ADMINISTRAÇÃO PARTICIPATIVA
Universidade de Brasília
FACE - Departamento de Administração
Sumário
1.0 Introdução........................................................................................................ 02
2.0 Conceitos de administração participativa......................................................... 04
3.0 Implementação da administração participativa................................................ 10
4.0 Vantagens e desvantagens.............................................................................. 13
5.0 Conclusão........................................................................................................ 16
6.0 Referências...................................................................................................... 18
7.0 Anexos............................................................................................................. 21
7.1 Anexo A...................................................................................................... 21
7.2 Anexo B...................................................................................................... 32
1
1.0 Introdução
O envolvimento das pessoas no processo de tomada de decisão e no
desenvolvimento de estratégias para a geração, disseminação e utilização do
conhecimento são as concepções que a participação representa.
O desafio dos novos gestores empresariais, que tem como objetivo atingir a
eficácia e a efetividade na produção e prestação de serviços, é trabalhar de forma a
obter o melhor aproveitamento do conhecimento.
A administração participativa, neste contexto, é uma maneira de melhor
distribuir os direitos e deveres de cada membro envolvido na vida organizacional e
suas conseqüentes responsabilidades.
No primeiro momento, analisaremos uma síntese conceitual abordada por
diversos autores a respeito da administração participativa e as suas dimensões, tais
como: autonomia, diversidade, flexibilidade, igualdade, oportunidade,
responsabilidade, valores participativos e trabalho em grupo, que são características
que devem ser compartilhadas por todos os elementos de uma organização para o
alcance mais provável do sucesso.
No segundo momento analisaremos o processo de implementação, que
envolve algumas mudanças no comportamento das pessoas, estrutura da
organização e visão sistêmica, tendo como principal objetivo a integração de todos
os elementos da vida organizacional de uma empresa. Abordaremos também a
importância de uma análise do ambiente interno e externo à organização, na
definição do melhor formato organizacional e da conscientização dos funcionários,
fazendo com que todos participem da colaboração e dos resultados obtidos.
Após a implementação, analisaremos as vantagens e desvantagens desse
processo, utilizando um estudo de caso a respeito da SEMCO para melhor
exemplificar as vantagens e auxiliar no entendimento.
Conforme trataremos no decorrer do trabalho, as vantagens e desvantagens
são relativas, podendo ser analisadas em diferentes aspectos, por isso a relevância
de quem está abordando, pois, dependendo do ponto de vista, uma vantagem pode
ser interpretada como uma desvantagem.
Seguem em anexo estudos de caso a respeito do tema trabalhado, sendo de
fundamental importância, pois ajudam na melhor compreensão do tema e sua
2
aplicação prática na vida das organizações, considerando que o assunto é muito
abstrato e ainda não é tido como uma ferramenta e sim como uma linha de visão.
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2.0 Conceitos
Segundo SANTOS, PACHECO, FERREIRA et al. (2001) muitas práticas
gerenciais surgiam e ainda surgem, e sendo apresentadas pelos seus proponentes
(geralmente empresas de consultoria empresarial) como a solução dos desafios
gerenciais e, eventualmente, recebidas pelo meio acadêmico e empresarial como
"modismos". Assim, idéias e práticas novas como Qualidade Total, Reengenharia,
Gestão Participativa, Terceirização e Alianças Estratégicas, entre outras, precisaram
contar com o tempo para ficar claro que as organizações adequam os seus modelos
de gestão muito mais por um processo de evolução contínua do que por rompimento
ou substituição dos conhecimentos gerenciais.
Neste sentido, para identificar e avaliar as características peculiares às novas
práticas de gestão empresarial, hoje dispersas na literatura e nas pesquisas
acadêmicas na área de Administração, é preciso analisá-las dentro do contexto
histórico de sua evolução e de sua relação com o conjunto de outras práticas
gerenciais.
PEREIRA (1995) desenvolveu um modelo de análise da evolução dos
modelos de gestão que contempla três níveis conceituais:
a) o conceito de "Ondas de Transformação" (TOFFLER, 1980, p. 24): trata-se
dos grandes momentos históricos de evolução da sociedade humana, cada qual
com seus paradigmas próprios relacionados aos aspectos político, econômico,
social, tecnológico e organizacional;
b) o conceito de "Eras Empresariais" (MARANALDO, 1989, p. 60): trata-se
dos estágios de evolução empresarial, a partir da Revolução Industrial (Segunda
Onda de Transformação), cada um com seus paradigmas gerenciais próprios;
c) o conceito de "Modelos de Gestão": trata-se do conjunto próprio de
concepções filosóficas e idéias administrativas que operacionalizam as práticas
gerenciais nas organizações
Segundo estes modelos, dividiu-se o cenário histórico da evolução das
abordagens da Administração em momentos. Inicialmente, as Grandes Ondas de
Transformação, compreendendo três grandes períodos: a Revolução Agrícola (até
1750 D.C.), a Revolução Industrial (1750 a 1970) e a Revolução da Informação
(após 1970).
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Dentro destes períodos, foram analisadas as abordagens da Administração,
segundo o seguinte esquema:
a) Durante a 2ª Revolução Industrial, inicia-se, em torno de 1920, a Era da
Gestão Empresarial, a qual se divide em 4 períodos diferentes:
Era da Produção em Massa (1920-1949) - Caracterizou-se pela produção em
massa de bens sem qualquer preocupação com cliente; a empresa determinava
a especificação do produto, visando assegurar a padronização do processo na
linha de montagem. Assim, procurava-se atingir grandes volumes de produção
para baixar o custo;
Era da Eficiência (1950-1988) - Caracterizou-se pela preocupação da empresa
em controlar suas operações, visando obter produtividade; a ênfase era sobre
controle administrativo (planejamento, orçamento, avaliação e outros
procedimentos administrativos). A empresa continuava distante do cliente e se
burocratizava crescentemente, voltando-se para dentro de si;
Era da Qualidade (1970-1989) – Caracterizou-se pela busca da satisfação do
cliente. Através da filosofia da melhoria contínua dos processos. Para tanto,
desenvolveu-se a gestão através de equipes, visando motivar e comprometer as
pessoas com os resultados;
Era da Competitividade (a partir de 1990) – Sua principal característica é a busca
da sobrevivência da empresa numa economia cada vez mais globalizada, o que
exigirá da mesma concentrar seus esforços num foco de negócio específico em
que será competitiva (“core pertence”). Para tanto, deverá agregar à filosofia da
qualidade (que já assimilou na Era anterior) a busca de parcerias com outras
empresas e modelos de gestão mais avançados (de onde emergiu nos últimos
anos a Reengenharia).
É evidente que a evolução da gestão empresarial não ficará estacionada na Era
da Competitividade: assim, já se vislumbra uma próxima era emergente, que alguns
estão rotulando de “Era do Capital Humano”, quando a principal característica das
empresas será a sua sobrevivência através da sua competência baseada no
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conhecimento, ou seja, nas pessoas ( talentos): assim, ao capital físico e financeiro,
deverá se agregar o capital humano como o mais importante para a competitividade
de uma empresa. À medida em que as eras empresariais foram evoluindo,
igualmente os modelos de gestão foram se adaptando às novas situações e às
necessidades das empresas.
b) As duas primeiras Eras, Produção em Massa e Eficiência, correspondem
às abordagens tradicionais da Administração, da Escola Clássica à Teoria da
Contingência.
c) As duas últimas Eras (Qualidade e Competitividade) correspondem às
Novas Abordagens da Administração, que são os seguintes:
- Administração Japonesa
- Administração Participativa
Em decorrência do sucesso crescente alcançado pelas empresas japonesas a
partir dos anos 70, diversas empresas ocidentais passaram a tentar repetir as
práticas japonesas de gestão, sobretudo com a implantação de programas de
Qualidade Total e de Círculos de Controle de Qualidade – CCQs. Assim, estimulou-
se a gestão de estilo participativo nestas organizações, as quais se viram obrigadas
a adaptar as práticas de gestão japonesa à realidade cultural própria. Em
decorrência disto, várias empresas passam a desenvolver e estimular a participação
dos empregados, através de Comissões de Fábrica, Células de Produção, Times de
Qualidade, Grupos de Melhoria Contínua e outras formas mais recentes de
participação em busca de equipes auto-motivadas e auto-gerenciadas, como o
“Empowerment” por exemplo. A filosofia básica do modelo de gestão participativa é
a busca do comprometimento individual com os resultados ou com a missão da
empresa, através de processos decisórios consensuais e de trabalho em equipes.
De acordo com SANTOS, PACHECO, FERREIRA et al. (2001), a participação
é, na realidade, muito mais um estilo de gestão do que um conjunto de práticas e
mecanismos de gestão. Neste sentido, a sua análise se voltou mais para as formas
como se operacionaliza o estilo participativo de gestão. Segundo MARANALDO
apud SANTOS, PACHECO, FERREIRA et al. (2001), “Administração Participativa é
o conjunto harmônico de sistemas, condições organizacionais e comportamentos
gerenciais que provocam e incentivam a participação de todos no processo de
administrar os três recursos gerenciais (Capital, Informação e Recursos Humanos),
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obtendo, através dessa participação, o total comprometimento com os resultados,
medidos como eficiência, eficácia e qualidade”.
Ainda de acordo com os autores SANTOS, PACHECO, FERREIRA et al.
(2001), a segunda parte do conceito aborda outro aspecto importante, indicando os
dois pilares que sustentam a gestão participativa: a participação de todos e o
comprometimento total com os resultados. Participação de todos significa que, a
princípio nenhuma pessoa, em qualquer nível hierárquico, deve ser excluída do
processo participativo. Já o comprometimento total com os resultados garante que
cada pessoa está consciente da sua responsabilidade individual com os resultados a
serem perseguidos pela equipe ou pela empresa. Este comprometimento é uma das
características mais importantes da administração participativa, pois disciplina a
atuação individual de cada pessoa, evitando o risco de pender para o assembleismo.
De acordo com artigo da Revista FAE, BOBBIO (1992) apresenta
administração participativa como um conjunto de regras ou procedimentos para a
tomada de decisões coletivas, nas quais são criadas oportunidades para o
envolvimento mais amplo possível dos interessados. Trata-se de um sistema de
gestão que estimula a cooperação entre grupos que realizam diferentes funções,
com o propósito de satisfazer as necessidades dos clientes de uma maneira mais
efetiva. Esta mudança de concepção resulta em um maior número de sugestões
apresentadas pelos colaboradores e aceitas pelo corpo dirigente, além de fortificar o
sentimento de propriedade grupal sobre os processos de trabalho (KLIKSBERG,
1999). Para MCLAGAN (2000), uma organização participativa valoriza a delegação
de poderes, as responsabilidades pessoais e o acesso aberto à informação. Sua
estrutura é definida para refletir e reforçar a transparência, tornar mais fácil o acesso
entre níveis e funções, organizar o trabalho voltado para o cliente, encurtar as
distâncias até os fornecedores e ajudar as pessoas a operarem em uma diversidade
de equipes autogerenciáveis. As equipes tornam-se, dessa maneira, flexíveis e
permanentes, com relacionamentos horizontais, onde todas as pessoas cooperam
no fluxo de trabalho e agregam valor aos produtos e serviços.
