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2 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 1º a 7 de setembro de 2008

Sergio Salles Filho

Brasil tem 850 mi-lhões de hectares deterritório; destes, cal-cula-se que 350 mi-lhões são agricultá-

veis. Hoje, temos algo em torno de 63milhões de hectares com áreas de la-voura, 22 só de soja, um mundo de soja.Cana deve ter alcançado 8 milhões jáem 2007, um crescimento de 25% emmenos de dois anos. Entretanto, o maisimpressionante é que temos algo como211 milhões de hectares em pastagensextensivas. Com pouco mais de 200milhões de cabeças, dá um boi por ha.Um luxo em qualquer lugar onde a ci-vilização humana tenha se instaladoneste nosso planeta. Produz-se gadoassim porque há terra disponível paraisso e porque o preço da terra, até bempouco tempo, manteve-se em níveisbaixos o suficiente.

Aí entra o tema da fronteira agrí-cola e do desmatamento. A derrubadada floresta e a ampliação da fronteiratêm quatro fatores de estímulo econô-mico principais: a madeira, que se ex-trai e se vende a preços cada vez maisatraentes; a pecuária, que normalmen-te entra em seguida à derrubada para aocupação da área; a lavoura, que mui-tas vezes substitui a pecuária; e a terra,por que ninguém é bobo e continuasendo uma importante forma de reser-va de valor, antes mesmo de ser capi-tal. Explico-me sobre essa última afir-mação. Terra tem funcionado neste paíscomo reserva de valor, muito mais doque como um recurso produtivo (capi-tal). Se assim não fosse, não teríamosuma relação de ¼ de lavoura para ¾ depecuária extensiva. Quando a terra setorna atrativa para a produção agrícola(porque a demanda, os preços e as políti-cas justificam isso), ela se valoriza e ten-de a transitar da condição de patrimôniopara a de capital (terra como meio deprodução para a criação de mais valor).

Os 211 milhões de hectares de pas-tagens são, pelo menos em parte (e umaparte grande), patrimônio que atua fra-camente como capital. A média de umboi por hectare revela uma muito bai-xa produtividade dessa terra. É terramal empregada, mal aproveitada, e sóexiste assim porque a pressão dos pre-ços e a ausência de políticas não pro-movem a transição efetiva da terrapatrimônio para a terra capital.

Aqui voltamos para o tema da fron-teira agrícola e do desmatamento. Lá na

estímulo ao melhor uso da imensidãode terra com produção pecuária de tãobaixa produtividade? Por que não atra-ir o investimento para essas áreas cri-ando alternativas mais estimulantespara lavouras e pecuária mais produti-vas (produtividade física, por hectare)?

De fato, competir com os atrativosda fronteira não é fácil. Mas o capitalvai para onde lhe parece mais atraen-te. Evidentemente que dificilmente oavanço da fronteira na floresta seriaevitado pelo estímulo à re-incorpora-ção das áreas de pastagens a uma novaagricultura (incluindo aí a pecuária),mas isso ajuda. Na fronteira agrícola,na derrubada da floresta, o que faltamesmo é a presença do Estado, quehoje fala e regulamenta muito, mas in-

Marcos Nobre

que há de melhor emuma democracia éque se deve obedecerà lei ao mesmo tem-po em que se tem o

direito de não concordar com ela. Docontrário, leis seriam eternas. Se sãomodificadas, é porque há discussãopública e avaliação da sua pertinênciae adequação.

E, no entanto, bloquear a discussãoé o que fazem sistematicamente as For-ças Armadas quando o assunto é as-sassinato de presos e prática de tortura

felizmente ainda faz muito pouco.Há área e tecnologia de sobra no

Brasil para ampliarmos a produção deprodutos agrícolas, sejam estes alimen-tos ou matérias-primas (inclusive ma-téria-prima para produção de bio-combustíveis). A questão da alta mun-dial dos preços agrícolas, causada poraumento de demanda por alimentos epor matérias-primas (como o caso domilho nos EUA), mas também por es-peculação, joga pressão sobre todas asfronteiras agrícolas do planeta.

