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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO DA TEORIA DO PROCESSO E TUTELA DOS
DIREITOS
ANTONIO JORGE SANTOS OLIVEIRA
ACESSO À JUSTIÇA DOS PARTICULARES NO MERCOSUL
Salvador 2015
ANTONIO JORGE SANTOS OLIVEIRA
ACESSO À JUSTIÇA DOS PARTICULARES NO MERCOSUL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Wilson Alves de Souza.
Salvador 2015
ANTONIO JORGE SANTOS OLIVEIRA
ACESSO À JUSTIÇA DOS PARTICULARES NO MERCOSUL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito e aprovada pela seguinte banca examinadora:
_____________________________________ Wilson Alves de Souza (Orientador) Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino _____________________________________ Saulo José Bahia Casali Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. _____________________________________ Vallisney de Souza Oliveira Doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Salvador, ___ de ________________ de 2015.
AGRADECIMENTOS
Apesar da caminhada/corrida ser um esporte individual, a caminhada da vida deve ser feita, primordialmente, acompanhado de pessoas que, de mãos dadas, às vezes lhe impulsionam, outras vezes são impulsionadas por você. E a caminhada até obter este título de mestre não poderia ser diferente. Nela tentei ser a mola propulsora de algumas pessoas que cambaleavam pela estrada, mas, principalmente, fui acolhido por outras tantas, a quem divido o fruto desse trabalho. Dessa forma, agradeço, em primeiro lugar, a Deus e ao meu glorioso São Jorge, que cuidaram de me mostrar como seria boa, mesmo que árdua a caminhada. Colocaram os obstáculos em tamanhos exatos para eu crescer, mas também me retribuíram com suas proteções, quando precisava. Aos meus pais, Antonio Luiz e Celeste (in memoriam), por serem a semente de tudo. A minha mãe-avó Amenaide (in memoriam) pelos ensinamentos de que a fé na vida é fundamental para a vitória e a minha avó Arlinda (in memoriam), exemplo de guerreira. Às minhas dindas-mães, Diana, Sidália e Gracinha, pela tamanha dedicação, generosidade e zelo para comigo. Aos meus irmãos Dica, Gabi, Del, Juan e Cacá por estarem sempre ao meu lado, mesmo nos momentos mais difíceis. Aos meus familiares, pelo incentivo constante e por cada gesto de companheirismo nos momentos de desânimo. Agradeço especialmente a quatro pessoas que estiveram ao meu lado nessa caminhada e participaram ativamente desde o êxito na seleção do programa de pós-graduação até a produção final da dissertação: Walter, meu sócio, amigo e confidente, pelos conselhos milimétricos, a Valnei e a Lucas pelo eterno incentivo de não parar e por que não, pelo apoio técnico e a Alba pela força nas derrotas e alegria dobrada na vitória. Esse momento também é de vocês. Sou grato ao meu orientador, o Prof. Wilson, que me acompanha desde os tempos da graduação, e no mestrado me acolheu de braços abertos. Agradeço também pelo zelo e rigor em suas orientações, sempre com o fito de enriquecer o meu texto. Por fim, agradeço aos meus eternos amigos, professores e colaboradores que sem a ajuda de vocês nada disso teria acontecido. Sintam-se todos abraçados calorosamente.
A fé na vitória tem que ser inabalável.
O Rappa.
RESUMO
Com as mudanças trazidas pela globalização mundial, os países necessitaram se unir para o desenvolvimento da suas economias, realizando uma série de movimentos integracionistas. Igualmente nos campos sociais e econômicos, o Direito também sofreu consequências do fenômeno da globalização, passando este para um estágio do direito comunitário. Porém, para que se alcançasse tal patamar, foi necessário o desenvolvimento de organismos supranacionais, como ocorreu na União Europeia, com a criação do Tribunal de Justiça Europeu. No presente trabalho, atesta-se ainda a necessidade de, mesmo com as mudanças ocorridas, os direitos fundamentais do homem devem ser preservados, em especial o princípio do acesso à justiça. Já no âmbito do MERCOSUL, faz-se uma crítica ao modelo de mecanismos de solução de controvérsias, demonstrando a mitigação do princípio do acesso à justiça no atual sistema e defendendo uma evolução neste, principalmente no que se refere aos particulares integrantes dos Estados-membros do Mercosul, para que estes possam ter o direito fundamental do acesso à justiça efetivado no âmbito da comunidade internacional. Propõe-se a criação de um Tribunal de Justiça Supranacional, nos moldes do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, sendo respeitadas as suas devidas culturas e tradições. Palavras-chave: Globalização. Direito Comunitário. Princípio do Acesso à Justiça. Particulares. Mercosul. Tribunal de Justiça Supranacional.
ABSTRACT
With the changes brought about by the globalization, countries needed to unite for the development of their economies, performing a series of integrationist movements. Also in social and economic fields, the law also suffered the consequences of globalization phenomenon, passing this to a stage of Community law. However, in order to reach such a level, the development of supranational bodies was necessary, as occurred in the European Union, with the creation of the European Court of Justice. In this study, still attests up the need, even with the changes taking place, the fundamental human rights must be preserved, in particular the principle of access to justice. In the framework of MERCOSUR, a critique of the model of dispute settlement mechanisms is made, showing the mitigation of the principle of access to justice in the current system and advocating a change in this, especially with regard to particular members of the Member States Mercosur, so that they can have the basic right of access to justice effected in the international community. It is proposed the creation of a Court of Supranational Justice, along the lines of the European Community Court of Justice, and respected their due cultures and traditions. Keywords: Globalization. Community Law. Principle of Access to Justice. Private. Mercosur. Court Supranational.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
a.C antes de Cristo
CE Comunidade Europeia
CECA Comunidade Europeia do Carvão e Aço
CEEC Comunidade Econômica Eurasiática
CF Constituição Federal
CMC Conselho Mercado Comum
CPC Código de Processo Civil
DUDH Declaração Universal dos Direitos do Homem
d.C depois de Cristo
EC Emenda Constitucional
EURATOM Comunidade Europeia de Energia Atômica
GMC Grupo Mercado Comum
HC Habeas Corpus
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
NAFTA Tratado Norte-Americano de Livre Comércio
RE Recurso Extraordinário
STF Supremo Tribunal Federal
TA Tratado de Assunção
TEDH Tratado Europeu de Direitos do Homem
TFUE Tratado sobre Funcionamento da União Europeia
TJ Tribunal de Justiça
TJUE Tribunal de Justiça da União Europeia
TJCE
EU
Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias
União Europeia
TPI Tribunal de Primeira Instância
TPR Tribunal Permanente de Revisão
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 11
2 O ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL 14
2.1 ORIGEM DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA 14 2.1.1 Criação do Estado Liberal e dos direitos de primeira geração 19
2.1.2 Criação do Estado Social e dos direitos de segunda geração 22
2.2 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO
FUNDAMENTAL DE SEGUNDA GERAÇÃO 25
2.3 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS DE 1948 27
2.3.1 O contexto histórico da Declaração Universal dos Direitos
Humanos 28
2.3.2 Os principais princípios de direitos humanos na Declaração de 1948 29
2.4 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO 30 3 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO
INTERNACIONAL E NO DIREITO COMUNITÁRIO 44
3.1 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO INTERNACIONAL 45
3.2 O ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO COMUNITÁRIO 47
3.3 O TRIBUNAL EUROPEU 48
3.3.1 A posição do Tribunal de Justiça Europeu na estrutura
institucional da comunidade 51
3.3.2 A composição e o funcionamento do Tribunal de Justiça Europeu 54
3.3.3 A competência do Tribunal de Justiça Europeu 56
3.3.3.1 Competência voluntária ou não-contenciosa 57
3.3.3.2 Competência contenciosa 58
3.3.3.2.1 Competência resultante dos Tratados 58 3.3.3.2.2 Competência não resultante dos Tratados 61 4 ENTRAVES JURÍDICOS PARA A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL
SUPRANACIONAL E A ELEVAÇÃO DO MERCOSUL A CATEGORIA DE COMUNIDADE INTERNACIONAL 64
4.1 O CONTEXTO ATUAL 64
4.2 A GLOBALIZAÇÃO E A CRIAÇÃO DOS BLOCOS
ECONÔMICOS 66
4.3 NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL 69
4.4 CONFLITOS ENTRE NORMAS DE DIREITO INTERNO E DIREITO INTERNACIONAL 70
4.4.1 Teoria dualista 71
4.4.2 Teoria monista 74
4.4.2.1 Teoria monista internacionalista 76
4.4.2.2 Teoria monista nacionalista 78
4.4.3 Críticas às teorias monista e dualista 79
4.5 A POSIÇÃO ADOTADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 80
4.5.1 Tratados de Direitos Humanos e submissão jurisdicional de
um Tribunal Internacional 85 5 O SISTEMA DE SOLUÇÕES DE CONTROVÉRSIAS
NO MERCOSUL 89
5.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA 89
5.1.1 Origem do MERCOSUL 89
5.2 O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DO MERCOSUL 93
5.2.1 A estrutura institucional do MERCOSUL 93 5.2.1.1 Do Conselho do Mercado Comum 93
5.2.1.2 Do Grupo Mercado Comum 94
5.2.1.3 Da Comissão de Comércio do MERCOSUL 95
5.2.1.4 Da Comissão Parlamentar Conjunta 96
5.2.1.5 Do Foro Consultivo Econômico-Social 96 5.2.1.6 Secretaria Administrativa do MERCOSUL 97
5.2.2 A evolução dos mecanismos de solução de controvérsias 97
5.2.2.1 Anexo III do Tratado de Assunção 98
5.2.2.2 O Protocolo de Brasília 99
5.2.2.3 O Protocolo de Ouro Preto 101
5.2.2.4 O Protocolo de Olivos 102
5.3 CRÍTICAS ÀS BARREIRAS AO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA
NO MERCOSUL NO SEU ATUAL SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIA 106
5.4 A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUPRANACIONAL NO
MERCOSUL 110
6 CONCLUSÃO 117
REFERÊNCIAS 123
11
1 INTRODUÇÃO
Com o surgimento e consolidação do fenômeno da globalização, em especial
no final do século XX, foi necessário que os países se enquadrassem nesta nova
estrutura de produção, incluindo na sua agenda um novo padrão industrial e
tecnológico. Acresce-se a isso, a formação de megablocos econômicos e a
tendência de regionalização do comércio, com a influência direta do fluxo de capital,
bens e serviços.
Dessa forma, com o fito de se fortalecer economicamente, os países vêm se
unindo para que possam se lançar em mais mercados, bem como aumentar a sua
influência e participação no comércio mundial.
Assim, a formação dos blocos econômicos também permite otimizar a própria
economia de cada um dos Estado-partes. Neste último caso, ao se associarem em
entes de integração, os Estados garantem o aumento de mercado para as suas
indústrias, o que permite um acréscimo no ganho em termos absolutos e fazendo
nascer o ganho em escala, impróprio diante de pequenos grupos consumidores.1
Neste contexto histórico surge o MERCOSUL – Mercado Comum do Sul, no
ano de 1991, com intuito de produzir uma livre zona de comércio entre os países do
cone sul, inicialmente com a participação de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, e
mais recentemente com a entrada da Venezuela2.
O MERCOSUL surgiu como um ambicioso projeto de criar em pouco tempo
um Mercado Comum com a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos,
eliminação de fatores alfandegários e restrições não tarifárias, estabelecimento de
uma tarifa externa comum, adoção de uma política comercial única em relação a
terceiros Estados, coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os
Estado-partes e compromisso dos Estados de harmonizar suas legislações.3
Em função desses conjuntos de situações, a existência de conflitos entre os
homens é inevitável4, ainda mais pela diversidade histórica, social e cultural dos
Estados-partes. Assim, em que pese as vantagens adquiridas com a elaboração
1 BAHIA, Saulo José Casali. A efetividade dos direitos fundamentais no Mercosul e na União Européia. Salvador: Paginae, 2010. p. 529.
2 A adesão da Venezuela ao bloco ocorreu após a reunião de Cúpula Extraordinária do Mercosul, em Brasília, no dia 31/07/2012.
3 Artigo 1º do Tratado de Assunção. 4 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça.Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 21.
12
deste bloco econômico, esta também criou diversos conflitos, em especial
ocasionados pelos diferentes costumes e, principalmente, por legislações nacionais
que não estavam preparadas para se amoldarem a esta nova concepção mundial.
Em que pese tais dificuldades legislativas para se alcançar a real integração
do bloco, não apenas de forma interestatal5, mas para se chegar a forma
supranacional, necessário se adotar medidas para a incorporação dos novos tempos
aos direitos internos, tendo sempre como base os direitos fundamentais.
Esta passagem do modelo interestatal para o modelo supranacional é de
suma importância para a consolidação do MERCOSUL, uma vez que se passaria
para o modelo de direito comunitário, deixando de ser apenas um bloco com
finalidades meramente econômicas, para realmente se tornar uma entidade
supranacional, de interesses múltiplos.
Neste ponto há de se destacar a obrigação dos Estados-partes em
oportunizar a participação popular neste novo conceito de comunidade, incluindo
demandas públicas sociais na pauta de integração regional, bem como criar
mecanismos para que nasça e sejam protegidos os direitos dos cidadãos
mercosulinos.
Surge, daí, a necessidade de refletir-se sobre a criação de organismos para
que haja uma legislação comum em relação aos Estados nacionais, além da
obrigatoriedade de um tribunal de natureza supranacional no bloco, que garanta a
efetividade do direito surgido no seu âmbito, garantindo o acesso à justiça
comunitária pelos cidadãos participantes desse processo.
Ademais, no âmbito do MERCOSUL não há efetiva intenção, pelo menos em
curto prazo, de se criarem órgãos regionais, como um Parlamento autônomo ou um
Tribunal do MERCOSUL, para os quais a comunidade jurídica está mais afeita,
5 Este termo é utilizado por Saulo Casali Bahia, afirmando para tanto que “desde o início, segue o Mercosul um modelo de integração pouco arrojado. Ao invés de seguir o modelo supranacional (exemplo europeu atual), preferiu seguir o modelo interestatal. Quando o momento previsto no tratado de criação (Tratado de Assunção, 1991) chegou, ao final do período de transição, para a definição da estrutura definitiva do Mercosul, não se fez com o Protocolo de Ouro Preto (dezembro, 1994), o rompimento com o modelo interestatal. Neste último tratado continuou a ser dito que `as decisões dos órgãos do Mercosul devem ser adotadas pelo consentimento e com a presença de todos os estados membros`”. BAHIA, Saulo José Casali. A efetividade dos direitos fundamentais no Mercosul e na União Européia. Salvador: Paginae, 2010. p. 531.
13
muito embora a transposição dessas instituições do espaço nacional para
transnacional não seja tão simples quanto se pareça.6
É justamente neste contexto histórico, político e econômico que se defende
neste estudo a criação de um mecanismo que efetive a cidadania dos habitantes dos
Estados-partes no que tange ao acesso à justiça.
6 RODRIGUES, Geisa de Assis. Anotações sobre o acesso à justiça das demandas
individuais e coletivas no Mercosul. In: BAHIA, Saulo José Casali (Coord.). A efetividade dos direitos fundamentais no Mercosul e na União Européia. Salvador: Paginae, 2010. p. 280.
14
2 O ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL
2.1 ORIGEM DO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA
Igualmente ao próprio Direito, é tarefa árdua e, por demais, discutida quando
o princípio do acesso à justiça passou a existir e, por conseguinte, fazer parte da
vida dos cidadãos em relação à resolução dos conflitos.
Na longa trajetória histórica demarcada para o estudo das instituições
jurídicas, chama atenção para o fato de que o Direito nas sociedades primitivas não
era escrito e encontrava-se profundamente dominado pelas práticas religiosas. Além
disso, as regras primitivas de controle social não se reduziam tão somente à lei
criminal, pois já existiam regras de Direito Civil, consensualmente aceitas,
respeitadas e motivadas por necessidades sociais. Em conseqüência, as regras
legais não foram exercidas de forma arbitrária, mas resultantes do acordo recíproco
entre seus integrantes.
Pode-se atestar algumas características do direito nas sociedades arcaicas.
Primeiramente, o direito primitivo não era legislado, as populações não conheciam a
escritura formal e suas regras de regulamentação mantinham-se e conservavam-se
pela tradição. Um segundo fator de conhecimento é que cada organização social
possuía um direito único, que não se confundia com o de outras formas de
associação. Cada comunidade tinha suas próprias regras, vivendo com autonomia e
tendo pouco contato com outros povos, a não ser em condições de beligerância. Um
terceiro aspecto a considerar é a diversidade dos direitos não escritos. Trata-se da
multiplicidade de direitos diante de uma gama de sociedades atuantes, advinda, de
um lado, da especificidade para cada um dos costumes jurídicos concomitantes, de
outro, de possíveis e inúmeras semelhanças ou aproximações de um para outro
sistema primitivo.7
Na Grécia antiga, o estudo do direito grego é interessante a partir do
aparecimento da polis, em meados do século VIII a. C. Neste ponto, imperioso o
estudo da cidade de Atenas, onde a democracia melhor se desenvolveu e o direito
atingiu sua mais perfeita forma quanto à legislação e processo. É comum utilizar
direito grego e direito ateniense como sinônimos. No entanto, deve-se ter em mente
7 WOLKMER, Antonio Carlos, O direito nas sociedades primitivas. In: ______ (Org.).
Fundamento de História do Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 20.
15
que nem sempre são a mesma coisa, e não se pode falar de direito grego no sentido
de sistema único e abrangendo todas as pólis, sendo Esparta a grande exceção.
Quanto ao princípio do acesso à justiça no direito grego, afirma-se que o
mesmo já existia no tocante à presença diante de um tribunal, porém não como se
observa na modernidade. Na sociedade moderna, a administração da justiça está
nas mãos de profissionais especializados, os juízes. Na Atenas clássica, a situação
era o reverso. A heliaia era o tribunal popular que julgava todas as causas, tanto
públicas como privadas, à exceção dos crimes de sangue que ficavam sob a alçada
do areópago. Os membros da heliaia, denominados heliastas, eram sorteados
anualmente dentre os atenienses. O número de heliastas atuando como júri em um
processo variava, mas atingia algumas centenas. Para permitir que o cidadão
comum pudesse participar como heliasta sem prejuízo de sua atividade, recebiam
um salário por dia de sessão de trabalho.8
As sessões de trabalho para julgar os casos apresentados eram chamadas
dikasterias, e as pessoas que compunham o júri eram referidas como dikastas em
vez de heliastas. Os dikastas eram apenas cidadãos exercendo um serviço público
oficial, e sua função se aproximava mais da de um jurado moderno. A decisão final
do julgamento era dada por votação secreta, refletindo a vontade da maioria.9
A apresentação do caso era feita por discurso contínuo de cada um dos
litigantes, interrompido somente para a apresentação de evidências de suporte, e
era dirigido aos dikastas, cujo número poderia variar em algumas centenas, por
exemplo 201 ou 501, por julgamento; o número total era sempre ímpar para evitar
empate. A votação era feita imediatamente após a apresentação dos litigantes, sem
deliberação. Não havia juiz: um magistrado presidia o julgamento, mas não interferia
no processo.10
Os litigantes dirigiam-se diretamente aos jurados através de um discurso,
sendo algumas vezes suportados por amigos e parentes que apareciam como
testemunhas. O julgamento resumia-se a um exercício da retórica e persuasão.
8 SOUZA, Raquel. O Direito Grego Antigo. In: ______ (Org.). Fundamento de História do
Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 67. 9 SOUZA, Raquel. O Direito Grego Antigo. In: ______ (Org.). Fundamento de História do
Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 67. 10 SOUZA, Raquel. O Direito Grego Antigo. In: ______ (Org.). Fundamento de História do
Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 67.
16
Cabia ao litigante convencer a maior parte de jurados e para isso valia-se de todos
os truques possíveis.11
Tem-se ainda, no rol de personagens do sistema processual do direito grego
antigo, a figura do sicofanta, um produto do próprio sistema que permitia e
estimulava que qualquer cidadão grego iniciasse uma ação pública (graphé). O
estímulo era dado por meio de leis que concediam percentuais, pagos ao acusador,
sobre a quantia que o acusado deveria pagar ao Estado, principalmente quando se
tratava de devolução ou reembolso no caso de administradores públicos. Os
sicofantas passaram a viver desse expediente e tomaram-se uma classe temida e
odiada na sociedade ateniense, adquirindo o nome um sentido pejorativo e
tomando-se alvo de críticas e ridículo nas comédias de Aristófanes, particularmente
em Pluto.12
Dessa forma, vislumbra-se um acesso à justiça viciado, pois não se
resguardava a imparcialidade, sendo a justiça administrada pelos próprios cidadãos
e não pelo Estado; o magistrado que compunha o tribunal era figura ilustrativa, não
possuindo poderes de gerência no processo; eram possíveis todas as artimanhas
para poder convencer o júri, não tendo um regramento claro sobre a exposição das
provas; qualquer membro da comunidade poderia ser um acusador, recebendo uma
contrapartida financeira do Estado para isso, o que coloca em xeque o teor da
acusação.
No que tange o direito romano, este continua vivo em várias instituições
liberais individualistas contemporâneas, principalmente naquelas instituições
jurídicas concernentes ao direito de propriedade no seu prisma civilista e ao direito
das obrigações, norteando o caráter privatístico do Código Civil brasileiro.
