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Anais do II Simpsio de Violo da Embap, 2008
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A MSICA INDGENA E SUA FUNO COMO BASE DE COMPOSIO PARA VIOLO1
Willian Marcel Cordeiro Lentz2
RESUMO: Para se abordar o contexto da msica indgena dentro de composies eruditas necessrio possuir, alm dos prprios conhecimentos da msica ocidental, o conhecimento deste outro campo musical. Necessitamos dos conhecimentos histricos; dos desenvolvimentos tericos sobre a msica indgena; noes da instrumentao; no caso de se abordar um tema de certa tribo, entender seus costumes, qual a funo da msica nesta tribo e como ela feita; e direcionar a composio especificamente para uma determinada instrumentao.
Palavras-chave: Composio; Violo; Quarteto
Podemos desenvolver duas formas de composio: na primeira a
utilizao de um ou mais temas e timbres particulares, apenas como uma
coloratura ou para dirigir certa imagem ao ouvinte, tendo maior nfase o
sentido musical derivado da Europa; a segunda ser composta mantendo as
caractersticas do primitivo, mantendo as questes rituais, a viso do prprio
ndio perante a sonoridade, sendo que o que mais importa no o
envolvimento da msica primitiva na msica evoluda, mas o inverso.
A histria da msica indgena sempre ser a mesma, com pequenas
alteraes medida que so descobertos certos detalhes. Os primeiros
registros desta msica datam do sculo XVI com a chegada dos portugueses
ao Brasil. O principal objetivo dos portugueses na poca do descobrimento
era obter riquezas, dominar e adaptar seu estilo de vida em novas terras, estes
so uns dos fatores pelos quais a cultura indgena despertou pouco interesse
na poca, mas isto no significa que foi totalmente ignorada.
Os relatos da msica indgena daquela poca so vagos e de duvidosa
aceitao. O primeiro pesquisador a registrar a msica indgena em pauta foi
1 Trabalho apresentado ao II Simpsio Acadmico de Violo da Embap, de 6 a 11 de outubro de 2008. 2 Graduando em Composio e Regncia pela Embap.
Anais do II Simpsio de Violo da Embap, 2008
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Jean Lery, estudante de Teologia, entre 1557 e 1558, sendo os nicos relatos
grafados desta poca as anotaes da msica Tupinamb.
Em 1934 o msico Luciano Gallet desenvolve um estudo sobre a msica
indgena nos seus Estudos de Folclore. Notando, ao observar as pesquisas
anteriores sua, o pouco progresso da msica indgena at aquela poca.
Comparou-a as formas europias: a diferena na escala musical, insinuando
quartos de tom; diversidade no sistema harmnico e quadratura rtmica sem
relao com a da msica europia.
Em seguida no ano de 1938 Luiz Heitor Corra de Azevedo em sua tese:
Escala, ritmo e melodia dos ndios brasileiros, discute a respeito dos quartos
de tom, e discute, envolvendo a msica africana, a ocorrncia da desafinao
ao entoarem-se certas melodias, tanto no canto como na msica instrumental,
levando-se a pensar na existncia do quarto de tom, o que poderia descartar
as idias iniciadas por Gallet. Acentua a deficincia da msica primitiva na
emisso exata das notas. Cita a forma da escala heptafnica entre os ndios
percebendo a relao com a msica ocidental, mas adverte o fato de existir
contato das tribos com os brancos.
