a
caracterização do papel de agente da pessoa humana, e que conforme
Grimone (2012, p. 153/155) através de judicialização da questão ambiental
pode ser efetivada pelo cidadão por meio do direito de petição previsto no
artigo 5º inciso XXXIV da Constituição Federal, utilizando-se dos remédios
legais, como o habeas corpus (artigo 5 LXVIII), o mandado de segurança
(artigo 5, inciso LXIX), o mandado de injunção (artigo 5 LXXI), o habeas data
(artigo 5 LXXII) e a ação popular (artigo 5 LXXIII).
As dificuldades na aplicação das normas jurídicas de defesa ambiental
no Brasil decorrem também de antigos problemas do desempenho dos órgãos
públicos, como a falta de vontade política, o clientelismo, a corrupção, a
preparação profissional deficiente e a falta de estratégias e programas
adequados de implementação legal.
Assim, o grau de efetividade do art. 225 demanda uma densidade
variável, de acordo com os termos linguísticos neles empregados, nos quais a
eficácia diferenciada deixa variar também a intensidade dos deveres do poder
estatal para a sua realização, diante da correlação existente entre direito e
dever que, conforme estabelecido no caput do artigo, constitui uma obrigação
fundamental não autônoma, justamente porque está ligada umbilicalmente ao
direito fundamental de usufruir um meio ambiente equilibrado, formando uma
conexão funcional de complementariedade, adequação e fortalecimento,
exatamente por ser este dever consequência da dimensão objetiva do direito
que pode ser direcionado tanto contra o Estado como contra a sociedade civil
em geral, de forma coletiva ou individual.
O exercício desse dever traz benefícios não apenas para o titular do
direito subjetivo ao ambiente, mas alcança uma dimensão de utilidade geral,
87
beneficiando o conjunto dos cidadãos e o Estado, pois, o artigo 225 estatui um
direito de aplicação imediata, pela incidência do artigo 5º § 1º da Constituição
Federal, vinculando desde logo, todas as entidades públicas e privadas, sendo
possível afirmar que a regulamentação posterior através de lei ordinária
representa a densificação da exigência desse direito já previsto
constitucionalmente.20
3.1.1 A judicialização do meio ambiente e os atores processuais
As transformacoes havidas na sociedade contemporânea fizeram
emergir uma nova categoria de interesses ou direitos, os quais passaram a se
localizar entre o público e o privado e a colocar em xeque esta dicotomia. A
multiplicacao dos direitos, a hipercomunicacao digital e a massificacao social
sao algumas das expressoes que rotulam as mudancas sociais, politicas,
econômicas e culturais. Estas modificaram o mundo no seculo que findou,
restando claro nesse periodo o desenvolvimento de corpos sociais
intermediários, cuja finalidade seria atuar resguardando uma coletividade, em
prol de interesses comuns.
Os seus titulares constituem grupos indeterminados e indetermináveis
de pessoas, entre as quais inexiste vinculo juridico ou fático preciso (como os
sindicatos ou em um grupo reduzido de pessoas que tenha adquirido um
determinado bem de consumo bastante raro, quando entao estar-se-á tratando
de direitos coletivos stricto sensu), motivo pelo qual os seus efeitos espraiam-
se pela coletividade. Os direitos difusos sao, enfim, como um feixe ou conjunto
de interesses individuais, de pessoas indetermináveis, unidas por pontos
conexos.
Diante do surgimento desta nova categoria de direitos, localizada entre
as esferas pública e privada, de titularidade difusa ou coletiva, restou muito
clara a inadequacao do direito processual tradicional para a tutela destes
direitos em Juízo, na medida em que os instrumentos ate entao existentes de
20 Segundo a Constituição Federal, o Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. (grifou-se)
88
acesso à Justica nao estavam aptos à tutela dos interesses ou direitos
metaindividuais, onde as tradicionais construcoes juridico-processuais viram-se
em serias dificuldades para captar satisfatoriamente a complexidade
subjacente à imbricacao dos vários interesses convergentes, concorrentes e
contrapostos.
Por um lado, o direito de exigir do Estado a garantia da tutela
jurisdicional, por meio do livre acesso à Justica, e corolário lógico da assuncao
pelo Estado, com exclusividade, da tarefa de julgar. O art. 5º, inc. XXXV, da
Carta Magna de 1988, consagrou o principio da inafastabilidade do controle
jurisdicional, sendo este um pressuposto do Estado Democrático de Direito. De
outro, porem, o surgimento dos direitos metaindividuais demonstrou que, na
realidade, passaram a existir direitos que extrapolam o sistema juridico-
processual posto à disposicao.
Com o surgimento da acao civil pública, a legitimidade para o ingresso
da acao junto ao Poder Judiciário passou a ser concorrente e disjuntiva,
porquanto todos e cada um dos legitimados passou a estar apto a tutelar o
interesse metaindividual de que e co-titular, sem a autorizacao dos demais, nao
havendo a obrigacao de faze-lo em conjunto. O paradoxo hoje existente, no
sentido da democratizacao na defesa destes interesses, propostos pela acao
civil, não vem sendo utilizado pelo cidadão, mas quase que exclusivamente por
um órgão estatal, o Ministério Público.21
Com o advento da Constituicao de 1988, o Ministerio Público adquiriu
nova configuracao institucional, sendo inúmeras as conquistas alcancadas no
sentido de angariar novas atribuicoes à instituicao e novas garantias a seus
membros, que lhes asseguram autonomia funcional e administrativa. Pela nova
roupagem constitucional, passou a ser ente independente, nao vinculado a
qualquer dos poderes estatais, o que se posta, como essencial à funcao
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem juridica do regime
21 Ação Civil Pública, para Milare (2000, p. 196) regula “as acoes de responsabilidade por danos patrimoniais e morais, causados a bens de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagistico, bem como a qualquer outro direito difuso ou coletivo.” Assim, em razao da natureza do interesse material que ela tutela, ou seja, a acao e pública porque tem como objeto a defesa de bens que compoem o patrimônio social e público, assim como os interesses difusos e coletivos.
89
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponiveis na busca do
interesse público.
A estruturacao do art. 127 da CF/88, corroborada pelo art. 1° da Lei
Orgânica do Ministerio Público (Lei n° 8.625/93) e pelo art. 1° da Lei Orgânica
do Ministerio Público da Uniao (Lei Complementar n° 75/93). Esse se
apresenta como figura de verdadeiro poder de Estado, constituindo, para
muitos, um quarto poder de Estado. Ao órgao que legisla, ao que executa, ao
que julga, se acrescentaria, o que defende a sociedade e a lei, perante a
justica, mesmo em agindo com parte ex adversa do mesmo Estado que lhe
emprega.
A legitimacao da atuacao do Ministerio Público procede de sua
configuracao teleológica como órgao da sociedade, embora formalmente órgao
estatal. A designacao “parquet” tem origem na Franca, onde os procuradores
do rei ficavam sobre o assoalho da sala de audiências e não sobre o estrado
ao lado do magistrado como acontece atualmente. Do sentido de piso, evoluiu
para designar o Ministério Público, como instituição essencial à justiça, como
uma malha que se estende a todos os ramos do direito, em especial àqueles
de interesse social.
Assim, apresenta-se, como agente-parceiro da consolidacao e
ampliacao dos novos espacos de interlocucao social que surgiram a partir da
consagracao do regime democrático, servindo de canal privilegiado às
demandas que visam à concretizacao dos novos direitos e ao resgate da
cidadania da parcela majoritária da populacao brasileira que vive, ainda, à
margem dos processos politico e econômico. A transformacao por que passou
o Ministerio Público sintonizou-se com a emergencia de nova forma de
expressao da cidadania, que doravante reforcaria a atuacao dos Promotores e
Procuradores de Justica.22
A entidade, de fato, encontra-se à disposicao do cidadao e da
comunidade, e marcante a sua vinculacao às causas comunitárias e à
população em geral, porque o acesso ao Parquet dá-se de forma direta,
22 Promotor e Procurador, se diferenciam, no sentido que o primeiro atua no primeiro grau de jurisdição (o das Varas Cíveis, Criminais e outras, onde atua um Juiz de Direito isoladamente) e o segundo atua no segundo grau de jurisdição (a dos Tribunais, nas Câmaras Cíveis e Criminais, onde estão os Desembargadores).
90
informal e sem burocracia. O Ministerio Público assume assim, papel impar de
aglutinador dos interesses da sociedade e desempenhando a funcao
organizada de servir ao povo, labutando pela consagracao fática dos direitos e
garantias previstos no ordenamento constitucional.
Dessa forma, possui legitimidade para sua defesa em juizo, a partir da
injuncao do art. 129, inc. III, da Constituicao Federal, que assim dispoe: “sao
funcoes institucionais do Ministerio Público: [...] promover o inquerito civil e a
acao civil pública, para a protecao do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” .
Da mesma forma, o art. 14, § 1°, da Lei n° 6.938/81, que erige a Politica
Nacional do Meio Ambiente, referindo expressamente que “o Ministerio Público
da Uniao e dos Estados terá legitimidade para propor acao de responsabilidade
civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”. Possui, pois a
relevante tarefa de agir judicialmente em defesa dos bens ambientais. Assim,
quando ajuiza acao civil pública, nao encarna um interesse próprio, pois nao e
titular do interesse que defende em juizo, eis que age como substituto
processual, na tutela de um interesse difuso, coletivo ou individual homogeneo.
