Resumos
Apresentado à:
Welington Pereira
Professor de Direito do Trabalho I
Elaborado por:
Michelle Coura
Curso: Direito
Belo Horizonte, 21 de novembro de 2012
Capítulo XXI
Remuneração e Salário
A onerosidade consiste em um dos elementos fático-jurídicos componentes
da relação empregatícia, que é o recebimento de um conjunto de parcelas
econômicas retributivas da prestação de serviços pelo empregado, com o intuito
contraprestativo (intenção de receber retribuição econômica em virtude da relação
laboral).
Remuneração e salário constituem como o conjunto de parcelas
contraprestativas recebidas pelo empregado (relação de emprego), denunciadoras
do caráter oneroso do contrato de trabalho pactuado.
Salário é o conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao
empregado em função do contrato de trabalho. Segundo, José Martins Catharino,
trata-se de um complexo de parcelas e não uma única verba. Pois, no período de
interrupção, o salário continua devido e pago devido à função do contrato.
Há três sentidos diferenciados quanto à remuneração, de acordo com a
cultura justrabalhistas pátria:
1 ª) Conceito remuneração e salário, como expressões sinônimas. A lei, a
jurisprudências e a doutrina referem-se ao caráter remuneratório, enfatizando a
natureza salarial de determinadas figuras trabalhistas.
2 ª) Remuneração seria o gênero de parcelas contraprestativas devidas e
pagas ao empregado em função da prestação de serviços ou da existência da
relação de emprego. Salário seria a parcela contraprestativa principal paga a esse
empregado no contexto do contrato. Ou seja, a remuneração seria o gênero; salário,
a espécie mais importante das parcelas contraprestativas empregatícias.
3 ª) Fundada nos arts. 76 e 457, caput, da CLT:
Salário: conjunto de parcelas contraprestativas devidas e pagas diretamente
pelo empregador ao empregado, em virtude da relação de emprego.
Remuneração: “Compreende-se na remuneração do empregado, para todos
os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como
contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.”
O jurista Amauri Mascaro Nascimento: o “legislador quis que as gorjetas
compusessem o âmbito salarial. Como as gorjetas não são pagamento direto
efetuado pelo empregador ao empregado, a solução encontrada foi introduzir na lei
a palavra remuneração”. Assim, as gorjetas ingressam para diversos fins legais,
repercutindo nas demais parcelas contratuais cabíveis (FGTS, Aviso prévio, por
exemplo).
O salário mínimo é definido: “Salário mínimo é a contraprestação mínima
devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador” (art. 76, da CLT). O
empregado não pode tomar em conta os valores médios recebidos pelo obreiro a
título de gorjetas, neste caso, o montante do salário mínimo legal sempre deverá ser
diretamente pago pelo próprio empregador.
Podemos dizer, o salário é a parcela contraprestativa paga diretamente pelo
empregador, enquanto, a remuneração é paga por terceiros. A Súmula 354 do TST,
aprovada em maio de 1997: “As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de
serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do
empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio,
adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado”.
As gorjetas compõem sim, o salário de contribuição do empregado para fins
de repercussões previdenciárias e FGTS (Lei n°4.090Q, inclusive, constar na sua
CTPS a estimativa razoável ao longo da prestação laboral (art.29, §1°, CLT).
Classifica-se como salário, a parcela central devida ao trabalhador no texto da
relação de emprego.
Denominações impróprias: institutos e figuras jurídicas não só estranho ao
ramo justrabalhistas como aos próprios interesses mais imediatos do próprio
trabalhador. No Direito Previdenciário encontram-se inúmeras dessas denominações
como:
Salário-Contribuição: parâmetro remuneratório da pessoa filiada à
Previdência Social sobre a alíquota de recolhimento previdenciário.
Salário de benefício: parâmetro de prestação previdenciária paga ao
segurado pela Previdência Social.
Salário Família: parcelas monetárias devidas pela Previdência Social ao
empregado de baixa renda, em função dos seus dependentes (pessoas
inválidas ou menores de 14 anos).
Salário Maternidade: renda mensal igual à remuneração integral da obreira
gestante paga pelo empregador pelo período de afastamento previdenciário
para o parto e aleitamento materno, adoção ou guarda judicial – 120 dias.
Salário Social: conjunto de prestações genericamente pagas ao trabalhador
em virtude de sua existência como sujeito da relação de emprego (ex: seguro-
desemprego).
Denominações próprias: à construção de denominações efetivamente
referenciadas à figura do salário (a contraprestação devida e paga diretamente pelo
empregador ao empregado em função da relação empregatícia).
Salário mínimo legal: parâmetro salarial mais baixo que se pode pagar a um
empregado no mercado de trabalho do país.
Salário profissional: parâmetro salarial mais baixo que se pode pagar a um
empregado no contexto de determinadas profissões.
Salário-normativo: parâmetro salarial mais baixo que se pode pagar a um
empregado no contexto de determinadas categorias profissionais.
Salário básico: contraprestação salarial fixa principal paga pelo empregador
ao empregado, despojada das demais parcelas salariais que a ela se somam
(adicionais, gratificações, etc).
Salário isonômico: contraprestações salariais devidas em função de
identidade ou equivalência no exercício de funções e serviços na relação
empregatícia.
Salário equitativo: equivalência de remuneração entre trabalhador temporário
e empregado da mesma categoria da empresa tomadora de serviços
temporários.
Salário Substituição: salário contratual que se considera devido ao
empregado que realize substituição que não tenha caráter meramente
eventual – empregado substituído.
Salário supletivo: salário fixado judicialmente a determinado empregado em
situações de falta de estipulação de salário ou falta de prova sobre a
importância ajustada.
Salário judicial: salário fixado no contexto de um processo.
Salário complessivo: cumulação em um mesmo montante de distintas
parcelas salariais.
Salário condição: o conjunto de parcelas salariais pagas ao empregado em
virtude do exercício contratual em circunstâncias específicas, cuja
permanência seja incerta ao longo do contrato.
Salário adicional: refere-se a adicionais.
Salário prêmio: refere-se ao prêmio assiduidade, etc.
A doutrina e a jurisprudência trabalhistas têm identificado diversas
modalidades específicas de salários ou de parcelas salariais, guardando a
mesma natureza e assumem certas especialidades merecedoras de designativo
especial no plano técnico-jurídico.
O salário (parcela salarial paga ao obreiro) é composto também de outras
parcelas pagas diretamente pelo empregador, dotadas de estrutura e dinâmica
diversas do salário básico, mas harmônicas a ele no tocante da natureza jurídica.
São exemplos desse complexo salarial, segundo José Martins Catharino: salário
básico, comissões, percentagens, gratificações habituais, abonos, 13° salário,
adicionais e prêmios.
