EDITORIALAventura. Morte. Pensamento. Coração. Poesia. Medo. Esquecimento. Viagem. Cidade. Diferença. Causas comuns. Corpos comuns. Nascendo, crescendo, envelhecendo, morrendo.Horrendo é não ter coração. Não
se aventurar com medo de ser
esquecido numa viagem falhada.
Horrendo é não ter poesia para o
dia de morrer, que é o mesmo que
dizer para hoje. Todos os dias se
morre, seja nas cidades ou nos
campos. Falheiro é pensar que não
se é diferente.
Todos os dias morrem ao mesmo
tempo pessoas excecionais e pes-
soas comuns, todos os dias mor-
rem pessoas ao mesmo tempo co-
muns e excecionais. Todos os dias
temos medo e coragem. Falheiro
é esquecermo-nos de pensar pela
própria cabeça medida própria do
corpo crescente e pensante. Aven-
tureiro é não esquecer que é:
> preciso tempo, mais tempo.
> possível crescer com causas
comuns.
Há mais pessoas do que se pensa
nas cidades e nos campos dis-
postas a aventurar-se em causas
comuns pela diferença que cada
um é. Os projetos que temos podi-
do partilhar através deste jornal
testemunham causas, pensamen-
tos, desejos e viagens possíveis.
Sem aqueles que graciosamente o
escrevem e aqueles que desejosa-
mente o leem haveria menos es-
paço para projetarmos um tempo
melhor. Bem-hajam.
Elisabete Paiva
Design
Atelier Martino&Jaña
Textos de
António Matos
Carla Veloso e Igor Gandra
Fernando Giestas e
Rafaela Santos
Inês Barahona e
Miguel Fragata
Madalena Wallenstein
Samuel J. M. Silva
Sandra Barros
Susana Menezes
JORNAL DO SERVIÇO EDUCATIVO JANEIRO A JUNHO 2014 | NÚMERO 26
Coordenação
Elisabete Paiva
Edição
Elisabete Paiva e
Sandra Barros
Produção Gráfica
Susana Sousa
Comunicação
Bruno Barreto
Marta Ferreira
Laboratório LURA
Inês Barahona e
Miguel Fragata
Teatro de Ferro
Distribuição
Andreia Abreu
Andreia Novais
Carlos Rego
Hugo Dias
Paulo Covas
Pedro Silva
Sofia Leite
Susana Pinheiro
servicoeducativo@
aoficina.pt
ISSN 1646-5652
Tiragem 3000 exemplares
PISTAS
A Caminhada dos ElefantesInês Barahona e Miguel Fragata pág. 4
A MONTANTE
Um elogio ao saber de corSamuel J. M. Silva pág. 8
JORNAL DE ARTES E EDUCAÇÃO
A MONTANTE
O meu território é o meu pensamento Madalena Wallenstein pág. 6
“ A CULTURA NÃO É O LUGAR DE REVELAÇÃO ALGUMA, É APENAS O LUGAR ONDE TODAS AS REVELAÇÕES SÃO EXAMINADAS E DISCUTIDAS SEM FIM. PARA QUE CADA UM DE NÓS POSSA VIVER DESSA DISCUSSÃO INFINITA DO MUNDO E DE SI MESMO. ”EDUARDO LOURENÇO
* O LURA PASSARÁ, A PARTIR DO SEU NÚMERO 26, A SER SEMESTRAL, NA EXPECTATIVA DE QUE HAVERÁ MAIS TEMPO PARA O PREPARAR E MAIS TEMPO PARA O LER.
Carla Veloso e Igor Gandra*
*Elisabete Paiva
Quando éramos miúdos a questão da
conquista do espaço estava ainda na
ordem do dia. A corrida entre soviéticos
e americanos animava, a nível mundial,
os sonhos e os anseios nesta matéria
- que para nós era muito mais feita de
ficção do que ciência. A ficção científica
(norte americana) que nos chegava
em doses semanais pela televisão foi o
pretexto para muitas brincadeiras em
que a viagem e a descoberta de planetas
distantes eram os motes principais.
Quando começámos a trabalhar neste
projecto tínhamos em mente a ideia de
retomar esta figura de uma viajante do
espaço, uma menina cosmonauta, para
nos colocarmos na condição de fazer
algumas investigações sobre as múlti-
plas acepções da palavra espaço. Como
já tínhamos feito um espectáculo sobre
as aventuras de outra criança explora-
dora do espaço noutros planetas (Blurp,
em 2001), decidimos que nos iríamos
dedicar um pouco mais ao planeta Terra.
Esta peça começa com o regresso à Terra
e a aventura não termina aqui.
Iniciámos este processo com uma
residência de criação no CCC [Centro de
Criação de Candoso]. Durante cinco dias
e cinco noites a equipa do TdF [Teatro de
Ferro] habitou o espaço da antiga escola
de Candoso. Dormimos, cozinhámos e
trabalhámos como se estivéssemos num
navio ou numa nave. Se por um lado nos
parecia que o nosso veículo se movia
autonomamente, ora lentamente no
oceano, ora a velocidades inimagináveis
pelo cosmos, por outro tínhamos a
certeza que era o que acontecia no seu
interior que nos punha em movimento.
Na caixa negra do porão, na casa das
máquinas, no dormitório ou no refeitó-
rio fomos descobrindo e construindo os
espaços com que se fez esta aventura.
A leitura e o estudo, ou não estivéssemos
numa escola, foram uma constante ao
longo dessa jornada e foi essencialmente
através desta prática que chegámos às
propostas que apresentámos no último
dia da residência.
No último dia, o navio-escola foi visitado
por um grupo de meninos. Organizámos
uma visita guiada às nossas aventuras
e ao próprio espaço do edifício. Para
além dos meninos que se tinham feito
deslocar num autocarro, fomos também
acompanhados pela equipa de um outro
espectáculo com quem partilhávamos
o espaço-veículo, mas que viajava para
outras paragens.
Foi muito interessante, mas não conse-
guimos mostrar tudo o que tínhamos
feito, tinham que se ir embora, não havia
tempo.
Ficámos a pensar sobre isso também
- quem é que manda no nosso tempo
de vida? Como se organiza o tempo?
