Nonada: Letras em Revista
E-ISSN: 2176-9893
Laureate International Universities
Brasil
de Azevedo, Tânia Maris
POR UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DA LÍNGUA MATERNA: O ENSINO
FUNDAMENTADO EM SAUSSURE E AUSUBEL
Nonada: Letras em Revista, vol. 1, núm. 20, mayo-septiembre, 2013, pp. 191-212
Laureate International Universities
Porto Alegre, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=512451670011
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POR UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DA LÍNGUA MATERNA:
O ENSINO FUNDAMENTADO EM SAUSSURE E AUSUBEL
POR UN APRENDIZAJE SIGNIFICATIVO DE LA LENGUA MATERNA: LA ENSEÑANZA
FUNDAMENTADA EN SAUSSURE Y AUSUBEL
Tânia Maris de Azevedo
RESUMOO tema da pesquisa é a proposição de conceitos da linguística saussuriana como fundamentos primeiros de um ensino cujo foco seja a aprendizagem sig-nificativa da língua materna. Para o desenvolvimento do tema, a investigação utilizar-se-á da linguística de Ferdinand de Saussure, mais especificamente, das noções de relação, de oposição, de diferença, de sistema e dos conceitos de língua/linguagem/fala e valor, bem como da Teoria da Aprendizagem Significativa, de David Ausubel, principalmente, das suas concepções de aprendizagem por repetição, aprendizagem representacional, aprendizagem conceitual e aprendizagem proposicional, além das descrições desse autor para os processos de formação e assimilação de conceitos.
PALAVRAS-CHAVEFundamentos para o ensino de língua materna. Aprendizagem significativa. Conceitos saussurianos e ausubelianos.
RESUMENEl tema de la pesquisa es la proposición de conceptos de la lingüística saus-suriana como fundamentos primeros de una enseñanza cuyo foco sea el aprendizaje significativo de la lengua materna. Para el desarrollo del tema, la investigación se utilizará de la lingüística de Ferdinand de Saussure, más específicamente, de las nociones de relación, de oposición, de diferencia, de sistema y de los conceptos de lengua/lenguaje/habla y valor, como también de la Teoría del Aprendizaje Significativo, de Ausubel, principalmente, de sus concepciones de aprendizaje representacional, aprendizaje conceptual y aprendizaje proposicional, además de las descripciones de ese autor para los procesos de formación y asimilación de conceptos.
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PALABRAS-LLAVEFundamentos para la enseñanza de la lengua materna. Aprendizaje signifi-cativo. Conceptos saussurianos y ausubelianos.
INTRODUÇÃO
Pensar o ensino significa, necessária e prioritariamente, pensar a
aprendizagem e pensá-la como um processo que demanda do sujeito
cognoscente atribuir sentido ao que deve aprender, pensá-la como um
passo além da memorização temporária de conteúdos formalmente
estabelecidos no âmbito escolar.
Num continuum, pensar a aprendizagem da língua materna im-
plica explicitar uma concepção de língua que transcenda em muito
(ou mesmo que substitua) a retenção mnemônica da metalinguagem
e de regras gramaticais, no dizer de Ausubel (2003, p. 17), literais e
arbitrárias, logo, impossíveis de serem “um material potencialmente
significativo para o aprendiz”1.
Mas como tornar significativa a aprendizagem escolar da língua
materna? A formulação dessa pergunta, por si só, já incomoda a
quem se coloca na posição de educador, uma vez que não deveria
ser necessário “tornar” significativa ao sujeito uma aprendizagem tão
essencial como o domínio da sua língua primeira, nas mais diversas
modalidades, nos mais variados níveis de registro, no que diz respei-
to à produção e à recepção discursivas oral e escrita. (Talvez, mais
próprio fosse perguntar: o que o ensino fez para que a aprendizagem
de língua materna não fosse significativa? Mas, não é momento de
polemizar o que já está posto.)
As teorias linguísticas da enunciação, do texto e do discurso têm
progredido bastante em seus estudos, mas muito pouco tem sido ade-
quadamente transposto para as situações de aprendizagem de uma
língua. Muito se fala em uso de língua, em constituição do sentido
1 Grifo do autor.
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do discurso, em configuração deste ou daquele gênero textual, em
estruturação e caracterização deste ou daquele tipo de texto, entre-
tanto, muito pouco ou quase nada desses estudos vai para a sala de
aula, quer nos cursos de formação docente, quer, por conseguinte,
nos níveis de ensino da Educação Básica. Ainda predomina nas licen-
ciaturas e nos níveis fundamental e médio o ensino da gramática da
língua, a artificialização, a formalização, a normatização de estruturas
fonológicas, morfológicas e sintáticas de uma língua que, do ponto
de vista do aluno, não é a que ele usa fora da sala de aula e nem
mesmo na escola em outras disciplinas do currículo para aquisição
de conhecimentos específicos de cada área.