Grande pesquisador sobre a msica indgena brasileira foi Darcy
Ribeiro. No ano em que entra em contato com a tribo Mbay (1948), presencia
um ritual fnebre:
Em que o xam prevendo a morte de um ndio encerrava-se num
cercado de esteiras e cantava fazendo os ltimos esforos para obrigar a alma a voltar para o corpo (...). Quando o moribundo comeava a expirar, o nidjienigi (xam) tomava o chocalho e saa em disparada, corria um quarto de lgua, gritando, cantando e chamando a alma. Aps a morte do mbay juntavam-se todas as mulheres, choravam e cantavam os feitos hericos do falecido.(CAMU, Helza, 1977)
Importantes documentos so os fonogramas recolhidos por Darcy
Ribeiro, os quais representam a situao musical das tribos, por exemplo, a
Kadiweu e Ofai, que alm de revelarem manifestaes de real importncia,
representam os ltimos flagrantes caracterizando os grupos, que foram se
modificando com a presena da civilizao. Os coros Ofais so os ltimos
gravados, em que revelam as particularidades do grupo e seu estilo, o qual o pesquisador surpreendeu-se com a sincronizao perfeita.
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Terence Turner, em 1963, pesquisando os Kayaps do Norte estuda a
msica relacionada s questes sociais e cerimoniais mostrando sua grande
importncia dentro da tribo. Percebe-se como na maioria das tribos o canto
coral quase sempre acompanha as danas.
Ao passar dos sculos a cultura indgena tem sofrido fortes impactos
pela presena de outras culturas, adaptando a seu modo de vida as culturas
que entraram em contato com seu povo.
Atualmente o modo de vida de muitas tribos indgenas encontra-se mais
prxima da civilizao, por exemplo, dos ndios Guarani, no Paran, na sua
msica se percebe a base de sua cultura, e se encontra o canto coral e a
marcao rtmica caracterstica da msica tribal, porm implementada por
instrumentos como o violo, o violino, e tambm alguns outros instrumentos
que em sua origem no faziam parte de sua msica, estas canes rituais
gravadas so comercializadas, fazendo com que a msica se popularize e para
se obter lucro sobre sua venda, por um lado importante para a cultura
brasileira ter maior conhecimento de sua msica nativa, mas por outro os
povos indgenas perdem sua cultura original, afastando-se cada vez mais de
suas origens. Porm, ainda encontram-se pequenos grupos indgenas localizados
mata adentro em locais que pouqussimos antroplogos e pesquisadores
chegaram, no Pantanal, Acre e Amaznia, por exemplo, no interior destas
tribos praticam-se rituais ao modo de seus antepassados.
As melodias indgenas variam de tribo para tribo, e em cada uma foi se
desenvolvendo, com o passar do tempo, formas meldicas fixas. O repouso e a
acentuao so pontos que do sentido, como na msica europia, linha
meldica tribal.
A msica se caracteriza por pontos bsicos e pontos condutores, que
pelos estudos de Helza Camu, podemos chamar de sons bsicos e sons
condutores. Os condutores so os repousos mais breves que do sentido
melodia.
Analisando estes pontos de apoio encontramos trs tipos: o contnuo, o
meio-conclusivo e o conclusivo. As formas contnuas so encadeamentos que
pela sua formao tendem a se repetir indefinidamente. O meio-conclusivo o
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que mantem a suspenso podendo ser concludo. J a ltima forma o
caminho final para o qual a melodia levada, o remate final.
Para manter o sentido meldico percebe-se o uso de um nico som que
serve de apoio, o que leva a um sentido cadencial de destaque dentro da
melodia executada. Em algumas tribos, como os Kayow e Urubus, nota-se a
repetio constante do som fundamental, que d um sentido de fora
condutora envolvendo o todo.
Para se desenvolver a amplitude musical usa-se a imitao, que busca
sua origem na repetio de um som nico. Esta repetio se nota em toda
sociedade primria. Dentro destas repeties encontram-se variaes
meldicas que do as principais caractersticas da msica cantada.
A necessidade de se formar escalas fixas a determinadas tribos um
trabalho que exige cautela, pois necessrio obter um grande nmero de
cantos e execues instrumentais para se encontrar as sries gerais, que
seriam os sons comuns encontrados nas melodias cantadas, para da se
elaborar as sries parciais, que so a denominao da escala alcanada por
cada tribo, todas estas anlises tm como fundo racional o sentido tonal da
msica do ocidente.
