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PUBLICADO EM O BRASIL, A AMÉRICA LATINA E O MUNDO: Espacialidades contemporâneas -0 p. 416 a 425 – 2008 Organizadores: Márcio P. de Oliveira, Maria Célia N. Coelho e Aurenice de M. Corrêa. Rio de Janeiro – Lamparina -
Espaço Público no Mundo Contemporâneo
A estratégia política de apropriação de espaços públicos Arlete Moysés Rodrigues
Introdução
É desafiante abordar a estratégia de apropriação de espaços públicos, que implica e
cria oportunidade para múltiplas abordagens com diferentes aspectos e ênfases.
Este texto parte da premissa de que, na modernidade, a definição de normas e usos
do espaço público, nas áreas urbanas, é uma decorrência da propriedade privada, da
produção do e no espaço. Sua singularidade sócio-espacial, sua concretude histórica, seus
usos são definidos segundo normas do Estado capitalista. O sujeito (sociedade organizada)
e o objeto (ruas e praças, entre outros) da apropriação do espaço público serão apontados
para tentar ampliar o conhecimento sobre a forma como os movimentos populares urbanos
resistem às normas e conquistam os espaços públicos, social e político.
Para analisar a apropriação do espaço urbano, usamos como base as estratégias
políticas em suas contradições e conflitos com o propósito de compreender a complexidade
do tema. O paradigma da complexidade, como nos ensina Morin (MORIN, 1996),
compreende um conjunto de princípios de inteligibilidade, ligados uns os outros. E estes
podem auxiliar a determinar as condições de uma visão complexa da realidade. Entre as
características do paradigma da complexidade é fundamental considerar a singularidade
espacial e temporal do espaço público, sua concretude histórica, sua causalidade complexa
e as contradições e conflitos.
Consideramos que o espaço público é uma dimensão da esfera pública, está contido
na esfera pública que, evidentemente, não se restringe a ele.
A esfera pública significa o próprio mundo, como diz Arendt, “na medida em que é
comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele... A esfera pública,
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enquanto mundo comum, reúne-nos na companhia uns dos outros e contudo evita que
colidamos uns com os outros, por assim dizer” (ARENDT, 2007 p. 62).
A esfera pública nos reúne sem termos como resultado qualquer espécie de colisão.
Isso se deve ao fato de que no mundo contemporâneo as esferas privada e pública têm
profunda conexão com o espaço público e privado, e com a propriedade privada. O espaço
público tem na propriedade privada a constituição do poder econômico/político, de
estabelecimentos das normas de uso do espaço político e da esfera pública.
A propriedade sacralizada imprime aos proprietários a possibilidade de participar da
esfera pública. Na antiguidade clássica, ter propriedade significava pertencer a um lugar e
participar da esfera pública. Como mostra Hannah Arendt (ARENDT, 2007), a riqueza não
tinha o mesmo caráter sagrado que a propriedade. Um escravo liberto (na Grécia) poderia
ter dinheiro, cavalos etc., mas não lhe era permitido entrar na esfera pública, nem tampouco
ter propriedade. Uma vez livre, tal escravo poderia circular pelo espaço público, mas não
lhe era dado o direito de pertencer à esfera pública. Na contemporaneidade a classe
trabalhadora (todos os que vendem sua força de trabalho e/ou o produto do seu trabalho)
também não participa da esfera pública, embora possam circular pelo espaço público e dele
se apropriar.
A propriedade continua a ter um caráter sagrado, com uma diferença: a riqueza
assume um caráter sagrado, ou de sacralidade. Da esfera pública também participa os que
lidam com o capital volátil, os que se apropriam das infovias (redes) instaladas no espaço
público e os que dominam a tecnologia. Isso significa que atualmente, tanto a propriedade
como a riqueza e a tecnologia são sagradas e sacralizadas. Estes aspectos indicam que a
esfera pública, no território de Estado Nação, pode não coincidir com o espaço público. E o
próprio espaço público deixa de ser público pela privatização que ocorre com a hegemonia
neoliberal.