As parcelas salariais podem ser classificadas em:
Tipificadas: prevista em regra legal. Ex.: salário básico, abonos,
percentagens, adicionais, gratificações habituais, 13° salário e comissões.
Não tipificadas: instituídas pela criatividade privada, porém se submetem às
regras justrabalhistas cabíveis. Ex.: prêmios e bônus.
Dissimuladas: Embora não haja previsão para cumprimento de função
salarial, fazem-no, de modo disfarçado, na prática contratual trabalhistas. Ex.:
diárias para viagem e ajudas de custo. São verbas indenizatórias que ressarci de
despesas feitas ou a se fazer em função do cumprimento do contrato (art. 457 da
CLT).
As parcelas não salariais, ou seja, sem caráter salarial, embora entregues
pelo empregador a seu empregado, não o são com a qualidade e objetivo
contraprestativos, sendo transferidas efetivamente com distintas natureza e
finalidade jurídicas. Podem ser classificadas segundo distintos critérios:
Natureza indenizatória: há indenizações por despesas reais, já feitas ou a se
fazer decorrente ao cumprimento do contrato. São exemplos: diárias para
viagem, ajudas de custo e vale-transporte.
Natureza meramente instrumental: são as utilidades (bens e serviços)
ofertadas pelo empregador ao obreiro como mecanismo viabilizador da própria
realização do contrato ou do aperfeiçoamento no processo de consecução do
trabalho. Ex.: uniformes, EPIs, outros acessórios transporte para o trabalho e
respectivo retorno, seguro de vida e acidentes pessoais, previdência privada.
Parcelas pagas a título de direito intelectual: são pagas pelo empregador ao
empregado, em decorrência de um direito específico adquirido pelo trabalhador
ao longo do contrato. Ex.: direitos de propriedade industrial e intelectuais
relativos à criação de software.
Parcela de participação nos lucros empresariais: parcela periódica paga pelo
empregador sem ou com qualquer relação com os resultados alcançados pela
empresa. É a figura salarial das gratificações habituais, integrando o salário para
todos os fins.
Parcelas previdenciárias: oriundas da Previdência Social e pagas ao
empregado através do empregado ou da própria Previdência Oficial à segurada.
Ex.: salário-família e salário-maternidade. Parcelas de seguridade social
(PIS/PASEP – uma prestação anual pecuniária no importe de um salário mínimo,
devida a trabalhadores inscritos no programa que recebam até 2 salários
mínimos de remuneração mensal e seguro-desemprego): pagas pelo Estado
diretamente ao trabalhador, mas que podem ter repercussões na esfera de
responsabilidade trabalhista do empregador.
Parcelas pagas ao empregado por terceiros: aproximam-se sumamente do
salário, em virtude de serem parcelas habituais e contraprestativas, em função
do serviço prestado. Ex.: gorjetas consideradas remuneratória (Súmula 354,
TST); honorários de sucumbência do advogado empregado (art. 21, Lei
n.8.906/94) e retribuição por publicidade (contratos de artistas e atletas
profissionais).
As parcelas não salariais devidas e pagas pelo empregador abrangem cinco
tipos de figuras:
a) as parcelas pagas como indenização de despesas. São exemplos de tais
parcelas a ajuda de custo e as diárias para viagem, quando regularmente
concedidas. A seu lado, pode-se incluir, ainda, o vale-transporte;
b) as parcelas pagas como indenização a outros títulos jurídicos: indenização
de aviso prévio não laborado e férias não gozadas; indenização por tempo de
serviço do velho sistema celetista; FGTS; indenização especial do art. 9º da Lei
n. 7.238/84; indenizações convencionais ou normativas por dispensa
injustificada; indenização por não cadastramento no PIS e não recebimento do
“abono anual”; indenização pela frustração do seguro-desemprego; indenização
por danos morais, materiais ou danos acidentários, etc.;
c) parcelas pagas como instrumento in natura, para viabilização ou
aperfeiçoamento da prestação de trabalho: vestuários (uniformes, etc.),
equipamentos (acessórios, EPI’s, etc.) e outras utilidades fornecidas com o
intuito precípuo de viabilizar a Consecução do trabalho contratado ou de
aperfeiçoar a sua realização. Também utilidades cuja norma jurídica regente
exclua sua natureza salarial (art. 458, § 2º, da CLT, conforme Lei n.10.243/2001);
d) parcelas pagas a título de direitos intelectuais, como os direitos da
propriedade industrial, os direitos do autor e os direitos de criação de programas
de computação;
e) parcelas pagas a título de participação nos lucros.
As características centrais do salário são:
1) Caráter alimentar: atende a um universo de necessidades pessoais
e essenciais do indivíduo e de sua família.
2) Caráter “forfetário”: obrigação absoluta do empregador,
independente da sorte de seu empreendimento.
3) Indisponibilidade: circunstância de a verba salarial não pode ser
objeto de renúncia ou de transação lesiva no desenrolar da relação
empregatícia.
4) Irredutibilidade: o salário não pode ser objeto de supressão
(indisponibilidade), ser reduzido por ato unilateral ou bilateral na
dinâmica empregatícia.
5) Periodicidade: marca essencial do salário, na qualidade de
obrigação de trato sucessivo que a verba consubstancia.
6) Persistência ou continuidade: uma prestação de trato sucessivo,
que se repõe, reiteradamente, ao longo do contrato.
7) Natureza composta: o salário não compõe-se apenas de um salário,
mas de diversas outras frações econômicas no conteúdo salarial.
8) Tendência à determinação heterônoma: o salário fixa-se mediante o
exercício da vontade unilateral ou bilateral das partes contratantes ,
mas sob o concurso interventivo de vontade externa, manifestada
por regra jurídica.
9) Pós-numeração: as ordens justrabalhistas acolhem o critério de
pagamento de verbas salariais após o cumprimento da prestação
de trabalho pelo empregado. Os salários são parcelas devidas e
pagas depois de ultrapassada a dilatação temporal correspondente
a seu cômputo.
A contraprestação salarial pode ser classificada em quatro tipologias:
a) classificação quanto ao posicionamento original da parcela no conjunto do
Direito (quanto à natureza da estipulação salarial);
b) classificação quanto à origem de fixação da parcela remuneratória;
c) classificação quanto à forma de pagamento da parcela;
d) classificação quanto ao modo de aferição do salário.
Os tipos dos salários classificam em:
a) Salário por unidade de tempo: o salário por unidade de tempo é computado
adotando a duração do serviço prestado.
b) Salário por unidade de obra: o salário por unidade de obra é computado
adotando a produção alcançada pelo empregado.
c) Salário-Tarefa: o salário-tarefa é aquele que se afere através de fórmula
combinatória do critério da unidade de obra com a unidade de tempo.
