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QUALIDADE DE VIDA DE MOTORISTAS DE ÔNIBUS URBANO

NA CIDADE DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

RESUMO

O presente estudo teve como objetivos: (1) descrever as características sócio-demográficas

e (2) avaliar qualidade de vida dos motoristas de ônibus coletivo urbano da cidade de são

Bernardo do campo. Para coleta de dados foi utilizado um questionário sócio-demográfico

elaborado pelos pesquisadores e outro pela organização mundial da saúde (WHOQOL-bref)

devidamente validado para uso no Brasil. Os dois questionários foram aplicados em 20

sujeitos em três pontos finais de algumas linhas urbanas. Alguns foram respondidos pelos

próprios motoristas, outros tiveram a mediação de um dos pesquisadores. As principais

conclusões a que chegamos é que se trata de um grupo de meia idade, com baixa

escolaridade, tendo em média 2,2 filhos e apresenta algumas doenças, tais como: pressão

alta, diabetes, dor de estômago, freqüentes dores de cabeça e problemas de coluna. Quanto

às características de qualidade de vida o grupo aponta bons resultados no domínio relações

sociais, os piores resultados ficaram por conta do item não aproveitar a vida no domínio

psicológico, do item dor e necessidade de tratamento médico do domínio físico e do item

segurança e ambiente saudável do domínio meio ambiente.

Palavras chaves: qualidade de vida, motorista de coletivo urbano, psicologia da saúde.

QUALIDADE DE VIDA DE MOTORISTAS DE ÔNIBUS URBANO

NA CIDADE DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

ISAAC SOARES BASTOS

ORIENTAÇÃO: PROFª DRª EDA MARCONI CUSTÓDIO

Componentes da Banca Examinadora:

Profª Drª. Maria Geralda Viana

Universidade Metodista de São Paulo

Profª Drª. Dagmar Castro Pinto

Universidade Metodista de São Paulo

Profª Drª Eda Marconi Custódio

Universidade de São Paulo

Parecer da orientadora:

Meu orientando, Isaac Soares Bastos, sempre foi um aluno envolvido com a busca da

ampliação dos conhecimentos auferidos durante sua graduação. Um grande observador dos

grupos urbanos e das comunidades isoladas, Isaac participou do Projeto Piauí patrocinado

pelo Colégio Emile de Villeneuve, do projeto Cota 400 (comunidade isolada na Serra do

Mar), entre outros. Como usuário do transporte urbano, sempre teve interesse em conhecer

características do motorista de ônibus e viu na elaboração de seu TCC a oportunidade de

conhecer esse trabalhador. Seu excelente trabalho desvela o sofrimento psíquico vivido,

mas de certa forma negado, por esse profissional, fato que só foi alcançado pela

aproximação do aluno com o grupo de motoristas. Os resultados obtidos impõem a

necessidade de continuidade de estudos com esses trabalhadores.

1. INTRODUÇÃO

Uma coisa muito comum na vida de um trabalhador urbano que não possui um

veículo, é levantar cedinho e pegar um ônibus que o leve até o destino desejado. No

entanto, cremos, que nem sempre esse trabalhador tenha parado para pensar sobre os

profissionais que ele encontra no coletivo – o motorista e o cobrador. Pouco se sabe sobre

estes profissionais que nos levam e que nos acompanham para o nosso trabalho ou a

qualquer outro lugar e/ou que nos conduzem de volta para nossas casas. Eles, na maioria

das vezes, passam despercebidos, são vistos somente quando se envolvem em algum

acidente.

Por nos encontrarmos nestas condições de trabalhador urbano que diariamente tem

que pegar no mínimo duas conduções para ir ao trabalho ou à faculdade e de estar, pelo

menos, de duas a três horas por dia dentro de um coletivo, nos veio a curiosidade de

conhecer quem é este profissional motorista que constantemente está conosco e que, apesar

de encontrá-lo diariamente, não mantemos nenhum vínculo com ele.

A princípio, começamos a observá-los enquanto íamos ao trabalho e à faculdade.

Percebíamos que tanto o motorista como o cobrador traziam, quase sempre, um ar de

cansaço, de esgotamento. Ficávamos a pensar como é para eles trabalharem todo o tempo

sentados, fazendo o mesmo trajeto três, quatro ou cinco vezes por dia e agüentar, quase que

diariamente, aquele passageiro que chega estressado reclamando que o ônibus está atrasado

e que isso de algum modo é culpa deles - motorista e cobrador. Ficávamos também a

imaginar o que significava para eles carregar centenas de pessoas por dia, ou seja, ter tantas

pessoas sob sua responsabilidade e que ao mesmo tempo essas pessoas nem sequer lhes

percebiam. Algumas vezes, observavam também que o cobrador apresentava alguns

comportamentos (euforia, gargalhadas, algazarras) tipificando incidência de alcolismo.

Tudo isso nos deixava muito intrigados e curiosos para conhecê-los e entender por que

aquilo acontecia, por que ele agia dessa forma.

Com o passar do tempo e das muitas observações nos veio a coragem da

aproximação e da conversa. Percebíamos, indo pra faculdade, que o motorista e o cobrador

passam certo tempo numa determinada linha e que o encontro diário, sempre com boa

noite, oi, tudo bem, facilitava essa aproximação. Assim, tanto na ida como na vinda da

faculdade fazíamos questão de sentar (quando achávamos lugar) próximo do motorista ou

do cobrador para conversar com eles. Perguntávamos sobre seu trabalho, sua vida diária, se

sempre trabalhou na profissão, se gostava, se não, enfim, queríamos conhecê-los. Numa

dessas conversas descobrimos que eles trabalham muito mais de oito horas por dia e se a

semana tivesse mais de sete dias, eles, muito provavelmente, trabalhariam todos os dias.

Chegaram a nos relatar que com freqüência trabalham nove, dez e às vezes até doze horas

por dia durante nove, dez dias até sua folga, quando, na verdade, por lei, eles têm que

trabalhar sete horas e vinte minutos por dia e tirar uma folga por semana.

Durante esses quatro anos indo e voltando da faculdade, sempre fazendo o mesmo

itinerário, tivemos a oportunidade de melhor compreender seu dia-a-dia e de conhecer

alguns desses profissionais.

Um caso que nunca iremos esquecer é de um cobrador que sofria, segundo ele, de

depressão crônica. Relatava que ia freqüentemente ao psiquiatra e tomava remédios que

lhe deixam tonto e sem ânimo. Nas suas palavras tudo isso que ele estava passando era

devido ao enorme estresse que o trabalho proporcionava. Alguns dias depois não

conseguimos vê-lo mais. Outros cobradores nos disseram que ele estava afastado, não tinha

mais condições de continuar trabalhando.

Conhecemos também o caso de um motorista que foi afastado por problemas de

saúde. Segundo os colegas, ele estava muito mal, mas não sabiam dizer o que era,

suspeitavam de depressão – “problemas de cabeça”. Nesse período, soubemos também de

um outro caso de um cobrador que foi afastado por causa da bebida. Segundo seus colegas

“ele não fazia uma viagem sem antes molhar o bico” (risos). Causa esta que resultou no

seu afastamento.

Certo dia, durante as nossas conversas, chegamos a perguntar se eles tinham algum

tipo de acompanhamento psicológico na empresa. Para nosso espanto, eles responderam

que não, que nunca houve. E mais, caso um motorista acidente alguém, e este venha a

falecer, ou caso bata o ônibus, ou se cobrador for assaltado, ou agredido, eles simplesmente

são dispensados por uns três dias e voltam à ativa logo após. No caso de assalto, no outro

dia eles estão de volta às atividades.

Mediante essas observações e por ler com freqüência, já algum tempo, a respeito de

qualidade de vida, começamos a nos perguntar sobre como eles avaliavam sua qualidade de

vida? Ou o que vem a ser qualidade de vida para eles? Assim, surge o presente trabalho

tendo como objetivos: (1) descrever as características sócio-demograficas dos motoristas e

(2) avaliar, através do questionário WHOQOL-bref, qualidade de vida dos motoristas de

ônibus coletivos da cidade de São Bernardo do Campo – São Paulo.

Buscando compreender um pouco mais sobre esta profissão, fruto da organização

urbana, reportarmo-nos há alguns anos para que essa compreensão se evidenciasse com

mais clareza e pudéssemos perceber como e quando começou a ser mais perceptível o

sofrimento desse trabalhador, tanto físico como psíquico. Teremos como referências alguns

trabalhos que se debruçaram e trouxeram claros indícios sobre o sofrimento desse

trabalhador, tanto físico como psíquico. Entre outros estão: SATO (1991), DEUJOURS

(1994), PAES-MACHADO (2002), ZANELATO E OLIVEIRA (2003) etc.

2. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

A partir do trabalho o homem se constrói e cria relações com os outros homens; um

processo em que se reconhecem enquanto homens, trabalhadores e cidadãos. O trabalho

como atividade humana possibilita a constituição deste que o produz, dos produtos que

forja, propiciando o caminhar lado a lado das construções concretas e intelectuais. Deste

modo, todo o trabalho contribui para a estruturação do psiquismo e existência humana. Ao

construir o meio social em que vive, a condição de sua existência e a si mesmo, o indivíduo

proporciona o progresso, o crescimento sócio-econômico, bem como a elaboração de suas

necessidades e valores (FERREIRA e ASSMAR, 2004).

A organização do trabalho, concebida por um serviço especializado da empresa,

estranho aos trabalhadores, choca-se frontalmente com a vida mental e, mais precisamente

com as esferas das aspirações, das motivações e dos desejos. Desta forma, a organização

do trabalho, assim como as condições do mesmo, podem contribuir para o desenvolvimento

de doenças físicas e sofrimento mental.

A este respeito Dejours (1994) relata que o sofrimento psíquico pode ser atribuído

ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos,

e uma organização do trabalho que os ignore. Esse sofrimento mental tem inicio quando o

homem, no trabalho, não tem liberdade para adequar a sua tarefa de acordo com as suas

necessidades fisiológicas e seus desejos psicológicos, ocorrendo desta forma um bloqueio

de sua relação com o trabalho.

Vale salientar que se podem atribuir essas causas à cultura das organizações, uma

vez que a mesma está associada às concepções, normas, valores econômicos e valores que

caracterizam a vida da organização.

De acordo com Dejours (2003), trabalhar não é apenas ter uma atividade, mas

também viver: viver a experiência da pressão, viver em comum, enfrentar resistência do

real, construir o sentido do trabalho, da situação e do sofrimento.