Os períodos em que a historiografia jurídica divide a história jurídico-política
do Império Romano correspondem a etapas cronológicas plenamente delimitadas: 1)
Período da Realeza (das origens de Roma à queda da realeza em 510 a.C.); 2)
Período da República (510 a.C. até 27 a.C., quando o Senado investe Otaviano -
futuro Augusto - no poder supremo, com a denominação de princeps); 3) Período do
Principado (de 27 a.C. até 285 d.C., com o início do dominato pró-Diocleciano); 4)
Período do Baixo Império (de 285 até 585 d.C., data em que morre Justiniano).
11 SOUZA, Raquel. O Direito Grego Antigo. In: ______ (Org.). Fundamento de História do
Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 67-68. 12 SOUZA, Raquel. O Direito Grego Antigo. In: ______ (Org.). Fundamento de História do
Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 69.
17
Na fase da Realeza surgem algumas instituições político-jurídicas ainda muito
vinculadas à existência de um Estado Teocrático. O cargo de rei assume caráter de
magistratura vitalícia, sendo ao mesmo tempo chefe político, jurídico, religioso e
militar, ou seja, o rei era o magistrado único, vitalício e irresponsável.13
No período da República, as magistraturas passaram a ganhar mais prestígio,
destacando-se do poder dos dois cônsules, que inicialmente são as magistraturas
únicas e vitalícias; comandam o exército, velam pela segurança pública, procedem
recenseamento da população, administram a justiça criminal. Porém, estes cargos
de magistrados só poderiam ser exercidos por algumas pessoas da nobreza, não
sendo aptos a galgar tal posto dos plebeus. As magistraturas romanas nesse
período caracterizavam-se por serem temporárias, colegiadas, gratuitas e
irresponsáveis.14
No período do Principado surgem os comícios, centuariatos, que teriam
aparecido conforme a tradição na época do Imperador Sérvio Túlio. Tais comícios
seriam agrupados em cinco classes divididas de acordo com a riqueza imobiliária;
mais tarde, os bens móveis foram também computados no recenseamento da
riqueza dos cidadãos romanos, patrícios e plebeus. As classes superiores, dos
cavaleiros e dos proprietários fundiários patrícios, terminavam por prevalecer às
votações centuriais, devido ao peso excessivo atribuído nas votações das duas
primeiras centúrias, compostas de membros da classe privilegiada romana.15
O último período da história da civilização romana é o do baixo Império
(dominato), quando ocorre a cristianização do Império, e também a decadência
política e cultural; a fonte de criação do direito passa a ser a constituição imperial,
onde o poder do imperador é absoluto e divinizado, porém o mesmo apenas legisla,
demonstrando a perda do seu prestígio e a decadência do império.
Da mesma forma que na sociedade antiga e no direito grego, o princípio do
acesso à justiça estava enfeixado apenas na possibilidade de haver um tribunal para
julgamento das contendas, porém este era por demais esvaziado no tocante as
garantias dos jurisdicionados, sendo mais utilizados como forma de permanência do
status quo.
13 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. V. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 8-9. 14 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. V. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 15. 15 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. V. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 17.
18
Com a queda do império romano e a tomada do poder por partes dos
bárbaros, iniciou-se o período da Idade Média, com a ascensão do feudalismo como
forma econômica.
Com o pleno desenvolvimento deste nos séculos X, XI e XII, e o consequente
enfraquecimento do poder real, a Europa Ocidental transforma-se numa
multiplicidade de pequenos senhorios economicamente auto-suficientes,
comandados por nobres belicosos que mantinham exércitos próprios. O poder real,
apesar de ocupar um lugar no topo da hierarquia medieval, era incapaz de impor a
sua vontade aos nobres, o que gerou o desaparecimento da atividade legislativa
imperial e principalmente o desmembramento do poder judicial nas mãos dos
senhores feudais. Desta forma, o direito fica adstrito às relações feudo-vassálicas,
ou seja, as relações dos senhores com os seus servos
O Estado Medieval, neste contexto, era figurativo e descentralizado. Os
senhores feudais exerciam funções estatais, como legislar, julgar, cobrar tributos e
formar exército. Não é inapropriado registrar que um Feudo aproximava-se da ideia
que se tinha de Estado, e, muitos vezes, em sua complexidade, rivalizava-se com o
Estado formal ou que nele se transformava.
O que se pode constatar com clareza, na análise do Estado Medieval, é a
influência do feudalismo. Seus vários institutos, assim como a vida social, estavam
subordinados à propriedade e à posse da terra, fazendo com que houvesse uma
confusão do que fosse público e privado.
Na Idade Média, o direito germânico foi utilizado, como instrumento
privilegiado na resolução de conflitos, tanto pelas suas características próprias
quanto pela ausência de um poder judicial organizado, baseando-se na sistemática
da prova.16 Assim, o processo penal germânico era uma espécie de continuação da
luta entre o ofendido e o acusado, uma “forma ritual de guerra”, que era utilizada
substancialmente como método de produção e legitimação da verdade. Nessa
“guerra” formal, as hostilidades regulamentadas poderiam cessar com um acordo
envolvendo o resgate do direito de não ser mais vítima das vinganças mútuas que a
caracterizavam. Como o objetivo aparente não era provar a verdade, e sim a
influência social de quem participava da prova, geralmente o vencedor era o mais
forte.
16 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: PUC/Nau, 1996.
p. 54-60.
19
Com o fortalecimento do poder da Igreja Católica, esta passou a monopolizar
toda a produção jurídica da idade feudal. Dessa maneira, em vez de se alcançar a
verdade dos fatos, os julgamentos mais serviam para demonstrar a sua hegemonia,
além de externar a vontade do poder eclesiástico em face da população.
Um bom exemplo deste poder exercido pelo clero fora a criação dos tribunais
de inquisição. Sob a influência da Igreja, todo um sistema de direito penal (o
acusatório) foi alterado, para que os crimes de heresia e bruxaria pudessem ser
eficazmente combatidos. Novas regras para o processo, que lhe conferiram feição
inquisitória, aliadas à reintrodução da tortura como meio de extrair a confissão,
redundavam num processo do qual dificilmente o acusado escapava sem
condenação17.
Assim, resta demonstrado a existência do princípio do acesso à justiça, porém
este era mitigado e subordinado às forças das épocas vividas pela humanidade.
Com a ascensão da burguesia, a influência do pensamento iluminista e as
revoluções burguesas, pode-se dizer que a partir destes tempos que o referido
princípio passou a nascer com os aspectos que se encontra nos dias atuais.
2.1.1 Criação do Estado Liberal e dos direitos de primeira geração
Conforme aduzido acima, fica claro que a isonomia entre os membros da
comunidade nem sempre existia, sendo que os mais fracos e menos dotados de
inteligência estavam em desvantagens quando pleiteavam ou exigiam o
cumprimento de um direito seu.
Com o passar dos anos, esta desigualdade fora ficando cada vez mais
arraigada no seio da sociedade, a ponto de que por várias gerações se acreditou
que a situação de opressão e submissão vivida era em decorrência de forças
superiores, bem como de “erros” cometidos no plano espiritual, devendo os
subordinados apenas obedecer às ordens e nada questionar, como ocorrera na
Idade Média.
Neste ponto, a Revolução Francesa fora de suma importância para a cisão
deste pensamento, bem como o início da germinação do princípio da igualdade
17 NASPOLINI SANCHES, Samyra H. D. F. Aspectos históricos, políticos e legais da
inquisição. In: WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamento de História do Direito. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 188.
20
entre os cidadãos. Porém, como a maioria dos fatos históricos, existia um grande
interesse por trás desta nova forma de pensar, principalmente o econômico.
A criação do Estado Liberal pela burguesia se fundou primordialmente na
tentativa de além do poder econômico que já detinha, adquirir também o poder
político, que por hora estava concentrado na realeza e na nobreza.
A chamada igualdade entre os cidadãos era necessária, sendo esta uma das
características mais marcantes do Estado Liberal, qual seja, a defesa da igualdade
formal entre os membros da sociedade. Ressalte-se que igualdade defendida pela
burguesia era apenas a igualdade formal, a qual buscava apenas a submissão de
todos perante a lei, afastando o risco de qualquer discriminação entre as classes
sociais. Dessa forma, sob a égide de tal fundamento, todos deveriam ser tratados de
maneira uniforme, pois as leis teriam conteúdos gerais e abstratos, não sendo
direcionada a nenhum grupo social.
No contexto histórico da criação do Estado Liberal, a sociedade começa,
mesmo ainda que de forma embrionária, a perceber a necessidade de tratamento
isonômico, principalmente no que se refere a soluções das suas contendas, sendo
certo que era fundamental a fomentação de mecanismos para efetivação deste
direito, preservando a dignidade da pessoa humana.
Neste esteio intelectivo, surgem as primeiras noções do princípio do acesso à
justiça, mesmo sem possuir este nome, muito menos o conteúdo que se observa
nos dias atuais, pois foi através do aprimoramento deste pensamento, que tal
princípio se desenvolveu e se enraizou no âmbito da sociedade.
Contudo, a aplicação apenas da igualdade formal defendida pelo Estado
Liberal, em face das demandas sociais, serviu apenas para a expansão do
capitalismo, agravando a situação de miséria em que vivia a classe trabalhadora.
Outra característica histórica do Estado Liberal que soou como óbice para a
efetivação do princípio do acesso à justiça, fora a intervenção mínima do Estado na
vida particular dos indivíduos. Assim, como os pensadores da época afirmavam que
para haver o real desenvolvimento da sociedade, era necessário que o aparato
estatal interferisse o mínimo possível no cotidiano das pessoas, o que fez com que o
Estado não buscasse implementar os princípios da igualdade e, consequentemente,
do acesso à justiça, deixando com que as demandas existentes, fossem
solucionadas de forma particular.
21
De toda sorte, em que pese o Estado Liberal não ter efetivado o princípio do
acesso à justiça, bem como ter implementado apenas a igualdade formal entre os
indivíduos, fora nele que se iniciou a ideia de um Estado de Direito, ou seja, um
Estado onde todos eram subordinados à lei, não podendo e nem devendo haver
discriminação por parte desta a nenhum dos membros da comunidade.
Há de se frisar, mais uma vez, que a criação do Estado de Direito também
vem acompanhado de uma série de interesses econômicos, principalmente da
burguesia que ansiava a criação de um único ordenamento jurídico, pois a
diversidade de legislações existentes no feudalismo, onde cada feudo possuía suas
regras distintas e próprias, era um grande entrave para a ampliação do comércio e,
portanto, um obstáculo para auferir mais lucro.
Assim, o Estado de Direito, na precisa lição de Carlos Ari Sunfeld18, pode ser
definido:
[…] como o criado e regulado por uma Constituição (isto é, por norma jurídica superior às demais), onde o exercício do poder político seja dividido entre órgãos independentes e harmônicos, que controlem uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles tenha de ser necessariamente observada pelos demais e que os cidadãos, sendo titulares de direitos, possam opô-los ao próprio Estado.
Diante dessa necessidade de estabilidade social, o Estado de Direito passa a
regular o exercício do poder por parte dos governantes e impedir o uso arbitrário
deste para com a população, garantindo um direito público subjetivo dos indivíduos,
reconhecidos constitucionalmente, apesar de forma bastante discreta, alguns
direitos fundamentais, como a liberdade. Consoante ensinamento de Norberto
Bobbio19:
[…] na doutrina liberal, Estado de direito significa não só subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e portanto em linha de princípio invioláveis.
18 SUNDELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4.ed. 7.tir. São Paulo:
Malheiros, [s.d.]. p. 38-39. 19 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 2.ed. Trad.: Marco Aurélio Nogueira. São
Paulo: Brasiliense, 1988. p. 19.
22
Assim, criou-se a probabilidade do cidadão, como titular de um direito, exigir o
seu cumprimento em desfavor do Estado, o que era impensável no período histórico
antecedente - absolutismo – tempo em que só era possível se exigir o cumprimento
dos seus direitos em relação a outros indivíduos, mas nunca em relação ao Estado.
Nascem, portanto, no Estado Liberal, os chamados “direitos de primeira
geração”, ou seja, os direitos que são inerentes ao próprio ser humano, situando-se
na esfera do indivíduo em si mesmo, exigindo do Estado uma postura negativa, não
arbitrária, no que tange à população, não sendo mais tolerada a invasão da esfera
individual de cada um, elevando a condição de cidadão os outroras súditos, os quais
eram tratados como meros objetos pelos detentores do poder.
Frise-se que, ao lado dos direitos subjetivos materiais, criaram-se as
garantias fundamentais, também chamadas de direitos subjetivos processuais (ou
adjetivos ou formais ou instrumentais), visando, efetivar os direitos substantivos.
Assim, criaram-se instrumentos processuais para resguardar os direitos adquiridos
pelos cidadãos, mesmo que de forma incipiente.
2.1.2 Criação do Estado Social e dos direitos de segunda geração
Com a expansão do capitalismo sendo realizado basicamente na exploração
da classe trabalhadora, sob a égide da igualdade tão-somente formal, bem como da
intervenção mínima do Estado na vida particular dos indivíduos, características
básicas do Estado Liberal, este apenas serviu, em relação às questões sociais, em
aprofundar o fosso entre patrões e empregados, aumentando cada vez mais a
miséria destes e o lucro daqueles.
O descaso com o aspecto social, principalmente após a Revolução Industrial
ocorrida inicialmente na Inglaterra e, posteriormente difundida em toda Europa
Ocidental e Estados Unidos, onde a classe trabalhadora era submetida a longos
períodos de trabalho sem descanso, e com salários baixíssimos, condições
desumanas de trabalho, inclusive com a utilização de crianças nas fábricas, fez
surgir um descontentamento geral por parte da classe oprimida, gerando uma série
de protestos.
Como conseqüência desta lógica perversa e opressora do capitalismo, os
trabalhadores passaram a se unir e a buscar melhores condições de vida e de
23
trabalho, o que fez eclodir a Revolução Russa em 1917, tendo a classe trabalhadora
assumido o poder, instalando um governo do proletariado.
Esse movimento configurava a possibilidade de uma ruptura violenta do
Estado Liberal, devido à grande adesão de operários do ocidente europeu. A
burguesia, temendo a expansão dos ideais pregados pela Revolução Russa, adotou
mecanismos que afastassem os trabalhadores da opção revolucionária, surgindo,
então, o Estado Social, com as seguintes características: intervenção do Estado na
economia, aplicação do princípio da igualdade material e realização da justiça social.
Dessa forma, para conter a possibilidade de desidratação do capitalismo, a
burguesia, agora detentora tanto do poder econômico, quanto do poder político,
passou, alterando a concepção básica do pensamento do Estado Liberal, a defender
a utilização e intervenção do Estado como meio de contribuir para a melhoria de vida
da classe trabalhadora, dando-lhes assim, uma melhor qualidade de vida.
Ressalta-se que a mudança de pensamento por parte dos donos dos meios
de produção ocorreu apenas para tentar, o que a história mostrou com êxito, barrar
o ímpeto revolucionário da classe trabalhadora, que por influência da citada
Revolução Russa, estava aflorado diante da possibilidade de alteração do status
quo, totalmente desvantajoso para esta classe.
Para que fosse possível a implementação dos interesses da burguesia, foi
necessária uma alteração de pensamento, principalmente no que se refere ao
princípio da igualdade, o qual não poderia ser mantido apenas no aspecto formal,
devendo evoluir para o aspecto material e, assim, alcançar a desejada justiça social.
O princípio da igualdade material, da mesma forma que o da igualdade
formal, considera as pessoas abstratamente iguais perante a lei, porém acrescenta o
fator da realidade social de cada uma delas, reclamando um tratamento desigual
para pessoas desiguais, ou seja, para que se alcançasse o âmago do princípio da
isonomia, era necessário tratar os indivíduos de forma diferente, na medida da suas
desigualdades.
Assim, Carlos Ari Sundfeld20 sintetiza:
O Estado torna-se um Estado Social, positivamente atuante para ensejar o desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação
20 SUNDELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4.ed. 7.tir. São Paulo:
Malheiros, [s.d.]. p. 55.
24
do nível cultural e a mudança social) e a realização da justiça social (é dizer, a extinção das injustiças na divisão do produto econômico).
Há, assim, pontos de contatos entre o Estado Social e o Estado de Direito, na
medida em que foi este, como vimos no tópico anterior, que originou o conceito de
direito público subjetivo, cabendo àquele a abrangência de seu alcance, regulando,
mais efetivamente, atividades políticas governamentais.
Sobre as semelhanças e diferenças existentes entre estas duas formas de
Estado, Gordillo21 assim enuncia:
A diferença básica entre a concepção clássica do liberalismo e a do Estado de Bem-Estar é que, enquanto naquela se trata tão-somente de colocar barreiras ao Estado, esquecendo-se de fixar-lhe também obrigações positivas, aqui, sem deixar de manter as barreiras, se lhes agregam finalidades e tarefas às quais antes não sentia obrigado. A identidade básica entre o Estado de Direito e Estado de Bem-Estar, por sua vez, reside em que o segundo toma e mantém do primeiro o respeito aos direitos individuais e é sobre esta base que constrói seus próprios princípios.
Assim sendo, apesar dos interesses que motivaram a criação do Estado
Liberal (Estado de Direito) e do Estado Social serem distintos, o primeiro para a
ruptura do contexto histórico marcado pelo Absolutismo no âmbito político e do
Feudalismo no âmbito econômico, os mesmos possuem semelhanças, uma vez que
utiliza deste o respeito aos direitos individuais, notadamente o da liberdade, para
construir os pilares que fundamentam a criação dos direitos sociais.
Neste contexto histórico, surgem os chamados “direitos de segunda geração”,
os quais também estão voltados para o indivíduo em si mesmo, porém acrescentam
um conteúdo econômico e social, haja vista que possuem a finalidade de melhorar
as condições de vida dos cidadãos, exigindo do Estado uma atuação positiva em
prol dos explorados, compreendendo, dentre outros, o direito ao trabalho, à saúde,
ao lazer, à educação e à moradia.22
Assim, os direitos fundamentais de segunda geração são aqueles que exigem
uma atividade prestacional do Estado, no sentido de buscar a superação das
carências individuais e sociais. Por isso, em contraposição aos direitos fundamentais
21 GORDILLO, Agustín. Princípios Gerais de Direito Público. Trad.: Marco Aurelio Greco.
São Paulo: RT, 1977. p. 74. 22 Inserida no rol do art.6º da C.F./88 por meio da Emenda Constitucional nº 26/2000.
25
de primeira geração – chamados de direitos negativos -, os direitos fundamentais de
segunda geração costumam ser denominados direitos positivos, pois, como se
disse, reclamam não a abstenção, mas a presença do Estado em ações voltadas à
minoração dos problemas sociais.23
Dessa maneira, percebe-se uma grande diferença entre Estado Liberal e
Estado Social, uma vez que no primeiro se reclamava uma atuação negativa do
Estado, ou seja, era necessário que o mesmo não interviesse na vida particular dos
cidadãos, sendo que no Estado Social, a reclamação era justamente oposta, no
sentido de que o Estado deveria ter uma atitude proativa para a implementação dos
direitos dos indivíduos.
Essa característica do Estado Social é de suma importância para o problema
do acesso à justiça, pois a sociedade passou a cobrar do Estado uma série de
direitos, inclusive quanto às soluções dos seus conflitos, não coadunando mais com
a ideia de que os mais fortes economicamente, ou possuidores de algum privilégio,
sempre levassem vantagem no momento de verem os seus direitos reconhecidos e
tutelados pelo Estado.
2.2 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA COMO DIREITO FUNDAMENTAL DE
SEGUNDA GERAÇÃO
As reclamações dos movimentos sociais que foram evidenciadas no século
XIX, passaram a ser necessárias para a implementação dos direitos individuais de
primeira geração adquiridos durante a criação do Estado Liberal. Dessa monta, os
direitos de segunda geração, ou seja, os direitos econômicos, sociais e culturais,
necessitavam de sua consagração jurídica, o que ocorreu paulatinamente com a
transição daquele Estado para o Estado Social.
Os direitos da segunda geração se traduzem em direitos de participação, que
requerem uma política ativa dos poderes públicos, destinada a garantir seu
exercício, sendo realizados por intermédio de técnicas jurídicas de prestações e dos
serviços públicos.24
23 ARAÚJ0, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. 9.ed. rev. atual. São
Paulo: Saraiva, 2005. p. 116. 24 PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Las generaciones de derechos humanos. Revista del
Centro de Estudios Constitucionales, n. 10, p. 205, Septiembre-Diciembre 1991.
26
Para Bonavides, os direitos de segunda geração dominam o século XX, da
mesma forma como os direitos de primeira geração dominaram o século XIX,
introduzidos que foram no constitucionalismo das diversas formas de Estado social,
fruto das ideologias antiliberais deste século. Também formulados em esferas
filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico, foram proclamados nas
Declarações solenes das constituições marxistas e também, de maneira clássica, no
constitucionalismo da social-democracia, como a de Weimar, dominando então as
constituições do segundo pós-guerra.
Inicialmente tiveram sua juridicidade contestada, passando após a integrar a
chamada esfera programática em virtude da necessidade de recursos do Estado -
nem sempre disponíveis para determinadas prestações materiais. Logo após,
passaram por uma crise de observância e execução, que tende a terminar face às
formulações de preceitos de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.25
Estes direitos, de acordo com tradicional entendimento, ensejam postura
“positiva” do Estado na consecução da justiça social, através de prestações sociais
estatais, tais como: assistência social, saúde, educação, trabalho, etc. Enuncia-se,
assim, a transição das “liberdades formais abstratas” para as “liberdades concretas”,
isto é, da igualdade e liberdade formal para a igualdade e liberdade substancial.