Ferdinand de Saussure, a quem se atribui a instituição da linguística
como ciência, não formulou nenhuma teoria pedagógica, no entanto
algumas das noções de base de seus postulados teóricos poderiam
constituir-se fundamentos e/ou princípios de um ensino cujo objeti-
vo maior seja a aprendizagem significativa de uma língua. A própria
concepção de língua como sistema de signos (CLG2, 1989, p. 24) já
permite propor um ensino que evidencie inter-relações, combinações
e associações na produção do sentido e que não trate as unidades da
língua de forma isolada, classificando-as ou decompondo palavras e
frases, contexto em que as relações são apenas prescritas como regras
de uso correto disso ou daquilo.
Para que as aprendizagens atinentes a qualquer área do conheci-
mento, realizadas no ambiente escolar, sejam, de fato, significativas,
faz-se mister que a aprendizagem do uso da língua – como elemento
mediador da interação do sujeito conhecedor com o objeto de conhe-
cimento e com os demais sujeitos (como sustentam Vygotsky (2000)
e tantos outros estudiosos) – seja, antes de qualquer outra, signifi-
cativa para o aluno, pois é por meio da língua que ele vai ter acesso
às informações e que vai se consolidar seu processo de aquisição do
conhecimento social, histórica e cientificamente produzido.
2 CLG é a sigla usual do Curso de linguística geral, obra atribuída a Saussure, mas elaborada e publicada por Charles Bally e Albert Sechehaye, em 1916, três anos após a morte de Saussure.
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No sentido de buscar mais algumas possibilidades de intervenção
no ensino da língua materna, mais precisamente, na formação de
professores, implementamos uma investigação, objeto deste artigo,
cujo problema foi assim formulado: como os conceitos saussurianos
de sistema, língua e valor e, consequentemente, as noções de relação/
oposição/diferença podem se constituir fundamentos primeiros de
um ensino que vise à aprendizagem significativa da língua materna3?
O objetivo deste trabalho, portanto, é o de divulgar as primeiras
questões e hipóteses de resposta da pesquisa que ora desenvolvemos,
a fim de trazer à tona uma problemática pedagógica, ao nosso ver,
tão essencial ao acesso à informação, à construção do conhecimento,
ao desenvolvimento de competências e habilidades e, consequente-
mente, à consolidação da cidadania do sujeito cognoscente quanto o
é a aprendizagem da língua materna.
ALGUMAS CONCEPÇÕES FUNDANTES
Tornar o ensino/a aprendizagem de língua materna um problema
de pesquisa requer, antes, explicitar o que estamos entendendo por
ensino e aprendizagem e pela (inter)relação desses processos.
Primeiramente, parece-nos necessário esclarecer que não cremos
ser possível conceber ensino, sem que primeiro seja explicitada uma
concepção de aprendizagem, pois somente a partir do entendimen-
to de como o sujeito aprende/conhece e de o que pode promover
aprendizagem é que redunda viável pensar em como se ensina e em
o que ensinar.
Consoante já dissemos,
[...] se o saber pressupõe a construção de uma rede de informações, conceitos e conhe-cimentos interconectados além de uma gama de competências e habilidades desenvolvidas, faz-se necessário aprender a tecer essa rede e a lançá-la para resolver problemas. (AZEVEDO, 2010, p. 203).
3 Cabe registrar aqui que o que se instituiu como objeto dessa investiga-ção, a priori, pode ser aplicado ao ensino de qualquer língua. Trata-se apenas de um recorte necessário a implemen-tação de qualquer pes-quisa.
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Nesse sentido, Azevedo (2010, p. 203) define aprendizagem como o
desenvolvimento4 de competências/habilidades essenciais5 ao acesso
e à compreensão das informações, à formação/aquisição de conceitos,
à construção de conhecimentos e à constituição do saber.
A aprendizagem, assim concebida, pode ser promovida/otimizada
por duas formas/modalidades de educação: (a) a informal, no sentido
de educação cotidiana e fruto, por um lado, das relações do sujeito
conhecedor com a natureza e, por outro, das relações intersubjetivas
de âmbito familiar, social, sendo a grande responsável pela preserva-
ção da cultura e pela consolidação de uma sociedade; e (b) a formal,
o ensino institucionalizado, decorrente da necessidade humana de
organizar e difundir conhecimentos, para que, ao torná-los social-
mente comuns, processos sejam compreendidos sem que precisem
ser constantemente experienciados e, com isso, problemas possam
ser previstos e soluções, otimizadas.
Azevedo e Rowell (2010) atribuem a cada uma dessas formas de
educação algumas características definidoras. De acordo com as au-
toras (op. cit., p. 204), a educação informal é:
(a) assistemática, visto não ser planejada nem regida por preceitos didático-pedagógicos es-tabelecidos cientificamente; (b) espontânea, pois ocorre unicamente como decorrência da necessidade, à medida que surgem conflitos per-turbadores da estabilidade das relações sociais do indivíduo/grupo; e (c) circunstancial, pois não tem local e hora estipulados previamente, efetiva-se no contexto imediato dos problemas a serem resolvidos ou, ao menos, minimizados.
