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III CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO DO UBM
Direito, Desenvolvimento e Cidadania na América Latina
Barra Mansa, RJ, Brasil. 26, 27 e 28 de agosto de 2015 - ISSN: 1516-4071
A GLOBALIZAÇÃO COMO INFLUÊNCIA MODIFICADORA NO CONCEITO DE ENTIDADE FAMILIAR NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA
GT VI Bioética, Biodireito, Vida e Segurança.
Matheus Almeida Pereira1
Cláudia Ribeiro Pereira Nunes2
RESUMO
Esse trabalho tem por objetivo discutir as novas relações de família existentes no
mundo globalizado, principalmente a questão da poligamia e mostrar como o
ordenamento jurídico brasileiro lida quando questões desse tipo se apresentam e
que muitas vezes acabam por serem discutidas judicialmente. O embasamento
maior para a defesa dessa diversidade é a dignidade da pessoa humana, princípio
esse que rege toda e qualquer relação existente hoje no mundo, e também o
respeito à diversidade cultural, ambos que, quando unidos, garantem uma melhor
forma de resolver os litígios e de interpretar as leis existentes no país para que
esses diferentes casos não fiquem sem um amparo justo. A metodologia usada é a
revisão bibliográfica e a lei vigente no país. Busca-se com o presente trabalho,
apresentar uma forma de solucionar tais litígios sem ferir os princípios norteadores
do ordenamento jurídico brasileiro, e nem as leis propriamente ditas.
Palavras chave: Poligamia, Família, Dignidade da Pessoa Humana.
ABSTRACT
This paper aims to discuss the new existing family relationships in a globalized world,
especially the issue of polygamy and show how the legal system of Brazil deals with
it when questions of this kind appeared and many times end up being challenged in
1 Discente do curso de Direito do Centro Universitário de Barra Mansa, vinculado ao NUPED
2 Orientadora. Pesquisadora do NUPED do UBM Docente do Curso de Direito do UBM
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court. The best basis for the defense of this diversity is the dignity of the human
person, a principle that rules any relationship in the world today, and also the respect
to cultural diversity, both of them that, together, provide a better way to solve
disputes and to interpret the existing laws in the country so that these different cases
are not left without righteous protection.
Keywords: Polygamy, Family, Human Dignity.
1. INTRODUÇÃO
Um tema de grande relevância é trazido nesse trabalho, que tem por escopo
mostrar o impacto que a globalização tem culturalmente no conceito ocidental de
família, e como os ordenamentos jurídicos que não previram a possiblidade de uma
mudança no modo de se relacionar enquanto entidade familiar, tratam as situações
que se apresentam.
O estudo desse tema é de grande importância pois aborda a questão da
poligamia inserida em países que tem seus ordenamentos embasados no princípio
da monogamia, como o Brasil, e busca meios de solução desses problemas de
forma a respeitar a dignidade da pessoa humana.
O objetivo geral da pesquisa é mostrar que com o advento da globalização
não há como se limitar o conceito de família à um conceito pré-definido de uma
sociedade mais antiga e antiquada.
Os objetivos específicos se traduzem em: i) Interpretar o termo globalização
de forma geral, e dentro desse, especificar o impacto cultural que tem, e como
forças internacionais lutam pelo respeito a diversidade cultural; ii) Analisar as
mudanças que ocorrem no conceito primário de família, que rege o mundo ocidental,
frente ao advento da globalização, e trazer problemas enfrentados pelos países ao
lidar com situações, até então, estranhas, desconhecidas, que não foram reguladas
por normas; e iii) Justificar a possibilidade de existência outras formas de família
com base no respeito a crença de cada ser, respeitando o princípio da dignidade da
pessoa humana, e mostrar como o ordenamento jurídico brasileiro lida, ou lidará
com essas possíveis situações.
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A metodologia de pesquisa foi basicamente a análise bibliográfica de diversos
autores que dissertam sobre o tema supramencionado, e também a análise de
julgados recentes que trazem à tona as questões propostas na discussão do
presente artigo.