Esse espectro, cabe afirmar que o princípio do acesso à justiça é um direito
de segunda geração, pois surgiu exatamente no momento em que se reclamava
maior atuação estatal junto à sociedade, principalmente no que se refere à melhoria
de vida da população.
Para que tais melhorias fossem vislumbradas na prática, o Estado precisava,
além de assegurar os direitos individuais já conquistados, salvaguardar que os
lesados em seus direitos pudessem reivindicá-lo de forma equânime, sendo
destronada a ideia de que apenas os mais abastados financeiramente ou de alguma
forma privilegiados socialmente, e que podiam arcar com os custos de um processo,
pudessem ter uma decisão juridicamente justa.
Assim, a ideia do acesso à justiça evoluiu da concepção liberal para a
concepção social do Estado moderno. No decorrer do século XX, as políticas
governamentais dos países se voltaram para o aspecto social e coletivo.
25 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7.ed. São Paulo: Malheiros,
1997. p. 518.
27
A concepção do “laissez-faire”, ou seja, que a vida das pessoas deve
funcionar de forma livre, sem interferência do Estado, mote máximo do liberalismo,
onde todos eram presumidamente iguais, onde a doutrina do aceso à justiça não
comportava problemas reais do individuo, mas apenas no campo teórico, fora
abandonada, sendo mister a criação de mecanismos reais e efetivos para a garantia
dos direitos fundamentais do homem.
As constituições passaram a contemplar a efetivação dos direitos
fundamentais, não apenas os definindo e declarando, mas efetivando-os pela
garantia e acessibilidade. Com isso as Constituições passaram a garantir a tutela
jurídica dos direitos subjetivos bem como assegurar que esta tutela será prestada
por via de padrões processuais definidos, agora em face dos princípios
constitucionais.
Para Theodoro Jr. o mecanismo se completa, pois “dessa maneira há,
materialmente, o direito à tutela jurídica estatal e, formalmente, o direito ao
processo, como via de acesso à citada tutela”.26 Assim, para que se alcance a tão
almejada melhoria de vida, faz-se necessário o Estado assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais para a harmonia social e como finalidade uma
sociedade fraterna onde todos reconhecidos, assim como a liberdade e a igualdade,
como valores supremos, direcionando, desta forma, o acesso à justiça como um
direito fundamental.
2.3 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS
DIREITOS HUMANOS DE 1948
Os direitos fundamentais, há não muito tempo, foram reconhecidos e
inseridos nas constituições, mais precisamente no pós Segunda Guerra Mundial,
tendo em vista o surgimento de uma preocupação internacional voltada para a
proteção aos direitos da dignidade da pessoa humana, já que existia a ameaça à
tranquilidade universal, resultado da instabilidade das relações dos países.
26 THEODORO JR., Humberto. Ensaios Jurídicos: o direito em revista. V. 3. Coord.:
Ricardo Bustamante. Rio de Janeiro: Inst. Bras. Atualização Jurídica - IBAJ, 1996. p. 15.
28
2.3.1 O contexto histórico da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Ao se atentar na leitura do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, observa-se que a mesma foi escrita sob o forte impacto das atrocidades
aos direitos humanos cometidas no período entre o início do nazi-fascismo e o final
da Segunda Grande Guerra.
Assim, quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos começou a ser
pensada, o mundo ainda sentia os efeitos da Segunda Guerra Mundial, encerrada
em 1945.
Depois da Segunda Guerra e da criação da Organização das Nações Unidas
(também em 1945), líderes mundiais decidiram complementar a promessa da
comunidade internacional de nunca mais permitir tais atrocidades. Assim,
elaboraram um guia para garantir os direitos de todas as pessoas e em todos os
lugares do mundo.
Dessa forma, a Declaração Universal dos Direitos Humanos reconheceu
internacionalmente o movimento de constitucionalização surgido em meados do
século XVIII, alavancando a teoria dos direitos fundamentais, principalmente no que
se refere à solidificação e positivação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de
1948, o humanismo político da liberdade alcançou o seu ponto mais alto no século
XX. Trata-se de um documento de convergência e ao mesmo tempo uma síntese.
Convergência de anseios e esperanças, porquanto tem sido, desde a promulgação,
uma espécie de carta de alforria para os povos que a subscreveram, após a guerra
de extermínio dos anos 30 e 40, sem dúvida o mais grave duelo da liberdade com a
servidão em todos os tempos.27
Assim, pode-se observar que a proteção da dignidade da pessoa humana,
que no texto da Declaração Universal dos Direitos do Homem se expressa no
respeito a direitos civis e políticos, e a direitos econômicos e sociais, compreende-se
o respeito aos direitos dos povos e da própria humanidade como um todo.
27 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23.ed. atual. e ampl. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 574.
29
2.3.2 Os principais princípios de direitos humanos na Declaração de 1948
A Declaração se abre com a afirmação solene de que “todos os homens
nascem livres e iguais em dignidade e direitos; são dotados de razão e consciência
e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.28
Reconheceu-se, assim, na sequência das primeiras declarações nacionais de
direitos, a americana e a francesa, o princípio da igualdade, essencial de todo ser
humano em sua dignidade de pessoa; vale dizer, o fundamento de todos os valores,
sem distinções de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião, origem nacional ou
social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição, como se diz no art. II da
Declaração.
Esse reconhecimento só foi possível quando, ao término da mais devastadora
das guerras até então deflagradas, percebeu-se que a ideia de superioridade de
uma raça, de uma classe social, de uma cultura ou de uma religião, sobre todas as
demais, põe em risco a própria sobrevivência da humanidade.
No curso da segunda metade do século XX, no entanto, percebeu-se que o
princípio da igualdade de todos os seres humanos deveria ser complementado com
o reconhecimento do chamado direito à diferença, ou seja, que os desiguais sejam
tratados de forma desigual, na medida das suas desigualdades.
Dessa forma, a Declaração Universal dos Direitos do Homem estipulou a
igualdade como mote máximo, ou seja, se não existir igualdade entre os indivíduos,
nada pode ser concretizado a nível de cidadania. Porém, esta igualdade deve ser
talhada na igualdade substancial ou material, devendo-se tratar os desiguais,
desigualmente.
Além do princípio da igualdade, o princípio da liberdade também fora
contemplado na Declaração de Direitos Humanos, sendo este desdobrado em
direitos políticos e direitos civis. A liberdade política vem declarada no artigo XXI.29
28 Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948. 29 Artigo 21. 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios
públicos do seu país, quer directamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país. 3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos; e deve exprimir–se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.
30
O princípio do acesso à justiça vem descrito na especificação das liberdades
civis dos indivíduos e é feita no art. VIII, ao afirmar que “todas as pessoas têm direito
a um recurso efetivo dado pelos tribunais nacionais competentes contra os atos que
violem os seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.”30
Diante disso, resta demonstrada a magnitude do princípio em comento, sendo
este positivado junto ao maior e mais importante documento que trata dos direitos do
homem, sendo certo que a sua adoção é de suma importância para o
desenvolvimento dos povos em geral.
2.4 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
O princípio do acesso à justiça é contemplado na nossa Carta Magna de
1988, no seu art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a lesão de direito”, investido na condição de direito fundamental de
todos os cidadãos, uma vez que tal preceito é de suma importância dentro do
Estado Democrático de Direito.
Assim, tal princípio pressupõe a possibilidade de que todos, indistintamente,
possam pleitear suas demandas junto aos órgãos do Poder Judiciário, desde que
obedecidas as regras estabelecidas pela legislação processual para o exercício de
um direito. Ocorre que, analisar o referido princípio na sua forma literal é reduzir o
seu significado, pois apenas informaria ao seu receptor que todos teriam o direito a
postular perante o Poder Judiciário.
Segundo Luiz Guilherme Marinoni, “acesso a um processo justo, a garantia de
acesso a uma justiça imparcial, que não só possibilite a participação efetiva e
adequada das partes no processo jurisdicional, mas que também permita a
efetividade das tutelas dos direitos, consideradas as diferentes posições sociais e as
específicas situações de direito substancial”31.
Dessa forma, como assevera Wilson Alves de Souza32, se é indispensável
uma porta de entrada, necessário igualmente é que exista uma porta de saída. Por
outras palavras, de nada adianta garantir o direito de postulação ao Estado-juiz sem
30 Artigo VIII da Declaração Universal de Direitos do Homem de 1948. 31 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. 3.ed. São Paulo:
Malheiros, 1999. p. 28. 32 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça.Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 25.
31
um devido processo em direito, sem um processo provido de garantias processuais,
tais como contraditório, ampla defesa, produção de provas obtidas por meios lícitos,
ciência dos atos processuais, julgamento em tempo razoável, fundamentação das
decisões, julgamento justo, eficácia das decisões, etc.
Assim, tomando como ponto de partida que o princípio do acesso à justiça é
um direito constitucional fundamental e este, por ter esta qualidade, está envolto de
uma grande carga axiológica a influenciar as regras postas do ordenamento jurídico
e, considerando que o referido princípio se constitui em um elemento de suma
importância no exercício da cidadania, faz-se necessária a discussão de como o
mesmo pode ser ampliado no âmbito das relações internacionais como
concretização da democracia.
Nesta mesma linha, Mario Cappelletti e Bryant Garth33 afirmam que tal direito
vem sofrendo mutações e lapidações no decorrer dos anos. Destacam que nos
séculos XVIII e XIX, os estados liberais burgueses adotavam procedimentos para a
solução de litígios civis que refletiam a concepção individualista, mas com o
crescimento da população, as ações e relacionamentos adquiriram um caráter mais
coletivo que individual e as sociedades modernas precisaram abandonar a visão
individualista dos direitos, e com isso, o conceito de direitos humanos se
transformou.
Mauro Cappelletti e Bryant Garth estabeleceram uma subdivisão cronológica
dos movimentos de acesso à justiça, ou seja, de tentativas de solução para se
garantir a efetividade do acesso à justiça, e cada movimento foi chamado pelos
autores de “onda”. A primeira “onda” teria sido a assistência judiciária; a segunda
referia-se a representação jurídica para os interesses difusos, especialmente nas
áreas de proteção ambiental e do consumidor e, finalmente, a terceira “onda” que
seria o “enfoque de acesso à justiça”, a qual compreendia os posicionamentos
anteriores e tinha com objetivo enfrentar contundente e articuladamente, as barreiras
ao acesso efetivo à justiça.
Como forma de garantir o princípio do acesso à justiça, o ordenamento
brasileiro prevê a gratuidade a tal acesso, contemplando o conceito de gratuidade de
justiça, assistência jurídica e assistência judiciária.
33 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad.: Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre: Fabris, 1988.
32
A justiça gratuita, ou benefício da gratuidade, ou ainda gratuidade judiciária,
consiste na dispensa da parte do adiantamento de todas as despesas, judiciais ou
não, diretamente vinculadas ao processo, bem assim na dispensa do pagamento de
honorários advocatícios. A assistência judiciária é o patrocínio gratuito da causa por
advogado público (ex.: defensor público) ou particular (entidades conveniadas ou
não com o Poder Público, como, por exemplo, os núcleos de prática jurídica das
faculdades de direito). A assistência jurídica compreende, além do que já foi dito, a
prestação de serviços jurídicos extrajudiciais (como, por exemplo, a distribuição, por
órgão do Estado, de cartilha contendo os direitos básicos do consumidor). Trata-se,
como se vê, de direito bem abrangente.34
Um dos problemas indicados no trabalho de Cappelletti e Garth consistiu na
falta de assistência judiciária e na possibilidade de se ofertar advogado particular, a
expensas do Governo, para os necessitados. No Brasil a solução se deu com a
previsão, conquanto paulatina, da criação das Defensorias Públicas, em todas as
esferas governamentais, integradas geralmente por agentes públicos, bacharéis em
Direito, concursados, estruturadas e voltadas para quem não possui condições
financeiras de custear um processo.35
A Defensoria se tornou instituição essencial à Justiça, segundo a Carta
Democrática de 1988, e a ela cabe a orientação jurídica e a assistência judiciária
aos hipossuficientes. Mas é fácil constatar que esse órgão passou por uma lenta e
difícil evolução, não tendo ainda conseguido corresponder às necessidades da
população, seja por falta de estrutura, seja por falta de efetivo funcionamento em
alguns estados e muitas cidades. O acesso à Justiça, no caso, encontra óbice não
somente em relação ao Judiciário, mas em momento anterior, pois as pessoas
necessitadas tinham dificuldades, e ainda possuem em menor grau na atualidade,
de acesso à própria Defensoria Pública. Em alguns lugares, era e é comum que
pessoas fiquem horas e até dias nas intermináveis filas e sofram para obter as
limitadas senhas de atendimento, na esperança de poder expor o seu problema a
um defensor, que muitas vezes, apesar de todo o esforço, não consegue atender
integral e satisfatoriamente aos anseios e aos interesses de tantos quantos se
dirigem àquele órgão. Ou seja, prevalece o débito da assistência judiciária gratuita
34 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Acesso à Justiça e à Defensoria Pública. Revista do
Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 12/1, p. 27, 2011. 35 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Acesso à Justiça e à Defensoria Pública. Revista do
Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 12/1, p. 27, 2011.
33
com uma imensidão de interesses e pretensões de que são credoras pessoas
desprovidas de recursos no nosso Brasil múltiplo, desigual e carente de assistência
jurídica e econômica. Aliás, considerando milhões de excluídos, seria necessário um
verdadeiro exército não apenas de defensores, mas também de promotores, de
magistrados e de outros agentes públicos para realizar idealmente a pacificação de
conflitos estatais gratuitamente.36
Dentro do universo dos sujeitos processuais, o benefício da justiça gratuita
poderá ser requerido por qualquer um que seja parte, quer na demanda principal,
quer em eventuais incidentes do processo. Parte é o sujeito processual que atua
com parcialidade em juízo. Assim, seja autor ou réu, atuando isoladamente ou em
litisconsórcio, bem assim qualquer outro sujeito que venha a intervir no feito, sob
uma das modalidades de intervenção de terceiro, todos eles estarão legitimados a
pleitear a concessão da gratuidade de justiça.37
Segundo Alexandre Cesar38, o acesso à justiça é um direito fundamental e
essencial à consolidação da cidadania:
A garantia de efetivo acesso à Justiça também constitui um Direito Humano e, mais do que isto, um elemento essencial ao exercício integral da cidadania, já que, indo além do simples acesso à tutela jurisdicional, não se limita ao mero acesso ao Poder Judiciário. Por conta disso é que José Alfredo de Oliveira Baracho afirma que ele „é primordial à efetividade dos direitos humanos, tanto na ordem jurídica interna como na internacional. O cidadão tem necessidade de mecanismos próprios e adequados para que possa efetivar seus direitos‟.
Dessa maneira, resta constatado que o princípio do acesso à justiça é um
direito fundamental, consoante se infere nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni:39
Os direitos fundamentais surgiram em um contexto no qual o cidadão era constantemente ameaçado pelo Poder Público. Influenciados pelo ideal do Estado Liberal, nasceram com o papel de garantia do
36 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Acesso à Justiça e à Defensoria Pública. Revista do
Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 12/1, p. 27, 2011.. 37 OLIVEIRA, Vallisney de Souza. Acesso à Justiça e à Defensoria Pública. Revista do
Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 12/1, p. 28, 2011. 38 CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: Universitária, 2002, p. 46. 39 TESSLER, Luciana Gonçalves. O papel do judiciário na concretização dos direitos
fundamentais. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Estudos de direitos processual civil: homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 152.
34
cidadão perante o Estado, a fim de que o indivíduo pudesse evocá-lo como defesa contra as arbitrariedades do Poder Público. Os direitos fundamentais consistem em garantias oponíveis contra o Estado, com a finalidade de proteção do particular, para equilibrar tanto as relações entre o cidadão e o Estado quanto as relações entre os próprios particulares. O destinatário das normas de direitos fundamentais é o Estado.
Portanto, o acesso à justiça é um verdadeiro princípio constitucional
fundamental, e, assim sendo, deve nortear todo o ordenamento jurídico e servir de
diretriz para a atividade hermenêutica, influenciando, assim, todas as normas, desde
a sua criação com a atividade legislativa, passando para a sua concretização em
cada caso, até de se criar mecanismos para a sua maior efetivação, com o fito de
possibilitar o aperfeiçoamento da democracia.
Dessa forma, é inegável a relação entre o princípio do acesso à justiça com
diversos princípios constitucionais, como: do Estado de direito, democrático; o da
socialidade; da isonomia; do devido processo legal;do juiz natural; da
inafastabilidade do controle jurisdicional; da ampla defesa;do contraditório; da
produção de provas obtidas por meio lícito; da publicidade dos atos processuais; da
fundamentação das decisões judiciais; da recorribilidade com o duplo grau de
jurisdição; do processo em tempo razoável; da efetividade das decisões.
Com o princípio do Estado Democrático de Direito o acesso à justiça mantêm
uma relação intrínseca, haja vista que não houvesse tal garantia, a solução dos
conflitos entre os indivíduos e entre estes e o Estado se daria evidentemente pela
imposição da força por quem a detém, não sendo possível tal atitude no Estado em
que se diz Democrático de Direito.40
Quanto ao princípio democrático, como a solução perpetrada pelo Estado
para os conflitos apresentados é feita de forma impositiva, o agente competente
para impor tal decisão deve ser legitimado pelo poder popular, conforme previsto na
constituição.
No caso do Poder Judiciário, em que pese não haver sufrágio direto para a
investidura dos seus membros, não significa o afastamento do princípio democrático,
pois tal forma de investidura se deu pelo critério adotado pelo poder popular
(constituinte originário), bem como as garantias em favor dos cidadãos do bom
40 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 92.
35
exercício da função jurisdicional, como independência, imparcialidade e
fundamentação das decisões judiciais.
O princípio da socialidade integra-se com o principio democrático, uma vez
que o Estado deve buscar a efetiva democracia, ou seja, uma democracia que
supere a dimensão política para o alcance da democracia econômica e social.
Assim, o princípio do acesso à justiça se relaciona com o princípio da
socialidade, quando se verifica a preocupação do Estado em atender a população
mais pobre mediante políticas que garantam efetivamente a gratuidade para os que
buscam à justiça.41
O princípio da isonomia está relacionado com o princípio do acesso à justiça
porque, caso o juiz não observe a igualdade real, ou seja, trate os iguais igualmente
e os desiguais desigualmente, na perspectiva da sua desigualdade, este não estará
garantindo o efetivo acesso à justiça.
O ordenamento pátrio traz uma série de dispositivos legais que dão
tratamento diferenciado a algumas das partes, tendo em consideração as
circunstâncias do caso concreto.
Primeiramente, se vislumbra tal fato quando o ordenamento concede
privilégio de prazo em caso de litisconsórcio com diferentes procuradores, uma vez
que se assim não fosse haveria vantagem para quem não constituísse o
litisconsórcio, ou na existência deste, com um único procurador, pois esse
procurador teria acesso aos autos do processo em tempo integral, enquanto os que
possuíssem procuradores diferentes teriam que dividir o tempo de acesso aos
autos.42
Outro privilégio instituído pelo ordenamento é a concessão de prazo
diferenciado em favor dos beneficiários da justiça gratuita, compensando o mau
serviço de assistência judiciária, bem como a intimação pessoal dos defensores
públicos, ou quem o faça suas vezes. Frise-se que tais benefícios são inerentes às
partes necessitadas, e não propriamente aos defensores públicos.
A Lei43 ainda confere prazos diferenciados à Fazenda Pública, bem como aos
membros do Ministério Público, além da intimação pessoal dos procuradores e
41 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 102. 42 DALL‟AGNOL, Antonio. Comentários ao Código de Processo Civil. V. 2. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000. p. 395-396. 43 Art. 188, CPC: Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para
recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.
36
promotores. Parte da doutrina44 afirma que tal norma é inconstitucional, uma vez que
não se pode conceder tal privilégio, por ferir o principio da isonomia.
Afirma ainda esta doutrina que, em vez de conceder tal privilégio, podem tais
partes, procuradores e membros do parquet, no caso concreto solicitar dilação de
prazo, para que não haja prejuízo na defesa dos interesses da coletividade (fazenda
pública e Ministério Público), bem como prover a quantidade razoável de
procuradores e promotores, para que os mesmos possam dar conta de todo o
trabalho.
Outra parte doutrinária45 afirma que a diferenciação dos prazos é prerrogativa
da função e não mero privilégio, requerendo ainda a interpretação extensiva do
dispositivo no que tangem aos demais prazos, não só o da contestação e o do
recurso.
A lei46 fixa a prioridade de tramitação nos processos em que idosos figuram
como partes. Em que pese a constitucionalidade de tal dispositivo, o juiz, no caso
concreto, deve, além de observar o critério objetivo (a idade das partes), deve,
outrossim, observar as peculiaridades para dar prioridade na tramitação, uma vez
que, devido às circunstâncias, é possível que um processo envolvendo pessoa dita
jovem pode ter uma necessidade de tramitação superior a de um idoso47.