Que relações podemos ter com este
elemento? E intimidade entre o Espaço e
o Tempo?
Ainda estávamos no início de Uma
Aventura no Espaço mas assumimos logo
ali, entre nós, o compromisso de vir um
dia a fazer Uma Aventura no Tempo.
Nota: por vontade dos autores, este texto apresenta-se na antiga ortografia.
*
Teatro de Ferro
Em 2012, o DESCOBRIR Programa
Gulbenkian Educação para a Cultura
e Ciência iniciou o 10 X 10: projeto
que “promove a colaboração entre
professores do ensino secundário e
artistas de várias disciplinas para
desenvolver estratégias de comunicação
e de construção do conhecimento
eficazes na captação da atenção,
motivação e envolvimento dos alunos
em contexto de sala de aula, a partir da
matéria curricular.”
DEZ VEZES DEZ, ou DEZ POR
DEZ, é uma experiência original de
investigação e trabalho cooperativo na
procura de uma melhor escola, onde
o centro da atenção e da atividade
sejam as aprendizagens e as pessoas
(as pessoas são FUNDAMENTAIS! sim
M., obrigada), uma escola que seja de
facto para TODOS, 10 x 10 x 10 x … É
portanto um projeto para os alunos,
para os professores, para os artistas,
para a escola, para a sociedade.
O projeto desenvolve-se em três passos
fundamentais:
1. Residência – por um período intensivo
de 6 dias, tempo e espaço para que
artistas e professores desenvolvam uma
relação forte de partilha de saberes e
experiências em ambiente informal;
2. Trabalho ao longo do primeiro pe-
ríodo letivo – conceção de um projeto
pedagógico singular, por uma dupla
professor/artista, para desenvolver em
sala de aula e no contexto da disciplina;
3. Cada artista ajuda o seu parceiro
professor a idealizar uma forma de
partilhar a experiência com a comuni-
dade educativa – professores, artistas,
alunos, educadores, investigadores, pais
– através de uma ‘aula pública’.
Na 1a edição do projeto, 2012/13, dez
professores do ensino secundário
inscreveram-se voluntariamente e
formaram dupla com dez artistas
selecionados pela equipa do Descobrir.
Na 2a edição, 2013/14, que agora ter-
mina, fruto da avaliação que o projeto
contempla, foram introduzidas altera-
ções: convidaram-se duas escolas como
parceiras, mobilizando os seus pro-
fessores para participar e dando-lhes
retaguarda; as turmas foram apenas de
10° ano e as disciplinas circunscritas a
Português, Matemática, Biologia e Filo-
sofia; as aulas públicas foram objeto de
debates moderados por personalidades
tão diversas como Eduardo Marçal Grilo
(FCG), Stella Barbieri (Bienal de São
Paulo), Elisabete Xavier Gomes (Univ.
Nova de Lisboa) e Fernando Hernandéz
(Univ. de Barcelona).
É uma seleção destas aulas que
apresentaremos no próximo dia 22 de
fevereiro, na Black Box da Plataforma
das Artes da Criatividade, seguidas
de um debate moderado por Magda
Henriques. A atividade é informal
e incluirá aulas muito distintas,
representando as disciplinas de
português e de filosofia, integrando em
dois dos casos a participação dos alunos.
Após um ano experimental, com um
envolvimento apenas parcial no projeto,
A Oficina inicia agora o caminho para
a concretização do 10 X 10 em Guima-
rães. Porque 10 X 10 é Dez Por Dez e
aprofunda e multiplica valores simples
mas essenciais para a escola e para a
educação: estar juntos e aprender.
*
Coordenadora do Serviço Educativo
UMA AVENTURA NO ESPAÇO
SOBRE O PROCESSO DE PESQUISA E CRIAÇÃO
10X10UM PROJETO DE COOPERAÇÃO
E INVESTIGAÇÃO ©
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PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS2 | LURA
LABORATÓRIO PARA METER AS MÃOS NA MASSA
NESTA FOLHA EM BRANCO PROPOMOS QUE TE AVENTURES NO ESPAÇO.1• Imagina a tua mão como se fosse um corpo – os dedos indicador e médio, bem alongados, são a parte mais evi-dente desse corpo e fazem-no deslocar-se, como se fossem umas perninhas.Os restantes dedos estão, para já, reco-lhidos na palma da mão.Passeia a tua mão-corpo no espaço vazio da folha e experimenta trajetos dife-rentes – percursos circulares, lineares, contínuos, interrompidos, passadas grandes, passinhos curtos e por aí fora…Depois podes acrescentar a outra mão e fazer uma passeata a dois, uma perse-guição, um encontro, uma dança, etc. Se dobrares a folha uma vez ficas com dois planos, um horizontal e outro ver-tical.
2• Agora que já exploraste o espaço em branco pinta a ponta dos dedos cami-nhantes com tinta guache um bocadinho diluída, ou outra tinta de água e ins-creve, agora de forma permanente, na folha em branco a presença, o trajeto no espaço da tua mão-corpo. Podes usar os outros dedos também, claro.
3• Podes convidar mais alguém para experimentar. A dois (ou a quatro mãos) é diferente, vais ver.No final ficam com o registo da vossa aventura!Podes também experimentar reproduzir com o teu corpo todo o trajeto inscrito na folha. Precisas talvez de uma superfí-cie maior!
*Sabias que as primeiras tentativas de notação da dança
aconteceram mais ou menos no séc. XV com os ballets de
corte e consistiam, essencialmente, no registo do trajeto
dos apoios, pés, no espaço – uma espécie de pegadas de
bailarino que se deslocavam no espaço num determinado
tempo/ritmo? Por outro lado, no século XX desenvolveram-
se correntes na pintura que funcionavam como uma espécie
de 'dança com tinta', houve até pintores que pintavam com o
corpo, o seu e o de outros.
*
Conceção Carla Veloso e Igor Gandra
Teatro de Ferro
Inês Barahona e Miguel Fragata*
Quisemos criar um espetáculo sobre
a morte para crianças e famílias.
