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PLURIATIVIDADE EM TRÊS UNIDADES DE PRODUÇÃO FAMILIAR DO PROJETO REDES DE REFERÊNCIAS NO SUDOESTE DO PARANÁ
Cid Renan Jacques Menezes1; Norma Kiyota1
1-Instituto Agronômico do Paraná - IAPARcid.renan@iapar.br; normak@iapar.br
Grupo de Pesquisa: Abordagem sistêmica aplicada ao desenvolvimento rural sustentável ResumoO objetivo do trabalho foi dimensionar a participação econômica e discutir a prestação de serviços externos à unidade de produção a partir de suas estratégias produtivas e socioeconômicas em três unidades de produção familiar rural, no Sudoeste do Paraná. Para tanto, as unidades de produção foram acompanhadas mensalmente através do Projeto Redes de Referências para a Agricultura Familiar e ao final do período, foram analisados os dados econômicos e produtivos de cada atividade agrícola das unidades de produção em dois anos agrícolas (2013/2014 e 2014/2015). Os sistemas produtivos, organização e estratégias das três famílias são diferentes, entretanto, foi possível observar especificidades da pluriatividade que auxiliaram na manutenção e reprodução social das famílias..
Palavras-chave: Pluriatividade, Agricultura familiar; Organização do trabalho; Sistemas de Produção .
AbstractThe objective was to scale the economic participation and discuss the provision of services outside the production unit from its productive and socio-economic strategies in three rural family production units, in Southwestern of Paraná. Therefore, the production units were monitored monthly by the Reference Network for Family Agriculture Project and the economic and productive data were analyzed for each agricultural activity of production units in two growing seasons (2013/2014 and 2014/2015). The production systems, organization and strategies of the three families are different, however, we observed specifics of pluriactivity that assist in the maintenance and social reproduction of families.
Keywords: Pluriactivity; Family Farm; Organization of Work; Production Systems.
1. Introdução
A agricultura familiar é uma forma de organização produtiva em que os critérios
adotados para orientar as decisões relativas à exploração agrícola não se subordinam
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unicamente pelo ângulo da produção e/ou rentabilidade econômica, mas levam em
consideração as necessidades e objetivos da família (SILVA, 2013).
No entanto, a diversidade da agricultura familiar e do meio rural pode ser explicada,
por um lado, pela sua crescente mercantilização, por conta da inserção dos agricultores na
dinâmica da economia capitalista, enquanto produtores de mercadorias, trabalhadores e
demandantes de insumos e tecnologias externas e, por outro, pelas estratégias de reprodução
que os mesmos estabeleceram em reação de adaptação ao próprio processo de mercantilização
(ESCHER, 2011).
As transformações do mundo rural ensejadas pela crescente integração dos
agricultores aos mercados revelam elementos determinantes à emergência da pluriatividade
(NIEDERLE & SCHNEIDER, 2007). Conterato (2006) relata as principais potencialidades da
pluriatividade sendo: elevar a renda familiar no meio rural; estabilizar a renda em face da
sazonalidade dos ingressos na agricultura; estratégia de diversificação de renda; contribuição
na geração de emprego no meio rural; reduzir as migrações do rural para o urbano; contribuir
para estimular mudanças nas relações de poder e gênero e modificar o sentido da terra e do
rural.
Assim a pluriatividade representa uma forma de organização que altera a dinâmica
socioespacial, ou seja: diferencia-se das tradicionais formas de integração de pequenas
unidades familiares ao mercado como produtoras agrícolas, tendo na venda da força de
trabalho e integração a sua divisão social uma alternativa à saída do campo, para sua
sobrevivência (MUSSATO & SANTOS, 2014).
As famílias pluriativas participantes desse estudo, para realizar atividades remuneradas
para terceiros, utilizam mão de obra, equipamentos e ou espaço de sua própria unidade
produtiva para tal fim, sendo assim, a prestação de serviços é sempre realizada no meio rural.
Essa estratégia permite a continuidade da atividade agrícola combinada com o
desenvolvimento de outras atividades produtivas, tanto dentro, quanto fora da unidade de
produção.
Schneider & Conterato (2006) descrevem a pluriatividade em duas formas: De base
agrária e intersetorial. A primeira é a venda de serviços com máquina ou equipamentos
agrícolas, bem como em atividades sazonais manuais de plantio, colheita ou manejo. A
segunda é aquela situação em que pessoas de uma mesma família rural combinam a ocupação
nas atividades agrícolas com outras não-agrícolas vinculados à outros setores e ramos
econômicos.
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As estratégias de cada família são fundamentais nas decisões em relação à
incorporação de determinada técnica ou atividade. Porém, tais estratégias são profundamente
influenciadas por oportunidades e ações provenientes de elementos externos à unidade
familiar, seja na esfera da economia, cultura ou política (CANDIOTTTO, 2007).
Buscando demonstrar a pluriatividade, o presente estudo tem como objetivo
dimensionar a participação econômica e discutir a prestação de serviços a partir de suas
estratégias produtivas e socioeconômicas em três unidades de produção familiar, no Sudoeste
do Paraná, sendo uma no município do Verê e duas em Coronel Vivida.
O Sudoeste do Paraná é um território formado predominantemente pela agricultura
familiar, baseada em pequenas parcelas de terra e as alterações na sua forma de produção são
precedidas e procedidas por mudanças políticas, culturais, econômicas e ambientais
(SANTOS, 2011). Entre as principais culturas exploradas na região Sudoeste do Paraná estão:
milho, soja, feijão, trigo, baseadas nos insumos modernos, mecanização e complexos
industriais. Na pecuária predomina a bovinocultura de leite, avicultura, suinocultura e outras,
sendo o sistema de integração ao complexo agroindustrial bastante utilizado (ZARTH, 2011).