2. ASPETOS GERAIS CARACTERIZADORES DA GLOBALIZAÇÃO
A sociedade se encontra numa era digital, na qual todos querem ficar conectados
à internet. Junto a isso, temos informações vinte e quatro horas por dia, de todos os
lugares do mundo, atualizadas em segundos em função da comunicação mais rápida e
meios de transporte cada vez mais desenvolvidos.
Conforme assevera Alexandre de Freitas Barbosa:
Na virada do século XX para o XXI, por meio da televisão e da internet, temos
acesso a notícias e informações transmitidas em tempo real, ou seja, no próprio
momento em que os eventos se manifestam. Assim, podemos acompanhar de forma
quase instantânea, em vários lugares do mundo. (2001, p. 09)
Muito se deve ao desenvolvimento dos meios de transporte, que chegaram ao
ponto de pessoas poderem cruzar o planeta em horas.
Podemos, enfim, nos deslocar de um país a outro com mais facilidade. O
turismo internacional tem-se tomado uma das mais lucrativas atividades
econômicas. Em 1996, 400 milhões de pessoas cruzaram de avião as fronteiras de
seus países em viagens de negócios ou passeio. (BARBOSA, 2001, p. 09)
E com essa grande e ilimitada troca de conhecimentos, informações, e
pessoas podendo andar livres, de certa forma, pelo mundo, era de se esperar que
as sociedades viessem a se mesclar, havendo também uma troca de culturas, ou
seja, uma miscigenação cultural.
Não pode mais se falar em limitar as culturas dentro de onde surgiram, dentro
de seus países-mães, e com isso surge a grande discussão no mundo que trata do
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Respeito à Diversidade Cultural. “No contexto da globalização, o aumento das
migrações e o crescimento das cidades, os desafios conexos com a preservação da
identidade cultural e o fomento do diálogo intercultural adquirem uma nova projeção
e tornam-se mais urgentes. ” (UNESCO, 2009, p. 05)
Se por um lado essa miscigenação é positiva, por outro ela tem seus
aspectos negativos. Há no mundo, o que se pode chamar de sociedades que têm
“culturas fracas”, que são aquelas culturas que não têm grande número de
participantes e que, até por ingenuidade, podem ser extintas pela ação de outras
culturas maiores e mais “fortes”, que acabam se impondo, nem sempre de forma
coercitiva, sobre as “fracas”.
Todas as tradições vivas estão submetidas à contínua reinvenção de si
mesmas. A diversidade cultural, tal como a identidade cultural, estriba-se na
inovação, na criatividade e na receptividade a novas influências. Identidades
nacionais, religiosas, culturais e múltiplas A questão das identidades – nacionais,
culturais, religiosas, étnicas, linguísticas, baseadas no gênero ou em formas de
consumo – adquire cada vez mais importância para as pessoas e grupos que
encaram a globalização e a mudança cultural como ameaça às suas crenças e
modos de vida. (UNESCO, 2009, p. 06)
Nesse aspecto surge a necessidade de se proteger as diversas formas de
culturas existentes, o que é feito respeitando os dois eventos, a globalização e a
crença de cada povo. Deve-se incluir todos no contexto Globalizacional, porém
respeitando cada identidade cultural, não forçando a alteração, não impondo a
cultura majoritária e suprimindo as outras.
Com essas características surgem práticas criminosas que nascem desse
ódio por outras raças, como é o caso do genocídio, que significa a exterminação
sistemática de pessoas tendo como principal motivação as diferenças
de nacionalidade, raça, religião e, principalmente, diferenças étnicas. É uma prática
que visa eliminar minorias étnicas em determinada região. Maior exemplo dessa
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prática é o Holocausto, que foi o massacre de milhares de judeus nos campos de
concentração durante a II Guerra Mundial3.
Contudo, o mundo vem evoluindo intelectualmente, e se mostram mais raros
os casos em que essa prática é usada, muito se deve ao empenho de forças
internacionais que visam assegurar a dignidade da pessoa humana e o respeito a
diversidade cultural. Diversidade essa que, muitas vezes, se mostra divergente da
realidade com a qual outra sociedade está habituada, como é o caso da poligamia,
muito presente em sociedades árabes-mulçumanas.