Não porque tenhamos uma qualquer
obsessão mórbida pelo tema, mas antes
porque sentimos que era um assunto
sobre o qual ninguém queria falar,
muito menos com as crianças. A morte é
talvez o último grande tabu dos nossos
tempos. A ignorância perante a morte é
universal. É uma questão que nos deixa
a nós, adultos, muito desconfortáveis
e inseguros. E essa insegurança é
pressentida à distância pelas crianças.
Elas também têm questões. Mas têm
poucos ou nenhuns interlocutores
para conversar sobre o assunto e
normalmente compreendem que é um
tema proibido.
Depois de um longo trabalho de criação,
que passou por ouvir as crianças,
receber as suas ideias, perceber quais
eram as suas questões, dúvidas,
medos, etc., em oficinas realizadas nos
diferentes territórios dos coprodutores,
chegámos ao espetáculo. Também
ouvimos os adultos, a quem pedimos
que dessem resposta a apenas uma
pergunta: “Como explicaria a morte a
uma criança de 8 anos?” Interessava-nos
compreender o que os adultos pensam
que as crianças pensam acerca do tema e
trabalhar sobre o hiato que existe entre
as duas realidades: a das crianças e a
dos adultos.
Este trabalho foi acompanhado de perto
pela psicóloga Madalena Paiva Gomes,
que ajudou a balizar a intervenção de
um trabalho artístico num campo que é
sensível, sem no entanto haver qualquer
pretensão terapêutica.
Gostamos de projetos transversais.
Acreditamos que uma boa proposta
artística pode criar o espaço que
por vezes não existe para o diálogo.
Acreditamos que um bom espetáculo
pode ser visto por todos, apesar de
construído para um público específico,
neste caso crianças dos 7 aos 12 anos.
Procuramos com o nosso trabalho
chegar a todo o público, com diferentes
camadas de leitura que vão ao encontro
de interesses e compreensões diversas.
Neste espetáculo criámos um jogo de
proibição de utilização da palavra
“morte” que devolve em espelho aos
adultos o que as crianças leem do
seu comportamento. É uma pequena
provocação para os adultos, um jogo
eficaz para as crianças.
O resultado a que chegámos é um
espetáculo que, seguindo uma história
verídica – a história do conservacionista
sul-africano Lawrence Anthony e da sua
relação de amizade com uma manada
de elefantes –, abre de vez em quando
espaço para refletir sobre as grandes
questões em torno da morte: para onde
se vai, o que acontece, que rituais fazem
os vivos, que crenças acerca da vida
depois da morte, ou porque é que a
morte existe. Estas reflexões são feitas
com recurso a imagens e a objetos que
pertencem ao imaginário das crianças
e que são manipulados por vezes com
humor, mas sempre com a naturalidade
que é própria do tema. Porque afinal,
como as crianças nos disseram muitas
vezes, “a morte faz parte da vida”,
mesmo que não se fale sobre isso.
*
criadores de
A Caminhada dos Elefantes
PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS
A Caminhada dos Elefantes
4 | LURA
Gostamos de projetos transversais. Acreditamos que uma boa proposta artística pode criar o espaço que por vezes não existe para o diálogo.
É uma questão [a morte] que nos deixa a nós, adultos, muito desconfortáveis e inseguros. E essa insegurança é pressentida à distância pelas crianças.
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*
Conceção
Inês Barahona e Miguel Fragata
5 | LURALABORATÓRIO PARA METER AS MÃOS NA MASSA
A TUA VIDA É COMO UMA CAMINHADA COM PARAGENS. LIGA
OS PONTOS NA IMAGEM.
Cada ponto é uma estação na caminhada da vida. Se esta fosse a caminhada da tua vida, quais seriam as estações? O pri-meiro ponto é o teu nascimento, o ponto 12 é o dia de hoje. O que aconteceu entretanto? O que acontecerá depois? Imagina quais serão os acontecimentos mais especiais da tua vida. E quais as estações mais importantes da tua caminhada.
1
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8•
16• O DIA EM QUE TE APAIXONASTE
24•20•O DIA EM QUE FIZESTE OU FARÁS UMA DESCOBERTA IMPORTANTE
4• O MOMENTO EM QUE FOSTE À ESCOLA PELA PRIMEIRA VEZ.
13•
15•
18•
A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS6 | LURA
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dos
*
Programadora e coordenadora do
CCB [Fábrica das Artes – projecto
Educativo]
Madalena Wallenstein*
À programadora de um projecto educa-
tivo como a Fábrica das Artes importa
criar circunstâncias multidimensionais
que se desdobrem tanto para a pesquisa
dos criadores, como para a diversida-
de dos públicos. Circunstâncias que
potenciem a procura de novos modos
de experimentação artística e novos
processos de trabalho na qual a própria
programação é parte integrante e inte-
ressada, na medida em que aí busca a
afi rmação da sua identidade e encontra
pistas para continuar um caminho reno-
vado, próspero e criativo. Entendendo
a construção da programação como um
“voo” sobre um território no qual se
estabelecem relações entre a Arte, as
Instituições Culturais, a Sociedade e as
suas urgências, podemos encontrar nos
espaços vazios um potencial único de
zonas a ocupar: O que é que falta?
Em Março de 2014 o CCB [Fábrica das
Artes – Projecto Educativo] irá lançar
a publicação de um Caderno de traba-
lho e refl exão. Propusemo-nos registar
o processo de trabalho que teve lugar
no âmbito do laboratório de pesquisa
“Pensamento, Filosofi a e Contempla-
ção Artística” que resultou do encontro
entre programadora, equipa, artistas,
fi lósofos e públicos, que se desenvolveu
entre Junho de 2012, com o lançamento
da primeira reunião de trabalho e refl e-
xão, e Novembro de 2013, momento da
produção escrita e gráfi ca deste cader-
no, e cuja programação habitou a Fá-
brica das Artes do CCB no trimestre de
Janeiro a Março de 2013. A programação
debruçou-se sobre o espanto, o impulso,
a pergunta, como chaves da interpre-
tação e refl exão artística. Ofereceu um
espectáculo, uma instalação/performan-
ce e ofi cinas dirigidas a escolas, famí-
lias e graúdos, assim como espaços de
formação para educadores e artistas e
um Encontro – debate em que os artistas
partilharam esta experiência.