Alem das acoes e omissoes dos particulares (pessoas fisicas e/ou
pessoas juridicas), ao Ministerio Público incumbe agir no sentido de realizar o
controle da Administracao Pública, visto que muitos danos sao produzidos ao
ambiente atraves da participacao direta ou indireta, ativa ou omissiva do
próprio Estado, em especial na (in) execucao de politicas públicas referentes
ao direito fundamental ambiental. Entretanto, esta legitimidade nao lhe e
exclusiva, mas concorrente relativamente aos entes estatais e paraestatais,
assim como às associacoes que preencham determinados requisitos legais,
conforme dispoe o art. 5º da Lei da Acao Civil Pública.
O objeto da acao civil pública e bastante abrangente, fruto da
combinacao do art. 129, inc. III, da Constituicao Federal com o art. 1° da Lei n°
7.347/85, com a redacao que lhe deu a Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do
Consumidor) e inclui a protecao, dentre outros interesses metaindividuais,
como por exemplo o patrimônio público, do consumidor e do meio ambiente.
Busca o cumprimento de obrigacao de fazer, de nao fazer e/ou à condenacao
em dinheiro. Importa aludir que na acao de cunho ambiental nao se discute,
91
necessariamente, a legalidade do ato impugnado causador da degradacao
ambiental que se visa a evitar, fazer cessar e/ou compensar, mas e a
potencialidade de dano que o ato possa trazer aos bens ambientais que servirá
de fundamento para a acao, seu processamento e a respectiva decisao.
Nesse aparato, o Ministerio Público ocupa o papel de maior destaque no
cenário juridico nacional na defesa dos interesses supraindividuais, sendo
responsável pelo ajuizamento da maioria das acoes civis públicas na defesa do
meio ambiente. Infelizmente, e por diversas razoes, dentre as quais se destaca
a ausencia de recursos materiais para a propositura de acoes e ainda a falta de
cultura ativa da primazia do coletivo ao individual, as pessoas e ate as
associacoes de defesa ambiental tem tido pouca atuacao judicial.
Visivelmente, a sociedade nao está preparada e mobilizada para exercer
o seu direito-dever de protecao ao meio ambiente, que acaba sendo exercida
quase que exclusivamente pelo Ministerio Público. Devido a isso, a acao civil
pública consagrou, nao o “público, pessoas ou diferentes atores” mas, o
Ministerio Público, como gestor do papel de autor na defesa dos interesses
difusos e coletivos, historicamente, deixando de lado o exclusivismo das
funcoes de autor no campo criminal e da tarefa de fiscal da lei no terreno civel,
para nesta esfera passar a exercer um mister de magnitude social
Nao e somente na atuacao processual que a instituicao exerce o seu
mister constitucional de protecao ao meio ambiente. Hodiernamente, e
justamente na sua atuacao extrajudicial, exercida atraves do inquerito civil e do
termo de ajuste de conduta, que desempenha sua atividade mais intensa e
efetiva a servico da tutela ambiental. De forma efetiva, pode-se, na via
extrajudicial, obter resultados mais eficazes, nao somente pela celeridade ou
ate imediatidade da solucao, mas tambem pela qualidade da atitude
pretendida, em decorrencia da voluntariedade na sua prestacao.23
23 Neste sentido, Cappelli (2003) elenca as vantagens da atuacao extrajudicial do Ministerio Público na defesa do meio ambiente: a) morosidade no julgamento das demandas – mesmo reconhecendo-se a costumeira complexidade das acoes civis públicas por envolverem a formacao de uma prova altamente tecnica, a qualidade de titulo executivo extrajudicial do compromisso de ajustamento, expressamente prevista em lei e confirmada pela jurisprudencia, confere inegável vantagem à utilizacao do segundo, comparativamente à primeira; b) e ainda preponderante a visao privatista da propriedade, a opcao pelos valores da livre iniciativa e do crescimento econômico em detrimento das questoes ambientais nos arestos que apreciam a materia; c) maior abrangencia do compromisso de ajustamento do que da decisao judicial em face dos reflexos administrativos e criminais; d) menor custo, já que o acesso à Justica e caro
92
O inquerito civil, [criado pela Lei n° 7.347/85 - Lei da Acao Civil Pública],
para Morato Leite (2011, p. 351) e uma funcao institucional do Ministerio
Público, sendo este o único dos legitimados à acao civil pública com poder de
instaurar e presidir tambem o inquerito civil. Trata-se da formalizacao de um
expediente pre-processual, administrativo e investigativo, no qual o Ministerio
Público pode promover diligencias, requisitar documentos, informacoes,
exames e pericias, expedir notificacoes, tomar depoimentos, proceder a
vistorias e inspecoes.
Já o termo de ajuste de conduta (TAC) ingressou no universo juridico
com a funcao de solucionar por meio da composicao de forma rápida e
eficiente os conflitos coletivos surgidos no convivio social, porquanto e uma
forma de negociar diretamente com os autores e responsáveis pela reparacao
do dano impondo menos ônus às partes, pelo qual a pessoa reconhece
implicitamente que sua conduta ofende interesse difuso ou coletivo, e assume
a obrigacao de eliminar a ofensa atraves da adequacao de seu comportamento
às exigencias legais. 24
Tal conceito, expressa-se no dizer de Fiorilo (2002, p. 285/287)
Trata-se o instituto de meio de efetivação do pleno acesso á justiça, porquanto se mostra como instrumento de satisfação da tutela dos direitos coletivos, à medida que evita o ingresso em juízo, repelindo os reveses que isso pode significar à efetivação do direito material.[...] Vale lembrar que se trata de um ajuste de conduta, e condutas são previstas em lei, objetivando determinar as que deverão ter um fornecedor infrator. Obviamente, o compromisso feito ao Ministério Público não deve jamais ficar aquém do que diz a lei. Ao contrário, deve regularizar, tornar justo, conforme seus ditames, o proceder do fornecedor, até mesmo porque esse compromisso terá força de título executivo extrajudicial, na hipótese de se descumprimento
Trata-se de um mecanismo de solução pacífica de conflitos, com
natureza jurídica de transação, consistente no estabelecimento de certas
regras de conduta a serem observadas pelo interessado, incluindo a adoção de
medidas destinadas à salvaguarda do interesse difuso atingido. O instrumento, (v.g. custo pericial, honorários advocaticios); e) maior reflexo social da solucao extrajudicial, ao permitir o trato de problemas sob diversas óticas: por ecossistemas e por bacias hidrográficas (promotorias regionais, temáticas e volantes), por assuntos (permitindo estabelecer prioridades, bem como a realizacao de audiencia públicas e a intervencao da comunidade, o que resultará na obtencao de decisoes consensuais e, consequentemente, maior efetividade do trabalho). 24 Segundo Fiorilo (2002, p. 285), “Por ocasiao do inquerito civil, poderá ser firmado compromisso de ajustamento de conduta, conforme preleciona o parágrafo 6 do art. 5 da Lei 7.347/85.”
93
assim, pode ser conceituado como um documento escrito contendo a
promessa de adequar certo procedimento a um padrao de comportamento
adotado, sob pena de severas consequencias, eis que deve contemplar a
totalidade da recomposicao, utilizando-se do sistema de obrigacoes de nao
fazer, fazer e condenacao em dinheiro, como preve o art. 3º da Lei 7.347/85.
O termo de ajuste de conduta tem destacada importância na tutela do
meio ambiente, porquanto instrumento intimamente ligado a um dos principios
basilares do Direito Ambiental, qual seja o principio da prevencao, apto a
proteger o bem ambiental quando ainda na iminencia de ser degradado, muito,
devido à sua qualidade de contornar a morosidade dos processos judiciais,
principalmente daqueles que envolvem causas ambientais, ante à
infungibilidade dos bens ambientais. Assim, diante da funcao preventiva e
inibitória da Acao Civil Pública e do Inquerito civil, a atuacao extraprocessual do
Ministerio Público busca a implementacao do principio ambiental da prevencao
e, em última análise, a concretizacao do direito constitucionalmente previsto ao
meio ambiente sadio e equilibrado.
Dessa forma, no momento em que a Constituição Federal de 1988
previu, de forma expressa e em capítulo próprio, que todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, concedeu não somente o status
constitucional, mas também o de direito fundamental, categoria que se reveste
de proteção absoluta, encontrando-se imune até mesmo ao poder constituinte
derivado e que, in casu, encontra-se intimamente ligado ao Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana, vetor de todo o ordenamento jurídico
constitucional.
Porém, não basta a previsão abstrata dos direitos fundamentais no texto
constitucional, sendo imperioso sua concretização. Enquanto no plano jurídico
há uma crescente normatização da matéria ambiental em nível
infraconstitucional, inclusive no âmbito criminal, no plano fático, há uma
crescente degradação e devastação da natureza, oriundas principalmente do
aumento dos novos meios e novas tecnologias de produção, aliadas ao
consumismo desenfreado.
Proeminente a atuação extrajudicial do Ministério Público, notadamente
por meio do inquérito civil e do termo de ajuste de conduta, como forma ágil e
94
eficiente de proteger o meio ambiente, evitando-se a morosidade das
demandas judiciais. A efetivação do direito fundamental ao meio ambiente
sadio e equilibrado depende dos instrumentos de salvaguarda dos recursos
ambientais com assento constitucional e em legislação infraconstitucional.
Sem menosprezo à tutela processual do meio ambiente, a qual se
mostra mais efetiva quando o dano ambiental já se encontra consumado, e
bem por isso, tem-se que são as formas extraprocessuais e preventivas, ainda
quando devam surtir efeitos a longo prazo, caso da educação ambiental,
aquelas que realmente podem fazer a diferença no que tange à mudança de
rumo a ser adotada pela humanidade em relação ao meio ambiente.