Muitos pesquisadores j elaboraram estudos e seriaram msicas das
tribos que cada um estava a pesquisar e a diferena de uma tribo para outra
muito extensa, enquanto algumas, como a tribo Tupinamb e os Mura, tem
extenso de 7 a 8 sons respectivamente, outras como os Pares e os Kadiweu,
tem sua escala geral formada por 25 a 40 sons respectivamente. Por causa
destas grandes diferenas encontradas se torna complicado se desenvolver
formas fixas, ainda porque necessrio se aumentar o nmero de canes
analisadas para se ter certa segurana do que se fixar como forma definitiva.
Na msica indgena h a repetio simples e o desenvolvimento. Na
repetio a regularidade rtmica obedecida com rigor, por no haver variao
alguma. O desenvolvimento se processa do desenho completo ou fragmentado
estabelecendo a regularidade necessria para manter o sentido e a lgica.
No canto silbico a regularidade rtmica absoluta pela
interdependncia entre letra e msica.
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Pode-se notar em outros cantos a fragmentao da palavra, como
tambm a prolongao de vogais; encontram-se tambm a omisso de slabas
e deslocao da acentuao.
Sendo a regularidade rtmica fato instintivo, estes fenmenos podem
ocorrer em qualquer nvel de cultura.
O ritmo tem grande importncia, pela nova frmula que um mesmo
desenho pode ser representado ao se mudar sua forma rtmica.
Com relao aos compassos encontram-se valores (relacionados a
msica ocidental): simples, como 2/2, 2/4, 3/8, 4/4, e compostos, como 6/8 e
9/8.
A acentuao rtmica dentro da msica indgena simples, e encontrada
sempre na cabea do tempo. Nas observaes feitas sobre a tribo Kadiweu em
compassos de 6/8 notam-se dois tipos de acentuao:
a) dividindo as unidades de tempo em dois grupos (anexo 1);
b) dividindo as unidades de tempo em trs grupos (anexo2).
Em canes de muitas tribos se encontra marcaes de tempo variadas,
juntamente com as acentuaes que mudam o carter do ritmo realizado.
A msica ritual a expresso mais importante dentro das tribos
indgenas. Como j foi visto, desde o sculo XVI foi observado a sua
importncia. Quase sempre a dana acompanha a melodia marcando o ritmo.
A utilizao da msica indgena dentro da msica erudita j foi adotada
por compositores como H. Villa-Lobos, um exemplo a sute O Descobrimento
do Brasil, em que ele faz experincias com os sons e os utiliza de forma
generalizada.
O desenvolvimento de mtodos, no sentido de definir escalas e poder
utilizar cada uma com suas caractersticas dentro de novas composies,
utilizando no s instrumentos indgenas e sim mesclando a msica primitiva
brasileira com a msica moderna e instrumentos desenvolvidos no ocidente,
o principal objetivo deste estudo.
O primeiro passo se desenvolver as sries parciais, separando-as e
organizando-as de acordo com cada tribo, este um caminho para se designar
modos indgenas, relacionando cada qual com sua utilizao em cada tribo. A
maioria das sries foram elaboradas partir dos estudos feitos entre o sculo
XVI a meados do sculo XX
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O segundo passo desenvolver a parte rtmica encontrada em cada
tribo envolvendo suas caractersticas individuais.
O terceiro seria a juno dos elementos anteriores, melodias (escalas),
e ritmos, trabalhando dentro destas funes processos que iro dar o carter
principal da pea.
Aps se obter todos os conhecimentos necessrios h um amplo
caminho que pode ser seguido, no espao primitivo-civilizado, em que a unio,
tanto dos conceitos musicais quanto do uso de instrumentos variados pode
exercer um funcionamento musical de caractersticas sonoras de grande
interesse para a msica contempornea.
