Post on 12-Feb-2021
A ARTE NOA MAZO NAS
Fundo Municipal de Cultura
A ARTE NOA MAZO NAS
Concultura – 2016 – Manaus, 1.ª edição
T R A D U Ç Ã O
Tradutor Português/Inglês
Raphaela Moura, Janet Chernela
Tradutor Português/Francês
Brigitte Thierion
Tradutor Português/Espanhol
Fred Spinoza
C A P A
Xilogravura de Álvaro Páscoa
S U M Á R I O
A ARTE NO AMAZONAS 7
LITERATURA 11
O TEATRO 29
CINEMA NO AMAZONAS 39
A MÚSICA NO AMAZONAS 41
A DANÇA NO AMAZONAS 45
AS ARTES VISUAIS NO AMAZONAS 47
FOLCLORE E CULTURA POPULAR 51
EM BUSCA DA INTEGRAÇÃO CULTURAL DO
POVO MANAUARA 55
A AMAZÔNIA NO CONTEXTO NACIONAL 59
CRIAÇÃO PERENE 61
ARTE EN AMAZONAS 63
LITERATURA 67
TEATRO 85
CINE EN AMAZONAS 95
MÚSICA EN AMAZONAS 97
LA DANZA EN AMAZONAS 101
LAS ARTES VISUALES EN LA AMAZONIA 103
FOLKLORE Y CULTURA POPULAR 107
EN BUSCA DE LA INTEGRACIÓN CULTURAL
DEL PUEBLO MANAUARA 111
EL CONTEXTO NACIONAL AMAZÓNICA 115
CREACIÓN PERENNE 117
ARTS IN AMAZONAS 119
LITERATURE 123
THE DRAMATICS 139
CINEMA IN AMAZONAS 149
MUSIC IN AMAZONAS 151
DANCE IN AMAZONAS 155
VISUAL ARTS IN AMAZONAS 157
FOLKLORE AND POPULAR CULTURE 161
IN SEARCH OF CULTURAL INTEGRATION OF
AMAZONIAN PEOPLE 165
AMAZONIA IN NATIONAL CONTEXT 169
EVERLASTING CREATION 171
L’ART DANS L’ÉTAT D’AMAZONAS 173
LA LITTÉRATURE 177
LE THEÂTRE 195
LE CINÉMA DANS L’AMAZONAS 207
LA MUSIQUE DANS L’AMAZONAS 209
LA DANSE DANS L’AMAZONAS 215
LES ARTS VISUELS DANS L’AMAZONAS 217
LES MANIFESTATIONS POPULAIRES 221
TENTATIVE D’INTÉGRATION CULTURELLE DES
MANAUARAS 225
L’AMAZONIE DANS LE CONTEXTE NATIONAL 229
UNE CRÉATION PÉRENNE 231
AARTENOAMAZONAS
A ARTE NO AMAZONAS
“Os Pastores do Amazonas”, ópera de Tenreiro Aranha, de 1793, obra do fundador da cul-tura amazonense. Encenação dos alunos da Faculdade de Artes da Universidade Estadu-al do Amazonas, 2014.
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Durante todo o processo de formação da identidade nacional e da criação da cul-tura brasileira, a Arte do Amazonas teve participação de primeira grandeza. O Estado legou
ao Brasil alguns de seus mais notáveis artistas e
criadores, seja no campo das letras, da música,
das artes visuais, do cinema e da dança. O Ama-
zonas tem sido um espaço de inspiração aberto
ao mundo, pelo exemplo criador de seu povo, pela
rica cultura milenar dos povos indígenas e por sua
perfeita integração à corrente principal da Civili-
zação Ocidental.
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LITERATURA
A Literatura e o Teatro são as formas de arte de maior tradição no Amazonas. No sécu-lo XVIII surge o nosso primeiro autor na-tivo: Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha. Bento
nasceu em Barcelos, no dia 4 de setembro de 1769,
filho de Raimundo de Figueiredo Tenreiro e de Te-
reza Joaquina Aranha. Ao perder os pais, ainda na
primeira infância, ficou sob a tutela de um amigo
da família, homem duro, insensível, que obrigou
o pequeno órfão ao trabalho na roça. Aos doze
anos, entrando na adolescência, como é comum
nos trópicos, Bento Aranha procuraria o amparo
de seu padrinho, o vigário-geral Dom José Mon-
teiro de Noronha, que o mandou estudar no con-
vento de Santo Antônio, onde completaria os es-
tudos preparatórios, passando mais tarde para as
aulas dos padres Mercedários. Quando se prepa-
rava para viajar para Coimbra, aos dezenove anos,
vê-se impossibilitado de recursos devido a um ato
12
de sequestro da Fazenda Real sobre os seus bens
herdados. Vendo cortadas as perspectivas de for-
mação universitária, deixa se ficar no Pará, onde
conhecera a jovem Rosalina Espinoza, com quem
iria se casar. O amazonense, educado entre pa-
dres, ávido leitor de obras clássicas, homem pa-
cato, diretor de vila de índios e burocrata colonial,
se não pode ser considerado hoje um poeta de
primeira grandeza, pelo menos é desses talentos
bem formados, de inspiração tranquila e parte da-
quela estatura de poetas menores que pela quali-
dade fazem em conjunto qualquer literatura. Ten-
reiro Aranha, cujo talento de dramaturgo é maior
e mais significativo, um dos mais importantes que
o Brasil teve no século XVIII, abandona em sua
obra, ao mesmo tempo, a velada epopeia dos ver-
sos da colonização e a objetividade conquistadora
dos clássicos portugueses, para tentar uma poe-
sia de festejos, paroquial, nos limites que o bom
tom da época permitia. Diga-se de passagem, ele
nunca pretendeu sair desse limite. No entanto, às
vezes, se desnudava em queixas sentidas, resva-
lava para as suas próprias frustrações, mostrava
a sua vida coroada de injustiças e tendia para um
lirismo extremamente sofrido.
Tenreiro Aranha foi realmente o primeiro ar-
tista autenticamente amazonense. Sua obra está
muito mais próxima da verdade que os homens
13
experimentavam na região. O poeta era um fru-
to da terra, portanto, não sendo português, mas
vivendo como tal, a dualidade iria marcar a sua
existência. Por isso, era um espírito fadado ao
martírio e não apenas uma postura cheia de incô-
modos. É no texto de seus dramas, nas deixas de
suas simbólicas personagens teatrais que o poeta
se aproximará da realidade e das contradições so-
ciais do tempo. Tenreiro Aranha vivendo na região
mais imoderada do mundo fez o teatro da mode-
ração, o drama pastoril da decadência do mercan-
tilismo e da falência do poder português no Brasil.
No drama “A Felicidade no Brasil”, em um ato, le-
vado à cena no Teatro Público do Pará em 1808, o
dramaturgo ousa insinuar a necessidade da inde-
pendência e arrebata-se com a grandiosidade do
destino de sua pátria que amanhecia.
“Dos homens me rodeia a iniquidade,
A calúnia me oprime, e ao fim tremendo,
Me assusta uma espantosa eternidade”.
A obra de Tenreiro Aranha continua viva e que-
rida por seus conterrâneos, verdade que se pode
constatar pelas inúmeras reedições de sua poesia
e teatro.
Com o chamado Ciclo da Borracha, que vai de
1890 a 1918, Manaus foi a primeira construção
14
kitsch brasileira, uma cidade do sonho e do delí-
rio, microcosmo das doenças do espírito burguês
com toques de selvageria e grossura. Um estilo de
vida ligeiro, frenético, em contraste com a linea-
ridade portuguesa; dinâmico, contra a fixa rotina.
A vida procurava ser um primor difícil e caro, não
mais o gesto simples, mas tudo muito diferente
do bem-estar europeu, como se a complexidade
dessa babilônia tropical em miniatura tornasse o
clima dos folguedos em ênfase retórico, gramati-
cais, como bem se pode ver na poesia da época:
“Flafle nos céus a poesia
Falenas d’asas azuis –
Passe cantando a Harmonia
Surja e venha a Fantasia
Num pálio de seda e luz.”
Assim cantava o poeta Thaumaturgo Vaz em
1899, festejando a visita de Coelho Neto a Manaus.
Versos sintomáticos: não bastavam os limites da
presença do ilustre homem de letras, era preci-
so invocar uma torrente de encantamento. É um
gesto que traduz muito bem a excessiva alegria.
Não bastava a linguagem simples e comum para
saudar o visitante; as palavras deveriam ser ador-
nos. Por isso, a maioria dos autores do Ciclo da
Borracha, como Thaumaturgo Vaz, não mataram
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a charada de seu tempo, quiseram mais, levanta-
ram a voz com entulhos de linguagem. No entan-
to, escritores como Maranhão Sobrinho, Jonas da
Silva, Sant’Anna Nery, Araújo Filho e Adriano Jor-
ge, produziram páginas de grande sensibilidade e
retrataram uma época de delírios.
O mais importante e melhor poeta dessa era
febricitante foi seguramente Raimundo Montei-
ro, rapaz rico, dono de seringais, famoso por sua
vida extravagante em Paris. É possível que um dia
esse jovem amazonense tenha olhado as águas
do Sena com o mesmo fervor de febre de Verlai-
ne. Mas era um provinciano, um homem que se
sentia arrancado do seu mundo, lançado na ex-
periência rica da metrópole: era um maravilhado.
Estava orgulhoso e tonto, no melhor de seus anos,
circulando pelas ruas daquele arquétipo do bem
-estar burguês que era Paris no começo do século
XX. O poeta provinciano sentia, no fundo do cora-
ção, esta experiência que poderia torná-lo incom-
parável. Mergulhou tão fundo nesse isolamento
de delícias, que se sentiu marcado por um temor
diferente: percebeu que o seu mundo de fácil ri-
queza teria um fim brusco. Desde então, o poeta
Raimundo Monteiro, arquiteto de versos, seria um
obcecado pelas recordações, pela extraordinária
experiência e por uma tentação de viver dessas
recordações. O cavalheiro austero que iria substi-
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tuir mais tarde o poeta febril não passaria de uma
aparência que não resistiria à vertigem de seus
versos. Descobrindo a gratuidade, ele passou a di-
ferir de seus companheiros de geração.
“Meus olhos tristes, não choram
mas a minha alma padece...
