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A AULA UNIVERSITÁRIA: DIVERSIDADE NO MODO PEDAGÓGICO DE
COREOGRAFAR
Maria das Graças Auxiliadora Fidelis Barboza (UCSAL)
fydias@hotmail.com
Resumo: O artigo aborda questões relacionadas à docência universitária buscando
analisar a prática desenvolvida por docentes dos cursos de Pedagogia, Enfermagem,
Direito e Informática em uma universidade privada no Brasil. Apresenta um recorte da
tese de doutorado em Educação cujo objetivo geral é compreender a aula não apenas na
sua dimensão epistêmica, mas, analogicamente como uma coreografia de ensino e nela
os modos como é produzida e interpretada pelos docentes. Pretende mostrar as
semelhanças e diferenças nos modos como os docentes desenvolvem suas práticas na
sala de aula. A perspectiva da coreografia é também uma via para compreender a
docência como construção que congrega as estruturas visíveis (estratégias de ensino;
formas sociais, relação docente/discentes), e a dimensão não visível (as pretensões que
orientam o fazer pedagógico dos docentes, ressignificação da sala de aula e da
docência).Trata-se de uma pesquisa qualitativa desenvolvida no período entre 2009 e
2011, cujo enquadramento teórico foi construído a partir dos estudos de Oser e
Baeriswyl (2001;2008), Altet (2000), Postic (2008) . Foram realizadas observações
diretas e entrevistas semidiretivas. Os resultados indicam que não há uniformidade ou
equivalência nas coreografias docentes apesar de haver bases comuns que os
aproximam e os identificam como professores universitários. O que diferencia as aulas
destes docentes, não são apenas os tipos de atividades que eles desenvolvem em sala de
aulas, senão, sua maneira de articulá-las, configurando a especificidade das propostas
pedagógicas de cada disciplina e a experiência com a docência, com a formação
profissional. Conclui-se que a docência universitária é feita de rupturas, continuidades e
contradição entre discurso e prática, e, embora o docente deseje uma coreografia
centrada na aprendizagem do estudante, na prática predomina a coreografia centrada no
ensino.
Palavras chave: docência universitária; coreografias de ensino; estruturas visíveis.
INTRODUÇÃO
Estudos sobre a docência no ensino superior têm sido desenvolvidos no sentido
de buscarem explicações para os processos constitutivos da práxis pedagógica, todavia,
estes não avançam na discussão sobre os processos produtores do cotidiano da sala de
aula universitária. As relações, as estruturas macro e micro sociais não são articuladas
dialeticamente nessas análises: algumas investigações consideram apenas os aspectos
externos, ou seja, situam os elos (ou nexos) causais do processo pedagógico nas
políticas educativas, na sociedade ampliada; outras fazem referência apenas aos fatores
internos, e, raros são aqueles que contemplam a aula propriamente dita, com suas
dinâmicas e processualidades, tal qual o propósito de nosso estudo.
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Partimos do pressuposto de que a aula universitária é, para além dos aspectos
didáticos e pedagógicos, um acontecimento marcado por relações e interações sociais
entre os atores que tecem o evento que, embora previsível e rotineiro, é também um
fenômeno intempestivo, impulsivo, dinâmico, móvel, atemporal, permeado de
ocorrências dignas de registro. Esses aspectos nos incitaram a adentrar nos labirintos da
aula para compreender a sua complexidade, o modo como os processos pedagógicos são
produzidos e encenados pelos docentes na aula. Isso implicou perceber que também
fazem parte do acontecimento aspectos fundantes da aula, tais como os processos
interativos/comunicativos; a performatividade do gesto; as sequências didáticas; as
temporalidades, entre outras.
Assim, recorremos a uma abordagem qualitativa com a observação direta de
situações de aula e entrevistas semidiretivas, em uma universidade privada no Brasil, no
período de 2009 a 2011. Esta comunicação apresenta um recorte da pesquisa
desenvolvida na tese de doutoramento em Educação1, cujo objetivo foi compreender a
aula não apenas na sua dimensão epistêmica, mas, analogicamente como uma
coreografia de ensino2 tal qual cunhada por Oser &Baeriswyl (2001) e nela os modos
como é produzida e interpretada pelos docentes universitários. Participou dessa pesquisa
um total de 08 docentes sendo dois de cada um desses cursos: Pedagogia (P),
Direito(D), Enfermagem(E) e Informática (I).