Direcionando todo este raciocnio para a elaborao de uma obra para
violo surge a composio de minha autoria chamada Bebidas Cerimoniais,
baseada em fontes notadas no livro de Helza Camu feitas pelo antroplogo
Darcy Ribeiro sobre sua pesquisa realizada dentro da tribo Kadiweu.
A tribo Kadiweu se envolveu ao lado do Brasil na Guerra do Paraguai,
esta tribo tem caracterstica de um povo pecurio, considerados bons
montadores. Uma de suas diferenas culturais dentre as outras tribos que
quando se referem ao paj o chamam de Capito.
Quanto cerimnia ela faz referncia Guerra do Paraguai e
principalmente aos navios avistados pelos ndios no rio Paraguai. Durante esta
cerimnia, que dura alguns dias, todo o grupo organiza-se em uma espcie de
regime militar e cada personagem desta cerimnia recebe seus cargos, tais
como cabo, sargento, etc. Como encontrado dentro da composio.
O principal objetivo com referncia ao violo como instrumento foi a de
se realizar um trabalho que pudesse utilizar sons caractersticos no
tradicionais. Como idia principal, explorar a questo percussiva possvel de
ser executada ao violo, servindo de exemplo o rufato.
O objetivo secundrio foi a utilizao do sistema tonal para elaborar a
composio baseada nos temas da msica Kadiweu.
A questo da repetio, que tem a funo de levar o indivduo ao transe,
tambm foi adotada, mantendo as caractersticas presentes nos rituais
indgenas compreendidos num todo.
A cerimnia divide-se em sete partes:
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1. A primeira com os homens chamando o Capito: caracterizada pelo
uso do tambor como nico instrumento;
2. Introduo cerimnia: executado com flautas e tambor;
3. Formao dos soldados para a cerimnia: marcao rtmica utilizando
somente o tambor;
4. As ltimas quatro partes nas quais bebem o capito, o sargento, o
cabo e os soldados: em que o tema musical abordado no incio da
cerimnia sofre pequenas variaes,
A abordagem de estudos feitos sobre pontos em comum dentro das
tribos brasileiras, como frmulas rtmicas, msica vocal e uso de intervalos
musicais, e o envolvimento da funo que a msica tem de levar o indivduo
ao transe, servem de base para desenvolver principalmente o Preldio, que
no est envolvido diretamente com a cerimnia, e os movimentos
seqenciais a ele.
Os passos seguidos nos movimentos seguintes ao Preldio envolvem a
repetio, a utilizao das melodias das canes que so originariamente
executadas somente por flautas, a variao rtmica, sons que idealizam
uma imagem pertencente aos sons da natureza, harmonizao, e
diferenciaes timbrsticas. No foi utilizada a armadura de clave para
indicar a tonalidade, mantendo o sentido de que a msica nativa no
executada com o pensamento da utilizao deste conceito.
Sobre as formas tcnicas o uso do rufo se destaca, este efeito consiste
numa forma de execuo em que o som proporcionado pelas cordas
tranadas, a inferior sobre a superior, lembre ao timbre de um tambor,
instrumento presente em toda a produo sonora da msica cerimonial,
pode ser utilizado em toda a extenso do brao, soando em diversos tons.
As tcnicas de percusso na caixa de ressonncia tambm so
adotadas, em todas as regies. O uso das cordas na parte da pestana, na
mo do violo, entra como a funo do som da natureza, na imitao dos
sons noturnos parecendo grilos, o resto dos efeitos naturais, so
executados da forma tradicional sobre as cordas do instrumento, como
harmnicos naturais, por exemplo. Proporcionando a sonoridade de todos
estes elementos envolvidos.
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
CAMU, Helza. Introduo ao Estudo da msica Indgena Brasileira. Rio de Janeiro, 1977. PECHINCHA, Mnica Thereza Soares. Kadiweu. Disponvel em www.socioambiental.org/pib/epi/kadiweu/kadiweu.shtm.