É preciso entender que há dois ti-pos de fronteira: a que ainda não foi ea que já foi incorporada à produção.Pois é, no nosso caso, temos uma vas-ta área pseudo-ocupada pela pecuáriaque é, na prática, uma fronteira. Uma

durante a ditadura.A única declaração oficial é sem-

pre a de que a Lei de Anistia de 1979pôs um ponto final no debate.

Cabe perguntar por que e até quan-do as Forças Armadas vão carregar nascostas os crimes da ditadura. Sua recu-sa ao debate é tanto mais incompreen-sível porque é um tiro no pé: tem comoúnica conseqüência prolongar uma con-fusão entre Forças Armadas e violênciade Estado. Deveria ser do seu maior in-teresse mostrar que não se confundemcom tortura e assassinato de presos.

A verdade só virá à tona quando sedeixar de atribuir a culpa ao Estado

como entidade abstrata. Não são todosos militares que torturaram e assassi-naram. Cabe identificar quem praticoutais atos.

Esse é o sentido de uma açãodeclaratória de responsabilidade civilpor tortura proposta por cinco mem-bros de uma mesma família contra umcoronel reformado do Exército. O ob-jetivo da ação é o de declarar a respon-sabilidade do réu pela prática de tortu-ra, e não de condená-lo.

É verdade que, se a ação tiver êxito,nada impedirá que os autores ingressemposteriormente com uma ação conde-natória. Mas, independentemente de

fronteira a ser re-ocupada, mas destavez com um uso mais produtivo, sus-tentável e definitivo. A pressão de de-manda por alimentos é uma curva cres-cente, por vezes inflexionada para bai-xo, ou para cima. No longo prazo, elasó cessará de crescer quando a popu-lação do planeta se estabilizar no ta-manho e no acesso generalizado e su-ficiente de todos os habitantes aos ali-mentos. Enquanto isso, precisamosusar melhor nosso precioso recursochamado terra, não apenas maltratado,como também mal aproveitado.

Sergio Salles Filho é pesquisador doDepartamento de Política Científica e

Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências(IG) da Unicamp.

possíveis punições, o mais importanteno momento é identificar e responsabi-lizar indivíduos. Separar a declaraçãode responsabilidade de possíveis puni-ções é uma estratégia jurídica de vistaslargas. Mostra que é possível buscar averdade sem se enredar no bloqueioantidemocrático da discussão que fa-zem hoje as Forças Armadas.

Trazer a verdade à tona tem conse-qüências de grande alcance. Uma dasmais importantes é a de que, distinguin-do militares de criminosos, será possí-vel finalmente retirar de circulação aexpressão ditadura “militar”.

Não só porque as Forças Armadas

Velhas e novas fronteiras agrícolas

vão poder enfim olhar a sociedade bra-sileira de frente outra vez, sem seremconfundidas com arbítrio e violência,mas também porque deixar para trás adenominação “ditadura militar” vairevelar com clareza os muito mais nu-merosos beneficiários e colaboradoresnão-militares da ditadura. Que tambémnão foram ainda declarados responsá-veis por nada na ditadura que susten-taram com tanto zelo e empenho.

Segundoestimativas,país tem cercade 211 milhõesde hectares empastagensextensivas

fronteira, que hoje é basicamente a gi-gantesca área da Amazônia Legal, háatrativos econômicos múltiplos maioresque os atrativos encontrados nos tais 211milhões de ha de pastos (terra, madei-ra). Pergunta: onde estão as políticas de

Declaração de tortura: a recusa ao debate

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Marcos Nobre é professor do Instituto deFilosofia e Ciências Humanas da Unicamp

(IFCH). Este artigo foi publicado na Folha de S.Paulo em 19 de agosto de 2008

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