O Direito do Trabalho autoriza o pagamento do salário em pecúnia (dinheiro,
moeda nacional) ou em bens ou serviços, designados sob o epíteto genérico de
utilidades (art. 458, caput, CLT), o salário-utilidade ou in natura. São requisitos do
salário-utilidade: a habitualidade ou não do fornecimento do bem ou serviço e à
causa e objetivos contraprestativos desse fornecimento. A caracterização salarial
de uma utilidade fornecida enseja a produção de certos efeitos contratuais, esses
efeitos serão aqueles próprios às parcelas salariais, isto é, sua necessária
repercussão sobre outras verbas contratuais trabalhistas. Vale lembrar, que a
ordem jurídica procura fixar critérios objetivos para cálculo do valor das utilidades
salarialmente fornecidas. A Lei de Trabalho Rural indica certas especificidades
ao salário-utilidade do rurícola, em contraponto às regras celetistas básicas,
como diferenciação no rol taxativo para fornecimento salarial de utilidades na
relação de emprego; o valor de integração ao salário das duas utilidades pode
ser calculado sobre o salário-mínimo e determinar que as deduções em
decorrência da oferta da utilidade salarial “... deverão ser previamente
autorizadas, sem o que serão nulas de pleno direito”.
Na composição do salário existe distintas modalidades de salários (parcelas
salariais). O salário básico ou base constitui a parcela mais relevante entre todas as
salariais existentes no âmbito da relação de emprego (a contraprestação salarial fixa
principal paga pelo empregador ao empregado).
As parcelas salariais distintas do salário básico, mais conhecidas no Direito
Brasileiro são: abono; adicionais; gratificações; 13º salário; comissões e as parcelas
salariais atípicas: prêmios.
Finalmente, há as parcelas salariais dissimuladas, que cumprem efetivo papel
de contraprestação salarial, embora sob disfarce formalístico.
Os abonos consistem em antecipações pecuniárias (adiantamentos salariais)
efetuadas pelo empregador ao empregado. A palavra abono tem sido utilizada pelo
legislador com sentidos equívocos, isto é, acepções absolutamente diversas entre si
e da clássica acima exposta. O chamado abono de férias ou abono pecuniário
(expressões do art. 143, CLT), consistente na parcela pecuniária sem caráter salarial
(art. 144, CLT), derivada da conversão em pecúnia, a requerimento do empregado,
de 1/3 do lapso temporal de suas férias anuais.
Retomado o conceito próprio do abono, como antecipação salarial efetuada
pelo empregador ao empregado, torna-se inquestionável sua natureza jurídica, como
salário (art. 457, § 1º). A jurisprudência firmou-se no sentido de conferir à parcela
todos os efeitos próprios ao salário básico, o que significa que prevalece no Direito
Brasileiro o entendimento de que o abono, depois de concedido, não pode ser
retirado do contrato pelo empregador.
Os adicionais consistem em parcelas contraprestativas suplementares
devidas ao empregado em virtude do exercício do trabalho em circunstâncias
tipificadas mais gravosas (terão sempre caráter suplementar) com respeito à parcela
salarial principal recebida pelo empregado, jamais assumindo (ao contrário das
comissões, por exemplo) posição central na remuneração obreira. De maneira geral,
correspondem a uma expressão pecuniária (o que ocorre com todos os adicionais
legais), embora não seja incompatível com a figura a criação estritamente
convencional de uma parcela dessa natureza paga em utilidades (adicional de
fronteira, por exemplo, pago através de uma utilidade funcional).
Os adicionais, em regra, são calculados percentualmente sobre um parâmetro
salarial.
As gratificações consistem em parcelas contraprestativas pagas pelo
empregador ao empregado em decorrência de um evento ou circunstância tida como
relevante pelo empregador (gratificações convencionais) ou por norma jurídica
(gratificações normativas). São exemplos as gratificações de festas, de aniversário
da empresa, de fim de ano (a propósito, esta deu origem à gratificação legal do 13º
salário), gratificações semestrais, anuais ou congêneres, etc. Esse fato é escolhido
pela vontade instituidora da gratificação, que é, usualmente, a vontade unilateral do
empregador (contudo, a parcela pode, é claro, ser também criada por norma jurídica,
convencional ou legal).
O 13º salário consiste na parcela contraprestativa paga pelo empregador ao
empregado, em caráter de gratificação legal, no importe da remuneração devida em
dezembro de cada ano ou no último mês contratual, caso rompido antecipadamente
a dezembro o pacto.
As comissões consistem em parcelas contraprestativas pagas pelo
empregador ao empregado em decorrência de uma produção alcançada pelo obreiro
no contexto do contrato, calculando-se, variavelmente, em contrapartida a essa
produção. O empregado comissionista puro não sofre discriminação no tocante a
outras verbas salariais (repouso semanal remunerado e horas extras, por exemplo):
apenas possui fórmula de cálculo destas verbas compatível com a especificidade da
dinâmica da figura da comissão. São exemplos os vendedores, viajantes ou
pracistas.
Os prêmios consistem em parcelas contraprestativas pagas pelo empregador
ao empregado em decorrência de um evento ou circunstância tida como relevante
pelo empregador e vinculada à conduta individual do obreiro ou coletiva dos
trabalhadores da empresa.
Ao lado das figuras salariais acima examinadas, tipificadas e não tipificadas,
existem outras que se enquadram na natureza jurídica de salário, embora,
formalmente, assim não pareçam. Trata-se das parcelas salariais dissimuladas.
Um dos exemplos mais comuns de parcelas salariais dissimuladas é
fornecido pela própria CLT: trata se das ajudas de custo fraudulentas e diárias de
viagem fraudulentas (art. 457, §§ 1º e 2º). Essas duas parcelas trabalhistas têm, em
princípio, natureza indenizatória; portanto, não salarial. Cumprem, regra geral, a
função de ressarcir ou subsidiar reais despesas efetuadas pelo empregado visando
a execução do contrato de trabalho. Há situações contratuais, entretanto, em que as
diárias de viagem e ajudas de custo podem estar cumprindo efetivo papel de
retribuição salarial ao empregado — e não seu papel regular de verba indenizatória
de despesas.
Capítulo XXIII
Duração do Trabalho – Jornada
Jornada de trabalho é o lapso temporal diário em que o empregado se coloca
à disposição do empregador em virtude do contrato (o tempo de prestação de
trabalho ou disponibilidade perante o empregador). Portanto, ao mesmo tempo, a
medida da principal obrigação obreira (prestação de serviços) e a medida da
principal vantagem empresarial (apropriação dos serviços pactuados).