A utilização do espaço de liberdade pelo trabalhador é uma invenção do mesmo

sobre a própria organização do trabalho, para que possa adaptá-la às suas necessidades

tornando-as mais congruentes com seu desejo. (DEJOURS, 2003). Porém, o sofrimento

ocorre quando a organização já não permite mais ao trabalhador a liberdade para realizar o

seu trabalho, fazendo com que acabe bloqueando a atividade de seu aparelho

psíquico,ocasionando desta forma, o sofrimento.

Dejours (1994) ressalta que o sofrimento começa quando a relação homem-

organização do trabalho está bloqueada. E quanto mais a organização do trabalho é rígida,

mais a divisão do trabalho é acentuada, maior é o conteúdo significativo do trabalho e

menores são as possibilidades de mudá-lo. Correlativamente, o sofrimento aumenta.

Segundo Seligmann (1995), há doenças e sofrimentos que podem surgir na

organização e no desenvolvimento do trabalho, e segundo Dejours (1994), isto pode ocorrer

quando o trabalhador tem dificuldades para a realização de seu trabalho, o que ocasiona

condições mórbidas.

3. SATISFAÇÃO E SAÚDE

O presente capitulo é uma reflexão do texto Cultura e Saúde nas organizações

proposto por Ferreira e Assmar (2004) que discute tanto o conceito de satisfação, como

suas implicações na saúde do trabalhador.

Quanto a satisfação no trabalho, não existe um conceito fechado e absoluto do que

seja e o que produz a satisfação no trabalho. Há bastante divergência a seu respeito, tanto

em termos de conceituação como no que se diz respeito a métodos de intervenção. A

produção cientifica tem caminhado, discutido e proposto diversas intervenções,

concordando apenas no fato de que ela sofre influência tanto do ambiente externo, quanto

do interno. Enquanto para alguns autores, a satisfação é uma resposta afetiva, para outros é

atitudinal, uns dão mais ênfase às influências externas outros, às internas.

Para os autores, uma das teorias que se propõe entender a satisfação é a dos dois

fatores. Nela há uma distinção entre a natureza do trabalho e o contexto do mesmo. Este é

entendido como fator extrínseco como, por exemplo, qualidade de supervisão, condições

físicas do trabalho, salários, segurança entre outros. Já a natureza do trabalho entende-se

como um fator intrínseco, motivador e responsável pelo surgimento de sentimentos de auto-

realização e conseqüentemente de desenvolvimento pessoal.

Outra teoria é a do valor ou da discrepância. Nela é possível observar que:

"O grau de satisfação no trabalho resulta do grau de justaposição

entre os resultados auferidos pelo indivíduo com o seu trabalho e os

resultados que ele valoriza e, conseqüentemente, ele espera receber (como

por exemplo, salário, oportunidade de promoção, etc.). Assim, quanto

mais ele receber aquilo que valoriza, mais satisfeito ficará. Por outro,

quanto maior a discrepância entre o que ele obtém com seu trabalho e o

que ele valoriza e deseja ter, maior será seu grau de insatisfação".

(FERREIRA e ASSMAR 2004)

Tendo como principal vantagem a praticidade de se poder esclarecer ou perceber os

aspectos do trabalho que podem ser mudados, para que a satisfação seja alcançada.

Quanto àqueles que dão mais ênfase as influências internas, a teorias sobre

satisfação caminham no sentido da análise das disposições afetivas como também na

formação e na manutenção da satisfação do trabalho. Em outras palavras, ainda que, de

forma inconsistente, e ciente disso, as teorias que dão mais ênfase as influências externas

partem do pressuposto de que a satisfação no trabalho está intrinsecamente ligada ao

ambiente, ou seja, fora do indivíduo. Por outro lado, as teorias que dão mais ênfase às

influências internas acreditam que a mesma depende em maior parte da disposição afetiva

do individuo, ou seja, como ele percebe o ambiente que o cerca.

Segundo os autores, as conseqüências da satisfação no trabalho revelam que as

investigações nesta área têm-se voltado principalmente para o exame das implicações da

satisfação no desempenho, no absenteísmo, na rotatividade, no comprometimento, na

cidadania organizacional e na qualidade do trabalho. Contudo, ainda existe muita

controvérsia entre a relação satisfação e desempenho no trabalho. A questão que se coloca

é: um bom desempenho depende da satisfação, ou é a partir dele que ela se estabelece. Ou

seja, satisfação é efeito ou causa do desempenho? Para alguns teóricos é causa, para outros,

efeito.

Além dessa relação desempenho-satisfação, os autores também trazem mais um

elemento que pode modificar ou alterar a satisfação e interferir na saúde do trabalhador.

Esse elemento é a cultura organizacional. Para Gomes (2005), ela é o substrato das crenças,

normas, formas de pensar e agir que dá base para as práticas formais e informais da

instituição e estabelecem toda a dinâmica da organização. Assim, não se pode pensar nem

em satisfação, nem em saúde, sem levar em conta a cultura da organização, pois tanto uma

como a outra estão diretamente ligadas a ela.

Segundo Ferreira e Assmar (2004), os estudos produzidos até então evidenciam que

nas instituições que endossam valores (cultura) ligados tanto ao bem-estar como à

satisfação e à motivação dos trabalhadores, procura humanizar o local de trabalho e torná-lo

mais agradável e prazeroso, através de práticas orientadas para as relações interpessoais e a

coesão interna. Nestes espaços pode-se perceber que há maior probabilidade de contar com

indivíduos mais satisfeitos e conseqüentemente, mais sadios. Entretanto, quanto isso não

acontece, a cultura se estabelece como causa primeira do estresse e do adoecimento do

trabalhador.

Um outro fator ou elemento que também tem tomado atenção dos pesquisadores na

atualidade é o clima organizacional. As pesquisas têm mostrado que este também tem uma

correlação tanto com cultura e satisfação como, e, sobretudo, com a saúde do trabalhador.

Para Tamayo et al (2004), o clima organizacional encontra-se entre os fatores

organizacionais e é insistentemente mencionado pelos autores como uma fonte importante

de estresse. Basicamente, o clima organizacional refere-se à forma como o ambiente

organizacional é percebido e interpretado pelos empregados. O que define mais

precisamente o clima organizacional são as percepções compartilhadas entre os membros

da organização e o ambiente organizacional. Cada um dos empregados dá sentido ao

contexto no qual trabalha. Os significados compartilhados constituem o essencial do clima

organizacional.

Outra dimensão do clima organizacional, altamente relevante para o estresse no

trabalho, e que tem sido amplamente estudado, é o apoio social. Após ter sido realizado

uma análise das dimensões do clima propostas por diversos autores através do tempo, Silva

Vasquez (apud Tamayo et al 2004) concluiu que o suporte social se encontra entre as

dimensões mais significativas do clima. O apoio social manifesta-se de diversas maneiras,

por exemplo, por meio das relações de cooperação e compreensão entre os colegas, do

suporte técnico e material oferecido ao trabalhador e, particularmente, da atenção, do

respeito e do reconhecimento do gestor. Assim, a relação clima-estresse se estabelece de

uma forma direta e contundente para a saúde do trabalhador.

Na prevenção do estresse, consideram-se três tipos ou níveis de intervenção: a

prevenção primária consiste em realizar ações destinadas a modificar ou eliminar fontes de

estresse no trabalho; a secundária pode ser ilustrada pela gestão do estresse; a terciária, por

programas organizacionais de assistência médico-psicológica para os empregados. A gestão

do clima é um exemplo de prevenção primária. Os autores insistem que é de fundamental

importância oferecer ao empregado o suporte emocional, instrumental, informativo e

avaliatório, ou de feedback, necessários para seu funcionamento psicológico e profissional.

Logo, toda organização que se preocupa com o bem-estar físico, mental e social dos

seus empregados, precisa ter políticas e estratégias apropriadas para a gestão do estresse e

das relações no trabalho. Pensar em trabalho e saúde é pensar o trabalho de forma holística,

é olhar para o trabalhador como sujeito singular inserido em determinado contexto. É

considerar organização e condição de trabalho, cultura, satisfação, clima e, sobretudo, seu

desejo, suas motivações e aspirações; é dar suporte (físico, relacional, psicológico) para que

o trabalhador possa ter condições de enfrentar as adversidades inerentes ao trabalho.

4. TRÂNSITO, VIOLÊNCIA E SEUS EFEITOS

Para Bastos (2001), o desenvolvimento industrial do século XX (principalmente

após a segunda guerra mundial) e as propagandas capitalistas fizeram do carro muito mais

que um veiculo ou um meio de transporte. O carro tornou-se símbolo de status social.

Possuir um carro tornou-se objeto de consumo. É ele (ano, cor, marca, potência) que dirá a

que classe da sociedade você pertence. Contudo, o planejamento urbano não consegue

acompanhar tamanho crescimento.

Como conseqüência desse aumento de veículos, principalmente nas grandes

cidades, a qualidade de vida foi prejudicada, seja pela poluição atmosférica, seja pela

sonora. Além desses tipos de poluição, há também os enormes congestionamentos que se

formam nas vias fazendo com que o tempo gasto para se deslocar para o trabalho ou voltar

dele aumente de forma considerável. Tal fato pode ser considerado como fator gerador de

agressividade e que contribui para o aumento da violência no trânsito. Além do excesso de

veículos, há também uma crescente diminuição de áreas de convívio social, pois, muitas

vezes, parques e praças são transformados em estacionamentos. (BASTOS, 2001 apud

MARIN; QUEIROZ, 2000)

Na lógica do capitalismo moderno, a palavra de ordem é competir. Nessa nova

forma de pensar se faz necessário que você seja o mais rápido, o melhor, o mais inteligente

e também o mais veloz. No trabalho, na maioria das vezes uma pessoa é avaliada pela

quantidade material que conseguiu produzir em menos tempo. Desde pequenos já ouvimos

nossos pais dizerem: “corre menino, você está atrasado!” ou “nossa! que menino devagar”.

Quando crescemos e chegamos na adolescência e início da idade adulta, o correr ganha ares

poéticos e "aventurescos" que são traduzidos de forma quase sutil (ou não) pelo cinema e

música. Quem vai esquecer ou quem nunca cantou “corro demais pra te ver bem” ou “é nas

curvas de Santos que você vai me conhecer” ou ainda “entrei na rua augusta a 120 por hora,

com três pneus carecas e mais, meu carro não tem breque, não tem luz e não tem buzina. E

faz o convite - um apelo juvenil: quer andar com a gente? É do nosso grupo?" - “Quem é

da nossa gangue Não tem medo” e sabe por quê? Por que “Ele É O Bom! É O Bom!”.