O orgulho que me enaltece
É como o orgulho de um rei!
Mágoas, que os outros deploram,
Dão me coragem sem termo...
O meu espírito enfermo às tempestades
[lancei”.
(...)
“A margem do Machado, em Bom Futuro,
[ouvindo
O espalhado fragor da cachoeira bramindo
Por entre a confusão de ilhas de araçás
E igaranas, tremendo à furia tumultuosa
Do potente caudal, penso, na dolorosa
Sorte minha de poeta exilado e sem paz.”
Palavras propiciatórias, retrato encantador,
Raimundo Monteiro dissolveu a ostentação no
seu próprio veneno, contrapondo sua condenação
a uma desconfortável profecia que não estava nos
planos de eternidade dos barões do látex.
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Com a quebra do monopólio da borracha pelos
ingleses, que plantaram seringueiras no Sudeste
asiático e derrubaram os preços da matéria-pri-
ma, Manaus entrou em decadência e sofreu uma
assustadora redução populacional. A massa rural
regredia para o sistema do trabalho de subsistên-
cia e para o regime de troca. A classe média, prole-
tarizada, necessitava de crédito aberto do comér-
cio e, com o alto índice de desemprego, atingia ní-
veis de indigência. Os palacetes começavam a ruir
abandonados e as ruas enchiam se de buracos.
Toda a infraestrutura de serviços urbanos come-
çou a entrar em colapso e o êxodo das populações
interioranas acelerava este processo. A cidade que
quis ser a Paris equatorial era agora uma Port au
Prince ridícula, vivendo num isolamento de en-
louquecer.
Apenas em 1962 Manaus receberá de volta a
eletricidade e um pouco de estabilidade econômi-
ca. Ainda na década de 50, surge um importante
movimento cultural: o “Clube da Madrugada”.
Ligados à literatura da Geração de 45 e imbuí-
dos de todas as aspirações políticas do pós-guerra,
esses jovens renovadores, engajados e combati-
vos, fizeram uma frente única contra a estagnação
cultural vigente. Se o Movimento Modernista ha-
via sido no Amazonas um desastre breve e inex-
pressivo, o “Clube da Madrugada”, encontrando
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terreno mais fértil, desenvolveu se com a diretriz
de se impor a uma cidade entorpecida que logo
seria agitada pela Zona Franca. Alguns talentos
ganharam renome nacional e em Manaus, cida-
de desacostumada a ler e pensar, um grupo lia e
debatia com paixão. Numa cidade sem livrarias
e com jornais de circulação restrita, o “Clube da
Madrugada” inaugurava páginas literárias e edita-
va livros, invadindo o amortecimento, com vigor,
como jamais a província havia experimentado.
O Clube da Madrugada deu ao Amazonas um
conjunto expressivo de poetas: Thiago de Mello,
Élson Farias, Farias de Carvalho, Jorge Tufik e Alci-
des Werk. De todos o mais importante é Luiz Ba-
cellar.
Nascido em 1928, Luiz Bacellar publicou “Frau-
ta de Barro” em 1963, depois de ganhar o prêmio
“Olavo Bilac” da Prefeitura Municipal do Rio de Ja-
neiro. “Frauta de Barro” reúne poemas de organi-
zação detalhada, desenhados com uma precisão
nova. Lúcidos, certeiros e confeccionados com
cortante ironia, eles logo diluem o masoquismo
como uma fortaleza da antiga incompetência.
Verifica-sse de imediato que seu interesse poéti-
co obedece à mesma configuração das aspirações
provincianas. E a obra lança, no primeiro poema,
uma advertência:
19
“E mesmo que toda a gente
fique rindo, duvidando
destas estórias que narro,
não me importo: vou contente
toscamente improvisando
na minha frauta de barro”.
Nas noites boêmias de Manaus, empunhan-
do sua bengala, o poeta Luiz Bacellar se sente
sob o olhar da província e descobre se à espreita
como um inseto interessante, volteando seu cor-
po curvado como uma interrogação, entorpecido
e perverso como um escaravelho vivo em mãos
infantis, entre pobres de espírito, entre volúveis
guardiões que o submetem à força, tal como ele
deseja: ele quer viver como um inseto bizarro,
mineral e instintivo, onde a arte é como um jogo
aristocrático, mas da aristocracia imaginária dos
catálogos genealógicos que lembram a inutilida-
de da filatelia.
Em 1963, quando publicou os contos de “Ala-
meda”, Astrid Cabral foi saudada pela crítica bra-
sileira como uma grande promessa literária. Nas-
cida em Manaus, em 1936, foi fundadora do Clube
da Madrugada, formando-se em letras neolatinas
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em
1962 vai lecionar na recém-criada Universidade
de Brasília, de onde foi demitida pela Ditadura
20
Militar. Funcionária de carreira do Ministério das
Relações Exteriores exerceu funções em Beirute e
Chicago.
Astrid Cabral ficou em silêncio por 16 anos. Em
1979 publicou “Ponto de Cruz”, com grande recep-
ção crítica. A partir de então, vem construindo
uma sólida obra poética, onde uma lírica precisa
e versos cuidadosamente dosados investigam ora
a interioridade, ora as imprevisibilidades do mun-
do, ora os pequenos sustos de existir. A inexora-
bilidade da morte e a celeridade da vida também
estão presentes.
“Pesado é o coração
do escombro de teus sonhos
e dos mortos que em teus ombros
repousam imortais.
O amor de ontem
É cinza feita chumbo.
Cicatrizes e rugas
Lavram a tua carne
De aflições temperada
E a vazante das veias
Irriga-se
De subterrâneas lágrimas antigas”.
A obra de Astrid, sem ser feminina ou femi-
nista, carrega uma consciência de mulher, uma
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dolorosa certeza feminina, uma ironia capaz de
enxergar através do denso nevoeiro das tragédias
menores, dos gestos que se repetem no cotidiano.
“Dentro de mim há cachorros
que uivam em horas de raiva
contra as jaulas da cortesia.”
No panorama da moderna poesia brasileira,
Astrid ocupa um nicho especial e raro, aquele da
antiga tradição da poesia meditativa, filosófica,
sem invencionices, enquanto cultiva valores con-
temporâneos, livre do velho e senil regionalismo
que parece querer sempre agrilhoar os artistas da
Amazônia.
Mas é na poesia de Aldísio Filgueiras, poeta da
geração de 68, que a herança de Tenreiro Aranha
tem seu paralelo crítico. O desespero amazonen-
se corre ao lado da impressão urbana de Aldísio
Filgueiras, e ele é admirável. Filgueiras é autor de
cinco livros de poesia, entre eles “Estado de Sítio”
e “Malária e outras Canções Malignas”, o primeiro
de 1968 e o segundo de 1976. Aldísio Filgueiras é
amazonense de Manaus, nascido em 1947.
Poeta dos estilhaços da amazonidade, a poe-
sia desabusada de Filgueiras, o citadino loquaz,
lança-se como um raio na indolência luminosa
da província, uma poesia despida de redenção ou
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esperança, exacerbada e nada otimista, no mo-
mento em que configura os estilhaços da cidade
em processo de explosão demográfica. Enquanto
a maioria dos poetas amazonenses caminha na
falsa imutabilidade do homem prisioneiro do ex-
trativismo, a linguagem de Filgueiras recorta este
conformismo tal qual um inseto, sem nenhuma
cerimônia, roendo as talas moles do matagal re-
gionalista.
Há dois aspectos de linguagem que sobressaem
e caracterizam a poesia de Filgueiras: as palavras
já não são mutiladas pelo conhecido conformismo
amazonense e aparecem como um jogo sonoro de
articulações críticas. Assim, é uma poesia que se
abre para fora do confessional, rompendo com a
analogia de vitrine e estabelecendo uma subjeti-
vidade livre de especulações psicológicas. Não é
mais o espírito doente do poeta provinciano que
vislumbra na natureza os sinais antropomórficos
de sua doença.
“Falarte me eu QUERO
mas logo eu – cara do passado –
passadista do concreto
não vou ler nenhuma etiqueta
também no conclusivel e
pontuo como um romântico
no auditório do Parnaso”.
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Filgueiras abate-se contra a grande metáfora
iluminista posta a nu pelas agressões do desen-
volvimento econômico. Ele desce neste paraíso
alucinado que é a região neocolonizada e mani-
pula a farsa e o grotesco para reconquistar a iden-
tidade perdida. “Malária e outras Canções Malig-
nas” revolve, página por página, a mata destruída
e a encenação das palavras, esta linguagem tradu-
zida anseia por compreensão. Não há mais esco-
ras ou salva vidas, não há heróis dignos nem bons
exemplos:
“Precisa se
De um herói
Com referências
Que durma no emprego
URGENTE
Favor não se apresentar quem não
entenda do assunto”.
Beirando a incoerência, usando sinais de pon-
tuação como substantivos ou adjetivos, a lingua-
gem de Filgueiras marca um corpo a corpo com a
própria língua portuguesa. No dorso desta tradu-
ção enlouquecida, desta traição sem traídos, verte
uma única identidade que é a despersonalização
da Amazônia num esmagamento repressivo cha-
mado integração. Filgueiras consegue exagerar
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até a insolência, montado sobre a própria poesia,
uma desmistificação do ofício poético, modelando
o ridículo e as delícias de ser um poeta sem língua
primeira e que escreve numa segunda língua. Fil-
gueiras responde ao desafio com um diagnóstico
definitivo, marcando para sempre a expressão re-
gional:
“Ah! a poesia aqui
meu filho
é uma doença tropical”.
Atualmente o Amazonas conta com três gran-
des escritores que brilham no cenário nacional e
internacional. É o poeta Thiago de Mello, na poe-
sia, e os romancistas Márcio Souza e Milton Ha-
toum. Todos com obras traduzidas em diversos
idiomas de cultura e com grande popularidade
entre os leitores brasileiros, além de detentores
de muitos prêmios literários.