Existe também tratamento diferenciado em relação ao Estado quando este é
condenado em honorários advocatícios, ou seja, os valores a serem arbitrados pelos
juízes têm um teto menor do que quando a sucumbência é de um particular.48 Parte
44 Nesse sentido: GRINOVER, Ada Pelegrini. Os princípios e o Código de Processo Civil.
São Paulo: José Bushatsky, 1977. p. 30-34 e 54-55 45 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 40-49. 46 No direito brasileiro há norma expressa em torno do assunto. O art. 1211-A , do CPC (com
redação da Lei nº 10.173-2001), prescrevia que, para tal fim, o beneficiário tivesse idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos, mas tal dispositivo fora revogado pelo art. 71 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que fixou a idade mínima em 60 (sessenta) anos.
47 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 124. 48 No direito brasileiro, o Código de Processo Civil concede tal privilégio ao Estado ao dispor
o seguinte: “Os honorários serão fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, atendidos: a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar da prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (parágrafo 3º do art. 20). “Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das aléneas a, b e c do parágrafo anterior (parágrafo 4º do art. 20).
37
da doutrina afirma que tal privilégio é inconstitucional, uma vez que, como o Estado
é um litigante habitual, diferentemente do particular, este já possui todo o aparato
jurídico para a sua defesa, tendo, em tese, um menor custo. Outros doutrinadores
afirmam a sua constitucionalidade, porque o custo da sucumbência é, no fim, arcado
por toda a sociedade, devendo esta ser sempre preservada.49
Há ordenamentos que prevêem o privilégio em relação ao pagamento de
honorários advocatícios, bem como nas despesas e custas processuais dos mais
necessitados50. Tal regramento é constitucional, na medida em que a situação de
desigualdade financeira entre as partes é compensada com o tratamento desigual,
para que assim se possa atingir a igualdade material.
No que tange às despesas e custas processuais pela Fazenda Pública e pelo
Ministério Público, algumas ordens jurídicas dispõem que estes devem adiantar tais
valores, porém, caso vencidos nas demandas, devem reembolsar o vencedor51. Na
doutrina52 discute-se a constitucionalidade de normas que possam procrastinar tal
reembolso, bem como a injustiça que tal privilégio acarretaria a terceiros, como
peritos, uma vez que só receberiam ao final do processo os valores adiantados ou
créditos dos serviços prestados.
Determina a lei tratamento diferenciado às partes em relação ao
adiantamento de despesas processuais, bem como ao ônus da sucumbência
quando estas forem autores em ação civil pública ou ação popular, sendo que
nestes tipos de ações, como o que se visa defender é o interesse público, não
podem tais valores ser empecilhos para o ajuizamento das demandas.
Ocorre que, caso fique comprovado a má-fé do autor, as despesas e
sucumbência serão divididas53. As despesas processuais devidas a terceiros
(honorários de peritos, deslocamento de testemunhas, p. ex, devem ser arcadas
pelo Estado, sendo necessário o reembolso do autor em caso de vitória deste.
49 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 126. 50 No Brasil esta disposição é regulada pele Lei nº 1.060/50 na qual aduz que: art. 3º: A
assistência judiciária gratuita compreende as seguintes isenções: V - dos honorários de advogados e peritos.
51 No CPC brasileiro, no seu art.27 está previsto: As despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido.
52 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 56-57.
53 Quanto a ação popular: Constituição Federal, art. 5º, LXXIII e art. 10 da Lei nº 4.717/68; quanto a ação civil pública: art. 18 da Lei nº 7.347/85.
38
Outro ponto a se destacar é quando o autor de ação civil pública for entidade
associativa. Quando esta defende interesse público, deve se tomar como parâmetro
o quanto escrito alhures, porém caso defenda, única e exclusivamente, interesse
dos seus associados, deve arcar com as despesas e sucumbência, a não ser que
não tenha capacidade financeira para tanto, caso que deve ser requerida assistência
judiciária gratuita, que, assim deve ser deferida.
No que tange aos efeitos da revelia, a lei prevê que, em alguns casos,
principalmente quando o direito do réu é indisponível, os fatos alegados pelo autor
não se presumem verdadeiros, mesmo não havendo contestação. Observa-se ainda
na legislação54 tratamento diferenciado quando havendo litisconsórcio unitário, só
um dos litisconsortes apresenta contestação, a hipótese é que não haverá efeito da
revelia em relação ao réu que não contestou.55
A lei concede o privilégio do duplo grau obrigatório de jurisdição em alguns
casos56, nos quais o julgamento de primeira instância é válido, porém é ineficaz, pois
deve ocorrer também julgamento por órgão superior a este.
Parte da doutrina afirma que o duplo grau obrigatório de jurisdição é
inconstitucional, uma vez que concede um privilégio que não deveria ocorrer, pois
bastava o devido aparelhamento do Estado com número satisfatório de
procuradores para solucionar tal problema57.
Por fim, o Código de Defesa do Consumidor58 concede a inversão do ônus da
prova em favor do consumidor, ou seja, alterando o brocado jurídico de que o autor
54 Art. 320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente: I - se,
havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; II - se o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III - se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato.
55 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p 133. 56 Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo tribunal, a sentença; I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública. § 1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. § 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor § 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.
57 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 136. 58 Artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor.
39
tem o dever de provar os fatos constitutivos do seu direito, uma vez que existe uma
hipossuficiência do consumidor em face do fornecedor, de maneira que com tal
privilégio busca-se atingir o principio da isonomia.
Atesta-se, ainda, a relação íntima entre o principio do devido processo legal e
o direito do acesso à justiça. O devido processo em direito é o mais amplo principio
processual, haja vista que todos os outros decorrem dele. Doutrinariamente, tal
princípio é visto sob dois enfoques: processual e substancial. O primeiro diz respeito
à observância do procedimento legal, como prazos, comunicação de atos, etc. O
segundo exige que a decisão judicial seja justa, no sentido de equânime.59
Os dois aspectos são falhos se vistos isoladamente. Assim, vislumbra-se que
se em algum processo não foi obedecida alguma dessas dimensões, também não
se atingiu o princípio do acesso à justiça, na medida em que o direito à jurisdição só
faz sentido se o processo gerou uma decisão justa em todos os aspectos.
O princípio do juiz natural também se mostra intrinsecamente ligado ao direito
do acesso à justiça, pois segundo aquele nenhuma pessoa pode ser julgada por
tribunal de exceção ou ad hoc. Assim, o principio do juiz natural pressupõe que o
órgão jurisdicional tenha sido criado anteriormente aos fatos sob a égide das leis
constitucionais, em caráter geral e abstrato. Tal aspecto da lei (geral e abstrato) não
significa que o Estado não possa criar justiças especializadas, como forma de
aperfeiçoar o trabalho jurisdicional, bem como não possa ter tribunais ou órgãos que
julguem causas em razão de pessoas e fatos (prerrogativa de foro).
Nesse passo, o princípio do juiz natural também diz respeito à questão da
jurisdição, pois ninguém pode ser julgado por autoridade que não possua poderes
para tanto. Na prática, uma vez que o juiz não possua jurisdição para o julgamento,
a “decisão” proferida será ato juridicamente inexistente.
Nestes termos, existem diversos problemas processuais relacionados com a
falta de jurisdição, senão vejamos: a) a ideia de lugar, não pode o juiz de uma
determinada localidade usurpar funções de outro juiz de local diverso, emitindo
decisões fora do seu âmbito de atuação, por lhe faltar jurisdição; b) quando o juiz for
afastado, por questão disciplinar, ou férias, licenças, etc, este não possui jurisdição
enquanto perdurar este afastamento, devendo os processos serem julgados pelo
seu substituto legal; c) a distribuição é essencial para preservar o princípio do juiz
59 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 140-141.
40
natural, no sentido de não direcionamento do juízo; d) juiz que proferir decisão sem
atribuição constitucional, caso que a norma é juridicamente inexistente (ex: só o
Supremo Tribunal Federal tem atribuição para julgar ação direta de
constitucionalidade).
O acesso à justiça se relaciona com o princípio da inafastabilidade do controle
jurisdicional, sendo que uma análise superficial poderia, inclusive, confundir os dois
princípios, pois este também conhecido como direito de ação ou direito à jurisdição
significa que toda lesão ou ameaça de lesão é passível de controle pelo Poder
Judiciário. Assim, resta demonstrado que o principio da inafastabilidade do controle
jurisdicional está englobado pelo do direito ao acesso à justiça, uma vez, conforme
visto acima, este, além de garantir a “porta de entrada” tem um conceito mais amplo,
como decisão justa e em tempo razoável, por exemplo.
No que se refere aos princípios da ampla defesa e contraditório, estes se
relacionam com o acesso à justiça, na medida em que ambos significam que, antes
de qualquer decisão sobre determinada postulação, o magistrado deve oportunizar à
outra parte ou interessado a se manifestar sobre esta, vez que tal postulação pode
interferir no momento do julgamento.60
Dessa forma, devem ser oportunizados o contraditório e a ampla defesa aos
intervenientes no processo, bem como ao Ministério Público, quando o mesmo
figurar como parte interessada no processo. Com relação ao parquet funcionando
como fiscal da lei, aos colaboradores do Judiciário, como peritos, testemunhas, etc,
em princípio, tal direito não é aplicado, a não ser que exista a possibilidade de
sanção de um destes no processo, devendo, neste caso, ser observado o
contraditório e ampla defesa antes da imposição ou não da sanção.
Discussão doutrinária se dá quanto ao principio do contraditório e ampla
defesa em relação ao efetivo contraditório e efetiva defesa. Defende-se o
posicionamento de que, oportunizada a chance de resposta, tal princípio já foi
prestigiado, não necessitando para a sua configuração a efetiva apresentação da
defesa ou a efetiva manifestação.
Outrossim, o direito a produção de provas obtidas por meios lícitos é corolário
básico do direito ao acesso à justiça, pois em nada adiantaria o direito de postular,
sem a possibilidade de produzir as provas para embasar as alegações fáticas. Neste
60 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 250.
41
ponto, deve o juiz tomar muita cautela no que tange a produção das provas Estas
devem ser necessárias, evitando-se, assim, chicanas e prolongamentos
desnecessários do processo.
Ademais, para se falar em acesso à justiça deve ser coibida a produção de
provas obtidas por meio ilícito, haja vista que toda conduta ilícita é contrária ao
direito, de maneira que a produção de prova obtida ilicitamente é conduta que não
deve ser admitida.
O principio da publicidade é corolário básico para que o processo transcorra
de forma transparente em relação às partes, sendo estas comunicadas de todos os
atos, além do público em geral, por ser a função jurisdicional pública e de interesse
geral. Assim sendo, mesmo que o principio da publicidade seja mitigado
temporariamente, por questão legal (segredo de justiça), seja pelas circunstâncias
do caso concreto (liminar inaudita altera pars, p. ex.), o principio do acesso a justiça
não estará maculado, pois em tais casos, mediante decisão fundamentada e
razoável, esta medida é necessária para o devido andamento processual.61
A fundamentação das decisões judiciais é essencial para as partes e a
sociedade, na medida em que é garantia contra o arbítrio judicial. Decisão arbitrária
no fundo é denegação da justiça, de modo que é estreita a relação entre o princípio
da fundamentação e o direito do acesso à justiça. Neste esteio intelectivo, decidir um
conflito sem dizer o motivo, não é decidir, é impor.
Discuti-se na doutrina a respeito da caracterização da sentença imotivada, no
que tange a existência e validade dos atos processuais. Parte tradicional e
predominante da doutrina afirma que a sentença imotivada é ato nulo, face
importância que a mesma tem na decisão, e se não possui dispositivo é ato
juridicamente inexistente62. Outra parte da doutrina afirma que quando não existindo
motivação, a sentença é anulável63. Existe ainda uma terceira corrente que afirma
que a sentença sem motivação é ato jurídico inexistente, visto que para tais
doutrinadores, a motivação é elemento nuclear da sentença, ou seja, o ato jurídico
61 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011. p. 283. 62 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeira linhas de direito processual civil. V. 3. 11.ed. São
Paulo: Saraiva, 1990. p. 22. 63 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. V. 2. São
Paulo: Malheiros, 2000. p.588-599.
42
que falta algum dos seus elementos nucleares não passa de mero ato material, isto
é, não tem existência jurídica.64
No presente trabalho, acreditando-se que a motivação da sentença está
diretamente ligada a questão da pacificação social e, consequentemente interligada
ao Estado Democrático de direito, adota-se a teoria que caso não haja a
fundamentação da sentença, esta é ato jurídico inexistente.
O princípio do duplo grau de jurisdição está ligado ao direito do acesso à
justiça, no sentido de que a eliminação deste invocando o aspecto da celeridade
processual, poderá ser fator de negação ao acesso à justiça por não permitir o
controle de decisões judiciais abusivas, ilegais ou manifestamente injustas, devendo,
assim, sopesar os valores segurança e celeridade.
Percebe-se nitidamente a relação entre o princípio do acesso à justiça e o
princípio do processo em tempo razoável, pois sem se abrir mão das garantias
constitucionais, o mesmo deve começar e terminar em tempo razoável. De fato, em
que pese à indeterminação do termo “razoável”, o processo excessivamente
demorado significa profunda e grave injustiça pelos prejuízos que pode acarretar em
muitas situações.
Diante da necessidade de se dar efetividade ao quanto disposto na Carta
Magna, a CF/88 direciona aos destinatários o seu cumprimento, sendo certo que o
primeiro deles é o legislador ordinário, o qual tem o dever de editar leis que façam
valer tal direito. Em segundo lugar, como corolário lógico, o juiz não pode se escorar
na inércia do legislativo para não dar o efetivo andamento ao processo.
Por fim, os agentes do Ministério Público, advogados e partes, também
possuem grande influência no trâmite processual, sendo necessário que ajam com
lisura e pratiquem todos os atos em conformidade com a lei, ajudando, assim, o
desenvolvimento mais rápido do processo.
Nesse passo, cumpre destacar que os legitimados prejudicados com a
demora excessiva de trâmite do processo, podem pedir ao juiz e aos órgãos
disciplinares, as providências necessárias. Ademais, à parte, caso haja dano, cabe
ação indenizatória em face do Estado pela má-prestação jurisdicional no âmbito
interno, bem como no âmbito externo, perante órgãos internacionais por negação do
acesso à justiça.
64 SOUZA, Wilson Alves de. Sentença civil imotivada. Salvador: Juspodivm, 2008. p 178 e
segs.
43
O princípio da efetividade das decisões judiciais também está ligado
intimamente ao acesso à justiça, uma vez que, fora de situações extremas, tolerar a
ineficácia da sentença quando existem ou existiram condições para o seu
cumprimento é o mesmo que negar o acesso à justiça.
Assim, não se pode tolerar que agentes estatais invoquem qualquer motivo
para não cumprir ou cumprir quando bem entenderem as decisões judiciais, pois tal
comportamento é incompatível com o Estado democrático de Direito, o que
caracteriza a negação da justiça.
44
3 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO INTERNACIONAL E NO
DIREITO COMUNITÁRIO
Conforme se pode observar no primeiro capítulo, o princípio do acesso à
justiça está insculpido na Declaração Universal dos Direitos Humanos e, portanto,
está presente nos mais variados ordenamentos jurídicos pelo mundo afora, pois
corolário básico do Estado Democrático de Direito.
Essa concepção é fruto do movimento de internacionalização dos Direitos
Humanos, que constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo
depois da Segunda Guerra Mundial, como resposta às atrocidades e aos horrores
cometidos durante o nazismo. Apresentando o Estado como o grande violador de
Direitos Humanos, a era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da
descartabilidade da pessoa humana, que resultou no envio de 18 milhões de
pessoas a campos de concentração, com a morte de 11 milhões, sendo 6 milhões
de judeus, além de comunistas, homossexuais, ciganos,etc.65
E Flávia Piovesan66 arremata:
A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a responsabilização do Estado no domínio internacional, quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteção dos direitos humanos.
É exatamente neste contexto, que o mundo se esforça para a reconstrução
dos Direitos Humanos, como norte ético a orientar a ordem internacional da
atualidade, surgindo no âmbito da Organização das Nações Unidas um sistema
global de proteção aos direitos humanos.
Dessa forma, para o presente trabalho, se faz imprescindível o estudo da
relação do princípio do acesso à justiça (Direito Humano) com o Direito Internacional
e o Direito Comunitário, como escopo para a criação do Tribunal de Justiça
Supranacional, no MERCOSUL.
65 PIOVESAN, Flávia. Globalização econômica, integração regional e direitos humanos. In:
______ (Coord.). Direitos humanos, globalização econômica e integração regional. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 40.
66 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 3.ed. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 141.
45
Para André Gonçalves Pereira e Fausto Quadros67:
As novas matérias que o Direito Internacional tem vindo a absorver, nas condições referidas, são de índole variada: política, econômica, social, cultural, científica, técnica, etc. Mas dentre elas o livro mostrou que há que se destacar três: a proteção e a garantia dos direitos do homem, o desenvolvimento e a integração econômica e política.
Não se pretende aprofundar o estudo do princípio do acesso à justiça em
todos os organismos internacionais, focando na União Europeia, paradigma para a
elevação do MERCOSUL à categoria de comunidade internacional.
Assim, após esses relatos referentes à concepção contemporânea dos
Direitos Humanos (acesso à justiça), passa-se a discorrer a importância desse valor
em relação ao processo de integração econômica regional.
3.1 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO INTERNACIONAL
Com a finalidade de proteger a dignidade da pessoa humana e os direitos
inerentes a ela, defende-se a universalização do acesso à justiça, com a finalidade
de conferir a efetiva proteção jurisdicional aos anseios dos jurisdicionados.
Tal universalização compreende efetivação do Estado de Direito – no âmbito
interno dos Estados – e a previsão de mecanismos internacionais de proteção dos
direitos humanos.
A universalização do acesso à justiça visa primordialmente garantir um
processo justo aos cidadãos independentemente dos limites territoriais do Estado ao
qual esteja vinculado. É um procedimento, pois, que promove o exercício da
cidadania pelos sujeitos de direito, garantindo o adequado respeito às normas
jurídicas, à luz da concepção dos direitos humanos.
67 PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto. Manual de Direito Internacional
Público. 3.ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 661. Neste mesmo sentido: “[…] o estabelecimento de organismos internacionais de tutela dos direitos humanos, que o destacado estadista Mauro Cappelletti tem qualificado como jurisdição constitucional transnacional, enquanto controle judicial da constitucionalidade das disposições legislativas e de atos concretos de autoridade, tem alcançado o Direito Interno, particularmente a esfera dos direitos humanos e tem se projetado no âmbito internacional r inclusive comunitário” (FIX-ZAMUDIO, Hector. Protecion jurídica de los derechos humanos. México: Comissión Nacional de Derechos Humanos, 1991. p. 184).
46
Cumpre destacar que no âmbito internacional, o chamado processo justo
encontra as mesmas barreiras que no âmbito nacional. Dessa forma, pode-se
atestar que os fatores como o desconhecimento dos direitos por grande parte da
população, a pobreza, a necessidade efetiva da assistência judiciária gratuita e as
discriminações, inclusive econômicas, são grandes entraves para a efetivação do
princípio do acesso à justiça.
Para se ter o processo justo é necessário não só a observância dos requisitos
formais, mais principalmente dos requisitos materiais ou substanciais, de tal forma
que o acesso à justiça constitua um instrumento de concretização dos valores de
solidariedade e igualdade, não só dentro das barreiras dos Estados, mas também
em nível internacional.
Para se alcançar este ponto de maturação, foi necessário, após a Segunda
Grande Guerra, a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948,
a qual traz expressamente o acesso à justiça, como sendo um princípio essencial
para o desenvolvimento da humanidade.
Assim, compreende-se por que a garantia do acesso à justiça, condensada na
cláusula do justo processo, é tida como direito humano, na medida em que é
condicionada pelos valores elementares que dão sobrevivência ao Estado
democrático de Direito.
O atual sistema de proteção dos direitos humanos, na perspectiva universal,
tem como fundamento primordial o reconhecimento do valor da pessoa humana em
escala universal, incluindo nele o acesso à justiça.
Tal universalização compreende efetivação do Estado de Direito – no âmbito
interno dos Estados – e a previsão de mecanismos internacionais de proteção dos
direitos humanos.
Um dos pilares para a concretização do acesso à justiça reside na recepção,
pelos Estados, de decisões supranacionais – perspectiva de internacionalização
desse direito – pautadas na dignidade da pessoa humana mediante a defesa dos
direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais do indivíduo.
Para a garantia da internacionalização do acesso à justiça nos moldes
expostos, faz-se imprescindível conferir instrumentos que possibilitem o indivíduo
(em nome próprio ou por intermédio de uma entidade internacional) peticionar,
perante órgãos internacionais de proteção aos direitos humanos,
47
independentemente da sua nacionalidade, requerendo a revisão da decisão interna
(do seu Estado de origem) formalmente válida na defesa dos seus direitos humanos.
Assim, com a atual operação no plano internacional de múltiplos tribunais
internacionais tem-se gerado possibilidades de solução pacífica de controvérsias e
ampliado o acesso à justiça em diferentes domínios do direito internacional
contemporâneo.
3.2 O ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO COMUNITÁRIO
O Direito Comunitário é, antes de mais nada, integrado pelo corpo de normas
constantes dos Tratados (direito comunitário originário); mas é também constituído
pelas disposições dos atos normativos emanados das Instituições Comunitárias
(direito comunitário derivado), e por um conjunto de princípios jurídicos que ao longo
dos tempos foram sendo elaborados ou explicitados pelo Tribunal de Justiça.68
Embora os sistemas judiciais dos Estados-Membros sejam substancialmente
diferentes, há um conjunto de princípios comuns aplicável a todos eles, bem como à
UE enquanto organização autônoma. Segundo um destes princípios comuns, os
tribunais devem ser imparciais e independentes do Governo e do legislador (ou seja,
das instituições que aprovam as leis). Este princípio da independência dos tribunais
é um dos valores em que assenta a UE: o Estado de direito e o respeito pela
liberdade, pela igualdade e pelos direitos fundamentais. O artigo 47.º da Carta dos
Direitos Fundamentais da UE e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem prevêem-no expressamente.