Já, a educação formal, consoante as mesmas pesquisadoras (id.
ib.), por ocorrer em ambientes e horários preestabelecidos, com pro-
fissionais especializados/habilitados e utilizar materiais e recursos
didaticamente planejados para a implementação de programas curri-
culares instituídos, configura-se como um processo:
4 Desenvolvimento en-tendido como o processo de desenvolver, portanto, contínuo e em constante aprimoramento/quali-ficação.
5 Como as competências de utilizar adequada-mente diversas lingua-gens humanas, sejam verbais (em nível oral e/ou escrito), sejam não--verbais, resolver pro-blemas de forma viável e eficaz; e/ou como as habilidades de observar, comparar, classificar, analisar, sintetizar, in-terpretar, criticar, definir, explicar.
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(a) sistemático – metódica e metodologicamente organizado para propiciar a aquisição do conhe-cimento produzido social e historicamente; (b) programado – com objetivos e ações planejados previamente e conteúdos hierarquicamente dis-postos ao longo de um currículo; e (c) situado ar-tificialmente – em oposição à circunstancialidade que define o processo de educação informal, a educação formal tem tempos e espaços defini-dos, ocorre por meio da criação de ambientes de aprendizagem, antecipando necessidades e conflitos que supostamente fazem parte da vida em sociedade.
Diante dessa caracterização, as autoras (2010, p. 204) propõem
que, em consonância com seus fins, a educação formal possa ser
uma espécie de “simulacro” do processo educativo informal: deveria
o ensino reproduzir e/ou antecipar situações de conflito, análogas às
experimentadas pelos sujeitos na sua vida em sociedade, na forma de
situações de aprendizagem, para que o discente pudesse “apropriar-se
do conhecimento produzido social, histórica e cientificamente pela
humanidade e valer-se dele para solucionar os problemas próprios da
sobrevivência e do convívio social”.
Azevedo e Rowell alertam, ainda, para o fato de ser essencial a
todo e qualquer docente conceber o ensino como uma simulação do
processo natural da aprendizagem pela educação informal, pois é
próprio da aprendizagem humana derivar de uma necessidade criada
por desafios que desestabilizem e mobilizem as estruturas cognitivas
do sujeito na sua relação com o outro e com mundo. Somente dessa
forma o professor, “mesmo ciente da artificialidade que tal simulação
implica, poderá aproximar ao máximo a aprendizagem escolar da
aprendizagem cotidiana, tornando-a significativa e, portanto, efetiva
e eficaz.” (op. cit, p. 218).
Assim concebida, a educação formal pode proporcionar ao sujeito
conhecedor aprender significativamente, constituir seu saber, ou o
que Ausubel (2002, p. 09 – grifos do autor) diz ser um conhecimento
significativo.
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El conocimiento es significativo por definici-ón. Es el producto significativo de un proceso psicológico cognitivo (“conocer”) que supone la interacción entre unas ideas “lógicamente” (culturalmente) significativas, unas ideas de fondo (“de anclaje”) pertinentes en la estructura cognitiva (o en la estructura del conocimiento) de la persona concreta que aprende y la “acti-tud” mental de esta persona en relación con el aprendizaje significativo o la adquisición y la retención de conocimientos.
Explicitadas essas concepções de base, passamos a tratar dos
aportes teóricos objeto da investigação que ora fazemos, numa visão
geral dos seus principais pressupostos. De início, apresentaremos a
proposta teórica de David Ausubel, e, na sequência, discorreremos
sobre a linguística saussuriana.
AUSUBEL E A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
No livro Teorias cognitivas da aprendizagem, Juan I. Pozo (1998)
insere a Teoria da Aprendizagem Significativa, de David Ausubel, no
âmbito das teorias cognitivas e, mais precisamente, no grupo deno-
minado por Pozo “teorias da reestruturação”, ao lado dos estudos da
Gestalt, da Teoria da Equilibração, de Piaget, e das investigações de
Vygotsky. Pozo chega a dizer que a teoria de Ausubel é “um comple-
mento instrucional adequado ao marco teórico geral de Vygotsky”
(POZO, 1998, p. 214).
Nesse contexto é que, ocupando-se especificamente da aprendi-
zagem/do ensino de conceitos científicos a partir da formação, pela
criança, dos conceitos espontâneos, Ausubel formula sua Teoria da
Aprendizagem Significativa (TAS), centrada, consoante Pozo (1998),
na organização do conhecimento em estruturas e nas reestruturações
que são produzidas devido à interação de tais estruturas presentes no
sujeito com a nova informação.
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Diferentemente de outros organicistas, como Piaget e a Gestalt,
Ausubel, à semelhança de Vygotsky, vê na instrução formal o principal
promotor da reestruturação cognitiva, desde que, nela, a informação
necessária à desequilibração das estruturas preexistentes seja trans-
mitida de forma organizada e explícita.
Segundo Moreira (1999, p. 150), Ausubel, analogamente a outros
cognitivistas, acredita na existência de uma estrutura cognitiva, isto
é, de um conteúdo e de uma organização das ideias de um indivíduo
em uma área particular de conhecimentos. Para Moreira (id., ib.), a
estrutura cognitiva é “o complexo resultante dos processos cogniti-
vos, ou seja, dos processos por meio dos quais se adquire e utiliza o
conhecimento”.