3. O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NO CONCEITO DA FAMÍLIA NA ERA
CONTEMPORÂNEA
A família se originou antes da existência de qualquer religião ou orientação
existente hoje. Conforme afirma Paulo Nader, existiam basicamente três gêneros de
agrupamento nessa época:
No que concerne à primitiva forma de convivência humana, predomina o
entendimento segundo o qual a horda, o matriarcado e o patriarcado foram
sucessivamente, as três fases iniciais, não obstante a doutrina tradicional, fundada
em fontes bíblicas, indique o patriarcado como a primeira etapa. A horda se
caracterizaria pela vida nômade do grupo, onde imperava o regime da
promiscuidade, com os indivíduos se dedicando à caça e à pesca e sem regras
predeterminadas de convivência. Abandonando o nomadismo, os homens passaram
a trabalhar na agricultura, originando-se a fase do matriarcado, pela qual o
parentesco se definia pela mulher e já não se adotavam práticas promíscuas. Foi
Bachofen, em 1961, em seu livro Matriarcado, quem apresentou estudo sistemático
sobre a etapa. Na observação de Del Vecchio, com o matriarcado, a mulher não
assumiu a hegemonia política, mas apenas a condição de centro da família pela
designação do parentesco. Em fase histórica subsequente o homem assumiu a
3Segunda Guerra Mundial foi um conflito militar global que durou de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das
nações do mundo — incluindo todas as grandes potências.
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chefia da família e passou a ser o elemento de referência na definição do
parentesco. Era o patriarcado. (NADER, 2007, p. 92)
Na sociedade atual, como visto, o conceito de família varia. Na sociedade
brasileira, ela é composta, regra geral, por Homem (Pai), Mulher (Mãe), e filhos, e
muito dessa estrutura se deve ao cristianismo, religião essa que foi base da criação
dos princípios e orientações da nossa sociedade. Paulo Roberto Ceccarelli adverte
que, no decorrer da História, “os valores morais sobre os quais se alicerçaram a
cultura cristã converteram-se nas premissas de toda a cultura do mundo ocidental,
constituindo os ideais do que se passou a denominar civilização judaico-cristã
ocidental” (CECCARELLI apud. AZEREDO, 2009, p.24). Conclui-se então, que a
união deve ser feita entre um homem e uma mulher analisando trechos da própria
bíblia, como no Livro de Gênesis:
Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem
e mulher os criou. Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos;
enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e
sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra. ”(Gn 1:27-28); "Portanto
deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão uma só
carne. (Gn 2:24)
Esse modelo tríplice de família difere do de outras sociedades que se
basearam em outras religiões, como aquelas que tem o Alcorão como orientação.
Esse livro permitiu a poligamia, todavia, não sem restrições:
Se vós temeis não serdes capazes de conviver justamente com os órfãos,
casai com mulheres de sua escolha, 2 ou 3 ou 4 vezes; mas se temerdes que que
não sereis capazes de conviver juntamente com elas, então casai somente com uma
(4:13).
Logo, nota-se que o Alcorão permite a união até com 4 esposas, sob a
condição delas serem tratadas igualmente.
Os dois trechos citados mostram os maiores exemplos de famílias existentes
nas sociedades, não excluindo o fato de existirem outras sociedades onde só se
aceitam casamentos entre um homem e uma mulher, ou outras, onde o homem
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pode se casar com mais de quatro mulheres. Mas em termos gerais, o que é a
Poligamia?
Poligamia4 é o oposto de monogamia, e consiste no casamento com mais de
uma pessoa, onde o homem tem mais de uma mulher ao mesmo tempo, ou até
mesmo, sendo menos comum, onde a mulher tem mais de um
marido simultaneamente. Poligamia é um termo de origem grega, que significa
muitos casamentos. Quando o homem possui várias mulheres, é chamado de
poligamia, mas também existe a poligamia onde a mulher é casada com vários
homens, e nesse caso, muito menos comum, e é chamado de poliandria (é mais
frequente em sociedades matrilineares). (SIGNIFICADOS ONLINE, 2015, s/p)
A poligamia não se confunde com ter amantes, essa é uma situação de
adultério, e existe quando um indivíduo possui outro relacionamento sem que um
dos parceiros saiba. Já no sistema poligâmico todos os envolvidos sabem situação,
que é, inclusive, permitida por algumas religiões e até mesmo pela legislação de
alguns países.