Este laboratório de pesquisa reúne
três projectos distintos. Do Teatro do
Silêncio, que se propôs criar uma insta-
lação/ofi cina concebida por uma equipa
transdisciplinar ( Maria Gil, encena-
dora e actriz; Pedro Silva, cenógrafo;
Gil Dionísio, músico ) que, partindo da
premissa autobiográfi ca em que a com-
panhia fundamenta o seu trabalho, ex-
plorasse temas transversais à condição
humana e conduzisse crianças, jovens
e adultos num percurso do pensamen-
O meu território é o meu pensamentoSe a filosofia não espera pela escola para nascer nas crianças onde ir vê-la nascer então? Nos territórios dos seus pensamentos?
A consciência de que é necessário contribuir para ultrapassar a dimensão redutora do “fazer“, a que uma determinada pedagogia tem remetido a educação estética e artística, levam-nos também a querer aprofundar contextos favoráveis à reflexão.
7 | LURAA MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS
a
to que levasse ao reconhecimento da
importância do questionamento. Este
percurso começa num espaço branco no
qual “se acorda o espanto e se aguça a
curiosidade pelo mundo e pelas coisas”,
o sítio onde o pensamento se inicia e
a pergunta se fabrica e que leva a um
outro espaço, preto, preenchido de
objectos signifi cantes, pertença desta
instalação, a materialização de enigmas
fi losófi cos com os quais os participantes
se confrontam e exploram.
O segundo projecto, é a reposição da
“Biblioteca Mínima” de Ana Silvestre,
uma estrutura de madeira com diversos
compartimentos, um objecto que guar-
da “preciosidades da vida e a imensidão
do desconhecido” e que, na sua explora-
ção performativa e interactiva, recorre
a uma linguagem e olhar poéticos, a
coisas pequenas e invisíveis, apelando
a uma “micro-escuta”, a uma dimensão
sensível e delicada, à vivência estética, a
uma leitura do mundo.
A certeza de que estamos perante um
campo que liga os domínios da arte,
da fi losofi a e da infância, levam-me a
propor aos artistas Maria Gil, Pedro
Silva, Gil Dionísio e Ana Silvestre a
participação neste Laboratório de pes-
quisa e a convidar a fi lósofa Rita Pedro,
que desenvolve o seu trabalho na área
da fi losofi a com crianças, a juntar-se a
este grupo de trabalho. Interessava-me
trazer a Filosofi a com Crianças para o
campo da criação artística. A consciên-
cia de que é necessário contribuir para
ultrapassar a dimensão redutora do
“fazer“, a que uma determinada peda-
gogia tem remetido a educação estética
e artística, levam-nos também a querer
aprofundar contextos favoráveis à
refl exão. É justamente neste âmbito que
penso que a fi losofi a com crianças pode
oferecer, tanto à educação artística,
como à educação em geral, uma poten-
cialidade que se mostra ainda tímida
e que falta explorar. Convidei a actriz
Tânia Guerreiro, que integra a equipa
da Fábrica das Artes do CCB, para
fazer parte, em conjunto comigo e com
a Rita, do grupo de trabalho que iria
conceber uma Ofi cina e para a realizar
com a Rita Pedro. Interessava-me tam-
bém experimentar a hipótese de aceder,
num tempo fulminante, ao pensamento
fi losófi co, recorrendo a elementos artís-
ticos para realizar este transporte.
Interessa-me trazer para a Filosofi a
com Crianças a exploração de um outro
espaço físico (um espaço cénico), da
comunicação não-verbal e do movimen-
to, a partir de jogos de aproximação ou
distanciamento, como forma de estabe-
lecer nuances relacionais. Numa outra
perspectiva, tinha quase a certeza que
o recurso aos elementos artísticos iriam
permitir testar estas hipóteses.
Propusemo-nos criar um campo comum
de pesquisa e experimentação, refl exão
e contaminação que, convocando estas
identidades artísticas e experiências
prévias, pudesse permitir uma transver-
salidade lançada a partir de corpus de
conhecimento específi cos para poderem
ser cruzados. Pretendeu-se, a partir de
semelhanças e dissemelhanças entre
estes campos, clarifi car e aprofundar
conceitos implícitos, confrontar proces-
sos e metodologias usadas e a natureza
dos processos mentais e criativos.
Nos seis meses que antecederam a
chegada do público, fomos defi nindo o
nosso campo e metodologia de trabalho,
encontrando dinâmicas de relação e
aproximação para os espaços de troca,
e antevimos a estrutura do processo
e as dimensões espaciais e temporais.
Discutimos e clarifi cámos pressupos-
tos, intencionalidades e pertinência.
Problematizou-se e foram lançadas
provocações e desafi os. Surgiram con-
fl itos criativos e encontraram-se solu-
ções. Estabeleceu-se uma metodologia
assente na acção/refl exão que convocou
espaços de investigação e experimenta-
ção, de percepção, de eco e de encaixe.
Comecei por imprimir uma regularidade
nas sessões de trabalho e quis garantir
um espaço que estivesse preenchido
por um tempo longo, por tranquilidade,
segurança, efervescência e liberdade.
Para os artistas e para a fi lósofa a
aproximação levou a uma tradução
de uma linguagem para outra. Neste
espaço de convergência disciplinar
a tradução catalisou facilitadores
de olhares e reforçou elementos
mediadores.
Desafi ámos o fi losofo José Gil a visitar a
nossa programação e a pensar connosco
esta ideia. Inspirou-nos e ofereceu-nos
os textos do seu livro “Ao meio dia, os
pássaros”, no qual a infância é prota-
gonista. Os seus textos foram interpre-
tados pelos artistas no contexto deste
programa e editados no âmbito deste
caderno. O José Gil ofereceu-nos ainda o
prefácio desta edição.
Desafi ámos todos a refl ectir sobre a ex-
periência a partir de duas perguntas: “O
que me contaminou? O que contaminei?”
Estes testemunhos são resultado de um
exercício proposto por mim à equipa,
já na fase de preparação do caderno de
trabalho:
“A fi losofi a entrou na arte como ar, como
uma nuvem, silenciosamente; um ne-
voeiro, que insufl a zonas, que valoriza
interstícios, que suspende acção e con-
quista espaço para refl ectir e dialogar”.