Não podemos encerrar esse passeio pelas le-
tras amazonense, sem uma referência aos povos
indígenas. Do outro lado da fronteira cultural que
é Amazônia, nos espreita uma amplidão rústica,
uma tradição milenar que produziu literatura de
rara beleza e complexidade, fábulas de rara crue-
za, forte e sensível expressão de forças prime-
vas, cuja elegância seduziu homens de categoria
25
como o conde Ermanno Stradelli, que veio para
o Amazonas em 1890. Foi com este fidalgo, etnó-
grafo, rico, corajoso, um herói romântico típico da
Amazônia, que a lírica dos povos indígenas come-
çou a ser revelada dentro de uma compreensão
artística antes que etnográfica. Seus livros, como
“Leggenda del Taria”, coleção de contos e narrati-
vas heróicas, ou “La Leggenda del Jurupary”, um
belíssimo registro da saga do grande legislador,
antecedem Raul Bopp na reinvenção literária do
mundo amazônico. “Leggenda del Taria”, lembra
muito o antigo romance de amor, um gênero li-
terário que crava suas raízes na mais cara tradi-
ção literária italiana. As descrições em versos do
cenário, os gestos cavalheirescos, a renúncia final
dos contendores frente à carnificina, fazem desta
saga uma fábula “mileseaca” do rio Vaupés. Stra-
delli encontrou na narrativa fabulosa dos tariana
uma linguagem apenas nascida, como é de nas-
cimento o êxtase de Raul Bopp. E não é por pura
associação de ideias que Nunes Pereira, em 1966,
intitula sua monumental obra de “Moronguetá,
um Decameron Indígena”. Sem interferir na re-
dação dos mitos, Nunes Pereira registra um estilo
rico, matizado e sem grilhões. Um registro de mito
e comportamentos que para Lévi Strauss “esto-
cam e transmitem informações vitais assim como
os circuitos eletrônicos e a fita magnética de um
26
computador o fazem”. Reconhecendo esta auto-
ridade do mito, poetas como Stradelli defendem
a primeira realidade da região, realidade maior e
mais relevante, pela qual está determinado o pró-
prio destino da Amazônia. Conhecendo isso, es-
ses “segredos profundos, sedutores e envolventes
como certos cipós que se cobrem de flores para
fingir fragilidade”, como bem escreveu Câmara
Cascudo a respeito de Stradelli, descobrimos que
vivemos num mundo onde o mito ainda vive e o
relacionamento do homem com a natureza é ain-
da o mesmo relacionamento dos deuses com a sua
criação. Mas hoje os deuses foram banidos para a
penitenciária da etnografia, o status ontológico do
mundo está traduzido pelo potencial de energia
elétrica. O esforço de Stradelli se repetiu nas obras
de J. Barbosa Rodrigues e Brandão de Amorim, au-
tores de antologias como “Lendas em Nheengatu
e Português” e “Poramdubas Amazonenses”. Mas
foi somente em 1985 que um primeiro autor to-
talmente indígena pode responder o diálogo pro-
posto pelo fidalgo italiano. Trata-se de Luís Lana,
cujo nome em dessana é Tõrãmë Këhíri, autor de
“Antes o Mundo não Existia”, narração precisa do
mito cosmogônico de sua cultura, escrito em por-
tuguês e dessana, sob enormes dificuldades em
sua aldeia do rio Tikiê. Luís Lana, que nasceu em
1961, filho do chefe de sua tribo, fez o livro preo-
27
cupado com a preservação do mito da criação do
universo, acabou se tornando o primeiro índio a
escrever e publicar um livro em 500 anos de histó-
ria do Brasil. “Antes o Mundo não Existia” está tra-
duzido para diversas línguas europeias e estimu-
lou o surgimento de outros escritores indígenas.
Os novos autores estão tornando vernáculo seus
idiomas ágrafos e essas obras são editadas pela
primeira editora indígena do país, propriedade da
Foirn – Federação das Organizações Indígenas do
Rio Negro, com sede na cidade de São Gabriel da
Cachoeira. Amazonas.
29
O TEATRO
O Teatro sempre esteve presente no Amazo-nas. É mesmo um teatro o símbolo princi-pal do Estado. Quando a opulenta socie-dade dos barões do látex decidiu construir uma
espécie de monumento ao seu poder econômico,
erigiu um teatro de óperas como outrora outros
povos tinham construídos catedrais. Muitas ou-
tras civilizações lograram menos.
Já vimos o trabalho teatral de Tenreiro Aranha, o
primeiro artista expressivo do Amazonas. O ama-
zonense será, ao lado de Antônio José, o Judeu, um
dos dramaturgos brasileiros do século XVIII, com
a vantagem de ter exercido o seu ofício teatral no
Brasil, na cidade de Belém, precisamente durante
a crise final do colonialismo português.
Com o ciclo da borracha o teatro no Amazo-
nas saltará, sem qualquer preparo, do arraial de
igreja, para o profissionalismo burguês. Sairá do
30
“Drama da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus
Cristo” para “Mulheres em Penca”. E como a atriz
que interpretava a Virgem no drama da Paixão
certamente não poderia interpretar uma zarzuela
picante, importaram o elenco ideal para os novos
tempos.
O teatro que impera nas temporadas de Ma-
naus, entre 1890 e 1918, um teatro profissional,
inscrito nas avançadas relações de mercado. Pou-
cas cidades brasileiras experimentarão este fenô-
meno. O teatro feito por amadores desaparecerá
quase que completamente. Manaus receberá um
contingente de músicos, atores, atrizes, cantores
líricos e bailarinos, oriundos dos mais diversos
quadrantes da Terra, que se instalarão e formarão
uma classe teatral. Além desses fixados, cente-
nas de companhias nacionais e estrangeiras farão
temporada em Manaus. Tanto essas companhias,
quanto as produções locais, contarão com uma
verba de incentivo retirada dos cofres públicos,
mas o risco correrá por conta dos empresários.
Durante quase trinta anos os palcos de Manaus
serão territórios exclusivos dessas trupes com-
postas por artistas aventureiros decididos a en-
frentar os rigore s dos trópicos.
Foi uma época que se permitiu deixar muitos
monumentos arquitetônicos e poucos exemplos
de peças teatrais. Além de Thaumaturgo Vaz, que
31
escreveu muitas revistas musicais satíricas ence-
nadas anualmente, os anos loucos da borracha
conheceram alguns dramaturgos de boa qualida-
de, sendo o mais expressivo desses Coriolano Du-
rand (1878-1937), autor de um curioso vaudeville
simbolista intitulado “Vende-se”, de 1908, da alta
comédia “A Chama”, de 1910. Foi também Corio-
lano Durand o autor do espetáculo teatral mais
popular da época, a opereta “A Marquesinha” com
músicos originais do maestro Sobreira Lima.
Outro autor, Benjamin Lima (1885-1948), exer-
ceu considerável influência à época. Era crítico de
teatro e cinema militante, homem de grande cul-
tura e convicções políticas progressistas sempre
lutou por um teatro menos superficial e irrespon-
sável como o que se produzia em Manaus. Escre-
veu um texto que se tornou célebre, “O Homem
que Marcha”, agudamente crítico e por isso mes-
mo interditado pela censura da época. Benjamin
Lima preocupava-se com a qualidade das encena-
ções, detestava o improviso, as interpretações es-
tereotipadas e inconsequentes, a mania do ponto
que fazia dos atores e atrizes meros repetidores
de frases que não sentiam e nem compreendiam.
Anos mais tarde, já no Rio de Janeiro para onde se
mudou quando a depressão econômica da borra-
cha o obrigou a buscar melhores oportunidades,
instalou o Curso Prático de Teatro em 1939, o pri-
32
meiro curso de formação teatral a funcionar no
Brasil. “O Homem que Marcha” acabou sendo en-
cenado pelo produtor Lugné Poe, grande incenti-
vador do teatro de vanguarda europeu. Lugné Poe,
que já havia ousado produzir a primeira encena-
ção de “Ubu Rei”, de Jarry, leva a cena no mesmo
palco célebre de seu Théátre de L’Oueuvre o dra-
ma amazonense.
Entre os anos trinta e os anos cinquenta, en-
quanto a economia regional vegetava na estagna-
ção do extrativismo, a situação do teatro não havia
se modificado. Mudaram os nomes, mas o teatro
continuou o mesmo. Três grupos sobressaíram-se
nesse longo período: o “Teatro Amazonense de
Comédia”, o “Teatro de Revista” e o “Teatro Escola
do Amazonas”. Este último, cuja fase de maior ati-
vidade se dará na virada da década de cinquenta
para a década de sessenta, terá um repertório e
ambições bem diversas dos dois primeiros grupos.
O “Teatro Amazonense de Comédia” teve o
seu grande momento entre 1930 e 1932, quando
era dirigido por João Braga, pequeno artesão, fa-
bricante de chapéus e amante das burletas e re-
vistas políticas inocentes. Em seu elenco vamos
encontrar vários nomes de amazonenses, ainda
estudantes ou iniciando carreira em profissões
liberais, que mais tarde iriam fazer parte da clas-
se dirigente. As comédias e revistas eram escritas
33
por Euclides Campos Dantas, funcionário público,
professor e membro do Partido Comunista Brasi-
leiro. No elenco, Paulo Prestes Mourão, Luiz Cabral
(mais tarde desembargador), Fueth Paulo Mourão
(professor de matemática e fundador do extinto
Colégio São Francisco de Assis), as irmãs Palmi-
ra e Cristina Derzi, além da mãe, Adília Derzi. E
na técnica, como maquinista e contrarregra, o de-
pois popular Aldemar Bonates, guardião do Teatro
Amazonas nos seus momentos mais miseráveis e
uma vida dedicada ao teatro.
O “Teatro Escola do Amazonas,”, quando ani-
mado por Guedes Medeiros, advogado, homem
de rádio, reunirá no seu elenco alguns nomes que
farão história. O primeiro trabalho montado será
“Iaiá Boneca”, de Ernani Fornari, sucesso total. Até
1964, quando o elenco é detido no Amapá, duran-
te uma excursão com a peça “A Guerra mais ou
menos Santa”, de Mário Brazini, sob a acusação de
que se tratava de um grupo de comunistas peri-
gosos, o “Teatro Escola do Amazonas” se manterá
ativo. Para a produção de seus espetáculos contou
sempre com o beneplácito dos cofres estaduais.
Com esta ajuda, montaram uma excelente produ-
ção de “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suas-
suna. Encenaram, também, a comédia “Garçom de
Casamento”, o dramalhão “A Raposa e as Uvas”,
de Guilherme Figueiredo, e até um surpreendente
34
Jean-Paul Sartre, justamente a difícil “Prostituta
Respeitosa”.