De acordo com o mesmo artigo da Revista FAE: “À luz da gestão participativa
algumas dimensões contemplam as ações, compartilhadas pelos indivíduos no
exercício de suas atividades de trabalho, que podem influenciar, direta ou
indiretamente, o alcance do sucesso nos negócios: valores participativos,
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responsabilidade, diversidade, oportunidade, flexibilidade, igualdade, diálogo e
autonomia”.
A autonomia é uma dimensão que está voltada às pessoas ou às equipes.
Representa condições e poderes, delegados ou não, para gerenciar as atividades
diárias e tomar decisões de forma independente e isenta, dentro das características
e do perfil das pessoas e dos grupos.
Outra dimensão diz respeito à diversidade de pessoas e grupos que
participam nos processos decisórios e de trabalho, sejam eles de diferentes níveis e
de diferentes áreas de atuação. Apesar da maior possibilidade de conflitos, o
conjunto de possíveis soluções também aumenta. Por outro lado, quando se busca o
consenso, costuma-se adquirir legitimidade das mudanças, novas estratégias ou
decisões. A aceitação de uma idéia pela maioria representa maiores chances de
sucesso nos processos de intervenção organizacional.
A flexibilidade representa estruturas modificáveis e adaptáveis às mudanças.
A estrutura organizacional é um instrumento dinâmico e deve ser alterada quando se
mudam as estratégias de ação. Na hierarquia, preconiza-se a aceitação de
ambigüidades, paradoxos e contradições como fatores inerentes à vida
organizacional em um ambiente de transformações rápidas. As idéias de
flexibilização estruturais têm raízes na administração por objetivos. Já a
flexibilização operacional está relacionada a respostas de alterações nos
procedimentos e métodos de trabalho.
A igualdade de participação daqueles que efetivamente são chamados a
apresentar sugestões de melhorias dos processos de trabalho representa a garantia
para que todos tenham voz nas discussões. A igualdade diz respeito à efetiva
participação nas decisões, independentemente do cargo ou função exercida.
A oportunidade de participação representa a possibilidade para que diversas
pessoas e grupos sejam contatados e estimulados a participar das reuniões de
trabalho e das decisões a serem tomadas. É importante ressaltar que não devem
existir barreiras técnicas, funcionais ou psicológicas para a participação das
pessoas, pois cada esforço participativo ocorre para maximizar os resultados a
serem obtidos no ambiente de trabalho.
Já a responsabilidade compreende a obrigação do indivíduo de responder
por um ato próprio ou em nome de outrem. É a atribuição dada ao participante
envolvido na decisão de responder pelos eventuais reflexos, positivos ou negativos,
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das ações implementadas. A gestão participativa precisa garantir que todos sejam
responsáveis pelos seus atos e que tenham os seus direitos e deveres
semelhantemente respeitados.
Os valores participativos são aqueles internalizados e compartilhados, de
modo integrado, pelos membros organizacionais. Todas as pessoas precisam estar
interessadas, envolvidas e comprometidas com esses valores. De maneira geral, os
valores considerados como dimensões efetivas para a gestão participativa implicam
atitudes, hábitos e costumes favoráveis e compatíveis com a participação decisória
em todos os níveis da organização.
A dimensão do trabalho em grupo abrange a capacidade das equipes em
introduzir técnicas de comunicação e de cooperação mútua, considerando-se as
características especiais próprias. O reconhecimento dos talentos individuais e das
equipes propicia igualdade de acesso às oportunidades de desenvolvimento
profissional existentes, segundo as competências e contribuições de cada um. “Os
resultados de um esforço de trabalho coletivo têm maiores chances de serem
alcançados quando há interesse das pessoas em prestar auxílio umas às outras,
mediante um espírito de solidariedade e comprometimento com a causa do
trabalho.”
O principal fator relevante na gestão participativa, para a maioria dos autores,
é a colaboração e a motivação do Recurso Humano. Como destaca o MASIEIRO “O
princípio básico da administração é valorizar e respeitar o trabalhador enquanto ser
humano, como fundamental para condução dos negócios, e não simplesmente um
componente da estrutura produtiva como uma máquina qualquer.” Portanto neste
tipo de administração a principal “máquina” é o ser humano, com suas idéias,
colaborações, opiniões, e atitudes que influenciam e contribuem para a melhora na
eficiência da gestão.
Outro conceito é defendido pelo autor KANAANE: “As organizações
necessitam adotar posturas mais flexíveis com relação às concepções sobre poder
de influência, o que implica a adoção de estratégias compatíveis com o
envolvimento e o engajamento dos trabalhadores, possibilitando a valorização do
potencial Humano”.
Alguns tipos de participação se restringem a chamada participação
concedida: se abre espaço para os membros de outros níveis (tático e operacional),
opinarem, discutirem e sugerirem, mas não há participação nas decisões de poder,
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ou seja, a opinião que realmente vale na posição final da organização é a das
pessoas que se encontram no topo hierárquico, sem levar em conta a sugestão dos
funcionários.
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3.0 Processo de Implementação da Administração Participativa nas
Organizações
Como a organização participativa tem como objetivo real e principal o
envolvimento das pessoas na tomada de decisões, atribuindo assim um maior
comprometimento e responsabilidade perante ela, essa opção das empresas em
implementar a administração participativa, apresenta um estilo mais dinâmico e
aberto, criando assim mais oportunidades, liberando potenciais e estimulando a
iniciativa individual.
Tal implantação envolve mudanças em três partes da organização: no
comportamento, na estrutura e na visão sistêmica. Ao mudar o comportamento da
organização, há uma transformação na arte de administrar pessoas, que passa de
um poder autoritário, hierárquico para um modelo onde existe cooperação, liderança,
responsabilidade e autonomia para novas idéias. A estrutura envolve mudança de
distribuição de poder, ou seja, o modelo novo a ser adotado deve facilitar que todos
os integrantes tenham uma maior participação em todo o processo da organização,
descaracterizando o modelo rígido, cheio de normas e procedimentos. E a visão
sistêmica tem como maior objetivo a integração de todos, de maneira que participem
nas decisões sobre diferentes assuntos da organização.
Além da mudança nas partes das organizações, existem as cinco revoluções
que são de necessária importância para que a organização se envolva, sendo elas:
revolução dos serviços, revolução da organização, revolução do desenvolvimento,
revolução da comunicação e revolução do ser humano, que acaba se misturando
muito com o que já foi citado sobre mudanças importantes.
Revolução dos serviços compreende a introdução de novas tecnologias e
maior qualidade e produtividade;
Revolução na organização: envolve menor hierarquia, maior sinergia
operacional e maior relação com o cliente, voltando o maior poder para a
base da pirâmide;
Revolução do desenvolvimento: busca novas alianças e parcerias, introdução
de novos negócios e de novas filosofias;
Revolução da comunicação: busca uma imagem melhorada junto aos clientes
e para com a sociedade, além de dar ênfase na cultura organizacional; e
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Revolução do ser humano: envolve o trabalho com auto-realização, maior
oportunidade de carreira na empresa, participação de todos os colaboradores
nos resultados obtidos, desenvolvimento de lideranças, novos investimentos
em RH. Passa a existir uma relação empregatícia de parceria.
Ou seja, antes da implementação do processo de gestão participativa, é
necessário que se tenha um diagnóstico analítico do ambiente interno e externo no
qual a instituição está inserida. Esse diagnóstico deve considerar os aspectos
culturais e estruturais da organização, onde deve ocorrer também um levantamento
dos aspectos positivos e negativos, definindo claramente os objetivos ou resultados
que se deseja alcançar com a implementação de um modelo de gestão participativa,
dentre os quais podem se destacar a procura pela melhoria da qualidade, aumento
na produtividade, maior flexibilidade na utilização dos recursos, melhoria no
ambiente de trabalho, dentre outros mais compatíveis com o modelo participativo.
Uma vez concluído o diagnóstico, será possível definir o melhor formato
organizacional para implementação do processo, bem como a verificação se o
modelo de gestão participativa é compatível com o ambiente organizacional.
Verificada a compatibilidade do modelo participativo com o ambiente
organizacional, é necessária uma etapa de conscientização dos funcionários,
relatando as conseqüências que tal modelo trará para a organização, bem como
uma preparação no nível de capacitação dos funcionários que não estejam
preparados para a mudança, pois deve ficar claro que a responsabilidade individual
de cada um crescerá devido ao aumento da sua participação dentro do processo
decisório na organização.
Visto que as condições fundamentais dessas mudanças para a administração
participativa implicam na perda parcial do poder nos níveis hierárquicos superiores,
delegação efetiva da autoridade, negociação de áreas de competência e capacidade
de autonomizar gradualmente os grupos, sem esquecer da irreversibilidade do
processo de participação, é muito importante que seja realizado todo um estudo
antes de tal mudança.
O sucesso na implementação dependerá fundamentalmente da redução de
níveis hierárquicos verticalizados, promovendo uma maior horizontalização do
poder, que deve ser dissolvido dentre os funcionários, no intuito de valorizar e
estimular a participação de todos.
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Ao implementar o processo de gestão participativa, deve-se ter a consciência
da irreversibilidade do processo, pois uma vez implementado, será difícil o
consentimento dos funcionários para voltarem a uma estrutura com valores
hierárquicos discriminantes, onde deixarão uma relação de parceria com a
organização e voltarão a uma relação estritamente empregatícia, o que pode
provocar grande frustração e descrédito a qualquer esforço participativo futuro.
O novo modelo a ser implantado dever ser alocado de maneira a flexibilizar os
processos na organização, fazendo com que todos tenham parte na colaboração e
nos resultados obtidos.
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4.0 Vantagens e Desvantagens
A administração participativa tem diversas vantagens e desvantagens na sua
implementação. Às vezes o que pode ser vantagem pra um é desvantagem para
outro. Isso vai depender da forma com que a administração participativa foi
implementada e está sendo gerenciada.
A participação propicia melhor aproveitamento de todos os funcionários da
empresa, seja intelectualmente ou na sua produtividade. Há um maior dialogo entre
os funcionários e, conseqüentemente, o aumento da qualidade nas tomadas de
decisão. Com efetiva participação nas tomadas de decisão, os funcionários sentem-
se parte da empresa e passam a se dedicar mais ao trabalho.
