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Direito Civil – Parte Especial – Livro I – Do Direito das Obrigações 1 / 14

Motivação inerente ao projeto destes encontros:

Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades:

• interpretação e aplicação do Direito;• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;• julgamento e tomada de decisões; e • domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.

Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.

Obrigação de Dar Coisa Certa e Obrigação de Dar Coisa Incerta

1. Prólogo2. Modalidades das Obrigações3. Conceitos Preliminares4. Obrigação de Dar Coisa Certa5. Exercício Prático6. Obrigação de dar coisa incerta (coisa genérica)7. Exercício Prático

1. Prólogo

O Sistema Jurídico é conjunto de normas (princípios, regras, prescrições de condutas exigíveis) organicamente correlacionadas e interdependentes, organizadas em torno de um núcleo comum de forma lógica, coerente e articulada, de tal modo que adquira auto-nomia em sua aplicabilidade e seja capaz de reproduzir-se, diferenciando-se do ambi-ente que o circunda.

Mas a organização em torno de um núcleo comum e o modo lógico, coerente e articulado entre partes, de modo a estabelecer um ambiente próprio, são competências das teorias, que, no contexto jurídico, adquirem vida pela interpretação doutrinária e influências nas decisões dos juízes. Nas Teorias das Obrigações contemporâneas (constitucionalizadas), a dignidade da pessoa humana é o núcleo e, entre as partes que a compõem, estão o Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo e a Função Social do Contrato.

O Direito Obrigacional é um sistema (ou subsistema do Sistema Jurídico) que tem por princípio unificador o vínculo jurídico. Entretanto, embora o vínculo jurídico seja o princí-pio unificador, anterior a esse vínculo está a dignidade da pessoa humana, que impede sua instrumentalização enquanto meio de submeter qualquer das partes a situações de-gradantes de qualquer natureza.

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Para mais bem se compreender a noção de sistema jurídico, considere os significados da palavra transação: negócio envolvendo transferências financeiras, operação em siste-ma de bando de dados, instrumento para a resolução dos conflitos ambientais, forma de extinção do contrato. O primeiro significado integra o sistema bancário, o segundo a ciên-cia da computação, o terceiro o sistema penal e o quarto o sistema das obrigações (Capí-tulo XIX – Da Transação – Código Civil de 2002).

O instituto da transação, no sistema obrigacional, implica importantes efeitos patrimoniais que não se confundem com aqueles dos outros sistemas. Estes efeitos, para serem anali-sados de forma lógica, sistemática e articulada com outros possíveis interesses patrimoni-ais, se apoiam em um corpo de conhecimentos compartilhados pelos estudiosos e profis-sionais da área, corpo esse que recebe a denominação de Sistema do Direito Obrigaci-onal (ou Teoria Geral das Obrigações). Assim, no contexto dos direitos patrimoniais, in-teressa prioritariamente o quarto significado, que possui sentidos precisos no contexto dos vínculos jurídicos de natureza patrimonial.

Representação esquemática do Direito das Obrigações como sistema lógico, coerente e articulado

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2. Modalidades das Obrigações

As modalidades (espécies) das obrigações estão contidas no Título I do Livro I (Do Direito das Obrigações) do Código Civil de 2002.

Os elementos da obrigação são três, a saber: sujeito (credor ou devedor), coisa (objeto da prestação ou elemento material da obrigação) e vínculo jurídico (elemento imaterial).

Toda e qualquer obrigação compreende sempre a conduta de dar, fazer ou não fazer, que caracteriza o conteúdo da prestação.