Todas as três famílias são acompanhadas pelo Instituto Agronômico do Paraná -
IAPAR no Projeto Redes de Referências para Agricultura Familiar desde o ano de 2009,
sendo que os dados econômicos são referentes aos anos agrícolas 2013/2014 e 2014/2015 e
cada ano agrícola é compreendido pelo período de outubro a setembro.
Nas Redes de Referências, o enfoque sistêmico é adotado no lugar do enfoque
reducionista, a propriedade agrícola é o local de investigação (diagnósticos e validações), as
ações são baseadas na integração de diferentes disciplinas, a atuação da pesquisa sempre se dá
em parceria com outros agentes de desenvolvimento e a participação dos agricultores é um
aspecto fundamental. O enfoque sistêmico coloca o agricultor e sua família combinando os
fatores que possuem (terra, máquinas, equipamentos, mão de obra) para compor o melhor
arranjo entre as culturas e criações exploradas na unidade de produção, levando em conta os
objetivos que pretendem atingir. Este conjunto de fatores e atividades compõe um sistema
complexo, com constante integração entre seus componentes internos e com o ambiente
externo. Estudos parciais de atividades específicas não permitem o entendimento do todo,
assim, o enfoque sistêmico, empregado nas “Redes”, permite esta análise (MIRANDA et al. ,
2001).
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Para o levantamento de dados, a propriedade foi dividida em talhões, a partir das
atividades produtivas e características ambientais e de manejo, sendo que para cada atividade
ou talhão existe uma planilha em Excel com os dados de data do uso do produto ou serviço,
nome do produto ou serviço, se é entrada ou saída, quantidade e unidade de medida dos
produtos ou serviços e valor unitário e total destes. Estes dados foram alimentados
diariamente pelos agricultores e acompanhados mensalmente pela equipe do Projeto Redes de
Referência durante o período do estudo.
Os cálculos de custos variáveis (insumos, operações, mão de obra temporária e juros
de custeio), receita bruta e margem bruta desse sistema de produção foram divididas
conforme suas atividades agrícolas. Os valores econômicos citados no pressente estudo do
ano agrícola 2013/2014 foram corrigidos para o ano agrícola 2014/2015 pelo índice geral de
preço do mercado (IGP-M).
Dentre as atividades agrícolas encontradas nesses agricultores destaca-se a produção
de leite, presente em todas as propriedades. Para os cálculos de margem bruta do leite, usou -
se todos os custos variáveis e receitas com pastagens, silagem e insumos ligados diretamente à
produção de leite. Outra atividade que está presente em ao menos um dos dois anos estudados
em todas as unidades de produção é a produção de grãos, como soja e milho, referidos neste
trabalho como lavoura. A fruticultura e a olericultura estão presentes também em dois
estabelecimentos de forma isolada. Para as lavouras, fruticultura e olericultura, foram
consideradas também os custos (insumos, contratação de mão de obra e máquinas) e receitas
variáveis, com intuito de obter a margem bruta destas atividades.
Foi colocada também como atividade na unidade de produção, a prestação de serviços
para duas famílias que tem como estratégia esta atividade. A terceira família foi inserida com
intuito de discussão da sua organização sem a pluriatividade como estratégia.
Por fim realizou-se uma entrevista semi estruturada com as famílias no mês de março
de 2015, sendo esta gravada e transcrita para se tornarem fonte para os relatos presentes neste
estudo.
2. Caracterização das famílias e suas estratégias
Este estudo focou três unidades familiares de produção do Sudoeste do estado do
Paraná, sendo que a pluriatividade se faz presente como estratégia em duas destas unidades. A
seguir, estão descritas as formas de organização das famílias, buscando focar nas estratégias
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produtivas e familiares realizadas pelos agricultores discutindo como a pluriatividade se
insere nestas.
2.1 Família 1
A família 1 é composta pela viúva M. C. B. (56 anos) e seu filho L.B (21 anos) que
atua como “chefe” da unidade familiar de produção, isso vem acontecendo por volta de seis
anos, desde que seu pai ficou doente, quando a mãe se ocupava com o marido e o jovem
priorizava as atividade produtivas. Entretanto, a mãe sempre assumiu determinadas atividades
na produção leiteira junto com o filho.
O estabelecimento gerenciado pelo jovem se caracteriza por apresentar uma pequena
área disponível, mão de obra familiar com excelente capacidade de trabalho, relativamente
bem informada sobre as tecnologias existentes para a região e com acesso ao crédito rural.
A unidade de produção tem 17,05 ha, sendo que 3,4 ha da área é coberta com floresta
natural e 0,8 ha de área com benfeitorias (estradas, casa, sala de ordenha, barracão entre
outros). No ano agrícola 2013/2014 a área produtiva da propriedade contou com 3,7 ha de
soja; 5,2 ha de pastagens perenes; 9,1 ha de pastagens de inverno e 4,5 ha entre pastagens de
verão e milho para produção de silagem. Para o ano agrícola seguinte (2014/2015) houve,
respectivamente, acréscimo de 0,2 e 1 ha de soja e pastagens de verão incluindo milho
silagem, no entanto, as áreas produtivas de pastagens perenes e pastagens de inverno
reduziram em 0,2 e 1,7 ha respectivamente.
Observa-se que o sistema de produção é voltado basicamente para a bovinocultura de
leite, com sistema de alimentação a pasto e silagem. A produção de soja neste sistema, além
de resultar em renda e ter parte de sua produção utilizada para a alimentação animal, esta
voltada para rotação de culturas. O plantel de bovinos na unidade de produção é de raça
Holandesa e/ou mestiça Jersey.