Mas o espaço público pode ser conquistado no processo pelo qual a sociedade
organizada, em suas manifestações, os ocupa dando visibilidade ao espaço político e
movimento societário. Tomar o espaço público significa conquistar o espaço social, o
político e participar da esfera pública
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Em sociedades patrimonialistas, como a brasileira, a propriedade sempre teve
caráter sagrado. Vem do período colonial a prática de se adotar a política de concessão de
terras, embora a coroa mantivesse o seu domínio sobre elas.
É interessante observar que a idéia dominante de propriedade privada como garantia
e expressão do poder coloca qualquer tentativa de se obter um pedaço de terra para morar,
plantar, exercer atividades lúdicas são ao mesmo tempo contestatórias à sociedade
patrimonialista e uma forma de ingressar no mundo da propriedade. Mas pensamos que
como os escravos libertos na Grécia, mesmo que obtenham a propriedade de um pedaço de
terra, não serão incluídos na esfera política e na pública.
Há um paradoxo nas análises que ao um só tempo consideram que há contestação na
apropriação do espaço público e/ou privado, mas ao mesmo tempo acreditam, que não
devem passar a ter a “posse” ou a propriedade permanente do espaço conquistado porque
passariam a ser subservientes ao patrimonialismo.
Um aspecto que deve ser aprofundado para compreendermos dimensões do espaço
público e da esfera pública no território. Devemos aprofundar os significados, significantes,
essências, aparências, matrizes, discursos, matrizes discursivas, paradigmas para entender a
sacralização da propriedade, da riqueza e a ocupação dos espaços públicos e privados.
Cremos que Mafezzoli tem razão ao dizer que “é preciso romper o circulo virtuoso
das análises óbvias. Dessas análises sem vida, feita mais de virtuosismos. Análises
elaboradas em lugares protegidos nos centros de poder (simbólico, econômico, político).
Análises sectárias desligadas da realidade”. (MAFFESOLI, 2007 p.11) Precisamos,
portanto, sair do circulo vicioso e virtuoso para compreender a realidade.
O espaço público definido pela propriedade privada.
Ao menos no Brasil, desde a Lei 601/1850 (Lei de Terras), o espaço público - como
ruas, avenidas, praças, parques e jardins-, provém da propriedade privada. Com esta Lei,
instala-se a compra e venda das terras rurais e urbanas, ou seja, insere-se a terra no
mercado. A Lei de Terras também definiu sobre terrenos aforados e as terras devolutas.
Assim, as terras doadas e/ou cedidas pela Coroa, que não foram apropriadas até 1850,
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foram “devolvidas” ao Estado. No século XX, a Lei 3.081, de 1916 (artigo 66),
caracterizou as terras públicas como: a) bens de uso comum do povo: mares, rios, estradas,
ruas e praças, (as ruas e praças eram desapropriadas ou doadas pelos loteadores); b) bens de
uso especial: edifícios ou terrenos utilizados em serviços de estabelecimentos federal,
estadual ou municipal; c) bens dominicais: que constituem o patrimônio da União, Estados,
ou dos Municípios. Estes podem ser vendidos e comprados no mercado. (MONACO,
2004).
Porém, a Lei 3.081, de 1916, ainda não previa, no parcelamento de solo de rural
para urbano, a percentagem de área que deveria ser pública. As normas municipais
variavam de acordo com as definições e as leis de posturas municipais. Vários municípios
desapropriavam terras para construir os edifícios, praças e/ou utilizavam as terras doadas
pelos grandes proprietários. A Lei 6.766/79, com abrangência em nível nacional, criou
parâmetros para o parcelamento da terra urbana definindo tamanho de lotes, percentagem
de área para uso institucional (escolas, postos de saúde, etc.), áreas verdes, ou áreas de uso
comum, largura de vias para circulação. Os espaços públicos, institucionais ou áreas livres
são delimitados no parcelamento de terras privadas.
Assim, desde o final do século XIX, é o Estado capitalista que define as formas
pelas quais o espaço privado “doa” as áreas públicas. Fica evidente, assim, que é a partir da
propriedade privada que se delimita o espaço público nas áreas urbanas.