O trânsito sendo a manifestação do comportamento humano circunscrito no tempo e

espaço, também segue o mesmo pensamento dominante. Para Bastos (2001), a pressa, a

competitividade, o individualismo (conseqüências do capitalismo exacerbado no qual

vivemos), a má qualidade dos transportes coletivos e a falta de planejamento urbano,

fizeram com que as pessoas optassem pelo transporte individual e contribuindo ainda mais

para o agravamento do caos.

Por volta dos anos 90, em virtude do desemprego e de outros problemas sócio-

economicos, mais um fato torna o transito ainda mais caótico – o aumento das motocicletas.

Devido a maior exposição do passageiro e a menor proteção, os números de acidentes com

vítimas fatais aumentaram de forma assustadora. (BASTOS, 2001)

Para a autora acima citada, os acidentes de transito aparecem como um importante

problema social e de saúde que devem ser analisados como uma epidemia do presente

século, visto que, é uma das principais causas de mortes no País e representa enormes

perdas, sejas pelas vidas, seja pelos custos que causam para o estado. Para a autora, os

grandes responsáveis por tais acidentes, em sua grande maioria, são os motoristas que

apresentam comportamentos inadequados.

"O comportamento do motorista é o principal fator responsável

por acidentes de transito, conforme foi observado na conferencia de Roma

(OMS, 1984), pois a maioria dos acidentes são causados por falhas

humanas (não observação das leis e sinais de trânsito, excesso de

velocidade e tomada de decisões no momento de ultrapassar outro carro

ou de cruzar uma rua). Estes comportamentos inadequados no trânsito são

a categoria mais difícil de ser modificadas, pois para modificá-las é

necessário o conhecimento de crenças e valores dos motoristas

relacionados a aspectos sociológicos e antropológicos e também

psicológicos (características de personalidade)" p.6.

Contudo, vale ressaltar que há um caminho árduo a se trilhar na busca por

mudanças. É necessário que uma série de intervenções sejam afetuadas, por meio de um

conjunto de políticas públicas, e que levem em conta campanhas publicitárias de

informação, mudanças na legislação como também investimentos na área de educação de

trânsito. Entretanto, para que as intervenções surtam efeito, é necessário que haja

mecanismo de fiscalização e controles eficiente, pois quando isso não acontece, cresce um

sentimento de impunidade que estimulará o não cumprimento da lei. (BASTOS, 2001)

A respeito da educação, Bastos (2001) relata que para os programas de educação de

trânsito se tornarem eficientes, é preciso que o estudante seja um agente ativo no processo

ensino/aprendizagem e se perceba como um cidadão responsável por seus atos. Mas isso

também não é o bastante, é também necessário que se resgate o espírito participativo da

população para que a mesma tome consciência do problema, sugira e mova suas próprias

mudanças.

5. OUTRO OLHAR SOBRE A VIOLÊNCIA NO TRANSPORTE PÚBLICO

Caiafa (2004), refletindo sobre as condições de comunicação nos espaços urbanos,

principalmente no interior dos coletivos, relata que este reflete toda a diversidade, violência

e exploração daquele. Para a autora a cidade surge com a vinda de estrangeiros que são

atraídos por vários motivos. É o outro, o de fora que vem e faz desse espaço, o seu espaço,

seja ele rico, pobre, comerciante ou escravo. É a partir da experiência da diversidade que a

se constrói e se constitui a população urbana e é nestes espaços que se estabelece

possibilidades e modalidades de comunicação – seja nos meios sócias mais amplos, como

praças e parques, seja nos meios sociais mais específicos, como o interior dos coletivos

urbanos.

Caligaris (2007), numa confissão poética de amor as cidades, principalmente as

metropolitanas, relata que as mesmas, com todo seu barulho e ruído que lhes são

característicos são, na verdade, barulhos de sonhos e ruídos das inquietações de seus

habitantes. Segundo o autor toda essa agitação e o aparente caos que presenciamos

diariamente é fruto do sonho, da vontade de vencer e conquistar seu espaço.

Nada mais comum nas cidades como cruzar com um desconhecido; estamos a todo

o momento, sempre que damos uma volta no quarteirão, frente, exposto ao desconhecido

que, mesmo que não percebemos, mexe conosco, de alguma forma, mexe e altera nossa

subjetividade. Estamos expostos a todo instante a diferença e nos é impossível ficar

indiferente a ela, e é dentro do coletivo que essa variedade humana torna-se ainda mais

visível.

Para Caiafa (2004), o sujeito dentro do coletivo tem a possibilidade (frente a

tamanha heterogeneidade) de ampliar-se, pois ela proporciona a dispersão dos focos de

identidade e permite que os processos subjetivos sejam modificados e ampliados. A

respeito desse encontro (do sujeito com a diversidade e variedade do coletivo) a autora

relata que ele pode ser criativo ou ser envolvido por situações de risco. O que vai

determinar um ou outro está ligado tanto com a modalidade de transporte coletivo, como

com a configuração urbana.

Então, o que vem a ser um encontro criativo? Ou aquele que envolve uma situação

de risco? Para a autora acima citada, o encontro criativo é quando o sujeito se permite

experimentar sua vizinhança, ocupando coletivamente o espaço urbano e se misturando aos

outros cidadãos, expondo-se a outros mundos. Quando por um período de tempo,

desconhecidos, juntos, lado-a-lado (às vezes, bem juntinhos) se permitem confrontar-se

com a variedade urbana construindo um espaço de comunicação muito particular. Quando

isso não ocorre, pode-se caracterizar um encontro que envolve situações de risco, pois tal

fato gera um ambiente tenso que pode manifestar-se através de atos de violência.

Entretanto, vale ressaltar que tal manifestação é também uma representação de um

cotidiano que acontece fora dele.

Embora o coletivo seja um espaço propício para um encontro criativo, ou de uma

experiência criativa, muitas vezes ela não acontece. Outra explicação do fato é que vivemos

num sistema capitalista no qual o individualismo e o egocentrismo (pregado como modo

vida) afastam as pessoas "encapsulando-as" no seu mundinho, causando assim o isolamento

dos cidadãos e o "emudecimento" da variedade urbana. Além desse fato há também um

outro que impede o encontro criativo: o excesso de proximidade. Nele a diversidade

também é emudecida, pois toma o limite do outro, invadindo-o e a experiência que poderia

ser criativa transforma-se numa experiência de medo e ameaça. (CAIAFA, 2004).

Quanto a violência no interior dos coletivos, manifestadas nas suas mais diversas

facetas, Caiafa (2004) relata que ela não é apenas reflexo do cotidiano das cidades, é

também fruto do próprio modelo de transporte privado e concentrado nas mãos de uma

minoria de empresários que abusam do poder e contribui para o aumento da violência.

Segundo a autora, por trás do motorista apressado e estressado, há sempre um trabalhador

cansado, explorado e pressionado, que na maioria das vezes não tem pausa durante as

viagens, que vêem seus direitos sendo usurpados e descaradamente não cumpridos; que no

ponto final de seus itinerários não encontram banheiros e talvez que mesmo que tivesse,

não teria tempo de usá-lo e que não tem nem tempo de tomar água. Além de tudo isso,

podemos ainda acrescentar o calor, o barulho e a vibração do motor, o transito sempre

caótico e a constante insatisfação dos passageiros. Olhando pra tudo isso não vemos nada

mais que violência. Violência contra o trabalhador e contra sua saúde e que também se

reflete ou contribui para o aumento da violência no interior do coletivo. Para Paes-Machado

e Levenstein (2002), a violência dos coletivos, sobretudo àquela advinda do assalto, abala a

identificação do rodoviário com seu trabalho e faz com que a sensação de controle sobre

sua função seja intensificada.

Assim, mesmo que muitos acreditem e atribuam a violência nos coletivos como

reflexo da violência das cidades, ela não deve ser simplificada somente desse modo. Os

circuitos urbanos e a comunicação que se estabelece no interior dos coletivos tendem a ser

criativos, pois permite que os sujeitos percebam a variedade urbana e outros mundos

possíveis. Assim, a violência não é somente fruto do conturbado viver nas cidades, mas é,

sobretudo, o fracasso ocasional das forças desse vetor de criatividade. (CAIAFA 2004)

6. A PROFISSÃO

De acordo com a descrição do Mistério do trabalho, os motoristas, tanto rodoviários

como os urbanos e de trólebus, são caracterizados por conduzirem e vistoriarem ônibus e

trólebus de transporte coletivo de passageiros urbanos, metropolitanos e ônibus rodoviários

de longas distâncias; verificarem itinerário de viagens; controlarem o embarque e

desembarque de passageiros e os orientarem quanto a tarifas, itinerários, pontos de

embarque e desembarque e procedimentos no interior do veículo. Devem executar

procedimentos para garantir segurança e o conforto dos passageiros, além de habilitarem-se

periodicamente para conduzirem os veículos. (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 2007).

Para Silva e Gunther (apud Zanelato e Oliveira, 2003), tal descrição não condiz com

seu contexto de trabalho, pois não levam em conta os fatores estressantes na suas relações

de trabalho. Segundo os autores, “o ato de dirigir é altamente estressante e são vários os

fatores que podem afetar seu desempenho”, tais como: cargas de trabalho irregulares,

baixos salários, insegurança, altas temperaturas ambientais entre outros. (p.2)

Buscando compreender os principais fatores estressantes, presentes no cotidiano nos

motoristas, a partir de suas próprias percepções, Zanelato e Oliveira (2003) relatam que a

profissão é vista como estressante, pois, é preciso lidar com situações em seu dia-a-dia que,

na sua maioria, foge do seu controle, como por exemplo: condições adversas do clima, alto

nível de exigência por parte da empresa e usuários, condições de trabalho que não atendem

muitas vezes até as necessidades fisiológicas básicas dos motoristas e que tais fatores

produzem desconforto, irritabilidade, fatiga, cansaço mental e físico.

O estresse não é necessariamente negativo, pois, as pessoas sempre estão à busca de

experiências desafiadores que confrontem seus próprios limites, porém quando o

trabalhador é excessivamente exposto a uma determinada tarefa que não tenha controle o

estresse gerador não se estabelece como saudável, mas como prejudicial podendo gerar

grandes prejuízos na saúde do trabalhador. (TAMOYO e SILVA, 2004).

Por trabalharem contra o tempo, alguns deles criam algumas estratégias para burlar

a fiscalização e cumprir seu horário, entre elas estão: transgredir leis de trânsito, como

ultrapassar a velocidade permitida na via e desrespeitar placas e semáforos.