Essa família tem a proposta de continuar com as atividades presentes no
estabelecimento. Quando perguntado qual o futuro para a unidade de produção, o jovem L. B.
(21 anos) responde: “Temos que continuar com leite e roça, que é o que está dando mais
dinheiro. Ainda mais é o leite né!”.
Dona M. C. B. (56 ANOS) é responsável por todo serviço doméstico além de auxiliar
o filho no manejo, alimentação, sanidade dos animais e ordenha. Já o manejo de pastagens e
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produção de grãos e silagem fica ao encargo somente do jovem, que ainda assim,
complementa seu tempo prestando serviços com máquinas agrícolas e implementos para
outras propriedades vizinhas.
Os principais serviços prestados ocorrem em período de safra agrícola, principalmente
no plantio, manejo sanitário de lavouras e colheita, caracterizando assim uma família que tem
como estratégia pluriatividade de base agrária.
Assim a renda da família esta dividida em três grandes áreas: leite, lavoura e prestação
de serviços, além da renda de dois aposentos recebidos por M. C. B. (56 anos), não descritas
neste estudo (tabela 1 e 2).
Tabela 1. Custos variáveis, receita e margem bruta da unidade de produção da família 1 acompanhada pelo Projeto Redes de Referências durante o ano agrícola 2013/2014.
Atividade Custo variável Receita bruta Margem bruta (%)*-----------------------------R$------------------------------Leite 55053,49 90031,37 34977,88 64,05Lavoura 7196,42 14328,89 7132,47 13,06Prestação de Serviços 1952,57 14449,89 12497,32 22,89TOTAL 64202,48 118810,15 54607,67 100* Percentagem da participação da margem bruta de cada atividade na margem bruta total.Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados do Projeto Redes de Referências, 2016.
Tabela 2. Custos variáveis, receita e margem bruta da unidade de produção da família 1 acompanhada pelo Projeto Redes de Referências durante o ano agrícola 2014/2015.
Atividade Custo variável Receita bruta Margem bruta (%)*-----------------------------R$------------------------------Leite 73180,26 102631,62 29451,36 58,08Lavoura 7871,64 18143,7 10272,06 20,26Prestação de Serviços 2245,47 13226,7 10981,23 21,66TOTAL 83297,37 134002,02 50704,65 100*Percentagem da participação da margem bruta de cada atividade na margem bruta total.Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados do Projeto Redes de Referências, 2016.
Observa-se que o leite concentrou a maior margem bruta dentre as atividades
desenvolvidas com R$34977,88 e R$29451,36 para os anos agrícolas 2013/2014 e 2014/2015,
respectivamente, correspondendo a quase 60% da margem bruta total.
A lavoura, nesse caso a soja, que, como já relatado apresentou um acréscimo de
somente 0,2 ha do primeiro para o segundo ano estudado, apresentou um custo variável
parecido em ambos os anos, no entanto a receita bruta do ano 2014/2015 foi maior na ordem
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de R$3814,81, isso se caracteriza devido à produtividade ser de 1593,00 Kg ha -1 maior no ano
agrícola 2014/2015.
Objeto principal desse estudo a prestação de serviços, apresentou margem bruta total
maior no final do ano agrícola 2013/2014, uma vez que a receita bruta e os custos variáveis
são maiores no ano 2015/2016. Podemos explicar essa não conformidade dos custos e receitas
devido ao agricultor manter o mesmo valor cobrado pelos seus serviços prestados de um ano
para o outro.
A atividade realizada fora da unidade de produção pelo jovem garantiu nos anos
2013/2014 e 2014/2015, respectivamente, 22,89 e 21,66 % da margem bruta total da unidade
produtiva.
Os serviços prestados fora da propriedade são geralmente realizados com máquinas e
equipamentos da própria unidade produtiva, como: pulverizador 600 l, escarificador, grade,
espalhador de fertilizante do tipo Lancer, carreta basculante e trator New Holland 75 cv,
adquirido novo em 2013.
Esses equipamentos seriam desproporcionais economicamente ao tamanho da área
produtiva, mas como os implementos também são utilizados nos serviços realizados fora do
estabelecimento, isso torna os viável. Além de permitir que as atividades dentro da unidade
produtiva sejam realizadas em menor tempo, com menor penosidade e melhores resultados.
Barbosa et al. (2013) concluíram que as múltiplas atividades socioeconômicas
agrícolas e não agrícolas desenvolvidas no ambiente rural possibilitam, além de uma melhoria
das condições socioeconômicas da família rural, a oportunidade dos agricultores obterem
recursos financeiros que poderão ser utilizados para o reinvestimento nas atividades já
existente e/ou para subsidiar o desenvolvimento de novas iniciativas produtivas no
estabelecimento rural.
A dependência de serviços vindos de fora da propriedade era um problema para a
família, devido ao cultivo de vegetais e a criação se animais ser dinâmica, muitas vezes os
serviços contratados não eram realizados no momento tecnicamente adequado. Aos poucos, o
L. B. (21 anos) buscou diminuir estes problemas: “Comecei a mexer com máquinas por que
fazia falta para nós, dependia muito dos outros e às vezes ficava mal feito. Aí, compramos as
máquinas”.
Os serviços prestados pelo jovem em outras unidades produtivas não preocupa a
família: L. B. (21 anos) “O serviço prestado fora não atrapalha o andamento da propriedade,
pois se não posso ir, eu não vou”. Assim, observa-se que a família se organiza
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prioritariamente com as atividades da unidade familiar tornando a prestação de serviços
externos como uma atividade de oportunidade adquirida a partir de suas estratégias. Nesse
quesito há uma otimização da mão de obra, máquinas e equipamentos disponíveis.