Na administração participativa a hierarquia é minimizada. Há uma grande
delegação de poder, gerando uma divisão eqüitativa da responsabilidade. Mas isso
pode tornar-se uma desvantagem para o trabalhador, pois sua responsabilidade e
suas atividades aumentarão, mas o aumento do salário pode não ocorrer. Isso pode
gerar uma falta de motivação por parte dos funcionários.
A delegação de poder também pode ser considerada uma desvantagem se
considerarmos o ponto de vista dos funcionários de alto escalão, que estão
acostumados a mandar e a serem obedecidos, quando passam a ser tratados de
uma maneira menos formal, pois na administração participativa as diferenças são
minimizadas.
Mas não se pode negar que o clima organizacional fica muito melhor em uma
empresa em que todos os funcionários participam das tomadas de decisão, em uma
empresa em que cada setor escolhe o seu representante e em que não há tanta
formalidade como numa empresa que usa a administração diretiva. As pessoas
sentem-se livres para falar e sabem que estarão sendo ouvidas, que suas opiniões
de maneira geral são importantes e que serão consideradas.
A participação dos funcionários nas decisões relacionadas a promoções e
demissões faz com que a responsabilidade pelas decisões tomadas não seja
atribuída a apenas um representante, pois esta responsabilidade estará dividida
entre todos os operários. Mas a administração participativa não irá funcionar se não
houver certa cumplicidade entre os funcionários e a empresa, pois assim a
participação será confundida com baderna, surgirão idéias absurdas e falta de
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responsabilidade. Em uma empresa em que a administração participativa foi bem
implantada há uma base sólida para as tomadas de decisão.
Para FERREIRA (2002), alguns fatores fazem com que a participação dos
trabalhadores na administração das empresas seja necessária. Entre esses fatores,
podemos citar uma sociedade mais democrática, a classe trabalhista mais
organizada a atuante, trabalhadores cada vez progredindo mais em sua educação e
empresas cada vez mais complexas.
Ainda segundo FERREIRA, “Embora alguns autores vejam na participação
dos lucros um pretexto para levar o assalariado a trabalhar com maior intensidade
sem aumento correspondente em sua remuneração real e com isso intensificando
sua exploração, a idéia permaneceu e passou a constar da pauta de negociações e
discussões legais. Conquistando cada vez mais adeptos nos dias de hoje, a
participação nos lucros vem sendo implantada com relativo sucesso em várias
empresas de diversos países e é vista por alguns autores como um dos alicerces
para o desenvolvimento efetivo de uma filosofia de administração participativa nas
empresas”.
De acordo com o artigo escrito por Isaac Pinski, Mestre em Administração
pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de
São Paulo e doutorando pela mesma instituição à época e Donatila Brasil Rocha,
mestranda em Comunicação pela Universidade Católica de Santos, também à época
de redação do artigo, um caso interessante de Administração Participativa foi o
modelo implantado pela SEMCO, um grupo empresarial paulista fundado em 1953,
pelo engenheiro austríaco Antonio Curt Semler. A partir dos anos oitenta o grupo
passou a ser controlado pelo filho do fundador, o advogado Ricardo Semler.
Ainda de acordo com Pinski e Donatila, a SEMCO, que enfrentava graves
problemas econômicos devido à crise no setor naval, seu principal mercado
consumidor, criou um modelo chamado de “crença original”. Tal modelo dizia que
“motivação gera participação, que gera motivação”. Esse modelo “permitiu que
diversos assuntos que causavam mal-estar entre os funcionários fossem por eles
solucionados, tais como a definição dos horários de trabalho (e sua flexibilização), a
compensação de dias não trabalhados (e o cronograma anual de trabalho), e os
uniformes a serem utilizados (e se deveriam usá-los). Adicionalmente, a direção da
empresa solicitou aos funcionários que fizessem uma revisão do Plano de Cargos e
Salários existente, que era considerado obsoleto, e um instrumento excessivamente
15
sigiloso, com acesso exclusivo à direção da empresa”. Tais ações foram bastante
vantajosas para a SEMCO, visto que ela deixou de ser uma pequena empresa para
se tornar uma grande organização.
Analisando pelo ponto de vista das desvantagens, Antônio Luís Aulicino,
mestre em administração pela Universidade São Paulo – USP e Eduardo Pinheiro
Gondin de Vasconcellos, professor doutor titular da área de administração da USP
citam VASCONCELLOS (1979) para dizer que na Administração Participativa pode
haver certa ociosidade tanto de pessoal como de maquinário, dificuldade em se
adotar padrões, dificuldade de implementar e gerenciar atividades entre pessoas e
setores, atividades duplicadas e alguns efeitos negativos sobre a motivação.
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5.0 Conclusão
Ao se analisar o ambiente atual de negócios, percebemos que devido à
grande competição e à necessidade de sobrevivência nessa realidade, as
organizações estão sentindo cada vez mais a necessidade de renovar suas
estratégias visando a excelência dos processos produtivos e das práticas técnico
administrativas.
Assim, o surgimento de formas inovadoras de gestão de negócios para lidar
com essas intensas e contínuas transformações ambientais tem sido o grande tema
de debates no meio acadêmico e empresarial.
Nesse contexto, o grande pilar de sustentação das novas tecnologias de
gestão é a mudança no comportamento humano, principalmente no nível gerencial.
Ela provoca melhores níveis de conscientização e comprometimento das pessoas,
rompendo com princípios burocráticos de gestão que impedem o surgimento de um
ambiente de aprendizagem.
A Administração Participativa surge, então, como uma prática que rescinde
com a tendência da própria história de exploração e demonstra como a resistência
às mudanças é facilmente identificada.
Quando o indivíduo se envolve de tal forma em um sistema, a ponto de
considerar as metas organizacionais como seus próprios objetivos pessoais, ocorre
uma variedade de ações que apóiam a missão da organização visando maior
produtividade. Além disso, uma maneira de ocasionar a internalização dos objetivos
do sistema é a auto-realização das pessoas envolvidas na consecução de tais
objetivos, pois elas passam a enxergar a empresa como uma criação delas.
Nesse processo, ocorre também um equívoco. Ao se falar em Administração
Participativa é normal, pelo senso comum, haver uma ligação imediata, apenas, com
as relações que dizem respeito aos funcionários. O equívoco acaba no momento em
que verificamos que na Administração Participativa os clientes e fornecedores, por
exemplo, desempenham papel imprescindível em todo esse processo. Os primeiros
participam através de consultas em determinadas decisões sobre produtos e
serviços. Já os últimos, em conjunto com distribuidores e pessoal da assistência
técnica participam de projetos de engenharia. Através desse ponto de vista, a
empresa passa a ser um sistema participativo interno e aberto para o ambiente
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externo, recebendo todas as informações que possam ajudar no aprimoramento de
sua administração.
A participação torna-se, dessa forma, um fator importante na gestão do
conhecimento, pois há uma redução do desperdício de informações, já que as
pessoas estão em constante desenvolvimento e o convertem em favor da empresa
quando são bem orientadas e recompensadas.
É através da participação que os trabalhadores se envolvem com os objetivos
e resultados das empresas e se sentem parte integrante do processo produtivo, o
que traz benefícios para os trabalhadores e, principalmente, para a organização.
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6.0 REFERÊNCIAS
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Um estudo de caso na indústria da mineração. 2003.
02. BOBBIO, N. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1992.
0.3 CHIAVENATO, Idalberto. Gerenciando pessoas: o passo decisivo para a
administração participativa, 3ª edição revisada e ampliada. São Paulo: Markron
Books,1997.257p.
04. D'ANGELO, Hamilton - Introdução À Gestão Participativa – Editora STS
Publicações E Serviços Ltda – 1994.
05. DRUCKER, Peter F. Administrando os tempos de grande mudança. São Paulo:
pioneira, 1995.
06. FERREIRA, Ademir A., REIS, Ana C.F. e PEREIRA, M. Isabel. Gestão
Empresarial: de Taylor aos Nossos Dias. São Paulo: Ed. Pioneira, 2002.
07. KANAANE, Roberto. Comportamento humano nas organizações: o homem rumo
ao séc. XXI. São Paulo: Atlas, 1994.
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09. MARANALDO, D. Estratégia para a competitividade. S„o Paulo: Produtivismo,
1989.
10. MASIERO, Gilmar. Introdução à Administração de Empresas. São Paulo: Atlas,
1996. 149 p.
11. MASIEIRO, Gilmar. Introdução à administração de empresas. São Paulo: Ed.
Atlas, 1996.
12. MAXIMIANO, Antonio César Amaru. Teoria geral da administração: da
revolução. Urbana à revolução Digital. São Paulo: Ed. Atlas, 2005.
19
13. MAXIMIANO, Antonio César Amaru - Teoria Geral da Administração – Editora
Atlas, 1997.
14. McLAGAN, P. A. A nova era da participação: o desafio de emocionar e envolver
pessoas. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
15. MINTZBERG, H.; QUINN, J. B. O processo da estratégia. Porto Alegre:
Bookman, 2001.
16. MINTZBERG, Henry; AHLSTRAND, Bruce; LAMPEL, Joseph. Safari de
estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. Porto alegre:
bookman, 2000.
17. PINSKI, Isaac, ROCHA, Donatila. Gestão Participativa com uma valorização do
Trabalhador. São Paulo, 2005.
18. PORTER, Michael. Vantagem competitiva: criando e sustentando um
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20. SOUTO-MAIOR, J.; LIMEIRA, M. C. Aplicação de critérios na avaliação de
experiências de participação popular: o caso do plano de ação do Governo do
Estado da Paraíba (1987-1990). Curso de Pós-Graduação em Administração, Centro
Sócio-Econômico, Universidade Federal de Santa Catarina, 1994.
21. TERRA, J. C. C. Gestão do conhecimento: o grande desafio empresarial – uma
abordagem baseada no aprendizado e na criatividade. São Paulo: Negócio Editora,
2000.
20
22. ULRICH, D.; VON GLINOW, M. A. Hight-impact learning: building and diffusing
learning capability. Gestão contemporânea de negócios: dimensões para análise das
práticas gerenciais à luz da aprendizagem e da participação organizacionais Rev.
FAE, Curitiba, v.6, n.1, p.95-95, maio/dez. 2003.
23. VASCONCELLOS, Eduardo. Centralização x Descentralização: Uma aplicação
para laboratórios de instituições de pesquisa e desenvolvimento. Revista de
Administração IA-USP. São Paulo, 1979, vol.14(2), pp 101-121.