As classificações da obrigação podem levar em consideração:

a) a conduta do devedor (dar, fazer e não fazer). São positivas (dar e fazer) ou negati-vas (não fazer), que não se confundem com o dever de abstenção (imposto por força de lei), pois são contraídas voluntariamente pelo devedor; e,

b) o número de elementos da obrigação individualmente considerados (simples = 1 cre-dor, 1 devedor, 1 coisa, ou complexa / composta = qualquer elemento em número maior que a unidade).Se a obrigação for complexa, classificam-se em:

b.1.) Quanto ao número de coisas:

b.1.1) cumulativas: todas as coisas da obrigação devem ser entregues para esta ser considerada cumprida; e,

b.1.2) alternativas: a entrega de qualquer das coisas da obrigação a caracteriza como cumprida.

b.2.) Quanto ao número de sujeitos (credores ou devedores):

b.2.1) Divisíveis: a coisa da prestação pode ser dividido entre os sujeitos (coisa dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores); e,

b.2.2) Indivisíveis: a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão.

b.3) Quanto à solidariedade entre os sujeitos:

b.3.1) Ativa: Cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro;

b.3.2) Passiva: O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a prestação comum.

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3. Conceitos Preliminares

Quanto à conduta do devedor, dividem-se as obrigações em obrigação de dar coisa certa (artigos 233-242), obrigação de dar coisa incerta (artigos 243-246), obrigação de fazer (ar-tigos 247-249) e obrigação de não fazer (artigos 250-51).

Do tipo de conduta a ser exigida do devedor nasce o vínculo jurídico.

Caracterização do Vínculo Jurídico

O vínculo jurídico que caracteriza a obrigação é de natureza patrimonial, necessaria-mente entre pessoas juridicamente capazes, em que uma é credora e a outra devedora (na hipótese de obrigações complexas, tanto a parte credora quanto a devedora podem ser compostas por uma pluralidade de sujeitos). A parte credora tem o direito de exigir a prestação e a devedora tem o dever de satisfazê-la.

A obrigação tem por sinônimo “direito do credor”.

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Representação esquemática do Direito das Obrigações

Quando o vínculo é jurídico

O vínculo é jurídico pelo fato de o Direito atribuir-lhe importância. Via de regra, essa im-portância decorre de valorações de natureza econômica. Por exemplo, o vínculo obriga-cional (relação jurídica) entre comprador e vendedor interessa ao Direito; já o vínculo de amizade entre duas pessoas não configura uma relação jurídica, mas uma relação afetiva ausente da órbita de interesses do Direito.

Importante: a Relação Jurídica ocorre entre sujeitos; já o vínculo pode ligar pessoas a outras pessoas (vínculo obrigacional), pessoas às coisas (como nos direitos reais) ou uma coisa a outra coisa (como o principal e os acessórios).

Capacidade de direito e capacidade de fato

Para participar de um vínculo jurídico a pessoa precisa ter capacidade (Código Civil 2002 → Parte Geral → Livro I - Das Pessoas → Título I – Das Pessoas Naturais → Capítulo I – Da Personalidade e da Capacidade).

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A capacidade civil é habilidade da pessoa em praticar condutas na vida cotidiana juridica-mente válidas (não proibidas por lei), de modo a gerenciar seus bens e exercitar os atos da vida civil, Descrita em termos jurídicos, capacidade é a aptidão para o exercício de atos e negócios jurídicos.

A capacidade pode ser de direito (ou de gozo), atribuída a quem possui personalidade ju-rídica e definida como aptidão para aquisição de direitos e deveres, e de fato (ou de exer-cício), definida como a aptidão de exercer por si os atos da vida civil. A aptidão para aqui -sição de direitos e deveres significa a possibilidade da pessoa figurar num dos polos da relação jurídica (Código Civil, Art. 1° “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na or-dem civil”). A capacidade de fato adquire-se com a maioridade civil (Código Civil, Art. 5° “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil” e nas situações elencadas no Parágrafo Único desse mes-mo artigo: emancipação, casamento, emprego público efetivo, colação de grau em curso superior ou independência financeira via atividade produtiva).

Fonte das obrigações

As fontes das obrigações são o contrato, a declaração unilateral de vontade e o ato ilícito.