Em conformidade com a visão de mundo ecocêntrica25, o homem está
inserido no meio ambiente, dele também fazendo parte, motivo pelo qual para
que haja efetividade ao direito fundamental e ao princípio fundamental referido,
há que reconhecer a ligação e interação do homem com o meio ambiente e
que este seja ecologicamente equilibrado, a fim de propiciar o bem-estar
necessário.
A exigência de conscientização e a adoção de medidas sistêmicas de
tutela ambiental guardam próxima relação com a atual e futura qualidade de
vida no planeta. É fundamental a revelação de uma nova ética pessoal e
comunitária, dotada de cidadania ambiental consciente e participativa no
combate à visão fracionada e meramente utilitarista do meio ambiente, a fim de
transformar a realidade insustentável vigente e construir caminhos para
integração ecológica. No mundo da vida, a harmonia entre desenvolvimento e
preservação do meio ambiente não é uma tarefa singela, porém também não
deve ser uma utopia.
3.1.1.1 O descumprimento da legislação e a responsabilidade por dano ambiental
A propriedade privada não é mais um direito absoluto, vez que
obrigatoriamente deve respeitar sua função social (artigo 5º, XXIII, Constituição
Federal) e, no caso da propriedade privada rural, deve respeitar, inclusive, sua
25 O ecocentrismo, segundo (DEVALL, 2001) “afasta o homem do centro do universo e inclui a imagem de um ambiente completo e relacional”. Assim, o ambiente passa a ser considerado em seu todo, no qual o homem é parte integrante.
95
função ambiental, que compreende a utilização adequada dos recursos
naturais e preservação do meio ambiente (artigo 186, II, Constituição Federal).
Podemos entender que todo aquele que optar pela exploração
econômica de determinada atividade potencialmente ou não potencialmente
perigosa ao ambiente, obriga-se a reparar quaisquer danos porventura dela
oriundos, independentemente de culpa ou dolo na provocação do prejuízo
ambiental.
O dano ambiental não faz parte e não é aceito como consequência
natural do exercício de qualquer atividade, nem tampouco, do exercício do
direito de propriedade, ficando à margem dos limites lícitos destes, e, portanto,
desencadeador do dever de reparar que resta absorvido pelo risco natural que
qualquer atividade proporciona ao seu empreendedor.
Há um direito fundamental difuso de todos os brasileiros (inter-gerações)
de viver em um ambiente ecologicamente equilibrado, como extensão do
próprio direito à vida. Para não parecer um direito simplesmente retórico do
ordenamento constitucional, esse direito fundamental de vida em ambiente
sadio é tratado simultaneamente pelo direito ambiental.
Através de uma proteção preventiva, decorrente de um sistema de
instrumentos administrativos que buscam harmonizar a vida moderna em
sociedade, com a preservação e ordenação do ambiente, e de uma proteção
repressiva, tipificando penal e administrativamente eventuais agressões ao
ambiente, além, é claro, de uma proteção reparatória, que busca determinar
um sistema de reconstituição do ambiente lesado, impondo ao causador do
dano o dever de reparar.
A responsabilidade objetiva parte dos mesmos pressupostos da
responsabilidade civil subjetiva (ação ou omissão, dano e nexo causal), menos
o pressuposto subjetivo da culpa ou dolo, e são pressupostos da
responsabilização que surgem em razão do dano ambiental. O uso irregular do
meio ambiente constitui abuso desse direito, e é inevitavelmente entendido
como acontecimento danoso. Portanto, qualquer atividade que direta ou
indiretamente cause degradação ao meio ambiente ou mesmo a um dos seus
componentes, e sem prévia aceitação pelo Poder Público através de regular
licenciamento, é passível de ser reprimida.
96
Quanto a responsabilidade patrimonial do causador de um dano
ambiental segue uma ótica severa de apuração, já que, em regra, um
particular, ao explorar uma atividade e auferir lucros com a mesma, pode estar
explorando recursos ambientais que simultaneamente integram um interesse
difuso maior de preservação do meio ambiente e que a degradação afronta
diretamente.
Dentre as características da responsabilidade patrimonial decorrente do
dano ambiental, a ausência da ideia de culpa, que é a consequência principal
do regime adotado pelo artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/81, posto que o
dano ambiental não exige para ser causa de responsabilização do causador do
dano ambiental, que este tenha agido com culpa (agir sem visar ao dano, mas
com conduta negligente, imprudente ou imperita) ou dolo (agir visando
conscientemente à prática do dano).
Havendo mais de um poluidor, qualquer um, ou todos, respondem
solidariamente pela reparação do dano ambiental. Portanto, a responsabilidade
pelo dano ambiental será sempre solidária, se o dano não puder ser delimitado
a um único poluidor, ou mesmo em caso de dano preexistente em uma cadeia
de degradação, com possibilidade do responsabilizado se voltar em regresso
contra o verdadeiro poluidor.
Igualmente o Poder Público pode ser responsabilizado por um dano
ambiental, quando age diretamente como poluidor (construindo uma obra) ou
quando se omite diretamente não agindo como deveria para diminuir a lesão ao
meio ambiente (deixando de instalar usina de tratamento de lixo ou esgoto). O
artigo 14, parágrafo 1º, a Lei no. 6.938/81, estabelece que a reparação pelo
dano ambiental alcança prejuízos causados ao meio ambiente e a terceiros.
Significa dizer que um determinado dano ambiental pode causar um prejuízo
coletivo, que gera o surgimento de um direito difuso da coletividade.
Para Miláre (2000, p. 334), o dano ambiental pode ser definido como a
lesão aos recursos ambientais com consequente degradação e alteração
adversa do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida. Importante salientar
que por “lesao aos recursos ambientais” nao se trata apenas dos recursos
naturais, mas também alcançando recursos artificiais e culturais que compõem
o meio ambiente. Mesmo assim, importante salientar que a poluição, como
97
forma de degradação ambiental, não é mensurada por padrões administrativos
ou regras apenas, mas pela aferição do resultado danoso ao meio ambiente.
Quando ocorrer um dano, estaremos diante da responsabilidade civil, e
do consequente dever de reparar, que suscita, por seu turno, outras duas
situações: a restituição do ambiente lesado ao seu estado anterior à ocorrência
do dano e a indenização pecuniária como forma de compensação. A Política
Nacional de Meio Ambiente, instituída pela Lei no. 6.938/81, estabelece que
será seu objetivo, dentre outros, impor ao poluidor e ao predador ambiental, a
obrigação de recuperar e indenizar os danos causados, através do pagamento
de valores indenizatórios e por meio da recuperação do ambiente degradado.
A responsabilidade por degradação ambiental é tripla, podendo o
mesmo ato infrator desencadear, alternativa ou cumulativamente,
consequências de ordem penal, civil e administrativa. A responsabilidade civil
por dano ambiental foi introduzida no país em 1981, pela Lei 6.938 (art. 14 §
1°) e regulamentada processualmente pela Lei da Ação Civil Pública
(7.347/85), a responsabilização administrativa e penal sofreram uma profunda
reformulação em 1998, com a promulgação da lei dos crimes ambientais
(9.605).
Esses últimos dois tipos de responsabilidade não dependem,
necessariamente, da realização de um dano ambiental, bastando que o ator
lesivo ultrapasse os limites legais fixados ou exponha a risco a salubridade do
meio ambiente ou a saúde das pessoas, enquanto as sanções civis e penais
devem ser fixadas pelo judiciário, as administrativas são impostas pelos
próprios órgãos executivos dos três níveis de governo, na base das leis
vigentes de cada ente federativo.
No entender de Morato Leite existe diferença entre a responsabilidade
penal e a civil. Afirma que (2013, p. 114), “a primeira tem como objetivo aplicar
penas em condutas ilícitas e a última se caracteriza pela obrigação de
indenizar a vitima pelo dano causado.” Entretanto, no âmbito da
responsabilidade civil, o maior problema consiste na fixação do montante
monetário para compensar um dano ambiental, já que os bens ambientais,
turísticos, paisagísticos etc, não possuem um valor de mercado e justamente
essa dificuldade tem levado, na última década, à crescente substituição da
98
condenação em dinheiro pelo cumprimento de obrigação de fazer, como no
caso de plantação de árvores, e, especialmente, a realização de medidas
compensatórias, como no caso de aquisição de bens para auxiliar na
fiscalização ambiental.
Segue afirmando Fiorilo (2002, p. 30)
O direito ambiental, atento a essas modificações e considerando a importância dos bens tutelados, adota a responsabilidade civil objetiva. Consagrou-se, portanto, a responsabilidade objetiva em relação a danos ambientais. A adoção pela Constituição Federal do regime da responsabilidade objetiva implica a impossibilidade de alteração desse regime jurídico da responsabilidade civil, em matéria ambiental, por qualquer lei infraconstitucional.
Para Silva (2003), a responsabilidade civil é aquela que impõe ao infrator
a obrigação de ressarcir o prejuízo causado por sua conduta. Ela pode ser
contratual, quando fundamentada em um contrato, ou pode ser extracontratual,
quando decorrer de exigência legal, ato ilícito ou até mesmo por ato lícito. A
própria legislação vigente dispõe no artigo 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, a
obrigatoriedade da indenizacao pelo ilicito civil, ao prever que: “Sem obstar a
aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.”
Além disso, a evidente insuficiência das indenizações civis –
normalmente repassadas a fundos pouco eficientes e mal controlados –
causaram uma maior ênfase doutrinária nos meios processuais disponíveis
para prevenir o próprio dano, como, por exemplo, a ação inibitória (art. 461 do
CPC).