“Vou ter que cortar este trecho, depois ficam ligando na empresa reclamando de

mim”

“Aqui, no trânsito, ninguém respeita nada, (...) nos cortam, fazem gracinha e

também tem os que xingam” (PAES-MACHADO E LEVENSTEIN, 2002)

Meijman e Kompier (apud Silva e Günther, 2005) relatam que tais estratégias

privilegiam o cumprimento de horário e não a segurança dos passageiros. Podemos usar

como exemplo o excesso de velocidade: ao mover o veiculo antes do embarque ou

desembarque completo dos passageiros, uma evidencia da preocupação do funcionário com

os horários da empresa.

Segundo Paes-Machado e Levenstein (2002), em ambientes de trabalho abertos e

em contato direto com o público, a autonomia do trabalhador é diminuída e no caso dos

motoristas tal fato é ainda mais agravante, pois além de se ter sua autonomia rebaixada,

exige-se dele um esforço psíquico ainda maior, pois necessitam juntar atividades técnicas

repetitivas com as variadas demandas dos clientes. Para os autores, os motoristas ocupam

uma posição intermediária entre patrões e clientes muito difícil, pois se por um lado são

obrigados a cumprir determinadas regras impostas por seus superiores, por outro estão

expostos diariamente as freqüentes reclamações dos passageiros.

Podemos perceber que na organização do trabalho dos motoristas não há espaço

para um “poder se colocar” “um ser ouvido”, não há uma construção coletiva de regras.

“A gente é um escravo” “se você for tratar como é de direito você leva” “é tudo

proibido” “a gente trabalha sob pressão” (PAES-MACHADO E LEVENSTEIN, 2002).

Para Margolis, Kroes e Quinn (apud Tamoyo e Silva 2004), é essa falta de

participação que ocasiona ou se estabelece como um dos principais geradores de estresse.

Tal fala, nos suscita uma relação unilateral em que os trabalhadores são vistos como peças

ou apêndice da máquina.

Como já apresentamos em outro momento, a este respeito Dejours (1994) diz que o

sofrimento psíquico pode ser atribuído ao choque entre uma história individual, portadora

de projetos, de esperanças e de desejos, e uma organização do trabalho que os ignore. Esse

sofrimento mental tem início quando o homem, no trabalho, não tem liberdade para

adequar a sua tarefa de acordo com as suas necessidades fisiológicas e seus desejos

psicológicos, ocorrendo desta forma um bloqueio de sua relação com o trabalho.

7. ASPECTOS PSICOBIOLÓGICOS DO MOTORISTA

Foi a partir de 1971, no X Congresso Nacional de Prevenção a Acidentes de

Trabalho, que essa classe de trabalhadores, através do representante do sindicato dos

condutores de veículos e anexos, o Sr. Deyl Ozório de Oliveira, da cidade de Nova Iguaçu

no Rio de Janeiro, reivindica a criação de um adicional de penosidade e a redução da

jornada de trabalho para 6 horas. Segundo ele, o trabalho do motorista trazia uma dimensão

na relação saúde e trabalho que não era contemplada pelos conceitos legais de

insalubridade e periculosidade. Ele a denominou de ‘penosidade’ (SATO, 1991).

A partir dessa verificação, passou-se a buscar a formulação de um projeto de lei que

definisse o que seria penosidade para que os motoristas tivessem o direito pelo adicional

garantido. Um projeto de lei proposto pelo deputado Daso Coimbra (P.L. nº 2168/1989)

define as atividades como penosas quando exige esforço físico fatigante e/ou superior ao

normal, exigindo uma atenção contínua e permanente e que resultem em desgaste mental ou

stress. Assim, podemos observar que a categorização do trabalho penoso está intimamente

ligada a um sofrimento psíquico que se faz presente cotidianamente na vida do trabalhador.

Segundo Sato (1991) Dejours faz uso do adjetivo penoso em dois momentos:

primeiro quando situa a questão da adaptação a uma tarefa nova e repetitiva, para a autora,

nada é mais penoso, para o trabalhador, do que vivenciar esta fase do trabalho. E em

segundo, quando qualifica o esforço e o sofrimento psíquico a partir do qual se expõe a

necessidade de manter as defesas coletivas.

Ao referir-se às defesas coletivas produzidas pelos trabalhadores para enfrentar o

sofrimento psíquico advindo da organização, Sato (1991), citando Dejours argumenta que

os trabalhadores constroem defesas coletivas que funcionam como mecanismo adaptativo

que lhes permitem trabalhar. Para a autora, essas defesas tem grande possibilidade de

adquirir caráter de ideologia, pois conjugam uma série de valores coletivos e específicos de

trabalhadores. Em outras palavras, não é a organização do trabalho que seja penosa, mas

são os efeitos psicológicos que a mesma produz.

Atendo as condições de trabalho dos motoristas de ônibus, Oliveira (1971) relata

que não precisa fazer muito esforço para perceber que os mesmos, pelas particularidades da

profissão, são submetidos, diariamente, a uma intensa atividade física e mental, que não se

expressa apenas pela realização do trabalho em si, mas também, pelo conturbado tráfego

das grandes cidades que requer uma atenção cada vez maior dos motoristas, pelas centenas

de vidas que dia a dia se encontram sob sua responsabilidade e pelo patrimônio sob sua

guarda.

Apesar da caracterização do trabalho penoso ter uma dimensão subjetiva, ela não

tem sido bem definida para fins legais e de prevenção. Os trabalhos que fornecem subsídios

para essa caracterização são principalmente os da Fisiologia do trabalho e da Ergonomia,

ou seja, ao legislar e propor medidas de prevenção há sempre uma tendência de restringir-

se à dimensão objetiva fenômeno. Para a autora, há sim que levar esses aspectos em conta,

no entanto, não se pode esquecer da conseqüência que isso gera no psiquismo do

trabalhador. (SATO, 1991)

Uma pesquisa realizada pelo Departamento de Psicobiologia da Unifesp referindo

se ao déficit de sono de um grupo de motoristas de ônibus interestadual mostrou que o

mesmo apresenta uma carga de trabalho excessiva, dorme menos que o necessário ou tem

distúrbios que pioram a qualidade do sono (Zorzetto, 2005). O autor verifica que 43% dos

motoristas apresentam sonolência excessiva no período em que deveriam estar acordados, e

que 40% tinham apnéia ou hipoapnéia - distúrbio que causa pequenas paradas respiratórias

durante o sono e diminui sua qualidade.

Buscando retratar as prevalências de perda auditiva induzida por ruído e hipertensão

arterial em condutores de ônibus urbano da cidade de Campinas – São Paulo Correa Filho

et al (2002), relatam que numa amostra de 104 motoristas, 13,2% sofrem de hipertensão

diastólica e que 40,4% apresentam algum tipo de perda auditiva. Desse contingente 32,7%

tiveram diagnóstico de Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR), e 72,1% dos indivíduos

apresentavam zumbido. Para os autores esta referência mostrou-se relevante, pois para o

Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva, o zumbido é um dos sintomas que

caracteriza a PAIR. Um outro dado que se revelou no estudo foi que 53,8% responderam já

terem feito uso de arma de fogo, porém eles não relatam se esse uso foi em serviço, para

proteger-se, ou fora dele ou ainda antes de trabalhar como motorista.

Mendes e Silva (2005), tendo como objetivo quantificar a exposição de motoristas

de ônibus à Vibração de Corpo-Inteiro (VCI) e ao ruído, e analisar a possível associação

entre estes dois fatores de risco para Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR), relatam

que os resultados que encontraram, pode-se afirma que, o posto de trabalho de motorista de

ônibus, principalmente naqueles com motor dianteiro, comportam riscos de

desenvolvimento de PAIR, em virtude de tamanha exposição a ruído. Quanto a VCI, os

autores argumentam que os valores elevados da exposição a mesma, mostraram situações

expressivas de risco, pois superam em muito o limite de tolerância para as oito horas

estabelecido pela ISO-2631, que é de 0,63m/s2. Os resultados encontrados por eles variam

entre 0,74 e 1,09m/s2, registrando-se valor médio ponderado de 0,85m/s2. Os autores

concluem que há inadequação do posto de trabalho e que se faz necessário intervenções

ergonômicas, e sugerem que as medidas de prevenção caminhem no sentido de melhorar as

condições dos veículos, ou seja, adotar veículos que disponham de uma suspensão mais

adequada do chassi, assentos mais anatômicos, e que se faça uma revisão regular dos

ônibus como também se reveja a estrutura do pavimento da rua.

Buscando compreender a saúde desses trabalhadores (motorista e cobrador) de uma

outra forma, isto é, indo além da ergonomia e da fisiologia do trabalho, Silva e Souza

(1998) se propõem a descrever e analisar as características associadas ao risco de

ocorrência de distúrbios psiquiátricos menores para essa categoria.

Para os autores, DPM “são caracterizados por um rol de sintomatologias depressivas

e neuróticas que não se constituem morbidade psiquiátrica clássica, mas sim manifestação

do sofrimento psíquico, que pode inclusive ter manifestações somáticas”. (p.9)

No que se refere aos resultados, os autores apontam que houve uma prevalência de

DPM de 20,3% nos dois grupos de trabalhadores, sendo maior entre os cobradores (28%)

do que nos motoristas (13%).

Silva e Souza (1998), fazendo menção ao estudo realizado por Winkleby e col

relatam que os mesmos, em uma revisão de 22 estudos epidemiológicos, observaram que os

motoristas de ônibus apresentam taxas de morbidade, mortalidade e absenteísmo em virtude

da doença, maiores que outros grupos ocupacionais.

Um outro dado encontrado por Silva e Souza (1998), inteiramente preocupante e

que retrata bem a violência das ruas que essa classe de trabalhadores tem de enfrentar é que

6% dos cobradores já tinham sofrido um assalto, pelo menos uma vez nos últimos seis

meses. Nos cálculos dos pesquisadores isso corresponde a uma média de 160 assaltos por

mês ou 5,3 por dia. Os autores também relataram que 30% dos cobradores referem discutir

com freqüência com os passageiros, principalmente por causa do troco. Sendo esta uma

situação de trabalho muito freqüente do dia-a-dia e 60% dos cobradores referem esta

circunstância como a mais estressante. Para os autores, em conseqüência da situação

referida temos as agressões por passageiros e assaltos, que são a segunda causa de acidentes

entre os cobradores e a terceira entre os motoristas.

8. QUALIDADE DE VIDA

Diante do quadro situacional da saúde desses trabalhares pode-se pensar numa outra

questão que, na atualidade, está sendo muito discutida: a qualidade de vida, que, direta ou

indiretamente, está ligado a saúde ou a um estado subjetivo de saúde. (FLECK ET AL,

1999).