No começo dos anos 1960 os atores José Aze-
vedo, Ediney Azancoth, e Virgílio Barbosa, que a
seguir, com Felix Valois, de certo modos fartos de
usar trajes bíblicos, fundam o “Teatro Universitá-
rio do Amazonas”. A primeira produção será o in-
defectível monólogo “As mãos de Eurídice”, de Pe-
dro Bloch. mas logo os estudantes vão notar que
estavam num caminho totalmente equivocado.
Em 1962, com o apoio da UNE e da UEA, o grupo
encena “Beata Maria do Egito”, de Raquel de Quei-
roz. Com este trabalho participam do festival que
Paschoal Carlos Magno estava promovendo em
Porto Alegre. Ediney Azancoth destaca-se e recebe
um prêmio nesse encontro. Era a primeira vez que
o teatro amazonense participava de um festival
nacional.
Além do cuidado na escolha do texto, o “Teatro
Universitário do Amazonas” foi o primeiro grupo
amazonense a colocar claramente os problemas
modernos do teatro. Foi o primeiro grupo a enca-
rar a natureza política do ato teatral e a preocupar-
se com a natureza da encenação enquanto arte da
imagem. Não é por mero acaso, nem por modis-
mo, que o “Teatro Universitário do Amazonas” en-
cena em 1968 a peça didática de Bertold Brecht, “A
35
Exceção e a Regra”, com direção de Aquiles Andra-
de. Era uma montagem forte, despojada, com um
elenco bem afinado que passava com virilidade
a discussão proposta por Brecht. Esta montagem
será levada ao Rio de Janeiro, ainda em 1968, para
representar o Amazonas no último grande festival
estudantil que Paschoal Carlos Magno realizaria.
Apresentado a uma plateia jovem, numa manhã
de fevereiro, no palco do então Teatro Nacional de
Comédia (hoje Glauce Rocha), o espetáculo causa-
rá impacto, sendo escolhido um dos melhores do
Festival, além da nominação de Roberto Evangelis-
ta como um dos melhores atores daquela mostra.
No mesmo ano, sob a direção de Nielson Me-
não, o grupo realizará a sua última montagem,
também um texto de Brecht, retirado de “Terror e
Miséria do 3.º Reich”. Com esta montagem o “Te-
atro Universitário do Amazonas” participa de um
festival local, patrocinado pela Fundação Cultural
do Amazonas. Depois deste trabalho, o grupo se
dissolve, para seus componentes retornarem, já
em 1969, no II Festival promovido pela Fundação
Cultural, com o nome de “Grupo Sete”, apresen-
tando uma extraordinária encenação de vários
textos curtos do teatro futurista sintético italiano,
sob o título bastante adequado para a época: LSD
36
– Luar sobre o Danúbio”. Este será o único trabalho
do grupo com o qual ganha o prêmio do Festival.
Através desses festivais organizados pela Fun-
dação Cultural, grupos de amadores que prolife-
ravam pelos bairros da cidade, em paróquias su-
burbanas, começam a se estruturar e fazer sua
estreia no Teatro Amazonas. Foi o caso do “Teatro
Jovem de Manaus”, animado por Moacir Bezerra,
Rômulo de Paula e Gerson Albano, que em 1968
aparece com um Arrabal, “A Bicicleta do Condena-
do”, concorrendo com o também nascente “Teatro
Experimental do Sesc”.
Em dezembro de 1968 é criado pelo Sesc Ama-
zonas o Tesc – Teatro Experimental do SESC do
Amazonas, após um curso de artes cênicas mi-
nistrado pelo teatrólogo paulista Nielson Menão.
A primeira montagem, “Eles Não Usam Black Tie”,
de Gianfrancesco Guarnieri, teve apenas uma
apresentação, sendo imediatamente proibida pela
censura, mas o grupo perseverou e nos anos 1970
ganhou fama nacional e internacional, estando
em atividade até hoje.
O quarto festival, em 1971, mostrou mais um
grupo representativo; o “Teatro Experimental de
Arte”, até então restrito ao público do bairro de
São Raimundo, que trouxe um autor estreante,
Odenildo Sena, com o drama “Ribaltas sem Vida”,
37
título que bem encerra uma filosofia. Este mesmo
grupo ainda montaria, no ano seguinte, “O Paga-
dor de Promessas”, de Dias Gomes, no palco do
Luso Sporting Clube.
Todos esses grupos, com a exceção do “Teatro
Experimental do Sesc”, tiveram curta duração. Os
problemas eram os de sempre: falta de recursos,
falta de espaço, mas, sobretudo, falta de um obje-
tivo claro que iluminasse o trabalho de cada um
deles. Foi visto que o grupo amador mais coerente
tinha sido justamente, o “Teatro Universitário do
Amazonas” por haver estabelecido uma política
de trabalho. Os outros, obrigados a trabalhar em
porões, em pequenas salas de paróquias, esface-
laram-se nos rebarbativos problemas de manter
um elenco fixo, falta de dinheiro e impossibilida-
de de estabelecer qualquer contato com o público.
Na atualidade o Amazonas conta com a pre-
sença ativa de muitos grupos teatrais, como o
Metamorfose, dirigido por Socorro Andrade, que
trabalha com bonecos, espetáculos infantis e te-
atro didático; há o grupo Vitória Régia, de Nonato
Tavares, que pesquisa mitos amazônicos e teatro
infantil; o grupo A Rã que Ri, de Nereide Santia-
go, com uma longa trajetória de espetáculos com
grandes textos da dramaturgia nacional e interna-
cional, os trabalhos independentes de Chico Car-
38
doso, Wagner Mello e Sérgio Cardoso, bem como
os grupos Companhia de Ideias, Cacos de Teatro,
Arte e Fato e Pombal, todos com expressiva atua-
ção na cidade.
39
CINEMA NO AMAZONAS
Na Sétima Arte o Amazonas foi um único estado do Norte do Brasil a produzir fil-mes, inaugurando uma tradição cinema-tográfica, profícua no campo da crítica e da reali-
zação, começando com Silvino Santos em 1918. O
cineasta Silvino Santos, nascido em Portugal, con-
siderado hoje como a mais alta expressão artística
do “ciclo da borracha”. Tal qual o seu conterrâneo
Ferreira de Castro, expressivo romancista de “A
Selva”, este aventureiro chegou à Amazônia nos
fins do século XIX, disposto a ficar rico, mas era
um apaixonado pela região e não incluía o retorno
em seus sonhos. Quando chegou ao Pará e viu pela
primeira vez o rio Amazonas, foi tocado para sem-
pre por uma paixão que já cultivava desde crian-
ça em Portugal. Em Manaus, trabalha como auxi-
liar de fotógrafo, aprendendo o ofício. A fotografia
artesanal e complicada da época e, mais tarde, o
40
cinema, seriam as suas formas de expressão. Au-
tor de um dos mais belos documentários de longa
metragem, “No Paiz das Amazonas”, Silvino San-
tos abre uma linhagem de cineastas de primeira
categoria, com nomes como Roberto Kahane, com
o curta “Silvino Santos, o fim de um pioneiro”, Do-
mingos Demasi, com “Vale Quem Tem”, Antônio
Calmon, autor de filmes de vanguarda como “O
Capitão Bandeira Contra o Doutor Moura Brasil”;
Djalma Limongi Batista, com “Asa Branca: um so-
nho brasileiro” e Aurélio Michiles, com “O Cineas-
ta da Selva”. Vale ressaltar a figura de Cosme Alves
Neto, que fundou a cinemateca do Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro e criou o programa de
recuperação da memória do cinema brasileiro.A
nova geração de realizadores de Manaus tem em
Sérgio Andrade, autor do filme de longa metragem
“A Floresta de Jonathan”, e Júnior Rodrigues e seus
experimentos com filmes de um minuto, os seus
mais conhecidos realizadores.
41
A MÚSICA NO AMAZONAS
Em 1896, bem antes de São Paulo, a cidade de Manaus recebeu a luz elétrica e, com a eletricidade o Teatro Amazonas foi a primei-ra casa de óperas do país a ter seu equipamento
de iluminação com refletores modernos e ribalta
com lâmpadas incandescentes. Naquela época
de prosperidade a música desempenhava papel
importante na oferta de diversões na cidade. Nas
ruas do centro instalaram-se bares, restaurantes,
cafés e teatros, quase sempre com música ao vivo,
fossem trios, quartetos e, em geral, o pianista. Nas
casas de família não podia faltar na sala o piano,
fosse este de cauda, nas mansões abastadas, ou
o modesto piano de armário, nas residências de
classe média. Quando a temporada lírica come-
çava, os restaurantes ficavam abertos até a meia-
noite, à espera dos espectadores que saíam dos
teatros. Não há registro de composições criadas
42
por artistas locais. Sabe-se apenas da qualidade
e do talento de músicos nascidos no Amazonas,
assim como a presença das manifestações folcló-
ricas com seus puxadores de toadas dos Bumbás,
os cantos das Pastorinhas e as melodias dos Pás-
saros. Mas a sociedade amazonense já estava fa-
miliarizada com o melhor do repertório mundial,
graças à venda de partituras e pela possibilidade
de assistir vaudevilles, operetas e óperas desde
1885, tornando-se uma das cidades das Américas
com maior tradição musical. A partir de 1898 a ci-
dade passa a contar com a Academia Amazonen-
se de Belas Artes, iniciativa do maestro Joaquim
Franco, escola de inciativa privada, mas que con-
tava com o apoio financeiro do governo estadual.