Entre as diferentes responsabilidades, a transação e a suspensão
condicional do processo penal, são condicionadas pela prévia composição do
dano ambiental na área civil; além disso, o valor da prestação pecuniária paga
pelo condenado no processo penal será deduzido da possível indenização civil
(arts. 12, 27 e s. da Lei 9.605/98). Uma vez decididas no juízo criminal, não se
pode, no âmbito da responsabilidade civil, questionar mais a existência do fato
ou a identidade do autor (art. 935 do novo Código Civil).
O acolhimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica mostra que
houve atualizada percepção do papel das empresas no mundo contemporâneo,
99
eis que, podemos perceber que nas últimas décadas a poluição, o
desmatamento intensivo, a caça e a pesca predatórias não são mais praticados
só em pequena escala, mas o crime ambiental é principalmente corporativo.
A sanção do crime ambiental e a sanção da infração administrativa no
tocante à pessoa jurídica guardam quase uma igualdade. Conforme art. 225, §
3°, da CF “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados”. Assim, a responsabilidade penal da pessoa juridica só será
dissuasória de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente se ela for
implementada através de sanções econômicas, que propiciem a compensação
e/ou a reparação do dano ocorrido ou que consigam prevenir a degradação
ambiental no tempo certo.
Já prevista no art. 1° da Lei 7.347/1985, a responsabilização pelo dano
ambiental extrapatrimonial ou moral, autoriza-se pelo art. 5°, V e X, da CF, e, é
fundamental para a integralização da reparação exigida pelo texto
constitucional. O dano extrapatrimonial possui caráter subjetivo quando importa
em degradação ou sofrimento físico ou psíquico do indivíduo (chamado dano
reflexo). O dano extrapatrimonial é de caráter objetivo quando não repercute
exclusivamente na vítima individual, mas diretamente no meio social, ou seja,
atinge valores imateriais da coletividade, como a qualidade de vida. A
reparação do dano extrapatrimonial geralmente se dará por meio de
indenização pecuniária, o que demanda análise extremamente subjetiva por
parte do julgador.
A responsabilidade civil ambiental não cuida apenas da reparação de
direitos intersubjetivos, próprios da responsabilidade civil clássica: nela está
implícita uma função preventiva e precaucional, com o desestímulo das
atividades poluidoras pela possibilidade de aplicação de sanções, a
internalização dos custos ambientais, o caráter pedagógico da
responsabilização, o estímulo ao aumento de investimentos em tecnologia e a
restrição da instalação e funcionamento de empresas ambientalmente
irresponsáveis. Recepcionado aqui pela Constituição Federal, a Lei n° 6.938/81
trouxe grande avanço ao estabelecer, no art. 14 § 1°, a responsabilização
objetiva do poluidor.
100
Os interesses difusos passam a ter disciplina processual específica e
autônoma, paralela ao sistema processual interindividual, com a promulgação
da Ação Popular (lei n° 4.717, de 29 de junho de 1965), da Ação Civil Pública
(Lei n° 7.347/85) e do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90). Tais
diplomas deram estrutura a um processo civil coletivo, contemplando as
particularidades dos interesses difusos. Nesse sentido a posição doutrinária e
jurisprudencial dominante é pela não incidência das excludentes de
responsabilidade do Código Civil (caso fortuito e força maior) nas demandas
ambientais, bem como pela imprescritibilidade da ação reparatória quando se
trata de dano ao macrobem ambiental, de interesse comunitário.
Há, por consenso doutrinário, uma hierarquia das formas de reparação
do dano ao meio ambiente, que pode ser extraída da leitura sistêmica dos
artigos 4° VI e VII, e do 14° §1 da Lei n. 6.938/81, sob a ótica da Constituição
Federal. Na reparação do dano ambiental deve-se, sempre que tecnicamente
possível, privilegiar a restauração natural, com a recuperação efetiva da área
degradada, mediante restabelecimento do status quo ante. A restauração
natural possibilita a neutralização dos impactos ocasionados pelo dano, além
de apresentar um caráter pedagógico.
3.2 Amartya Sen e a efetivação do direito ao desenvolvimento
sustentável
Para a concretização do direito ao desenvolvimento sustentável é
necessária a inserção de princípios que irão resguardar os recursos ambientais
e permitir que a economia desenvolva-se de forma racional. O
desenvolvimento, então, deve cumprir as diretrizes traçadas pela sociedade,
bem como satisfazer as necessidades da população a fim de proporcionar uma
relação equilibrada de bem-estar e crescimento.
Sen conceitua o desenvolvimento como um processo integrado de
expansão de liberdades reais que as pessoas desfrutam. Refere (2010, p. 18)
quanto aos fins primordiais do desenvolvimento, ser preciso que “se removam
as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de
101
oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência de
serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados
repressivos.”26
A liberdade, para Sen, (2010) é central para o processo de
desenvolvimento, e sua privação, no caso da liberdade econômica pode gerar
a privação de liberdade social, assim como a privação de liberdade social ou
política pode gerar a privação de liberdade econômica. Por meio destas inter-
relações, entre liberdades de tipos diferentes, a condição de agente emerge
como motor fundamental do desenvolvimento já que, além de constituí-lo,
também fortalece outros tipos de condições de agentes livres.
Assim, temos que as liberdades e direitos também contribuem muito
eficazmente para o progresso econômico, além de constituírem o
desenvolvimento. Sen considera, igualmente a importância do crescimento do
PNB ou das rendas individuais, como meio de expansão das liberdades, que
também dependem de determinantes como as disposições sociais e
econômicas (serviços de educação e saúde) e os direitos civis (participação em
discussões públicas).
Quanto ao desenvolvimento sustentável, este deve, além de satisfazer
as necessidades imediatas de uma sociedade e seu crescimento, associar esta
intenção com o não comprometimento da qualidade de vida das gerações
futuras. E, é nesse contexto que a sustentabilidade faz sentido. 27
Para que se entenda a sustentabilidade, devemos recordar das posições
tomadas em Copenhague e na Rio 92 que se constituíram, segundo Sachs,
(2007) uma recusa implícita de teorias economicistas que fazem do
crescimento o objetivo central. O desenvolvimento sustentável apoia-se em
uma tríade composta pelos requisitos ambiental, social e econômico.
A importância do meio ambiente, por sua vez, fica mais clara quando
afirmamos que o problema que se coloca, portanto, não consiste na escolha
26 Refere, ainda Sen (2010, p. 54) que “uma visao considera o desenvolvimento um processo “feroz”, com muito “sangue, suor e lágrimas” – um mundo no qual sabedoria requer dureza.” 27 O desenvolvimento, ao qual está imbricada a sustentabilidade é compreendido por Sachs (2009, p. 232), como “um processo intencional e autodirigido de transformacao e gestao de estruturas socioeconômicas, direcionado no sentido de assegurar a todas as pessoas uma oportunidade de levar uma vida plena e gratificante, provendo-as de meios de subsistência decentes e aprimorando continuamente seu bem-estar, seja qual for o conteúdo concreto atribuido a essas metas por diferentes sociedades em diferentes momentos históricos”.
102
entre crescimento e qualidade do ambiente, mas sim em se tentar harmonizar
objetivos socioeconômicos e ambientais.
Na visão de Sen (2010, p. 28/29), pode-se afirmar que
Os fins e os meios do desenvolvimento requerem análise e exame minuciosos para uma compreensão mais plena do processo de desenvolvimento; é sem dúvida inadequado adotar como nosso objetivo básico apenas a maximizacao de renda ou de riqueza, […] Pela mesma razão, o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos.
Nesse contexto, é possível perceber a relação entre desenvolvimento
econômico, como um fim em si, e o desenvolvimento sustentável como
integrante da dignidade da pessoa humana. Assim, para buscar a efetivação do
desenvolvimento sustentável como um direito fundamental deve-se
compreender a relação entre a dignidade e o desenvolvimento. A primeira é o
fim do segundo, que é origem da primeira como direito. Não obstante, garantir
os vários aspectos do primeiro conceito é fundamental para que haja
desenvolvimento, o qual é essencial para a manutenção das condições
existenciais para uma vida saudável.
Ainda sobre esta interligação, reforça Sen (2010, p. 18), que
A ligação entre liberdade individual e realização de desenvolvimento social vai muito além da relação constitutiva – por mais importante que ela seja. O que as pessoas conseguem positivamente realizar é influenciado por oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras como boa saúde, educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas.
Em última análise, as semelhanças ou correlações entre o princípio da
dignidade da pessoa humana e o conceito de desenvolvimento sustentável têm
uma explicação lógica. O objetivo de ambos é o ser humano ou a pessoa
natural e a garantia de condições de vida sustentada em direitos e deveres.
Para Sen (2010), a finalidade do desenvolvimento deve ser vista como um
processo de expansão das liberdades substantivas das pessoas, sendo muito
103
semelhante às colocações de Sarlet quando define a antítese da dignidade da
pessoa. Refere (2010, p. 76) que
Tudo, portanto, converge no sentido de que também para a ordem jurídico-constitucional a concepção de homem-objeto (ou homem-instrumento), com todas as consequências que daí podem e devem ser extraídas, constitui justamente a antítese da noção de dignidade da pessoa.28
Feita até aqui a análise de alguns conceitos de desenvolvimento, bem
como da correlação com o princípio da dignidade da pessoa humana,
necessário é realizar a vinculação da efetivação do desenvolvimento
sustentável como um direito fundamental e a posição de Sen quanto à
condição de agente no exercício das liberdades substantivas.