As leis e normas do Estado capitalista definem tanto a característica da propriedade
como o seu uso: zoneamentos, proteção ambiental, normas de parcelamento do solo,
potenciais construtivos em cada zona, tipos de edificações e as que serão destinadas aos
espaços públicos. A delimitação do espaço público se insere no que Topalov (1979)
denominou de “socialização capitalista dos meios de produção”. Um dos exemplos é o de
que se as estradas fossem propriedades privadas, se as vias não fossem coletivizadas, criar-
se-iam entraves para a circulação de mercadorias e de pessoas, de interesse da economia
capitalista. A socialização capitalista dos meios de produção define, configura os espaços
de circulação, de praças, de equipamentos públicos, além de outras funções que interessam
à socialização dos meios de produção.
A essência da delimitação de espaço público, nas cidades, deve ser entendida na
lógica de sua definição como resultando e resultante da propriedade privada.
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Como o espaço público é definido pelo Estado capitalista é necessário aprofundar o
conhecimento do Estado, entender o aparato estatal, para compreender a desigualdade e
diferenças socioespaiciais.
Ocupar o espaço público e ampliar o espaço político.
Os espaços públicos podem e têm sido apropriados para além do uso individual. Sua
ocupação pela sociedade civil pode ser coletiva com tentativa de ser permanente (como a
apropriação coletiva de terras para morar e/ou plantar) ou transitórias (como permitidos ou
não, manifestações, passeatas, organização de jogos, teatro de ruas, comícios fóruns locais,
regionais, nacionais e internacional).
A ocupação do espaço público pela sociedade civil organizada implica em
desobediência civil ao que se considera uso “permitido”. Quando a sociedade civil
organizada, qualquer que seja o sentido atribuído a ela, toma, isto é, ocupa o espaço
público, provoca, ou pelo menos procura fazê-lo, a dessacralização do sistema político, da
propriedade como bem absoluto, e das normas impostas pelo Estado capitalista ao espaço
público.
Embora não seja objeto do presente texto, é fundamental explicitar que se
estabelecem novos espaços políticos como conselhos municipais, estaduais, federais. Os
Conselhos são espaços conquistados por movimentos da sociedade civil e demonstram a
participação societária em espaços públicos. Possibilitam interferir em diferentes esferas de
poder político e administrativo.
Há críticas e análises críticas sobre a importância e o significado dos novos espaços
políticos e participativos. Aqui nos interessa apenas apontar como as estratégias de
ocupação do espaço público definem um novo espaço político. Indagamos se no âmbito do
Estado capitalista cria-se realmente uma nova forma de participação que extrapola a
propriedade privada e a riqueza.
A criação dos novos espaços políticos parece indicar a importância da sociedade em
movimento que encontra formas de participação tendo como ponto de partida a
organizações e a ocupações de espaço público.
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A ocupação, a tomada de espaços públicos existentes, expressa um movimento da
sociedade que utiliza estratégias políticas de esquerda ao ocupar praças, ruas e edifícios
públicos (RODRIGUES, 1993). Trata-se de uma estratégia utilizada tradicionalmente pela
esquerda desde o avanço do modo de produção capitalista e da organização do Estado
moderno. As manifestações dão visibilidade às formas de organização societária. Significa
também uma dessacralização e contraposição ao sistema político, ao poder instituído. Uma
estratégia que procura mostrar sua força pela sua expressão numérica.
Ressalte-se a esse propósito que os movimentos de direita se apropriaram de
estratégias de esquerda, com manifestações, carreatas, ocupações de espaço público. Talvez
o façam por terem considerado que estes eventos chamam a atenção do sistema político e
do que se denomina público em geral. Evidentemente que a direita também tem outras
formas de manifestação, mas aqui interessa o significado de ocupar um espaço público para
tornar eficaz sua presença na esfera política.
O Estado define se deve haver, ou não, acesso universal ao espaço público,
definindo seu uso. Em geral, impede manifestações que comprometem o fluxo regular do o
trânsito e que provocam “desgaste” ao poder público. Aliás, cada vez mais o acesso
universal aos espaços públicos está sendo ”fechado” com cercas, muros, horários para
funcionamento e circulação para evitar a “violência”.
A ocupação coletiva, mesmo que transitória de espaços públicos, não é semelhante a
do deslocamento individual, ou das feiras livres e exposições em praças e jardins. A
proposta da ocupação coletiva é contestar e mostrar pela sua expressão numérica a sua
força em contraponto à do poder da riqueza, da propriedade, do sistema político.