A Lei é a fonte imediata de todas as obrigações, com algumas caracterizadas exclusiva-mente em relação a ela, como a obrigação de alimentar imposta aos parentes (artigo 1696 do Código Civil de 2002). Entretanto, quando a lei legitima as obrigações oriundas dos contratos (Art. 389. “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e da-nos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabeleci-dos, e honorários de advogado”), da declaração unilateral de vontade (Art. 854. “Aquele que, por anúncios públicos, se comprometer a recompensar, ou gratificar, a quem preen-cha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prome-tido”) ou do ato ilícito (Art. 927. “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”), tais obrigações compõem a fonte mediata.

Nota: Alguns autores consideram a lei como obrigação mediata e a obrigação negocial como imediata (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Obrigações. Responsabili -dade Civil. São Paulo: Saraiva, 5ª ed,, 2012).

Objeto das obrigações

São objetos das obrigações os direitos de natureza pessoal (pessoa certa e determinada na relação jurídica), ou direitos de crédito, que impõem ao devedor (sujeito passivo de-terminado) o dever de dar, fazer ou não fazer algo (prestação positiva ou negativa de natureza patrimonial somente exigível do devedor), no interesse do credor (sujeito ati-vo).

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Os direitos obrigacionais classificam-se como "jus ad rem" e aperfeiçoam-se pelo livre acordo de vontades1, ou consenso entre as partes. São transitórios, pois extinguem-se pela satisfação da prestação.

Contraída a obrigação, duas são as alternativas possíveis: seu cumprimento voluntário e satisfatório pelo devedor com consequente extinção, ou o inadimplemento, quando então poderá ser requerida a intervenção do Poder Judiciário para autorizar a intervenção no patrimônio do devedor para satisfação da prestação. A responsabilidade pelo adimple-mento envolve o total do patrimônio do devedor, com exceção somente em relação aos bens impenhoráveis (ver o Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo2)

SUGESTÃO DE LEITURA

DAZZI, Natascha Maculan Adum. Consequências do Inadimplemento das Obriga-ções3.

RESUMO: “Em toda relação jurídica obrigacional, o devedor, ao se obrigar, retira parcela de sua liberdade em favor de um credor. Nessas relações jurídicas que têm por objeto uma prestação do devedor ao credor, a regra é o seu adimplemento, ou seja, a satisfação do crédito pelo devedor. Entretanto, por diversos motivos pode ocorrer o não cumprimen-to da prestação acertada nessa relação jurídica pessoal. Tal fato pode se dar quando o devedor se recusa a satisfazer o seu débito, quando o faz com atraso ou quando cumpre a obrigação de forma diversa da prevista em um contrato. O inadimplemento das obriga-ções é um gênero do qual fazem parte o inadimplemento absoluto e a mora.

O Código Civil de 2002 tratou deste assunto nos artigos 389 a 420. A topografa do assun-to no código nos dá uma dimensão exata do sistema do inadimplemento das obrigações no Direito Civil brasileiro. Primeiro o legislador cuidou do inadimplemento absoluto das obrigações, em seguida tratou da mora e logo adiante abordou as consequências do ina-dimplemento (legais, judiciais e convencionais)”.

Do inadimplemento nasce o conceito de responsabilidade, que é a consequência jurídica de natureza patrimonial pelo descumprimento da relação obrigacional.

Débito e Responsabilidade

É atribuída ao processualista alemão do século XIX Alois von Brinz (Obligation und Haf-tung. Archiv für die civilistische Praxis. Tübingen, vol. 70, 1886, p. 371-408) a distinção en-tre débito (Schuld) e responsabilidade (Hatftung), que configurou-se como importante divisão da obrigação. O débito nasce da obrigação de realizar a prestação e a responsa-bilidade do inadimplemento, que permite a invasão e execução do patrimônio do devedor

1 Sobre a liberdade de contratar, ver http://direitocivil.abc.br/direito_civil-obrigacoes-funcao_social_do_contrato.

2 http://direitocivil.abc.br/direito_civil-patrimonio_minimo .3 Disponível em www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/13/volumeII/

10anoscodigocivil_volII_106.pdf. Acesso em 29/03/2020.