Nesse sentido deve-se ressaltar que a bigamia está inserida no conceito de
poligamia, pois diferente dessa, traduz-se em adquirir matrimônio com apenas duas
pessoas, e não mais. No ordenamento jurídico brasileiro bigamia é o nomen juris5 de
um tipo penal.
4. A POLIGAMIA INTERPRETADA NO FUNDAMENTO DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Princípio da
dignidade da pessoa humana deve ser observado ao se tratar de qualquer assunto
jurídico no mundo atual, desde os contratos até o assunto em questão, a poligamia.
A dignidade da pessoa humana é uma qualidade originária, inseparável de
cada ser humano, é a característica que o define como ser. Concepção que
4Po.li.ga.mi.a - s.f. união conjugal de um indivíduo com mais de um cônjuge simultaneamente: A poligamia não
é permitida na grande maioria dos países. ” (CEGALLA, 2005, p. 678) 5Nomen Juris, latim. Traduz-se para português como “Nome Jurídico”.
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independe de qualquer particularidade e existe somente em razão de ser um
humano, uma pessoa. Os direitos que nascem com ela devem ser respeitados por
todos, Estado e semelhantes.
A ausência de dignidade possibilita a identificação do ser humano como
instrumento, coisa – pois viola uma característica própria e delineadora da própria
natureza humana. Todo ato que promova o aviltamento da dignidade atinge o cerne
da condição humana, promove a desqualificação do ser humano e fere também o
princípio da igualdade, posto que é inconcebível a existência de maior dignidade em
uns do que em outros. (DUARTE, 2008, p. 15-16)
Vale ressaltar que enquanto direito fundamental, mesmo que não positivada,
a dignidade da pessoa humana ainda existe, e deve ser respeitada. Conforme nos
orienta José Afonso da Silva: “A dignidade da pessoa humana não é uma criação
constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda
experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. ” (1998, p.84-94)
Frente ao princípio da dignidade da pessoa humana, existe o princípio da
monogamia, que rege a grande maioria dos ordenamentos jurídicos dos países
ocidentais, sendo a bigamia (forma equiparada da poligamia), muitas vezes,
considerada ato ilícito. O princípio da monogamia é aquele que da base para
inúmeras previsões dentro dos diversos ordenamentos jurídicos, principalmente
dentro da esfera Civil, que tem diversas normas voltadas para o casamento entre,
apenas, um homem e uma mulher. Sendo assim, a possibilidade de se contrair
diversos matrimônios por parte de uma pessoa causaria grande confusão na
legislação, tendo essa que ser novamente interpretada e/ou modificada sob a luz da
situação que se inseriria na sociedade.
Com base nesses dois princípios, o que fazer quando entram em conflito?
Esse é o problema acerca da discussão do múltiplo casamento. Temos três pontos
importantes que são recorrentes nas discussões acerca desse tema.
O primeiro é o direito da pessoa de exercer sua crença, que é fortemente
contrariada quando um país, num mundo globalizado, veda a possibilidade de
existência jurídica da poligamia à um árabe com 4 esposas, por exemplo.
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Quando se pensa no mundo atual, “sem fronteiras”, não a como se pensar em
vedar comportamento consolidado em outra cultura, pois os países já não têm a sua
população resumida aos que ali cresceram, aprenderam, e se desenvolveram.
E com o advento da Globalização nasce o outro ponto de discussão. O que
acontece quando alguém de uma sociedade poligâmica, com inúmeros matrimônios
já adquiridos estabelece residência num país monogâmico, e que até considera
infração penal o ato da poligamia? E quando morrer, só a primeira esposa terá
direito sobre os bens da sucessão?