A Academia fazia a formação musical em seu Con-
servatório de Música e as artes plásticas no Ateliê
de Artes Objetivas. A Academia fez tanto suces-
so que se tornou a segunda instituição de ensino
mais frequentada, perdendo apenas para o ensino
fundamental. Nas décadas seguintes, quando a ci-
dade entra em decadência, não morre o legado do
maestro Joaquim Franco, já que seus alunos man-
tiveram acesa a tradição musical de Manaus. Da-
quele período vale destacar o “Pastoral do Luso”,
encenado na época natalina, acompanhada por
um trio musical composto por um piano, violino
e bateria. E a gloriosa persistência dos músicos
43
amazonenses, primeiro com o maestro Donizete
Gondim e seu “Conjunto Clássico”, e o memorável
“Conjunto de Câmara Orfeu”, liderado pelo violi-
nista Francisco Bacellar, que manteve com recur-
so de seu próprio bolso um quarteto de excelentes
músicos e um repertório de primeira grandeza,
cujas partituras eles mesmo importava da Ingla-
terra. Esses dois músicos extraordinários fizeram
a arte da música atravessar incólume aos anos de
decadência. Nos anos 50, dos quadros do Clube
da Madrugada temos os nomes de Pedro Amorim,
cantor lírico e autor de “lieds” amazonenses, e o
maestro e compositor Nivaldo Santiago, criador
do Coral João Gomes Jr., autor de sinfonias, poe-
mas tonais e suítes para ballet. Nos anos 70 vale
registrar a presença do maestro Adelson Santos,
autor da poderosa partitura da ópera “Dessana,
Dessana”, e a dupla Aldísio Filgueiras e Torrinho,
criadores de “Porto de Lenha”, hino informal de
Manaus. Ainda na música popular tivemos o con-
junto regional comandado por Domingos Lima e
grupos como os “Blue Birds”, o “Grupo A Gente” e
o internacionalmente famoso “Carrapicho”, lide-
rado pelo ator e cantor José Correa. Outro nome
que não pode deixar de ser mencionado é o do
saxofonista Teixeira de Manaus, que conquistou
as massas populares e as plateias eruditas com
sua música mesclada de jazz e ritmos nacionais,
44
sem esquecer a melodia vibrante do grupo Tariri e
sua líder Natacha Andrade. Também nesta segun-
da metade do século XX, há a presença do poeta
e compositor Celdo Braga, pesquisador das sono-
ridades amazônicas, que primeiro com o “Raízes
Cabocla” e depois com seu grupo “Imbaúba”, tem
divulgado mundo afora o som dos rios e a alma
das gentes das barrancas.
E não podemos esquecer que o Amazonas le-
gou ao Brasil o mais importante criador da segun-
da metade do século XX, que ao lado de Heitor
Villa-Lobos marca a presença internacional da
música brasileira no mundo. Este é Claudio San-
toro, menino prodígio, criador revolucionário, mas
ao mesmo tempo capaz de fazer passeios meló-
dicos sentimentais pela sua própria sensibilidade
de filho de imigrante italiano, mas amazonense
das noites de mormaço de Manaus. Estes senti-
mentos estão presentes em suas obras.
45
A DANÇA NO AMAZONAS
A Dança é floração recente. Na primeira dé-cada do século XX o Teatro Amazonas re-cebeu algumas estrelas da dança, oriun-das da Europa. A partir da década de 70 o baila-
rino e professores José Rezende, formado pela
academia de Tatiana Leskova, inicia em Manaus
sua própria Academia ministrando a base clássica
da dança, atraindo profissionais da educação fí-
sica, tal como Conceição Souza, que vai lançar as
técnicas da dança moderna no estado. O primei-
ro grupo, o “Dançaviva”, era liderado por Concei-
ção Souza e Ida Vicenzia, e produziu espetáculos
como “Raça”, apresentado no Teatro Amazonas
com grande sucesso. A presença de Marta Mar-
tí, Isa Kokay e Jaime Tribusy, talentos jovens, deu
substância à dança e aprimoraram a postura cor-
poral dos atores de teatro. Daí não ser nenhuma
46
surpresa que o primeiro bailarino do New York
City Ballet seja o amazonense Marcelo Mourão.
Hoje a cidade conta com um curso superior de
Dança, na Faculdade de Artes da Universidade Es-
tadual do Amazonas, e companhias de excelente
técnica e invenção, lideradas por premiados core-
ógrafos, entre os quais se destacam Yara Costa e
Ricardo Risuenho.
47
AS ARTES VISUAIS NO AMAZONAS
Como quase todas as formas de expressão artísticas, as artes visuais chegaram no Amazonas com o dinheiro do ciclo da bor-racha. No entanto, mesmo antes do apogeu eco-
nômico do látex, a cidade de Manaus não era exa-
tamente um deserto em se tratando de tradição
artística. Desde os tempos do Império a cidade
permitia o contato, ainda que intermitente, com
exposições de pintura, de escultura. Até mesmo
a complicada arte fotográfica da época teve seus
praticantes, como Hippolite Marinette, que fez
inúmeras imagens de daguerreotipo mostrando
uma capital ainda bucólica e meio rural, encrava-
da entre a selva e as sedosas águas do rio Negro.
Mesmo antes de o maestro Joaquim Franco criar
seu atelier, os interessados podiam estudar com o
professor Arturo Luciani, egresso da Academia de
Belas Artes de Florença, que ganhava a vida deco-
48
rando com pinturas as casas abastadas, além de
lecionar desenho artístico no Instituto dos Edu-
candos Artífices. Na pintura decorativa pontifi-
caram também Crispim do Amaral, Domenico de
Angelis, Giovani Capranesi, Adalberto de Andreis,
Francesco Alegiani e Sílvio Centofanti todos en-
volvidos com as obras pictóricas que enfeitam o
Teatro Amazonas. A fotografia ganha força com a
chegada em Manaus do fotógrafo George Hübner,
que fundou com seu sócio, Libânio Amaral, irmão
do pintor Crispim do Amaral, a casa Photogra-
phica Alemã, que funcionou na Avenida Eduardo
Ribeiro até o final dos anos 50. No campo da ar-
quitetura, antes da degradação brutal ocorrida na
cidade a partir dos anos 60 do século XX, Manaus
ostentava um planejamento urbano muito avan-
çado e bons exemplos arquitetônicos, tanto pú-
blicos quanto privados. O conjunto Teatro Amazo-
nas e Tribunal de Justiça, inaugurados na gestão
de Eduardo Ribeiro, serve de lembrança daqueles
tempos em que os administradores sabiam o que
era uma cidade. Das salas do atelier do maestro
Joaquim Franco saiu o pintor Manoel Santiago,
cuja obra gravitou entre o academicismo e o im-
pressionismo. Algumas telas de Manoel Santiago
podem ser vista na Pinacoteca do Estado. Ainda
do academicismo há a curiosa figura de Branco e
Silva, com formação no Liceu de Artes e Ofícios de
49
Lisboa, que realizou grandes telas sobre paisagens
amazônicas numa técnica tardia e verista. Sua
obra mais festejada, hoje na Pinacoteca do Estado,
é um óleo sobre tela de delirante alegoria em que
esvoaçantes musas descem sobre o Teatro Ama-
zonas, intitulada “Imortalidade”. A partir de 1945
as artes visuais ganham um novo momento com
os artistas do Clube da Madrugada, movimento
cultural de grande otimismo, que trazia as espe-
ranças do pós-guerra. Entre os seus integrantes
destacam-se Moacir Andrade, um artista de difícil
classificação, mas de grande força expressiva; Ál-
varo Páscoa, provavelmente o mais sólido artista
do Clube da Madrugada, oriundo de Portugal, de
onde trouxe as propostas da vanguarda europeias
foi um artista multifacetado, atuando na xilogra-
vura, na escultura, no bico de pena e na pintura,
exercendo enorme influência nas novas gerações;
Afrânio de Castro, de um talento explosivo, repre-
sentou o abstracionismo em telas que indicavam
uma profunda inquietação beirando ao desespe-
ro; Getúlio Alho, além de escritor sensível, é dese-
nhista de grande criatividade e de traço pleno de
personalidade, sua obra está espalhada pelos jor-
nais de Manaus e nas obras que ilustrou. Fora do
Clube da Madrugada há o mais importante artista
plástico que o Amazonas produziu no século XX,
Óscar Ramos. Nascido em Itacoatiara, mas com
50
passagens por Manaus, por Belém, Madrid, Lon-
dres e Rio de Janeiro, fez parte da vanguarda dos
anos 70 e é um de seus principais representantes.
Como podemos ver, as artes visuais do Ama-
zonas atingiram altos níveis de criação, surpre-
endendo em grandes exposições internacionais,
como o impacto crítico provocado pelo jovem
Roberto Evangelista e sua instalação “Mater Do-
lorosa”, na Documenta Kassel, Alemanha. Mas a
cadeia de grande criadores é longa com Gualter
Batista, Hanhemann Bacellar, Sérgio Cardoso, Jair
Jacquemont, Otoni Mesquita, Rui Machado, Oli-
vença, Van Pereira, Auxiliadora Zuazo, Bernadete
Andrade, Cristóvão Coutinho e Zeca Nazaré.
51
FOLCLORE E CULTURA POPULAR
O Amazonas cultiva muitas manifestações populares que seguem o calendário pro-fano religioso. Além do carnaval, há ma-nifestações festivas e cênicas no período junino e
no Natal. Essas manifestações, embora agregando
a figura do índio, comum nas danças dramáticas,
foram introduzidas aqui pelos colonizadores euro-
peus. Os portugueses trouxeram a ciranda, as pas-
torinhas, o boi bumbá, a desfeiteira etc., enquanto
os cordões dos pássaros vieram da Espanha atra-
vés da Venezuela. Essas manifestações populares
foram apropriadas pelas classes trabalhadoras,
mescladas com a cultura africana e indígenas,
transformando-se numa autêntica manifestação
americana. Ao longo dos séculos essas manifesta-
ções se mantiveram autônomas e independentes
do poder público, até mesmo assumindo posições
críticas em relação aos poderosos do momento.
52
Cada comunidade tinha seus animadores, que li-
deravam o levantamento de recursos entre seus
pares e cuidavam para que a tradição fosse trans-
mitida às gerações futuras. Na maioria das regiões
brasileiras essa tradição continua intacta, no que
pese a concorrência da indústria cultural e excre-
cências do tipo trio elétrico, que já foi classificado
como parte da cultura do latifúndio nordestino
com excesso de decibéis. Na Amazônia esta au-
tonomia popular é defendida com muito orgulho
por muitas comunidades, mas infelizmente em
Manaus ela se perdeu. As manifestações popu-
lares foram cooptadas nos anos 60 do século XX,
com a organização dos festivais folclóricos que
aconteciam na praça General Osório, num con-
sórcio de interesses empresariais e políticos. Os
folguedos tiveram seus tempos de encenação re-
duzidos para caber na programação do evento e o
estado passou a financiar diretamente os grupos
que abdicaram de sua histórica autonomia. O re-
sultado disso foi o abastardamento dos folguedos,
a organização de entidades espúrias e predadoras
que se locupletam dos recursos públicos, a pro-
miscuidade eleitoreira dessas práticas lesivas, o
que provocou a decadência dessas manifestações
na capital amazonense e a perda do brilho da au-
tenticidade, no entanto, a cultura dos folguedos
sazonais não morreu de todo. Mesmo aquelas ma-
53
nifestações loteadas entre os cabos eleitorais dos
políticos populistas, é o próprio povo que conti-
nua financiando suas fantasias e adereços, pois os
recursos alocados pelas administrações públicas
nunca chegam até os brincantes e se evaporam no
caminho. Por isso é urgente uma revisão das po-
líticas públicas para as manifestações folclóricas
tenham de volta a sua autonomia, sob o controle
popular, antes que estas percam para sempre a
autenticidade.