A oportunidade de sair do cotidiano do trabalho também impulsiona a prestação de
serviços fora da unidade de produção. L. B. (21 anos) afirma: “Gosto de prestar serviços fora
por que saio da rotina”. A prestação de serviços ainda proporciona uma vivência externa, com
trocas de conhecimentos e experiências entre agricultores, resultando em novas ideias trazidas
para melhoria do encaminhamento produtivo da unidade de produção, além de ampliar o
capital social do jovem.
Para Schneider (2009) a pluriatividade trata-se de uma estratégia de reprodução social
das famílias rurais, que recorrem às atividades externas por diferentes razões (adaptação,
reação, estilo de vida), não sendo a pobreza o único fator determinante. Candiotto (2007)
afirma que a ampliação das atividades não agrícolas no meio rural, bem como das ocupações
da população rural em atividades não agrícolas, vêm modificando as relações sociais e de
trabalho. Mesmo o autor comentando para o caso de atividades não agrícolas, as atividades
agrícolas realizadas fora do estabelecimento também resulta nas mesmas transformações
caracterizadas pelo desenvolvimento da troca de experiências através das relações sociais e de
trabalho.
A realidade da migração dos jovens para o meio urbano, a cada dia se torna mais
preocupante, no caso da família 1 a prestação de serviços e a forma de organização monetária
da família proporcionaram ao jovem L. B (21 anos) uma perspectiva de realização
profissional e pessoal no campo.
Tal fato se comprova através dos relatos da agricultora: M. C. B (56 anos): “Dividimos
os lucros de tudo, só não dividimos o que ele ganha nos serviços prestados fora. Eu tenho que
abrir oportunidade para ele também, né!”. Assim o jovem com incentivo da família obtém sua
própria renda, podendo planejar, investir, ter seu lazer e conquistar seus objetivos estando no
campo.
2.2 Família 2
A família 2 no final do ano agrícola 2014/2015 era composta pelo chefe da família J.
S. Q (49 anos) e sua esposa C. T. Q. (44 anos), além de uma aposentada (89 anos), no ano
agrícola 2013/2014 na unidade produtiva estava ainda à filha do casal F. T. Q. (25 ANOS). O
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casal ainda tem com outra filha (23 anos) que não residiu na unidade produtiva em nenhum
dos anos estudados, assim não contabilizando suas receitas.
Essa unidade produtiva foi caracterizada por ser referência em produção de leite com
bons índices zootécnicos e sistema agrossilvipastoril de qualidade, tendo disponível
assistência técnica constante de órgãos públicos, e recebendo visitas em dias de campo de
vários agricultores da região e de outros municípios do Paraná com objetivo de difusão de
tecnologias.
A unidade de produção tem área de 12,9 ha, sendo que 2,4 ha é coberto com mata
natural, 0,1 ha é de reflorestamento e 1 ha é de benfeitorias (casa, estufas, sala de ordenha,
estradas, entre outros). A divisão das culturas da unidade de produção nos anos 2013/2014 e
2014/2015 são iguais, com 3 ha de soja mais 1,2 ha de milho silagem no verão, 5 ha de aveia
e azevém no inverno e 5,2 ha de pastagem perene (capim pioneiro, amendoim forrageiro e
tifton). A unidade produtiva nos dois anos contou com uma estufa com área de 150 m²
destinadas no ano de 2013/2014 para produção de morangos e 2014/2015 morangos e
folhosas (alface e rúcula).
Ao analisarmos as áreas disponíveis e sua ocupação observa-se que o sistema
produtivo é voltado para a produção do leite, o que de fato aconteceu durante o ano agrícola
2013/2014, no entanto o período 2014/2015 essa atividade foi executada em tempo parcial na
unidade de produção.
Justamente, no ano agrícola 2014/2015, a família passou por momentos difíceis, com
procedimento cirúrgico da C. T. Q (44 anos) e de saúde da aposentada (89 anos). Isso
combinado com o casamento e a saída da F. T. Q (25 anos) repercutiu diretamente na
disponibilidade da mão de obra da unidade de produção, ficando único e exclusivamente o
chefe de família como mão de obra produtiva além de responsável pelos cuidados da família.
O relato do J. S. Q (49 anos) demonstra o quão difícil estava sua situação em março de 2015:
“Cuidar de uma idosa e cuidar de vaca é bem complicado, nos temos se batido ai para poder
da conta”.
A mão de obra é vista pela família 2 como um fator limitante para o planejamento
futuro de sua unidade produtiva: “Estamos pensando em manter o que tem, por que para aumentar precisa aumentar mão de obra e quando se fala em comprar ou buscar mão de obra, não se acha qualificada” ( J. S. Q.,49 anos).
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Os dois últimos comentários do agricultor não colocam a família e a produção de leite
como um fardo a ser carregado, mas sim, busca colocar a dificuldade que ele está sentindo em
conciliar as atividades agrícolas com a demanda de cuidados que a família precisava naquele
momento. O que interfere na disponibilidade de mão de obra da unidade produtiva
Nesse contexto de dificuldades familiares com saúde e de mão de obra. O agricultor se
mostra mais desmotivado pelo aumento dos custos e desvalorização do mercado pelo seu
produto final: “A única coisa que estou desanimado, é com a tal coisa: quanto que você me paga e quanto você quer? Então o que desanima um pouco não é a minha propriedade e sim o comércio. Tudo sobe e o produto que sobrevivemos dele baixou” (J. S. Q., 49 anos).