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A MSICA INDGENA E SUA FUNO COMO BASE DE COMPOSIO PARA VIOLO1
Willian Marcel Cordeiro Lentz2
RESUMO: Para se abordar o contexto da msica indgena dentro de composies eruditas necessrio possuir, alm dos prprios conhecimentos da msica ocidental, o conhecimento deste outro campo musical. Necessitamos dos conhecimentos histricos; dos desenvolvimentos tericos sobre a msica indgena; noes da instrumentao; no caso de se abordar um tema de certa tribo, entender seus costumes, qual a funo da msica nesta tribo e como ela feita; e direcionar a composio especificamente para uma determinada instrumentao.
Palavras-chave: Composio; Violo; Quarteto
Podemos desenvolver duas formas de composio: na primeira a
utilizao de um ou mais temas e timbres particulares, apenas como uma
coloratura ou para dirigir certa imagem ao ouvinte, tendo maior nfase o
sentido musical derivado da Europa; a segunda ser composta mantendo as
caractersticas do primitivo, mantendo as questes rituais, a viso do prprio
ndio perante a sonoridade, sendo que o que mais importa no o
envolvimento da msica primitiva na msica evoluda, mas o inverso.
A histria da msica indgena sempre ser a mesma, com pequenas
alteraes medida que so descobertos certos detalhes. Os primeiros
registros desta msica datam do sculo XVI com a chegada dos portugueses
ao Brasil. O principal objetivo dos portugueses na poca do descobrimento
era obter riquezas, dominar e adaptar seu estilo de vida em novas terras, estes
so uns dos fatores pelos quais a cultura indgena despertou pouco interesse
na poca, mas isto no significa que foi totalmente ignorada.
Os relatos da msica indgena daquela poca so vagos e de duvidosa
aceitao. O primeiro pesquisador a registrar a msica indgena em pauta foi
1 Trabalho apresentado ao II Simpsio Acadmico de Violo da Embap, de 6 a 11 de outubro de 2008. 2 Graduando em Composio e Regncia pela Embap.
Anais do II Simpsio de Violo da Embap, 2008
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Jean Lery, estudante de Teologia, entre 1557 e 1558, sendo os nicos relatos
grafados desta poca as anotaes da msica Tupinamb.
Em 1934 o msico Luciano Gallet desenvolve um estudo sobre a msica
indgena nos seus Estudos de Folclore. Notando, ao observar as pesquisas
anteriores sua, o pouco progresso da msica indgena at aquela poca.
Comparou-a as formas europias: a diferena na escala musical, insinuando
quartos de tom; diversidade no sistema harmnico e quadratura rtmica sem
relao com a da msica europia.
Em seguida no ano de 1938 Luiz Heitor Corra de Azevedo em sua tese:
Escala, ritmo e melodia dos ndios brasileiros, discute a respeito dos quartos
de tom, e discute, envolvendo a msica africana, a ocorrncia da desafinao
ao entoarem-se certas melodias, tanto no canto como na msica instrumental,
levando-se a pensar na existncia do quarto de tom, o que poderia descartar
as idias iniciadas por Gallet. Acentua a deficincia da msica primitiva na
emisso exata das notas. Cita a forma da escala heptafnica entre os ndios
percebendo a relao com a msica ocidental, mas adverte o fato de existir
contato das tribos com os brancos.
Grande pesquisador sobre a msica indgena brasileira foi Darcy
Ribeiro. No ano em que entra em contato com a tribo Mbay (1948), presencia
um ritual fnebre:
Em que o xam prevendo a morte de um ndio encerrava-se num
cercado de esteiras e cantava fazendo os ltimos esforos para obrigar a alma a voltar para o corpo (...). Quando o moribundo comeava a expirar, o nidjienigi (xam) tomava o chocalho e saa em disparada, corria um quarto de lgua, gritando, cantando e chamando a alma. Aps a morte do mbay juntavam-se todas as mulheres, choravam e cantavam os feitos hericos do falecido.(CAMU, Helza, 1977)
Importantes documentos so os fonogramas recolhidos por Darcy
Ribeiro, os quais representam a situao musical das tribos, por exemplo, a
Kadiweu e Ofai, que alm de revelarem manifestaes de real importncia,
representam os ltimos flagrantes caracterizando os grupos, que foram se
modificando com a presena da civilizao. Os coros Ofais so os ltimos
gravados, em que revelam as particularidades do grupo e seu estilo, o qual o pesquisador surpreendeu-se com a sincronizao perfeita.