Ao falar em coreografia de ensino, fazemos referência à aula universitária
encenada por atores sociais, docentes e discentes por meio de uma série de elementos
comunicativos e interativos que configuram um modo de tecer o processo de ensinar e
aprender, com vistas a performance da aprendizagem. Como aporte teórico, os estudos
de Oser & Baerysyil (2001;2008); Altet (2000); Postic (1998;2008), foi fundamental
para análise dos dados recolhidos.
Nesse horizonte, foi possível apreender, pela lente da análise interpretativa, os
estilos de ensino adotados por cada um dos docentes, os conhecimentos pedagógicos
que cada um mobiliza para construir a dança didática entre o ensinar e o aprender, assim
como os fundamentos evocados para justificar suas ações. Com o propósito de
1 Ver BARBOZA, M.G.A.F. (2013). A aula universitária. Figurações das Coreografias de Ensino. Tese,
(doutorado em Educação). Universidade de Lisboa, Lisboa – PT. 2 [...] a coreografia é uma série de passos que a dança cumpre simultaneamente com dois tipos de
demandas. De um lado, o bailarino pode criar livremente no espaço disponível e mostrar todo o seu
repertório expressivo; por outro lado, o artista vê-se limitado pelos elementos que constituem a
coreografia, o ritmo, a estrutura métrica, a formação e sequência musical, etc. Oser e Baeriswil (2000)
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identificar as aproximações e distanciamentos entre as coreografias de ensino,
apresentamos uma reflexão em torno de algumas dimensões constitutivas das
coreografias de ensino, a que nos pareceram merecedoras de um espaço de síntese.
Conhecendo as coreografias dos professores: entre aproximações e
distanciamentos
Por meio das estruturas visíveis3 foi possível observar no decorrer das aulas,
gestos, sequências didáticas, relações interativas/comunicativas, rítmicas/cadências
temporais, como elementos constitutivos da coreografia de ensino, que sinalizam o
movimento didático dos professores pesquisados em busca de formas de ensinar, de
desenvolver e exercitar sua docência no ensino superior. Os docentes vão construindo
suas identidades e experiências nos contextos sócio-históricos em constantes mudanças,
numa rítmica desafiante, em função das transformações e desafios (im)postos pelas
universidades privadas, pela área de conhecimento, pela sua própria formação
profissional, pelos saberes já consolidado e por consolidar. Tudo isso traduz e reforça o
caráter de provisoriedade dos processos de ensino e aprendizagem.
Os percursos e a análise das estruturas visíveis trazem elementos importantes
para se pensar a complexidade da dança didática do ensinar e do aprender, na aula
universitária. Os modos de ação e interações pedagógicas apresentadas evidenciam que,
numa mesma aula, estão presentes várias funções didáticas: a informação, organização-
ativação e avaliação4, inscritas em relações interativas/comunicativas entre os atores
sociais.
A primeira constatação sobre os resultados alcançados foi a de que o que mais
aproxima esses docentes é o ofício da docência em uma universidade privada
comunitária. Todavia, muitos são os elementos que os diferenciam e os distanciam,
entre outros: o gênero, a idade, a formação profissional, as disciplinas lecionadas etc.
Dado que esses docentes têm uma formação profissional distinta, essas diferenças se
acentuam e se refletem na sala de aula, nos modos de ação e interações pedagógicas.
Dessa forma, algumas práticas docentes são convergentes nos elementos constitutivos e
diferem, sobretudo, na forma de ritualizar esses elementos.