O tema da jornada ocupa, em conjunto com o tema referente ao salário,
posição de nítido destaque no desenvolver da história do Direito do Trabalho. Salário
e jornada sempre foram, de fato, os temas centrais e mais polarizantes brandidos
ao longo das lutas trabalhistas que conduziram à construção e desenvolvimento
desse ramo especializado do Direito.
Jornada e salário têm estreita relação com o montante de transferência de
força de trabalho que se opera no contexto da relação empregatícia. De acordo com
o jurista Délio Maranhão, seria salário o preço atribuído à força de trabalho alienada,
ao passo que a jornada despontaria como a medida dessa força que se aliena.
Em face das alterações constitucionais de 1988, a Constituição reduziu a
duração semanal padrão de trabalho para 44 horas (art. 7°, XIII), e fixou uma
jornada especial de seis horas para trabalhadores laborando em turnos ininterruptos
de revezamento (art. 7° XIV).
Modernamente, o tema da jornada ganhou importância ainda mais notável,
ao ser associado à análise e realização de uma consistente política de saúde no
trabalho. Os avanços dos estudos e pesquisas sobre a saúde e segurança laborais
têm ensinado que a extensão do contato do indivíduo com certas atividades ou
ambientes é elemento decisivo à configuração do potencial efeito insalubre de tais
ambientes ou atividades. Essas reflexões têm levado à noção de que a redução da
jornada e da duração semanal do trabalho em certas atividades ou ambientes
constitui medida profilática importante no contexto da moderna medicina laboral
(caráter de normas de saúde pública).
É importante enfatizar que o maior ou menor espaçamento da jornada (e
duração semanal e mensal do labor) atua, diretamente, na deterioração ou melhoria
das condições internas de trabalho na empresa, comprometendo ou aperfeiçoando
uma estratégia de redução dos riscos e malefícios inerentes ao ambiente de
prestação de serviços.
A importância do tema da jornada mais se expande, hoje, em virtude de outra
associação sugestiva que se faz a ele: o problema do emprego e seu contraponto, o
desemprego.
Três expressões de conceitos sobre a importância na análise do
fenômeno do tempo de trabalho (tempo de disponibilidade contratual):
1) Duração do trabalho – é a noção mais ampla entre as três correlatas.
Abrange o lapso temporal de labor ou disponibilidade do empregado
perante seu empregador em virtude do contrato, considerados distintos
parâmetros: dia (duração diária, ou jornada), semana (duração semanal),
mês (duração mensal), e até mesmo o ano (duração anual).
2) Jornada de trabalho – é o lapso temporal diário em que o obreiro tem de
se colocar à disposição do empregador em virtude do contrato laboral.
Deve incluir-se, também, não só o tempo trabalhado e à disposição, mas
também o tempo tido como contratual e estritamente por imposição legal
(caso dos intervalos remunerados) — embora neste último lapso o
empregado não labore nem sequer fique à disposição empresarial.
3) Horário de trabalho – é o lapso temporal entre o início e o fim de certa
jornada laborativa. Tem-se utilizado a expressão para abranger também
o parâmetro semanal de trabalho (horário semanal). Os três tipos de
jornada de trabalho:
- laborativa: jornadas controladas (com horário de trabalho definido,
sujeito a controle pelo empregador: art. 74, §§ 2° e 3°, CLT);
- jornadas não controladas (sem efetivo controle do horário de trabalho
pelo empregador: art. 62, I e II, CLT);
- jornadas não tipificadas (caso específico do empregado doméstico, que
não tem jornada padrão fixada por norma jurídica estatal: art. 7°, a, CLT;
Lei n. 5.859/72; art. 7°, parágrafo único, CF/88).
São três os critérios principais de cálculo da extensão da jornada de
trabalho:
- Tempo efetivamente laborado: Em suma, exclui-se do cálculo da
jornada todo e qualquer lapso temporal que não consista em direta
transferência da força de trabalho em benefício do empregador.
- Tempo à disposição no centro de trabalho: Agrega-se ao tempo
efetivamente trabalhado também aquele tido como à disposição do
empregador.
- Tempo de deslocamento residência-trabalho-residência: não há
efetiva prestação de serviços (“horas deslocamento”). Considera-se integrante
da jornada laborativa o período que o obreiro despenda no deslocamento ida-
e-volta para local de trabalho considerado de difícil acesso ou não servido por
transporte regular público, desde que transportado por condução fornecida
pelo empregador (art. 58, § 2°, CLT).
Os critérios especiais de cômputo da jornada de certas categorias
profissionais brasileiras (ex.categoria dos ferroviários –art. 244, CLT) são
dois:
- o do tempo de prontidão: compreende-se o período tido como
integrante do contrato e do tempo de serviço obreiro em que o ferroviário fica
nas dependências da empresa ou via férrea respectiva.
- o do tempo de sobreaviso: compreende-se o período tido como
integrante do contrato e do tempo de serviço obreiro em que o ferroviário
“permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o
chamado para o serviço” (art. 244, § 2°, CLT). O avanço tecnológico tem
propiciado situações novas que suscitam debate acerca da possibilidade de
incidência analógica da figura especial do tempo sobreaviso. É o que se
passa com a utilização, pelo empregado, fora do horário de trabalho, de
aparelhos de comunicação, como BIPs, pagers ou telefones celulares —
instrumentos que viabilizariam seu contato imediato com o empregador e
conseqüente imediato retorno ao trabalho.
Em relação ao Tempo Residual à Disposição, a jurisprudência
elaborou concepção relativa a pequenos períodos residuais de disponibilidade
do empregado em face de seu empregador, nos momentos anteriores e
posteriores à efetiva prestação de serviços, em que o trabalhador aguarda a
marcação do ponto, já ingressando na planta empresarial. Isso significa que
as pequenas variações, até cinco minutos, totalizando dez ao dia, não serão
consideradas para qualquer fim.
A jornada de trabalho compõe-se de um tronco básico e de alguns
componentes suplementares. O tronco básico é elemento natural do contrato
de trabalho, os componentes suplementares são elementos acidentais desse
contrato, que existem apenas em decorrência de a prestação de serviços
concretizar-se sob determinadas circunstâncias ou normas especiais.
A) Tronco Básico — o lapso temporal situado nos limites do horário de
trabalho pactuado entre as partes.
B) Componentes Suplementares — todos os demais períodos
trabalhados ou apenas à disposição plena ou mesmo parcial do empregador
reconhecidos pelos critérios de composição de jornada que caracterizam o
Direito do Trabalho do país e que não se situam dentro das fronteiras do
horário de trabalho primitivo obreiro. Além de tais componentes, há que se
citar, também, os chamados intervalos remunerados (horas extras, horas à
disposição, horas itinerantes, etc).