Embora não seja objetivo do presente trabalho comparar e discutir os diversos

conceitos sobre qualidade de vida (pois sobre o mesmo ainda não há um consenso (FLECK

ET AL, 1999)), nem em termos conceituais nem metodológicos, iremos aqui traçar alguns

comentários, a luz de alguns autores, sobre o que seja qualidade de vida, sua possibilidade

de mensuração e suas implicações, com o que se relaciona, como também o surgimento do

termo.

Segundo Fleck et al (1999), a expressão qualidade de vida foi empregada pela

primeira vez em 1964, pelo presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, quando

declarou que os objetivos não poderiam ser medidos através do balanço dos bancos. Eles só

poderiam ser medidos através da qualidade de vida que eles proporcionassem as pessoas.

Assim, surge o interesse pelo conceitos de 'padrão de vida' e 'qualidade de vida' como

também um crescente interesse pelo termo por algumas áreas de conhecimento, como por

exemplo, a Medicina e afins, como também a Sociologia, a Filosofia entre outras.

Na tentativa de definir o conceito de qualidade de vida de uma forma ampla e

abrangente Rufino-Neto (apud Rocha, 2000) define que qualidade de vida é olhar o homem

simultaneamente ser biológico e social. Como ser social e conseqüentemente vivendo

dentro de uma sociedade há alguns aspectos que devem ser analisados como, por exemplo,

condições materiais, primárias e fundamentais da vida humana; forças materiais de

produção e transformações das condições materiais; modo de estrutura global e regional

(econômica, jurídica, política e ideológica) e a formação social (divisão de trabalho,

desenvolvimento de forças produtivas, relações sociais de produção, classes sociais básicas

e luta de classes); forma de produção, circulação e consumo de bens.

Ainda nesta linha de raciocínio - em que qualidade de vida está ligada

intrinsecamente a organização social e a produção material – Rocha (2000), defende que a

qualidade de vida depende essencialmente de uma organização social, pois a vida nas

cidades se estabelece de forma muito mais política; e que as formas de gestão,

materializadas em instituições concretas e em sua cultura administrativa, tornaram-se

fundamentais.

Voltando às áreas de conhecimento que se interessaram pelo conceito de qualidade

de vida, pode-se dizer que foi na Medicina que ele se desenvolveu inteiramente ligado com

o conceito de saúde, ou com o processo saúde-doença, tendo assim seu pressuposto não

levado muito em conta a produção material, mas não o eliminando. De acordo com Seid e

Zannon (2004), o interesse pelo conceito de qualidade de vida, na área da saúde é recente e

decorre dos novos paradigmas que têm influenciado tanto as políticas como as práticas do

setor nos últimos anos. Segundo as autoras, a partir desses novos paradigmas a visão do que

determina ou influencia o processo saúde-doença vai muito além do contexto hospitalar e

da saúde. Ele está ligado a uma rede de fatores que inclui deste os econômicos e políticos,

as experiências pessoais e contexto sócio-cultural de cada região. Assim, qualidade de vida

se estabelece como um resultado esperado pelas práticas assistenciais e pelas políticas

publicas do setor da saúde tanto no que se refere à prevenção de doenças como a promoção

a saúde.

Como já foi dito acima, a Medicina foi uma das áreas que mais se interessou pelo

conceito e seu desenvolvimento, na Oncologia teve seu lugar de destaque. Segundo Fleck et

al (1999), esta especialidade viu-se defronte com a necessidade de avaliar as condições de

vida dos pacientes que tinham sua sobrevida aumentada devido aos tratamentos realizados,

e que, muitas vezes, na busca de acrescentar anos a vida, era deixado de lado a necessidade

de acrescentar vida aos anos. Assim, qualidade de vida, a princípio, se caracterizou como

um indicador para o julgamento clínico de doença específica (SEID e ZANNON, 2004).

Com o passar do tempo e as freqüentes pesquisas sobre o tema, o conceito de

qualidade de vida e suas formas de mensuração foram se ampliando e indo além de sua

relação específica com a saúde. No entanto, foi por volta dos anos 80 que o conceito de

qualidade de vida se configurou envolvendo diferentes dimensões.

As pesquisas foram se desenvolvendo e já nos anos 90, os estudiosos da área

concordaram que dois aspectos se estabelecem como fundamentais para a construção do

conceito de qualidade de vida. São eles: subjetividade e multidimensionalidade. Quanto à

subjetividade, deveria ser considerada a percepção da pessoa tanto sobre seu estado de

saúde como os aspectos não-médicos do seu dia-a-dia, ou seja, como o indivíduo avalia a

sua situação nas dimensões relacionadas a qualidade de vida. Quanto ao seu aspecto de

multidimensionalidade, os estudiosos e pesquisadores da área reconhecem que tal construto

é composto por diferentes dimensões. (SEIDL; ZANNON, 2004).

A partir de tais constatações e antes mesmo delas, os pesquisadores já buscavam

construir instrumentos que pudessem medir qualidade de vida. E, influenciada por esta

concepção de subjetividade e multidimensionalidade e, tendo como objetivo construir um

instrumento que avaliasse qualidade de vida numa perspectiva internacional e transcultural

a Organização Mundial da Saúde sustenta que três aspectos são fundamentais e se destacam

em relação ao construto: (1) subjetividade; (2) multidimensionalidade; (3) bipolaridade, ou

seja, presença de posições positivas (ex. mobilidade) e negativas (ex. dor). E, a partir desses

aspectos definiu que qualidade de vida é “a percepção que o indivíduo possui de sua

posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores dos quais ele partilha e em

relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (FLECK, ET AL, 1999,

p. 3)

Assim, surge o WHOQOL-100, um instrumento construído pela OMS que se

caracteriza como um questionário de 100 questões baseado em seis domínios, a saber:

domínio físico, domínio psicológico, nível de independência, relações sociais, meio

ambiente e espiritualidade/religião/crenças pessoais. Como derivado desse questionário

nasce o WHOQOL-bref que se constitui por 26 questões e que abrange os seguintes

domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. E é a partir desse

instrumento e tendo qualidade de vida como pressupõe a OMS que se baseia o presente

trabalho: verificar a percepção de qualidade de vida dos motoristas de ônibus coletivos da

cidade de São Bernardo do Campo – São Paulo.

MÉTODO

Sujeitos

20 Motoristas de ônibus coletivo urbano da cidade de São Bernardo do Campo com

mais de três anos no exercício da referida função.

Local

A princípio a pesquisa foi pensada em ser desenvolvida nas dependências da

empresa, pois teríamos um espaço mais tranqüilo e que possibilitasse os participantes

responderem individualmente, sem a interferência de outras pessoas. Porém, isso não foi

possível, vários contatos foram feitos com a empresa (visitas, telefone, email), todas sem

sucesso. Assim, a aplicação dos questionários ocorreu em 3 pontos finais de algumas linhas

da cidade.

Instrumento

A) Questionário sócio-demográfico

B) WHOQOL-bref, versão abreviada do WHOQOL-100, desenvolvido pela Organização

Mundial da Saúde, composto de quatro domínios, a saber:

- Domínio 1 (Físico)

1. Dor e desconforto

2. Energia e fadiga

3. Sono e repouso

- Domínio 2 (Psicológico)

1. Sentimentos positivos

2. Pensar, aprender, memória e concentração

3. Auto-estima

- Domínio 3 (Relações sociais)

1. Relações pessoais

2. Suporte (apoio) social

3. Atividade sexual

- Domínio 4 (Meio ambiente)

1. Segurança física e proteção

2. Ambiente no lar

3. Recursos financeiros

4. Cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade

5. Oportunidades de adquirir novas informações e habilidades

6. Participação em, e oportunidade de recreação/lazer

7. Ambiente Físico: (poluição/ruído/trânsito/clima)

8. Transporte.

Procedimento para coleta de dados:

Os motoristas foram convidados a participar de uma pesquisa sobre qualidade de

vida e cientificados sobre seus objetivos e de que a mesma não tinha nenhum vinculo com a

empresa. Após apresentação dos objetivos e de assinarem o termo de consentimento, os

dois questionários eram entregues ao participante. Muitos deles optaram pela leitura do

pesquisador.

Nos pontos finais, infelizmente, por circunstância de tempo e espaço, a aplicação

não foi feita como deveria e que tal fato deve ser levado em conta na análise dos dados.

Duas coisas devem ser levadas em conta: uma é que a aplicação não foi individual como

deveria, havia sempre um outro motorista ou um cobrador ao lado do pesquisador-

pesquisado; a outra é que quando o tempo de sua pausa começava a se esvair eles

respondiam sem muito comprometimento.

Assim, devemos olhar para dados abaixo, levando em consideração o que foi acima

descrito.

Procedimento para análise dos dados

1 - Foram levantadas as características sócio-demográficas do grupo tais como: idade,

escolaridade, tempo de função, se já esteve envolvido em acidentes, se já foi afastado,

como também as características de qualidade de vida em cada uma das quatro áreas

abrangidas pela escala.

3 - As características nas quatro áreas foram analisadas e comparadas entre si.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Antes de apresentar os resultados vale ressaltar o que já foi referido no

procedimento sobre a inadequação da aplicação dos questionários, sobretudo no que se

refere ao local onde ele foi aplicado. Ele não oferecia a privacidade necessária para que o

motorista se sentisse à vontade para responder. Havia sempre outros motoristas ou

cobradores acompanhando e observando suas respostas, o que pode ter influenciado suas

respostas. Além do resultado obtido via questionário, relataremos também nossas

impressões do pouco que pode se observar, tanto do local de trabalho como das falas dos

motoristas. Assim a discussão caminhará tecendo o que mostra o questionário e o que

conseguimos escutar.

Distribuição dos motoristas de acordo com idade

0

1

2

3

4

5

6

30 - 35 35 - 40 40 - 45 45 - 50 50 - 55 55 - 60 60 - 65

Idade

Suj

eito

Figura 1: Distribuição dos motoristas de acordo com a idade.

Verifica-se que o grupo pesquisado tem idade média de 43, 2 anos, encontrando sua

maioria nos intervalos de idade entre 35 – 40 e 45 - 50. Nota-se que se trata de um grupo

adulto que passa pela meia idade. Ou seja, um grupo que está preste a entrar e outro que já

está dentro no que chamamos de 3ª idade. Costa et al (2003), analisando dois grupos de

motoristas de duas capitais diferentes (São Paulo e Belo Horizonte) chega a uma média de

idade próxima a que encontramos. Segundo as autoras, os motoristas da capital mineira

apresentam uma média de idade de 39,8 anos e os paulistas 42 anos. Nota-se, comparando

os grupos referidos com o que foi pesquisado, que, apesar das distâncias geográficas e das

diferenças entre as cidades, há grandes semelhanças neste quesito.