O terceiro parágrafo do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia prevê a concessão de assistência judiciária a quem não disponha de
recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para
garantir a efetividade do acesso à justiça.
Em 27 de Janeiro de 2003 o Conselho adotou uma diretiva relativa à melhoria
do acesso à justiça nos litígios “transfronteiriços” através do estabelecimento de
regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.
As disposições da referida diretiva são aplicáveis a litígios “transfronteiriços”
em matéria civil, ou seja, quando a parte que requer apoio judiciário não reside no
68 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 13.
48
Estado-parte em que o processo deve ser apreciado ou em que a decisão deve ser
executada.
A diretiva estabelece os serviços a prestar para que o apoio judiciário seja
considerado adequado: o acesso a apoio pré-contencioso; a assistência jurídica e a
representação do interessado em juízo; a dispensa ou a assunção dos encargos do
beneficiário com o processo, incluindo os encargos relacionados com o caráter
“transfronteiriço” do litígio.
Além disso, a diretiva do Conselho prevê determinados mecanismos de
cooperação judiciária entre as autoridades dos Estados-partes tendo em vista
facilitar a transmissão e o tratamento dos pedidos de apoio judiciário. Em especial, a
diretiva prevê a possibilidade de uma pessoa apresentar o seu pedido no país de
residência, o qual deve seguidamente transmiti-lo, rápida e gratuitamente, às
autoridades do país em que é concedido o apoio judiciário.
3.3 O TRIBUNAL EUROPEU
A União Européia constitui, nos dias atuais, indubitavelmente, a experiência
mais avançada em termos de direito da integração. Os Estados europeus, ao
começarem sua empreitada rumo à integração econômica, optaram por um caminho
mais longínquo e difícil. É esse caminho, a integração jurídica, elemento inovador
em relação às tentativas precedentes de unificação do continente europeu, que pode
ser considerado a explicação para as razões de seu sucesso e longevidade.
O ordenamento jurídico da União Europeia possui duas características
básicas: é formado por tratados internacionais, que apresentam, na sua aplicação e
interpretação, características comuns a tratados de direito internacional público,
além de conter normas expedidas internamente, que possuem caráter vinculativo,
obrigando todas as nações componentes da União Europeia, com a finalidade de
regular as relações entre os Estados integrantes, e destes com os particulares.
Destarte, o direito da União Europeia é composto de tratados constitutivos,
classificados como normas de caráter originário, e de atos normativos, classificados
como normas derivadas, sendo que ambos são obrigatórios para os Estados-
membros e instituições. Os tratados constitutivos da União Europeia são: o Tratado
de Roma, o Ato Único Europeu, o Tratado da União Europeia, o Tratado de
Amsterdã, o Tratado de Nice e o Tratado de Lisboa, sendo os atos normativos
49
derivados chamados de regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e
pareceres.
O Tribunal de Justiça Europeu, com sede em Luxemburgo, vem exercendo,
desde a sua constituição através do Tratado de Roma, e, em especial, a partir da
década de 80, um importantíssimo papel no desenvolvimento das instituições
comunitárias, tendo fornecido excepcionais elementos para o atual delineamento da
União Europeia.
Assim, a missão do Tribunal de Justiça da União Europeia consiste em
garantir "o respeito do direito na interpretação e aplicação" dos Tratados. No âmbito
desta missão, o Tribunal de Justiça da União Europeia: fiscaliza a legalidade dos
atos das instituições da União Europeia; assegura o respeito, pelos Estados-
Membros, das obrigações decorrentes dos Tratados; interpreta o direito da União a
pedido dos juízes nacionais.
Cumpre frisar que a par da interpenetração do ordenamento jurídico
comunitário, ser relativamente autônomo, o Tribunal de Justiça Europeu interage
com as cortes nacionais em uma relação de cooperação, que contribui para a
dinamização e internalização das normas comunitárias originárias e derivadas nos
ordenamentos jurídicos nacionais.
Aos tribunais nacionais foi atribuída competência geral, como tribunais
comuns da ordem jurídica comunitária, para interpretar e aplicar o Direito
Comunitário (art. 234. CE). Mas sentiu-se a necessidade de confiar a uma jurisdição
especializada a missão de garantir em última instância a correta interpretação das
normas comunitárias, comuns a uma coletividade de Estados, e, bem assim, de
controlar e sancionar os comportamentos, tanto dos órgãos da Comunidade com
dos seus Estados-partes e, eventualmente, dos próprios particulares, atentatórios do
respeito à ordem jurídica comunitária.69
Dessa maneira, o Tribunal de Justiça interpreta o direito da União Europeia a
fim de garantir a sua aplicação uniforme em todos os Estados-Membros. Além disso,
resolve os litígios entre os governos nacionais e as instituições europeias.
Particulares, empresas e organizações podem recorrer ao Tribunal se considerarem
que os seus direitos foram infringidos por uma instituição europeia.
69 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 14.
50
É nítido perceber que o instituto da supranacionalidade contribuiu
decisivamente para o desenvolvimento da União Europeia, pois possibilitou a
criação de instituições comunitárias autônomas, compromissadas unicamente com a
tutela dos objetivos integracionistas da comunidade, sem qualquer vinculação ou
sujeição aos interesses deste ou daquele Estado-membro.
A origem da supranacionalidade encontra-se na transferência de parcelas
soberanas por parte dos Estados nacionais em benefício de um organismo que, ao
fusionar as partes recebidas, avoca-se desse poder e opera acima das unidades que
o compõem, na qualidade de titular absoluto. Diferentemente das organizações do
tipo clássico, na UE não se estabeleceu uma relação de equilíbrio entre os
integrantes, baseada na coordenação de soberanias. A dinâmica que norteia o
contexto europeu radica, pelo contrário, em verdadeira subordinação dos Estados
em benefício da organização criada, resultado da transferência que se operou em
certas atribuições, tradicionalmente, pertencentes ao ente estatal.70
No estudo que ora se desenvolve, o Tribunal Europeu será visto como
paradigmático, pois este sempre foi um motor de alavanque do Direito Comunitário
e, consequentemente do modelo de integração regional. Isto não quer dizer que o
MERCOSUL deva copiar integralmente a estrutura do Tribunal Europeu, pois cada
região teve a sua história, com momentos e períodos únicos.
Porém, não se deve deixar de frisar que a forma da Comunidade Europeia,
por ser o mais exitoso modelo de interação, deve ser levado em conta como um
sistema-modelo, incluindo em cada nova comunidade as suas características
individuais.
A grande distinção existente entre a União Europeia e o MERCOSUL, e que
deveria ser revista caso o bloco sul-americano pretenda introduzir um Tribunal de
Justiça que venha coibir eventuais entraves ao processo de integração, reside na
natureza do ordenamento jurídico.
As Comunidades Europeias possuem um ordenamento jurídico comunitário,
ou seja, um ordenamento jurídico autônomo em relação ao ordenamento jurídico
interno dos Estados-membros e que possui características principais e singulares,
que marcam sua distinção em relação às normas de direito internacional, quais
sejam: primazia e aplicabilidade direta e imediata.
70 STELZER, Joana. União Europeia e supranacionalidade: desafio ou realidade? 2.ed.
Curitiba: Juruá, 2006. p. 77.
51
Quando da análise da característica da primazia, explicou-se que a
manifestação da supranacionalidade pela delegação de parcelas de poderes
soberanos dos Estados-membros para as comunidades, quando da adesão aos
seus tratados constitutivos, em conjunto com a previsão constitucional, pelos
Estados-membros, dessa transferência, se constituiu no fundamento de validade do
ordenamento jurídico comunitário.
Nesse ponto, mister se faz o estudo da posição do Tribunal de Justiça
Europeu na estrutura institucional das comunidades, a composição e funcionamento
do Tribunal, bem como da sua competência.
Por fim, cumpre destacar que o Tribunal de Justiça da UE não deve ser
confundido com o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). O TEDH não é
um tribunal da UE, mas sim um tribunal criado no âmbito do Conselho da Europa
pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, para garantir o respeito pelos
direitos e liberdades previstos nessa convenção. No entanto, a jurisprudência do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pode exercer uma influência considerável
sobre o direito da UE, uma vez que os direitos fundamentais garantidos na
Convenção Europeia constituem também princípios gerais do direito da UE.
3.3.1 A posição do Tribunal de Justiça Europeu na estrutura institucional da
comunidade
O Tribunal de Justiça da União Europeia foi criado em 1952 pelo Tratado
CECA – Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, que originou a
União Europeia, e tem por objetivo garantir o respeito do direito na interpretação e
aplicação dos Tratados. Com a revisão do Tratado de Lisboa, o Tribunal de Justiça
da União Europeia ficou consagrado como o órgão jurisdicional da União Europeia,
passando a compreender o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral, além dos
tribunais especializados que vierem a ser criados.
Dessa forma, o Tribunal comunitário surge, na estrutura orgânica das
Comunidades Europeias, como uma instituição de suma importância, uma vez que
se pode afirmar que o Tribunal de Luxemburgo é um verdadeiro tribunal, por se
tratar de um Órgão totalmente independente das restantes instituições comunitárias
e dos governos dos Estados-partes, com jurisdição própria e competência exclusiva
52
em determinadas matérias que aprecia na rigorosa conformidade do Direito
Comunitário.71
Para poder exercer plenamente e com a necessária independência o seu
poder jurisdicional, o Tribunal de Justiça intervêm a requerimento de quaisquer umas
das partes interessadas no litígio; julga sem recurso; algumas das duas decisões
têm força executória nos territórios dos Estados-membros; funciona com caráter de
permanência; e a nacionalidade dos juízes que o compõem nada tem a ver com o
desempenho das suas funções que lhes é imposto exercerem com total
independência.72
Como instituição jurisdicional, o Tribunal de Justiça foi colocado em posição
de poder exercer uma grande influência no processo de integração europeia. Assim
sendo, como jurisdição constitucional, tem contribuído em larga medida, através dos
seus acórdãos, despachos e pareceres, para a manutenção de um salutar equilíbrio
institucional e, em geral, para o integral respeito das regras do Tratado de Roma,
encarados como a Constituição da Comunidade, em relação a qual se deve aferir da
validade dos atos das Instituições Comunitárias.73
Além de tal jurisdição constitucional, o Tribunal de Justiça Europeu exerce a
jurisdição comunitária, responsável pela interpretação e aplicação uniforme do
Direito Comunitário, através dos seus princípios, bem como do diálogo com os
tribunais nacionais, para assegurar satisfatoriamente a unidade, coerência e eficácia
que a ordem jurídica comunitária constitui.74
Exerce, outrossim, função de Tribunal Administrativo, podendo impor à
Administração Comunitária o rigoroso respeito à legalidade comunitária. No campo
internacional, faz as vezes de um tribunal internacional, obrigando os Estados-
partes, nas relações entre si e de cada um com a Comunidade ou com terceiros
Estados, a observância fiel das obrigações que para todos resultaram dos Tratados
Comunitários, que antes de mais são instrumentos do Direito Internacional
convencional.
71 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 18. 72 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 18. 73 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 20. 74 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 21.
53
Como tribunal cível, julga a responsabilidade extracontratual das
Comunidades, emergente das acusações dos seus órgãos e agentes e como
tribunal do trabalho, cumpre decidir, como instância de recurso, em todos os litígios
de caráter laboral que oponham as Comunidades aos seus funcionários e agentes.75
Cumpre destacar a ausência de relação hierárquica entre o Tribunal de
Justiça Europeu e as jurisdições nacionais. Aquele não funciona como um tribunal
de recurso ou como jurisdição suprema de um sistema federal, não sendo da sua
competência, em nenhuma circunstância, reformar as decisões proferidas na ordem
interna, em que se faça aplicação do Direito Comunitário, ou anular os atos dos
Estados contrários ao direito comunitário.
Na estrutura organizacional, enquanto o Tribunal Federal é competente para
corrigir as decisões de jurisdições estaduais e para anular os atos dos Estados
Federados, o Tribunal de Justiça Europeu não dispõe de tal competência. Isso não
quer dizer que o mesmo não se arrogue de competência para exercer alguma
censura indireta em relação aos tribunais nacionais e mesmo em relação aos
Estados-partes. Assim, no caso de rebeldia das jurisdições supremas a acatar os
Tratados da Comunidade Europeia, ou o princípio da primazia ou da aplicabilidade
direta do direito comunitário, ou quando algum Estado-parte, com o seu
comportamento, viola decisões do Tribunal Comunitário ou o princípio da
solidariedade subjacente à União Europeia.76
Porém, em que pese o Tribunal de Justiça não dispor da competência de
anular formalmente um ato dos tribunais nacionais, este está apto, a adotar medidas
cautelares adequadas bem como impor a suspensão da aplicação de qualquer ato
nacional, ainda que de caráter legislativo, que viole os princípios acima elencados.
Acrescente que, não podendo decretar a nulidade de um ato nacional, o
Tribunal Europeu pode implicar para o Estado infrator a obrigação de modificá-lo ou
revogar ele próprio, para se conformar com a legislação e jurisprudência
comunitária, podendo ainda, impor sanção aos Estados que deixarem de cumprir as
suas determinações.
75 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 21. 76 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 22.
54
Deste modo, o Tratado, não conferindo ao Tribunal, em termos formais, o
poder de anular os atos nacionais contrários à legalidade comunitária, contém
disposições que, no fim das contas, permitem alcançar o mesmo efeito.77
3.3.2 A composição e o funcionamento do Tribunal de Justiça Europeu
Na União Europeia, o Tribunal de Justiça é composto por um juiz de cada
Estado-Membro, assistidos por 8 Advogados Gerais, nomeados de comum acordo
pelos governos dos Estados-Membros por seis anos, sendo necessária, desde a
entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a consulta a um Comitê antes de os
governos dos Estados-Membros procederem à nomeação, conforme arts. 253 e 254
do TFUE.
O Comitê é composto por sete personalidades, escolhidas de entre antigos
membros do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, membros dos tribunais
supremos nacionais e juristas de reconhecida competência, um dos quais será
proposto pelo Parlamento Europeu. O Conselho adota uma decisão que estabelece
as regras de funcionamento desse Comitê, bem como uma decisão que designa os
respectivos membros. O Conselho delibera por iniciativa do Presidente do Tribunal
de Justiça.
Antes de assumirem as suas funções, juízes e advogados-gerais devem, em
sessão pública, prestar o juramento de exercer as suas funções com total
imparcialidade e consciência e respeitar o segredo das deliberações do Tribunal (art.
2º do Estatuto do Tribunal).78
No que tange as funções dos advogados-gerais, estes não são
representantes de interesses, mais sim membros independentes do próprio Tribunal.
Ao criar este cargo, teve-se em vista levar ao processo a informação minuciosa e
fundamentada de um jurisconsulto liberto tanto da pressão dos interesses das partes
como das responsabilidades do julgador, capaz de carrear para o processo, com
77 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 25. 78 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 26.
55
inteira liberdade e independência, quaisquer elementos úteis que os juízes não
possam recolher e que as partes não tenham fornecido.79
As conclusões do Advogado-geral, com que se encerra a fase oral do
processo, são publicadas na coletânea de Jurisprudência do Tribunal, em anexo às
decisões, e constituem textos da maior importância para o conhecimento, fixação e
desenvolvimento da jurisprudência comunitária.
Em relação aos juízes, como nos ordenamentos jurídicos modernos, estes
possuem uma série de garantias para poderem realizar as suas funções de forma
imparcial e independente. No Tribunal de Justiça Europeu não é diferente, sendo
que os Tratados de composição deste adotaram um amplo conjunto de medidas
adequadas para assegurar a sua independência.
Conforme aduzido em linhas supra, a duração do mandato é de seis anos,
com a garantia de que seu termo final só pode se dar por vontade própria, ou no
caso de uma decisão do próprio Tribunal (art. 5º e 6º do Estatuto do Tribunal).
Os juízes e os advogados-gerais são beneficiários, nas mesmas condições
que os membros da Comissão, de um regime de remuneração que lhes assegura,
além do desafogo pecuniário durante o exercício do cargo, uma pensão durante o
período de três anos posterior à cessação de funções, igual a metade do vencimento
que auferiam, sendo estas remunerações fixadas pelo Conselho (art. 210 CE).80
A presidência do Tribunal é renovada a cada três anos e o seu presidente é
eleito pelos próprios juízes, o qual pode ser reeleito (art. 223 CE e art. 7º, 8º e 11 do
Reg. Processo).
Tendo em vista assegurar uma relativa continuidade e estabilidade da
orientação jurisprudencial do Tribunal, a renovação dos seus membros não se faz de
seis em seis anos: antes que se proceda, de três em três anos, a uma renovação
parcial que atinge alternadamente 8 e 7 juízes, o que ocorre também ocorre com os
advogados-gerais. Frise-se que os mesmos, ao cessarem as suas funções, podem
ser reconduzidos (art. 223, CE).
O próprio Tribunal que nomeia, por voto secreto dos juízes e advogados-
gerais, por um período de seis anos, o seu Secretário, o qual presta o juramento de
exercer as suas funções com total imparcialidade e consciência e de respeitar o
79 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 26. 80 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 27.
56
segredo das deliberações do Tribunal (art. 9º do Estatuto). O Secretário é assistido
por secretários adjuntos e por um encarregado da administração do Tribunal (cf. os
art 224 CE e 12 a 14 do Reg. De Processo do Tribunal.)
Entre as funções do Secretário, está a de assegurar a administração do
Tribunal, gerir o orçamento e dirigir o pessoal (Cf os art 12 a 23 do Reg. De
Processo e as Instruções do Secretário). Outrossim, cumpre ao Secretário assegurar
a recepção, a transmissão e a conservação de todos os documentos e termos dos
processos, bem como o registro de todos os atos processuais, respondendo, ainda,
pela atas das audiências.
Os juízes e os advogados-gerais não podem exercer quaisquer funções
políticas ou administrativas ou qualquer atividade profissional, remunerada ou não.
(cf. os art. 4º a 8º e 16 do Estatuto). Quando da sua posse, estes assumirão o
compromisso solene de respeitar, durante o exercícios das suas funções e após a
cessação das mesmas, os deveres decorrentes do cargo, nomeadamente os
deveres de honestidade e discrição, relativamente à aceitação, após aquela
cessação, de determinadas funções ou benefícios (art. 4º e 8º do Estatuto).
Ao tratar da inamovibilidade dos juízes e dos advogados-gerais, o art. 6º do
Estatuto assevera que “só podem ser afastados das suas funções ou privados do
seu direito a pensão ou de outros benefícios que a substituem se, por decisão
unânime de juízes e advogados-gerais do Tribunal, tiverem deixado de corresponder
às condições de exigidas ou de cumprir os deveres decorrentes do cargo. O
interessado não participa nestas deliberações”.
Quanto ao funcionamento do Tribunal, este funciona de modo permanente na
cidade de Luxemburgo, sem prejuízos das férias dos seus membros, cabendo ao
próprio Tribunal fixar o seu período, tendo em vista as necessidades do serviço, bem
como dos respeitados os períodos de feriados (art. 14 do Estatuto).
Os juízes e os advogados-gerais, para assegurar o funcionamento
permanente do Tribunal, devem, obrigatoriamente, residir na cidade de Luxemburgo
(art. 13 do Estatuto).
3.3.3 A competência do Tribunal de Justiça Europeu
Em razão da falta de competência genérica, o Tribunal de Justiça da União
Europeia tem por atividades relevantes:
57
[…] verificar a compatibilidade com os Tratados dos actos das instituições europeias e dos governos (ação por incumprimento, ação por omissão e recurso de anulação) e pronunciar-se, a pedido de um tribunal nacional, sobre a validade ou interpretação das disposições do Direito Comunitário (reenvio prejudicial)81.
Em consequência destas relevantes funções o Tribunal de Justiça,
historicamente, tem contribuído para a construção da ordem jurídica comunitária e
do próprio direito comunitário. Muito dos princípios comunitários hoje existentes
deve-se ao fato do Tribunal, de forma eficaz, ter exercido sua atividade com
harmonia e independência. Em razão de sua credibilidade e aceitação, a demanda
crescente acarretou um congestionamento de suas atividades, fazendo com que, em
1989, fosse criado o Tribunal da Primeira Instância das Comunidades Europeias
(TPI). O TPI adota determinadas funções do Tribunal de Justiça, estabelecendo
dentro da União Europeia o duplo grau de jurisdição. Neste sentido, a jurisdição do
TJUE e TPI é exclusiva e obrigatória.
Pode-se dizer que ao Tribunal comunitário foram atribuídas competências
tanto no que tange processos de jurisdição voluntária, como no que se refere a
processos de jurisdição contenciosa, nas seções 1ª e 2ª, respectivamente. Cabe
ainda ao Tribunal de Justiça, conhecer e apreciar, em grau de recurso, as decisões
emanadas pelo Tribunal de Primeira Instância, criado no quadro comunitário (seção
3ª).