3 Por estruturas visíveis estamos fazendo referência também às ações e dinâmicas desenvolvidas pelos
docentes em sala de aula: formas de apresentação dos conteúdos, metodologias, formas de avaliação, etc 4 Ver classificação de acordo com estudos de Altet (2000)
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Mesmo sem consciência disso, o docente concebe uma unidade epistêmica na
sua aula. Ele constrói sua própria epistemologia e leva sua cosmovisão, seus repertórios
para a sala de aula, como pode ser visto nas atitudes dos docentes, independentemente
da natureza do curso e/ou da disciplina. Nesse sentido, a epistemologia do professor
pode ser entendida como uma matriz de concepção de conhecimento, uma referência
que ele aciona para estar na sala de aula da qual decorrem aspectos teórico
metodológicos de que o professor lança mão em sua prática.
Assim, as aulas observadas evidenciam que não há uniformidade ou
equivalência nas coreografias dos docentes, apesar de haver bases comuns que os
aproximam e os identificam como professores universitários. Há matizes diferenciais,
por exemplo, na experiência dos professores com mais tempo no magistério e mais
idade, como é o caso da Profa. Betânia (Direito - D), do Prof. Hugo (Informática-I), da
Profa. Fábia (Pedagogia-P) e do Prof. Augusto (Enfermagem-E), cujos saberes já
consolidados na prática favorecem o saber agir em situações imprevisíveis e na tomada
de decisões.
Por seu lado, os professores com menos experiência e mais jovens, como Lucas
(Direito), Verônica (E), Eric (I) e Sandra (P), com suas singularidades e saberes, vão
transitando por caminhos novos na docência universitária, interrogando e se
interrogando a cada situação vivenciada na aula. Distintos tempos de gerações e de
gênero vão configurando uma experiência múltipla e coletiva.
Além das características pessoais de cada um, devem ser considerados, ainda,
seus propósitos, desejos, valores, sentimentos, relações interativas, modos de ser e estar
na profissão, na sala de aula. As maneiras de ser e de ensinar dos professores se cruzam
e se interpenetram de tal modo que, na maneira de eles ensinarem, se desvenda a sua
maneira de ser (Nóvoa, 2000).
Em relação aos processos interativos comunicativos
Nas aulas observadas, o modo discursivo ou transmissivo centrado no docente
predomina tanto nas aulas dos professores Lucas e Betânia (D), quanto nas aulas do
Prof. Hugo (I). Nessa perspectiva, ouvir o professor ou a professora é a raiz do modelo
para o estudante aprender. Nesse caso, o docente é responsável por regular a intensidade
e a natureza da interação pedagógica com os estudantes. Assim, as intervenções dos
professores continuam a representar a maioria das intervenções registradas nas
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sequências didáticas; por conseguinte, os docentes monopolizam a palavra, tanto nos
monólogos, como nas interações dialogadas no decorrer da aula.
Os docentes integram as contribuições dos estudantes na progressão das aulas,
mas seu discurso predomina. Trata-se de um tipo de diálogo finalizado, muito comum
no ensino clássico, no curso de Direito, em que o professor manipula as regras do jogo
por meio do discurso.
Por seu lado, os professores Augusto (E), Sandra (P) e Fábia (P) dão preferência
a uma comunicação do tipo escuta-troca e à comunicação dos estudantes interpares. As
interações provenientes dos estudantes são levadas em consideração e, particularmente
nas aulas da Profa. Fábia são prevalecentes as falas dos estudantes. Nas dinâmicas de
grupo, esta professora solicita a participação dos estudantes, estimulando os
comportamentos ativos: “Tudo que faço na sala de aula primeiro vem deles
(estudantes)... da demanda deles... (...) eu dou um atividade onde eles tenham uma
ação...”.
Os modos de ação e interações pedagógicas presentes nas aulas das duas
professoras referidas seguem passos semelhantes aos do Prof. Augusto, centrados no
aprendente, na atitude de mediação. O/As professores/as reconhecem que, no processo
de aprendizagem, os estudantes têm sua lógica, suas estruturas de pensamento, gostos,
perfis de aprendizagem que devem ser estimulados pelos professores. Assim
entendendo, esses docentes fazem uso de diferentes estratégias e linguagens que
atendam à diversidade dos estudantes da turma.