As normas jurídicas estatais que regem a estrutura e dinâmica da
jornada e duração do trabalho são, de maneira geral, no Direito brasileiro,
normas imperativas. O caráter de obrigatoriedade que tanto qualifica e
distingue o Direito do Trabalho afirma-se, portanto, enfaticamente, neste
campo juslaboral. Em conseqüência dessa afirmação, todos os princípios e
regras associados ou decorrentes de tal imperatividade incidem,
soberanamente, nesta seara. Por essa razão, a renúncia, pelo trabalhador, no
âmbito da relação de emprego, a alguma vantagem ou situação resultante de
normas respeitantes à jornada é absolutamente inválida.
O debate acerca das possibilidades e limites da transação e
flexibilização no tocante à jornada e duração do trabalho deve passar pela
análise dos critérios gerais informadores desse tema no conjunto do ramo
justrabalhista.
A) Critérios Gerais Informativos — Essa análise sobre as
possibilidades e limites jurídicos da transação e flexibilização no que concerne
à duração do trabalho.
B) Flexibilização e Compensação de Jornada — O regime em exame
traduz mecanismo flexibilizatório importante ressalvado pela Constituição no
conjunto de suas regras imperativas concernentes à duração do trabalho.
Permanecem, contudo, ainda hoje, na doutrina e jurisprudência significativas
divergências acerca do tratamento que a ordem constitucional teria fixado
como pertinente ao regime de compensação de jornada.
O banco de horas criado pela Lei n. 9.601/98 somente será válido,
como visto, caso se pactue por convenção ou acordo coletivo do trabalho (ou
contrato coletivo de trabalho, se houver), observados os critérios
procedimentais de fixação de cada tipo de diploma normativo negociado. A
nova figura (no período de vigência do texto original da Lei n. 9.601/98,
naquilo que ela alterava o art. 59, § 2o, CLT) permitia estabelecer blocos
temporais de 120 dias para o regime compensatório, ao longo dos quais
deveriam ocorrer os excessos e as respectivas reduções de jornada
laborativa. Registrem-se que tais excessos não poderiam (como ainda não
podem) ultrapassar o montante de duas horas suplementares ao dia ou,
sendo a jornada inferior a 8 horas, o teto global de 10 horas diárias.
A presença ou não de controle e fiscalização pelo empregador é, desse
modo, um marco distintivo fundamental entre as jornadas laborativas obreiras.
Em conseqüência, o Direito do Trabalho diferencia entre jornadas controladas
e não controladas. As primeiras (jornadas controladas), em que a prestação
do trabalho é submetida a efetivo controle e fiscalização do empregador,
podem ensejar a prestação de horas extraordinárias, caso evidenciada a
extrapolação da fronteira temporal regular da jornada padrão incidente sobre
o caso concreto. A regra geral, no Direito brasileiro, é que são controladas as
jornadas laborativas do empregado. E isso é lógico, à medida que incide em
benefício do empregador um amplo conjunto de prerrogativas autorizadoras
de sua direção, fiscalização e controle sobre a prestação de serviços
contratada (art. 2°, caput, CLT). Nesse quadro, presume-se que tal poder de
direção, fiscalização e controle manifestar-se-à, cotidianamente, ao longo da
prestação laboral, quer no tocante à sua qualidade, quer no tocante à sua
intensidade, quer no tocante à sua freqüência.
As segundas (jornadas não controladas), em que a prestação do
trabalho não é submetida a real controle e fiscalização pelo empregador, não
ensejam o cálculo de horas extraordinárias, dado que não se pode aferir
sequer a efetiva duração do trabalho no caso concreto. O critério é
estritamente prático: trabalho não fiscalizado nem minimamente controlado é
insuscetível de propiciar a aferição da real jornada laborada pelo obreiro —
por essa razão é insuscetível de propiciar a aferição da prestação (ou não) de
horas extraordinárias pelo trabalhador. Nesse quadro, as jornadas não
controladas não ensejam cálculo de horas extraordinárias, dado que não se
pode aferir sequer a efetiva prestação da jornada padrão incidente sobre o
caso concreto.
A ordem jurídica brasileira exclui, ainda, da regência normativa geral
concernente à duração do trabalho uma única categoria específica de
empregados: os domésticos. Tais trabalhadores, estejam ou não submetidos
a fiscalização e controle de horário, não recebem a incidência de normas
jurídicas relativas à duração do trabalho (por exemplo, jornada, intervalos
intrajornadas, intervalos interjornadas). Sua jornada não é, pois, legalmente
tipificada.
O Direito brasileiro prevê a existência de uma jornada padrão de
trabalho, com a respectiva duração padrão semanal de labor, que se aplicam,
como regra, ao conjunto do mercado laboral. A seu lado, porém, há módulos
especiais de jornadas e de duração semanal de trabalho, que se aplicam a
certas categorias específicas (bancários, por exemplo) ou a trabalhadores
submetidos a sistemática especial de atividade ou organização do trabalho
(trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, por exemplo). A jornada
padrão de trabalho é, hoje, de 8 horas ao dia, com a conseqüente duração
semanal de trabalho de 44 horas (art. 7O, XIII, CF/88).
A duração mensal padrão de labor, hoje, é de 220 horas (em
contraponto há 240 horas antes da Carta de 1988). Nesse montante já se
encontra incluída a fração temporal equivalente ao repouso semanal
remunerado (Lei n. 605, de 1949). Ao lado da duração padrão de trabalho (8
horas ao dia, 44 horas na semana, 220 horas no mês), aplicável ao conjunto
do mercado laborativo do país, há módulos temporais de caráter especial,
regidos por parâmetros distintos do genérico acima enunciado. Os módulos
especiais de duração do trabalho existentes dizem respeito, na maioria das
vezes, a certas categorias profissionais que, por força de circunstâncias
particulares de sua atividade laborativa (mineiros de minas de subsolo, por
exemplo), ou por força de sua capacidade de organização (bancários, por
exemplo), alcançaram a construção de diplomas legais especialmente a elas
dirigidos.