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Terence Turner, em 1963, pesquisando os Kayaps do Norte estuda a
msica relacionada s questes sociais e cerimoniais mostrando sua grande
importncia dentro da tribo. Percebe-se como na maioria das tribos o canto
coral quase sempre acompanha as danas.
Ao passar dos sculos a cultura indgena tem sofrido fortes impactos
pela presena de outras culturas, adaptando a seu modo de vida as culturas
que entraram em contato com seu povo.
Atualmente o modo de vida de muitas tribos indgenas encontra-se mais
prxima da civilizao, por exemplo, dos ndios Guarani, no Paran, na sua
msica se percebe a base de sua cultura, e se encontra o canto coral e a
marcao rtmica caracterstica da msica tribal, porm implementada por
instrumentos como o violo, o violino, e tambm alguns outros instrumentos
que em sua origem no faziam parte de sua msica, estas canes rituais
gravadas so comercializadas, fazendo com que a msica se popularize e para
se obter lucro sobre sua venda, por um lado importante para a cultura
brasileira ter maior conhecimento de sua msica nativa, mas por outro os
povos indgenas perdem sua cultura original, afastando-se cada vez mais de
suas origens. Porm, ainda encontram-se pequenos grupos indgenas localizados
mata adentro em locais que pouqussimos antroplogos e pesquisadores
chegaram, no Pantanal, Acre e Amaznia, por exemplo, no interior destas
tribos praticam-se rituais ao modo de seus antepassados.
As melodias indgenas variam de tribo para tribo, e em cada uma foi se
desenvolvendo, com o passar do tempo, formas meldicas fixas. O repouso e a
acentuao so pontos que do sentido, como na msica europia, linha
meldica tribal.
A msica se caracteriza por pontos bsicos e pontos condutores, que
pelos estudos de Helza Camu, podemos chamar de sons bsicos e sons
condutores. Os condutores so os repousos mais breves que do sentido
melodia.
Analisando estes pontos de apoio encontramos trs tipos: o contnuo, o
meio-conclusivo e o conclusivo. As formas contnuas so encadeamentos que
pela sua formao tendem a se repetir indefinidamente. O meio-conclusivo o
Anais do II Simpsio de Violo da Embap, 2008
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que mantem a suspenso podendo ser concludo. J a ltima forma o
caminho final para o qual a melodia levada, o remate final.
Para manter o sentido meldico percebe-se o uso de um nico som que
serve de apoio, o que leva a um sentido cadencial de destaque dentro da
melodia executada. Em algumas tribos, como os Kayow e Urubus, nota-se a
repetio constante do som fundamental, que d um sentido de fora
condutora envolvendo o todo.
Para se desenvolver a amplitude musical usa-se a imitao, que busca
sua origem na repetio de um som nico. Esta repetio se nota em toda
sociedade primria. Dentro destas repeties encontram-se variaes
meldicas que do as principais caractersticas da msica cantada.
A necessidade de se formar escalas fixas a determinadas tribos um
trabalho que exige cautela, pois necessrio obter um grande nmero de
cantos e execues instrumentais para se encontrar as sries gerais, que
seriam os sons comuns encontrados nas melodias cantadas, para da se
elaborar as sries parciais, que so a denominao da escala alcanada por
cada tribo, todas estas anlises tm como fundo racional o sentido tonal da
msica do ocidente.