55
EM BUSCA DA INTEGRAÇÃO CULTURAL DO POVO MANAUARA
Até recentemente a cidade de Manaus era uma cidade culturalmente sólida embo-ra marcada pela decadência econômica. Sua população carregava uma rica mescla de tra-
dições culturais indígenas, europeias e brasilei-
ras, alicerçada por uma pequena, mas sólida rede
educacional. Era uma cidade que usufruía de uma
cultura orgânica, coerente, perfeitamente inteligí-
vel para a esmagadora maioria da população. Em
1968 o regime militar após cortar ao meio a região
amazônica, dividindo-a em Amazônia Oriental e
Ocidental, impõe ao Amazonas a Zona Franca de
Manaus, área de renúncia fiscal inspirada em so-
luções coloniais largamente utilizadas na África
no século XIX.
Do ponto de vista cultural foi um desastre. En-
tre 1968 e 1970 a cidade Manaus salta de 350 mil
56
habitantes para 600 mil, atingindo a marca dos
dois milhões em 2009. Todos os brasileiros têm o
direito de procurar outras terras em busca de uma
vida melhor, mas nenhuma cidade suportaria ta-
manha explosão demográfica sem sofrer terríveis
consequências como aconteceu com Manaus. Es-
pecialmente por se tratar de uma explosão demo-
gráfica provocada não pelo aumento exponencial
da taxa de natalidade dos nativos, mas pela in-
tensiva migração. O Distrito Industrial, planejado
para absorver 50.000 operários com baixos salá-
rios, tornou-se um polo de atração para os de-
serdados dos bolsões de miséria mais próximos.
Essa massa de imigrantes provinha de áreas onde
não contavam com educação, sistema de saúde,
trabalho ou segurança. Esse tipo de massa oriun-
da do campo carrega um dilaceramento cultural
profundo, e por isso, em sua nova terra de eleição,
não consegue estabelecer vínculos ou compreen-
der a cultura que os recebe, sem que os poderes
públicos e a sociedade proporcionem meios de re-
cepção e integração. Infelizmente isso não acon-
teceu. Levas e mais levas de emigrantes sem qua-
lificação, analfabetos, sem documentos, despidos
de identidade, foram espalhados em invasões que
se transformaram em favelas. No final do sécu-
lo XX aportavam em Manaus aproximadamente
140 famílias por dia, o que logo se transformou
57
em maioria, soterrando os nativos e colonizando
culturalmente a capital amazonense.
Nessa realidade sombria, fruto da inércia da
sociedade, a percepção da cultura se degradou. O
sistema educacional foi incapaz de evitar o esque-
cimento do passado, porque não conseguiu passar
aos que aqui chegaram o que era ser amazonense,
os valores amazonenses.
Aliás, ninguém, nenhuma instituição ou seg-
mento social percebeu o que se passava e logrou
impedir a catástrofe. A capital amazonense foi
varrida por essa avalancha de cultura imediatista,
que é o moto da imigração, deixando no caminho
uma camada de rusticidade, de ignorância sobre
o que é viver numa cidade, terreno fértil para a
atual permissividade. No interior dessa nova com-
posição social desapareceram as tradições cultu-
rais, o respeito pela paisagem e pela configuração
da cidade. Surge uma massa indistinta, desperso-
nalizada, sem autoestima, movida pelas emoções
mais primitivas, vítima da indústria cultural que
lhe injeta o que há de mais vulgar. Essa população
é primariamente escrava da indústria cultural de
massas, que lhe oferece entretenimento alienan-
te, meias verdades como informação e normas de
conduta que só desagregam os valores, estes já
em si rotos.
58
É para tentar dar início à reversão desse tris-
te processo que o Conselho Municipal de Cultura
decidiu investir numa política de preservação da
Memória Cultural e Artística de Manaus na tenta-
tiva de corrigir e correr contra o tempo, para que
as novas gerações venham a se orgulharem dos
feitos culturais do Amazonas e conhecer os seus
artistas e a grandiosa história da nossa cultura.
59
A AMAZÔNIA NO CONTEXTO NACIONAL
A Amazônia foi reinventada pelo Brasil, que propôs para ela a sua própria imagem. Os moradores da Amazônia sempre se es-pantam ao ver que, talvez para melhor vendê-la
e explorá-la, ainda apresentam sua região como
habitada essencialmente por tribos indígenas, en-
quanto existem há muito tempo cidades, uma ver-
dadeira vida urbana, e uma população erudita que
teceu laços estreitos com a Europa desde o século
XIX. Aliás, nisso residem as maiores possibilida-
des de resistência e de sobrevivência dessa região.
Com efeito, os povos indígenas da Amazônia nada
conseguirão se não se apoiarem nessa população
urbana que é a única que se expressa nas eleições
e exerce pressão sobre a cena política. É pelo jogo
das forças democráticas que o problema da explo-
ração econômica da Amazônia poderá encontrar
60
uma solução, portanto é preciso reforçar as estru-
turas políticas regionais. A Amazônia conta uma
população de 20 milhões de pessoas e com nove
milhões de eleitores, o que não é pouca coisa.
Embora o Brasil se orgulhe de ter “absorvido”
a Amazônia, não aniquilou suas peculiaridades.
Continua havendo uma cozinha, uma literatura,
uma música da Amazônia. As trocas entre ambas
as culturas são muitas, e isso é bom. A explora-
ção da Amazônia pode esclarecer com proveito
o projeto de modernidade do Brasil. As favelas,
a má distribuição de renda e a desigualdade so-
cial decorrem menos da pobreza de certas regiões
que obriga seus moradores a emigrar, do que das
opções políticas adotadas pelos grandes latifun-
diários e pelos donos das grandes empresas, ou
seja, por aqueles que detêm o capital, os donos do
império brasileiro.
61
CRIAÇÃO PERENE
ACultura da Amazônia faz parte da diversi-dade. Para resumir, é uma cultura com ex-pressão própria, embora de extração mais recente que a expressão literária de outras regi-
ões brasileiras, mas ela já foi capaz de assimilar
a linguagem da região, a voz de seu povo, embora
nunca deixe de ser nacional.
Ela é um pouco como os muçulmanos do ro-
mance de Milton Hatoum, “Relato de um certo
oriente”, uma das mais recentes manifestações
da grande literatura amazônica. Aqueles muçul-
manos vinham para a distante Manaus, este “cer-
to oriente” incrustado nos confins do ocidente,
mas nunca perdiam totalmente suas raízes.
Um personagem relata o seu espanto, ao cons-
tatar esta verdade: “Eu mesmo relutei em acreditar
que um corpo em Manaus estivesse voltado para
Meca, como se o espaço da crença fosse quase tão
62
vasto quanto o universo: um corpo se inclina dian-
te de um tempo, de um tempo, de um oráculo, de
uma estátua ou de uma figura, e então todas as
geografias desaparecem ou confluam para a pedra
negra que repousa no íntimo de cada um”.
Assim é a Cultura da Amazônia. Um corpo for-
mado pelos rios enormes, pelas selvas brutalmen-
te queimadas, pelos povos indígenas ameaçados,
pela saga dos homens na conquista da natureza.
Mas ao mesmo tempo, não deixa de estar perene-
mente voltada para Meca, que é o Brasil, a nacio-
nalidade, um espaço tão vasto quanto à crença,
capaz de fazer a geografia confluir para a pedra
negra que dentro de nós indica que somos amazo-
nenses, brasileiros, latinos, americanos...
63
ARTE EN AMAZONAS
ARTEENAMAZONAS
65
Durante todo el proceso de formación de la identidad nacional y de la creación de la cultura brasileña, el arte de Amazonas tuvo participación de primera magnitud. El esta-
do legó a Brasil algunos de sus artistas más nota-
bles y creadores, sea en el campo de la literatura,
la música, las artes visuales, el cine y la danza.
El Amazonas ha sido un espacio de inspiración
abierto al mundo, por el ejemplo creador de su
pueblo, la rica cultura ancestral de los pueblos in-
dígenas y su perfecta integración en la corriente
principal de la civilización occidental.
67
LITERATURA
La literatura y el teatro son las formas de arte de mayor tradición en Amazonas. En el si-glo XVIII surge nuestro primer autor nativo: Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha. Bento nació
en Barcelos, el 4 de septiembre de 1769, hijo de
Raimundo de Figueiredo Tenreiro y de Tereza Joa-
quina Aranha. Al perder a los padres, aun en la
primera infancia, estuvo bajo la tutela de un ami-
go de la familia, hombre duro, insensible, que obli-
gó al pequeño huérfano a trabajar en el campo. A
los doce años, entrando en la adolescencia, como
es común en los trópicos, Bento Aranha busca la
protección de su padrino, el Vicario General Don
José Monteiro de Noronha, que lo envió a estudiar
al convento de Santo Antonio, donde completaría
los estudios preparatorios, pasando más tarde a
las clases de los padres mercedarios. Cuando se
preparaba para viajar a Coimbra, a los diecinue-
68
ve años, se ve privado de recursos en consecuen-
cia del secuestro de su herencia por parte de la
Real Hacienda. Al ver cortadas las perspectivas de
una formación universitaria, permanece en Pará,
donde conocerá a la joven Rosalina Espinoza, con
quien vino a casarse. El amazonense, educado en-
tre sacerdotes, ávido lector de las obras clásicas,
hombre tranquilo, director de una aldea de indios
y burócrata colonial, si no puede ser considera-
do hoy un poeta de primer orden, es uno de esos
talentos bien formados, de inspiración tranquila
y parte de la estatura de los poetas menores que
por su calidad componen el conjunto de cual-
quier literatura. Tenreiro Aranha, cuyo talento de
dramaturgo es mayor y más significativo, uno de
los más importantes que el Brasil tuvo en el siglo
XVIII, abandona en su obra, al mismo tiempo, la
épica velada de versos de la colonización y la ob-
jetividad conquistadora de los clásicos portugue-
ses, para intentar una poesía festiva, parroquial,
dentro de los límites que el buen gusto de la época
permitía. Notemos de pasada, que él nunca tuvo
la intención de dejar este límite. Sin embargo, a
veces, se desnudaba en sentidas quejas, caía en
sus propias frustraciones, mostraba su vida coro-
nada de injusticia y tendía a un lirismo muy ex-
tremamente sufrido.