As trocas comunicativas dos professores Eric (I) e Verônica (E), pela natureza
prática das suas disciplinas, nos dão a ilusão de uma atividade dos estudantes, quando,
na realidade, os estudantes devem apenas adaptar-se às mensagens dirigidas por esses
professores e atender às propostas implícitas em seus discursos. Trata-se de um modo
discursivo cuja ação se traduz numa posição dominante do professor.
As aulas coreografadas mostraram a predominância da função didática
informação/transmissão, centrada na exposição de conteúdo ligado ao saber disciplinar,
nas aulas dos professores Lucas e Betânia (D) e do professor Hugo (I), com algumas
variações comunicativas. Enquanto o Prof. Lucas (D) adota o método interrogativo,
preferencialmente com perguntas fechadas e finalidades geralmente retóricas, a Profa.
Betânia (D) prefere a aula expositiva, com perguntas mais abertas que estimulem a
reflexão dos estudantes e os levem a expressar-se, a expor suas ideias.
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Em relação às estratégias metodológicas
Como dito, os modos de ação e interações pedagógicas aqui apresentados
evidenciam que, numa mesma aula, estão presentes várias funções didáticas:
informação, organização-ativação e avaliação e, também, relações
interativas/comunicativas(ALTET,2000) entre os atores sociais, sequências
didáticas(POSTIC,1998)5 que absorvem e criam temporalidades rítmicas, gestos,
elementos que configuram e dão tessitura a coreografia de ensino encenada pelos
docentes, compondo a performance dançante entre o ensinar aprendendo e aprender
ensinado.
Tomando como referência a maneira de ensinar dos professores Hugo (I),
Betânia e Lucas (D), deve-se indagar: o que leva um professor, diante da variedade de
recursos e de metodologias disponibilizadas no ensino superior, a optar por uma
metodologia e não por outra? A preferir a aula expositiva a outras técnicas de ensino, a
usar um recurso didático e rejeitar outros? Seria o conteúdo que não comporta outra
técnica que não seja sua transmissão? Será a crença de que os estudantes universitários
não têm maturidade? Serão experiências negativas vivenciadas pelo professor com
alguma técnica? Será a praticidade tendo em conta outros afazeres? Que saberes ele
constituiu para chegar a esse posicionamento?
Por razões e características peculiares a algumas áreas do conhecimento, pode-se
dizer que as escolhas, no caso desses docentes, em parte estão relacionadas às crenças e
orientações que cercam os cursos de Direito e Informática. Mas não há somente as
crenças; existem também os conhecimentos que o docente tem sobre o que é ensinar e
aprender no ensino superior, sobre a aprendizagem do estudante adulto, sobre seu modo
de ser e estar na docência universitária, sua postura de professor, no desenho que traça
para sua aula, na visão do estudante ideal e real e reforçam as influências de ex-
professores, de familiares, de acordo os depoimentos em suas entrevistas.
Nem todas as práticas, porém, são convergentes com as referidas. Os professores
Augusto (E) e Sandra (P) não descartam a aula expositiva, todavia demonstram romper
com a forma mais dogmática dessa técnica para dar espaço à participação do estudante,
numa perspectiva mais dialógica que convida o estudante à reflexão, na medida em que
5 De acordo Postic (1988) sequencia didática “ é um encadeamento de atos pedagógicos e de interações
entre o professor e seus alunos com vistas a alcançar uma determinada finalidade que se inscreve num
processo conjunto.
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a fala do professor se transforma de fala de informação em fala problematizadora que
instiga no estudante a curiosidade de conhecer o fenômeno para além da aparência.
Vê-se que a mesma estratégia – a aula expositiva – encenada por diversos
docentes em cursos e disciplinas distintas se apresenta de maneira diversificada. O Prof.