Essas perguntas não podem ser respondidas de forma precisa, pois a forma
de cada ordenamento de lidar com essas situações pode variar, podendo um país
mesmo considerando o ato ilegal, deixar passar por despercebido, e outro país
condenar veemente o ato e puni-lo.
E por um último ponto, que é defendido por aqueles que lutam pelo direito da
mulher é que a dignidade da pessoa humana é ferida quando nessa sociedade as
mulheres são tratadas como objetos. Porém é importante salientar que elas foram
criadas naquela base cultural, e na maioria das vezes, por entendimento próprio
delas essa pratica e comum e não fere nenhum princípio moral ou ético. E diz ainda
o entendimento da religião mulçumana que a poligamia visa proteger a mulher,
assegurando assim, ainda mais, sua dignidade, e não a ferindo.
Na verdade, a poligamia no islã protege a mulher, quando dá ao marido
insatisfeito a opção de casar-se com outra sem desamparar a primeira, também em
lugares onde o número de mulheres é mais elevado do que o de homens a
poligamia evita que muitas mulheres fiquem solteiras o que poderia acarretar em
aumento da prostituição. Também protege as mulheres de idade avançada e que
perderam o desejo sexual, estas permanecem amparadas por seus maridos
enquanto eles podem satisfazer seus desejos sexuais de forma lícita com outra
esposa. (MOHAMAD, 2002, p. 8-12)
Além dessas hipóteses apresentadas, existem ainda aqueles que falam dos
benefícios acerca do bem-estar social, onde em sociedades que têm número de
mulheres maior do que o número de homens, a poligamia atenderia a necessidade
de todos, não deixando mulheres “desamparadas”, evitando assim a prostituição, a
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traição, e até o infanticídio feminino, este último sendo prática comum em diversas
sociedades. (AMAIVOS, 2015, s/p)
4.1. QUESTÕES JURÍDICAS A LUZ DO DIREITO BRASILEIRO QUE
NÃO AS LEGALIZOU
Antes de se falar no ordenamento por si só, deve-se analisar a sociedade,
pois o ordenamento é reflexo desta, e não o contrário. Por mais que não pareça, a
sociedade brasileira é conservadora, e repudia veemente essas novas formas de
organização social e muitas vezes são contra as diferenças que se impõem no
mundo contemporâneo. Conforme afirma o Jornalista Carlos Ramalhete:
O dado mais importante dentre os divulgados pelo IBGE acerca do Censo
de 2010 está nas entrelinhas: é o conservadorismo do povo brasileiro [...]
Esta maioria esmagadora de conservadores, contudo, está se elevando
socialmente com a criação de uma nova classe média. A classe média
tradicional, cujos filhos abandonaram os valores da sociedade ocidental e
compõem quase exclusivamente a minoria ateia, encontra-se assediada por
conservadores, oriundos das classes mais baixas. ” (GAZETA DO POVO
ONLINE, 2012, s/p)
Prova do crescente conservadorismo brasileiro também se mostra na
formação do congresso nacional, onde nas últimas eleições, parlamentares
conservadores se tornaram maioria.
O aumento de militares, religiosos, ruralistas e outros segmentos mais
identificados com o conservadorismo refletem esse novo status – O novo congresso
é, seguramente, o mais conservador do período pós-1964, segundo o diretor do
DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar -, Antônio Augusto
Queiroz. (ESTADÃO POLÍTICA, 2014, s/p)
Retornando com a ideia do ordenamento jurídico brasileiro, que apesar de
conservador, deve legislar sobre condições que se apresentam na sociedade, de
forma a assegurar que aquilo que, mesmo não sendo aceitável, seja amparado
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legalmente de certa forma. Em razão disso, aceita outras formas de união que não
sejam civis, como o concubinato.