Pois, de nada adianta, o aparelhamento de um Ministério Público
atuante quando as pessoas não agem de forma a perceber os problemas e
minimizar a atuação do Estado, mas promover a medida do dia a dia, seguindo
os princípios de desenvolver-se sustentavelmente, consciente e atuante, de
maneira retomando Sen, a modificar o mundo através da consciência e cultura
dos povos.
Sobretudo, porque o problema ambiental tende a manifestar-se em
praticamente todos os quadrantes do planeta, pela geração de modalidades
variadas de degradação ecológica, que desconhecem fronteiras. Como bem
descreve Morato Leite (2003), passamos por uma crise ambiental decorrente
do atual estágio de desenvolvimento da humanidade, no qual condições
tecnológicas, industriais, formas de organização e gestões econômicas da
sociedade estão em conflito com a qualidade de vida.
O Direito, por ser uma ciência mutável, deve renovar-se para
acompanhar a evolução da sociedade e, consequentemente, a garantia da
efetividade de suas normas para com a sociedade. A recuperação da crise
ambiental não ocorrerá apenas com a conciliação do desenvolvimento
28 O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, o controle e punição da corrupção, como forma de permitir a degradação ambiental, enfim, onde a liberdade, a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta, por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.
104
econômico e social, mas de um desenvolvimento sustentável, a partir de
princípios civilizatórios. Deixando inclusive, a responsabilidade pela proteção
ambiental de estar sobre o domínio apenas do ente público como também do
privado, adotando o Estado o comportamento de uma nova cidadania,
comprometida com as consequências decorrentes do desenvolvimento e a
consciência do uso racional e ético dos recursos naturais, objetivando o
equilíbrio ecológico e a preservação do patrimônio ambiental.
O homem, aos olhos de Sen, é um agente, uma pessoa, um ser capaz
de agir, de intervir no mundo, de produzir mudanças, promover seus valores e
de realizar seus objetivos. Sua posição, em última análise, é a de um filósofo e
não de um economista, pois vai da economia à filosofia em prol da liberdade e,
não da utilidade. Tal aspecto é verificado quando o autor cita Aristóteles
afirmando que a riqueza evidentemente não é o bem que estamos buscando
(2010, p. 29) sendo ela “meramente útil e em proveito de alguma outra
coisa”. (grifo nosso)
Sen (2010, p. 77) demonstra, de maneira ímpar, que
Os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a perspectiva da liberdade seja colocada no centro do palco. Nessa perspectiva, as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas – dada a oportunidade – na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas. São papéis de sustentação, e não de entrega sob encomenda. A perspectiva de que a liberdade é central em relação aos fins e aos meios do desenvolvimento merece toda a nossa atenção. [grifo nosso]
A afirmação do presente estudo perpassa, o entendimento que converge
para a afirmacao da condicao de agentes sociais, atuando como “ativamente
envolvidas” e nao somente como recatados “beneficiários passivos” das
relações Estatais e pessoais. A existência do direito (CF, Leis, Tratados), deve
vir interligada pela atitude consciente de que o meio ambiente deve ser
respeitado por ser um bem de todos, e o desenvolvimento sustentável, mesmo
que reconhecido constitucionalmente, deve abarcar as atitudes diárias das
pessoas, e não somente a ingerência de atos estatais em prol da
sustentabilidade.
105
As políticas públicas, notadamente aquelas voltadas para a educação e
saúde, complementam as oportunidades abertas pelo comprometimento das
instituições e pelas atividades econômicas, cobrindo lacunas e ajudando na
superação das privações e na construção do cidadão agente, este, agora
capaz, de elevar o direito ao desenvolvimento sustentável, como efetivação
prática.
No Brasil, ainda que não de maneira explícita, há suporte constitucional
para fundamentar a implementação de um direito ao desenvolvimento
sustentável através, como visto, da interpretação sistemática do texto
constitucional, mais especialmente, da leitura combinada do artigo 170, que
coloca, entre os princípios da ordem econômica, a defesa do meio ambiente,
com o caput do artigo 225, que visa à garantia do direito a uma vida de
qualidade às presentes e futuras gerações.29
Para Freitas (2012, p. 63), alguns aspectos nucleares devem estar
reunidos para que este paradigma possa implementar-se na sociedade, dentre
eles:
a consideração de que sustentabilidade é uma determinação ética e jurídico-institucional, constitucionalmente tutelado no Brasil no art. 3º, 170, VI, e 225; é uma determinação ética e jurídico institucional de responsabilização objetiva do Estado pela prevenção e precaução; é uma determinação ética e jurídico-institucional de sindicabilidade ampliada de escolhas públicas e privadas; é uma determinação ética e jurídico-institucional de responsabilidade pelo desenvolvimento de baixo carbono, compatível com os valores constitucionais que não se coadunam com a ânsia mórbida do crescimento econômico como fim em si
A partir dessa construção, verifica-se que a sustentabilidade deve
nortear o desenvolvimento e não o contrário. Deve-se fazer uma releitura, uma
reconstrução valorativa de todo ordenamento jurídico, sendo a sustentabilidade
em todas suas dimensões norteadora em qualquer programa consequente de
aplicação constitucional. Canotilho confirma que é tempo de considerar a
sustentabilidade como elemento estrutural típico do que hoje designamos
Estado Constitucional. Mais do que isso, a sustentabilidade configura-se como
29 No mesmo sentido Freitas (2012) destaca a sustentabilidade como princípio e direito ao desenvolvimento sustentável a partir de uma característica multidimensional indissolúvel, que ressalte a importância da consideração de suas diversas dimensões que são interdependentes e indivisíveis.
106
uma dimensão auto-compreensiva de uma constituição que leve a sério a
salvaguarda da comunidade política em que se insere.
Afirma Canotilho (2010, p. 12 - 13) que
A força normativa da Constituição ambiental dependerá da concretização do programa jurídico-constitucional, pois qualquer Constituição do ambiente só poderá lograr força normativa se os vários agentes – públicos e privados – que atuem sobre o ambiente o colocarem como fim e medida das suas decisões [...] No seu conjunto, as dimensões jurídico-ambientais e jurídico-ecológicas permitem falar de um Estado de direito ambiental e ecológico. O Estado de direito, hoje, só é Estado de direito se for um Estado protetor do ambiente e garantidor do direito ao ambiente; mas o Estado ambiental e ecológico só será Estado de direito se cumprir os deveres de juridicidade impostos à atuação dos poderes públicos. Como se irá ver nos desenvolvimentos seguintes, a juridicidade ambiental deve adequar-se às exigências de um Estado constitucional ecológico e de uma democracia sustentada.
O direito ao desenvolvimento sustentável constitui-se, portanto, em
princípio constitucional basilar dos caminhos de implementação de políticas
capazes de efetivarem o princípio na esfera social. Este direito assume seu
caráter objetivo no campo político sem negar uma moldura jurídica como
princípio jurídico norteador de decisões políticas.
Essa recepção e interpretação que se faz do direito ao desenvolvimento
sustentável, como fundamental ao desenvolvimento em todas suas dimensões,
colocar-se-á em dado momento como paradigma à efetivação da justiça
ambiental. A aproximação da Justiça ambiental ao desenvolvimento
sustentável irá emergir de um contexto de crise ecológica global que favorece
uma reflexão sobre a equidade ambiental. Ressalte-se que ao tratar de justiça
ambiental, contempla-se para além de questões de justa distribuição dos
riscos, a própria questão da justiça como um valor e do acesso à justiça, em
sentido amplo.
O viés exploratório e modelo capitalista no qual se está inserido, enseja
reflexivamente o agravamento das injustiças sociais e ambientais. A
insustentabilidade do desenvolvimento é a causa principal destas injustiças e
irremediavelmente será sua reformulação essencial para a efetivação ou ao
menos implementação dos preceitos de justiça (sócio) ambiental.
Em primeiro momento, é preciso que se conceba o desenvolvimento sob
novo viés, agora multidimensional, capaz de considerar diversas dimensões em
107
igual patamar de importância e o viabilizar em sua plenitude, seja, econômico,
social, ambiental, humano e jurídico. Esta nova visão permite que
“desenvolver-se” nao se restrinja apenas a questões econômicas de
crescimento quantitativo e de mercado, inserindo ao menos novos valores a
serem considerados, permitindo que a sustentabilidade seja também
multidimensional.
A pretensão de que as pessoas do mundo podem ser unicamente
categorizadas de acordo com algum sistema singular e abrangente de divisão
vai contra a crença ultrapassada de que os seres humanos, como categoria
“sao todos iguais”, como tambem contra a compreensao mais plausivel de que
são diversamente diferentes.
Sen e Kliksberg (2010, p. 43) afirmam que
a principal esperança de harmonia no mundo contemporâneo se encontra na pluralidade de nossas identidades que se cruzam umas com as outras e agem contra as divisões rígidas em torno de uma linha única e endurecida de divisão impenetrável. Nossa humanidade compartilhada é desafiada brutalmente quando o confronto é unificado em um só suposto sistema dominante de classificacao […]. A diversidade plural pode ser muito unificadora, de uma forma que um sistema único de divisões predominantes não é
Não é de surpreender que pessoas vejam o mundo de acordo com uma
ideia fundamentalista, ou preordenada que elimina todas as outras distinções.
Contra isso, podemos referir que as pessoas, podem lutar pelo direito de
escolher as prioridades entre as múltiplas associações, filiações e identidades,
pois, na democracia tem-se o direito humano de acesso a uma educação
ampla que seja preparatória para escolher, e não apenas para seguir. O que se
verifica também quanto ao desenvolvimento.