2. Categorias Específicas As jornadas especiais aqui referidas são
aquelas estabelecidas por norma jurídica heterônoma estatal • lei, em
sentido estrito. Sabe-se, contudo, que a criatividade privada pode,
evidentemente, também criar jornadas especiais mais favorávei6 aos
trabalhadores envolvidos. Há pequeno grupo de jornadas especiais, criadas
por lei, que extrapolam o padrão diário fixado para o mercado de trabalho no
país (8 horas). O debate acerca de sua validade mantém-se aberto nos
tribunais trabalhistas, conforme já referido. E forte o entendimento de que a
duração diária também tem de se ajustar ao teto de 8 horas fixado na Carta
Magna (assim como ao teto de 44 horas semanais, é claro). A seu lado, há
também o entendimento pela adequação parcial de regras, isto é, o
parâmetro diário legal mais elevado permaneceria válido, em respeito às
circunstâncias especiais valorizadas pela lei, mas desde que se incorporasse
o padrão semanal básico fixado pela Carta de 1988(44 horas). Noutras
palavras, para esta segunda vertente, a especificidade diária preservar-
se-ia, respeitado, porém, o parâmetro semanal imposto pela
Constituição. É o que se passa com um reduzido número de categorias
profissionais (ou determinadas frações dessas categorias), que, em face das
peculiaridades do setor, tendem a se submeter à fixação de lapsos temporais
diários mais amplos de trabalho (sem prejuízo do padrão geral semanal de
44 horas, repita-se). São exemplos significativos dessas categorias que têm
jornadas eventualmente superiores a 8 horas ao dia os aeronautas; os
trabalhadores nos setores de petróleo, petroquímica e indústria de xisto;
os eletricitários; os ferroviários. O que é mais usual, entretanto, no caso de
jornadas especiais de determinadas categorias, é que consistam em lapsos
temporais diários (e, conseqüentemente, semanais) inferiores ao padrão
constitucional mencionado: portanto, jornadas mais favoráveis do que o
parâmetro genérico do país. Observem-se alguns exemplos expressivos
dessas jornadas especiais inferiores ao padrão constitucional:
empregados em frigoríficos; telegrafistas e telefonistas com horários
variáveis; radialistas do setor de cenografia e caracterização (todos com
jornada de 7 horas e conseqüente duração semanal reduzida de labor). Outro
bloco de expressivos exemplos: cabineiros de elevador; artistas; bancários e
economiários; telegrafistas e telefonistas; operadores cinematográficos;
telegrafista ferroviário; revisores; aeroviário em pista; professores; atividades
em minas de subsolo (todos com jornada de 6 horas e conseqüente duração
semanal reduzida). Um terceiro grupo de categorias com jornadas ainda mais
reduzidas: jornalistas profissionais e radialistas — estes do setor de autoria e
locução (todos com jornada de 5 horas e parâmetro semanal equivalente).
São poucos os exemplos hoje existentes de jornadas especiais em virtude
da submissão, pelo trabalhador, a determinada modalidade de organização
do trabalho ou determinada sistemática especial de atividade laborativa. No
primeiro caso (modalidade especial de organização do trabalho) encontra-se
o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento; no segundo
(sistemática especial de atividade laborativa), encontra-se o trabalho em
esforço contínuo de digitação.
Os trabalhadores submetidos ao sistema de turnos ininterruptos de
revezamento vivenciaram curiosa evolução no Direito brasileiro: em um
primeiro instante, ainda na década de 1940, sofreram clara discriminação
jurídica (a teor do texto do art. 73, caput, CLT, que lhes negava algumas
vantagens trabalhistas); em um segundo instante histórico, conseguiram
superar essa discriminação, sendo tratados como iguais aos empregados
situados em sobrejornada ou labor noturno (a teor de interpretação
jurisprudencial construída anos após a Carta Constitucional de 1946);
finalmente, em um terceiro momento, que culminou com a Constituição de
1988, sentiram o despertar de uma fase de real vantagem jurídica
comparativa.
A Constituição de 1988 completou o ciclo de evolução, criando clara
vantagem jurídica comparativa para os trabalhadores submetidos a essa
sistemática de organização de trabalho: a jornada especial de 6 horas ao
dia (e, conseqüentemente, duração do labor de 36 horas na semana) — art.
7°, XIV, CF/88.
O salário hora correspondente a 8 horas diárias de trabalho (e 44
horas na semana) é significativamente inferior ao salário hora relativo a 6
horas diárias de trabalho (e 36 horas na semana).
As jornadas especiais de trabalho são criadas pelo Direito em função
de fundamentos distintos, que eventualmente se combinam em certa
situação normativa concreta. Porém, entre esses fundamentos, dois se
destacam:
O primeiro diz respeito à categoria profissional dotada de forte poder
sociopolítico, hábil a ampliar, topicamente, seus direitos trabalhistas (caso, de
certo modo, da categoria bancária, embora aqui haja também a presença de
outros fundamentos convergentes).
O segundo fundamento reside na percepção, pelo Direito, da
existência de atividades laborativas especiais ou circunstâncias especiais de
trabalho, que, por sua natureza ou ambientação, produzem forte desgaste
nas condições físicas e psicológicas do trabalhador envolvido.
Assim, a redução da jornada surge como mecanismo eficaz de
diminuição do desgaste produzido no respectivo trabalhador. Este segundo
fundamento, como se percebe, é estruturalmente atado a considerações
típicas da área de saúde e segurança do trabalho, uma vez que a restrição
da exposição do obreiro à atividade ou ambientação maléficas constitui um
dos instrumentos mais eficazes de profilaxia e/ou enfrentamento de tais
fatores nocivos. Neste segundo grupo de jornadas especiais inscrevem-se,
por exemplo, as jornadas especiais de algumas categorias, como os
trabalhadores em minas de subsolo (art. 293, CLT), os telefonistas (art. 227 e
seguintes, CLT) e os trabalhadores em contato com o interior de câmaras
frigoríficas (art. 253, CLT).
A jornada extraordinária é o lapso temporal de trabalho ou
disponibilidade do empregado perante o empregador que ultrapasse a
jornada padrão, fixada em regra jurídica ou por cláusula contratual. É a
jornada cumprida em extrapolação à jornada padrão aplicável à relação
empregatícia concreta. A noção de jornada extraordinária não se estabelece
em função da remuneração suplementar à do trabalho normal (isto é, pelo
pagamento do adicional de horas extras). Estabelece-se em face da
ultrapassagem da fronteira normal da jornada.
A remuneração adicional é apenas efeito comum da sobrejornada,
mas não seu elemento componente necessário. Por essa razão, é viável a
existência de sobrejornada sem o respectivo adicional. É o que ocorre, por
exemplo, no regime compensatório, em que há ultrapassagem da fronteira
padrão da jornada em certos dias (com compensação em outro ou outros
dias), sem pagamento de adicional de horas extras. Diversas expressões
vinculadas à noção de sobrejornada têm sido utilizadas, pela cultura
justrabalhista, como sinônimas: jornada extraordinária, jornada suplementar
(ou trabalho extraordinário suplementar), sobrejornada, horas extras,
sobretempo, etc.