Ao ser solicitado sobre uma mudança de estratégia produtiva e organizacional da
unidade produtiva, o agricultor J. S. Q (49 anos) já vinha dando indícios de querer parar com
atividade leite:“Nós produtores sabemos que mudar de atividade tem pontos positivos e pontos negativos, mas estamos acostumados com isso [...] por enquanto vamos plantando alface já que esta dando tudo certo, e se o leite for ficando ruim, nós vamos mudando para alface”.
Os comentários do agricultor demonstram que a remuneração e os gastos com a
atividade leite o colocaram em condições difíceis durante o ano agrícola 2014/2015, o que,
provavelmente, em conjunto com os problemas de mão de obra e de saúde da família
acarretaram na venda de suas vacas.
O projeto de hortaliças surgiu na unidade de produção como uma atividade de
incentivo para a filha, no entanto, a organização desta proposta, incluindo a remuneração para
a jovem F. S. Q., não foi efetivada, como o processo observado na família 1. Podemos
observar isso nos comentários do casal: “O morango foi um projeto por que a F. S. Q. estava estudando e ajudava ela. Agora o plantio da alface foi para aproveitar já que a estufa estava pronta e o pouco que dá, já ajuda, ainda mais com a fase da baixa do leite [..] Enquanto a Flavia recebia renda aqui na propriedade ela estava animada, quando parei, ela desanimou [...] Elas querem renda imediata, uma renda todo mês” ( J. S. Q.,49 anos).
“Um pouco foi falta de cabeça nossa, se tivéssemos dado: ó aqui é teu, cuide, se vire e faz, elas teriam ficado” (C. T. Q., 44 anos).
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Para Carneiro, (2000) primeiramente os filhos, e principalmente as filhas, não se
sentem mais estimulados a permanecerem trabalhando com e para a família na medida em que
a renda obtida pela unidade de produção camponesa é indivisa, ou seja, não se remunera
individualmente a mão de obra familiar.
Apesar de hoje os valores da margem bruta das hortaliças não serem tão expressivos
ao ponto de manter a família, o agricultor está se encaminhando para uma mudança de
atividade baseada em todos os argumentos aqui já citados.
Nesse contexto da organização da família e da unidade produtiva, o chefe de família se
dedica também a prestar serviços de solda, mecânicos e de borracharia, dentro da unidade de
produção familiar, caracterizado assim a pluriatividade intersetorial.
Essa família obteve renda, nos dois anos agrícolas estudados, das atividades leite,
lavoura, olericultura e prestação de serviços, além de transferências sociais como aposento,
que não foram incluídos nesse estudo (tabelas 3 e 4).
Tabela 3. Custos variáveis, receita e margem bruta da unidade de produção da família 2 acompanhada pelo Projeto Redes de Referências durante o ano agrícola 2013/2014.
Atividade Custo variável Receita bruta Margem bruta (%)*-----------------------------R$------------------------------Leite 28906,21 57637,37 28731,16 70,05Lavoura 5451,95 9883,13 4431,18 10,80Olericultura 591,02 3471,73 2880,70 7,02Prestação de Serviços 0,00 4975,02 4975,02 12,13TOTAL 34949,19 75967,25 41018,06 100
*Percentagem da participação da margem bruta de cada atividade na margem bruta total.Fonte: Elaborada pelos autores, a partir de dados do Projeto Redes de Referências, 2016.
Tabela 4. Custos variáveis, receita e margem bruta da unidade de produção da família 2 acompanhada pelo Projeto Redes de Referências durante o ano agrícola 2014/2015.
Atividade Custo variável Receita bruta Margem bruta (%)*-----------------------------R$------------------------------Leite 14320,16 93189,5 78869,34 83,50Lavoura 6042,92 10206 4163,08 4,40Olericultura 1387,53 5304,5 3916,97 4,16Prestação de Serviços 0,00 7500,00 7500,00 7,94TOTAL 21750,61 116200 94449,39 100
*Percentagem da participação da margem bruta de cada atividade na margem bruta total.Fonte: Elaborada pelos autores, a partir de dados do Projeto Redes de Referências, 2016.
Os dados da atividade leite do ano 2013/2014 apresentam uma margem bruta de R$
28731,16, correspondendo a 70,05% da margem bruta total e nesse ano a atividade foi
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realizada durante o ano todo. O leite no ano 2014/2015 não é base para compararmos com o
ano anterior, uma vez que foi contabilizado na receita bruta, a venda de 14 vacas e nove
novilhas no valor de R$ 75700,00 os outros R$ 17489,00 para completar a receita bruta total
da atividade, são referentes a venda de 24985 l de leite à uma média de R$ 0,70/litro de leite
para laticínios da região.
A lavoura de soja, nos dois anos agrícolas estudados, com 3 ha obteve margem bruta
um pouco maior que a olericultura que foi cultivado em 0,015 ha, sendo que no ano agrícola
2014/2015, a soja superou a margem bruta da olericultura, somente no montante de R$
246,11. Muito provavelmente essa experiência com olericultura motiva o aumento dessa
atividade na unidade produtiva.
Nas tabelas 3 e 4, é possível observar que a prestação de serviços é declarada sem
custos variáveis pelo agricultor, neste sentindo, as atividades prestadas para terceiros
remuneram principalmente sua mão de obra. O agricultor declara que trabalha nesse serviço
em torno de 160 horas ao ano de forma não contínua, no entanto essas horas não são
controladas com um rigor muito preciso.