Augusto (E) coreografa sua aula com mais criatividade, não se limitando à transmissão
de informações; ao contrário, ele desencadeia um verdadeiro processo de aprendizagem
em que o estudante: “(...) tem que saber o porquê do fazer”. Para este professor o
“porquê” do fazer é que é a ciência. O conhecimento disciplinar e acadêmico é o
conhecimento que o professor apresenta. Assim, priorizar apenas o saber fazer no curso
de Enfermagem, para esse professor, é desenvolver apenas habilidades para uma
formação estreitamente técnica. Sua proposta é mais avançada, é trabalhar o “por que
fazer”, o “aprender a fazer” para poder re-fazer. O re-fazer tem que ter uma base teórica
de conhecimento, mas também uma visão critica desse conhecimento de sua profissão
de enfermagem, segundo o professor Augusto.
Nas observações de suas aulas, pode-se notar que o referido professor
contempla um conjunto variado de estratégias (trabalhos de grupo, trabalhos individual,
seminários) e alia diferentes saberes, conceituais, procedimentais e atitudinais, que
fundamentam o ato de ensinar no ambiente acadêmico, viabilizando uma formação
voltada não apenas a valores ligados à organização acadêmico-pedagógica e ao
significado que isso tem para os estudantes, mas, principalmente, à formação ética e
humanista necessária para a prática e desempenho profissional do/a enfermeiro/a.
Os professores Eric (I) e Verônica (E), cujas aulas acontecem no Laboratório,
sendo o primeiro no Laboratório de Informática e a segunda, no laboratório de Biologia,
mesclam a aula expositiva ao trabalho dos estudantes em dupla e individual, de acordo
com as atividades. Suas aulas seguem rigorosamente o planejamento, com vistas aos
resultados previamente determinados. Em ambas as aulas, além da função didática
informação/transmissão, observam-se a estimulação-ativação e a avaliação das
tarefas. Ao mesmo tempo em que explicam, esses docentes fazem demonstração, dão
exemplos, acompanham e monitoram os estudantes. Em suas aulas, o trabalho em
parceria é incentivado, e o colega mais avançado colabora com o outro.
O Prof. Eric(I) prioriza a resolução de problemas no computador, mas adverte:
“(...) o aluno tem que trabalhar os dois campos: um com o laboratório e o outro sem o
laboratório... ele vai trabalhar o campo que a gente chama os conceitos mais abstratos”.
Vê-se que o professor contempla em suas aulas o saber e o saber-fazer, buscando
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romper com o paradigma de que as aulas práticas estão voltadas apenas para o
desenvolvimento de habilidades técnicas.
A preocupação da Profa Verônica(E), por sua vez, volta-se para o saber-fazer,
para as habilidades na execução dos experimentos realizados no Laboratório. Tratando-
se de uma aula prática, destaca-se a forma de coreografar por meio da experimentação,
mas, também, da leitura e resolução de problemas relacionados às aulas teóricas. As
situações de trabalho no Laboratório parecem produtíveis do ponto de vista da
racionalidade técnica do saber, segundo a qual a prática profissional consiste numa
resolução de problemas baseados na aplicação de teorias e técnicas por meio de
pesquisas em laboratórios, perspectiva essa que pode explicar a tensão demonstrada por
essa professora durante as aulas
Tardif (2000) atribui à noção de saber um sentido amplo, que engloba os
conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões), as atitudes dos docentes
o que, muitas vezes, é chamado de saber, saber fazer e saber ser, saberes esses que
esses docentes buscam potencializar no dia a dia da aula, ainda que de formas distintas.
Em relação aos objetivos e avaliação da aprendizagem
Nas estruturas visíveis, a relação objetivo-avaliação é fundante no processo de
ensino aprendizagem, indicando que a discussão sobre essa relação tem grande
importância sob o ponto de vista didático-pedagógico. Todavia, só tem sentido se aquilo
que constitui o objetivo da avaliação estiver claro. Becker (1993, p. 221), ao tratar da
epistemologia do professor, expressa: “Enquanto os professores continuarem a
confundir conteúdo com técnicas, ou conhecimento com comportamento ou, ainda,
fazeres mecânicos ou automáticos com compreensão, tudo não passará de um grande
equívoco”. Acrescento que o mesmo ocorrerá enquanto não for dada a devida atenção à
relação objetivos-avaliação. Cabe ressaltar que a avaliação é orientadora e reveladora do
processo de ensino e aprendizagem. Em relação aos professores pesquisados, foi
possível perceber que a avaliação ainda é um aspecto que denota a fragilidade do
trabalho docente, assim como a falta de clareza até mesmo na formação de objetivos,
indicando necessidade de maior atenção.