Partindo dessa premissa, Ausubel, ainda consoante Moreira (op.
cit.), define aprendizagem como “organização e integração do ma-
terial na estrutura cognitiva”. Dito de outro modo, Ausubel concebe
aprendizagem como o processo pelo qual o sujeito conhecedor incor-
pora e ancora organizadamente novas informações aos conceitos já
integrantes de sua estrutura cognitiva.
Ainda conforme Moreira (1999), para Ausubel, o que já é conhecido
pelo aluno, o que ele já sabe é o fator isolado que mais influencia a
aprendizagem. Transpondo essa ideia para o ensino de língua mater-
na, podemos conjecturar que, da forma como a língua portuguesa é
ensinada nas escolas atualmente, tal pressuposto não é nem de longe
observado, pois o que se ensina sobre a língua não é, em hipótese
alguma, o que o aprendiz já sabe, nem sequer pode ser vinculado ao
que ele já conhece e usa diariamente desde que aprendeu a falar. Os
conteúdos gramaticais que compõem o programa de ensino do por-
tuguês (de nível lexical, frasal ou mesmo textual) são tão distantes
do uso que o sujeito faz da língua, tão artificialmente sistematizados,
que não há como perceber qualquer espécie de aplicação ao contexto
cotidiano de uso de uma língua. Classificações, normatizações, ativida-
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des de treino de estruturas linguísticas não podem contar com o que o
aluno já sabe para serem mais significativamente aprendidas, pois não
dizem respeito aos usos que os falantes nativos fazem de sua língua.
Se o que o aluno já sabe influencia seu processo de aprendizagem,
tal influência, positiva ou negativa, não pode entrar em cena quando
o assunto é a gramática normativa de uma língua, pois este objeto
de estudo não tem qualquer vínculo possível com o que o falante já
sabe e já usa. Trata-se de algo tão alheio às práticas de linguagem que
só serve para que os aprendizes acreditem e digam frequentemente
“eu não sei português”.
Ausubel (2003) defende a ideia de que a aprendizagem por recepção
significativa pressupõe a aquisição de novos significados por meio de
um material potencialmente significativo para o aprendiz, ou seja, de
um material que se relacione de forma “não arbitrária” e “não literal”
com qualquer estrutura cognitiva que possua significado lógico, sen-
do, portanto, apropriada e relevante. Para que a aprendizagem seja
significativa, segundo esse autor, é necessário ainda que a estrutura
cognitiva do aprendiz já contenha ideias relevantes ancoradas.
A interacção entre novos significados potenciais e ideias relevantes na estrutura cognitiva do aprendiz dá origem a significados verdadeiros ou psicológicos. Devido à estrutura cognitiva de cada aprendiz ser única, todos os novos significados adquiridos são, também eles, obri-gatoriamente únicos. (AUSUBEL, 2003, p. 01).
Aprendizagem significativa é, então, o processo pelo qual um
significado novo é incorporado não arbitrária e não literalmente pelo
aprendiz a outros significados já existentes em sua estrutura cognitiva,
logo, resultantes de aprendizagens prévias igualmente significativas.
Consoante Moreira (1997, p. 20), Ausubel entende por não arbi-
trariedade o relacionamento de um significado, não com quaisquer
outros presentes na estrutura cognitiva do aprendiz, mas com aqueles
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significados especificamente relevantes, aos quais Ausubel chama sub-
sunçores – conceitos, ideias, proposições “especificamente relevantes
e inclusivos” que “estejam adequadamente claros e disponíveis na
estrutura cognitiva do sujeito e funcionem como pontos de ‘ancora-
gem’ aos primeiros”.
A não literalidade ou substantividade, conforme Moreira (op. cit.),
diz respeito ao fato de que o aprendiz não incorpora à sua estrutura
cognitiva as palavras (literais) usadas para a expressão de conceitos
e proposições, o que fica ancorado é a própria substância deles. A
literalidade e a arbitrariedade promovem a aprendizagem mnemônica,
não, diretamente, a aprendizagem significativa.
Ausubel (2003) assinala a existência de duas grandes condições para
a efetivação de aprendizagens significativas, uma que diz respeito ao
material a ser aprendido e outra referente à disposição do aprendiz.
A primeira condição proposta pelo autor (op. cit., p. 71) é a de
que o material seja potencialmente significativo, isto é, relacionável,
de forma não arbitrária e não literal, com a estrutura cognitiva do
aprendiz; passível de ser relacionado, pelo sujeito conhecedor, com
ideias, conceitos, proposições de caráter mais geral (mas igualmente
relevantes) previamente integrados à sua estrutura de conhecimentos.
Como segunda condição, Ausubel (id. ib.) aponta a necessidade de o
aprendiz dispor-se a relacionar o novo material a ser aprendido, de for-
ma não arbitrária e não literal, à própria estrutura de conhecimentos.