(Ana Silvestre)
“Contaminei os artistas de forma a
poderem reconhecer a existência dum
território fi losófi co intrínseco ao pensa-
mento das crianças e identifi car a per-
tinência de algumas questões e teorias
por parte das crianças”. (Rita Pedro)
... “A alegria do encontro com o que nos é
diferente e o que nos identifi ca. De criar
e pensar em conjunto com experiências
diferentes, formas de pensar diferen-
tes... e encontros semelhantes.” (Ana
Silvestre)
... “As conversas – sessões de trabalho e
refl exão contaminaram-me. Ter um pe-
ríodo para conversarmos. Tão simples e
tão difícil de conseguir nos tempos que
correm em que temos de estar sempre
a “fazer”, a “dar”, a “responder”. Estas
conversas ao longo do tempo foram coe-
rentes, ou seja, não foram apenas para
começar, mas foram acontecendo ao
longo do processo, no fi m e agora para
a construção do caderno de trabalho.”
(Maria Gil)
A Ofi cina é o sítio em que se trabalha.
A Filosofi a é um trabalho. Fez-se na
sequência do jogo e do lúdico. Fez-se a
partir do impulso dado pela performan-
ce dos artistas, pela instalação artís-
tica, pelo espaço cénico, por um trans-
porte do papel de público para o papel
de protagonista. É facilitado o impulso
para a dimensão artística e explorada a
dimensão do pensamento, da fi losofi a,
no plano metafísico e sobretudo ontoló-
gico do ser, do “eu”, do outro, das coisas
e do mundo.
Este é um terreno fértil para emergên-
cia da criatividade. Está aqui assumido
o esforço que exige a formulação da
pergunta e a procura da resposta. O
esforço da clarifi cação, que surge na sua
inevitável urgência logo que o sujeito se
reconhece no deslumbramento perante
ela. O esforço é esclarecedor e admira-
velmente artístico.
Este projecto, ao mesmo tempo que
assume o que há de misterioso na cria-
ção artística, abre a oportunidade de
desencadear a refl exão fi losófi ca. É a
dimensão artística e a dimensão fi losófi -
ca que vivem em ciclo nas crianças e que
se alimentam uma à outra. Isto não quer
dizer que qualquer uma delas possa
existir sem um esforço de procura, e
quem diz um esforço diz um trabalho.
Nem uma nem outra podem existir sem
a ofi cina.
Nota: por vontade da autora, este texto apresenta-
-se na antiga ortografi a.
Comecei por imprimir uma regularidade nas sessões de trabalho e quis garantir um espaço que estivesse preenchido por um tempo longo, por tranquilidade, segurança, efervescência e liberdade.
8 | LURA A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS
Um elogio ao saber
de cor
sem nenhuma problematização
associada. Os estereótipos são nocivos
(qual erva daninha?) e nada se faz
para compreender esse repertório
gráfi co (resultado de todo um lento
processo histórico de sedimentação
e assimilação cultural) nem para
pensar qual a sua origem e o seu papel
na construção da nossa identidade e
memória coletiva.
No dia em que desenhei uma gaivota
igual à que a minha avó alguma
vez desenhou tornou-se claro, na
minha consciência, de que aquele
símbolo repetente (comum) mais
que um estereótipo era uma marca
transgeracional cristalizada
que sofreu um efeito migratório
espaço-temporal e que garante a
consolidação de todo um espectro
de representações perfeitamente
identifi cadas e compreendidas por uma
comunidade permitindo a sua própria
sobrevivência.
O mesmo acontece com os provérbios
que mais não serão que pequenos
ideogramas de narrativas mais
extensas e que condensam em si, de
forma sintética, toda uma sabedoria
ancestral. “Poderíamos dizer que os
provérbios são ruínas que fi cam no
lugar das velhas histórias, e que neles a
moral abraça um gesto tal como a hera
trepa e abraça um muro”5 tornando-o
mais robusto.
A apologia do estereótipo que arrisco
defender alicerça-se na ideia de que
ao invés da sua irradiação será de
vital importância um movimento de
interiorização através de processos
que escapam à consciência —o saber de cor, pois serão estas formas simples,
invariáveis e estagnadas que animam
e sustentam todo o espírito livre e
criativo que deseja a reinvenção do
mundo.
Samuel J. M. Silva*
*
Artista visual
Recentemente enrodilhou-se um
assunto na minha cabeça, o qual se pode
desfi ar nas seguintes palavras-chave:
saber de cor, provérbios, estereótipos
e gaivotas. Gostaria de fazer um elogio
ao saber de cor1 ou pelo menos esvaziar
toda a negatividade entranhada nesta
palavra quase desde que me conheço
(deve ser mais ou menos coincidente
com o meu primeiro dia de aulas).
Sobre este assunto vale a pena trazer à
tona duas passagens:
1• George Steiner: “As práticas da
comunicação cultural e do ensino
assentavam (no passado), de forma
muito direta, na mobilização da
memória. Aprendia-se em grande
medida de cor (do coração) – termo que
se adequa magnifi camente à presença
íntima, orgânica, da palavra e do seu
sentido no espírito individual.”2
2• W. Benjamin: “Narrar histórias é
sempre a arte de as voltar a contar
e essa arte perder-se-á se não se
conservarem as histórias. Perder-se-á
porque já ninguém tece ou fi a enquanto
as escuta. Quanto mais o ouvinte se
esquece de si próprio, tanto mais
profundamente se grava nele aquilo que
ouve.”3
Existe indubitavelmente uma
insurreição contemporânea contra
uma certa ideia de memorização,
aquela coisa de saber a tabuada de cor e salteado, a ladainha ou se quisermos
alargar o assunto, o estereótipo4.
Amiúde assistimos a perseguições
impiedosas aos estereótipos no
desenho, em particular o infantil. Eis
uma frase ilustrativa do que acabo de
afi rmar: Os desenhos estereotipados
empobrecem a perceção e a imaginação
da criança, inibem a sua necessidade
expressiva; bloqueiam os seus
processos mentais, não permitem que
desenvolvam naturalmente as suas
potencialidades.