21
7.0 Anexos
7.1 Anexo A
IV SEME AD
Outubro de 1999
GESTÃO PARTICIPATIVA – UM ESTUDO DE CASO
Eliete Bernal Arellano 1
Lindolfo Galvão de Albuquerque 2
RESUMO
O objetivo deste trabalho é fazer a análise de uma empresa de prestação de
serviços, sob o foco de conceitos teóricos da administração participativa. A ótica do
trabalho é demonstrar como um processo de mudança baseado na valorização das
pessoas e no empowerment pode contribuir para sua mobilização e o
comprometimento com os objetivos da empresa, aspectos fundamentais para o
sucesso de qualquer organização social.
1 Psicóloga. Atualmente cursando Mestrado no PRONUT - Programa de Nutrição Humana Aplicada da Universidade de São
Paulo, curso multidisciplinar das Faculdades de Economia, Administração e Contabilidade, Farmácia e Saúde Pública. E-mail:
2 Professor Titular do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo. Presidente do Conselho Curador da Fundação Instituto de Administração/FEA/USP. E-mail:
22
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é fazer a análise de um caso de implantação de
gestão participativa em uma empresa de prestação de serviços, sob o foco de
conceitos teóricos existentes sobre o tema, através de uma pesquisa empírica, sob a
forma de estudo de caso. A ótica do trabalho é demonstrar como um processo de
mudança ocorre baseado na valorização das pessoas, no empowerment que auxilia
no comprometimento e mobilização fundamentais para o sucesso de qualquer
experiência envolvendo a gestão de pessoas na busca da eficiência organizacional.
Inicialmente, apresentaremos uma síntese conceitual da Administração
Participativa, que servirá de subsídio para a análise do caso. A seguir,
apresentaremos a metodologia utilizada e posteriormente apresentaremos a
Descrição e análise do caso, contextualizando a teoria através da análise da
Administração Participativa da empresa X e suas práticas de Recursos Humanos
alinhadas às estratégias da organização.
Síntese Conceitual da Administração Participativa
Bos (1986), em seu livro Desafios para uma Pedagogia Social, faz uma
análise sobre o trabalho através do tempo: Na história chinesa, um pequeno grupo
de mandarins elitistas explora os cules; na história egípcia, um pequeno grupo de
faraós manda milhares de operários construírem pirâmides, sendo que estes últimos
são explorados para que os faraós vejam confirmado seu poder; na Idade Média,
encontra-se a descrição dos proprietários feudais que exploram grandes grupos de
servos; nos Tempos Modernos um pequeno grupo de empresários brutais que
explora o proletariado em grande estilo. Assim, conclui Bos, aquilo que talvez possa
ser aplicado à nossa época é retroprojetado do passado.
Essa abordagem nos dá uma dimensão de como a prática da Administração
Participativa rescinde com a tendência da própria história e como a resistência a
essa mudança pode ser facilmente encontrada. Na verdade, a Administração
Participativa é conseqüência do mundo globalizado atual, que acirrou a
competividade e levou as organizações a se questionarem e, com isso, passaram a
buscar novas soluções para aumentar a qualidade e produtividade. Segundo Katz e
Kahn (in Moggi, 1991), o envolvimento do indivíduo em um sistema, de modo que
este considere as metas organizacionais como seus próprios objetivos pessoais,
resultam em uma variedade de condutas que apóiam a missão da organização
23
visando obter maior produtividade em suas ações. Além disso, a condição básica
para ocasionar a internalização dos objetivos do sistema é a auto-realização do
indivíduo ao participar na consecução de tais objetivos, pois o indivíduo vê a
organização como sua própria criação, participando de suas decisões, de suas
recompensas, de modo que a organização se torna parte dele e ele parte dela.
Storch, (in Fleury, 1985), afirma que entre os modelos participativos, o que
teve maior difusão no Brasil é o dos C.C.Q. – Círculos de Controle de Qualidade. A
aceitação da idéia na comunidade empresarial deve-se tanto à sua operacionalidade
– não exige nenhum investimento maior (a princípio) e não altera a estrutura formal
da empresa – quanto à sua flexibilidade, e é aplicável a qualquer tipo e porte de
empresa.
O entendimento sobre gestão participativa vai desde um simples grupo de
CCQ na fábrica até um conjunto integrado de experiências participativas nos
diversos níveis da empresa, ou seja, uma nova forma gerencial.
A ANPAR, Associação Nacional de Administração Participativa adota um
conceito amplo de Administração Participativa, definindo-o em seu estatuto como
“um modelo de gestão humanizado que emprega participativamente o trabalho e os
talentos humanos, baseando-se na eqüitativa convergência de interesses entre
fornecedores, empregadores, empregados e clientes” (Albuquerque, 1996).
METODOLOGIA
Para a elaboração do trabalho fez-se revisão bibliográfica, visando
fundamentar os conceitos e a teoria sobre o assunto.
Considerando a importância do tema Gestão Participativa e as mudanças
decorrentes da sua implantação, realizamos uma pesquisa de campo, com base em
estudo de caso, cujos dados foram obtidos diretamente através da participação de
um dos autores nos trabalhos de consultoria realizados no período de 1995 a 1999.
O estudo de caso é um método de pesquisa empírica de um fenômeno
contemporâneo, e segundo Mattar (1993), “é uma forma de aprofundar o
conhecimento de problemas não suficientemente definidos. Ele pode envolver
exame de registros existentes, observação de acontecimentos, entrevistas
estruturadas e não-estruturadas, etc.”.
O fato de ter havido o envolvimento de um dos autores do estudo de caso na
realização do trabalho de implantação pode representar, em um primeiro momento,
24
a possibilidade de uma análise isenta de interferências mais emocionais e
subjetivas. Porém, a essa análise foi realizada na fase de implementação do projeto,
permitindo uma agregação de conhecimentos e discussões teóricas sobre o
assunto, que foram fundamentais para uma crítica mais objetiva.
O objeto de pesquisa, como já mencionado, é um conjunto de condomínios
com sistema de auto-gestão, localizado na região da Grande São Paulo e que tem
um efetivo de, aproximadamente, 200 funcionários, na maioria prestando serviços de
base operacional aos condôminos.
Descrição e Análise do Caso
A empresa X é uma empresa que administra um grande conjunto de edifícios
localizado em São Paulo.
O seu efetivo é de aproximadamente 200 funcionários, sendo 90% deles do
setor operacional, que prestam serviços de segurança, limpeza, manutenção,
operação de elevadores, portarias, coleta de lixo e entrega de correspondências.
Não há serviços terceirizados. Todas as decisões eram centralizadas no Gerente
Geral, que na maioria das vezes, não possuía informações suficientes. A qualidade
de serviços prestados aos condôminos estava bastante comprometida e foram
contratados os serviços de uma Consultoria Organizacional para auxiliar na
resolução do problema.
Trata-se de um trabalho pouco comum nesse universo de atuação, onde a
administração é feita de uma maneira mais “doméstica”, menos profissionalizada. A
visão de aplicar novos conceitos da Administração Moderna em um contexto como o
de um condomínio, isento de pressões externas decorrentes da competitividade
alavancada pela globalização é bastante inovadora o que torna o trabalho
interessante e desafiador.
A globalização e a estabilidade da moeda estão trazendo à luz aspectos até
então ocultos, como o padrão de qualidade e o real valor dos produtos e serviços,
fazendo com que as empresas sejam forçadas a atuar de acordo com regras
impostas pela concorrência mundial. A empresa X, dentro desse contexto, iniciou um
profundo processo de mudança organizacional. Morhman et alli, citados por Fleury
(1995) definem que “Estas mudanças envolvem modificações nos padrões através
dos quais a organização se relaciona com o seu ambiente; mudanças nos
processos, nos produtos, nos padrões de diferenciação, coordenação e integração
25
através dos quais os recursos são canalizados; e finalmente, mudanças nas práticas
de gestão de recursos humanos”. (in Sammartino, 1995)
Podemos perceber a ambigüidade de sentimentos presentes em todo o
processo de implantação de Gestão Participativa em todos os níveis da empresa,
deste a Alta Gestão até os funcionários operacionais frente a essa Mudança
Organizacional que estava apontando no horizonte. Da mesma forma que existia o
interesse em participar, contribuir e ser um agente ativo e influente da mudança,
também existia o medo de perder posições já conquistadas e conhecidas que
traziam um aparente conforto e segurança.
A Alta Gestão da empresa centralizou as suas decisões estratégicas em
basicamente duas ações: O resgate e recuperação do patrimônio físico, com obras
de melhoramentos e restauração, e a implantação de práticas e políticas de
administração de Recursos Humanos, com o objetivo de valorizar o potencial de
seus funcionários. E é nessa segunda ação em que vamos nos ater.
Se, por um lado as práticas de gestão de pessoas são influenciadas pelas
mudanças, por outro, elas desempenham importante e fundamental papel como
agentes dessas mudanças, sensibilizando, comunicando e disseminando a nova
missão, os novos valores e criando uma nova cultura dentro da empresa que irá
consolidar todo esse processo. O objetivo deste trabalho é analisar de que forma
essas ações influenciaram e facilitaram o alcance dos seus objetivos.
A Empresa X contratou uma consultoria que desenvolveu e implantou as
mudanças no sistema de gestão, passando a atuar como um gerenciador do
programa. A definição de uma carta de princípios ou da missão não ocorreu com a
participação do Gerente Geral, mas sim entre a consultoria e os níveis de chefia
operacionais. A Direção da empresa apesar de querer e reconhecer a necessidade
de um sistema participativo, tinha presente em todo o processo a resistência à
mudança e o inconsciente temor de perda de autoridade. Da mesma forma, os
funcionários administrativos que sempre desempenharam um papel de
controladores do setor operacional, e não de facilitadores ou de apoio aos trabalhos
realizados por eles, mantiveram-se contrários às ações propostas pela consultoria,
não se alinhando e nem se integrando com as demais áreas.
A definição dos planos de ação ocorreu antes da discussão da filosofia de
gestão, da missão e dos objetivos da empresa, implicando em uma revisão do
trabalho.
26
Administração Participativa na Empresa X
A participação é o envolvimento mental e emocional de pessoas em situações
de grupo que as encorajam a contribuir para os objetivos do grupo e dividir suas
responsabilidades (Davis e Newstrom, 1989).
Essa era a premissa que norteava o trabalho a ser desenvolvido na empresa
X, ou seja, criar condições para as pessoas se mobilizarem, dar oportunidades para
contribuições individuais através da externalização do potencial criativo de cada um
obtendo-se um maior envolvimento com o grupo de trabalho e com os objetivos da
própria organização. De acordo com Likert (1975), os objetivos de uma organização
podem ser melhor atendidos a partir do comprometimento das pessoas com esses
objetivos e que é possível mudar um sistema administrativo autocrático para um
sistema participativo, introduzindo variáveis nos processos de liderança, de decisão
e de comunicação das empresas.