Consoante a proposta de Ausubel (op. cit., p. 72),
independentemente da quantidade de potenciais significados que pode ser inerente a uma deter-minada proposição, se a intenção do aprendiz for memorizá-los de forma arbitrária e literal (como uma série de palavras relacionadas de modo arbitrário), quer o processo, quer o resultado da aprendizagem devem ser, necessariamente, memorizados ou sem sentido. Pelo contrário, independentemente da significação que o me-canismo do aprendiz pode ter, nem o processo nem o resultado da aprendizagem podem ser significativos, se a própria tarefa de aprendiza-
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gem não for potencialmente significativa – se não for relacional, de forma não arbitrária e não literal, com qualquer estrutura cognitiva hipotética na mesma área de matérias, bem como com a estrutura cognitiva idiossincrática particular do aprendiz.
Falando sobre esse “mecanismo de aprendizagem significativa”,
o autor (2003, p. 72) menciona alguns motivos que levam o aluno a
desenvolver um mecanismo de aprendizagem mnemônica em dadas
disciplinas: (a) o fato de as respostas dos discentes (por mais que em
essência estejam corretas), se não estiverem em consonância literal
com o que o professor ou o material didático dizem, não serem va-
lorizadas por alguns docentes; (b) o fato de os aprendizes, devido a
alguns fracassos repetidos, passarem a crer na memorização como
única alternativa para garantir o êxito deles esperado por professores
e pais; e (c) o fato de os educandos serem “pressionados a exibirem
fluência, ou a ocultarem, em vez de admitirem e remediarem, gradu-
almente, deficiências existentes na compreensão genuína”.
Infelizmente, tais situações não são nada incomuns nas aulas de
língua materna, pois, como o privilegiado é o ensino da gramática
normativa (as regras de concordância, ortografia, acentuação, pon-
tuação, a conjugação verbal, a classificação sintática), as respostas
solicitadas devem ser idênticas às prescritas pelos manuais didáticos.
Mesmo quando o que está em questão é a compreensão leitora, vê-se
professores exigindo dos alunos respostas que correspondam literal-
mente às que constam dos livros didáticos distribuídos aos docentes.
Não há, portanto, como esperar que o aluno realize uma aprendizagem
significativa dos usos de sua língua materna se o material e as exi-
gências docentes conduzem-no a “optar” por desenvolver estratégias
de memorização, a fim de ter boas notas. É uma lástima que ainda se
presencie professores de língua ensinando “musiquinhas” ou rimas
pobres que facilitem a retenção mnemônica de normatizações grama-
ticais, ao invés de expor o aluno a fenômenos linguístico-discursivos
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e ensinar-lhe a observá-los e a depreender deles os usos adequados
ou não a cada situação enunciativa.
Neste ponto, torna-se relevante mencionar o fato de Ausubel con-
ceber a relação entre a aprendizagem mnemônica e significativa, não
como dicotômicas, mas como um continuum no qual a memorização
está na base de qualquer processo de atribuição de significado, de
qualquer ancoragem de um novo significado à estrutura cognitiva
do sujeito.
Evidentemente, a memória é fundamental a qualquer tipo de apren-
dizagem, e não seria Ausubel o teórico a dizer o contrário. Trata-se de
não reduzir a aprendizagem à memorização, até porque memorizar
não significa aprender. E mais: a memorização de que se fala aqui
como abordagem reducionista e simplista da aprendizagem refere-
-se à retenção de informações na memória de curto prazo, aquela
que, depois dos momentos de avaliação escolar, o cérebro humano,
graças à sua propriedade seletiva, trata de “deletar” o que nela foi
armazenado para dar lugar a novas informações a serem aí guardadas
para usos momentâneos e efêmeros. As verdadeiras aprendizagens,
aquelas significativamente ancoradas em nossas estruturas cognitivas,
são retidas na memória permanente ou de longa duração e nunca
são efetivamente apagadas, são reestruturadas, redimensionadas,
reconfiguradas por aprendizagens de conceitos ou proposições mais
específicos/profundos/complexos.
Tanto é assim que ao tratar da assimilação6, Ausubel (2003, p.
105-148) define como o estágio seguinte a esse processo o que ele
chama de assimilação obliterante ou um esquecimento significativo.
Segundo ele (AUSUBEL, 2003, p. 106), as informações novas que são
assimiladas vão se tornando progressivamente menos dissociáveis da
ideia geral ancorada previamente na estrutura cognitiva do aprendiz
a ponto de essa ideia mais geral ser considerada esquecida. Assim,
memorização, assimilação e esquecimento formam um continuum
6 Cf. o mesmo autor (op. cit.) assimilação é o pro-cesso que ocorre quando “se apreende uma nova ideia a, através da re-lação e da interacção com a ideia relevante A estabelecida na estru-tura cognitiva, alteram--se ambas as ideias e a assimila-se à ideia esta-belecida A”.
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e, sucessivamente, contribuem para a aprendizagem e a retenção de
novas informações.