Muitos pesquisadores j elaboraram estudos e seriaram msicas das
tribos que cada um estava a pesquisar e a diferena de uma tribo para outra
muito extensa, enquanto algumas, como a tribo Tupinamb e os Mura, tem
extenso de 7 a 8 sons respectivamente, outras como os Pares e os Kadiweu,
tem sua escala geral formada por 25 a 40 sons respectivamente. Por causa
destas grandes diferenas encontradas se torna complicado se desenvolver
formas fixas, ainda porque necessrio se aumentar o nmero de canes
analisadas para se ter certa segurana do que se fixar como forma definitiva.
Na msica indgena h a repetio simples e o desenvolvimento. Na
repetio a regularidade rtmica obedecida com rigor, por no haver variao
alguma. O desenvolvimento se processa do desenho completo ou fragmentado
estabelecendo a regularidade necessria para manter o sentido e a lgica.
No canto silbico a regularidade rtmica absoluta pela
interdependncia entre letra e msica.
Anais do II Simpsio de Violo da Embap, 2008
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Pode-se notar em outros cantos a fragmentao da palavra, como
tambm a prolongao de vogais; encontram-se tambm a omisso de slabas
e deslocao da acentuao.
Sendo a regularidade rtmica fato instintivo, estes fenmenos podem
ocorrer em qualquer nvel de cultura.
O ritmo tem grande importncia, pela nova frmula que um mesmo
desenho pode ser representado ao se mudar sua forma rtmica.
Com relao aos compassos encontram-se valores (relacionados a
msica ocidental): simples, como 2/2, 2/4, 3/8, 4/4, e compostos, como 6/8 e
9/8.
A acentuao rtmica dentro da msica indgena simples, e encontrada
sempre na cabea do tempo. Nas observaes feitas sobre a tribo Kadiweu em
compassos de 6/8 notam-se dois tipos de acentuao:
a) dividindo as unidades de tempo em dois grupos (anexo 1);
b) dividindo as unidades de tempo em trs grupos (anexo2).
Em canes de muitas tribos se encontra marcaes de tempo variadas,
juntamente com as acentuaes que mudam o carter do ritmo realizado.
A msica ritual a expresso mais importante dentro das tribos
indgenas. Como j foi visto, desde o sculo XVI foi observado a sua
importncia. Quase sempre a dana acompanha a melodia marcando o ritmo.
A utilizao da msica indgena dentro da msica erudita j foi adotada
por compositores como H. Villa-Lobos, um exemplo a sute O Descobrimento
do Brasil, em que ele faz experincias com os sons e os utiliza de forma
generalizada.
O desenvolvimento de mtodos, no sentido de definir escalas e poder
utilizar cada uma com suas caractersticas dentro de novas composies,
utilizando no s instrumentos indgenas e sim mesclando a msica primitiva
brasileira com a msica moderna e instrumentos desenvolvidos no ocidente,
o principal objetivo deste estudo.
O primeiro passo se desenvolver as sries parciais, separando-as e
organizando-as de acordo com cada tribo, este um caminho para se designar
modos indgenas, relacionando cada qual com sua utilizao em cada tribo. A
maioria das sries foram elaboradas partir dos estudos feitos entre o sculo
XVI a meados do sculo XX
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O segundo passo desenvolver a parte rtmica encontrada em cada
tribo envolvendo suas caractersticas individuais.
O terceiro seria a juno dos elementos anteriores, melodias (escalas),
e ritmos, trabalhando dentro destas funes processos que iro dar o carter
principal da pea.
Aps se obter todos os conhecimentos necessrios h um amplo
caminho que pode ser seguido, no espao primitivo-civilizado, em que a unio,
tanto dos conceitos musicais quanto do uso de instrumentos variados pode
exercer um funcionamento musical de caractersticas sonoras de grande
interesse para a msica contempornea.