Os professores Lucas e Betânia (D), Hugo e Éric (I) e Verônica (E) preferem as
provas somativas a outros modos de avaliação. Embora optem pelo mesmo tipo de
instrumento, há divergências de professor para professor. Os professores de Direito
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preferem as provas dissertativas; os de Informática e Verônica de Enfermagem preferem
as provas objetivas com resolução de problemas.
No que tange à avaliação, os depoimentos dos professores Augusto (E), Sandra e
Fábia (P) denotam nuanças de originalidade quanto à escolha dos modos de avaliar. O
professor Augusto, além de avaliar por meio de seminários, fica atento às feições como
indicativo de aprendizagem ou não do estudante. A professora Fábia avalia
processualmente cada trabalho realizado em classe, enquanto a professora Sandra,
embora use dos mesmos procedimentos adotados por esses colegas para atender ao
objetivo de sua disciplina, organizou para a avaliação final “A mostra de pôsteres”.
Além disso, esses professores usaram a heteroavaliação feita pelos estudantes
com a participação do professor, superando a avaliação centrada no professor
meramente quantitativa, feita por meio de um único instrumento, a prova escrita. Um
aspecto que aproxima a prática pedagógica dos professores Augusto e Verônica (E),
Hugo e Eric (I) é a presença do feedback nas aulas, embora o objetivo e a forma como
eles utilizem esse instrumento sejam distintos.
Os modos de usar o feedback estão ligados às correntes pedagógicas e variam de
acordo com a experiência do docente e sua personalidade (Oser & Baeriswyl, 2001).
Para os professores Fred e Hugo, o feedback serve para melhorar a autoestima e a
confiança dos estudantes no processo de construção do conhecimento; para os
professores Verônica e Eric, ele tem a função reguladora exigida pelo conhecimento
científico. Nesse caso, o estudante é orientado na direção correta, na eficiência,
precisão, evidenciando que o feedback está focalizado nas tarefas e não no aprendente,
enquanto os professores Augusto e Hugo, buscam focalizar na aprendizagem do
estudante.
Performatividade e expressividade
As coreografias encenadas por cada docente evidenciam que o posicionamento
do corpo, o gesto e o tom de voz são essenciais tanto quanto o conteúdo transmitido,
por vezes, esclarecedor do próprio discurso do professor. O ritual de criatividade, de
gestos visíveis ocorre na cena das aulas do Prof. Augusto(E), coreografadas
conjuntamente com os estudantes; ocorre na cena das aulas da Profa. Sandra(P), com
sua arte e educação, e também nas dramatizações da Profa. Fábia(P), representadas nas
“dinâmicas de grupo”. A disposição com que os docentes se movimentam na sala, ou
sua atitude mesmo quando se fixam num lugar, o tom de voz, a energia, o sorriso ou a
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seriedade enquanto expõem (professores Betânia e Eric) circunscrevem suas interações
cotidianas, configurando e particularizando a performatividade de cada docente.
O olhar dos professores por vezes é indicativo de aprovação ou desaprovação
das atitudes dos estudantes, de sua participação na aula ou até mesmo das conversas
paralelas com os colegas. Esse último comportamento é pouco tolerado principalmente
pelos professores Hugo e Eric (I) e Fábia (P). Outros usam o olhar, indicando que
queriam atenção para sua exposição, como no caso da Profa. Betânia e dos professores
Lucas (D) e Hugo (I). Isso, geralmente, ocorria nas aulas expositivas, quando o docente
parece lá “recitar um monólogo”.
Os atores sociais, na cena da aula, são capazes não somente de significar como
de ressignificar permanentemente a mensagem através da linguagem corporal. Nesse
cenário, deve-se considerar que a expressividade, por vezes, extrapola o próprio
conteúdo da aula. À rítmica e cadência temporal da aula, quando ela está no início e
quando se aproxima do fim, articulam-se a outras dimensões e espacialidades. Em
suma, a performatividade dos gestos abre possibilidades educativas pela ressignificação
do conteúdo em função da linguagem não-verbal.