As prorrogações de jornada de trabalho no cotidiano trabalhista podem
ser regulares ou irregulares, conforme sua harmonização às normas jurídicas
incidentes sobre o tema. Regulares são aqueles acréscimos de jornada que
se enquadram em alguma das modalidades de prorrogação fixadas pela
ordem jurídica. Irregulares, em contrapartida, são as dilações que se verificam
no cotidiano trabalhista sem atendimento aos requisitas fixados em lei.
As jornadas extraordinárias previstas na ordem jurídica brasileira
podem ser reunidas, classificadas, segundo três pontos comuns principais: a
causa (ou fator concreto ensejador) da prorrogação perpetrada; o titulo
jurídico autorizador da referida prorrogação; o tempo lícito (normativamente
autorizado) para a prorrogação enfocada.
A tipologia construída segundo a causa de prorrogação da jornada
considera, como elemento classificatório, o fator concreto motivador da
prorrogação produzida. São cinco esses fatores previstos no Direito brasileiro:
o acordo de simples prorrogação de jornada; o acordo de regime de
compensação de jornada; a força maior ensejadora da prorrogação; o
atendimento a serviços inadiáveis, cuja inexecução possa acarretar prejuízos
manifestos, com o fator da prorrogação; a reposição de paralisações
empresariais, como fator ensejador da prorrogação.
No tocante ao acordo de prorrogação de jornada, tal modalidade foi
prevista em texto celetista especifico (art. 59, caput). A previsão tradicional
da CLT estipulavas necessidade de documento escrito, permitindo, contudo,
que o pacto de prorrogação fosse meramente bilateral (além, é claro, do
coletivamente negociado).
No tocante ao regime compensatório, tal modalidade está prevista em
texto celetista (§ 2° do art. 59) e constitucional (inciso XIII, art. 7°)
específicos. A partir de 22 de janeiro de 1988, o texto celetista (art. 59) foi
alterada pela Lei n. 9.601 e, em seguida, por dezenas de medidas
provisórias, a contar da MP n. 1.709, publicada em 6.8.1998, também
denominado banco de horas. (compensação de horas de trabalho).
A modalidade de prorrogação para atendimento a necessidade
imperiosa derivada de motivo de força-maior está prevista no texto celetista
(art. 61, caput e § 2°, CLT). É evidente que tal fator de prorrogação é
excepcional, não ordinário, incomum, ensejando horas suplementares
efetivamente extraordinárias(na linha do art. 7°, XVI, da Constituição, que
fala em serviço extraordinário.
A modalidade de prorrogação pana atendimento a necessidade
imperiosa vinculada à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja
inexecução possa acarretar prejuízo manifesto está prevista também no texto
celetista (art. 61, caput § 2°, CLT). Do mesmo modo que o fator precedente,
também esta causa de prorrogação é excepcional, não ordinária, incomum,
ensejando horas suplementares efetivamente extraordinárias(igualmente na
linha do art. 7O, XVI, da Constituição, que fala em serviço extraordinário).
A modalidade de prorrogação para reposição de paralisações
empresariais também está prevista exclusivamente no texto celetista(§ 3°
do art. 61). A legislação fala em dilação para recuperação do tempo perdido
em virtude da ocorrência de interrupção do trabalho resultante de causas
acidentais ou de força maior que tenham impossibilitado a prestação de
serviços. Fica claro, portanto, que tal fator de prorrogação também é objetivo,
impessoal e excepcional (como os dois anteriores): não se confunde,
portanto, este tipo de paralisação com eventuais recessos do
estabelecimento, licenças ou férias coletivas ou qualquer outro fator
provocado pela própria vontade empresarial.
A tipologia construída segundo o título jurídico autorizador da
prorrogação considera, como elemento classificatório, o instrumento
reconhecido pelo Direito como hábil a detonar a dilação lícita da jornada de
trabalho. São três esses instrumentos: o ato (ou vontade) unilateral do
empregador, no exercício do chamado jus variandi; o ato (ou vontade)
bilateral das partes; e, finalmente, o ato (ou vontade) coletivamente
negociado no contexto da relação de emprego.
A tipologia pelo Tempo Lícito de Prorrogação considera, como
elemento classificatório, o tempo lícito de prorrogação admitido pelo Direito
brasileiro. Evidentemente que, se esse tempo máximo de prorrogação for
ultrapassado ingressar-se-à na dilação irregular de jornada de trabalho. A
irregularidade na prorrogação não impede a incidência de todos os direitos
trabalhistas para o empregado prestador de sobrejornada, mas pode gerar
sanções administrativas específicas para o empregador faltoso (art. 75, CLT).
São cinco os tipos de prorrogação existentes, considerado o tempo regular
permitido à dilação de jornada: em primeiro lugar, a prorrogação por regime
compensatório de horas, em sua modalidade padrão, autorizativa de uma
dilação extra de duas horas diárias, caso submetido o obreiro à jornada
padrão de 8 horas (ou outro sistema negociado intra-semanal ou
intersemanas), sem efetiva ampliação da jornada mensal do obreiro.
Toda jornada extraordinária (exceto a resultante de regime de
compensação) cumprida pelo obreiro no contrato será devida com sobre-
remuneração específica — o adicional de horas extras (art. 7°, XVI, CF/88).
As horas extras recebidas habitualmente pelo obreiro (e seu respectivo
adicional) integram seu salário para todos os fins, refletindo-se em parcelas
trabalhistas (13o Salário, férias com 1/3, FGTS, aviso prévio — se for o
caso, etc.) e parcelas previdenciárias (salário-de-contribuição). Se não
houver, entretanto, habitualidade na prestação de sobretrabalho, não ocorrerá
essa integração contratual da parcela recebida. As horas extras e seu
adicional têm caráter de salário condição, conforme jurisprudência hoje
dominante (o Enunciado 76 que expressava entendimento contrário foi,
desde 1989, revisado pelo Tribunal Superior do Trabalho — Resolução
01/89, publicada em 14.4.1989).
O adicional de horas extras mínimo no Direito brasileiro, hoje, é de
50% (art. 7O, XVI, CF/88, revogando antigo percentual do art. 59, §1o, CLT),
salvo índice mais favorável previsto em regra jurídica especial (inclusive
coletiva negociada) ou, até mesmo, em cláusula de contrato, inclusive
regulamento de empresa.
O Direito do Trabalho sempre permitiu a pactuação de jornada parcial
de trabalho no mercado laborativo do país ou duração semanal reduzida
(com jornada diária padrão, em menor número de dias na semana.