A participação da prestação de serviços na margem bruta total é maior que 12% no ano
agrícola 2013/2014 e 7,9% em 2014/2015, mesmo com a superestimação dos valores do leite
para o ano agrícola 2014/2015. Para ambos os anos estudados, a margem bruta da prestação
de serviços foi maior do que as atividades de lavoura e olericultura.
A remuneração dos serviços foi maior no ano agrícola 2014/2015 do que no ano
anterior. O que provavelmente exigiu maior uso de mão de obra e, de fato, o agricultor
dispunha desse tempo extra após a venda das vacas produtoras de leite.
Fica claro nessa família que, apesar de dificuldades com mão de obra, a prestação de
serviços realizada pelo agricultor, nos anos estudados com a venda do leite em tempo integral
ou em tempo parcial, a prestação de serviços contribuiu para uma melhor rentabilidade
econômica da unidade produtiva.
Os clientes da prestação de serviços são vizinhos agricultores que, principalmente em
tempo de safra, necessitam de serviços de urgência, uma vez que a comunidade fica a uma
distância de 17 km da cidade.
Os conhecimentos profissionais em solda, mecânica e borracharia do agricultor J. S. Q
(49 anos) utilizados na prestação de serviços foram adquiridos em um momento em que a
família teve problemas na produção agrícola e de saúde com a filha, e esta teve que fazer um
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tratamento de longa duração em Curitiba, assim, a família foi trabalhar e residir na capital do
estado do Paraná.
“Nos fomos muito endividando para Curitiba teve um ano ruim com estiagem e não tinha seguro. Tudo era na base da troca, então quebramos [...] Tínhamos que sair fora trabalhar para sobreviver! Não tinha incentivo nenhum do governo[...] Quando veio o incentivo do governo, o Paraná 12 Meses, eu estava em Curitiba. retornamos já com a intenção de trabalhar com leite [...]Ficamos quatro anos e meio em Curitiba, a experiência de estar lá, ajudou a nós dar valor ao campo” (J. S. Q., 49 anos) .
Apesar de o agricultor ter aprendido uma nova profissão e hoje, ele, de certa forma,
ainda atuar nessas áreas, fica claro que ele prefere viver no campo.
Para essa família é interessante uma continuidade dos estudos através do Projeto
Redes de Referência, com intuito de analisar a predisposição da viabilidade econômica e
humana da prestação de serviços, em uma nova forma de organização da unidade produtiva
voltada para olericultura, que provavelmente demandará maior mão de obra à medida que esta
atividade crescer dentro da unidade produtiva.
2.3 Família 3
A família 3 é compota pelo casal F. L. (43anos) e M. M. L. (27 anos) e o filho W. M
L. (6 anos). Na unidade de produção ainda reside outro casal aposentado (70 e 66 anos), pais
do agricultor, que tem relação nos trabalhos da unidade de produção somente na cultura da
uva.
A área total da propriedade é de 14,43 ha desses, 1,14 ha é de floresta natural e 3,05 ha
de benfeitorias (estradas, duas casas, sala de ordenha, barracão, entre outras) e 1,2 ha com
fruticultura (pêssego, uva e maçã). No ano agrícola 2013/2014 a unidade produtiva não
produziu grãos, assim as áreas foram preenchidas com 3,63 ha de pastagens perenes, 5,41 ha
de pastagens anuais de verão e repetindo a mesma área de pastagens de inverno. Já no ano
agrícola 2014/2015 as áreas foram preenchidas com 2,41 ha de grãos, 3,63 ha de pastagens
perenes, 3 ha de pastagens anuais de verão e 7,5 ha de pastagens perenes de inverno.
Essa família tem como principais atividades a fruticultura e o leite, ou seja, as áreas
em que não são preenchidas com fruticultura estão dispostas na sua maioria em função da
alimentação animal.
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Na divisão de atividades entre o casal de agricultores, ele se mostra mais consistente
nas atividades ligadas à fruticultura em quanto ela no leite, porém existe contribuição de
ambos os lados em algum momento das atividades:“Na época do pêssego eu abandono o leite, a M. M. L. que lida com isso” [...] “A responsabilidade da M. M. L. é tirar e negociar o leite, e eu mais a parte de tratar, levar para o pasto, fazer o piquete” [...] “Nas frutas ela ajuda só na colheita, raleio e alguma outra coisa. Os tratamentos, poda e venda é eu, e só eu mesmo” (F.L., 43 anos).
A renda do leite e grãos da unidade produtiva fica todo com o casal, já a fruticultura
existe uma divisão nas culturas do pêssego e da uva, ainda que quem decida o caminho da
atividade é o chefe de família: “O pêssego dou para meu pai, 20% porcentagem e a uva é 50%
da renda. Eu converso com meu pai sobre o que fazer e como fazer, mas a palavra final é
minha” (F. L., 43 anos).
Para os anos agrícolas 2013/2014 e 2014/2015, os custos variáveis, receita e margem
bruta das atividades leite, lavoura e fruticultura estão apresentados nas tabelas 5 e 6. Essa
família não apresenta como estratégia a pluriatividade.
Tabela 4. Custos variáveis, receita e margem bruta da unidade de produção da família 3 acompanhada pelo Projeto Redes de Referências durante o ano agrícola 2013/2014.
Atividade Custo variável Receita bruta Margem bruta (%)*-----------------------------R$------------------------------Leite 19997,72 31175,00 11177,28 30,06Lavoura 0,00 0,00 0,00 0,00Fruticultura 6310,65 32314,24 26003,59 69,94Prestação de Serviços 0,00 0,00 0,00 0,00
TOTAL 26308,37 63489,24 37180,86 100*Percentagem da participação da margem bruta de cada atividade na margem bruta total.Fonte: Elaborada pelos autores, a partir de dados do Projeto Redes de Referências, 2016.