Assim, o direito penal fere no artigo 235 de seu código, o princípio da
isonomia, quando ele trata de forma desigual ao punir mais de um casamento no
civil e não punir nas outras formas de uniões. Atinge também o princípio da
dignidade da pessoa humana, já que a família cumpre modernamente um papel
funcionalizado, devendo, efetivamente, servir como um ambiente propício para a
promoção da dignidade e a realização da personalidade de seus membros,
integrando sentimentos, esperanças, valores, servindo como alicerce fundamental
para alcance da felicidade. A família existe em razão de seus componentes e não
estes em função dela, por isto não se deve punir os seus integrantes em função
desta. (DIZARÓ, 2012, s/p).
Com relação à poligamia, se for interpretada pela Constituição de República
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), pode ser admitida por base a dignidade da
pessoa humana, que está prevista em seu artigo 1º, inciso III.
Outro problema acerca da poligamia se refere à previdência social (INSS),
que em caso de falecimento do cônjuge, a esposa tem direito à pensão do marido
caso esse fosse segurado. O entendimento encontrado na jurisprudência e na
doutrina são em relação a concubina6, e não se disserta sobre o caso da poligamia.
A respeito do concubinato, Maria Berenice Dias diz que se ficar comprovado que
houve duas uniões paralelas, um casamento e uma união estável, a pensão deve
ser dividida. “Essa é uma realidade, há homens que têm duas famílias”. Ela ressalta
que a união estável gera direitos e obrigações, e um deles é a pensão.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 397.762-8. BAHIA. APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO DE EX-COMPANHEIRA. DIREITO AO RECEBIMENTO, AINDA QUE CASADO FOSSE O DE CUJUS. Na inteligência da regra do art. 226, parágrafo 3º, da Constituição, tem a companheira direito à pensão, uma vez demonstrada a união estável, ainda que se trate de união paralela com a de um casamento em vigor. Apelo provido. Decisão unânime. (JUSBRASIL ONLINE, 2008, s/p)
6Acontece quando uma mulher passa a viver com um homem, em caráter duradouro, como se fossem marido e
mulher, presumivelmente sob o mesmo teto. Concubina e Amante, para muitos, são sinônimos. Na
jurisprudência brasileira se encontra este conceito.
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Ao analisar o trecho supracitado, percebe-se que o entendimento acerca da
pensão por parte da previdência social difere da norma prevista no código civil, que
não admite união estável paralela ao casamento. A possibilidade dessa
interpretação se dá pelo fato de no Direito Previdenciário, a dignidade da pessoa
humana ser elevada, e um dos princípios da concessão do benefício é a
dependência econômica do falecido, claramente mostrada quando esse matinha e
sustentava duas famílias. Ressalva existe quando o STF tem entendimento diverso
desse apresentado. Em casos específicos há necessidade de verificar e real relação
do falecido com a concubina e a esposa. Tudo dependerá do caso concreto.
PREVIDENCIÁRIO E CIVIL. PENSÃO POR MORTE. BIGAMIA. CÔNJUGE DE BOA-FÉ. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA 1. A ESPOSA QUE DE BOA-FÉ CONTRAIU MATRIMÔNIO COM QUEM JÁ ERA CASADO TEM DIREITO A PERCEBER METADE DA PENSÂO, SEM NECESSIDADE DE COMPROVAR A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PARA COM O DE CUJUS. (JUSBRASIL ONLINE, 1998, s/p)
Por analogia entende-se que se essa forma de família paralela é beneficiada,
logo, dentro de uma família poligâmica fica evidenciado de forma mais clara ainda
que as esposas dependiam economicamente do marido, independente da estrutura
familiar que tinham, tendo todas direito. Um fato importante é o que o número de
muçulmanos no Brasil cresceu 29,1% de 2000 a 2010, segundo o último Censo
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A comunidade
passou de 27.239 pessoas para 35.167, e é nessa religião que a poligamia sem
mostra mais comum, daí a necessidade de regular tais práticas. (ROCHA, 2012, s/p)
A família poligâmica se diferencia da família paralela, pois nessa há a
existência de diversas uniões praticadas pelo mesmo individuo, não uma só com
várias pessoas.
Um caso que ficou muito conhecido no Brasil, é o que envolve um homem
com duas mulheres em uma união poliafetiva (poligâmica), na cidade de Tupã (SP).