Distribuição dos motoristas segundo sua região de origem

0%10%20%30%40%50%60%

Nordeste Norte Sudesde Sul Centro-Oeste

Regiões

Suj

eito

s

Figura 2: Distribuição dos motoristas segundo sua região de origem.

Observa-se que metade dos motoristas (50%) é da região nordeste, principalmente

dos estados da Bahia, Ceará, Paraíba e Piauí. Na mesma proporção estão os nascidos na

região sudeste, principalmente dos estados Minas Gerais e do interior de São Paulo. Quanto

ao tempo de residência na cidade os nascidos na região sudeste apresentaram uma média de

ano maior que os oriundos da região nordeste: 33,2 e 26,2 anos respectivamente. Parece

que tais números refletem a forte da emigração de nordestinos para o estado de São Paulo

que ocorreu nos anos 70, 80 e 90. Segundo dados do IBGE, do censo de 2000, a cidade de

São Paulo é a cidade com maior número de nordestinos – quase 1/5 da população da cidade

e o Estado de São Paulo o que mais recebe migrantes dessa região. Na verdade, como diz

Caiafa (2006), cidade e diversidade são, em alguma medida, sinônimas. E é disso que vem

a riqueza, é a possibilidade de conviver com o diferente e ampliar seu leque de

identificações. Mas, voltando à emigração nordestina, dados da secretaria do

desenvolvimento social do estado mostram que, hoje, a migração é maior que a emigração,

ou seja, o número de pessoas que chegam é menor que aquelas que saem. Os pesquisadores

da secretaria atribuem o fato às altas taxas de desemprego na região e aos programas

federais de combate a pobreza.

Distribuição dos motoristas de acordo com tempo de serviço

010203040506070

Menos de 1ano

De 1 a 5anos

De 5 a 10anos

Mais de 10anos

Tempo de serviço

porc

enta

gem

de

suje

itos

(%)

Figura 3: tempo de serviço.

Verifica-se que a grande maioria dos motoristas (65%) trabalha na função a mais de

10 anos. Embora não possamos precisar com mais exatidão, consideramos um tempo

razoável para apropriação da profissão. Apenas 10% dos motoristas entrevistados estão na

função a menos de 5 anos.

Pensando no tempo de trabalho e no seu ritmo, caso este tenha se mantido ao longo

dos anos, pode-se imaginar o nível de desgaste tanto físico como emocional no qual se

encontra o motorista atual. Nas conversas informais que tivemos com eles durante, ou após

a aplicação dos questionários, eles relataram que muitos motoristas trabalham de segunda a

sexta das 5 da manha a 9 da noite para poder tirar o domingo de folga e, durante essa

jornada, muitas vezes, paravam apenas para o almoço, que não passava de 25 minutos. A

quantidade de horas é muito grande. Tal quantidade de tempo dedicado ao trabalha só pode

ser comparada aos primeiros anos da revolução industrial, ou seja, século XVIII. Já se

passaram três séculos, o mesmo exagero acontece e numa das cidades tidas como uma das

mais modernas do país.

Quando se fala em trabalho e sofrimento advindo dele, duas coisas devem ser

consideradas: condição e organização do trabalho. Quanto às condições, pôde-se verificar

que não são as melhores. Correa Filho et al (2002) relata que há inadequação no posto de

trabalho desses profissionais que prejudicam sua saúde. Quanto à organização do trabalho,

os motoristas referiram longa jornada de trabalho, pouco tempo de pausa e o excesso de

cobrança (chefes da empresa, do órgão regulamentar e dos passageiros). Para Dejours

(1994), o sofrimento ocorre quando a organização do trabalho já não permite mais, ao

trabalhador, a liberdade para realizar o seu trabalho, ou seja, adaptá-lo a suas necessidades

e desejos. Para o autor, o sofrimento começa quando a relação homem-organização do

trabalho está bloqueada. E quanto mais a organização do trabalho é rígida, mais a divisão

do trabalho é acentuada, maior é o conteúdo significativo do trabalho e menores são as

possibilidades de mudá-lo. Correlativamente, o sofrimento aumenta.

Segundo Seligmann (1995), há doenças e sofrimentos que podem surgir na

organização e no desenvolvimento do trabalho, e segundo Dejours (1994), isto pode ocorrer

quando o trabalhador tem dificuldades para a realização de seu trabalho, o que ocasiona

condições mórbidas. Costa et al (2003) relata que há correlações significativas entre as

condições de trabalho e a morbidade declarada pelos motoristas abrangidos pela sua

pesquisa. Nas Figuras 7 e 8, que mostra os principais problemas de saúde referidos pelos

pesquisados e o percentual dos que precisaram afastar-se do trabalho, pode-se perceber o

quanto o grupo se encontra debilitado. Pode-se imaginar, não descartando outras causas,

que tal condição de saúde em que se encontra o grupo seja resultado de como esse modo de

fazer se estabelece, ou se organiza.

Distribuição dos motoristas segundo horas de sono

0

1020

3040

50

Menos de5 horas

5 horas 6 horas 7 horas 8 horas mais de 8horas

Horas de sono

porc

enta

gem

(%)

Figura 4: horas de sono.

Observa-se que a maioria dos motoristas não dorme o suficiente. Uma pequena

parte deles (5%), dorme apenas metade do que é recomendado, o que é muito preocupante.

Segundo Zorzeto (2004), o ideal é de 8 horas diária de sono. O autor relata que quando isso

não acontece há um déficit de concentração e atenção, o que pode contribuir para aumentar

a probabilidade de acidentes.

Uma pesquisa realizada pelo Departamento de Psicobiologia da Unifesp, referindo

se ao déficit de sono de um grupo de motoristas de ônibus interestadual, mostrou que o

mesmo apresenta uma carga de trabalho excessiva, dorme menos que o necessário ou tem

distúrbios que pioram a qualidade do sono (Zorzetto, 2005). O autor verifica que 43% dos

motoristas apresentam sonolência excessiva no período em que deveriam estar acordados, e

que 40% tinha apnéia ou hipoapnéia - distúrbio que causa pequenas paradas respiratórias

durante o sono e diminui sua qualidade.

Distribuição dos motoristas segundo escolaridade

05

1015202530354045

Alfabetizado I grauincompleto

I graucompleto

II grauincompleto

II graucompleto

Superiorincompleto

SuperioCompleto

Escolaridade

Por

cent

agem

(%)

Figura 5: Escolaridade.

Verifica-se que a maioria dos motoristas entrevistados possui apenas o 1º grau

incompleto, 40%. Nota-se que se trata de um grupo com baixa escolaridade. Durante a

aplicação dos questionários isso ficou bem presente, pois a maioria deles não entendeu com

clareza as perguntas. Outros preferiram que o pesquisador lesse. No Brasil, segundo dados

do IGBE, a população de 15 anos ou mais de idade tem, em média, 7 anos de estudo em

2005.

Distribuição dos motoristas segundo n° de filhos

05

1015202530354045

1 filho 2 filhos 3 filhos 4 filhos

N° de filhos

porc

enta

gem

(%)

Figura 6: Nº de filhos.

Nota-se que a maioria dos motoristas tem filhos. Dos entrevistados, todos possuíam.

A maior parte deles (40%) possui até 3 filhos. Segundo o IBGE, a média nacional de filhos

é de apenas 2,39, de acordo com o censo de 2000. Segundo o órgão, altas taxas de

natalidade têm relação direta com escolaridade. Se considerar a media do grupo, verifica-se

que está ligeiramente abaixo da média nacional. Encontra-se, no grupo, uma média 2,2

filhos. Mas há que se considerar o pequeno tamanho da amostra de motoristas.

Distribuição dos motoristas de acordo com seu problema de saúde

05

1015202530

Pressão alta Diabetes Dor deestomago

Frequentesdores decabeça

Problema decoluna

Problema de saúde

Porc

enta

gem

(%)

Figura 7: Problema de saúde.

Como nos mostra a figura, 25% dos pesquisados relataram sofrer de problemas de

pressão alta, ou seja, ¼ dos motoristas que participaram da pesquisa. 25% disseram que tem

freqüentes dores de cabeça. 20% relataram problema de coluna e 15% disseram ter

diabetes. Tais números são preocupantes, principalmente quanto se refere a Pressão Alta e

ao Diabetes, pois, dependendo do grau em que ambos se encontrem, o motorista não só

pode colocar sua vida em risco como a de todo o coletivo, incluindo passageiros, pedestres

e demais condutores. Quanto às dores no estômago, podemos levantar como hipótese o

pouco tempo dedicado às refeições, isso quando ela acontece. Muitas vezes, a refeição é

substituída pelo lanche no final da linha.

A respeito das freqüentes dores de cabeça, levantamos como hipótese, além da

inadequada alimentação, o excesso de horas de trabalho que enfrentam, exigindo uma

concentração extraordinária, e o pequeno tempo das pausas. Pode-se pensar também no

excesso de barulho a que são submetidos, seja pelo barulho do trânsito seja pelo barulho do

motor, principalmente dos veículos com motor dianteiro. Segundo Correa Filho et al

(2002), numa pesquisa realizada com os motoristas de Campinas, foi constatado que 40,4%

dos pesquisados apresentam algum tipo de perda auditiva e 72, 1% apresentavam zumbido,

que é uma das características da perda auditiva. Pode-se pensar que talvez o barulho

também esteja associado com as dores de cabeça.

Quanto aos problemas de coluna, Medes e Silva (2005) relata que estudos a

associam à alta exposição dos motoristas à Vibração de corpo inteiro. Os autores

constataram que há inadequação no posto de trabalho desses profissionais e sugerem que

medidas de prevenção sejam adotadas, principalmente no que diz respeito a um assento

mais anatômico e também na adoção de veículos que disponha de uma suspensão mais

adequada do chassi.

Costa et al (2003), no seu trabalho sobre morbidade declarada e condições de

trabalho, relata que 61,2% dos motoristas paulistanos referiram-se sofrer de obesidade ou

pré-obesidade, 41,2% referiu-se sofrer de problemas de coluna, 29,4% de problemas

intestinais e 15,9% de hipertensão.

Verifica-se que há semelhanças no que se refere a problemas de saúde com

motoristas de outras cidades. Nota-se uma grande variedade de doenças que afetam essa

classe. Além das condições materiais que precisam se modificadas urgentemente, deve-se

também pensar em como esse trabalho é organizado, como é estabelecido. Pode-se pensar

que, além de outras causas como experiência pessoal, condição de trabalho entre outras, há

de se levar em conta a organização do trabalho como principal causa do sofrimento desses

trabalhadores e conseqüentemente das doenças aqui relatadas.