Tabela 5. Custos variáveis, receita e margem bruta da unidade de produção da família 3 acompanhada pelo Projeto Redes de Referências durante o ano agrícola 2014/2015.
Atividade Custo variável Receita bruta Margem bruta (%)*-----------------------------R$------------------------------Leite 17563,22 36105,75 18542,53 36,33Lavoura 3514,28 9628,6 6114,32 11,98Fruticultura 5133,94 31520 26386,06 51,69Prestação de Serviços 0,00 0,00 0,00 0,00TOTAL 26211,44 77254,35 51042,91 100
*Percentagem da participação da margem bruta de cada atividade na margem bruta total.Fonte: Elaborada pelos autores, a partir de dados do Projeto Redes de Referências, 2016.
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A fruticultura, nos dois anos agrícolas, teve os custos e as margens brutas muito
parecidas, atingindo um valor um pouco acima de R$ 26000,00 de margem e bruta,
correspondendo a 69,94 e 51,69% do total da unidade produtiva para os anos 2013/2014 e
2014/2015, respectivamente.
A fruticultura teve dois anos parecidos, no entanto, o leite apresenta variação de um
ano para outro. O período de 2013/2014, a partir de problemas sanitários do seu rebanho, o
agricultor teve maiores custos com medicamentos e houve o óbito de sete animais na unidade.
O primeiro fator interferiu nos custos variáveis do leite e o segundo, na receita bruta deste e,
por consequência, os dois fatores resultaram na diminuição da margem bruta desta atividade.
Apesar dessa unidade produtiva familiar, ter estratégias diferentes das unidades das
famílias 1 e 2, principalmente por não apresentar pluriatividade, esta é importante neste
estudo para viabilizar a comparação tendo como base uma unidade produtiva sem
pluriatividade. Assim podemos discutir o que levam as famílias a terem estratégias pluriativas
e o que isto pode representar em momentos de crise.
3 Panorama das famílias do Projeto Redes de Referências frente a estratégia pluriativa
Temos três famílias que foram apresentadas nesse estudo, todas acompanhadas pelo
Projeto Redes de Referência para Agricultura Familiar, no qual é preconizando o enfoque
sistêmico, buscando analisar todos os aspectos centralizando a família frente a sua unidade
produtiva.
Nesse sentindo, pode-se dizer que a forma como a família se organiza, é importante
para definirmos os motivos que levam as famílias a terem estratégias pluriativas ou não. Para
SILVA (2013), a agricultura familiar pode ser definida como a forma de organização
produtiva em que os critérios adotados para orientar as decisões relativas à exploração
agrícola não se subordinam unicamente pelo ângulo da produção e/ou rentabilidade
econômica, mas levam em consideração as necessidades e objetivos da família.
No entanto, é importante deixar claro que a atividade agrícola ainda desponta como a
principal atividade em termos de renda e ocupação dessas famílias, além de ser o fator
principal de identidade desse público. Isto é, ao se avaliar as características pluriativas da
agricultura familiar brasileira, não se pode desconsiderar a importância que as atividades
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agrícolas exercem na reprodução social e cultural desse segmento socioprodutivo. (SILVA,
2015)
A família 1 tem em torno de 20 % de margem bruta oriunda da prestação de serviços,
a maior entre as famílias estudadas e, ao pensar na mão de obra, o chefe desta família não vê
empecilhos para realizar as atividades fora da unidade produtiva. Considerando algumas
atividades produtivas não presentes na sua unidade, L. B. (21 anos) coloca a mão de obra
como limitante: “Outras atividades como fruta e horta dão dinheiro, mas também muita mão
de obra”.
Justamente essas duas atividades, hortaliças de forma emergente e a fruticultura de
forma concreta, estão inseridas no sistema produtivo das famílias 2 e 3, respectivamente.
A família 2, influenciada pela falta de mão de obra, a partir de problemas com saúde
familiar e a saída da filha do estabelecimento e o interesse na produção de hortaliças, fez com
que a unidade antes sólida na produção de leite, desistisse de tal atividade. Assim, isto
demonstra a importância da disponibilidade de mão de obra no sucesso das atividades a serem
realizadas na unidade produtiva. No entanto, a carência de mão de obra da família, não
interferiu no andamento dos serviços prestados.
Provavelmente, o modelo em que o agricultor se organiza nos serviços prestados, não
necessitando de realizar serviços de forma continua e com horários estipulados, permitiu a
continuidade dos serviços para terceiros sem ter impactos nas margens dessa atividade no
presente estudo.
Porém, se o agricultor quiser transformar a produção de hortaliças em sua atividade
principal, temos que concordar com á análise já feita pelo jovem da família 1, L. B. (21 anos),
em que muito provavelmente a unidade produtiva vai demandar maior mão de obra a medida
que essa atividade aumente, podendo ou não interferir na prestação de serviços. Descrevendo
a pluriatividade no município de Itapiranga – SC, Rambo (2004) aponta que o avanço da
pluriatividade exercida por parte dos agricultores familiares pode resultar em falta de mão de
obra na lavoura, havendo assim, a necessidade de contratação de mão de obra temporária ou
definitiva, o que vai, certamente, encarecer os custos de produção.
Mesmo as família 2 e 3 tendo atividades produtivas diferentes, , pode-se inferir que a
família 2 está em fase emergente na olericultura e a família 3 está com um sistema de
fruticultura instalado e com uma importância econômica considerável na unidade produtiva.