A sociedade organizada toma ruas, avenidas, estradas, praças, edifícios públicos,
gabinetes de parlamentares, assembléias legislativas, câmaras municipais, palácios dos
governantes; abraçam lagos, câmaras, palácios de governos, etc., demonstrando que a
sociedade está em contínuo movimento. Portam suas bandeiras de lutas, símbolos, signos e
cores. É uma forma de publicizar o espaço público, mostrar a importância de participar da
vida social e demarcar territórios de ação e cooperação social.
Com outras características, no final do século XX as calçadas, ruas e praças são
“ocupadas” pelo setor imobiliário, que distribui material de propaganda e portam bandeiras
para indicar que há novos empreendimentos. Mostram a importância do espaço público
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para que o circuito da mercadoria terra/edificações se efetive. É evidente que a distribuição
de propaganda não se caracteriza como manifestação, mas demonstra a importância do
espaço público.
Os trabalhadores desempregados, subempregados ou que trabalham por conta
própria se apropriam do espaço público para poderem sobreviver, expondo mercadorias nas
calçadas e praças. São os vendedores de ruas que vendem mercadorias variadas. São
chamados de ambulantes porque são continuamente “expulsos” de onde se instalam em
caráter transitório. Perambulam porque precisam mudar-se com as mercadorias que
expõem. Mas os ambulantes também estão sendo “autorizados” a se instalarem em lugares
específicos que em geral os segregam. Estaria aí uma nova regra para o uso do espaço
público, segregando os que ocupam as ruas para sobreviver?
A estratégia de ocupar espaços públicos tem sido ampliada desde o final do século
XX com o uso de amplas áreas, autorizados ou não. Exemplos: O Fórum de organizações
não governamentais, trabalhadores, movimentos sociais no Rio de Janeiro em 1992
(CNUMAD- Rio 92), que teve grande dimensão no espaço autorizado para se instalarem e
além disso fizeram passeatas e assinaram os Tratados das Ongs e Movimentos Sociais. Em
1996, na Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos (Habitat II) em
Istambul, as manifestações também extrapolaram o espaço reservado para os debates de
ONGs, trabalhadores, movimentos populares e movimentos de moradia. Foi realizada uma
passeata na qual havia uma enorme bandeira que juntava as bandeiras de movimentos de
países lá presentes. Definiu-se durante a Conferência o dia internacional de luta pelo direito
a moradia digna com manifestações no mundo todo e que os mesmos deveriam ocupar
espaços públicos, mostrando a dimensão política destes espaços.
A maior dimensão de aglomerações que ocupam espaços públicos, no século XXI,
ocorre no Fórum Social Mundial “Um outro mundo é possível”, que conta com participação
de vários tipos de movimentos sociais, reivindicações e propostas. Os organizadores
solicitam autorização para o uso de locais onde ocorrem os debates, apresentações,
discussões, alojamento para estudantes etc. Mostram, apesar da ocupação transitória e
autorizada por governos, como a sociedade realiza debates profícuos entre grupos sociais
de diversos países. Mais do que uma ocupação do espaço público, é uma ocupação do
espaço político em lugares públicos.
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Há que se salientar, porém, que as feiras de expositores ocorrem no campo e na
cidade, expõem suas mercadorias em espaços públicos e/ou privados. Quando a exposição
ocorre em espaços privados o público é utilizado também como meio de locomoção,
estacionamentos etc. Um exemplo: a “Feira de Milão”, considerada a mais expressiva no
setor de moda e design, é tida pelos moradores como causadora de grandes problemas
(aumento do trânsito, ruas e calçadas apinhadas, aumento da poluição). Para ampliar suas
atividades a “feira de Milão” instalou-se nas proximidades do Aeroporto de Malpensa,
“impondo” ao poder público que instalasse vias de circulação rápidas, o que provocou o
aumento do preço da terra nas imediações. A Feira de Milão pretende se instalar no Brasil
num terreno privado nas proximidades do Aeroporto de Cumbica (Guarulhos, na Grande
São Paulo) – isso é o que ambiciona o proprietário da terra que se encontra na zona de cone
de ruídos se houver ampliação da terceira pista do Aeroporto. È evidente que este espaço
privado provocará alteração na dinâmica do espaço público.