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para saldar o pagamento devido ou a indenização pelas eventuais perdas e danos causa-dos pelo inadimplemento.

4. Obrigação de dar coisa certa

Representação esquemática da obrigação da dar coisa certa

Diferença entre coisa certa e incerta

Coisa certa é coisa individualizada em sua qualidade e quantidade, perfeitamente iden-tificável e separável das demais, e abrange os acessórios [vínculo entre a coisa princi-pal e outras coisas a ela ligadas], salvo se o contrário resultar do título ou das circunstân-cias do caso. Na obrigação de dar propriamente dita, a coisa pertence ao devedor; no ato de restituir, a coisa pertence originalmente ao credor e, temporariamente, esteve sob posse do devedor.

O credor possui direito pessoal (jus ad rem). Na compra e venda de coisa móvel, o vende-dor transfere, pela tradição (entrega) o domínio da coisa ao comprador e este entrega o preço àquele. Por disposição do artigo 313 do Código Civil, "o credor não é obrigado a re-ceber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa".

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Entretanto, nem sempre a tradição é suficiente para desvincular o devedor da coisa, como exposto a seguir:

"Não obstante a transferência da titularidade de um bem móvel se operar com a simples tradição, nos termos dos artigos 234 e 237 do Código Civil, tratando-se de veículo automotor, a simples tradição não desvincula totalmente o antigo proprietário do bem, que tem o dever solidário de comunicar a compra e venda ao Órgão de Trânsito competente, sob pena de responder o alienante, solidari-amente, pelo pagamento dos débitos fiscais incidentes sobre o automóvel, con-soante inteligência do artigo 4º, III, da Lei 6.606/89 e artigo 6º, II, da Lei 13.296/2008, que estabelecem o tratamento tributário do Imposto sobre a Pro-priedade de Veículos Automotores IPVA no tempo de suas respectivas vigên-cias". (TJSP, Apelação 1007936-75.2015.8.26.0053, Relator Leonel Costa).

Esquema da Obrigação de Dar Coisa Certa

Se a coisa se perder [deixar de existir ou tornar-se economicamente inútil], sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida [extinta] a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.

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Condição suspensiva é a condição que susta os efeitos do ato jurídico até a ocorrência de determinado evento. Está prevista no atual Código Civil:

Art. 125: “Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, en-quanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa” (sem desta-ques no original).

Se a coisa se deteriorar sem culpa do devedor culpado, poderá o credor resolver a obri-gação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu. Se houver culpa do devedor, o credor poderá exigir o equivalente ou aceitar a coisa no estado em que encon-tre. Se aceitar a coisa, independente de culpa do devedor, poderá reclamar perdas e da-nos.

Resolver a obrigação: retornar as partes à situação que se encontravam antes de se obrigarem. Em outras palavras, a obrigação dá-se por extinta ou cumprida.

Até a tradição (momento da entrega), a coisa pertence ao devedor que, se nela tiver ocorrido melhoramentos, poderá exigir aumento no preço. Se o credor não concordar, o devedor poderá resolver a obrigação.

Se a obrigação for de restituir coisa certa, e, sem culpa do devedor, a coisa se perder (perda total) antes da tradição, o credor suportará a perda e a obrigação se resolverá. En-tretanto, até o momento da perda, o credor terá ressalvados os seus direitos. Entretanto, se a perda por culpa do devedor, este responderá pelo equivalente, mais perdas e da-nos.

Exemplo: Suponha o aluguel de um automóvel em uma agência de locação de carros. Se, durante o prazo de aluguel, o carro se perder, sem culpa do locatário (devedor), o locador (credor) poderá exigir somente o aluguel até a data da perda.

Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, o credor a receberá tal qual se ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, este responderá pelo equivalen-te, mais perdas e danos.