As duas atividades demandam bastante mão de obra, no entanto, na olericultura em pequena
escala, como vem sendo praticado pela família 2, esta demanda é menor quando comparada
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com o sistema de fruticultura praticado pela família 3. Por sua vez a família 1, com atividades
leite e lavoura apresentam uma demanda menor de serviços não mecanizados.
No contexto da necessidade de mão de obra, atividades produtivas e prestação de
serviços, este estudo apresentou uma tendência de que quanto mais atividades produtivas com
utilização de serviços realizados manualmente dentro da unidade de produção, menor é a
disponibilidade de tempo das famílias estudadas para as ocupações objetivando serviços
externos à unidade de produção.
Outro fator importante a ser considerado é que os serviços realizados para outras
famílias permitem um contato com a realidade externa do seu dia a dia, o que impulsiona os
chefes das famílias 1 e 2. Este contato externo também é realizado pelo chefe da família 3, na
comercialização das frutas, no entanto, esta é uma atividade que aparentemente este não
gostaria de continuar realizando, como este demonstra ao falar do futuro do seu filho na
unidade produtiva: “Se o W. L. (6 anos) resolver ficar, passaríamos tudo para ele [...] Eu poderia até ajudar ele, mas muita coisa queria passar para ele, por exemplo: se ele continuasse com a fruta, comercialização eu não quero nem saber disso mais! Posso ajudar só na produção” (F. L., 43 anos).
As atividades prestadas para fora da unidade de produção, realizadas pelas famílias 1 e
2, são oriundas das estratégias que as famílias tiveram com passar do tempo, pois, os serviços
que estas famílias prestam estão diretamente relacionadas ao um histórico da família e da
unidade produtiva.
A família 1, por exemplo, vem da aquisição de máquinas, que diminuem a penosidade
de seus serviços e, principalmente, a dependência de serviços externos. E, a família 2, no
passado, por questões de saúde e dificuldades econômicas deixou o campo e foi para o
urbano, o que proporcionou ao chefe de família o aprendizado de uma nova profissão. Em
ambos os casos, a trajetória da família, quando combinada com a necessidade do ambiente
(comunidade, município) em que vivem, fazem os agricultores terem estratégias pluriativas.
A pluriatividade na agricultura familiar resulta de uma estratégia de reação das
famílias em uma determinada conjuntura social, seja a uma situação de vulnerabilidade ou em
um cenário de oportunidades de novas inserções econômicas que irão compor o conjunto de
ações voltadas a sua reprodução social (SILVA, 2015). Para Schneider (2009), a
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pluriatividade permite gerar formas de trabalho e renda que se assentam, tanto nas
capacidades dos indivíduos, como nas condições existentes nos contextos locais.
Quanto à garantia de sucessores na unidade produtiva, a pluriatividade combinada com
a forma de organização monetária da unidade produtiva, contribui na permanência no campo
do jovem L. B. (21 anos) da família 1.
Schneider & Conterato (2006) comentam que a pluriatividade pode ser uma alternativa
para algum dos principais problemas que afetam as populações rurais, tais como a questão do
emprego, da renda, a sazonalidade, o êxodo dos mais jovens, a gestão interna da unidade
familiar, entre outros. Nesta linha de pensamento Hahn (2009), afirma que o momento em que
as famílias encontram modelos alternativos para aumentar a renda do grupo familiar, tendem
a melhorar sua condição econômica e aumentam sua expectativa de reprodução social,
continuando assim a morar no campo.
Discutindo a importância das estratégias da família frente à unidade produtiva,
Ternoski & Perondi (2014) contribuem apontando que as estratégias de diversificação, como a
pluriatividade devem ser inseridas na agenda política como uma estratégia para o
desenvolvimento rural, pois a diversificação dos meios de vida pode reduzir as
vulnerabilidades, promovendo o acesso do agricultor familiar a um nível de renda mais
elevado.
4 Considerações finais
As famílias de agricultores estudadas têm diferentes estratégias produtivas e
socioeconômicas, neste sentindo, observa-se que a realização de serviços para terceiros está
intimamente integrada a estas estratégias, isto é, estas assumem a pluritatividade como
estratégia de reprodução social de suas unidades de produção. Assim, a partir do estudo destas
famílias, foi possível realizar algumas observações que serão descritas a seguir.
A pluriatividade pode auxiliar na permanência do jovem no meio rural ao
proporcionar uma alternativa de ampliar a como renda ao jovem e de satisfação profissional.
Os problemas de saúde de algum membro da família interferem diretamente na
disponibilidade de mão de obra na unidade de produção, acarretando mudanças nas estratégias
da família. Neste sentido, serviços não contínuos e que podem ser realizadas em pequenos
intervalos das outras atividades da unidade de produção podem garantir a manutenção da
margem bruta da unidade de produção, mesmo que esta tenha que desistir ou diminuir a
intensidade de alguma atividade produtiva.
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Como a pluriatividade é uma estratégia que privilegia o uso da mão de obra, família
com poucos membros e com atividades produtivas com maior intensidade no uso da mão de
obra, como a fruticultura. Além disto, a fruticultura de clima temperado realizada pela família
3 possui uma alta demanda de mão de obra para a família no segundo semestre do ano indo
até meados de fevereiro, justamente o período em que a família 1 e 2 apresentam maior
demanda de atividades de prestação de serviços devido à safra de verão.
Por fim a continuidade do acompanhamento das famílias pelo Projeto Redes de
Referências para a Agricultura Familiar é de suma importância para acompanhar as trajetórias
destas famílias quanto sua organização socioeconômica e produtiva, permitindo, assim, uma
análise mais concisa da interferência desses fatores no desenvolvimento da pluriatividade em
cada contexto.
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