69
Tenreiro Aranha fue en realidad el primer ar-
tista auténticamente Amazonense. Su obra se
encuentra mucho más cerca de la verdad que los
hombres experimentaban en la región. El poe-
ta era un fruto de la tierra, al no ser portugués,
pero viviendo como tal, la dualidad marcaría su
existencia. Por eso, fue un espíritu martirizado
y no apenas una figura llena de incómodo. Es en
el texto de sus dramas, en las características de
sus personajes teatrales simbólicos que el poeta
se acercará a la realidad y a las contradicciones
sociales de la época. Tenreiro Araña viviendo en la
región más inmoderada del mundo hizo el teatro
de la moderación, el drama pastoral de la deca-
dencia del mercantilismo y de la falencia del po-
der portugués en Brasil. En el drama “La felicidad
en Brasil”, en un acto llevado a escena en el Teatro
Público de Pará en 1808, el dramaturgo se atreve a
insinuar la necesidad de independencia y se arre-
bata con la grandiosidad del destino de su patria
que amanecía.
“De los hombres me rodea la iniquidad,
La calumnia me abruma, y al fin tremendo,
Me asusta una espantosa eternidad”.
La obra de Tenreiro Aranha está viva y querida
por sus compatriotas, verdad que se puede com-
70
probar por las numerosas reediciones de su poe-
sía y teatro.
Con el llamado ciclo del caucho, que va de 1890
a 1918, Manaos fue la primera construcción kitsch
brasileña, una ciudad de sueños y delirios, micro-
cosmos de las enfermedades del espíritu burgués
con toques de salvajería y rusticidad. Un estilo de
vida ligero, frenético, en contraste con la lineali-
dad portuguesa; dinámica, contra la rutina fija.
La vida buscaba ser un primor difícil y costoso, y
no el simple gesto, pero todo muy diferente del
bienestar europeo, como si la complejidad de esa
miniatura de babilonia tropical se convirtiera en
el estado de ánimo de énfasis retóricos, gramati-
cales, como bien se puede ver en la poesía de la
época:
“Flafle en la poesía el cielo
Mariposas de alas azules –
Pase cantando la Armonía
Surja y venga la Fantasía
En un dosel de seda y luz”.
Así cantaba el poeta Thaumaturgo Vaz en 1899,
celebrando la visita de Coelho Neto a Manaos.
Versos sintomáticos: no bastaba la presencia del
ilustre hombre de letras, era necesario invocar un
torrente de encantamiento. Es un gesto que tra-
71
duce bien la alegría excesiva. No era suficiente
el lenguaje sencillo y común para saludar al visi-
tante; las palabras tendrían que ser adornos. Por
lo tanto, la mayoría de los autores del Ciclo del
Caucho, como Thaumaturgo Vaz, no descubrieron
el enigma de su tiempo, quisieron más, alzaron
su voz con escombros de lenguaje. Sin embargo,
autores como Maranhão Sobrinho, Jonas da Silva,
Sant’Anna Nery, Araújo Filho y Jorge Adriano crea-
ron páginas altamente sensibles y retrataron una
época de delirios.
El más importante y mejor poeta de esa época
febril fue sin duda Raimundo Monteiro, hombre
rico que era dueño de plantaciones de caucho,
famoso por su estilo de vida extravagante en Pa-
rís. Es posible que un día este joven amazonen-
se haya mirado las aguas del Sena con el mismo
fervor febril de Verlaine. Pero era un provinciano,
un hombre que se sentía arrancado de su mundo,
lanzado en la rica experiencia de la metrópoli: era
un maravillado. Estaba orgulloso y mareado, en la
mejor época de sus años, vagando por las calles
de ese arquetipo del burgués bienestar que era Pa-
rís a principios del siglo XX. El poeta provinciano
sentía, en lo más profundo de su corazón que esta
experiencia podría hacerlo incomparable. Sumi-
do tan profundamente en las delicias del aisla-
miento, se sintió marcado por un temor distinto:
72
se dio cuenta de que su mundo de riqueza fácil
tendría un final brusco. Desde entonces, el poe-
ta Raimundo Monteiro, artífice de versos, estaría
obsesionado por los recuerdos, por la extraordi-
naria experiencia y una tentación de vivir de esos
recuerdos. El caballero austero que más tarde re-
emplaza al poeta febril no pasaría de una expe-
riencia que no resistiría al vértigo de sus versos.
Descubriendo la gratuidad empezó a diferir de sus
compañeros de generación.
“Mis ojos tristes, no lloran
pero mi alma sufre ...
El orgullo que me exalta
Es como el orgullo de un rey!
Disgustos, otros lamentan,
Ellos me dan coraje eterno ...
Mi espíritu enfermo a las tormentas tiré “.
(...)
“Al margen del Machado, en Bom Futuro,
[escuchando
La propagación del estruendo de la cascada
[rugiendo
En medio de la confusión de islas de arasás
E igaranas, temblando a la furia tumultuosa
Del potente caudal, creo, en la dolorosa
Suerte de poeta exiliado y sin paz”.
73
Palabras propicias, retrato encantador, Raimun-
do Monteiro disolvió la ostentación en su propio
veneno, contrastando su condena a una profecía
incómoda que no estaba en los planes de eterni-
dad de los barones del látex.
Con el rompimiento del monopolio del caucho
por los ingleses, que plantaron árboles de cau-
cho en el sudeste asiático y echó por tierra los
precios de las materias primas, Manaos entró en
decadencia y sufrió una aterradora reducción de
la población. La masa rural regresó al cultivo de
subsistencia y al régimen cambiario. La clase me-
dia, proletarizada, necesitaba de crédito comercial
abierto y, con un alto desempleo, la pobreza al-
canzó niveles de indigencia. Los palacios estaban
empezando a desmoronarse abandonados y se
llenaron las calles de baches. Toda la infraestruc-
tura de servicios urbanos comenzó a derrumbarse
y el éxodo de las poblaciones hacia el interior ace-
leró este proceso. La ciudad que quería ser el París
ecuatorial ahora era un Puerto Príncipe ridículo,
viviendo en un aislamiento enloquecedor.
Sólo en 1962 Manaos volverá a tener electrici-
dad y alguna estabilidad económica. Aun en los
años 50, surge un importante movimiento cultu-
ral: el “Club de la Madrugada”.
Vinculados a la literatura de la Generación del
45 e imbuidos de todas las aspiraciones políticas
74
de la posguerra, estos jóvenes innovadores, com-
prometidos y combativos, hicieron un frente uni-
do contra el estancamiento cultural imperante. Si
el Movimiento Modernista había sido en Amazo-
nas un breve e inexpresivo desastre, el “Club de
la Madrugada”, al encontrar un terreno más fértil,
se desarrolló con la directriz de imponerse a una
ciudad adormecida que pronto sería agitada por
la Zona Franca. Algunos talentos se han ganado
la reputación nacional y en Manaos, una ciudad
desacostumbrada a la lectura y el pensamiento,
un grupo leía y debatía con pasión. En una ciudad
sin librerías y con los periódicos de circulación
restricta, el “Club de la Madrugada” inauguraba
páginas literarias y editaba libros, invadiendo la
amortiguación, con vigor, como la provincia ja-
más había experimentado.
El Club de la Madrugada dio a Amazonas un
conjunto significativo de poetas: Thiago de Mello,
Elson Farias, Carvalho de Farias, Jorge Tufik y Al-
cides Werk. De todos, el más importante es Luiz
Bacellar.
Nacido en 1928, Luiz Bacellar publicó “Flauta de
Barro” en 1963 después de ganar el premio “Olavo
Bilac” de la Ciudad de Río de Janeiro. “Flauta de
Barro” reúne poemas de organización detallada
diseñados con una nueva precisión. Lúcidos, bien
dirigidos y hechos con cortante ironía, pronto di-
75
luyen el masoquismo como una fortaleza de la
antigua incompetencia. Se verifica de inmediato
que su interés poético sigue la misma configura-
ción que las aspiraciones provincianas. Y la obra
se lanza en el primer poema, una advertencia:
“Aunque toda la gente
se ría y dude
de estas historias que narro,
no me importa: voy contento
hoscamente improvisando
en mi flauta de barro “.
En las noches bohemias de Manaus, blandien-
do su bastón, el poeta Luiz Bacellar se siente bajo
el mirar de la provincia y nota que lo mira como a
un insecto raro, doblando su cuerpo como un sig-
no de interrogación, entorpecido y perverso como
un escarabajo vivo en manos infantiles, entre po-
bres de espíritu, entre volubles guardianes que lo
someten a la fuerza, tal como él lo desea: quiere
vivir como un insecto raro, mineral e instintivo,
donde el arte es como un juego aristocrático, pero
de la aristocracia imaginaria de los libros genea-
lógicos que recuerdan la inutilidad de la filatelia.
En 1963, cuando publicó los cuentos de “Alame-
da”, Astrid Cabral fue bien recibida por los críticos
brasileños como una gran promesa literaria. Naci-
76
da en Manaus, en 1936, fue fundadora del Club de
la Madrugada, se graduó en letras neo-latinas por
la Universidad Federal de Río de Janeiro. En 1962
va a enseñar en la recién creada Universidad de
Brasilia, de donde fue despedida por la dictadura
militar. Funcionaria de carrera en el Ministerio de
Relaciones Exteriores desempeñó sus funciones
en Beirut y Chicago.