Direcionando todo este raciocnio para a elaborao de uma obra para
violo surge a composio de minha autoria chamada Bebidas Cerimoniais,
baseada em fontes notadas no livro de Helza Camu feitas pelo antroplogo
Darcy Ribeiro sobre sua pesquisa realizada dentro da tribo Kadiweu.
A tribo Kadiweu se envolveu ao lado do Brasil na Guerra do Paraguai,
esta tribo tem caracterstica de um povo pecurio, considerados bons
montadores. Uma de suas diferenas culturais dentre as outras tribos que
quando se referem ao paj o chamam de Capito.
Quanto cerimnia ela faz referncia Guerra do Paraguai e
principalmente aos navios avistados pelos ndios no rio Paraguai. Durante esta
cerimnia, que dura alguns dias, todo o grupo organiza-se em uma espcie de
regime militar e cada personagem desta cerimnia recebe seus cargos, tais
como cabo, sargento, etc. Como encontrado dentro da composio.
O principal objetivo com referncia ao violo como instrumento foi a de
se realizar um trabalho que pudesse utilizar sons caractersticos no
tradicionais. Como idia principal, explorar a questo percussiva possvel de
ser executada ao violo, servindo de exemplo o rufato.
O objetivo secundrio foi a utilizao do sistema tonal para elaborar a
composio baseada nos temas da msica Kadiweu.
A questo da repetio, que tem a funo de levar o indivduo ao transe,
tambm foi adotada, mantendo as caractersticas presentes nos rituais
indgenas compreendidos num todo.
A cerimnia divide-se em sete partes:
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1. A primeira com os homens chamando o Capito: caracterizada pelo
uso do tambor como nico instrumento;
2. Introduo cerimnia: executado com flautas e tambor;
3. Formao dos soldados para a cerimnia: marcao rtmica utilizando
somente o tambor;
4. As ltimas quatro partes nas quais bebem o capito, o sargento, o
cabo e os soldados: em que o tema musical abordado no incio da
cerimnia sofre pequenas variaes,
A abordagem de estudos feitos sobre pontos em comum dentro das
tribos brasileiras, como frmulas rtmicas, msica vocal e uso de intervalos
musicais, e o envolvimento da funo que a msica tem de levar o indivduo
ao transe, servem de base para desenvolver principalmente o Preldio, que
no est envolvido diretamente com a cerimnia, e os movimentos
seqenciais a ele.
Os passos seguidos nos movimentos seguintes ao Preldio envolvem a
repetio, a utilizao das melodias das canes que so originariamente
executadas somente por flautas, a variao rtmica, sons que idealizam
uma imagem pertencente aos sons da natureza, harmonizao, e
diferenciaes timbrsticas. No foi utilizada a armadura de clave para
indicar a tonalidade, mantendo o sentido de que a msica nativa no
executada com o pensamento da utilizao deste conceito.
Sobre as formas tcnicas o uso do rufo se destaca, este efeito consiste
numa forma de execuo em que o som proporcionado pelas cordas
tranadas, a inferior sobre a superior, lembre ao timbre de um tambor,
instrumento presente em toda a produo sonora da msica cerimonial,
pode ser utilizado em toda a extenso do brao, soando em diversos tons.
As tcnicas de percusso na caixa de ressonncia tambm so
adotadas, em todas as regies. O uso das cordas na parte da pestana, na
mo do violo, entra como a funo do som da natureza, na imitao dos
sons noturnos parecendo grilos, o resto dos efeitos naturais, so
executados da forma tradicional sobre as cordas do instrumento, como
harmnicos naturais, por exemplo. Proporcionando a sonoridade de todos
estes elementos envolvidos.
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
CAMU, Helza. Introduo ao Estudo da msica Indgena Brasileira. Rio de Janeiro, 1977. PECHINCHA, Mnica Thereza Soares. Kadiweu. Disponvel em www.socioambiental.org/pib/epi/kadiweu/kadiweu.shtm.
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