O trabalho em regime de tempo parcial, pelas novas regras (art. 58- A,
CLT), é tipificado como “aquele cuja duração não exceda a vinte e cinco horas
semanais” (grifos acrescidos). O tipo legal celetista passa a ter limites
máximos precisos: 25 horas semanais. Isso significa que um contrato com
duração semanal de labor de 30 horas — portanto, abaixo do padrão
vigorante no país, 44 horas, mas acima do tipo legal do art. 58/A da CLT —
não se submete às regras restritivas de direitos estabelecidas pelos diplomas
normativos mencionados (por exemplo, redução dos dias de férias anuais).
O regime mencionado não abrange, é óbvio, empregados que tenham
jornada especial reduzida por força de norma jurídica própria
(ilustrativamente, jornalistas profissionais e radialistas — estes do setor de
autoria e locução —, todos com duração diária de trabalho de 5 horas). É que
nestes casos a jornada foi reduzida pela lei em vista do trabalho
especialmente desgastante de tais profissionais —, o que não ocorre na
situação aventada pelo regime de tempo parcial.
No tocante à proporcionalidade salarial, trata-se de efeito jurídico
clássico a qualquer sistema de jornada contratualmente reduzida, cujo salário
seja estimado à base horária — conforme já exposto. Aqui, inclusive, não há
efetiva inovação legal em face da ordem jurídica anterior a agosto de 1998.
De todo modo, o novo art. 58-A, § 1°, da CLT, dispõe que o “salário a ser
pago aos empregados sob o regime de tempo parcial será proporcional à sua
jornada, em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas funções,
tempo integral”.
No tocante às férias anuais remuneradas, dispõe o novo art. 130-A, da
CLT, que a duração deste instituto relativamente aos obreiros submetidos a
regime de tempo parcial será menor do que o padrão temporal estabelecido
para os demais trabalhadores (ou seja, 30 dias: art. 130, CLT). Tal prazo será
de 18 dias, para duração laborativa semanal superior a 22 horas e até 25
horas; 16 dias, para duração laborativa semanal superior a 20 horas e até 22
horas; 14 dias, para duração laborativa semanal superior a 15 horas e até 20
horas; 12 dias, para duração laborativa semanal superior a 10 horas até 15
horas; 10 dias, para duração laborativa semanal superior a 5 horas até 10
horas; finalmente, 8 dias, para duração do labor semanal igual ou inferior a 5
horas.
No tocante à extrapolação da jornada laborativa obreira, dispõe o novo
§ 4o do art. 59 da CLT (inserido pelas mencionadas medidas provisórias, a
contar da n. 1.709-1, de 1998) que os “empregados sob o regime de tempo
parcial não poderão prestar horas extras” (grifo acrescido).
As alterações redutoras da duração do trabalho decorrentes de ato
unilateral do empregador ou bilateral das partes somente serão lícitas, regra
geral, se não produzirem qualquer correspondente diminuição no salário do
empregado (conjugação do art. 468, CLT, com o art. 7°, VI, da Constituição, a
par do princípio da inalterabilidade contratual lesiva).
Portanto, a presente alteração contratual somente poderá se fazer caso
permitida por instrumento negocial coletivo, e na forma neste estipulada.
A prestação de trabalho pode concretizar-se, em princípio, em qualquer
fase do dia ou da noite. Contudo, a prestação noturna de trabalho é,
obviamente, mais desgastante para o trabalhador, sob o ponto de vista
biológico, familiar e até mesmo social. De fato, o trabalho noturno provoca no
indivíduo agressão física e psicológica intensas, por supor o máximo de
dedicação de suas forças físicas e mentais em período em que o ambiente
físico externo induz ao repouso. Somado a isso, ele também tende a agredir,
com substantiva intensidade, a inserção pessoal, familiar e social do indivíduo
nas micro e macrocomunidades em que convive, tornando especialmente
penosa para o obreiro a transferência de energia que procede em benefício
do empregador. Por essas razões o Direito do Trabalho sempre tendeu a
conferir tratamento diferenciado ao trabalho noturno, em contrapartida ao
trabalho realizado durante o dia. Esse tratamento diferenciado abrange regra
geral, duas dimensões: de um lado, um conjunto de restrições à própria
prestação do trabalho no turno da noite (de que é exemplo mais expressivo a
vedação a labor noturno de menores de 18 anos). De outro lado, o
favorecimento compensatório no cálculo da jornada noturna (através da
redução ficta da hora noturna, por exemplo), e/ou o favorecimento
compensatório no cálculo da própria remuneração devida àquele que labora
à noite (mediante o pagamento de um adicional específico, por exemplo).
O conceito de noite, para a física, situa-se na ideia concernente ao
lapso temporal diário terrestre não iluminado pela luz solar; ou o “espaço de
tempo em que o Sol está abaixo do horizonte”. Para a CLT a jornada noturna
urbana compreende o lapso temporal situado entre 22:00 horas de um dia
até 5:00 horas do dia seguinte (art. 73, § 2°, CLT). Essa jornada noturna
urbana abrange, contudo, 8 (oito) horas jurídicas de trabalho (e não 7, como
aparente), já que a CLT considera a hora noturna urbana menor do que a
hora diurna (hora ficta noturna), composta de 52’30” (e não 60’) — art. 73, §
1o, CLT.
Para a Lei de Trabalho Rural a jornada noturna será distinta, conforme
a atividade realizada no campo. Em atividades de lavoura, estende-se a
jornada noturna de 21:00 horas de um dia até 5:00 horas do dia seguinte. Em
atividades de pecuária, estende-se a jornada noturna rural de 20:00 horas de
um dia até 4:00 horas do dia seguinte (art. 7°, Lei n. 5.889/73).
A posição do Direito do Trabalho perante o labor prestado à noite
caminha em duas direções diferenciadas, mas combinadas, conforme já se
apontou: de um lado, na direção restritiva da prestação do trabalho noturno;
de outro, se efetivamente prestado o trabalho em tais circunstâncias, na
direção ampliativa das vantagens jurídicas derivadas dessa prestação.
A vedação ao trabalho noturno dos menores é plena, no Direito
brasileiro. O trabalho noturno das mulheres, não tem, contudo, qualquer
restrição especial.
O trabalho noturno é proibido, regra geral, no segmento bancário (art.
224, § 1o, CLT). Mas a própria CLT já estabelece inúmeras exceções à regra
geral que enuncia. A vedação, portanto, não se aplica aos trabalhadores
exercentes de funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e
equivalentes ou ocupantes de outros cargos de confiança, desde que
observada a percepção de gratificação não inferior a 1/3 do salário do cargo
efetivo (§ 2° do art. 224).
Referências bibliográficas:
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9ª edição, Remuneração e Salário. São Paulo: LTr, 2010. Cap.XXI, p.643-705
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9ª edição, Duração do Trabalho-Jornada. São Paulo: LTr, 2010. Cap.XXIII, p.782-860