Tempos e ritmos
São claras as implicações do tempo na gestão da sala de aula, como pode ser
visto nas aulas coreografadas pelos professores Fábia e Sandra(P); Lucas(D) cujas aulas
não iniciavam nem terminavam no horário previsto, evidenciando que há um tempo
ideal (instituído no calendário acadêmico) e um tempo real (instituinte). Ao mesmo
tempo em que reconhecem e asseguram cumprir o horário estabelecido pela instituição,
esses atores sociais são capazes de recriá-lo, fazendo acontecer o seu próprio tempo e as
maneiras de experienciá-lo. Os professores Augusto (E) e Eric (I), confirma o tempo
como um elemento fundante da cultura escolar e acadêmica e coloca em questão as
alterações no calendário escolar imposto pela instituição e seus desdobramentos na
qualidade do ensino.
Em suas coreografias de ensino, há diferenças quanto às representações e modos
de vivenciar o tempo, quanto aos ritmos da rotina da vida cotidiana, quanto aos
calendários e horários, quanto aos horizontes e perspectivas temporais dos atores sociais
docentes e estudantes.
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Na condição de docentes, vivemos condicionados pelos imperativos temporais
dos calendários escolar e acadêmico, que nos acompanham ao longo do ano letivo e
direcionam e determinam todos os demais tempos, inclusive o tempo de lazer. Assim,
nos ensinaram que a vida escolar é regida pelos calendários e, quanto melhor o
professor gerenciar o tempo da aula, maiores possibilidades terão os estudantes de
aprender (Puentes e Aquino, 2008). Diante dessa ideia, como não entender o controle do
tempo destinado à aula? Como desconsiderar a desmotivação e o desinteresse das
estudantes também pressionadas pelo calendário acadêmico e pela agenda de trabalho?
Como desconhecer as particularidades temporais de cada um desses atores sociais?
Observando as aulas identificamos que o tempo é um importante elemento
constitutivo da aula, seja porque os calendários determinam e quantificam sua datação e
duração, seja porque o desenvolvimento cognitivo e emocional tem seus ritmos e
temporalidades (Teixeira, 1998). De modo geral, os docentes e discentes convivem com
uma rítmica temporal diferenciada, uma vez que os ordenamentos não são absolutos,
existe imprevisibilidade, modulações que variam no transcurso dos turnos matutino,
vespertino e noturno, modificando a rítmica das atividades pedagógicas.
Considerações finais
Com o olhar voltado para as coreografias de ensino, para a teia de relações que
envolvem a aula universitária, procuramos compreender como os docentes
universitários produzem e interpretam suas práticas e como esses aspectos se
expressaram nas ações cotidianas da sala de aula.
Neste sentido, podemos dizer que as coreografias de ensino encenadas pelos
docentes atores da pesquisa, não são uniformes, que diferem de professor para
professor, de curso para curso nos modos de ação e interação, na rítmica temporal, na
performatividade dos gestos. Encontramos, por meio da análise das estruturas visíveis,
uma diversidade de estratégias pedagógicas que se realizam a partir dos modos de ação
e interações coletivas, constituídos por um conjunto heterogêneo e diverso de fazeres,
saberes e sentidos construídos e aperfeiçoados pelos sujeitos, docente e estudantes, em
suas ações cotidianas na sala de aula.
Com efeito, é uma direção que nos obriga a olhar a prática pedagógica e a aula
universitária, não mais como unidimensionais, uma ação habitual, mecânica, e rotineira,
mas como multidimensional, com ações vivas que se conjugam de múltiplas formas. Ao
mesmo tempo, entendemos que a docência universitária é feita de rupturas,
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continuidades e contradição entre discurso e prática, e, embora o docente deseje uma
coreografia centrada na aprendizagem do estudante, na prática predomina a coreografia
centrada no ensino.
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