Essa multidimensionalidade do desenvolvimento permite considerar no
seu progresso, o meio ambiente que lhe dá os recursos e a sociedade que o
sustenta. Do contrário, quando restrito a limites de crescimento econômico,
agrava as injustiças ambientais e, consequentemente, a busca por justiça
ambiental que, na verdade, é socioambiental, pois se baseia em premissas
igualmente de lutas sociais e, que vêm de encontro a este desenvolvimento
insustentável, buscando reformulá-lo a fim de que as injustiças também sejam
reduzidas.
108
Entretanto, combater um modelo de desenvolvimento já enraizado, que
apenas molda-se aos anseios da sociedade e não efetivamente transforma seu
modo de produção, é um árduo desafio em uma sociedade capitalista
dominada pelo excesso de consumo e exploração predatória. A
conscientização e a educação ambiental, prevista na ordem legal brasileira
(CF, artigo 225), são formas de mover as pessoas a uma nova forma de agir.
Para Sen, a educação pode propiciar melhores condições de
modificação social. Exemplifica esse encadeamento, descrevendo fatos e
considerações históricas da China e da Índia, em suas relações no tocante à
abertura de mercados. Expõe que o papel de um povo alfabetizado quanto a
outro semianalfabeto traz consequências diversas para o processo de
desenvolvimento de uma nação.
Destaca Sen (2010, p. 63/64)
O contraste entre Índia e China tem alguma importância ilustrativa nesse contexto. Os governos desses dois países empenham-se já há algum tempo (a China desde 1979 e a Índia desde 1991) na mudança para uma economia mais aberta, internacionalmente ativa e orientada para o mercado. [...] Quando adotou a orientação para o mercado em 1979, a China já contava com um povo altamente alfabetizado – em particular os jovens – [...] Em contraste, a Índia possuía uma população adulta semianalfabeta quando adotou a orientação para o mercado em 1991 [...] As condições de saúde na China também eram muito melhores do que as encontradas na Índia devido ao compromisso social do regime pré-reforma tanto com os serviços de saúde quanto com os de educação. Singularmente, esse compromisso [...] criou oportunidades sociais às quais foi possível dar um aproveitamento dinâmico depois de o país adotar a orientação para o mercado. O atraso social da Índia, com sua concentração elitista na educação superior, sua vasta negligência com relação à educação elementar e o descaso substancial para com os serviços básicos de saúde deixou o país despreparado para a expansão econômica.
Portanto a educação tanto no caso chinês, como no caso brasileiro é
pedra fundamental para o desenvolvimento da personalidade crítica, capaz de
analisar e compreender o meio ambiente como um bem de todos, e finito. Na
proposta da presente pesquisa, o direito, quando aliado ao desenvolvimento
como sustentável, à condição de agente, ao aspecto de fundamentalidade
imputado pela Constituição Federal e a interpretação do STF no sentido de
garantir a defesa ambiental em igualdade de condições aos direitos
constitucionais, possivelmente permitirá a redução das desigualdades
109
ambientais e sociais e efetivação de uma Justiça socioambientalmente
sustentável.
Não basta que exista um ordenamento jurídico de tutela do meio
ambiente, pois são necessárias construção e preocupação científica que
assegurem efetividade e eficácia. Há uma profusão de normas ambientais que
colidem e se sobrepõem, desprovidas de princípios norteadores e de
cientificidade. Kant (1991), nesse sentido, já afirmava que de fato, a
diversidade das regras necessita de princípios, mas é a exigência da razão que
leva ao entendimento cientificamente correto.
Desenvolver-se sustentavelmente, considerando o meio ambiente e a
sociedade que nele habita é um direito fundamental a ser devidamente
considerado e tutelado, uma vez que diretamente amenizador das graves
injustiças socioambientais, e assim, servirá como paradigma à plena efetivação
e implementação dos preceitos basilares de uma justiça ambiental, capaz de
amenizar a propagação das injustiças socioambientais.
Nesse sentido, reforça Sarlet (2010, p. 22) :
O Estado Socioambiental de Direito, longe de ser um Estado “Minimo”, e um Estado regulador da atividade econômica, capaz de dirigi-la e ajustá-la aos valores e princípios constitucionais, objetivando o desenvolvimento humano e social de forma ambiental sustentável. O princípio do desenvolvimento sustentável, expresso no art. 170 (inciso VI) da CF88, confrontando com o direito de propriedade privada e a livre iniciativa (caput e inciso II do art. 170), também se presta a desmitificar a perspectiva de um capitalismo liberal individualista em favor de sua leitura à luz dos valores e princípios constitucionais socioambientais.
Para a implementação e efetivação do direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, é necessário o maior e irrestrito acesso à
informação e aos processos decisórios, visando à democratização do processo
ambiental que, como direito (e também como norma fundamental), só tem
efetivação plena em um regime democrático, com amplo acesso dos cidadãos
interessados à informação. Tal direito pode vir a assumir, porém, uma feição
retórica, caso não haja a verdadeira efetivação pelo poder público e pela
coletividade. Aspecto esse levantado por Sen, quando compara a instrução do
povo chinês e indiano, que somente vai alicerçar a modificação de uma
situação vigente com a qualificação educacional das pessoas.
110
Justificam Sen e Kliksberg (2010, p. 69) que
se as pessoas forem de fato agentes dotados de raciocínio (e não apenas pacientes, sempre carentes), então pode existir uma abordagem que envolva discussão pública e emergência e sustentação de prioridades favoráveis ao ambiente, acompanhadas de um alargamento da compreensão quanto às dificuldades ecológicas que estamos enfrentando. Isso, igualmente, deveria nos conduzir a um reconhecimento da capacidade dos seres humanos para pensar e julgar por si sós. Uma capacidade que valorizamos, hoje, e uma liberdade que gostaríamos de preservar para o futuro.
Considera que as motivacoes da acao humana nao sao apenas
instrumentais, mas tambem guiam-se por valores de solidariedade e altruismo.
Sendo possivel que exista uma preocupacao autentica com as especies e com
o bem-estar das geracoes futuras, pois esta concepcao estaria acima de
questoes como o desenvolvimento sustentável, na medida em que o meio
ambiente nao deve ser valorizado apenas por seu potencial de suprir
necessidades à vida, mas por seu valor em si.
Assim, para a concretização do princípio fundamental contido no caput
do art. 225 da Constituição da República de 1988, este deve ser interpretado
em consonância com outros dispositivos da mesma Carta que, conforme
Moraes (2007, p. 816)
em consonância com o art. 1º., III, que consagra como fundamento da República o princípio da dignidade da pessoa humana; o art. 3º., II, que prevê como objetivo fundamental da República o desenvolvimento nacional; e o art. 4º., IX, que estipula que o Brasil deve reger-se em suas relações internacionais (...) a permitir maior efetividade na proteção do meio ambiente.
Para a proteção do meio ambiente e materialização do direito
fundamental contido no caput do art. 225, a Constituição estabelece,
difusamente, regras diversas relacionadas à proteção do meio ambiente.
Referidos dispositivos podem ser vistos nos arts. 170, VI; 173, §5º.; 174, §3º.;
186, II; 200, VIII; 216, V; 231, §1º.; além de regras específicas contidas nos
parágrafos e incisos do próprio art. 225.
Tais regras que produzem efetividade ao direito fundamental a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, constituem sua proteção, conforme
reconheceu o Supremo Tribunal Federal (STF), como prerrogativa jurídica de
titularidade coletiva, reconhecido, no processo de desenvolvimento dos direitos
111
humanos, como poder atribuído não a um indivíduo considerado em sua
singularidade, mas a toda uma coletividade social titular de direitos
fundamentais individuais e coletivos.30
O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
como direito coletivo, tem caráter conflituoso tendo em vista que pode servir de
restrição a outros direitos fundamentais, como o direito de propriedade e o
desenvolvimento econômico, pela simples imposição do uso racional e a
contenção à livre iniciativa. Nesse sentido, determina Sampaio (2003, p. 105):
“A sua relacao tensa com os demais direitos fundamentais e com os interesses
coletivos, exige uma intervenção legislativa conciliadora. E, diante de casos
concretos, a mediacao judicial equilibrada”.
Apesar de existirem conflitos entre direitos fundamentais, para uma justa
efetivação, os julgadores utilizam-se da ponderação, como no caso do direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do direito
fundamental à propriedade. O STF, já se posicionou nesse sentido, através do
Ministro Dias Tófoli ao julgar em 25/02/13 o AI 805417, quando definiu
(BRASIL, 2013b, p. 4 - 5) que
A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. [...] objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população.
Conjuntura jurídica reiterada por Celso de Mello, ao julgar o RE
673681/SP em 05/12/14, quando referiu que (BRASIL, 2014a, p. 6)
30 Cumpre rememorar que já em 1995, o Supremo Tribunal Federal, considerava o direito ao meio ambiente como um bem coletivo. Afirmou o Ministro Celso de Mello, quando analisou o MS 22164/SP em 30/10/95 que “o direito a integridade do meio ambiente - típico direito de terceira geração - constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social.”
112
Todos sabemos que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Politica traduzem, na concrecao de seu alcance, a consagracao constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formacoes sociais contemporâneas. Essa prerrogativa, que se qualifica por seu caráter de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se – consoante já o proclamou o Supremo Tribunal Federal (RTJ 158/205-206, Rel. Min. CELSO DE MELLO) [...] de um tipico direito de terceira geracao (ou de novissima dimensao), que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o genero humano.