3.3.3.1 Competência voluntária ou não-contenciosa
Em processos não contenciosos, o Tribunal de Justiça pode ser solicitado a
fornecer a correta interpretação do Direito Comunitário ou a julgar a validade dos
atos das Instituições da Comunidade (§1º); e, ainda, a pronunciar-se sobre a
compatibilidade com a Constituição Comunitária de qualquer projeto de acordo
internacional que as Comunidades pretendam concluir (§2º).82
Conforme já foi sublinhado, os tribunais nacionais funcionam como tribunais
comuns da ordem jurídica comunitária, sendo da sua alçada a competência de
81 GOMES, José Caramelo. Lições de Direito da União Europeia. Coimbra: Almedina,
2009. p. 111. 82 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 35.
58
aplicar o Direito Comunitário nos casos em que sejam interpelados a julgar e em que
esse direito, dada a matéria do litígio, deva ser aplicado.
Porém, caso o juiz nacional possua dúvidas acerca da interpretação da norma
comunitária aplicável ao caso concreto, ou quanto a validade do ato comunitário, os
Tratados facultam ao magistrado nacional um processo seguro para resolver o seu
problema: os tribunais de cujas decisões não haja recurso podem e os tribunais
supremos são obrigados a solicitar ao TJCE que lhes forneça a correta interpretação
da norma comunitária controvertida ou que se pronuncie sobre a validade do ato
comunitário, fazendo através de um acórdão vinculativo ao juiz nacional
questionador. (cf. os art. 234, CE, 150 CEEA e infra, II PARTE, TÍTULO I).
A competência consultiva do TJCE está prevista em diversas passagens dos
Tratados. Uma delas, nos termos do n 6, art. 300 do Tratado CE, o Tribunal pode ser
solicitado a pronunciar-se sobre a compatibilidade com o Tratado de qualquer
projeto de acordo com a Comunidade Europeia tenha em vista concluir com
terceiros Estados ou com Organizações Internacionais. Há de se frisar que a
solicitação do parecer não é obrigatória, porém, caso uma vez solicitado o parecer
do Tribunal é vinculativo.
Nos art. 103, 104 4 105 do Tratado CEEA prevêem igualmente a pronuncia do
TJCE sobre a compatibilidade desse Tratado com os acordos internacionais no
domínio da energia atômica, sendo igualmente vinculativa a sua decisão, tanto para
os Estados, para as Instituições ou para as empresas envolvidas no caso a que o
parecer disser respeito.
Caso o parecer seja contrário, o projeto fica obstacularizado até que venha a
ser alterado e se torne compatível. Tais medidas buscam evitar que a União
comprometa-se com acordo que sejam inexequíveis internamente por confrontar-se
com normatização interna.
3.3.3.2 Competência contenciosa
3.3.3.2.1 Competência resultante dos Tratados
No rol das suas mais importantes funções, além da competência consultiva, o
TJUE tem por atividade primordial resolver os inúmeros conflitos através da sua
competência contenciosa, tentando dirimir os litígios entre instituições, órgãos ou
59
organismos da UE; entre os Estados-partes; entre os Estados-partes e instituições,
órgãos ou organismos da União; entre os particulares e instituições da União
Europeia.
Nos termos dos Tratados Comunitários (art. 220 CE e 136 CEEA), o “Tribunal
de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância garantem, no quadro das respectivas
competências, o respeito pelo direito na interpretação e aplicação dos Tratados”.
Neste intuito de garantir a interpretação e aplicação dos Tratados, no escopo
de exercer a sua competência contenciosa, o Tribunal de justiça responde, como já
salientado, pela jurisdição internacional, como Tribunal Constitucional, no
contencioso administrativo e laboral, como Tribunal de Justiça nas áreas cível e
criminal e, por fim, como Tribunal fiscal e aduaneiro.
Verifica-se que a competência dada ao Tribunal de Justiça, apesar de não ser
ilimitada, tem contribuído bastante para a construção do Direito Comunitário
Europeu. Seu papel de vanguarda em muito contribui para a conformação
institucional existente na União Europeia.
O Tribunal salvaguarda a ordem jurídica comunitária quando exerce a sua
função consultiva, mas salvaguarda-a, sobretudo, quando exerce a sua competência
jurisdicional em processo contencioso.83
No exercício da sua competência contenciosa, o Tribunal pode funcionar
como jurisdição internacional, designadamente quando é instigado a julgar, em
acção por incumprimento, a pedido da Comissão, de um Estado-parte, do Conselho
de Administração do Banco Europeu de Investimento ou do Conselho do Banco
Central Europeu, da violação por parte de um Estado-membro, das obrigações
oriundas do Direito Comunitário (cf. os art. 88, nº 2, 226 a 228, 237, 239, 292, 298,
CE e 141 a 143, CEEA).
Assim, a Comissão pode intentar este tipo de ação se considerar que um
Estado-Membro não cumpriu quaisquer das obrigações que lhe incumbem por força
do direito da UE. Qualquer Estado-Membro pode também intentar uma acção por
incumprimento contra outro.
Em ambos os casos, o Tribunal investiga as alegações apresentadas e dá o
seu parecer. Se o país for considerado em falta, deve tomar medidas corretivas de
83 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 38.
60
imediato. Se o Tribunal constatar que o país não deu cumprimento à sua decisão,
pode impor-lhe uma multa.
Como Tribunal Constitucional, o TJUE exerce o seu poder sempre que é
solicitado a resolver, em recurso de anulação ou recurso por omissão, conflitos de
competência entre as Instituições Comunitárias ou a controlar a conformidade dos
atos, ou abstenções, destas relações.84
Em relação aos recursos de anulação, se um país da UE, o Conselho, a
Comissão ou, em certas circunstâncias, o Parlamento considerar que uma
disposição legislativa da UE é ilegal pode solicitar a sua anulação ao Tribunal.
Os particulares podem também interpor recursos de anulação se
considerarem que determinada disposição legislativa os afeta direta e
negativamente como indivíduos e pretenderem, por esse motivo, que o Tribunal a
anule.
Se o Tribunal verificar que a disposição em questão não foi corretamente
adotada ou não está devidamente fundamentada nos Tratados, pode declará-la nula
e sem efeito.
Por outro lado, no que tange o recurso de omissão, o Tratado estabelece que
o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão devem tomar determinadas
decisões em determinadas circunstâncias. Se não o fizerem, os Estados-Membros,
as restantes instituições da UE e, em certos casos, os particulares ou as empresas
podem recorrer ao Tribunal para que este declare verificada essa omissão.
O TJUE exerce a jurisdição administrativa e laboral, quando lhe cabe julgar da
legalidade de atos da Administração Comunitária ou conhecer, em recurso, dos
litígios que a opõe, aos seus funcionários e agentes (cf. os art. 230, 232, 236 e 241
CE).
Exerce também a sua competência contenciosa, na função de Tribunal de
Justiça, cível e criminal, com competência de plena jurisdição para julgar de certos
comportamentos dos operadores do Mercado Interno (cf., por exemplo, os art. 81 e
82, CE), para aplicar as sanções pecuniárias previstas em regulamentos
84 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 38.
61
comunitários (v. o art. 229, CE) e para apurar e decidir da responsabilidade
extracontratual da Comunidade nos termos do art. 235 e 288, CE.85
Além destas funções, o TJUE pode funcionar como Tribunal fiscal e aduaneiro
quando conhece das questões aduaneiras ou fiscais decorrentes da aplicação das
disposições dos Tratados ou do direito derivado pertinente.
3.3.3.2.2 Competência não resultante dos Tratados
Além das competências consultivas e contenciosas que lhes são atribuídas
pelos Tratados, o TJCE pode ainda ser instado a julgar os litígios que lhe sejam
submetidos em virtude de uma cláusula de compromisso ou por força de um ato
unilateral da Autoridade Comunitária (art. 238 e 128 CE e 153 EURATOM).
Em relação às cláusulas compromissórias, esta atribuição pode ocorrer em
algumas circunstâncias, como quando os Tratados prevêm, antes de mais, que o
Tribunal possa ser incumbido de julgar os litígios relativos à execução de um
contrato de direito público ou de direito privado outorgado pela Comunidade ou por
sua conta, tudo isso em virtude de uma cláusula compromissória (art. 238, CE e 35,
n. 2 e 4 dos Estatutos do Banco Central Europeu).
Em termos genéricos, a competência para decidir sobre qualquer litígio entre
os Estados-partes, conexo com o objeto do Tratado CE (que não caia sob a alçada
do Tribunal por força do art. 237 CE) pode ser atribuída ao TJCE. ao abrigo do art.
239, em virtude de um compromisso entre os Estados envolvidos (cf. também o art.
89, CECA)86
Além disso, a competência do TJCE pode resultar de uma cláusula
compromissória constante de uma convenção concluída pelos Estados-membros
para aplicação do Tratado (art. 293 CE) ou para completar; de um tratado
internacional concluído pela Comunidade com terceiro Estados; de uma decisão de
representantes dos Estados-membros reunidos no seio do Conselho; de um acordo
interno concluído pelos representantes dos Estados-membros.87
85 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 39. 86 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 39-40. 87 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 40.
62
Em relação à competência atribuída por um ato de uma Autoridade
Comunitária, de acordo com o art. 234 do Tratado CE, os estatutos dos organismos
comunitários criados por ato do Conselho poderão prever que seja atribuída ao
Tribunal a competência para proceder à sua interpretação.88
O art. 229 do Tratado CE, por seu turno, prevê que regulamentos emanados
do Conselho possam conferir ao TJCE uma competência de plena jurisdição no que
respeita aos recursos das sanções que tais regulamentos prescrevem, como sucede
relativamente às sanções aplicadas pela Comissão em processos decorrentes da
violação das regras de concorrência pelos operadores econômicos do mercado
comunitário (cf. art. 83, n. 2, CE).89
Nestes termos, diante da complexidade e organização do Tribunal Europeu,
bem como face a utilidade do mesmo em relação a integração da União Europeia,
propõem-se a criação de um Tribunal de Justiça Supranacional no âmbito do
MERCOSUL.
Evidentemente, não está se querendo uma cópia do modelo europeu, ainda
mais que cada região possui características e historias políticas diferentes. Os
países que compõem cada bloco econômico possuem as suas particularidades, não
sendo nem viável, nem desejável que o mesmo molde utilizado no velho continente
seja aplicado no bloco econômico do cone sul.
Porém aquele pode ser um paradigma para a criação do Tribunal de Justiça
do MERCOSUL, podendo ser utilizados os mecanismos mais exitosos para
alavancar o MERCOSUL a uma comunidade internacional.
Assim, deve-se manter a característica de um verdadeiro Tribunal de Justiça,
igualmente visto na UE, ou seja, um órgão jurisdicional, independente de quaisquer
outras estruturas que porventura fazem ou possam fazer parte das instituições
comunitárias e dos governos dos Estados-partes, com jurisdição própria e
competência exclusiva em determinadas matérias para apreciar o Direito
Comunitário.
Outrossim, é importante a manutenção da ausência de hierarquia entre os
Tribunais Constitucionais dos Estados-partes e o Tribunal de Justiça Supranacional,
pois cada um terá uma matéria especifica a controlar.
88 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 41. 89 CAMPOS, João Mota de; CAMPOS, João Luiz Mota de. Contencioso comunitário.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 41.
63
Quanto à composição do Tribunal do MERCOSUL, também deve ser
garantido que cada Estado-parte indique um juiz de carreira, que seria lotado neste,
com mandato de prazo preestabelecido, não existindo a vitaliciedade para este
cargo. No entanto, para que o magistrado realize as suas funções de modo imparcial
e independente, uma vez nomeado, não poderia ser cassado das suas funções, a
não ser pelo próprio Tribunal, por renúncia ou ao final do seu tempo de exercício.
A estrutura organizacional deve ser bem aparelhada e elaborada para que
todos os possíveis interessados, sejam eles os Estados-partes, as empresas ou
indivíduos isoladamente, possam dirimir suas contendas ou suas consultas
realizadas, da forma mais ágil e justa possível.
Já quanto à competência do Tribunal de Justiça do MERCOSUL, poderia
haver um paralelo com a do TJCE, existindo tanto a competência para julgar
demandas contenciosas, além da realização de consultas acerca do futuro Direito
Comunitário que organizará a vida dos Estados-partes e particulares no cone sul.
64
4 ENTRAVES JURÍDICOS PARA A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL SUPRANACIONAL
E A ELEVAÇÃO DO MERCOSUL A CATEGORIA DE COMUNIDADE
INTERNACIONAL
4.1 O CONTEXTO ATUAL
Neste mundo complexo, dinâmico e globalizado, o Estado se vê compelido a
deixar suas fronteiras para a defesa dos seus interesses e de sua soberania. Eis o
paradoxo, já que a defesa da soberania não mais se dá apenas internamente, isto é,
faz-se, agora também, a partir de medidas tomadas no contexto da comunidade
internacional.90
Como a elaboração legislativa de cada país em muitos casos adota soluções
diferentes para idênticas situações jurídicas, é obrigatória a revisão do conceito de
soberania, haja vista que o seu significado tradicional já não mais atende às
perspectivas do mundo atual, sendo imperiosa a criação de um sujeito político
supranacional.91
Deste modo, assim como não faz sentido o homem viver isolado, não há
espaço para determinado Estado isolar-se no contexto global. Pelo menos os
Estados que se afirmam democráticos de direito, se preocupam não só em se
integrar com os demais Estados, seja a nível regional, seja a nível global, como
também em firmar compromissos mediante atos normativos que celebram no plano
internacional, especialmente no campo da proteção aos direitos humanos92.
90 CLÉVE, Clémerson Merlin. Direito Constitucional, novos paradigmas, constituição global e
processos de integração. In: BONAVIDES, Paulo; LIMA, Francisco Gérson Marques de; BEDÊ, Fayga Silveira (Coord.). Constituição e democracia: estudos em homenagem ao professor JJ Gomes Canotilho. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 44.
91 Neste sentido, Habermas afirma que “sob a consciência das conquistas históricas, o Estado nacional assume uma postura rígida ao levar em conta sua identidade, já que se vê atropelado e enfraquecido pelos processos de globalização. Hoje, como ontem, a política de cunho estatal-nacional ainda se limita a adequar a sociedade, da forma o mais indulgente possível, aos imperativos sistêmicos e efeitos secundários de uma dinâmica econômica global que se mostra amplamente desvinculada das condições políticas circunstantes. Em vez disso, ela teria de empreender a tentativa de superar-se a si mesma e formar pessoas capazes de agir politicamente em um plano supranacional”. (HABERMAS, Jügen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. 2.ed. Trad.: George Sperber, Paulo AstorSoethe e Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2002. p. 147-148.)
92 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça e responsabilidade civil do estado por sua denegação: estudo comparativo entre o direito brasileiro e o direito português. Coimbra,
65
Cumpre aclarar que o processo legislativo no MERCOSUL segue ritos
semelhantes aos do Direito Internacional, ou seja, as normas produzidas não gozam
de eficácia direta e aplicabilidade imediata nos Estados-partes, o que pode acarretar
descumprimentos por parte destes, sob o simples argumento de que a legislação
nacional não recepciona tal norma.
Além disso, o fato de, por vezes, não existir um mecanismo de sanção quanto
ao não cumprimento das referidas normas, os Estados-partes sentem-se à vontade
em descumpri-las, o que leva em última análise à impossibilidade de criação de um
sistema linear no MERCOSUL, ou mesmo de se conferir credibilidade necessária ao
fortalecimento das instituições supranacionais.
Assim, impõe-se a conclusão de que não há qualquer violação da soberania
dos Estados que integram os novos blocos regionais, ocorrendo mera flexibilização
da ideia que tradicionalmente se constituiu acerca da mesma, até porque os
membros da associação podem, por força desse mesmo princípio, denunciar a
qualquer momento os tratados a que aderiram, sobretudo se a sua sobrevivência
estiver em jogo ou se houver alteração substancial das condições vigentes à época
em que foram assinados, ainda que tenham que pagar um preço elevado por tal
atitude, em termos políticos ou econômicos93.
Para que haja a elevação do MERCOSUL a uma comunidade internacional,
faz-se mister a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, mediante a
adoção de mecanismos que permitam assegurar condições adequadas de
concorrência entre os Estados-partes e o compromisso de harmonizar suas
legislações, com vista a lograr o fortalecimento do processo de integração.
Os órgãos supranacionais necessitam adotar decisões com força jurídica
obrigatória, ou seja, eficazes, e isso só é possível através da integração no plano do
Direito.94
Não é sem motivo que a harmonização das legislações de cada Estado, para
atingir os objetivos do mercado comum, integra compromisso assumido no bojo do
2006. p. 377. (Trabalho de pesquisa como parte integrante de atividade de pós-doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra).
93 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Direito comunitário e soberania: algumas reflexões. In: ______. Direito comunitário e jurisdição supranacional: o papel do juiz no processo de integração regional. 1.ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 187.
94 BAHIA, Saulo José Casali. Integração latino-americana. Revista do CEPEJ – Centro de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, v. 1, p. 109-110, 1990.
66
Tratado de Assunção, que deu origem ao projeto econômico comunitário dos países
do Cone Sul.95
Os contornos jurídicos do processo de integração são tratados com base na
análise dos dispositivos de cada texto constitucional dos Estados-partes acerca do
reconhecimento de uma ordem jurídica supranacional e do mecanismo adotado para
a recepção e integração dos tratados internacionais no Direito Interno.
Um dos maiores reflexos que o fenômeno da globalização provoca no plano
das relações internacionais é, conforme foi dito, aquele referente à posição que as
normas jurídicas expressas em tratados e convenções internacionais ocuparão no
sistema jurídico interno dos Estados, principalmente, quando se trata de se enfrentar
situações decorrentes da criação de agências de competência supranacional, bem
como o surgimento de blocos regionais, que terão de afinar-se e conviver lado a lado
com a soberania como elemento caracterizador do poder político estatal.
Em relação ao MERCOSUL, a harmonização legislativa, ainda inteiramente
dependente do esforço individual de cada Estado-parte, evoluiu muito pouco. O fato
da institucionalização do MERCOSUL haver ocorrido apenas no plano
intergovernamental e não supranacional faz do MERCOSUL um ente de existência
meramente diplomática. Inexiste controle político direto (deputados mercosulinos
eleitos diretamente), faltando um processo, por completo, a participação da
sociedade civil. O Estado é o único interlocutor, e a todo tempo é lembrada a
importância de manter intocada a soberania de cada parte.96
Demonstra-se, dessa maneira, a necessidade de discussão acerca da
problemática instituída no tocante à recepção das normas internacionais, quanto a
admissibilidade de organizações supranacionais, bem como do reconhecimento de
tais normas face ordenamentos jurídicos nacionais.
4.2 A GLOBALIZAÇÃO E A CRIAÇÃO DOS BLOCOS ECONÔMICOS
As transformações econômicas mundiais ocorridas nas últimas décadas,
sobretudo no pós Segunda Guerra Mundial, são fundamentais para entender as
95 Artigo 1º do Tratado de Assunção. 96 BAHIA, Saulo José Casali. Integração latino-americana. Revista do CEPEJ – Centro de
Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 144, jul.-dez. 2007.
67
dinâmicas de poder estabelecidas pelo grande capital, e também pelas grandes
corporações transnacionais.
O processo de globalização da economia foi uma experiência que
estabeleceu a intensificação das transações comerciais e a redução das fronteiras
que separavam as nações. Nesse contexto de aceleração, as grandes nações
capitalistas tomaram como prática a consolidação de acordos que viabilizassem a
obtenção de matérias-primas e a garantia de novos mercados consumidores de
produtos industrializados, iniciando a formação dos primeiros blocos econômicos na
história do capitalismo.
Sendo assim, a globalização, em uma visão econômica, de acordo com Paulo
Nunes97, é:
Um fenômeno de abertura das economias e das respectivas fronteiras em resultado do acentuado crescimento das trocas internacionais de mercadorias, da intensificação dos movimentos de capitais, da circulação de pessoas, do conhecimento e da informação, proporcionados quer pelo desenvolvimento dos transportes e das comunicações, quer pela crescente abertura das fronteiras ao comércio internacional.
Dessa maneira, afirma-se que as fronteiras dos países estão mudando devido
a batalha travada por grandes blocos econômicos que unem esforços de vários
países para superar entraves ao comércio entre eles. A tendência ganhou força com
a constituição de gigantes econômicos, como a União Europeia, o NAFTA e o
MERCOSUL. Esses blocos marcam a chamada Nova Ordem Mundial, na qual a
antiga bipolarização entre países alinhados à União Soviética (socialista) e aos
Estados Unidos (capitalista) cede lugar à multipolarização – divisão do poder entre
alguns megablocos econômicos.
Os desenhos desses novos mercados, antes de representar uma nova
realidade comercial em escala mundial, tendem a transformar-se em um projeto
político de uma decisão de Estados, que pode resultar ou não no aprofundamento
da integração entre os países que formam um bloco econômico.
Nesse sentido, globalização e integração constituem-se em aspectos centrais
do funcionamento da economia mundial nos dias de hoje. A globalização, por referir-
97NUNES, Paulo. Conceito de globalização. 2008. Disponível em:
<http://www.knoow.net/cienceconempr/economia/globalizacao.htm>. Acesso em: 28 jan. 2015.
68
se, de um modo geral, ao aprofundamento do caráter internacional dos processos
econômicos; e a integração por remeter à tendência de surgimento de espaços de
relações privilegiadas entre países.
Assim, a economia globalizada apresenta-se como um intenso mosaico
mundial do qual fazem parte blocos de economias nacionais que ostentam
diferentes graus de fluidez interna nos movimentos de bens e pessoas, mercadorias
e fatores produtivos.