Preconizar a abolição do estereótipo
em nome da inventividade será
manifestamente uma injúria à tra
dição, ao reconhecimento identitário
de uma comunidade e aos seus sistemas
de comunicação. Nenhuma centelha
de criação acontece a partir do nada.
A tabula rasa será sempre uma utopia
e nem mesmo os espíritos mais
libertários e progressistas do passado
conseguiram romper de forma absoluta
com a milenar herança vérbico-visual.
Deseja-se a destruição das formas fi xas,
repetitivas e de aparência absurda
1 Talvez importe no presente preocuparmo-nos com a afi nação das palavras, cada vez mais de-sapossadas do seu signifi cado original. Eti-mologicamente Cor — deriva
do Latim Cor (cordis) que signifi ca do coração, lugar do sentimento e espírito; do grego: καρδιά; do francês: cœur; tendo como família etimológica exemplos como: concordar [com
o coração], cordial [grato ao coração]; recordar [voltar ao coração], etc. Esta investigação surge de uma recolha livre a partir de vários dicionários etimológicos mas tomando
“(…) Quanto mais o ouvinte se esquece de si próprio, tanto mais profundamente se grava nele aquilo que ouve.”
Escreve ou desenha alguma forma que saibas de cor.
como referência o Dicionário Hou-aiss da Língua Portuguesa.2 Steiner, George — No Castelo do Barba Azul. Relógio D´água, Lisboa, 1992. P.1113 Benjamin, Walter — Sobre arte, técnica, linguagem e política. Relógio D´água, Lisboa, 1992. P. 364 Estereótipo — chapa de metal sólida e inteiriça
gravada fotome-canicamente em relevo destinada à impressão de imagens e textos em prensa tipográfi ca. Es-téreo — do grego stereós,á,ón; sólido, pode dizer-se tridimensional, em compostos da terminologia técnica e científi ca do século XIX em diante. Tipo — do grego túpos, marca feita a
golpe, marca impressa, fi gura, símbolo etc., do latim typus, fi gura, imagem, estátua; representação; objecto ou coisa que serve ou se usa para produ-zir outro igual ou semelhante; modelo.5 Idem, p.56
PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS 9 | LURA
Entre 30 de maio e 1 de junho, o Servi-
ço Educativo d’A Ofi cina apresenta um
espetáculo de poesia para crianças entre
os 3 e os 5 anos, de seu nome Poemas
Para Bocas Pequenas, de Margarida
Mestre e António-Pedro. Tendo estreado
no dia 14 de janeiro deste ano no Teatro
Maria Matos, apresentamos aqui uma
pequena entrevista, pertencente à folha
de sala do espetáculo.
A entrevista é conduzida por Susana Me-
nezes, programadora do Serviço Educa-
tivo daquele teatro.
Susana Menezes: Para que achas que
serve a poesia?
Margarida Mestre: A poesia é um local
em que se cruza a beleza das coisas com
a linguagem que as diz.
Susana: Achas que há poemas do tama-
nho da boca e poemas do tamanho do
corpo inteiro?
Margarida: Sim, há poemas que preci-
sam de poucas palavras para nos dei-
xarem uma enorme paisagem de pensa-
mento, outros que precisam de muitas
palavras para chegarmos a senti-los no
corpo todo. Além disso, precisam de
tempo para as palavras se instalarem no
nosso corpo e começarem a produzir a
sua música.
Susana: Qual foi o critério que utilizaste
para a escolha dos poemas que entram
no espetáculo?
Margarida: Escolher poemas que me
encantassem, que com eles vibrasse ou
me emocionasse e encontrar um leque
de temas que verdadeiramente tocasse
no pensamento e no corpo das crian-
ças desta faixa etária. Ou, pelo menos,
naquilo que eu acho que é o pensamento
e sensibilidade delas. Depois, lancei-me
também eu na escrita de poemas a partir
das conversas que fi zemos com a Dina
Mendonça (especialista em Filosofi a
para crianças) e um grupo de crianças do
jardim de Infância da Voz do Operário.
Susana: Quais são as tuas principais
preocupações quando fazes um espetá-
culo para crianças?
Margarida: Quero sempre fazer um
espetáculo que interesse a todos. Exijo
a qualidade de conteúdos e de interpre-
tação igual a qualquer outro e privilegio
a experiência musical e sensorial da
linguagem e dos temas. A experiência do
corpo, dos sentidos. Procuro também
encontrar momentos de encantamento
com recursos simples, ao nível da capa-
cidade de descodifi cação, promovendo a
surpresa e tentando ir para além daquilo
que esperam. Preocupo-me em escolher
temas que lhes interessem e (espero)
alargar esse horizonte!
Susana: Dizes poesia ao teu fi lho?
Margarida: Muito. Ensaio com ele!
Susana: Dizes poesia no banho?
Margarida: Não. Não sei se conseguiria
depois secar as palavras todas para que
voassem à sua vontade.
Poemas para Bocas Pequenas
© Paulo Pacheco
TRILHOS MARCAS QUE FICARAM E QUEREMOS PARTILHAR10 | LURA
Quando passar por mim na rua, diga-
-me qualquer coisa
e não como auxílio de locomoção. E o
“adereço” não entrará no espetáculo. Só tenho pena é que isto…acaba hoje. Mas é mesmo assim, não é? Tem de acabar... (É, Miguel, é mesmo assim, tem de ter um
fim como tem um início. Desculpe…)
O jantar segue animado. Cantam,
dançam. Brincam como devíamos todos
até ao fim da vida. Mas alguém dá as
horas e um brinde dita o fim do jantar.
Responsabilidade maior: preparar para
entrar em palco. Rumam aos respetivos
camarins. E eu…fico a sorrir.
O espetáculo. Os que o perderam,
perderam também uma magistral aula
de saber estar – simples, e contudo
complexo. Gestos que vão até onde
os músculos permitem, corpos que
denunciam o tempo mas também a
dignidade de quem não se esconde, de
quem não pede desculpa por décadas
vividas. Corpos que contrariam o
preconceito e que por isso também
correm, se entregam ao chão e ousam a
procura do desequilíbrio. Movimentos
que refletem as vidas, com uma grande
parte passada em fábricas ou debaixo
do sol que queima o rosto mas não cega
a alma. E a Margarida! Que faz, quanto
a mim, uma das coisas mais difíceis em
cena – simplesmente ESTÁ, à boca de
cena, imóvel porém viva, encarando
o público com a mesma serenidade
com que diz bom dia quando chega
a qualquer lado. No seu tempo, sem
pressa, sem ansiedade e um sorriso que,
não estando lá, podemos todos senti-lo
na plateia.