Por óbvio, a língua é a principal mediadora tanto da aprendizagem
dita mnemônica quanto da aprendizagem significativa, pois: (a) permi-
te o acesso a novas informações; (b) é o veículo essencial do processo
de abstração; e (c) fornece os signos que representam os conceitos
e as categorias nas quais esses conceitos são inseridos e ancorados.
Ausubel aborda de modo bastante explícito o papel da linguagem
na aprendizagem significativa.
A linguagem é um importante facilitador da aprendizagem significativa por recepção e pela descoberta. Aumentando-se a manipulação de conceitos e de proposições, através das proprie-dades representacionais das palavras, e aperfei-çoando compreensões subverbais emergentes na aprendizagem por recepção e pela descoberta significativas, clarificam-se tais significados e tornam-se mais precisos e transferíveis. Por conseguinte, ao contrário da posição de Piaget, a linguagem desempenha um papel integral e ope-rativo (processo) no raciocínio e não meramente um papel comunicativo. Sem a linguagem, é provável que a aprendizagem significativa fosse muito rudimentar (ex.: tal como nos animais). (AUSUBEL, 2003, p. 05)
Claro está na posição de Ausubel sobre a função da linguagem no
processo de aprender significativamente que não se trata de memo-
rizar classificações lexicais, sintáticas e mesmo textuais/discursivas
ou a metalinguagem correspondente, mas de usá-la, de operar (cf.
“papel operativo” na citação acima) com ela no sentido de compre-
ender, abstrair e representar informações e conceitos necessários à
instrução, para poder incorporá-los significativamente à estrutura
cognitiva prévia.
Outro dos alicerces teóricos da pesquisa que aqui apresentamos é a
proposta linguística de Ferdinand de Saussure, a qual passa, também,
a ser sucintamente apresentada.
Tânia Maris de Azevedo
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SAUSSURE E A LÍNGUA COMO SISTEMA DE VALORES
Ducrot (2001), em seu Dicionário enciclopédico das ciências da
linguagem, no verbete saussurianismo, afirma que os estudos de
Ferdinand de Saussure tiveram início como uma reação à prática com-
paratista, cuja crença na desorganização progressiva das línguas sob
a influência das leis fonéticas – ligadas, por sua vez, à atividade de
comunicação – sustentava a tese de que seria possível ler, no estado
presente, a gramática do estado passado, mesmo que os elementos
gramaticais do primeiro estado tivessem um estatuto gramatical apa-
rentemente muito diferente dos elementos antigos.
Para Saussure, segundo Ducrot (2001), cada língua, a cada momen-
to, em cada espaço de sua realização, apresenta uma certa forma de
organização, a qual não é decorrente de uma função preexistente à
sua função de comunicação, pois a língua, na perspectiva saussuriana,
não tem outra função que não a de comunicação.
Ainda consoante Ducrot (2001, p. 27),
Saussure mostra que a linguagem, a todo mo-mento de sua existência, deve apresentar-se como uma organização. A essa organização inerente a toda língua, Saussure denomina SISTEMA (seus sucessores falam amiúde de ESTRUTURA). (DUCROT, 2001, p. 27 – grifos do autor.)
Conforme Azevedo (2006), Saussure faz uso do princípio estru-
turalista da relação para o processo de determinação dos elementos
constituintes de um sistema linguístico. Na visão da autora, a delimi-
tação de uma unidade pressupõe que a unidade objeto de análise seja
relacionada com as outras que compõem o sistema e alocada no âmbito
de uma organização de conjunto. De acordo com Ducrot (2001), é a
essa rede de inter-relações que os saussurianos denominam sistema
da língua, e, para eles, os elementos linguísticos não têm nenhuma
Por uma aprendizagem significativa da língua materna: o ensino fundamentado em Saussure e Ausubel
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realidade independente de sua relação com o todo, com o sistema a
que pertencem.
Como diz Azevedo (2006), o elemento linguístico, em Saussure, é
o signo, isto é, a totalidade resultante da associação de uma imagem
acústica, o significante, e de um conceito, o significado.
O signo lingüístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acús-tica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreite) psíquica dêsse som, a representação que dêle nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la “material”, é sòmente neste sentido, e por oposição ao outro têrmo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato. (SAUSSURE, 1989, p. 80)
Essa associação é totalmente arbitrária e, ao mesmo tempo, cons-
titui o que esse teórico chama valor, pois, consoante Azevedo (2006):
(a) serve para designar uma realidade linguística que lhe é estranha
(realidade atingida por meio de seu significado, mas que não é seu
significado); e (b) o poder significativo que o constitui é estritamente
condicionado pelas relações que o unem a outros signos da língua,
de modo que não se pode apreendê-lo sem o reintegrar à rede de
relações intralinguísticas.
Segundo Ducrot (2001), Saussure ressalta que a efetiva atividade que
possibilita ao linguista determinar os elementos da língua (os signos)
impõe o aparecimento simultâneo do sistema que é o responsável por
lhes conferir valor.
Claudine Normand (2009, p. 79. Grifos da autora), sobre o conceito
de valor, afirma:
Dizer valor é, por um lado, colocar uma “equi-valência entre coisas de ordens diferentes” [...]; é, por outro lado, se colocar no âmbito de uma pluralidade de elementos independentes, plu-ralidade regulada de modo específico para cada língua: “Na língua, cada termo tem seu valor por oposição a todos os outros termos”.