Se, ao restituir, a coisa se apresentar com maior valor econômico em razão de melhorias ou acréscimo e estes não tiverem exigido despesa ou trabalho do devedor, o credor esta-rá desobrigado de indenização. Por outro lado, se tiver sido exigido despesa ou trabalho do devedor, possível indenização será regulada pelas regras atinentes às benfeitorias rea-lizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé (as classificações das melhorias encontram-se nos artigos 96 e 97 do Código Civil e seus efeitos contidos em diversos artigos em con-cordância com as situações analisadas e com a conduta do possuidor, que age com boa-fé ou de má-fé).

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Boa-fé Subjetiva, Boa-fé Objetiva e Má-fé

Boa-fé subjetiva é a crença pessoal de que os atos praticados pela própria pessoa não resultarão em danos às pessoas alcançadas por tais atos.

Boa-fé objetiva é o dever ético imposto aos sujeitos da relação negocial de agirem com lealdade e cooperação, evitando condutas aptas a frustrar as legítimas expectativas da outra parte.

Art. 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Má-fé é a busca da satisfação dos interesses pessoais baseadas na intencionalidade de causar danos (lesar) terceiros.

Art. 1.219 do Código Civil: “O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeito-rias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de reten-ção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis”.

Art. 1.220. “Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessá-rias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias”.

5. Exercício Prático

Questões dissertativas para identificar a compreensão conceitual

Suponha que você foi procurado por um cliente com a seguinte demanda: Ele deseja comprar um apartamento na planta com data prevista de entrega e quer saber quais seus direitos legais em relação ao negócio jurídico.Como resultado da assessoria jurídica, você deverá entregar um documento com as reco-mendações pertinentes.

Sugestão de roteiro de estudo e solução do problema:

1. Identifique a modalidade de obrigação assumida por você. Justifique sua resposta.2. Identifique a modalidade de obrigação assumida pelo vendedor do imóvel frente ao seu cliente. Justifique sua resposta.3. Identifique a modalidade de obrigação assumida por seu cliente em relação ao vende-dor do imóvel. Justifique sua resposta.4. Analise a hipótese do imóvel ser entregue no prazo combinado. Justifique sua resposta.5. Analise a hipótese de atraso no prazo de entrega do imóvel. Justifique sua resposta.6. Analise a hipótese de não cumprimento da obrigação por seu cliente. Justifique sua res-posta.

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SUGESTÃO DE LEITURA

MARTINS, Lucas Gaspar de Oliveira. Contornos do inadimplemento absoluto, da mora e do adimplemento substancial: principais características e distinções4.

RESUMO: “Inspirado pela nova visão do fenômeno obrigacional, atribuindo-lhe critérios valorativos e éticos quanto ao fenômeno da inexecução da obrigação, este trabalho abor-da aspectos conceituais da mora, do inadimplemento absoluto e do adimplemento subs-tancial, suas distinções fundamentais e institutos correlatos. Além de retomar a valiosa doutrina tradicional, buscou-se a releitura desses institutos à luz do Código Civil.

O estudo partiu da noção geral do conceito e das modalidades do inadimplemento das obrigações. Superada essa etapa, procurou-se conceituar os institutos do inadimplemento absoluto e da mora, diferenciando-os em seus aspectos mais relevantes”.

6. Obrigação de dar coisa incerta (coisa genérica)

Representação esquemática da obrigação da dar coisa incerta

Coisa incerta é coisa indicada pelo gênero [leia-se “espécie”, pois o código civil 2002 uti-liza o substantivo de forma imprecisa] e quantidade, faltando-lhe a determinação da qua-lidade, que, uma vez determinada, passará a ser coisa certa. Colocado em outros ter-mos, a individuação da coisa objeto da prestação ocorre na concentração.

4 https://tede2.pucsp.br/handle/handle/8108 .São Paulo: PUC, Dissertação de Mestrado em Direito Civil e Relações Sociais, 2008. Acesso em 29/03/2020.

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A determinação da qualidade da coisa incerta completa-se pela escolha.