No caso da empresa X verificou-se a necessidade de abordar exatamente
essas variáveis. A primeira etapa estava relacionada à capacitação dos supervisores
e encarregados operacionais para desempenharem suas funções sendo agentes
ativos nas tomadas de decisões, desde questões simples como a organização do
trabalho, até questões estratégicas ligadas à administração superior. Através de
reuniões semanais definiu-se missão da empresa e das áreas, a análise da cadeia
Cliente X Fornecedor, o papel das lideranças e, em uma última etapa, um estágio on
the job, em que se acompanhava as mudanças ocorridas com a implantação de um
novo modelo de gestão e de uma reestruturação organizacional.
Um grande problema apresentado estava na comunicação, que, de acordo
com Trasatti (1999), é um dos pressupostos da linguagem de performance através
do encontro dos rumos compartilhados. Essa linguagem estabelece símbolos
comuns ligados à estratégia empresarial, aos resultados esperados e à qualidade
percebida pelo cliente. A direção da empresa constantemente se dava conta de que
informações importantes deixavam de ser prestadas o que dificultava a sua
administração e comprometia os serviços prestados aos condôminos.
Estabeleceu-se então, um canal de comunicação direto entre os funcionários
e a Alta Gestão, através de reuniões com todos os funcionários das diversas áreas,
em que expunham necessidades identificadas no dia-a-dia de trabalho e também a
implantação de uma caixa de sugestões, cujas mensagens eram lidas pelo próprio
27
Gerente Geral. Essa comunicação foi fundamental para o mapeamento e definição
das ações de mudanças, mostrando uma realidade até então oculta.
A partir do momento em que os funcionários passaram a ter a consciência da
importância do seu papel na organização começaram a ter maior comprometimento
com o resultado dos serviços. As diferentes áreas passaram a trabalhar integradas.
Por exemplo, a segurança, no exercício do seu trabalho, identificava necessidade
dos serviços de limpeza e manutenção e notificava o responsável pelo setor. Com
isso houve um ganho visível para o cliente final, que é o condômino.
Da mesma forma, todas as etapas de desenvolvimento da reestruturação
organizacional eram discutidas nas reuniões dos supervisores, que validavam e
estabeleciam uma relação de comprometimento, naturalmente disseminada aos
seus subordinados e, esclarecendo as distorções freqüentes ocorridas na
decodificação da comunicação e diminuía as possíveis resistências às mudanças.
As Práticas de RH Alinhadas às Estratégias da Organização
A gestão de pessoas passou por evoluções ao longo do tempo nas
organizações brasileiras. Fazendo uma retrospectiva de vários autores são
identificadas quatro fases principais: pré-histórica (1900 – 1930), jurídico-trabalhista
(1930 – 1950), tecnicista e administrativa (desde 1965).
Dentro dessa classificação, poderíamos dizer que a gestão de Pessoas na
empresa X encontrava-se na fase jurídico-trabalhista, pois era composta apenas por
uma Seção de Pessoal que tinha como objetivo cumprir as especificações da CLT –
Consolidação das Leis do Trabalho e executar as funções protocolares como
registro e controle de pessoal e Folha de Pagamento.
A empresa X trata da administração de um complexo de edifícios; portanto as
suas principais metas são melhorar os serviços prestados e minimizar os gastos,
incluindo a diminuição de desperdício de produtos e quebra de equipamentos.
A interligação entre as práticas e políticas de gestão de pessoal e
desempenho organizacional depende em grande parte do tipo de integração
existente entre o Planejamento de Recursos Humanos e o Planejamento estratégico
organizacional. A administração de Recursos Humanos assume um papel
fundamentalmente estratégico, à medida que consegue conciliar os objetivos da
organização com os objetivos pessoais, ou quando procura alocar adequadamente
os indivíduos na estrutura, buscando melhores desempenhos (Sammartino, 1995).
28
Dentro desse enfoque, podem-se analisar as práticas de gestão de pessoas
implantadas na empresa X.
Recrutamento e Seleção - As atividades de Recrutamento e Seleção eram
realizadas pelo Departamento Pessoal que priorizava o critério de indicação dos
funcionários. Implantou-se um setor específico para a realização desse trabalho,
com a utilização de instrumentos técnicos, com avaliação psicológica e participação
efetiva dos supervisores na avaliação dos candidatos. Como resultado, os
profissionais que passaram a ser contratados apresentaram uma qualificação melhor
que a dos que já estavam na empresa, o que despertou o interesse de todos para a
necessidade de desenvolvimento pessoal além de o desempenho da equipe de
trabalho ter melhorado.
Treinamento - As ações de treinamento, que até então não existiam,
passaram a desenvolver um importante papel de endomarketing, divulgando e
multiplicando entre as chefias e funcionários os novos objetivos da empresa. Nos
programas específicos de treinamento, além do enfoque técnico, com a transmissão
de conhecimentos relativos ao trabalho, a abordagem comportamental, incluindo
atitudes frente a aspectos da organização, da tarefa e do ambiente, foi definitiva
para a incorporação do novo papel. Os funcionários sugeriram melhorias nas rotinas
de trabalho que foram acatadas e colocadas em prática.
O Processo de Desenvolvimento é o responsável por acompanhar os
processos de mudança que ocorrem na organização agregando competências
coerentes com o novo ambiente e, ao mesmo tempo, estimulando novas
transformações. O processo de desenvolvimento desempenha duas funções: uma
junto às pessoas, com o objetivo de motivá-las a investir no seu auto-
desenvolvimento, despertando o interesse pelo conhecimento e pela consciência de
suas próprias necessidades de aprendizagem. Essa é uma responsabilidade
compartilhada entre as pessoas e a empresa. A outra, está voltada para a
organização, que deve criar condições favoráveis para a produção do conhecimento
no próprio ambiente de trabalho, transformando em prática o conceito de “Learning
Organization”. Passam a ser ferramentas importantes os mecanismos de circulação
de conhecimento, de avaliação de performance, desempenho e potencial, as
pesquisa internas, o planejamento, aconselhamento e gestão de carreiras. (Fischer,
1998).
29
Plano de Cargos e Salários e Carreiras - Foi implantado um plano de cargos e
salários que equalizou a remuneração da empresa X com o mercado externo de
trabalho. Isso facilitou na retenção e motivação dos funcionários e abriu a
possibilidade de um crescimento na carreira, o que não existia até então. Essa
mudança levantou a necessidade de dar condições aos funcionários antigos de se
desenvolverem para poder crescer na empresa. Como decorrência disso, foi
implantado um programa de aculturação, que além da educação formal de 1º grau,
tem como objetivo desenvolver o julgamento crítico e a consciência da cidadania,
com a discussão de assuntos da atualidade relacionados ao dia-a-dia da empresa e
dos funcionários.
Através da educação, o ser humano recebe influência do ambiente social, no
sentido de adaptar-se às normas e valores sociais vigentes e aceitos, assimilando-
as de acordo com suas inclinações e predisposições e com isso, enriquecendo ou
modificando seu comportamento dentro dos seus próprios padrões pessoais
(Chiavenato, 1991).
Implantação de um Programa de Qualidade de Vida no Trabalho – O
programa inclui ações que incorporaram a família do funcionário em programas anti-
estresse, educação sobre drogas e economia doméstica.
CONCLUSÃO
Analisando a realidade da empresa X à luz das referências conceituais
apresentadas, podemos tirar as seguintes conclusões:
Sobre as Dimensões da Participação
No que se refere ao grau de influência dos empregados, as decisões
continuam a ser tomadas pela Gerência Geral, porém muito influenciada pela
opinião do corpo de funcionários.
Quanto ao Escopo da Participação, os funcionários passaram a fazer
sugestões e críticas sobre processos de trabalho, políticas adotadas e instrumentos
de administração implantados, o que influenciou diretamente as tomadas de decisão
e a inovação organizacional.
No que tange aos níveis organizacionais de participação, através de reuniões
diretas com a consultoria ou com supervisores, os funcionários passaram a
expressar as suas necessidades e expectativas, além de contribuir com sugestões.
30
Essas informações eram levadas para as reuniões semanais realizadas com a
gerência geral e os supervisores.
Participação nas Decisões e Participação dos Empregados nos Resultados
Empresariais
Os funcionários, representados pelos supervisores, passaram a participar nas
decisões, diretamente relacionadas ao processo de trabalho e ao atendimento ao
condômino.
No que se refere à participação nos resultados, por se tratar de uma empresa
que não gera resultados financeiros, apenas administra a arrecadação, ainda não foi
possível implantar um sistema que quantifique a melhor utilização da arrecadação e
a economia gerada pela queda de desperdício.
Nesse sentido, podemos concluir que apesar de não haver a
complementaridade da recompensa financeira como incentivo para manter
permanentemente o interesse dos funcionários envolvidos, a participação nas
decisões e a possibilidade de crescimento pessoal e profissional decorrente dos
programas de desenvolvimento e qualidade de vida no trabalho implantados, gerou
um maior envolvimento dos funcionários com os objetivos da organização.
Podemos dizer que a maior mudança e melhor resultado ocorreram entre os
funcionários operacionais com ganhos inquestionáveis, relacionados principalmente
ao seu desenvolvimento pessoal, com uma melhora da auto-estima e maior
comprometimento com a empresa. Isso se refletiu na qualidade dos serviços que
hoje eles vêm prestando aos condôminos. Pessoas que freqüentam o local
(condôminos, visitantes e clientes) percebem e comentam essa mudança.
31
BIBLIOGRAFIA
ALBUQUERQUE, L. G. (1996), Administração Participativa: Modismo ou
componente de um novo paradigma de gestão e relações de trabalho? - Revista da
ESPM, vol.3, nº1.
BOS, A. (1986), Desafios para uma Pedagogia Social. São Paulo. Antroposófica,
CHIAVENATO, I. (1991), Recursos Humanos na Empresa, vol. 5, Ed. Atlas, São
Paulo.
DAVIS, K e NEWSTROM, J (1989), Human Behavior at Work, 8ª edição, N.Y,
McGraw-Hill.
FISCHER, A.L. (1998), A constituição do modelo competitivo de Gestão de Pessoas
no Brasil – Um estudo sobre as empresas consideradas exemplares, Tese
apresentada à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Doutor em Administração.
LIKERT, Rensis. A Organização Humana. São Paulo, Atlas, 1975. c
MATTAR, Fauze Najib (1993). Pesquisa de marketing: metodologia, planejamento,
execução, análise. vol.1, 2ª. Ed. São Paulo: Atlas.