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Derivado do princípio da relação (DUCROT, 2001, p. 28), Saussure
chama de princípio da opositividade a mais fundamental e própria
característica dos signos, que é a de “ser o que os outros não são”,
ou seja, “a unidade é, não tudo o que os outros não são, mas que ela
é nada mais do que aquilo que os outros não são”. Melhor dizendo,
a unidade não se define a não ser por suas diferenças, “ela não se
baseia em nada mais ‘do que em sua não-coincidência com o resto’”.
Em Saussure encontra-se uma explicitação do conceito de valor.
Valor é, eminentemente, sinônimo, a cada instante, de termo situado em um sistema de termos similares, do mesmo modo que é, emi-nentemente, sinônimo, a cada instante, de coisa cambiável. [ ] Considerar a coisa cambiável, por um lado e, por outro, os termos co-sistemáticos, não revela nenhum parentesco. É próprio do va-lor relacionar essas duas coisas. Ele as relaciona de um modo que chega a desesperar o espírito pela impossibilidade de se investigar se essas duas faces do valor diferem por ele ou em quê. A única coisa indiscutível é que o valor existente nesses dois eixos é determinado segundo esses dois eixos concomitantemente. (SAUSSURE, 2009, p. 289. Grifos do autor)
Foi justamente valor o conceito saussuriano motivador da pesquisa
de que trata este artigo, uma vez que considerar, nesses termos, a
língua como um sistema de valores possibilita configurar um ensino
de língua que privilegie e se paute pelas relações e inter-relações das
entidades linguísticas situadas no sistema que integram e que lhes
permite serem realizadas em situações enunciativas concretas. Crê-se,
pois, que um ensino assim fundamentado possa efetivamente cons-
tituir-se um potencializador de aprendizagens linguístico-discursivas
significativas.
No sentido de definir o objeto de estudo da ciência linguística, Saus-
sure (1989) distingue língua de linguagem e de fala. Define linguagem
como uma faculdade, uma capacidade dos indivíduos, considerando-a
uma dimensão maior do fenômeno linguístico que engloba a língua
Por uma aprendizagem significativa da língua materna: o ensino fundamentado em Saussure e Ausubel
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e a fala, pois afirma que “a linguagem tem um lado individual e um
lado social, sendo impossível conceber um sem o outro” (op. cit., p.
16). A língua, então, seria o aspecto social, coletivo da linguagem, e
a fala, seu aspecto individual.
Para o autor (op. cit., p. 17), a língua é uma “parte determinada”
da linguagem. É, ao mesmo tempo, o resultado social da faculdade da
linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pela
sociedade para possibilitar aos indivíduos o exercício de tal faculdade.
Conforme Azevedo (2006), nessa distinção entre língua e linguagem
é que, para Saussure (1989), está a razão primeira de atribuir à língua
o primeiro lugar no estudo da linguagem.
A definição clássica de Saussure para a língua é por ele construída,
não só por oposição à concepção de linguagem, como também por
oposição à noção de fala. Para ele, língua é
um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma co-munidade, um sistema gramatical que existe vir-tualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo. (SAUSSURE, 1989, p. 21).
Entretanto, no escopo deste estudo, mais significativo é o que
Saussure afirma sobre a língua em uma de suas notas manuscritas.
Seja qual for a sua natureza mais particular, a língua, como os outros tipos de signos, é, antes de tudo, um sistema de valores, e é isso que estabelece seu lugar no fenômeno. Com efeito, toda espécie de valor, mesmo usando elementos muito diferentes, só se baseia no meio social e na força social. É a coletividade que cria o valor, o que significa que ele não existe antes e fora dela, nem em seus elementos decompostos e nem nos indivíduos. (SAUSSURE, 2009, p. 250. Grifos do autor)
Nossa investigação funda-se nessa concepção de língua, como
um sistema de valores criado, mantido e/ou transformado por uma
Tânia Maris de Azevedo
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coletividade por meio da fala, definida por Saussure (1989, p. 22)
como a dimensão individual da linguagem; “um ato individual de
vontade e inteligência, no qual é possível diferenciar “as combinações
pelas quais o falante realiza o código da língua”, para expressar seu
pensamento, do “mecanismo psicofísico”, que possibilita ao falante
manifestar tais combinações.
Estabelecido o objeto da ciência linguística, Saussure (1989 e 2009),
valendo-se do princípio estruturalista da relação, afirma que toda
palavra de uma língua só existe nas e pelas relações com as outras
palavras dessa mesma língua, ou seja, uma palavra não existe a não
ser em relação às outras palavras, seja qual for a dimensão (fonológica,
morfológica, sintática e/ou semântica) pela qual ela for analisada.