Feiras e exposições são autorizadas e auxiliadas pelos poderes públicos, pois eles
consideram que se trata de eventos indispensáveis, uma vez que movimentam a economia.
As que mais tem se ampliado pertencem ao setor do agronegócio.
Nos fóruns sociais, porém, são expostas idéias contrárias aos rumos da economia, da
globalização, do neoliberalismo, da falta de democracia, do aumento da pobreza, da
desigualdade social, do não cumprimento dos direitos internacionais, enfim. Os encontros
que durante alguns anos aconteceram no Brasil, mais precisamente na cidade de Porto
Alegre (RS), passaram também a serem realizados em outros países. Em 2009 o evento
acontecerá no Brasil, na cidade de Belém (PA). Os movimentos sociais já preparam o
Fórum Social de 2009 fazendo manifestações nos espaços públicos, em várias locais do
mundo (www.forumsocialmundial.org.br). Os fóruns sociais expandiram-se em fóruns
regionais e fóruns temáticos regionais, demonstrando como a sociedade ocupa o espaço
público e cria ou recria o espaço político na esfera pública.
Podemos afirmar que a ocupação do espaço público, pelos movimentos sociais
organizados, permite o reconhecimento de sua existência e mostra a ausência de políticas
sociais, políticas e econômicas que atendam a maioria. Apresentam-se propostas para
alterar a dinâmica econômica, social e política da esfera política, do sistema político.
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Entre os grupos que se “encontram” no espaço público do Fórum Social Mundial
está o que luta pelo Direito a Cidade, que chamamos de luta pela Cidade como Direito
porque permite analisar o espaço objeto da construção da utopia pelo direito à cidade.
(RODRIGUES, 2007)
A luta pela Cidade como direito aponta a desigualdade sócio-espacial, caracteriza a
utopia do tempo presente -encontrar soluções e/ou melhorias hoje-. Parte da premissa
segundo a qual a cidade é produzida por todos e, como tal, deve ser usufruída por todos.
Entre seus princípios considera-se que a cidade como direito é um direito coletivo;assim
valoriza-se o uso em detrimento do valor de troca. Direito de usufruir e não o de ter a
propriedade sagrada e sacralizada. Trata-se também de entender a cidade como espaço e de
ter o direito ao uso universal do espaço público. (www.unhabitants.org).
Que significado estas ações provocam no espaço público, na dinâmica cultural, no
espaço político?
Retomando a observação inicial de que os movimentos populares utilizam
estratégias de esquerda ao ocupar o espaço público para expressar sua força, entendemos
que tal força promove, permite a participação na esfera pública. Toma-se o espaço público
como forma de explicitação política, inserida na esfera pública.
Para ocupar, tomar os espaços públicos há prévia organização societária. Não se
trata de um evento de protesto, mas de organização social. Ela é feita não só pelos que
sofrem com a exploração no mundo do trabalho com a falta de terra para plantar, de
empregos, com a espoliação da moradia, mas também dos que se aliam nas lutas para
apontar problemas de políticas neoliberais, de globalização excludente, desigualdade
sócioespacial. Constrói no espaço público, sua força política para obter direitos negados,
para interferir nas políticas econômicas e sociais.
Apontamentos finais
No mundo contemporâneo, o espaço público, nas áreas urbanas, tem origem na
propriedade e espaços privados. Caracterizam a atuação do Estado capitalista para a
socialização da produção capitalista, para a delimitação de usos da terra urbana.
As leis e normas de uso da terra definem os zoneamentos, as características de
loteamentos, dimensão das ruas, avenidas (espaços públicos), áreas destinadas ao uso
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institucional (edifícios públicos com várias funções), áreas verdes, parques. As áreas de
preservação permanente são delimitadas independentemente de serem terras privadas ou
públicas, o que resulta em problemas para a garantia da biodiversidade e da
sociodiversidade.