Postura favorável ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
reiterada pela corte, como um todo, como referiu o Ministro Dias Tóffoli ao
julgar o AI 805417/MG em 25/12/13:
Ademais, esta Corte já firmou a orientacao de que e dever do Poder Público e da sociedade a defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e as futuras geracoes, sendo esse um direito transindividual garantido pela Constituicao Federal, a qual comete ao Ministerio Público a sua protecao (BRASIL, 2013b, p. 2).
Alicerçado por Celso de Mello ao julgar o RE 673681/SP em 05/12/14,
quando asseverou (BRASIL, 2014a, p. 10) que
Sao todos esses motivos que tem levado o Supremo Tribunal Federal a consagrar, em seu magisterio jurisprudencial, o reconhecimento do direito de todos à integridade do meio ambiente e a competencia de todos os entes politicos que compoem a estrutura institucional da Federacao em nosso Pais, com particular destaque para os Municipios, em face do que prescreve, quanto a eles, a própria Constituicao da República (art. 30, incisos I, II e VII, c/c o art. 23, incisos II e VI).
Portando o meio ambiente é protegido como elemento determinante à
essencial qualidade de vida. Esse direito não persegue concepções abstratas,
mas exprime um desejo de um habitat saudável para que o homem, individual
e coletivamente, possa desenvolver suas atividades de forma também a
preservar o meio ambiente para as futuras gerações. O direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado é a expressão maior, no campo
ambiental, do direito fundamental à vida. Assim, podemos referir que um meio
ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é um insaciável valor social a ser
113
requerido, porque determina um desejo universal e prioritário da humanidade: a
vida31.
31 Quanto a esse aspecto, Franco del Pozo (2000, p. 48), faz a seguinte questão: É o direito humano à vida dependente de pré-requisito para um direito humano ao meio ambiente?" E responde (2000, p. 48 - 49) “O direito a vida e o mais fundamental de todos os direitos, já que se não há vida, não há existência, e portanto, não se tem nem direitos nem obrigações, nem nada. Neste sentido, o direito à vida poderia ser considerado como um pré-requisito, não somente para o direito ao meio ambiente, mas também para todos os demais direitos garantidos.
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção do desenvolvimento sustentável, como direito fundamental,
ocorreu de forma gradual, refletindo as necessidades e carências essenciais do
ser humano, enquanto indivíduo inserido em sociedade. Todavia, tal tarefa não
se encontra finalizada, pelo contrário, a evolução rumo à conquista dos direitos
está em pleno desenvolvimento estimulado, de maneira substancial, pela
profusão das informações proporcionados pelo avanço da tecnologia e pela
rapidez das informações.
Esse panorama demanda a necessidade de as pessoas agirem de forma
ativa na busca de uma visão evolutiva do desenvolvimento considerando a
sustentabilidade, redimensionando o próprio conceito de progresso,
respeitando assim, igualmente o direito fundamental ao desenvolvimento
sustentável.
Pois, o homem usa os recursos naturais como se os mesmos fossem
ilimitados. O processo humano de evolução, de forma geral, encontrou-se
subsumido à ideia da inevitabilidade da degradação ambiental, a qual foi
percebida, por vezes, como condição e, por outras, como efeito do progresso
pretendido. A produção desmedida, como percebe Sen (2010), vinculada
somente ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) dos países, entendem
que os elementos da natureza devem ser vistos como recursos para a
continuidade do progresso e da riqueza humana.
Resta cristalina, assim, a visão de mundo antropocêntrica, ainda hoje
reinante, que identifica o homem no centro do universo e das coisas, as quais
lhe entornam e lhe servem de meio para a consecução de seus objetivos.
Essa visão resulta no colapso futuro da capacidade de o planeta
fornecer bens e serviços naturais aos seres humanos. A capacidade do planeta
de produzir água potável, reciclar nutrientes do solo, minimizar o impacto de
desastres naturais e controlar o clima, dentre outros, está comprometida.
Porém, a partir de uma série de catástrofes naturais, lenta e
gradualmente o homem vai percebendo e apreendendo os sinais que o meio
ambiente vem lhe oferecendo no sentido de que seu limite de tolerabilidade à
poluição e à devastação está muito próximo. Diante disso, vem promovendo
115
medidas paliativas, como no caso dos EUA, buscar implementar plano de
ações no sentido de reduzir em 32% a emissão de dióxido de carbono das
centrais termoelétricas até 2030, através de padrões rígidos, mas exequíveis
para usinas de energia.
Atraves do chamado “Plano Energia Limpa” que, segundo informacoes
do EPA (Agencia de Proteção Ambiental dos Estados Unidos)32, propõe um
cronograma de ações para minimizar o impacto do aquecimento global no
mundo para que as centrais termoelétricas americanas voltem aos níveis de
emissão de dióxido de carbono emitidos em 2005.
No Brasil, a preocupação ambiental, vem se tornando realidade a ser
implementada por políticas públicas, como no caso da Lei nº 12.305/10, que
institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), considerada atual, pois
contém instrumentos importantes para permitir o avanço necessário ao País no
enfrentamento dos principais problemas ambientais, sociais e econômicos
decorrentes do manejo inadequado dos resíduos sólidos.
A lei prevê a prevenção e a redução na geração de resíduos, tendo
como proposta a prática de hábitos de consumo sustentável e um conjunto de
instrumentos para propiciar o aumento da reciclagem e da reutilização dos
resíduos sólidos (aquilo que tem valor econômico e pode ser reciclado ou
reaproveitado) e a destinação ambientalmente adequada dos rejeitos (aquilo
que não pode ser reciclado ou reutilizado).33
A preocupação com a utilização racional dos recursos naturais é
marcada por um processo histórico de avanços e retrocessos que são
impulsionados, principalmente, pelo modelo econômico e desenvolvimentista
adotado pelos paises. Modernamente, o termo “desenvolvimento sustentável”
vem sendo cunhado com bastante frequência, notadamente a partir da I
Conferência Mundial de Meio Ambiente realizada em Estocolmo no ano de
1972.
O conceito de desenvolvimento sustentável surge para enfrentar a crise
ecológica e tem como pressuposto a existência de sustentabilidade social,
32O documento completo pode ser verificado em: http://www2.epa.gov/sites/production/files/2015-08/documents/cpp-final-rule.pdf 33 Informações do Ministério do Meio Ambiente, sendo que o programa na integralidade, bem como seus resultados já alcançados, podem ser conferidos em: http://www.mma.gov.br/pol%C3%ADtica-de-res%C3%ADduos-sólidos
116
econômica e ecológica, sendo que essas dimensões explicitam a necessidade
de tornar compatível a melhoria nos níveis e na qualidade de vida por meio da
preservação ambiental.
Nesse sentido, a afirmação universal da garantia ao meio ambiente
equilibrado no rol dos direitos humanos não teve por finalidade o simples
adorno retórico de textos normativos, constituindo um conjunto de valores
compartilhados ante as crises enfrentadas pela sociedade, alicerçada em torno
da solidariedade e da justiça social, visando à comunhão entre o
desenvolvimento socioeconômico e a inviolabilidade do ecossistema. A
expressao “direitos fundamentais” aplica-se àqueles direitos inerentes à própria
existência do ser humano anteriores ao Estado e por isso inclusive por ele
devem ser reconhecidos e respeitados, restando positivados na esfera
constitucional de cada Estado Nacional, portanto circunscritos a um
determinado povo ou nação dentro dos valores reconhecidos por estes.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, rompendo com antiga
tradição de descaso para com a temática ambiental, de forma inovadora,
consagrou um direito fundamental de terceira dimensão, caracterizado pela
titularidade difusa, ao prever expressamente no art. 225 da magna carta o
direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. De forma dinâmica e sistêmica, a
Constituição acrescentou ainda outros dispositivos vinculados indiretamente ao
sistema de preservação ambiental, como o artigo 170, inciso IV e 3 inciso II,
que são de fundamental importância para a manutenção do equilíbrio ambiental
e do desenvolvimento sustentável do país. Assim é que a legislação pátria
reconhece que o meio ambiente equilibrado, além de um direito, deve ser um
princípio norteador das ações públicas e privadas no país.
As normas ambientais positivadas no texto constitucional de 1988, além
de representarem, de forma clara, o imperativo poder-dever do Estado e da
coletividade de proteção do meio ambiente, integram-se ao ordenamento
jurídico nacional, apresentando valores, objetivos e princípios fundamentais da
República Federativa do Brasil. A segurança e o bem-estar, valores de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, confirmam que o meio
ambiente equilibrado é um direito coletivo, porquanto ele se constitui em
condição para que sejam atingidos e respeitados os direitos à dignidade
humana e à vida.
117
No mesmo sentido, também a legislação infraconstitucional preocupou-
se de forma intensa com a temática da proteção ambiental, tendo surgido um
verdadeiro microssistema jurídico-ambiental, que se encontra entre os mais
avançados do mundo. Preservação e proteção do meio ambiente: estes são os
maiores objetos destas normas.
Porém, em que pesem os avanços no que concerne à legislação
ambiental, o país continua incapaz de conter a produção de riscos ecológicos,
num flagrante descompasso existente entre os objetivos da Política Nacional
do Meio Ambiente e o modelo de desenvolvimento econômico vigente. Em
contrapartida à avançada legislação brasileira relativa à matéria ambiental, há a
ausência de sua implementação.
No plano dos fatos, portanto, face à ausência de mudanças substanciais
no trato com o meio ambiente, o efeito é contrário, havendo uma crescente
degradação da natureza oriunda principalmente dos novos meios de produção
e do surgimento da sociedade de consumo. O meio ambiente, assim, passa a
ser hipoteticamente elevado ao grau máximo de segurança jurídica, diante da
previsão constitucional do direito fundamental ambiental.