Estes resolveram fazer uma escritura pública declaratória de união poliafetiva em
cartório (Escritura lavrada em 13/02/2012), pois já viviam juntos na mesma casa há
três anos. Acabou por ser considerada nula e inexistente. E também um desrespeito
à moral e os bons costumes.
Maria Berenice Dias em sua obra esclarece que:
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Negar a existência de famílias poliafetivas como entidade familiar é simplesmente impor a exclusão de todos os direitos no âmbito do direito das famílias e sucessórios. Pelo jeito, nenhum de seus integrantes poderia receber alimentos, herdar, ter participação sobre os bens adquiridos em comum. Nem seria sequer possível invocar o direito societário com o reconhecimento de uma sociedade de fato, partilhando-se os bens adquiridos na sua constância, mediante a prova da participação efetiva na constituição do acervo patrimonial. (DIAS, 2013, p.54)
Nos dias de hoje, as famílias tendem a buscar cada vez mais uma nova forma
de encontrar a felicidade, fundada no afeto.
5. CONCLUSÃO
Com todos os argumentos apresentados, e as questões expostas, percebe-se
que, no mundo contemporâneo, é praticamente impossível se falar em isolar uma
cultura, pois com o advento da globalização a troca de conhecimentos, experiências,
informações, etc. não é cerceável.
A poligamia deve ser aceita como parte da cultura global, e os ordenamentos
jurídicos de diversos países, inclusive o Brasil, devem se empenhar em, de alguma
forma, regular essas situações. Deve-se ter em mente que não é porque se criará
uma norma a respeito desse tema que as pessoas vão começar a praticar a
poligamia e deixar suas crenças de lado.
De fato, como mencionado no decorrer do texto, a sociedade brasileira é
conservadora e isso não mudará. Se uma mudança ocorrer quanto a classificação
jurídica de entidade familiar, a única coisa que resultará é que em raros casos de
brasileiros vivem em poligamia poderão ter direitos garantidos, sem precisar acionar
o judiciário, respeitando o princípio de ultimaratio desse.
O foco principal de uma regulamentação desse tipo é harmonizar a vida de
pessoas que realmente vivem nessas culturas, muitas vezes árabes-mulçumanos
que aqui residem, e população essa que só vem crescendo nos últimos anos.
Porém, enquanto inexiste legislação própria afim de regular tais situações e
tendo e vista a grande dificuldade que existe acerca da consideração ou não da
família poligâmica, uma saída mais fácil e acessível ao poligâmico que reside no
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Brasil seria deixar em testamento a divisão de seus bens para suas esposas,
respeitando os requisitos e as hipóteses previstas em lei.
Como mostrado, nos casos em que o judiciário é acionado, os tribunais já têm
pendido para o lado de dividir a pensão, por exemplo, em casos de concubinato, e
nada impede que em casos futuros ele possa decidir com base na dignidade da
pessoa humana e dividir, além da pensão, os bens do homem falecido entre as
esposas, uma vez que configurada a poligamia.
Temos o judiciário como a primeira instância onde as questões não prevista
em lei são discutidas, e posteriormente o legislativo vem para regular tais situações,
pois a lei é o reflexo da sociedade. Tendo em vista essa configuração, não existem
empecilhos para que posteriormente a poligamia seja considerada legal, uma vez
que os tribunais, se seguirem esse entendimento que tem hoje sobre o concubinato,
e terem por base a dignidade da pessoa humana, não encontraram obstáculos para
darem os direitos que são garantidos às esposas de um mesmo marido.
Muito ainda tem que ser debatido a respeito desse tema, pois a aceitação do
novo, do diferente, é algo difícil, pois uma coisa com a qual as pessoas não estão
acostumadas gera estranheza e dúvida, muitas vezes acompanhada do medo. O
primeiro passo deve partir dos nossos legisladores, para que assim a sociedade
enxergue essa nova cultura de forma melhor, e se sintam mais seguros ao
perceberem que apesar de estranha, a situação está regulada pelo governo.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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