Distribuição dos motoristas segundo pedido de licença médica

010203040506070

Sim Não

Pedidos de licença

Por

cent

agem

(%)

Figura 8: Pedidos de licença médica.

Verifica-se que 65% dos motoristas já tiveram que pedir licença médica e 35%

relatou nunca ter necessitado. Embora não saibamos precisar as causas das licenças, vale

ressaltar que é um número bastante elevado. Segundo os pesquisados há bastantes

motoristas afastados, “no INSS”. Segundo eles, o estresse é muito grande e boa parte dos

motoristas não agüentam. Relataram também que só durante o mês corrente, já morreram

cerca de 3 motoristas vitimas de problemas de saúde. Como vimos na figura 7, não é de se

estranhar que o número de licenças sejam tão alto, visto que grande parte dos motoristas

sofre de algum problema de saúde. Para Costa et al (2003), o medo de ficar doente ocupa o

4º lugar no ranking dos medos referidos pelos motoristas paulistanos (63,2%). Perde apenas

para o medo de ser assaltado (78,0%), o de sofrer acidentes (70,9%) e o de morrer (67,6%).

Parece que ser afastado não é mais raridade, mas algo comum entre eles. É como se ficar

doente já fosse de alguma forma esperado.

Distribuição dos motoristas de acordo com sua religião

0

20

40

60

80

100

Católica Evangélica Espírita Outra Sem religião

Religiões

porc

enta

gem

(%)

Figura 9: Religiões.

Nota-se que a maioria dos motoristas relata ser católica sua religião (80%) e, 15%

relatam ser evangélica. 5% disseram não ter. Segundo o jornal O Globo (2007), 73,79% da

população se diz católica e 18% evangélica e 7,8% sem religião. De acordo com o

periódico esses dois últimos foram os que mais cresceram desde o último censo.

Distribuição dos motoristas segunda incidentes ocorridos na jornada de trabalho

0

2040

6080

100

Atropelamento Batidas Quedas depassageiro

Assaltos

Incidentes

Porc

etag

em (%

)

Figura 10: Incidentes.

Verifica-se que 85% dos motoristas pesquisados já foram assaltados, 55% já

experienciou batidas de veiculo, em 25% já ocorreu queda de passageiros e 15% relataram

que já atropelou alguém. A respeito da alta taxa de assaltos, Paes-Machado (2002), relata

que como os motoristas vivem em constate medo, desenvolvem distúrbios psicológicos que

se caracteriza pela dificuldade de superar a cena traumática. Para o autor, os constantes

traumas, que o motorista experimenta no seu trabalho, suscitam ansiedade, transtornos de

medo e conflitos de identidade. É uma dupla violência que ocorre durante um assalto, pois

além de ser um evento que o rebaixa, que o tira da posição de condutor e o passa para

conduzido, ainda põe em questão, frente aos superiores, sua responsabilidade como

profissional e sua honra pessoal. Além disso, ainda lhes resta bancar a conta do prejuízo.

Segundo os pesquisados, a empresa só banca até dez passagens, o restante é por conta do

motorista, independentemente de quanto seja.

Quanto às batidas e quedas de passageiros, Silva e Günther (2005) relatam que

frente às diversas situações durante as viagens, os motoristas adotam, ou podem adotar,

comportamentos que privilegiam o cumprimento de horário, à segurança dos passageiros.

Entre esses comportamentos, classificados pelos autores de inadequados, estão o excesso de

velocidade e a movimentação do veículo antes do embarque completo do passageiro. Além

dessa razões pode estar também a necessidade de ampliar o tempo de pausa entre uma

viagem e outra, relaxar, tomar água e ir ao banheiro.

A seguir analisaremos o resultado obtido a partir do WHOQOL-bref iniciando

pelas duas questões gerais: como você avalia sua qualidade de vida? e quão satisfeito você

está com sua saúde?

Tabela 1: Questões gerais

Como você avalia sua

qualidade de vida?

Quão satisfeito (a) você está

com sua saúde?

Muito ruim 0%

Muito insatisfeito

5% Ruim 15%

Insatisfeito 10%

Nem ruim nem boa 35%

Nem satisfeito nem insatisfeito

30% Boa 45%

Satisfeito 45%

Muito boa 5%

Muito satisfeito 10%

Observando a tabela 1, nota-se que boa parte dos motoristas refere-se a sua

qualidade de vida como boa (45%). Porém, metade deles julga sua qualidade de vida como

ruim ou nem ruim nem boa (50%), ou seja, enquanto uma metade avalia sua qualidade

como boa e muito boa a outra não diz o mesmo. Na amostra não houve resposta de que sua

qualidade de vida estaria muito ruim. Contudo, apenas 5% a avaliaram como muito boa.

A respeito de quão satisfeitos estavam com sua saúde, os números se assemelham

aos da pergunta anterior, 45% julgam estar satisfeito com sua saúde, entretanto, nota-se

também que quase a mesma quantidade refere-se estar insatisfeito ou que o grau de

satisfação passa-se indiferente a ponto de não apontá-la como plena (nem satisfeito nem

insatisfeito).

Tabela 2: Domínio Físico

Como podemos observar nesta tabela 2, que se refere ao domínio físico, boa parte

dos motoristas relata que sua dor física os impede de fazer o que precisam. Somando-se

àqueles que referiram que sua dor impede mais ou menos, com aqueles que responderam

bastante e extremamente, temos 55% do grupo. Ou seja, mais da metade refere que sente

alguma dor e que esta o impede, em alguma medida, de realizar sua atividade diária.

Nota-se também que a mesma proporção (55%) dos motoristas refere que precisa de

um tratamento médico para levar sua vida diária. Quanto à faceta que indaga sobre se o

grupo teria energia suficiente para seu dia-a-dia, nota-se que 5% refere não ter, 25% muito

Em que medida você acha que sua dor (física) impede de fazer o que

precisa?

O quanto você precisa

de algum tratamento

médico para levar sua

vida diária?

Você tem energia

suficiente para seu dia-a-dia?

Quão bem você é

capaz de se locomover?

Quão satisfeito você está como seu

sono?

Quão satisfeito você está com sua

capacidade de

desempenhar as atividades do seu dia-a-

dia?

Quão satisfeito você está com a sua

capacidade para o

trabalho?

Nada 25%

Nada 20%

Nada 5%

Muito ruim 0%

Muito insatisfeito

10%

Muito insatisfeito

5%

Muito insatisfeito

0% Muito pouco

20% Muito pouco

25% Muito pouco

15% Ruim 5%

Insatisfeito35%

Insatisfeito 10%

Insatisfeito 5%

Mais ou menos 30%

Mais ou menos 35%

Médio 40%

Nem ruim nem bom

20%

Nem satisfeito

nem insatisfeito

10%

Nem satisfeito nem

insatisfeito 20%

Nem satisfeito

nem insatisfeito

15% Bastante

20% Bastante

20% Muito 25%

Bom 65%

Satisfeito 45%

Satisfeito 60%

Satisfeito 75%

Extremamente 5%

Extremamente 0%

Completamente15%

Muito bom 10%

Muito satisfeito

0%

Muito satisfeito

5%

Muito satisfeito

5%

pouco e 40% refere como média (nem pouca nem muita). Somando-se os extremos

inferiores, verifica-se que 30%, não tem energia suficiente para o seu dia-a-dia, ou seja, nos

pareceu que há um grupo de pessoas que apresenta sinais de cansaço e esgotamento.

Quanto à capacidade de locomoção, a maioria dos motoristas (75%) referiu-se como

boa e muito boa. Parece que este aspecto se encontra como conservado. A respeito da

satisfação com seu sono, 10% referiram-se muito insatisfeito, 35% insatisfeitos e 10% e

nem satisfeito nem insatisfeito. Nota-se que uma parte considerável do grupo não avalia seu

sono como satisfatório, pois, como foi visto na figura 4, 50% dos motoristas relatam não

dormir o suficiente.

Sobre a capacidade para desempenhar as atividades do seu dia-a-dia 65% dizem

estar satisfeitos ou muito satisfeitos. Quanto à capacidade para o trabalho o percentual é

maior - 80%. Um fato interessante que ocorreu durante a aplicação, principalmente àqueles

que os questionários eram lidos, foi a confusão entre essas duas questões, boa parte dos

pesquisados acharam que era a mesma pergunta. Tal fato nos leva a pensar que para o

grupo o dia-a-dia se resume em trabalho e vice-versa.

Neste domínio, pode-se verificar que o grupo em algumas facetas apresenta

resultados preocupantes como dor e desconforto, necessidade de tratamento médico pra

levar uma vida diária. Por outro lado, quanto à locomoção, à capacidade para atividades do

dia-a-dia e para o trabalho, apresentaram melhores resultados.

Tabela 3: Domínio Psicológico

O quanto você

aproveita sua vida?

Em que medida você acha que sua

vida tem sentido?

O quanto você

consegue se concentrar

Você é capaz de aceitar sua

aparência física?

Quão satisfeito você está consigo mesmo?

Com que freqüência você tem

sentimentos negativos tais

como mau humor,

desespero, ansiedade, depressão?

Nada 20%

Nada 5%

Nada 10%

Nada 5%

Muito insatisfeito

0%

Nunca 5%

Muito pouco 30%

Muito pouco 10%

Muito pouco 5%

Muito pouco 0%

Insatisfeito 5%

Algumas vezes 65%

Mais ou menos 40%

Mais ou menos 15%

Mais ou menos 35%

Médio 25%

Nem satisfeito

nem insatisfeito

25%

Freqüentemente 15%

Bastante 5%

Bastante 55%

Bastante 50%

Muito 30%

Satisfeito 50%

Muito freqüentemente

15%

Extremamente 5%

Extremamente 15%

Extremamente0%

Completamente35%

Muito satisfeito

20%

Sempre 0%

Pode-se verificar na tabela 3 que 90% dos motoristas referem-se não aproveitar sua

vida de forma satisfatória. 10% referiu-se não aproveitar nada, 30% muito pouco e 40%

mais ou menos. Nessa pergunta, os comentários eram muito semelhantes, pois referiam que

o excesso de trabalho e o cansaço advindo dele não permitiam aproveitar sua vida como

deveria. A respeito da questão que indagava sobre em que medida a vida tinha sentido, 5%

responderam que não tinha sentido (nada), 10% que tinha muito pouco e 15% mais ou

menos. Quanto à capacidade de concentração, 50% referiu se concentrar de forma pouco

produtiva – 10% respondem não conseguir se concentrar, 5% muito pouco e 35% mais ou

menos

Quanto à capacidade de aceitar sua aparência física, 65% responderam aceitar muito

e completamente. Nota-se também um percentual semelhante quanto à satisfação consigo

mesmo. 70% responderam estar satisfeito ou muito satisfeito consigo mesmo. A respeito da

freqüência dos sentimentos negativos como mau humor, desespero, ansiedade, depressão,

30% referiram-se sentir freqüentemente e muito freqüentemente e 70% nunca ou algumas

vezes.