MOGGI, Jair. Administração Participativa e nível de identificação com a empresa:
Um estudo de caso. Dissertação apresentada à Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo para a obtenção do
Título de Mestre em Administração, 1991.
SAMMARTINO, Wagner, A influência das políticas e práticas de gestão de Recursos
Humanos no desempenho organizacional: um estudo de caso na área industrial de
uma empresa do setor de telecomunicações, Dissertação apresentada à Faculdade
de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo para a
obtenção do Título de Mestre em Administração, 1995.
STORCH, Sergio (1985), Discussão da Participação dos Trabalhadores nas
Empresas, in – Processo de Relações do Trabalho no Brasil. Coletânea organizada
por Fleury, M.T.L. e Fischer, R.M. – São Paulo, Ed. Atlas.
TRASATTI, Sidney Roberto & COSTA, Maria Inês. O novo contrato entre pessoas e
empresas, Revista Treinamento & Desenvolvimento. São Paulo, maio/99. Mensal.
32
7.2 Anexo B
V I I S E M E A D
A D M I N I S T R A Ç Ã O G E R A L
GESTÃO PARTICIPATIVA COM VALORIZAÇÃO DO TRABALHADOR:
UM ESTUDO DE CASO
Isaac Pinski
Mestre em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da Universidade de São Paulo e doutorando pela mesma instituição.
E-mail: [email protected]
Telefone: (11) 9433-9044.
Donatila Brasil Rocha
Mestranda em Comunicação pela Universidade Católica de Santos. E-mail:
[email protected]. Telefone: (11) 3661-7238.
RESUMO
Na visão marxista, o processo de estranhamento do trabalho – por parte do
funcionário – ocorre não apenas devido à perda do objeto (propriedade do patrão),
mas ao próprio ato de produção. Para Ricardo Antunes, sob o capitalismo o
trabalhador repudia o trabalho; não se satisfaz, mas se degrada; não se reconhece,
mas se nega.
Este trabalho sugere a existência de alternativas criativas, dentro do regime
capitalista, para reduzir o processo de estranhamento do trabalho por parte do
funcionário, aumentar seu envolvimento, sua satisfação e seu reconhecimento.
Finalmente, pretende-se levantar a discussão de que a satisfação do
funcionário pode estar mais relacionada ao modelo de gestão da empresa e em
suas práticas administrativas - e valores - do que no regime, capitalista ou socialista,
praticado no país em que a empresa está localizada.
PALAVRAS-CHAVE
Administração Participativa, SEMCO, marxismo, capitalismo, relações de
trabalho, práticas administrativas.
33
Os autores agradecem aos executivos da SEMCO, Clóvis Bojikian e
Flordelice Bassanello, que concederam as entrevistas sem as quais este trabalho
não seria possível.
GESTÃO PARTICIPATIVA COM VALORIZAÇÃO DO TRABALHADOR:
UM ESTUDO DE CASO
I. INTRODUÇÃO
O homem médio utiliza cerca de um terço de seu tempo total e mais da
metade de seu tempo útil dedicado direta ou indiretamente ao trabalho. Ainda que,
com o decorrer do tempo e com as conquistas sindicais, as horas trabalhadas
tenham diminuído, é inegável a enorme importância que o trabalho desempenha na
qualidade de vida do indivíduo.
Uma linha de pensamento socialista, defendida por Karl Marx (1988) e, mais
recentemente, por Ricardo Antunes (2000), evoca o conceito de centralidade do
trabalho como fator determinante da condição de existência do homem, ao mesmo
tempo em que considera impossível sua satisfação sob o regime capitalista, visto
que, nessas condições, o trabalhador perde tanto o objeto de seu trabalho – pois
esse passa a ser propriedade do patrão – como o próprio ato de produção, que
deixa de estar sob seu controle e passa a ser determinado pela organização
capitalista. Tal distanciamento traria, segundo Marx, o repúdio ao trabalho, a
insatisfação e a negação do trabalhador.
A Administração Participativa, e seus corolários, defendem a participação dos
trabalhadores nas decisões que os afetem e entende que as duas partes –
empresário e empregado – devem ser beneficiadas por tal procedimento.
O estudo de caso aqui analisado procura discutir como a gestão criativa numa
organização privada inserida em um contexto capitalista pode evitar ou minimizar o
estranhamento e a alienação do trabalhador, administrar e reduzir o nível do conflito
entre o capital e o trabalho.
II. PROBLEMA DE PESQUISA E OBJETIVO
Dentro do contexto acima exposto o problema de pesquisa poderia ser
formulado da seguinte maneira: “Como valorizar o trabalhador numa empresa
privada com fins lucrativos inserida no mundo capitalista?” e, em termos mais
específicos, este trabalho busca discutir as seguintes questões:
34
1. Existe algo que as empresas inseridas num contexto capitalista possam fazer
para reduzir o nível de estranhamento e de insatisfação dos seus funcionários em
relação ao seu trabalho?
2. Quais são os resultados de algumas práticas de gestão participativa no nível de
satisfação dos funcionários e no desempenho da organização?
III. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
A centralidade e o estranhamento do trabalho
O conceito de centralidade do trabalho foi utilizado por Karl Marx para
enfatizar a relevância deste – trabalho – como fator de distinção entre os seres
humanos e as demais espécies animais. O ser humano projeta interiormente o que
pretende produzir para, em seguida, perseguir sua execução. O seu entendimento e
controle do todo lhe traria satisfação e o integraria ao objeto de seu trabalho.
Segundo Marx (1988): “Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é
o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independentemente de
todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do
metabolismo entre homem e natureza e, portanto, vida humana”.
Ao não exercer as suas atividades dessa forma, o homem estaria violentando
sua natureza e executando tarefas sem o sentido de trabalho. Antunes (2000)
menciona que: “O ato da produção e reprodução da vida humana realiza-se pelo
trabalho. É a partir do trabalho, em sua cotidianidade que o homem torna-se ser
social, distinguindo-se de todas as formas não humanas”, e enfatiza a questão do
estranhamento do trabalho pelo funcionário ao afirmar que: “Se na formulação
marxista o trabalho é o ponto de partida do processo de humanização do ser social,
também é verdade que, tal como se objetiva na sociedade capitalista, o trabalho é
degradado e aviltado." Torna-se estranhado. O que deveria se constituir na
finalidade básica do ser social – a sua realização no e pelo trabalho – é pervertido e
depauperado. O processo de trabalho se converte em meio de subsistência. A força
do trabalho torna-se, como tudo, uma mercadoria, cuja finalidade vem a ser a
produção de mercadorias. O que deveria ser a forma humana de realização do
indivíduo reduz-se à única possibilidade de subsistência do despossuído. Esta é a
radical constatação de Marx: a precariedade e perversidade do trabalho na
sociedade capitalista.
35
"Desfigurado, o trabalho torna-se meio e não “primeira necessidade” de
realização humana”. E, conforme Marx, (apud Fernandes, 1983): “Como resultado
da forma do trabalho na sociedade capitalista tem-se a desrealização do ser social.
O resultado do processo do trabalho, o produto, aparece junto ao trabalhador como
um ser alheio, como algo alheio e estranho ao produtor e que se tornou coisa. Tem-
se, então, que essa realização efetiva do trabalho aparece como desefetivação do
trabalhador”.
Esse processo de estranhamento do trabalho, segundo Antunes (2000), “não
se efetiva apenas no resultado – a perda do objeto – mas abrange também o próprio
ato de produção; ele é o efeito da atividade produtora já estranhada. Se o produto é
o resultado da atividade produtora, resulta que este é estranho ao trabalhador”. E
complementa: “Sob o capitalismo, o trabalhador repudia o trabalho; não se satisfaz,
mas se degrada; não se reconhece, mas se nega”.
Administração participativa
Pateman (1983) define participação como “A criação de oportunidades para
que as pessoas influenciem decisões que as afetarão." Essa influência pode variar
pouco ou muito.
"Participação é um caso especial de delegação, na qual o subordinado obtém
maior controle, maior liberdade de escolha em relação às suas próprias
responsabilidades”, enquanto Maximiano (1995) prefere defini-la: “A administração
participativa é uma filosofia ou política de administração de pessoas que valoriza sua
capacidade de tomar decisões e resolver problemas. A administração participativa
aprimora a satisfação e a motivação no trabalho. A administração participativa
contribui para o melhor desempenho e a competitividade das organizações”.
Ainda que o conceito de administração participativa geralmente esteja
associado ao da administração japonesa do pós-guerra, Ferreira (2002) lembra que
o mesmo existe desde a Grécia Antiga, sob a denominação de Democracia e que
transcende aos limites ideológicos, já que enquanto Marx e Proudhon propunham a
construção de uma sociedade participativa e autogerida dentro do modelo socialista,
Rousseau e Stuart Mill sugeriam a incorporação de valores democráticos no âmbito
das empresas dentro de uma visão democrática capitalista. Ferreira afirma, ainda,
que a democratização das relações sociais, o desenvolvimento de uma consciência
de classe trabalhista, a elevação do nível educacional, a complexidade das
36
empresas modernas, a velocidade vertiginosa das mudanças e a intensificação das
comunicações são algumas das razões que justificam a adoção de um maior grau
de envolvimento dos funcionários na gestão das empresas.
Marx (apud Fernandes, 1983) afirma que: “Na produção social de sua vida, os
homens estabelecem entre si determinadas relações necessárias e independentes
de suas vontades, relações de produção, que correspondem a determinado grau de
desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. (...) O modo de produção da
vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não
é a consciência dos homens que determina seu ser, mas, ao contrario, é seu ser
social que determina sua consciência. Num certo nível de seu desenvolvimento, as
forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de
produção existentes. (...) De formas de desenvolvimento das forças produtivas
transformam-se estas relações em grilhões das mesmas. (...)”.
Por seu turno, Rousseau, que pode ser considerado um dos criadores do
conceito de participação, atualmente utilizado, redigiu “O Contrato Social” que se
tornou fundamental para a teoria da participação democrática. De acordo com
Pateman (1983), toda a teoria de Rousseau instiga a participação de cada cidadão
nas decisões políticas. Mais que uma questão funcional, essa participação teria um
forte componente psicológico no participante, já que haveria uma inter-relação
contínua entre o funcionamento das instituições e as atitudes dos indivíduos que
com elas interagem.
Ferreira (2002) considera, ainda, que “Embora alguns autores vejam na
participação dos lucros um pretexto para levar o assalariado a trabalhar com maior
intensidade sem aumento correspondente em sua remuneração real e com isso
intensificando sua exploração, a idéia permaneceu e passou a constar da pauta de
negociações e discussões legais. Conquistando cada vez mais adeptos nos dias de
hoje, a participação nos lucros vem sendo implantada com relativo sucesso em
várias empresas de diversos países e é vista por alguns autores como um dos
alicerces para o desenvolvimento efetivo de uma filosofia de administração
participativa nas empresas”.