Ao se analisar o contexto social onde está inserido o mandamento
constitucional ambiental e no qual deve o mesmo restar concretizado, percebe-
se com nitidez as características de apatia e omissão da sociedade brasileira
frente à temática ambiental. O coletivo porta-se, no mais das vezes, como
cliente do Estado no que concerne a políticas públicas neste setor, não
percebendo a sua importância tampouco assumindo a sua responsabilidade na
luta pela preservação ambiental.
Para garantir a eficácia plena das normas de preservação ambiental, é
essencial a participação da coletividade. Sen define o desenvolvimento como
um processo de expansão das liberdades reais à disposição das pessoas.
Estas liberdades incluem o direito ao trabalho, à alimentação, à educação, à
saúde, à informação, a votar e ser votado, e outras liberdades possíveis.
Assim, a extensão e expansão das liberdades políticas, como a livre
manifestação e o voto, participam da promoção de todas as outras
oportunidades e dos direitos sociais, como saúde e educação.
118
Dessa forma, o alicerce da democracia é a participação popular nas
ações com repercussão em toda a sociedade, o ser humano consciente de
suas capabilidades, agindo na condição de agente participativo e decisor no
seio social. Seguindo a linha democrática e participativa, a Constituição Federal
insere o dever de atuação da coletividade na gestão ambiental.
Ao Estado brasileiro incubem os papeis de agente normativo e regulador
da atividade econômica, exercendo as funcoes de fiscalizacao, incentivo e
planejamento. Essa intervencao estatal, que se caracteriza na possibilidade do
Estado de interferir direta ou indiretamente na ordem econômica para a
promocao de valores e objetivos da ordem social, obriga-o a assumir
ativamente a condicao de impor normas e de exercer uma atuacao reguladora
frente às atividades econômicas, sempre obedecendo aos imperativos
constitucionais, sendo o art. 225, da Carta Magna, seu norte fundamental.
Nessa perspectiva, o modelo normativo e regulatório brasileiro nao
possui apenas o vies econômico, com a insercao da iniciativa privada na vida
econômica e na fixacao de mercados e de precos, mas se destina tambem a
propiciar a realizacao de certos valores de natureza social, que indiretamente
ou diretamente sao abarcados como finalidades da regulacao econômica, tais
como a efetivacao e a protecao dos direitos fundamentais, incluindo aqui, o
direito ao desenvolvimento econômico nacional e a protecao do meio ambiente.
A Politica Nacional Sobre Mudanca do Clima (PNMC), e a
personificacao dessa intervencao do Estado que a criou como meio de regular
as atividades econômicas que influenciam a mudanca do clima, propondo
instrumentos e mecanismos para esse fim. Cabe mencionar ainda que o papel
do Estado de protetor do clima tambem atinge a própria implementacao da
PNMC, nao basta apenas instituir a politica, e necessário implementá-la no
seio social, em todos os entes da federacao como forma de concretizacao da
justica climática social.
E para tanto, a sociedade brasileira tem funcao essencial a ser exercida
em meio ao ambiente democrático, pois, o pluralismo e a participacao
democrática social, como um artificio politico, requer tambem que a sociedade
interaja, participando ativamente do desenvolvimento social, principalmente,
119
reclamando a efetividade de politicas públicas, como a PNMC e a implantacao
do ideário de desenvolvimento sustentável.
A Constituição Federal Brasileira determina que “todos tem direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
geracoes”. O art. 225, caput, da Constituição de 1988 estabelece a norma
principal do direito ambiental brasileiro cuja efetividade e consecução do direito
fundamental ao desenvolvimento sustentável requer que os atores políticos e
econômicos devam passar a combinar crescimento com desenvolvimento
sustentável, em lugar de enxergá-los como contraditórios.
Combinação que surge, pois, para criar uma resposta à necessidade de
harmonizar os processos ambientais aos socioeconômicos, maximizando a
produção dos ecossistemas, para favorecer as necessidades humanas
presentes e futuras. Podemos inferir que a maior virtude dessa abordagem é
que, além da incorporação definitiva dos aspectos ecológicos no plano teórico,
enfatiza a necessidade de inverter a tendência autodestrutiva dos processos de
desenvolvimento em relação à destruição inconsequente e desmedida do meio
ambiente.
Dentre as transformações mundiais das últimas décadas, tomam
destaque aquelas vinculadas à degradação ambiental. Articulam-se, portanto,
entre os maiores poluidores como Estados Unidos da América e China, ações
em busca da diminuição dos danos ambientais, em contrapartida ao
crescimento econômico e industrial, ao soar o alarme dado pelos fenômenos
de aquecimento global e a destruição da camada de ozônio, dentre outros
problemas.
Mudanças estão havendo, pois, devemos compreender que as questões
econômicas e ambientais caminham de forma indissociável e qualquer tentativa
de separá-las estaria fadada ao insucesso. Grandes avanços foram
conseguidos devido à construção teórica ocidental dos direitos humanos, no
entanto, sua reconstrução diária é necessária para que tais avanços não
redundem na legitimação da exclusão social ou no tratamento do meio
ambiente como um elemento dissociado do ser humano.
120
Sustentabilidade importa considerar a diversidade socioambiental que
enriquece o mundo e suas relações sociais. A economia, por sua vez, mostra-
se carente de um tratamento que se volte às questões do bem-estar humano,
como defende Sen, em detrimento de sua função meramente
desenvolvimentista.
Nesse sentido, podemos observar que a grande contribuição da obra de
Sen para a reestruturação de valores consiste nessa (re)valorização da
economia para o bem-estar humano e na adoção da definição de
“Desenvolvimento como Liberdade”, numa perspectiva humanista, que permita
o tratamento da questão da sustentabilidade humana pela ótica subjetiva,
considerando os valores que cada cultura preconiza como importantes para si
e para sua coletividade, na consolidacao de sua “condicao de agente”.
Da mesma forma, Sen infere a necessidade de que o conceito de
desenvolvimento sustentável não caminhe somente pela órbita das
necessidades humanas, de forma egoísta, mas instigue a pensar o meio
ambiente como algo maior, intrínseco aos territórios essenciais à realização da
vida, remetendo-se à ideia de resgatar os sentidos do vínculo e do limite nas
relações entre humanidade e natureza.
Considerando as lições de Sen, podemos concluir que o conceito de
desenvolvimento deve voltar-se à humanidade, de forma a dotá-la da “condicao
de agente”, a fim de que as pessoas possam interferir em prol da salvaguarda
dos valores da sustentabilidade ambiental perante a sociedade e o Estado.
Mais que isso para que lhes seja possível atuar de forma mais incisiva e efetiva
nas questões do desenvolvimento sustentável, instituído como direito
fundamental, pois demanda reflexos na qualidade de vida de todos, condição
fundamental para uma vida digna.
Assim, a lei brasileira não deixa de atribuir legitimidade jurídico-política
para as pessoas, mas também para organizações públicas e privadas e para
os órgãos estatais, como o Ministério Público, agirem em razão da defesa ao
meio ambiente. Sendo de destaque a atuação dos Ministérios Públicos
Estaduais e Federais na defesa ambiental, utilizando-se de meios jurídicos,
como a ação civil pública, ação penal, execuções, e formas extraprocessuais,
como Inquérito Civil e o Termo de ajustamento de conduta (TAC), a promover a
121
responsabilização pelos danos ambientais, sendo a punição também meio de
prevenção de danos e, portanto, de efetivação do direito fundamental ao
desenvolvimento sustentável.
A atuação do STF nesse sentido merece destaque, pois seguindo o
entendimento de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é
um princípio fundamental ao qual todo o cidadão possui direito, vem
produzindo diversas decisões nas quais interpreta nesse sentido, como no
caso da possibilidade ou não de importação e utilização de pneus usados
(ADPF 101-3/DF), da proibição de atos cruéis contra animais (RE 153.531/SC
e ADI 1.856/RJ), da desnecessidade de lei para autorizar obras ou atividades
em espaços territoriais que sejam especialmente protegidos (ADI 3.540-1/DF)
e, por fim, a irrazoabilidade da proibição estadual de plantação de eucalipto
para a produção de celulose (ADI 2.623-2/ES). Esses eventos constituem
exemplos da formação de uma verdadeira jurisprudência constitucional
ambiental pelo Supremo Tribunal Federal que reconhece o meio ambiente
saudável como um direito fundamental garantido a todo o cidadão brasileiro.
Logo, a gestação e implementação de estratégias de desenvolvimento
atentas ao dever ético de proteção da qualidade ambiental, para as presentes e
futuras gerações, a participação ativa do cidadão com capacidade de intervir
como agente na sociedade, implementam, justificam e fundamentam o
desenvolvimento sustentável como um direito fundamental, ora pela
interpretação sistêmica do ordenamento jurídico, em especial o artigo 225 da
Constituição Federal, demais artigos da constituição e leis infraconstitucionais,
em conjunto com a posição do STF.
O Supremo Tribunal Federal considera o desenvolvimento sustentável
com um direito fundamental, promovendo a integridade do meio ambiente a
tipico direito de terceira geracao. A acao constitui prerrogativa juridica de
titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmacao dos direitos
humanos, a expressao significativa de um poder atribuido, nao ao individuo
identificado em sua singularidade, mas num sentido verdadeiramente mais
abrangente, à própria coletividade social, que em busca da efetivacao deste
direito fundamental deve agir, pessoal e conjuntamente na busca da
consideração ambiental no respeito às pessoas de hoje e do amanhã, ao meio
ambiente e, enfim, a vida.
122
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