Astrid Cabral permaneció en silencio durante
16 años. En 1979 publicó “Punto de Cruz” con gran
recepción crítica. Desde entonces, viene constru-
yendo una sólida obra poética, donde una lírica
precisa y versos cuidadosamente dosificados in-
vestigan tanto el interior, cuanto la imprevisibi-
lidad del mundo, o aún los pequeños sustos de
existir. La inevitabilidad de la muerte y la celeri-
dad de la vida también están presentes.
“Pesado es el corazón
del escombro de tus sueños
y de los muertos que en tus hombros
reposan inmortales.
Amor de ayer
Es ceniza hecha plomo.
Cicatrices y arrugas
Labran tu carne
De aflicciones adobadas
Y el flujo de las venas
77
Se irriga
De subterráneas lágrimas antiguas”.
La obra de Astrid, sin ser femenina o feminista,
lleva una conciencia de mujer, una dolorosa certe-
za femenina, una ironía capaz de ver a través de la
densa niebla de las tragedias de menor importan-
cia de los gestos que se repiten en la vida diaria.
“Dentro de mí hay perros
Que aúllan en horas de rabia
contra las jaulas de la cortesía”.
En el panorama de la poesía brasileña moder-
na, Astrid tiene un lugar especial y poco común,
el de la antigua tradición de la poesía meditativa,
filosófica, sin mentiras, mientras cultiva valores
contemporáneos, libres del regionalismo viejo y
senil que parece encadenar siempre los artistas
de la Amazonía.
Pero es en la poesía de Aldisio Filgueiras, poeta
de la generación del 68, que la herencia de Tenreiro
Aranha tiene su paralelo crítico. El desespero ama-
zonense corre junto a la huella urbana de Aldisio
Filgueiras, y él es admirable. Filgueiras es autor de
cinco libros de poesía, entre ellos “Estado de Sitio”
y “Malaria y Otras Canciones Malignas”, el primero
78
de 1968 y el segundo de 1976. Aldisio Filgueiras es
amazonense de Manaos, nacido en 1947.
Poeta de los astillazos del espíritu de la ama-
zonia, la poesía petulante de Filgueiras, el citadi-
no locuaz, se lanza como un rayo en la indolencia
luminosa de la provincia, una poesía desnuda de
redención o esperanza, exacerbada y nada opti-
mista en el momento que configura los astillazos
de la ciudad en proceso de explosión demográfica.
Mientras la mayoría de los poetas amazónicos ca-
mina sobre la falsa inmutabilidad del hombre pri-
sionero de la extracción, el lenguaje de Filgueiras
corta este conformismo al igual que un insecto,
sin ninguna ceremonia, mordiendo las blandas fé-
rulas del matorral regionalista.
Hay dos aspectos del lenguaje que se destacan
y caracterizan la poesía de Filgueiras: las palabras
ya no son mutiladas por el conocido conformismo
amazonense y aparecen como un juego sonoro de
articulaciones críticas. Por lo tanto se trata de una
poesía que se abre hacia fuera de lo confesional,
rompiendo con la analogía de escaparate y esta-
bleciendo una subjetividad libre de especulacio-
nes psicológicas. Ya no es la mente enferma del
poeta provinciano que ve en la naturaleza signos
antropomórficos de su enfermedad.
79
“Hablárteme yo QUIERO
pero pronto yo – cara al pasado –
pasadista del hormigón
No voy a leer ninguna etiqueta
Tampoco no conclusible y
señalo como un romántico
en el auditorio del Parnaso “.
Filgueiras se deprime contra la gran metáfora
iluminista puesta al descubierto por los asaltos de
desarrollo económico. Él baja a este paraíso aluci-
nado que es la región neo-colonizada y manipula
la farsa y lo grotesco para recuperar la identidad
perdida. “Malaria y otras Canciones Malignas” re-
vuelve, página tras página, la jungla destruida y
la puesta en escena de las palabras, esta lengua
traducida anhela comprensión. No hay más an-
clas o salva-vidas, no hay héroes dignos ni buenos
ejemplos:
“Se necesita
Un héroe
Con referencias
Que duerma en el empleo
URGENTE
Favor, no presentarse los que
No entiendan del asunto”.
80
Lindando con la incoherencia, utilizando la
puntuación como sustantivos o adjetivos, el len-
guaje de Filgueiras marca una lucha cuerpo a
cuerpo con la propia lengua portuguesa. Acuestas
de esta traducción enloquecida, de esta traición
sin traídos, arroja una identidad única que es la
despersonalización de la Amazonia en una repre-
siva trituración llamada integración. Filgueiras
exagera hasta la insolencia, montado en la propia
poesía, una desmitificación del oficio poético, mo-
delando el ridículo y las delicias de ser un poeta
sin lengua materna y que escribe en un segun-
do idioma. Filgueiras responde al desafío con un
diagnóstico definitivo, que marca para siempre la
expresión regional:
“¡Ah! poesía aquí
Hijo mío
Es una enfermedad tropical.”
Amazonas tiene actualmente tres grandes es-
critores que brillan en la escena nacional e inter-
nacional. Es el poeta Thiago de Mello, en la poesía
y los novelistas Márcio Souza y Milton Hatoum.
Todos con obras traducidas a varios idiomas de
cultura con gran popularidad entre los lectores
brasileños, a par de galardonados con muchos
premios literarios.
81
No podemos terminar este recorrido por las le-
tras de Amazonas sin una referencia a los pueblos
indígenas. Al otro lado de la frontera cultural que
es Amazonas, está al acecho una extensión rústi-
ca, una tradición milenaria que produjo literatura
de rara belleza y complejidad, fábulas de crudeza
rara, expresión fuerte y sensible de fuerzas prima-
rias, cuya elegancia ha seducido a hombres de la
categoría del Conde Ermanno Stradelli, que llegó
a Amazonas en 1890. Fue con este hidalgo, etnó-
grafo, rico, valiente, un típico héroe romántico de
la Amazonía, que la lírica de los pueblos indíge-
nas comenzó a ser revelada en una comprensión
artística antes que etnográfica. Sus libros, como
la colección “Leggenda del Taria” de cuentos y re-
latos heroicos, o “La Leggenda del Jurupary”, un
hermoso registro de la saga del gran legislador,
anteceden a Raul Bopp en la reinvención litera-
ria del mundo amazónico. “Leggenda del Taria”
recuerda mucho a la vieja novela de amor, un gé-
nero literario que hunde sus raíces en la tradición
literaria italiana más apreciada. Las descripciones
en versos del escenario, los gestos caballerescos,
la renuncia definitiva de los contendientes fren-
te a la matanza, hacen de esta saga una fábula
“mileseaca” del río Vaupés. Stradelli encontró en
la narrativa fabulosa de los tariana un lenguaje
apenas nacido, como es de nacimiento el éxtasis
82
de Raúl Bopp. Y no es por asociación pura de ideas
que Nunes Pereira en 1966, tituló su obra monu-
mental “Moronguetá, un Decameron indígena”.
Sin interferir en la redacción de los mitos, Nunes
Pereira registra un estilo rico, matizado, y sin ata-
duras. Un registro de mitos y comportamientos
que para Levi Strauss “guardan y transmiten in-
formación vital, así como circuitos electrónicos
y la cinta magnética de un ordenador lo hacen”.
Reconociendo esta autoridad del mito, poetas
como Stradelli defienden la primera realidad de
la región, realidad mayor y más relevante, por la
cual se determina el destino de la propia Amazo-
nia. Sabiendo esto, estos “secretos profundos, se-
ductores y envolventes, como ciertos bejucos que
se cubren con flores para fingir debilidad”, como
acertadamente escribió Câmara Cascudo sobre
Stradelli, descubrimos que vivimos en un mundo
donde el mito sigue vivo y la relación del hom-
bre con la naturaleza sigue siendo la misma re-
lación de los dioses con su creación. Pero hoy los
dioses fueron desterrados a la penitenciaria de la
etnografía, el estatus ontológico del mundo está
traducido por el potencial de la energía eléctrica.
El esfuerzo de Stradelli se repitió en las obras de
J. Barbosa Rodrigues y Brandão de Amorim, auto-
res de antologías como “Leyendas en Nheengatu
y Portugués” y “Poramdubas Amazonenses”. Pero
83
no fue sino hasta 1985 que un primer autor to-
talmente indígena pudo responder el diálogo pro-
puesto por el noble italiano. Se trata de Luis Lana,
cuyo nombre en dessana es Tõrãmë Këhíri, autor
de “Antes el Mundo no Existía,” narración preci-
sa del mito cosmogónico de su cultura, escrita en
portugués y dessana bajo enormes dificultades en
su aldea del río Tikiê. Luis Lana, que nació en 1961,
hijo del jefe de su tribu, hizo el libro preocupa-
do con la preservación del mito de la creación del
universo, llegando a ser el primer indio a escri-
bir y publicar un libro en 500 años de historia del
Brasil. “Antes el Mundo no Existía” fue traducido a
varios idiomas europeos y alentó el surgimiento
de otros escritores indígenas. Los nuevos autores
están transformando en lenguas vernáculas sus
idiomas ágrafos y estas obras son editadas por la
primera editorial indígena del país, propiedad de
Foirn – Federación de Organizaciones Indígenas
de Río Negro, con sede en São Gabriel da Cachoei-
ra. Amazonas.
85
TEATRO
El teatro ha estado siempre presente en la Amazonia. Incluso es un teatro el princi-pal símbolo del estado. Cuando la sociedad de la abundancia de los barones de látex decidió
construir una especie de monumento a su poder
económico, erigió un teatro de ópera como antes
otros construían catedrales. Muchas otras civili-
zaciones han logrado menos.
Hemos visto la obra teatral Tenreiro Aranha,
el primer artista importante de la Amazonía. El
amazonense es, junto con José Antonio, el Judio,
uno de los dramaturgos brasileños del siglo XVIII,
con la ventaja de haber ejercido su oficio teatral
en Brasil, en la ciudad de Belén, precisamente du-
rante la crisis final del colonialismo portugués.
Con el auge del caucho el teatro de Amazonas
saltará sin ninguna preparación del campamen-
to de la iglesia a la profesionalidad burguesa. Sal-
86
ta del “Drama de la Pasión y Muerte de Nuestro
Señor Jesucristo” para “Mujeres en Profusión”. Y
como la actriz que interpretaba la Virgen en el
drama de la pasión sin duda no podía interpretar