Sendo assim, consoante Azevedo (2006), o valor de um signo está,
desde a perspectiva saussuriana, nas relações que este mantém com
os demais signos de uma língua. Dito por outras palavras, o valor
de um signo está no ponto de intersecção dos dois eixos (tipos) de
relação que ele pode estabelecer com os outros signos de um sistema
linguístico: o sintagmático, eixo das combinações in praesentia, e o
paradigmático, eixo das associações in absentia7.
Saussure, no seu Curso de Linguística Geral (1989, p. 142), afirma
que “num estado de língua, tudo se baseia em relações” e que essas
relações “se desenvolvem em duas esferas distintas, cada uma das
quais é geradora de certa ordem de valores”: a sintagmática e a pa-
radigmática.
No discurso, para Saussure (op. cit., p. 142), os signos estabelecem
entre si encadeamentos fundados no caráter linear da língua, o que
impede, por exemplo, de serem pronunciadas simultaneamente duas
palavras. Esses encadeamentos são as relações sintagmáticas, ou in
praesentia, pois resultam da combinação entre termos presentes num
segmento da fala. “Colocado num sintagma, um têrmo só adquire seu
valor porque se opõe ao que o precede ou ao que o segue, ou a ambos.”
7 Bouquet (2001) fala ainda sobre outra dimen-são do valor saussuria-no, aquela cuja origem está na relação arbitrária significante/significado. Essa indissociabilidade das duas faces do signo linguístico constitui uma outra ordem de valor: o valor interno ao signo.
Por uma aprendizagem significativa da língua materna: o ensino fundamentado em Saussure e Ausubel
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Arrivé (2010, p. 88) diz que o sintagma em Saussure parte da
combinação de duas unidades no interior de uma mesma palavra
(fonemas, afixos) até limites não definidos, o que pode sugerir que
se estenda além da frase.
A outra esfera de relações geradora de valor é a paradigmática
(associativa), pela qual termos ausentes da manifestação discursiva
(mas presentes na memória dos interlocutores) são encadeados;
tal encadeamento mnemônico é o responsável pelas escolhas feitas
quando da produção dos discursos em que um termo desse grupo in
absentia é atualizado8 em detrimento de todos os outros. Tal processo
de escolha é determinado e determinante do valor opositivo dos termos
a serem realizados pela fala ou não.
Normand (2009) aponta para o fato de que somente as combina-
ções (relações sintagmáticas realizadas, atualizadas, manifestas) são
observáveis, no entanto elas supõem escolhas virtuais imprescindíveis,
ainda que imperceptíveis.
Como já dito aqui, é justamente no cruzamento desses dois eixos de
relações, o sintagmático e o paradigmático, que o valor de um signo
se estabelece e se define. Um diagrama pode facilitar a visualização
dessa ideia.
Pelo olhar saussuriano9, são essas duas ordens de relações (sintag-
máticas e paradigmáticas), é esse “duplo caráter do valor” que está na
8 No sentido de pôr em ato, concretizar, enun-ciar.
9 Cf. Bouquet, 2001, p. 256.
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base da noção de sistema: seja qual for a ordem de relações em que
uma palavra funcione, ela é sempre, e antes de mais nada, parte de
um sistema, solidária a outras palavras, ora numa, ora noutra ordem
de relações. Essa solidariedade recíproca é algo a ser considerado
naquilo que constitui o valor.
Vê-se mais uma vez aqui o princípio da relação como um fun-
damento indispensável à qualificação de um ensino de língua cujo
objetivo maior seja a potencialização/otimização de aprendizagens
significativas. Dados esses pressupostos saussurianos, não se pode
conceber a continuidade de um ensino de língua pautado pela gramá-
tica normativa – pela classificação infindável de unidades linguísticas
(ou melhor, gramaticais) isoladas da situação enunciativo-discursiva
e do sistema que as integra e condiciona – e/ou pela memorização
da metalinguagem fonológica, morfológica, sintática e mesmo textual
em detrimento de uma perspectiva de uso da língua sistemicamente
concebida como uma reciprocidade de valores que só se definem em
cada discurso produzido e na relação de alteridade que os sustenta.
É nesse contexto teórico que se insere e se justifica, pela relevância
social e pelo mérito científico, a pesquisa aqui descrita, uma vez que
tem por objeto a busca, na teoria linguística, de possíveis fundamentos
para uma aprendizagem significativa da língua materna. Tais funda-
mentos poderão subsidiar os estudos tanto dos professores de Portu-
guês, em processo de formação continuada, quanto dos estudantes
de Letras como futuros docentes da referida disciplina nos currículos
do Ensino Fundamental e Médio e, além desses, de todos os profes-
sores que vejam na linguagem o principal mediador da formação de
conceitos e do desenvolvimento de competências e habilidades em
qualquer área do conhecimento.
Por uma aprendizagem significativa da língua materna: o ensino fundamentado em Saussure e Ausubel
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Tânia Maris de Azevedo
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TÂNIA MARIS DE AZEVEDO
Doutora em Linguística Aplicada pela PUCRS. Professora nos cursos de Licenciatura em Letras, Especialização em Leitura e Produção Textual e Mestrado em Educação da Universidade de Caxias do Sul.
E-mail: [email protected]
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