A globalização é, portanto, um processo de integração mundial que se
intensifica nas últimas décadas com base na liberalização econômica, quando os
Estados abandonam gradativamente as barreiras tarifárias que protegem sua
produção da concorrência estrangeira e se abrem ao fluxo internacional de bens,
serviços e capitais.
A formação do bloco econômico também permite otimizar a própria economia
de cada um dos Estados envolvidos. Neste último caso, ao se associarem em entes
de integração, os Estados garantem o aumento de mercado para as suas indústrias,
o que permite aumentar o ganho em termos absolutos e fazer nascer o ganho em
escala, impróprio diante de pequenos grupos de consumidores.98
Além de influenciar na economia dos países, a globalização tem uma atuação
direta na transformação do direito interno, sendo que o grau dessas mudanças está
diretamente ligado ao aprofundamento da integração entre os Estados, sendo de
clareza solar a manutenção da primordialidade e relevo dos direitos e garantias
fundamentais do homem.
Quanto a autoridade supranacional, que por vezes surge do modelo de
integração adotado (e sua adoção no Mercosul, no futuro, nunca foi descartada), sua
atuação pode permitir vencer certas dificuldades locais, já que por vezes Estados
isolados resistem em concretizar medidas protetivas ao meio ambiente, ou insistem
em desenvolver políticas internas que inviabilizam o alcance de melhores condições
de vida à população ou a grupos da população, muitas vezes em razão da
manutenção de estruturas sociais arcaicas e de preconceitos ainda renitentes. A
uniformização de tratamento exige a consolidação de standarts mínimos a ser
implementados em cada país, nas mais diferentes áreas, o que faz com que todos
98 BAHIA, Saulo José Casali. Integração latino-americana. Revista do CEPEJ – Centro de
Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 137, jul.-dez. 2007.
69
os Estados que se mantinham abaixo dos níveis exigidos devam evoluir para adoção
de novos e superiores níveis de intervenção ou de prestação.99
4.3 NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL
O direito internacional é constituído pelas normas jurídicas internacionais que
regulam as leis dos Estados. Os acordos e tratados internacionais, as convenções,
as emendas e os protocolos fazem parte deste ramo do direito.
Assim, o direito internacional nasce como um conjunto de normas jurídicas
que buscam reger a relação entre Estados soberanos, bem como as inúmeras
organizações internacionais que hoje se apresentam e, subsidiariamente, aos
indivíduos nas suas relações internacionais, a fim de estabelecer relações
harmoniosas e pacíficas entre os povos.
As normas que pertencem ao direito internacional podem ser bilaterais (entre
duas partes) ou multilaterais (mais de duas partes). Os Estados comprometem-se a
aplicar essas normas nos seus próprios territórios e com um status superior às
normas nacionais.
Com isso, surge a necessidade de estudar não só o Direito Internacional, mas
também como esse é recepcionado no ordenamento jurídico interno, pois a sua
análise é de suma importância para que se consiga elevar o MERCOSUL a
categoria de Comunidade Internacional.
Diante de todo esse contexto histórico e não se distanciando das raízes do
Direito Internacional, que sempre foi garantir a soberania e igualdade entre os
Estados, se observa uma nítida evolução no sentido da constitucionalização do
Direito Internacional (incorporação de normas internacionais no plano doméstico),
bem como da presença de órgãos internacionais, de certa forma, limitando a
atuação dos Estados.
99 BAHIA, Saulo José Casali. Integração latino-americana. Revista do CEPEJ – Centro de
Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 5, p. 148, jan.-jun. 1999.
70
4.4 CONFLITOS ENTRE NORMAS DE DIREITO INTERNO E DIREITO
INTERNACIONAL
Ao se analisar a evolução do Direito Internacional, observa-se que o
estreitamento das relações internacionais tem delineado um sistema internacional
mais integrado, mais cooperativo. Esses movimentos têm levado à crescente
integração do sistema internacional e imposto novas formas de relacionamento aos
sujeitos internacionais.
Nesse contexto, cada vez mais, o Direito Internacional vai se tornando, ao
mesmo tempo, um elemento de coesão e de tensão nas relações entre os sujeitos
internacionais. É um elemento de coesão, à medida que vai conseguindo
estabelecer a cooperação entre os atores internacionais e o equilíbrio do sistema
internacional. Essa coesão implica a harmonização das duas ordens, interna e
externa. Por outro lado, pode ocorrer, inversamente ao cenário de estabilidade, uma
contradição de interesses entre as duas ordens, a estatal e a internacional; no caso
do Direito Internacional, das duas ordens jurídicas (a interna e a externa).
A resposta para este problema está na própria legislação interna de cada
Estado-parte, ou seja, no prestígio que esta dá ao Direito Internacional. De fato, há
casos em que o Direito Internacional se situa até mesmo acima da própria
constituição, como se verifica no ordenamento da Holanda. Contudo, nos dias
atuais, é praticamente impossível a existência de um Estado absolutamente imune à
influência do Direito Internacional.
No presente trabalho, para se estabelecer um parâmetro no sentido da
evolução do MERCOSUL, é imperioso o estudo de duas correntes (a monista e a
dualista), que tratam do conflito entre normas de Direito Internacional e de Direito
Interno. Estas teorias têm fundamentações diametralmente opostas sobre a
existência ou não de um sistema jurídico único.
Junto às teorias monista e dualista, existe outra abordagem, consagrada pelo
pluralismo com subordinação parcial, que tenta conciliar alguns postulados das
teorias. São denominadas de teorias conciliadoras. Como bem ressalta Celso Mello:
"[…] não teve aceitação na prática ou na doutrina e consagra uma distinção entre as
normas internacionais que não têm qualquer razão de ser, nem é encontrada na
71
prática internacional"100. Justamente por isso não será alvo de maiores
aprofundamentos.
4.4.1 Teoria dualista
Um dos mais antigos estudos sistematizados acerca da existência de um
conflito entre normas foi realizado por Heinrich Triepel101, em 1899. Porém quem
cunhou a expressão “dualismo” fora Alfred Von Verdross, em 1923. Triepel separou
o Direito Internacional e Direito Interno de forma rígida, excluindo qualquer ponto de
superposição entre as duas esferas.102
Segundo a corrente dualista, ao Direito Internacional caberia, de forma
precípua, a tarefa de regular as relações entre os Estados ou entre estes e as
organizações internacionais, enquanto ao Direito Interno caberia a regulação da
conduta do Estado com seus indivíduos.103
O argumento dualista baseia-se na diferença de sujeitos e objetos; também, e
sobretudo, na diferença de fontes (vontades)104. No Direito Interno, a vontade que
ele conforma é a de um Estado; no Direito Internacional a de vários Estados.105
100 MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15.ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004. p. 87. 101 Triepel estudou na Universidade de Fribourg, em Brisgau, e na de Leipzig, onde adquiriu
seu título de Doutor em Direito, em 1891. De 1890 a 1897, Triepel trabalhou com a prática jurídica, nesses últimos anos, como juiz suplente (Richter) no Tribunal Regional (Landgericht) de Leipzig. Durante esses anos, ele adquire o título de privat-docent da Universidade de Laipzig, onde ele fora professor extraordinário em 1899. Mais tarde, Triepel fora convidado a lecionar D. público e DI na Universidade de Tubingen, em 1900, em Kiel, em 1909 e em Berlim, em 1913. Em 1914, fora nomeado Conseiller intime de Justice (GeheimerJustizrat). De 1910 a 1920, Triepel pertenceu ao Instituto de DI, de onde fora Conseillertechnique para o D. Público Estrangeiro e DI. Ao final de sua vida presidiu a União Alemã dos Professores de Direito Público e foi membro da Députation Permanente do Comitê dos Juristas Alemães.
102 No original: Cesontdeuxcerclesquisont em contact intime, mais qui NE se suoeroisent jamais. Puisque Le droit interne et ledroit internacional ne régissentpas lês mêmesrapports, Il est imposiblequ‟il y aitjamis une „concurrence‟ entre lês sources dês deuxsystèmesjuridiques” (TRIEPEL, C. H. Les Rapports entre Le Droit Interne et le Droit Internacional: Recueil de Cours de la Académie de Droit Internacional de laHaye. Tome I. [s.l.:s.n.], 1923. p. 83.
103 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 87.
104 LUPI, André Lipp Pinto Basto. A aplicação dos Tratados de direito humanos no Brasil a partir da EC/45/2004. In: PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria (Coord.). Doutrinas Essenciais Direitos Humanos. V. VI. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p. 28.
105 TRIEPEL, C. H. Les Rapports entre Le Droit Interne et le Droit Internacional: Recueil de Cours de la Académie de Droit Internacional de laHaye. Tome I. [s.l.:s.n.], 1923. p. 87.
72
Logo, o Direito Internacional, para ser aplicado no Direito Interno, precisa de uma
manifestação do poder estatal.106
Os dualistas, com efeito, enfatizam a diversidade das fontes de produção das
normas jurídicas, lembrando sempre os limites de validade de todo direito nacional,
e observando que a norma do direito das gentes não opera no interior de qualquer
Estado senão quando este, por tê-lo aceito, promove a sua introdução no plano
doméstico.107
Assim, fica claro que a teoria dualista estabelece diferenças entre o conteúdo
e as fontes do Direito Internacional e o Direito Interno, dentre as quais pode-se citar
as normas produzidas no Direito Interno, que são produzidas por Estados soberanos
e devem ser de observância obrigatória aos seus dependentes. Em contrapartida, no
Direito Internacional não acontece algo parecido, pois não existe o Direito soberano,
ou seja, imperativo sobre os Estados, mas sim um Direito produzido entre os
Estados.
Para a Teoria Dualista, o Direito Interno e a norma internacional compõem
dois sistemas independentes, sendo que ambos são válidos. Os dois sistemas
regulam matérias diferentes, o que exclui a possibilidade de conflitos; ou seja, o
tratado internacional não poderia, sob qualquer hipótese, regular uma questão
interna antes de ter sido incorporado a este ordenamento por um procedimento
receptivo que o eleva à categoria de lei nacional.
Para esta corrente, o Direito Internacional não possui vigência, muito menos
aplicabilidade imediata nos Estados pactuantes, a não ser que o mesmo seja
recepcionado no Direito Interno, por mecanismos legislativos oriundos deste.
Nesta ordem de ideias, um ato internacional qualquer, como um tratado
normativo, somente operará efeitos no âmbito interno de um Estado se uma lei vier a
incorporá-lo ao ordenamento jurídico positivo.108
Em consequência disso, a norma do Direito Internacional internalizada
passaria a ter o mesmo status normativo que outra norma do Direito Interno, o que,
106 TRIEPEL, C. H. Les Rapports entre Le Droit Interne et le Droit Internacional: Recueil
de Cours de la Académie de Droit Internacional de laHaye. Tome I. [s.l.:s.n.], 1923. p. 91. 107 RESEK, José Francisco. Direito Internacional público: curso elementar. 14.ed. São
Paulo: Saraiva. 2013. p. 27. 108 BARROSO, Luis Roberto. A Constituição e o conflito de normas no espaço: direito
constitucional internacional. Revista da Faculdade de Direito, Rio de Janeiro: Renovar, v. 1, n. 4, p. 203, 1996.
73
segundo esta concepção, permitiria que um tratado internacional fosse “revogado”
por uma lei ordinária posterior.109
Nesse sentido, afirma Paulo Henrique Gonçalves Portela110:
O ente estatal nega, portanto, aplicação imediata ao direito internacional, mas permite que suas normas se tornem vinculantes internamente a partir do momento que se integrem ao direito nacional por meio de diploma legal distinto, que adote o mesmo conteúdo do tratado, apreciado por meio do processo legislativo estatal cabível. Cabe destacar que, com esse processo de incorporação, os conflitos que porventura ocorram envolverão não o Direito Internacional e o Direito Interno, mas apenas normas nacionais.
Em decorrência desta incorporação, surgiram duas categorias de dualistas, os
radicais e os moderados.
Os primeiros afirmam que a aplicabilidade e eficácia de uma norma de Direito
Internacional só existem no âmbito do Estado, caso seja transformada em uma
norma de Direito Interno, incorporando-a ao ordenamento jurídico do ente estatal.
Já os dualistas moderados defendem que não é necessário que as normas
internacionais sejam inseridas em lei interna: bastaria um ato formal de
internalização, no caso do Brasil, um decreto de promulgação do Presidente da
República, que inclui o ato internacional na ordem jurídica nacional.
A respeito, o Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, afirmou
que:
É na Constituição da República - e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto.” (480 DF, Relator: CELSO DE
109 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.90. 110 PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 4.ed.
Salvador: Juspodivm, 2012. p. 64.
74
MELLO, Data de Julgamento: 03/09/1997, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 18-05-2001 PP-00429 EMENT VOL-02031-02 PP-00213).
No Brasil, a teoria dualista fora aceita e defendida por Amilcar de Castro, o
qual afirma que o direito internacional se distingue do estatal porque suas normas se
caracterizam como inconfundíveis pelos sujeitos a que se dirigem, pelo processo de
formação, pelo conteúdo e pelos meios por que sua observância é assegurada, bem
como por não ser conveniência de Estados estruturadas em subordinação a um
governo, não há jurisdição internacional, e sem esta o direito das gentes só pode ser
visto como único, ímpar, dessemelhante do estatal.111
4.4.2 Teoria monista
Os monistas acreditam que tanto o Direito Internacional quanto o interno,
constituem o mesmo sistema jurídico, isto é, há apenas uma única ordem jurídica
que dá nascimento às normas internacionais e nacionais.
Para a teoria monista, o Direito Internacional e o Direito Interno são dois
ramos do Direito dentro de um só sistema jurídico. Trata-se da teoria segundo a qual
o Direito Internacional se aplica diretamente na ordem jurídica dos Estados,
independentemente de qualquer “transformação”, uma vez que esses mesmos
Estados, nas suas relações com outros sujeitos do direito das gentes, mantêm
compromissos que se interpenetram e que somente se sustentam juridicamente por
pertencerem a um sistema uno.112
Diante disso, para os adeptos à teoria monista, tanto o Direito Interno, quanto
o Direito Internacional já poderia reger a vida dos particulares, sendo desnecessário
qualquer meio de recepção das normas internacionais por parte dos ordenamentos
jurídicos nacionais.
O Direito Internacional e o Direito interno formam, em conjunto, uma unidade
jurídica, que não pode ser afastada em detrimento dos compromissos assumidos
pelo Estado no âmbito internacional. Não há, para os monistas, duas ordens
jurídicas estanques, como querem os dualistas, cada uma com âmbito de validade
111 CASTRO, Amilcar de. Direito internacional privado. 5.ed. aum. e atual. por Osiris
Rocha. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 249. 112 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 92.
75
dentro da sua órbita, mas um só universo jurídico, coordenado, regendo o conjunto
das atividades sociais dos Estados, das organizações internacionais e dos
indivíduos. Os compromissos exteriores assumidos pelo Estado, dessa forma,
passam a ter aplicação imediata no ordenamento jurídico interno do país pactuante,
o que reflete a sistemática da “incorporação automática”.113
A teoria monista tem bases nos ensinamentos de Kelsen, o qual afirma que
"se esta norma, que fundamenta os ordenamentos jurídicos de cada um dos
Estados, é considerada como norma jurídica positiva - e é o caso, quando se
concebe o direito internacional como superior a ordenamentos jurídicos estatais
únicos, abrangendo esses ordenamentos de delegação, então a norma fundamental,
no sentido específico aqui desenvolvido, de norma não estabelecida, mas apenas
pressuposta não mais se pode falar em ordenamentos jurídicos estatais únicos, mas
apenas como base do direito internacional".114
No Brasil, a teoria monista fora adotada por uma série de ilustres
doutrinadores, entre eles Haroldo Valadão115, Oscar Tenório116, Celso D.
Albuquerque Mello117 e Marotta Rangel118.
Com a adoção da teoria em comento, ou seja, do ordenamento uno entre os
Direitos Internacional e Interno, surge um problema acerca da hierarquia e,
consequentemente, do conflito entre estas normas.
Diante desta problemática, a teoria monista se subdivide em duas. Uma,
sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito internacional, a que
se ajustariam todas as ordens internas. Outra, apregoa o primado do direito nacional
de cada Estado soberano, sob cuja ótica a adoção dos preceitos do direito
internacional aparece como uma faculdade.119
113 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 92. 114 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad.: José Cretella Jr. e Agnes Cretella. São
Paulo: RT, 2001. 115 VALLADÃO, Haroldo. Direito Internacional Privado. [s.l.:s.n.], 1974. p. 53 e 94. 116 TENÓRIO, Oscar. Direito Internacional Privado. [s.l.:s.n.], 1976. p. 93 e segs. 117 MELLO, Celso de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. [s.l.:s.n.], 1994. p.
344. 118 RANGEL, Vicente Marotta. Os conflitos entre o Direito Interno e os Tratados
Internacionais. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, ano XXIII, n. 45-46, p. 29, 1967.
119 RESEK, José Francisco. Direito Internacional público: curso elementar. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 26.
76
4.4.2.1 Teoria monista internacionalista
A teoria monista internacionalista afirma que, em havendo um conflito de
normas de Direito Internacional e de Direito Interno, aquela deve prevalecer sobre
esta, uma vez que existe a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito
externo, a que se ajustariam todas as ordens internas.
O monismo com primazia do Direito Internacional fora desenvolvido pela
Escola de Viena, cujos principais representantes são Kelsen, Verdross e Kunz. Mas,
é Kelsen quem se destaca ao formular a Teoria Pura do Direito, na qual estabeleceu
a conhecida pirâmide de normas. Pode-se resumir a lógica da pirâmide dizendo que
uma norma tem a sua origem e tira a sua obrigatoriedade da norma que lhe é
imediatamente superior; e, a norma primeira é denominada de Grundnorm. Essa
concepção fora denominada, na sua primeira fase, de Teoria da Livre Escolha.
Ulteriormente, por influência de Verdross, Kelsen sai do seu indiferentismo e passa a
considerar a Grundnorm como sendo uma norma de Direito Internacional, ou seja, a
norma consuetudinária pacta sunt servanda.120
A solução monista internacionalista para o problema da hierarquia entre o
Direito Internacional e o Direito Interno é relativamente simples: um ato internacional
sempre prevalece sobre uma disposição normativa interna que lhe contradiz. Nesse
caso é o Direito Internacional que determina tanto o fundamento de validade, como o
domínio territorial, pessoal e temporal de validade das ordens jurídicas internas de
cada Estado.121
Diante disso, para os adeptos desta teoria, não teria a possibilidade de haver
um conflito entre normas internacionais e internas, face a supremacia daquelas
sobre estas. Porém, este entendimento originário de que a norma internacional não
precisa de reconhecimento do Direito Interno e a sua superioridade, foi sendo
questionada e, consequentemente, se tornando maleável, o que fez surgir os
chamados monistas moderados.
Na visão “monista moderada”, o juiz nacional deve aplicar tanto o Direito
Internacional como o Direito Interno do seu Estado, porém, o fazendo de acordo com
aquilo que está expressamente previsto no seu ordenamento doméstico,
120 MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15.ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004. p. 85. 121 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 97.
77
especialmente na constituição, aplicando-se, em caso de conflitos, a máxima lex
posterior derogat priori (critério cronológico), conhecida pelo direito americano como
regra laterin time.122
Estes não atestam a superioridade da norma internacional, mas sim a
prevalência de uma em virtude da outra pelo critério cronológico. Ou seja, quando
existir um conflito entre as normas de Direito Internacional e do Direito Interno, a
solução será dada a partir da lei posterior, que sempre deverá ser aplicada ao caso
concreto.
Muitos doutrinadores nacionais acatam a ideia de que o monismo
internacionalista é a melhor opção. Neste sentido, André Gonçalves Pereira e
Fausto de Quadros123 afirmam que esta configura a mais acertada e consentânea
com os novos ditames do Direito Internacional contemporâneo.
Valério de Oliveira Mazzuloi124 arremata:
Além de permitir o solucionamento de controvérsias internacionais, dando operacionalidade e coerência ao sistema jurídico, fomenta o desenvolvimento do Direito Internacional e a evolução da sociedade das nações rumo à concretização de uma comunidade internacional universal, ou seja, a civitas maxima. É a única doutrina, hoje, que se compadece com o aumento das relações jurídicas, coincidente com a situação internacional moderna.
Este mesmo doutrinador fale em uma terceira “espécie” de monistas, quais
sejam, os internacionalistas dialógicos125, se reportando especificamente aos direitos
humanos, afirmando que como a teoria monista internacionalista clássica não faz
nenhuma distinção entre as normas, a monista internacionalista dialógica atesta que
quando as normas, internacionais e internas, tratarem de direitos humanos, deve
haver um diálogo entre os ordenamentos, tendo coexistência de ambas as
legislações.
Para fins do presente estudo, é imperioso destacar este posicionamento, pois
para a elevação do MERCOSUL à categoria comunidade Internacional, bem como a
122 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 98. 123 PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de. Manual de direito internacional
público. 3.ed. rev. e aum., 8.reimp. Coimbra: Almedina, 2009. p. 92-93. 124 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 99-100. 125 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
78
criação de um Tribunal de Justiça Supranacional, é necessária a coercitividade da
norma internacional face aos Estados-partes.