E o tempo voa e o espetáculo termina.
Cá fora, mais um brinde, desta vez
com toda a equipa. Fica-se assim um
bocadinho. Trocam-se sorrisos e alguém
diz e pronto! Já está! Trocam-se abraços
e dão-se as despedidas. Até à próxima! E que não demore… Quem acompanha um grupo de
participantes como este fica com um
misto de sensações no final. Por um
lado, a satisfação de ver concluído
um projeto que, paralelamente à
dimensão artística tem uma importante
dimensão social. Permite a integração
das ditas comunidades na criação
artística, dando-lhes não o lugar dos
artistas mas o seu próprio lugar na
manifestação artística, respeitando
e, diria, honrando, quem são e quanto
podem contribuir. Por outro lado, e há
que admiti-lo, uma certa tristeza porque
sabemos que aquelas pessoas, amanhã,
sentirão um certo vazio. Mas passará…
(sim… e as experiências valem por si só e
pelo tempo que duram).
Sandra Barros*
*
integra a equipa do
Serviço Educativo
Quando passar por mim na rua, diga-me qualquer coisa. Mesmo que não a reconheça. O receio da Joaquina
prende-se com a memória. O corpo
que sabe de cor o que tem de fazer em
palco dali a duas horas e a cabeça que
tantas pistas deu aos mais “novos”
durante os ensaios, receiam perder-se
nos meandros do quotidiano. O aspeto
cuidado e o batom nos lábios não
denunciam os seus 89 anos. Mas eles
estão lá e ela sabe-o.
Encontro a Joaquina junto do restante
elenco d’O Tempo do Corpo – espetáculo
no qual participam. São 17 pessoas,
entre os 63 e os 89 anos. Estão neste
momento no jantar volante que
antecede o espetáculo. Entusiasmados,
relembram histórias enquanto comem.
Umas, a maioria, memórias alegres.
Outras tristes, das que geram o silêncio
de quem procura na memória mais do
que a sucessão dos factos, a emoção do
momento rememorado.
Mas logo alguém interrompe – E lembram-se quando…? E o som estala de
novo em risos.
São mestres de cerimónia e convidados
da sua própria festa. Pergunto,
brincando, se não vão gastar as energias
todas no jantar. Riem. Oh menina, eu sinto-me melhor do que nunca, diz um. E logo outro – por mim, depois [do espetáculo] ainda podemos ir bailar à antiga.(façamos uma pausa no jantar e
falemos um pouco sobre O TEMPO
DO CORPO. Este é um projeto de
dança contemporânea com direção
de Sofia Silva. Destina-se a ser
interpretado por pessoas com mais
de 60 anos e desenvolve-se a partir
das características do corpo de cada
participante, revelando a maturidade
de cada movimento e assumindo o
corpo como um documento que regista
a passagem do tempo. Com apenas
duas semanas de trabalho, se bem que
intensivas, o espetáculo apresentou-se
no Pequeno Auditório do CCVF, a 12 de
outubro de 2013)
De volta ao jantar…divirto-me muito
na companhia destas pessoas. É
contagiante a sua alegria. A alegria
de estarem ali, de fazerem parte
do projeto, de terem quebrada a
sua rotina. Quando o Miguel me
confessa que na noite anterior dormiu
maravilhosamente, como há muito não
lhe acontecia, retorqui que os ensaios e
o cansaço tinham esse efeito. Emociono-
me quando ele diz nada disso!, sinto-me é muito bem!. É por isso que lhe é mais
fácil adormecer; por isso a canadiana
que usa habitualmente há já uns dias
que funciona como simples adereço
António Matos*TODOS POR UMA CAUSA
Todos pela Deficiência O “Todos por uma causa – Todos pela deficiência” é um evento cuja primeira
ação datou 19 de julho de 2013, na Pis-
ta Gémeos Castro, em Guimarães.
Surgiu da necessidade da Santa Casa
da Misericórdia de Guimarães levar à
comunidade, com o auxílio de variadís-
simos parceiros, a realidade que pode-
mos encontrar na valência ALECRIM –
Lar Residencial e Centro de Atividades
Ocupacionais para a Deficiência.
Contámos com mais de 100 participan-
tes portadores de deficiência que pude-
ram participar em dois dos seis ateliês
preparados (dança, pintura, boot camp,
sentidos, relaxamento ativo e ioga) e
mais de 20 voluntários distribuídos por
elementos da Santa Casa da Misericór-
dia de Guimarães, elementos indepen-
dentes e da Cruz Vermelha Portuguesa.
Terminámos a manhã com uma atuação
verdadeiramente surpreendente
das “Rodas Dançantes” e seguimos
para um almoço piquenique de
confraternização.
Durante a parte da tarde, os técnicos,
os utentes, os familiares e o pessoal au-
xiliar teve o privilégio de participar na
conferência “Diferença Feliz” ministra-
da pelo Professor Álvaro Cidrais, se-
guida de uma tertúlia que abriu espaço
a partilhas entre os presentes.
Este grande dia, o primeiro de muitos
que contamos organizar, terminou com
uma largada de balões e o agradecimen-
to a todas as pessoas, instituições e par-
ceiros que tornaram este dia possível.
Tendo em conta as repercussões positi-
vas deste evento, tencionamos repeti-
lo e alargá-lo a outras populações, às
escolas, a toda a população, massifi-
cando a participação neste evento e,
por isso, chegou a hora de qualquer
cidadão participar de forma ativa e
ajudar à repetição deste evento.
Nos dias 7 e 8 de Dezembro, entre as
10h e as 19h, realizou-se nas instala-
ções do nosso parceiro “Arrecadações
da Quintã” uma ação de angariação de
ajudas para a realização da 2a edição
do “Todos por uma causa – Todos pela deficiência”. Trocámos lindíssimos
objetos de decoração por generosidade
e o montante recolhido reverteu para
toda a organização da 2a edição do
“Todos por uma causa – Todos pela deficiência”.