O ato unilateral de escolha denomina-se concentração, que deve ser dado ao conheci-mento do credor. A partir desse conhecimento e da efetivação da concentração, a obriga-ção transforma-se em dar coisa certa. O credor deve tomar conhecimento da realização da concentração para eventual fiscalização sobre a qualidade média da coisa escolhida.

Após a concentração, caso a coisa se perca, a obrigação se extingue. Se o devedor não tiver dados causa à perda, as partes retornam ao estado anterior e eventual preço pago deve ser devolvido, sem exigências de perdas e danos (Art. 234. Se a coisa se perder sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resol -vida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, respon-derá este pelo equivalente e mais perdas e danos). Eventual preço pago ao devedor de-ver ser devolvido para evitar violação ao princípio do enriquecimento sem causa.

A coisa incerta [coisa caracterizada pela espécie e quantidade, mas com qualidade a ser determinada na concentração] será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.

O credor deverá ser cientificado do momento da escolha. Se não combinado o contrário, a escolha [concentração] pertence ao devedor. Se a escolha couber ao devedor, este não poderá dar a coisa pior e nem será obrigado a entregar a melhor.

Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito. Esta determinação, ou princípio “genus nunquam pe-rit” (o gênero nunca perece), visa garantir segurança jurídica ao adimplemento da relação obrigacional por parte do devedor, impedindo que, antes da concentração do objeto em coisa certa, este viesse a alegar não ser possuidor da coisa.

7. Exercício Prático

Questões objetivas para identificar a compreensão conceitual

1. Nanci, bacharel em Direito, está estudando para prestar determinado concurso e se de-para com a informação referente a uma intenção de compra de 6 computadores pelo pre-ço total de R$ 14.580,00. Baseada exclusivamente nessa informação, Nanci deve identifi -car qual alternativa entre as abaixo é correta.

A) A informação permite a individualização completa da coisa objeto da obrigação de dar mediante entrega do preço, no caso 6 computadores pelo preço de R$ 14.580,00, classifi -cando-se, assim, como obrigação de dar coisa certa.B) A informação não permite a individualização completa da coisa, mas indica seu gênero e quantidade, classificando-se, assim, como obrigação de dar coisa incerta.C) A informação não permite a caracterização da obrigação como dar coisa certa ou dar coisa incerta, pois "computador" é gênero e existem várias espécies de computadores, como "desktop", "notebook", "tablet" e "mainframes". Assim, embora o código civil empre-

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gue o vocábulo gênero, este deve ser interpretado como espécie em razão de sua ampla generalidade.D) A informação caracteriza obrigação de dar coisa incerta, pois o gênero e quantidade estão especificados e a escolha da espécie de computador dar-se-á pela concentração.

2. Nídia fabrica sapatos masculinos de qualidade média em uma fábrica instalada no Bra-sil e assumiu a obrigação de entregar 5000 pares para um grande distribuidor. Entretanto, face às facilidades comerciais, impostos menores que no Brasil e menores entraves para administração dos empregados, Nanci instalou uma fábrica de calçados no Paraguai, onde investiu fortemente para produção de sapatos com elevado padrão de qualidade e passíveis de importação e comercialização com preços competitivos com os fabricados no Brasil.De posse dessas informações, o distribuidor exigiu, na concentração, apenas sapatos de elevada qualidade em detrimento dos fabricados no Brasil.

Segundo o Código Civil, ao caso de Nídia aplica-se o seguinte:

A) A escolhe pode ser feita pelo distribuidor, pois é razoável que este busque vender pro-dutos de maior qualidade possível para seus clientes.B) A escolha cabe exclusivamente à Nídia, pois o fato de investir na qualidade de seus produtos não apresenta relação com a obrigação assumida.C) Nídia pode concordar com a exigência de entregar o melhor produto, mas poderá exigir aumento no preço.D) A escolha caberá àquele que constar no título da obrigação; na sua ausência, a esco-lha caberá à Nídia, que poderá optar entre os sapatos produzidos no Brasil ou importados do Paraguai em função de seus interesses.

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