Neste domínio, verifica-se que o grupo apresenta bons resultados no que se refere a

aceitação de sua aparência física e de se sentirem satisfeitos consigo mesmo. Mostra

também bons resultados quanto à freqüência de sentimentos negativos. O pior resultado se

refere ao quanto se aproveita a vida. Embora, o grupo apresente bons resultados, com

exceção da faceta aproveitamento da vida, vale ressaltar que um número considerável não

se mostra tão bem assim. Cerca de 1/3 se dizem insatisfeitos com sua aparência física, não

vêem ou vêem pouco sentido na vida e relatam sentirem os referidos sentimentos negativos

freqüentemente e muito freqüentemente.

Tabela 4: Domínio Relações sociais

Quão satisfeito (a) você está com suas relações sociais (amigos, parentes, conhecidos, colegas)?

Quão satisfeito (a)

você está com sua vida sexual?

Quão satisfeito (a)

você está com o apoio que recebe dos colegas?

Muito insatisfeito

0%

Muito insatisfeito

0%

Muito insatisfeito

5% Insatisfeito

5% Insatisfeito

15% Insatisfeito

0% Nem satisfeito

nem insatisfeito

15%

Nem satisfeito nem

insatisfeito 20%

Nem satisfeito nem

insatisfeito 15%

Satisfeito 55%

Satisfeito 50%

Satisfeito 75%

Muito satisfeito25%

Muito satisfeito

15%

Muito satisfeito

5%

Verifica-se, como mostra a tabela 4, que 80% dos motoristas consideram-se

satisfeitos ou muito satisfeitos em suas relações sociais. O mesmo percentual atribui ao

apoio que recebe dos colegas (80%).

Quanto a sua vida sexual, 65% consideram-se satisfeitos ou muito satisfeitos.

Apenas 15% encontram-se insatisfeitos com sua vida sexual.

Neste domínio, o grupo mostrou os melhores resultados se comparados com os

outros. Nota-se que a maioria dos motoristas se encontra satisfeita com a relação que

mantém com a família, os amigos e os colegas e avalia da mesma forma o apoio que recebe

deles. A satisfação com a vida sexual mostrou-se mais prejudicada em relação às demais.

Tabela 5: Domínio Meio-Ambiente

Quão seguro (a) você se sente na sua

vida diária?

Quão saudável é

o seu ambiente

físico (clima,

barulho, poluição,

atrativos)?

Você tem dinheiro

suficiente para satisfazer suas necessidades?

Quão disponível para você estão as

informações que precisa

no seu dia-a-dia?

Em que medida

tem oportunid

ade de lazer?

Quão satisfeito (a) você

está com o lugar onde

mora?

Quão satisfeito (a) você

está com o seu acesso

aos serviços

de saúde?

Quão satisfeito (a) você está com

seu meio de transporte?

Nada 10%

Nada 20%

Nada 5%

Nada 5%

Nada 25%

Muito insatisfeito

0%

Muito insatisfeito

10%

Muito insatisfeito

0%

Muito pouco 35%

Muito pouco 35%

Muito pouco 35%

Muito pouco 25%

Muito pouco 45%

Insatisfeito 15%

Insatisfeito5%

Insatisfeito 5%

Mais ou menos 20%

Mais ou menos 30%

Médio 60%

Médio 45%

Médio 25%

Nem satisfeito

nem insatisfeito

10%

Nem satisfeito

nem insatisfeito

25%

Nem satisfeito

nem insatisfeito

5% Bastante

30% Bastante

15% Muito

0% Muito 15%

Muito 5%

Satisfeito 45%

Satisfeito 55%

Satisfeito 85%

Extremamente 5%

Extremamente 0%

Completamente 0%

Completamente

5%

Completamente

0%

Muito satisfeito

30%

Muito satisfeito

5%

Muito satisfeito

0%

Como mostra esta tabela, apenas 35% se sentem seguros em sua vida diária, 65%

não se sentem seguros ou crêem estar pouco seguros. 85% avaliam seu ambiente como

pouco saudável e 40% dizem não ter dinheiro suficiente para suas necessidades. Sobre a

disponibilidade das informações de que precisa no seu dia-a-dia, 75% refere-se que elas

estão pouco disponíveis. Quanto a oportunidade de lazer 70% referem-se que não tem ou

que tem muito pouco. Nota-se que os motoristas estão satisfeitos com o lugar onde moram.

45% disseram estar satisfeitos e 30% muito satisfeito. Quanto ao acesso aos serviços de

saúde, 60% refere-se satisfeitos ou muito satisfeitos e 85% se dizem satisfeitos com seu

meio de transporte.

Neste domínio, os piores resultados ficam por conta do sentimento de insegurança,

do ambiente avaliado como pouco saudável, da insuficiência de dinheiro para as

necessidades e a indisponibilidade das informações que precisam pro seu dia-a-dia. Por

outro lado, apresentam bons resultados (mostram-se satisfeitos) no que se refere ao local

onde moram, ao acesso que tem aos serviços de saúde e ao seu meio de transporte. A

satisfação com o acesso aos serviços de saúde e com seu meio de transporte, pode estar

relacionada com o fato de que os motoristas dispõem de plano de saúde e não dependem

dos serviços de saúde pública. Embora eles relatem isso como um ganho, alguns reclamam

que o mesmo não atende de forma satisfatória às suas necessidades. Quanto ao transporte a

empresa dispõe no final do expediente, para os motoristas da cidade, um veículo para levá-

los até sua residência.

Considerações finais

No presente trabalho foi possível descrever as características sócio-demográficas e

avaliar a qualidade de vida, de acordo com o WHOQOL-bref, entre motoristas de coletivos

urbanos de São Bernardo do Campo.

Pensávamos, em principio, que o trabalho seria desenvolvido dentro das

dependências da empresa, porém isso não foi possível, o que tornou o trabalho mais

dificultoso. Não houve nenhuma resposta por parte da empresa o que nos leva a pensar em

resistência para a liberação da coleta de dados.

Pode-se verificar que se trata de um grupo de homens, com uma média de idade de

43,9 anos, vindos uma parte da região nordeste e outra da região sudeste e outros nascidos

aqui no estado. São todos casados e tem em média 2,2 filhos. Sua escolaridade é, para a

maioria, o I grau incompleto e tem tempo de serviço na função superior a 10 anos. A

religião predominante do grupo é a católica. Quanto às horas de sono pôde-se verificar que

não dormem o suficiente. Quanto aos problemas de saúde, pressão alta, diabetes, dor de

estômago, freqüentes dores de cabeça e problemas de coluna foram os mais citados.

Quanto aos indicadores de qualidade de vida referidos pelo WHOQOL-bref, o

domínio relações sociais, comparando com outros domínios, mostrou os melhores

resultados. Quanto ao domínio físico, os itens dor, necessidade de tratamento médico para

levar uma vida diária, mostrou resultados preocupantes. Por outro lado, os itens que

avaliam locomoção, capacidade para as atividades do dia-a-dia e para o trabalho

apresentaram melhores resultados.

A respeito do domínio psicológico o pior resultado se encontra no item o quanto se

aproveita a vida. Quanto à satisfação consigo mesmo, achar que sua vida tem sentido e a

freqüência de sentimentos negativos, os resultados da maioria também se mostram

satisfatórios, porém há um número considerável que não se encontra neste quadro. Os

piores resultados do domínio meio ambiente ficaram por conta dos itens segurança,

ambiente pouco saudável, insuficiência de dinheiro e pouca disponibilidade das

informações de que precisa no seu dia-a-dia. Convém lembrar que a questão de segurança,

ou melhor, da insegurança, da preocupação com assaltos foi relatada livremente pelos

entrevistados e isso deve estar afetando os resultados nestes quesitos.

Em contra partida, os itens local onde mora, acesso aos serviços de saúde e meio de

transporte foram avaliados como satisfatórios. Embora não satisfeitos com a assistência na

área da saúde, durante a entrevista relataram ter planos de saúde promovidos pela empresa

e facilidades quanto ao transporte que para eles é gratuito, fatores que devem estar afetando

seus resultados também.

Em pesquisa recente, Silva e Custódio (2007) constataram correlações altas entre o

WHOQOL-bref e bem estar subjetivo. Nossos motoristas revelaram, nas entrevistas, vários

descontentamentos por conta do desgaste em relação à função executada. Entretanto

apresentaram uma qualidade de vida relativamente adequada. Duas hipóteses podem ser

lançadas: ou a função é desgastante, mas para continuar trabalhando é necessário negar essa

condição e confirmar um bem estar subjetivo, uma qualidade de vida. Ou a função é

desgastante, podem falar sobre isso, mas no momento em que têm que registrar a qualidade

de vida num formulário aparentemente complexo, para o qual estão requerendo uma

declaração de consentimento livre e esclarecido com assinatura do entrevistado, os

motoristas podem ter se sentido ameaçados. Muitos perguntaram se haveria um

encaminhamento para a empresa e estavam preocupados com a possibilidade de algum

fiscal estar ouvindo a entrevista.

Esse clima persecutório observado durante a coleta dos dados pode estar

relacionado com uma cultura organizacional onde o aspecto humano não é valorizado, mas

pelo contrário, ganha ares de exploração. Tem-se a impressão de que não há uma

construção coletiva de regras nem espaços onde os trabalhadores possa falar sobre seus

anseios, necessidades e angústias. Parece que eles vivem num clima constante de violência

que se traduz pelos seguintes: são explorados pelos patrões, que os fazem trabalhar em

excesso e muitas vezes sem as mínimas condições; enfrentam uma clientela sempre

insatisfeita; o trânsito é percebido com cada dia mais caótico atrasando-os no cumprimento

das metas; por ultimo, mas não menos importante a violência concreta nos assaltos sofridos

durante o trabalho.

Logo, estes resultados impõem a necessidade de dar continuidade aos estudos com

pesquisas qualitativas e quantitativas, amostras ampliadas, com o objetivo de aprofundar o

tema ora estudado bem como outros temas que possam permitir conhecimento abrangente

sobre as características psicossociais de motoristas de coletivos urbanos.

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