Quatro concepções de participação são, finalmente, consideradas por
Ferreira: a. Visão Socialista: baseada nas idéias de Fourier, Marx e Proudhon, aspira
à construção de uma sociedade participacionista e autogestionária, em todas as
esferas nas quais o homem se desenvolve; b. Visão Democrática: baseada nas
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idéias de Rousseau, Stuart Mill e Tocqueville, postula a incorporação de valores
democráticos no âmbito das empresas; c. Visão da Produtividade e Eficiência: neste
caso a participação é instrumentalizada como uma tecnologia social à disposição da
gerência e destinada a assegurar maior produtividade e eficiência. O foco é
deslocado da participação para o conteúdo do trabalho, através de diferentes
estratégias, a exemplo do enriquecimento das funções e do cargo. Postula uma
maior participação na tarefa; d. Visão das Relações e Desenvolvimento Humanos:
surgida do ambiente gerencial, esta visão ignora o conflito de poder ou de classes e
assume que tudo pode ser resolvido através de boas relações, isto é, por meio de
autêntica e confiante maneira de relacionar-se. Procura desenvolver mecanismos de
participação através da ênfase em arranjos organizacionais voltados a garantir o
desenvolvimento dos indivíduos e dos grupos.
O estudo de caso, analisado a seguir, pode ser enquadrado nesta última
categoria descrita por Ferreira.
IV. METODOLOGIA
A metodologia utilizada neste trabalho foi a de Estudo de Caso para o qual foi
escolhido o Grupo SEMCO. A SEMCO é um grupo empresarial paulista fundado em
1953 pelo engenheiro austríaco Antonio Curt Semler, e passou a ser controlado e
conduzido a partir dos anos oitenta por Ricardo Semler, filho do fundador, então um
jovem advogado e cinqüenta anos mais jovem.
A empresa industrial que em 1953 apenas fabricava centrífugas para a
indústria de óleos vegetais e, entre 1960 e 1980, principalmente, peças para a
indústria naval, transformou-se na última década em um grupo empresarial voltado
especialmente à prestação de serviços, já que, de suas atuais doze divisões, apenas
duas estão dedicadas à produção de equipamentos industriais (a Semco Processos,
que produz misturadores, e a Semco Bac Refrigeração, que produz equipamentos
para refrigeração). Sete divisões prestam serviços (consultoria ambiental, consultoria
imobiliária, gerenciamento de propriedades, inventário de estoques, gerenciamento
químico, manutenção volante e recursos humanos), duas divisões estão voltadas à
tecnologia (gerenciamento de infra-estrutura e gerenciamento de arquivos e
documentos) e uma divisão para a prospecção e desenvolvimento de novos
negócios (a Semco Ventures).
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Na gestão antiga os executivos da SEMCO focalizavam sua atenção
especialmente nos índices de produtividade e desempenho, dando pouca atenção a
fatores humanos como o ambiente de trabalho e a motivação dos funcionários. A
mudança de gestão nos anos oitenta detonou algumas mudanças radicais de atitude
para com os funcionários eliminando-se, por exemplo, as revistas na saída do
trabalho e estimulando-se a participação nas melhorias do ambiente de trabalho e
nas decisões empresariais.
Ricardo Semler e uma pequena equipe originalmente constituída questionou
os hábitos administrativos praticados em sua organização – e na maioria das
demais, na época - e promoveu uma verdadeira reengenharia na forma de gestão de
sua empresa, “esquecendo” o passado e “começando do zero”, como Michael
Hammer (1993) viria a escrever anos mais tarde, em 1993.
O modelo SEMCO de gestão e sua implantação Ricardo imprimiram
características próprias à organização, transformando-a ao seu estilo, valores e
crenças, o que é explicado por Schaefer (2000) que propõe, em alinhamento com as
idéias de Berger e Luckman (1966), que o modelo das organizações reflete,
consciente ou inconscientemente, a imagem de ser humano dos que assumiram a
iniciativa, refletindo, assim, a importância fundamental dos valores e crenças do(s)
criador(es) para a definição do que ele chama de alma e mundo espiritual das
organizações.
Por outro lado, a exemplo do que ocorrera no Japão do pós-guerra e que
contribuira para o surgimento do modelo japonês, mais participativo que o
anteriormente existente, a SEMCO passou na primeira metade dos anos 80 por
sérios problemas econômicos e financeiros no momento em que a indústria naval,
então seu principal mercado, estava em grande crise, e decidiu diversificar sua
gama de produtos. As limitações técnicas e gerenciais do novo controlador não lhe
permitia administrar sozinho a empresa nessas circunstâncias e a adoção de um
modelo de gestão centralizado poderia ter sido inadequado, e eventualmente até
mesmo fatal, para o destino da organização.
A contratação de um pequeno grupo de executivos em meados da década de
80 ofereceu aestrutura básica para a discussão e o desenvolvimento de novos
valores e crenças da SEMCO. A partir dessa estrutura é que seria criado um
modelo, denominado “crença original”, de uma das práticas mais importantes da
empresa, conforme a figura abaixo.
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O modelo representado pela figura acima resumia as crenças dos seus
criadores de que um incremento de participação acarretaria um aumento na
motivação dos funcionários e vice-versa.
Ainda era necessária sua operacionalização para que o modelo deixasse de
ser apenas uma representação teórica. Para isso foram implantadas cinco práticas
iniciais:
1. Fazer o subordinado pensar em vez de resolver por ele.
2. Em vez de resolver as queixas do subordinado, perguntar-lhe: “Qual é a sua
sugestão?”.
3. Estimular o trabalho em grupo.
4. Assegurar que o grupo, posteriormente, procure e perceba a viabilidade (ou não)
da sugestão ou proposta.
5. Fazer com que o próprio grupo implante a solução proposta.
Esse modelo – e suas práticas – permitiu que diversos assuntos que
causavam mal-estar entre os funcionários fossem por eles solucionados, tais como a
definição dos horários de trabalho (e sua flexibilização), a compensação de dias não
trabalhados (e o cronograma anual de trabalho), e os uniformes a serem utilizados
(e se deveriam usá-los). Adicionalmente a direção da empresa solicitou aos
funcionários que fizessem uma revisão do Plano de Cargos e Salários existente, que
era considerado obsoleto, e um instrumento excessivamente sigiloso com acesso
exclusivo à direção da empresa.
Todos esses assuntos foram desenvolvidos sob responsabilidade dos
próprios funcionários e algumas dessas decisões revolucionárias para a época:
Os funcionários implantaram o horário flexível em quase todas as áreas da
empresa, inclusive nas industriais, e desenvolveram cooperativamente formas
de suprir a falta de funcionários ausentes.
Os próprios funcionários passaram a desenvolver seu plano anual de dias de
trabalho e de folgas, bem como a forma de compensação de dias não
trabalhados.
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Esse plano é comunicado para as áreas produtivas e de recursos humanos
que fazem seus planejamentos a partir dessas informações.
Os uniformes foram escolhidos pelos próprios funcionários após uma
pesquisa que, inclusive, mostrou que eles davam preferência ao uso de
uniformes.
O Plano de Cargos e Salários demandou longos nove meses para conclusão,
porém, foi elaborado com a participação de quinze representantes eleitos
pelos funcionários, contou com uma avaliação comparativa com o mercado,
agregou o conceito de régua de avaliação com intensa participação dos
trabalhadores, e decidiu pela transparência total e completa de seu conteúdo
e informações para qualquer empregado.
Uma das práticas mais importantes que a SEMCO adotou está na clareza das
“regras do jogo” que busca a transparência imediatamente após a sua admissão,
quando recebe uma pequena cartilha, bem elaborada e impressa que, com bom
humor, se intitula Manual de Sobrevivência.
Esse Manual pretendia – e aparentemente consegue - transmitir os valores da
organização e incentivar os recém-contratados a ousar ter uma participação ativa
não restrita à sua área de atuação que, geralmente, seria reprimida na maioria das
organizações.
Todas as pessoas – de qualquer formação, posição ou cultura – que
ingressam na SEMCO são incentivadas a participar, questionar e exercer sua
criatividade. Tais manifestações democráticas do Manual são reforçadas nas
páginas que tratam de assuntos como liderança, liberdade, honestidade, denúncias,
sindicatos, preconceitos, uso de autoridade, comissões, autocontrole de freqüência,
participação no dia-a-dia, greves, divulgação dos resultados, nossas pessoas e
orgulho.
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A cultura da organização – expressa no Manual e incentivada no dia-a-dia
através do relacionamento interpessoal valoriza e deixa explícito, entre outras, que:
Só pode liderar quem tiver o respeito de seus liderados.
Pressões, táticas que envolvem fazer pessoas trabalharem com medo ou
qualquer tipo de desrespeito são considerados incapacidade de liderança e
mau uso de autoridade.
Deve-se evitar os termos “funcionário”, “empregado” e “colaborador” porque
acreditam que “não expressam igualdade” e que “não há lugar para
formalidades; é recomendada a utilização da palavra “pessoa”".
As portas estão sempre abertas e as pessoas devem falar o que realmente
pensam, sem receios e sem inibições.
O empregado também recebe a informação de que a empresa considera o
sindicato “uma forma importante de proteção ao trabalhador” e que “o
relacionamento constante com os sindicatos é saudável para a empresa e para os
empregados"; além disso, “a presença de sindicalistas na empresa é sempre bem
vinda”.
Consta, ainda, de tal Manual, que as comissões criadas para tratar de
interesses coletivos são incentivadas ainda quando “não coincidam com os
interesses da empresa. Este conflito aqui é visto como saudável e necessário”. A
participação no dia-a-dia é incentivada e até mesmo as greves são encaradas de
maneira incomum entre as empresas brasileiras, pois na SEMCO é considerado que
“a decisão de participar ou não desse tipo de movimento é individual. Isso faz parte
da democracia e é respeitada pela empresa”.
O trabalhador ingressante fica sabendo que não há relógio de ponto e que
“cada pessoa controla o seu próprio horário de trabalho. Esta é mais uma forma de
transferir responsabilidade para cada um”. Ali ele periodicamente saberá os
resultados da sua unidade e da empresa, podendo discuti-los e devendo
acompanhar de perto, fazendo a pergunta que quiser, pois “não há assunto que não
possa ser discutido”.
Dentro do espírito capitalista fica claro que um dos pilares do modelo SEMCO
é o Programa de Participação nos Lucros e Resultados que é apresentado como
“para valer”. E que “cada unidade ganha” e onde “cada empresa do grupo possui o
seu programa, de acordo com as características de cada negócio”.