O espaço público utilizado pelos indivíduos que circulam nas ruas, praças, parques e
atendidos em edifícios públicos é diverso do que estamos apontando. A ocupação de que
tratamos é aquela que se consubstancia na luta pelo direito a cidade, pelo direito a ter
direitos, que ocupa espaço público como estratégia da dimensão real da política. A
ocupação, mesmo que transitória, de ruas, praças, parques e edifícios mostram a dimensão
do espaço público no espaço político e na esfera pública.
Os fóruns sociais que até o final do século XX debatiam temas como ambiente,
sociedade, direito à moradia separadamente se unem e se ampliam com os fóruns sociais
mundiais (mesmo os de características locais), mostrando a necessária publizicação dos
espaços político, econômico e social e da participação na esfera pública.
Ao ocupar o espaço público a sociedade demonstra a importância de sua
organização. Mostra que ele não fica confinado no conceito de ruas, praças, parques, etc.,
mas se define também como espaço político. Um espaço não apenas fisicamente delimitado
pelas normas e leis tipicamente capitalistas, mas redimensionado pela forma como a
sociedade o concebe e o utiliza.
Apontamos ainda o fato de que além de manifestações em que se ocupam espaços
públicos e realizam encontros e fóruns, também a sociedade passa a participar do espaço
público em conselhos e conferências, mostrando que para além da rua e da praça o espaço
público pode ser dessacralizado.
É contra as conquistas, aqui rapidamente colocadas, que os patrimonialistas
contrapõem a ocupação do espaço público. Pretendem tanto manter a propriedade privada,
a riqueza como sagradas para continuarem a ser não só os que definem os espaços públicos
como os dominantes na esfera pública.
Apontamos que há alterações no espaço público que caracteriza a passagem do
Estado-Nação pelo menos com terminologias como governo, administração, gestão pública,
gestão dos espaços públicos que ocultam as funções do Estado capitalista.
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Há também alteração na apropriação do território das nações com a sacralização da
técnica que propicia a propriedade intelectual como riqueza, independentemente de onde se
localiza esta riqueza.
Estas alterações indicam que há uma corrosão da esfera pública? Será que Hannah
Arendt tem razão ao afirmar: “Parece ser da natureza da relação entre as esferas pública e
privada que o estágio final de desaparecimento da esfera pública seja acompanhado pela
ameaça igual da liquidação da esfera privada (ARENDT p. 70)”?
É possível considerar que a conquista de espaços públicos pode implicar num
redimensionamento da esfera pública e não sua corrosão? O importante parece ser não o
resultado imediato, mas a própria luta que se trava por direitos sociais nos espaços públicos
e publicizados.
Vários aspectos não foram aqui abordados, como o da privatização do espaço
público e da esfera pública, a alteração do espaço público que se torna privado por privar a
sociabilidade.
Ressaltamos novamente que pensar, analisar o espaço público permite uma plêiade
de enfoques, de variedade de análises que possam auxiliar a compreender a sociedade em
movimento. Estabelecemos um aspecto que nos parece controverso.
Bibliografia citada.
ARENDT, Hannah. A condição Humana – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007 –
10a. edição.
MAFFESOLI, Michel – O ritmo da Vida – Variações sobre o imaginário pós-moderno –
2007 – Editora Record- Rio de Janeiro
MONACO, Roberto – A apropriação e distribuição das terras devolutas municipais e a
formação espacial da cidade de São Paulo, a partir de 1930. Tese de doutoramento – FAU-
USP - agosto de 2004 – Orientador: Candido Malta Campos Filho
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil - 1996.
RODRIGUES, Arlete Moysés – 1993 – Os movimentos Sociais –1a. Versão - UNICAMP,
v.52, p.1 - 39, 1993.
2007 – A cidade como Direito - In IX Colóquio de Geografia Crítica – Porto
Alegre – www.geocritica.com.
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TOPALOV, Christian – La urbanización Capitalista – algunos elementos para su análisis -
Editorial Edicol – México – 1979
Legislação e sites
Estatuto da Cidade – Lei 10.257/01
Lei de Terras – Lei 601 de 1850
Lei 6766/79
Lei 3.081, de 1 de janeiro de 1916
www.forumsocialmundial.org.br- pesquisado em dezembro de 2007
www.unhabitants.org. pesquisado em dezembro de 2007
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