Toda a ajuda é um degrau que
ultrapassamos e que nos aproxima
do grande objetivo que passa por
organizarmos um dia que visa a
partilha de emoções, aprendizagens,
saberes e vivências ricas, alargado a
todos os que queiram fazer parte, sem
rótulos, diferenças ou limitações.
Contamos consigo! Contamos com a sua
luta por esta causa!
Aceitam-se Colaborações, Sugestões, Ideias e Outras Coisas… para publicação neste Jornal
Dir
eito
s R
eser
vado
s
* Animador Sociocultural da
valência CAO/Alecrim da Santa Casa
da Misericórdia de Guimarães
MIGRARDo cais 33 à casa da Helena, passando por GuimarãesA performance comunitária Migrar foi
construída a partir de um desafio da
associação cultural La Fin Terrible, de
Ovar, dirigida, entre outros, por Fátima
Alçada e Rafael Polónia. Ambos, nós e
eles, Amarelo Silvestre e La Fin Terri-
ble, queríamos muito pensar a cidade,
pensar as pessoas na cidade. Imaginámo-
-nos, então, a partir para chegar como se
fosse pela primeira vez. A fazer um per-
curso. Pensámos fazer isso em silêncio,
para que a cidade se fizesse ouvir.
Fascina-nos o que diz Merleau-Ponty: “Só
vemos aquilo para que olhamos”. Então,
partimos e chegamos à mesma cidade e
olhamos muito. Para ver. Para nos ver. E
depois há perguntas: Que cidades somos
nós? As cidades também morrem? Mais,
mais perguntas. Quando olhamos muito,
ficamos com fome de perguntas.
A 7 de Setembro deste ano 13 aconteceu
partir e chegar à mesma cidade de
Guimarães.
Chegámos ao Cais 33. Central de camio-
nagem. À nossa frente, toda a cidade que
conhecíamos e desconhecíamos como
a palma da nossa mão. E logo naquele
instante da chegada, partimos. A mala
na mão, claro. Tudo o que eu tenho trago comigo1.
Partimos do Cais 33. Os pés no chão, a
pele debaixo do sol. A mala na mão, claro.
Migrantes a caminho. Enquanto viajas ainda não chegaste1. Quanto mais cida-
des deixávamos para trás, mais cidades
tínhamos pela frente. A cidade betão, a
cidade campo, a cidade ruína, a cidade
rio, a cidade pessoas, a cidade tanque, a
cidade comunidade, a cidade labirinto, a
cidade ruína humana, a cidade postal, a
cidade Património, a cidade pulmão, a ci-
dade trabalho, a cidade fábrica, a cidade
couros, a cidade papão, a cidade casa.
Olhámos para o relógio: a solidão nos
passos contados. 2 horas a pé. Da nossa
boca, silêncio. A cidade a entrar-nos
pelos olhos, pelo nariz, pelos ouvidos,
a colar-se-nos à pele. Que cidade quere-
mos para nós? Quem é que a cidade quer
para ela?
Chegámos a casa da Helena. Rua da
Rainha. Sejam bem-vindos. A casa era,
afinal, nossa. Fazes falta aqui. E fize-
mos chá e pusemos bolachas na mesa e
olhámo-nos nos olhos. Chegámos. E só
não descalçámos os sapatos para calçar
os chinelos porque estávamos prestes
a partir para chegar, novamente. Eu sei que voltas. Uma frase destas mantém uma pessoa viva1. E voltámos. Cada qual
à sua cidade casa. E, quando nos olhá-
mos ao espelho, éramos outra cidade,
porque partimos para chegar ali.
*
Criadores e intérpretes
de Migrar – Performance
Comunitária; fundadores da
Associação Amarelo Silvestre
Fernando Giestas e
Rafaela Santos*
© D
irei
tos
Res
erva
dos
1 frases do livro Tudo o que eu
tenho trago comigo, de Herta
Müller, inscritas ao longo do
percurso de Migrar.
11 | LURANA LURA ESPAÇO DE TODOS PARA TODOS
Visita Exposição
02 JANEIRO A 02 FEVEREIRO
Flor na Pele
Visitas/ Oficinas
11 JAN., 08 FEV., 01 MAR, 08 MAR
Sábados em Família
Visita Exposição
25 JANEIRO A 13 ABRIL
A composição do ArProvas de Contacto José de GuimarãesEstrela negra Jarosław FliciňskiPreto no branco Oficina ARARA
Visita Exposição
25 JANEIRO A 06 ABRIL
Coração e Cinzas Arlindo Silva
Oficinas Artes
JANEIRO A MARÇO
Vai e Vem
Visita CCVF
JANEIRO A MARÇO
Um teatro por dentro e por fora
Oficinas
JANEIRO A JULHO
Oficinas de artes tradi-cionais
Teatro
31 JANEIRO E 01 FEVEREIRO
Uma aventura no espaço
Teatro
09 A 11 MARÇO
A Caminhada dos Elefantes
Visita PAC
JANEIRO A MARÇO
Do Mercado à Plataforma
M/ 12 ANOS
Teatro
28 E 29 MARÇO
MIMA- -FATÁXA
Audiowalk
TODO O ANO
Atabicar o caminho
M/ 4 ANOS M/ 6 ANOS JOVENS E ADULTOS
Preços_Consultar condições específicas em www.ccvf.pt
Reservas para espetáculos
Tlf 253 424 700 / Fax 253 424 [email protected]
Informações e reservas para outras atividades
Tlf 253 424 [email protected]
Centro Cultural Vila FlorAv. D. Afonso Henriques, 7014810 431 Guimarães Tel 253 424 [email protected]
Organização Apoios
MAPA DE BOLSOA nossa agenda do trimestre
Oficinas Artes
JANEIRO A MARÇO
Atelier Aberto CIAJG
Oficinas Arte Pedagogia
29 E 30 JAN | 19 E 20 FEV
19 E 20 MAR
Corpo comum
Aulas Públicas
22 FEVEREIRO
10 X 10
Espe
tácu
lo "
Tem
po d
o Co
rpo"
© P
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Pac
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