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Interessados nos resultados de suas unidades os participantes – acredita-se -
atuam de maneira mais madura, responsável, trabalham com maior preocupação
com a qualidade e exercem alguma pressão sobre os colegas que estejam
prejudicando o atingimento dos objetivos do grupo. A idéia é que aumentem os
ganhos das pessoas que trabalham na empresa e, como conseqüência, dos sócios
controladores, visto serem todos sócios nos resultados.
Esse modelo procura incentivar o orgulho das pessoas que lá trabalham e diz
que “só vale a pena trabalhar num lugar que dê orgulho. Crie este orgulho na
qualidade do que você faz. Não deixe sair um produto ou serviço que não atenda à
expectativa do cliente, não faça uma carta ou comunicado que não sejam honestos,
e não deixe cair o nível da empresa – lute para ter orgulho sempre”.
Algumas das conseqüências dessas decisões seriam as seguintes, conforme
os executivos:
Todo trabalhador sabe os critérios e os pré-requisitos necessários para se
candidatar a uma promoção ou qualquer outro cargo dentro da organização.
Todos conhecem os salários e benefícios das outras pessoas (inclusive dos
diretores) bem como suas responsabilidades e as atribuições de seus cargos.
A seleção de executivos passou a ser feita com a participação efetiva de seus
futuros subordinados tanto nas entrevistas quanto nas pontuações
classificatórias.
A avaliação de desempenho passou a ser utilizada de forma sistemática e
incorporou a avaliação de baixo para cima. E migrou do conceito da avaliação
punitiva para a cooperativa com o slogan: “Ajudem seu chefe a crescer”. Esta
técnica também foi inovadora numa época em que não se ouvia falar ainda
em “avaliação de 360 graus“ ou outras nomenclaturas para esse conceito.
Quando o sócio controlador decidiu abrir mão de 15% dos lucros para serem
distribuídos entre os funcionários, ficou estabelecido que os próprios trabalhadores
deveriam definir os critérios para a divisão desse dinheiro e que seria necessário
priorizar, junto ao sindicato dos trabalhadores e aos funcionários, um curso de leitura
de balanços e análise de resultados para possibilitar uma participação efetiva das
pessoas nos resultados da organização. Tal medida aumentou a participação dos
trabalhadores nas atividades de interesse comum e não apenas todos estão
permanentemente convidados a participar das reuniões de resultados, como é
grande o seu nível de comparecimento e de participação.
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O que se buscou com esse processo – e que aparentemente se conseguiu –
foi um trabalhador que incrementou sua identificação com a organização e com as
pessoas que lá trabalham e reduziu a importância relativa de sua identificação com
os trabalhadores de sua especialidade. Utilizando-se do conceito de Gouldner
(1958) sobre “Locals” e “Cosmopolitans” para identificar indivíduos com diferentes
orientações relativamente aos grupos (de referência) e à organização, poder-se-ia
classificar as pessoas na SEMCO como “locals” pois esses têm um relativo baixo
compromisso ao seu papel profissional, alta lealdade à organização e orientação às
normas dos grupos dentro da organização enquanto os “cosmopolitans” tem uma
relativa baixa lealdade à organização e às suas normas, alto compromisso com sua
classe profissional e orientação às normas externas à organização.
V. ANÁLISE
As grandes mudanças percebidas na SEMCO ocorridas a partir da transição
da liderança de sua gestão são conseqüências de uma série de fatores ligados tanto
às fraquezas da organização – como as deficiências de seu novo gestor (baixo
conhecimento do negócio, de aspectos técnicos e gerenciais) e uma difícil situação
financeira – e a ameaça de ver o seu ramo de atividade naufragar como decorrência
da derrocada da indústria naval brasileira, quanto à capacidade de promover
alianças, liderar um processo de mudanças nos valores organizacionais e ampliar a
gama de produtos e serviços oferecidos.
Mesmo que esse modelo participativo que a empresa adotou ainda possa ser
considerado excessivamente dependente de alguns poucos executivos que o
apóiam, seu grau de maturidade já o torna menos vulnerável a tais lideranças
formais. Ainda assim permanece a dúvida até que ponto o modelo adotado estará
imune às associações com empresas estrangeiras – o que têm ocorrido nos últimos
anos – que têm culturas e valores tão distintos.
Por ora, no entanto, esse modelo tem atendido adequadamente às
necessidades da empresa, pois seus resultados satisfazem aos acionistas. Mais que
isso, o modelo adotado tem permitido que as pessoas - que lá trabalham - tenham
um comportamento semelhante ao de sócios e um alto grau de satisfação.
O modelo SEMCO claramente privilegia aspectos da Comunicação e algumas
práticas administrativas. De um ponto de vista teórico sabe-se que desde o final do
século XVIII a contribuição da Comunicação é reconhecida, quer na organização do
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trabalho coletivo no interior das fábricas, quer na estruturação dos espaços
econômicos, conforme Mattelart (2001).
Um dos aspectos importantes para a eficácia da prática administrativa reside
na qualidade da comunicação, em todos os seus níveis. Inexiste mudança
organizacional e processo de transformação cultural sem uma comunicação (aqui
incluídos códigos, sinais, símbolos e rituais) clara e adequada ao receptor – neste
caso, o público interno.
A análise da cultura de uma organização pode ser realizada através da
observação da comunicação de seu público: textos (escrito, falado), olhares, gestos,
hábitos, atitudes, etc.
As principais funções do processo de comunicação na sociedade, descritas
por Lasswell (apud Mattelart, 2001), podem ser claramente observadas na
transformação cultural ocorrida na SEMCO e contidas no “Manuel de
Sobrevivência”, entregue a cada funcionário, onde estão descritos os 10 princípios
do Grupo:
Funções do Processo de Comunicação
Princípios da SEMCO
A vigilância do meio, revelando tudo o que poderia ameaçar ou afetar o sistema de
valores de uma comunidade ou das partes que a compõem.
Buscar o equilíbrio entre o lucro de curto e longo prazos.
Proporcionar atendimento diferenciado ao cliente, colocando nossa
responsabilidade antes do lucro.
Incentivar a participação de todos e o questionamento de decisões impostas
de cima para baixo.
Ter humildade para reconhecer os erros, sabendo que sempre haverá o que
melhorar. O estabelecimento de relações entre os componentes da sociedade
para produzir uma nova resposta ao meio.
Oferecer produtos e serviços a preços justos e reconhecidos pelo cliente
como os melhores do mercado.
Estimular a criatividade, valorizando as pessoas que ousam.
Preservar ambiente informal e agradável, com profissionalismo e sem
preconceitos. A transmissão da herança social.
Ser uma empresa séria e confiável.
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Valorizar a honestidade e a transparência acima dos interesses
momentâneos.
Manter condições seguras de trabalho e controlar processos industriais para
proteger nossas pessoas e o meio ambiente.
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cúpula diretiva da SEMCO, ao transferir parte relevante das atribuições da
gestão do grupo corporativo para os funcionários, descaracterizou parcialmente o
conflito entre o capital e o trabalho, entre o empresário e o empregado, entre o
gestor e o trabalhador.
O estilo de administração participativa adotado na SEMCO, que pode ser
identificado com a “Visão das Relações e Desenvolvimento Humanos”, citada por
Ferreira (2002), transfere, na prática, aos funcionários – denominados internamente
como “pessoas que trabalham na SEMCO” – muitas das atribuições da
administração tradicional, tais como: a definição dos horários de trabalho, critérios
para compensações de horário, greves, admissão e promoção de pessoal, controle
de ponto, a distribuição dos lucros entre os funcionários (da parcela que lhes cabe),
estabelecimento de lideranças e formas de relacionamento com sindicatos. Tais
atribuições – somado o estímulo à participação em outros assuntos, como a análise
dos resultados empresariais – e o clima favorável às sugestões nas diferentes áreas
organizacionais, e não apenas naquela em que a pessoa atua, reduz o
distanciamento entre a cúpula diretiva e os funcionários, agregando outros
interesses a essas pessoas, além daqueles diretamente ligados ao seu posto de
trabalho.
Considerando-se que o sucesso do modelo adotado possa ser observado
pelos pontos de vista do capital e do trabalho teríamos:
Sob o aspecto do capital, o Grupo analisado evoluiu de uma pequena
empresa em estado pré-falimentar para um grupo empresarial muito
respeitado, com doze divisões de negócios.
Sob a ótica do trabalho, a SEMCO é considerada, atualmente, um padrão de
excelência na gestão dos recursos humanos – a ponto de vender seus
serviços, nesse campo, a terceiros – e um dos melhores locais para se
trabalhar no Brasil, o que a caracteriza como uma história de sucesso.
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Pode-se, portanto, considerar que a questão da alienação e do
estranhamento do trabalho provavelmente está mais relacionada com o modelo de
gestão adotado pela organização do que ao regime – socialista ou capitalista – do
país em que opera.
Dessa maneira, lembrando Antunes (2000), que afirma que “sob o capitalismo
o trabalhador repudia o trabalho; não se satisfaz, mas se degrada; não se
reconhece, mas se nega”, poder-se-ia afirmar que, em organizações que adotam o
modelo de gestão semelhante ao analisado neste estudo, inspirado e criativo, “o
trabalhador não repudia o trabalho; não se degrada, mas se satisfaz; não se nega,
mas se reconhece”.
VII. BIBLIOGRAFIA
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Centralidade do Mundo do Trabalho. São Paulo: Ed. Cortez, 2000.
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Ed. Doubleday, 1966.
FERNANDES, Florestan (org). K. Marx, F. Engels: História. São Paulo: Ed.
Ática, 1983.
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Empresarial: de Taylor aos Nossos Dias. São Paulo: Ed. Pioneira, 2002.
GOULDNER, Alvin W.Cosmopolitans and Locals: Toward an Analysis of
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HAMMER, Michael & CHAMPY, James. Reengineering the Corporation. New
York: Ed. Harper Business, 1a Ed, 1993.
MARX, Karl. O Capital. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil Editora, 1988.
MATTELART, Armand e MATTELART, Michèle. História das Teorias da
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MAXIMIANO, A.C.Amaru. Além da Hierarquia: Como Implantar Estratégias
Participativas para Administrar a Empresa Enxuta. São Paulo: Ed. Atlas,
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PATEMAN, Carole. Participation and Democratic Theory. New York:
Cambridge University Press, 1983.
SCHAEFER, Christopher e VOORS, Tyno. Desenvolvimento de Iniciativas
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SEMLER, Ricardo. Virando a Própria Mesa. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1a
edição, 1988.
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