4.4.2.2 Teoria monista nacionalista
O monismo nacionalista tem suas raízes fincadas no hegelianismo126, que
considera o Estado como tendo uma soberania absoluta, de tal forma que não pode
estar sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria
vontade, criado por seus próprios meios e que seja possível e viável apenas e
unicamente se concebido através do seu próprio sistema legislativo vigente, sob
pena de perder validade e eficácia que se espera de um instrumento normativo.
Os monistas defensores do predomínio interno dão, assim, especial atenção à
soberania de cada Estado, levando em consideração o princípio da supremacia da
constituição. Para eles, é no texto constitucional que devem ser encontradas as
regras relativas à integração e ao exato grau hierárquico das normas internacionais
na órbita interna.127
Dessa forma, os monistas nacionalistas propendem ao culto da constituição à
qual nenhuma outra lei pode sobrepor-se de modo que há de encontrar-se notícia do
exato grau de prestigio a ser atribuído às normas internacionais escritas e
costumeiras.128
Assim, a doutrina monista nacionalista parte do pressuposto que é no Direito
Interno que estão estabelecidas as regras, bem como só este pode atestar a
obrigatoriedade do Direito Internacional.
126 Para Hegel, o Estado é a retratação do absoluto e a sua vontade incontestável, é a
realidade da ideia ética, em que a liberdade alcança a plenitude de seus direitos e tem o mais alto direito em face dos indivíduos, cujo dever supremo é o de serem membros do Estado. Além disso, o Estado firma tratados internacionais, mas permanece num patamar superior a esses, já que a relação interestatal é o relacionamento entre Estados que sejam independentes (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia do Direito. In: ______. Enciclopedia delle scienze filosofiche in compendio. Trad.: Benedeto Croce. [s.l.:s.n.], 1951. p. 474).
127 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 95.
128 RESEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 27.
79
4.4.3 Críticas às teorias monista e dualista
Nenhuma dessas linhas de pensamento é invulnerável à crítica, e muito já
escreveram os partidários de cada uma delas no sentido de desautorizar as
demais.129
Roberto Luiz Silva130 faz críticas à teoria dualista, já que a norma internacional
somente se aplica, nessa concepção, depois de internalizada, ou seja, quando se
transforma em direito interno, aplicando, portanto, a legislação interna que coloca o
tratado em vigor, conforme o procedimento que já conhecemos.
As críticas que o mencionado autor se refere, diz respeito à impossibilidade
de inserção de outros sujeitos de Direito Internacional, além disso, a teoria não é
suficiente para explicar a obrigatoriedade dos costumes internacionais, entre outras
críticas de igual importância, concluindo que tal concepção já seria ultrapassada.
Pode-se ainda criticar a citada teoria no que tange à existência de dois
sistemas jurídicos antagônicos. Para que isso ocorresse, seria necessário atestar
que um destes sistemas não é jurídico, que por inteligência dos dualistas seria o
sistema internacional, pois a característica jurídica dos ordenamentos jurídicos é
indubitável.
Outra critica reside no fato da teoria dualista não aceitar o conflito entre
normas de Direito Internacional e Direito Interno. A construção dualista despreza o
princípio da identidade, admitindo igual validade de duas normas jurídicas
antagônicas.131
No que tange à teoria monista, em que pese possuir doutrinadores do mais
alto escalão na sua defesa, a mesma não está imune a críticas. Na mesma obra de
Roberto Luiz Silva132 encontram-se algumas críticas a essa corrente, no sentido de
que a concepção negaria a própria existência do Direito Internacional como sistema
jurídico autônomo e independente; além disso, não estaria de acordo com a prática
internacional, pois caso estivesse, qualquer mudança na vontade de um Estado,
129 RESEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 14.ed. São
Paulo: Saraiva, 2013. p. 27 130 SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 2.ed. rev. atual. e ampl. Belo
Horizonte: Del Rey, 2002. 127. 131 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7.ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 91. 132 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Internacional Público. 2.ed. rev. atual. e ampl.
Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p.129.
80
como no caso de um golpe de Estado, ocasionaria a ruptura de todos os tratados
anteriormente celebrados, o que não ocorre.
4.5 A POSIÇÃO ADOTADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
A evolução da sociedade requer o amadurecimento de seu sistema judiciário,
porém, como as mudanças são rápidas, existe um perceptível atraso na criação de
normas que sejam coerentes com a realidade. E isto não acontece só em relação às
normas, mas os próprios aplicadores do direito revestidos do ponto de vista
conservador.
Cumpre destacar que a maioria da doutrina brasileira adota a teoria monista,
dividindo-se em monistas internacionalistas133 e monistas moderados134. Porém, há
de se frisar que mesmo os que adotam a teoria monista internacionalista, ou seja, a
prevalência do Direito Internacional face o Direito Interno, quando haja algum conflito
entre eles, a aplicabilidade da norma internacional somente pode ser verificada
através do aparato estatal, principalmente pelo Poder Judiciário.
Assim, para o presente trabalho a posição do STF é por demais importante,
pois, como guardião da Constituição Federal, é o último a decidir em que status a
norma internacional será recepcionada no ordenamento jurídico brasileiro.
A Constituição Federal de 1988 não dá tratamento alongado sobre o tema,
muito menos atesta a hierarquia de uma norma sobre a outra no arcabouço jurídico.
A Constituição adentra no tema dos tratados internacionais pela primeira vez no seu
art. 5º, §2º, ao afirmar que o rol de direitos e garantias expressos podem ser
acrescentados outros previstos em tratados.135
Em 2004, com a edição da Emenda Constitucional nº 45, foi acrescentado o
§3º no art. 5º, onde se dispõe que os tratados e convenções que versem sobre
direitos humanos, devidamente aprovados por quórum qualificado, tem status
constitucional, ou seja, seriam recepcionados como EC.
Como aludido alhures, para que possa ocorrer a elevação do Mercosul a uma
comunidade internacional, principalmente porque o Brasil é o maior e mais complexo
133 Autores como Flávia Piovesan e Luis Flávio Gomes. 134 Autores como José Francisco Resek. 135 Art. 5º, §2º, CF/88: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime de e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
81
Estado Membro do bloco, será necessário um estudo aprofundado, bem como
aperfeiçoamento em algumas posições do STF, as quais vêm ocorrendo de forma
gradativa, em relação a recepção das normas internacionais pelo Direito Interno.
Na década de setenta o STF, no julgamento do RE 80.004136, foi instado a se
pronunciar sobre o tema, adotando, em princípio, a teoria monista nacionalista,
afirmando, para tanto, que, em que pese a Convenção de Genebra tivesse
aplicabilidade no Direito Interno, esta não possuía superioridade hierárquica face as
normas nacionais.
Tal julgamento fora considerado paradigmático, pois naquele momento houve
uma reviravolta no entendimento do Supremo Tribunal Federal, no que tange a
hierarquia, aplicabilidade e vigência dos tratados internacionais no ordenamento
jurídico brasileiro. Ressalta-se ainda que, o julgado possuiu votos divergentes e
diversos argumentos foram exaltados na tentativa de resolução do caso concreto.
O RE 80.004 foi interposto, por Belmiro da Silveira Góes contra Sebastião
Leão Trindade. Na época, a Constituição Federal vigente era a de 1967, e o
fundamento do recurso estava no art. 114, III, d137. A discussão versa sobre a
validade ou não de uma nota promissória assinada pelo recorrente, que não foi
devidamente registrada pelo recorrido para ser eficaz, segundo exigia o Decreto-Lei
427/69. Em primeiro grau de jurisdição o recorrido moveu ação de cobrança de
título, mesmo sem ter feito o registro da nota promissória. A ação foi julgada
improcedente por vício de forma, devido à falta de cumprimento do requisito imposto
pelo Decreto-Lei referido. Houve recurso de apelação que reformou a decisão de
136 RE: 80.004 de 29 de dezembro de 1977 EMENTA: CONVENÇÃO DE GENEBRA, LEI
UNIFORME SOBRE LETRAS DE CAMBIO E NOTAS PROMISSORIAS, AVAL APOSTO A NOTA PROMISSORIA NÃO REGISTRADA NO PRAZO LEGAL, IMPOSSIBILIDADE DE SER O AVALISTA ACIONADO, MESMO PELAS VIAS ORDINARIAS. VALIDADE DO DECRETO-LEI N. 427, DE 22.01.EMBORA A CONVENÇÃO DE GENEBRA QUE PREVIU UMA LEI UNIFORME SOBRE LETRAS DE CAMBIO E NOTAS PROMISSORIAS TENHA APLICABILIDADE NO DIREITO INTERNO BRASILEIRO, NÃO SE SOBREPÕE ELA ÀS LEIS DO PAIS, DISSO DECORRENDO A CONSTITUCIONALIDADE E CONSEQUENTE VALIDADE DO DEC. LEI Nº 427/69, QUE INSTITUI O REGISTRO OBRIGATORIO DA NOTA PROMISSORIA EM REPARTIÇÃO FAZENDARIA, SOB PENA DE NULIDADE DO TÍTULO. SENDO O AVAL UM INSTITUTO DO DIREITO CAMBIARIO, INEXISTENTE SERÁ ELE SE RECONHECIDA A NULIDADE DO TÍTULO CAMBIAL A QUE FOI APOSTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
137 BRASIL. Constituição Federal. Art. 114. Compete ao Supremo Tribunal Federal, III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decidias, em única ou última instância, por outros Tribunais, quando a decisão recorrida: d) dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal.
82
primeiro grau. O Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar o recurso entendeu que
a falta de registro era apenas uma formalidade e não requisito essencial para a
validade do ato, dando procedência ao pedido. O acórdão do Tribunal paulista
seguiu a doutrina da primazia do direito internacional, diversamente do julgado de
primeiro grau que seguiu a corrente contrária – primazia do direito interno. Sendo
assim, o apelado impetrou o recurso extraordinário ao STF devido à divergência
jurisprudencial. Conforme o parecer do Procurador Geral da República, o mérito do
recurso está em dois pontos: na validade do Decreto-Lei 427/69 frente à Convenção
de Genebra sobre títulos cambiais (considerada Lei Uniforme) e a possibilidade de
cobrança do título sem registro, conforme o Decreto-Lei, bem como a
responsabilidade do avalista em efetuar o pagamento.138 A conclusão do parecer,
após longa fundamentação sobre apenas a validade ou não da obrigação do
avalista, declara que o se o título de crédito for nulo, não há que se falar em
obrigação cambiária para o avalista. O parecer não aborda o conflito de leis
declarando que o mesmo não foi objeto de pré-questionamento; desta forma, afirma
o Procurador, não há o que recorrer sobre esse assunto.139
Seguindo a ordem de voto dos ministros no acórdão, o voto do Ministro Xavier
de Albuquerque, relator do processo, relembra a jurisprudência do STF em dar
primazia sempre ao direito internacional negando provimento ao recurso.140 Após o
voto do relator, o Ministro Cunha Peixoto pediu vistas, e para fundamentar o seu
voto mencionou detalhadamente a teoria dualista chegando, ao final, à conclusão
que por essa teoria o Decreto-Lei não é inconstitucional dando provimento ao
recurso.141 O Ministro Cordeiro Guerra, nas suas considerações, aborda tanto a
teoria monista de Verdross quanto a dualista de Triepel e Anzilotti. Conclui que o
Decreto-Lei prevalece e a nota promissória é nula, pois em sua opinião, se os
tratados pudessem apenas ser revogados pela denúncia, o STF nunca poderia
declarar inconstitucional um tratado que entrasse em conflito com uma lei interna.142
138 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 80.0004-SE. Relator:
Ministro Xavier de Albuquerque. Brasília, DF, 1 de junho de 1997. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=175365>. Acesso em: 10 fev. 2015.
139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p.920-927. 140 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p.928-936. 141 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p.938-957. 142 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p.958-970.
83
O Ministro Leitão de Abreu opinou pela procedência do recurso, no entanto
diverge dos outros ministros afirmando que a lei posterior não revoga a anterior.
Considera o Ministro que a lei e o tratado possuem o mesmo status, no entanto a lei
posterior não revoga o tratado, apenas afasta a sua aplicação onde houver
contradição com a nova lei, e ainda quando tal lei for revogada o tratado volta a ter
vigência total.143 O quarto voto é do Ministro Rodrigues Alckmin, que acompanhando
os demais colegas, segue o princípio de que a lei posterior revoga a anterior, devido
à falta de norma constitucional que determine qual deve prevalecer no conflito de
normas.144 O Ministro Antonio Neder considerando que seus colegas anteriores, ao
proferirem seus votos, aproximam-se muito do monismo moderado de Verdross,
votou no mesmo sentido145, no entanto a fundamentação foi por outro caminho. O
Ministro afirmou que os mesmos estavam diante de um caso que requeria uma
interpretação extensiva, afirmando que “[...] é de se aplicar o princípio segundo o
qual a regra que permite o mais permite o menos”146. E continua concluindo o seu
voto:
[...] a Convenção de Genebra ressalva no direito interno de cada Parte Contratante a vigência de regra tributária incidente nas letras e nas notas promissórias, e, por isto o Dl. n. 427-69 não se acha incompatibilizado com ela, senão que em harmonia com uma de suas cláusulas, especialmente redigida para exprimir a reserva. Conheço o recurso pelo fundamento da divergência, mas, no mérito, discordando da fundamentação deduzida pelos nobres Ministros que me antecederam, voto pelos fundamentos aqui articulados [...].
O Ministro Thompson Flores ressalta que a controvérsia está em definir quem
tem primazia entre o tratado e a norma interna, e na sua opinião não há no
ordenamento jurídico interno norma que determine a solução para o conflito. Desta
forma, menciona que lei e tratado são equivalentes e uma pode revogar a outra.147
O último Ministro a pedir vista do processo foi Eloy da Rocha, que ao votar
pela procedência do recurso, justificou afirmando que não concordava que a lei
ordinária possa revogar as Convenções e, que o Decreto-Lei e a Lei Uniforme são
plenamente compatíveis.148
143 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p. 972-985. 144 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p. 991-998. 145 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p. 1000-1012. 146 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p. 1013. 147 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p. 1015-1019. 148 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. p. 1021-1022.
84
O recurso foi julgado procedente por unanimidade, com voto vencido do
Relator, que acompanhou a jurisprudência anterior da casa. A partir desse julgado
abriu-se o precedente para não considerar mais a primazia dos tratados sobre as
normas internas.
Dessa forma, inicialmente a jurisprudência pátria praticamente se fechou para
o direito comunitário, afirmando que as normas internas têm superioridade frente às
normas internacionais, as quais inclusive devem passar por um controle de
constitucionalidade.
A decisão acima referida, não encontrou respaldo na doutrina pátria. Muitas
manifestações de adeptos da teoria internacionalista afirmaram que os argumentos
nela expedidos para sustentar a superioridade da lei ordinária face os tratados
internacionais eram por demais falhos e contraditórios, abrindo-se a brecha para o
legislador ordinário revogar tratados internacionais em vigor aderidos pelo Brasil,
causando-lhe desconforto frente à comunidade internacional.
Após este julgamento, poucas decisões são encontradas nas quais os
tribunais superiores nacionais se debruçaram sobre a matéria. Porém, mesmo com
todas as críticas da doutrina, nestes “novos” acórdãos, a interpretação dada pelo
STF seguiu intocável.
Destaca-se que não pretende o presente trabalho realizar uma pesquisa
relacionada a todas as decisões do STF frente aos mais variados temas que
envolvem o Direito Internacional, ficando focado no tema dos direitos humanos, pois
a jurisprudência do referido Tribunal adota critérios distintos para resolução de
conflitos entre leis e tratados, a depender do tipo de tratado de que trata a decisão e
da matéria a que se refere.
Assim, é importante demonstrar as dificuldades enfrentadas em razão do
contexto atual para a adoção de alguma teoria (a monista nacionalista ou
internacionalista) pelo STF.
Caso se foque no momento atual do constitucionalismo, o dogma da ciência
do Direito é a supremacia da constituição, devendo ser adotada a teoria monista
nacionalista.
Por outro lado, com a intensificação da interdependência entre os Estados,
inclusive com a criação dos blocos econômicos, há um grande espaço para a
adoção da teoria internacionalista, mais precisamente, a monista moderada.
85
4.5.1 Tratados de Direitos Humanos e submissão jurisdicional de um Tribunal
Internacional
Conforme salientado acima, a chamada “jurisprudência clássica do STF”
adotou a teoria de que os tratados são recepcionados no Direito Interno como
legislação ordinária, passando inclusive por um controle de constitucionalidade.
É salutar afirmar que a jurisprudência adotou diferentes padrões de hierarquia
entre tratados e normas internas, prevalecendo um ou outro conforme a matéria em
jogo. Trata-se de uma hierarquia variável ratione materiae.149
Assim, o Tribunal referido acatou nos seus julgados algumas exceções, nas
quais estão justamente os tratados internacionais que versam sobre direitos
humanos em que o Brasil é signatário. Há de salientar que esta jurisprudência sobre
os tratados de direitos humanos nem sempre foi nesse sentido.
Esse entendimento é encontrado no acórdão do ano de 1995 proferido no HC
nº 72131/RJ150, no qual, por maioria, prevaleceu o entendimento utilizado nos
julgamentos anteriores, de que o depositário infiel pudesse ser preso em face da
norma constitucional, mesmo o Brasil sendo signatário do tratado internacional (lei
ordinária) que proibia tal ato.
Posteriormente, a Segunda Turma, tendo no Min. Marco Aurélio de Mello
como seu defensor, no julgamento do HC 74.383/MG151, reconheceu a garantia
dada pelo Pacto de São José da Costa Rica152 de não poder haver prisão em
decorrência de dívida civil, a não ser a título de alimentos. Tal decisão, contrariando
a anterior do Pleno, fora um divisor de águas na jurisprudência do STF.
A partir da referida decisão, surgiu no Supremo Tribunal Federal a
possibilidade de recepção dos tratados que versem sobre direitos humanos
diferenciada dos demais tratados.
149 LUPI, André Lipp Pinto Basto. A aplicação dos Tratados de direito humanos no Brasil a
partir da EC/45/2004. In: PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria (Coord.). Doutrinas Essenciais Direitos Humanos. V. VI. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p34.
150 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HC 72.131/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal do Pleno, DJ 1.8.2003, p. 103.
151 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 74.383-8-MG. Segunda Turma. Rel. para o acórdão Min. Marco Aurélio de Mello. DJ 27/06/1997.
152 Art. 7º, inciso VII, do Pacto São José da Costa Rica: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.
86
Nesse passo, no julgamento do HC nº 79.785/RJ153, o Min. Sepúlveda
Pertence reafirmou a jurisprudência da superioridade da Constituição, porém dando
um passo a mais, levantou a tese pela qual os tratados de Direitos Humanos
poderiam ser incorporados no sistema jurídico brasileiro com status de norma
supralegal, ou seja, inferior à CF/88, porém superior às leis.
Ocorre que, mesmo após a possibilidade dos tratados que versem sobre
direitos humanos adquirirem status supralegal, o Min. Marco Aurélio de Mello, no
julgamento, pugnou ao Congresso Nacional que este elevasse a hierarquia de tais
tratados a condição de normas constitucionais.154
Fora nesse momento histórico, que em 2004 foi editada a Emenda
Constitucional nº 45, a qual prevê que, após realizadas as medidas formais, como a
votação em dois turnos, com quórum de 3/5 dos membros das duas Casas do
Congresso Nacional, os tratados sobre direitos humanos seriam equiparados a
Emendas Constitucionais.155
Porém, convém destacar que é pelo menos questionável o entendimento –
por mais sedutor que seja – de que por força da EC 45 todos os tratados em matéria
de direitos humanos já incorporados ao sistema jurídico brasileiro possam ser
considerados como equivalentes às emendas constitucionais, já que não há como
aplicar neste caso o argumento da recepção quando se trata de procedimentos
legislativos distintos, ainda que haja compatibilidade material, como se fosse
possível transmutar um decreto legislativo aprovado pela maioria simples do
Congresso Nacional em emenda constitucional, que exige maioria reforçada de três
153 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RHC79.785/RJ. Rel. Min. Sepúlveda Pertence.
Tribunal do Pleno, DJ 22/11/2002, p. 57. 154 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 81.319/GO, Rel. Min. Marco Aurélio de Mello,
Tribunal do Pleno, DJ 19/08/2005. EMENTA: A ESTRUTURA CONSTITUCIONAL DOS TRATADOS SOBRE DIREITOS HUMANOS: UMA DEJESÁVEL QUALIFICAÇÃO JURÍDICA A SER ATRIBUIDA, “DE JURE CONSTITUENDO“, A TAIS CONVENÇÕES CELEBRADAS PELO BRASIL. – É irrecusável que os tratados e convenções internacionais não podem transgredir a normatividade subordinante da Constituição [...] – Revela-se altamente desejável, no entanto, “de jure constituendo”, que, á semelhança do que se registra no direito constitucional comparado venha a outorgar hierarquia constitucional aos tratados sobre direitos humanos celebrados pelo Estado brasileiro [...].
155 Art. 5º §3º da CF/88: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que foram aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
87
quintos dos votos, sem considerar os demais limites formais das emendas à
Constituição.156
Em sentido diverso, contudo, há quem defenda, fundado em respeitável
doutrina, a recepção dos tratados anteriores – naquilo que efetivamente versam
sobre direitos humanos (no sentido de bens jurídicos indispensáveis à natureza
humana ou à convivência social) – como se tivessem sido incorporados pelo rito
mais rigoroso das emendas constitucionais, assegurando-lhes a respectiva
supremacia normativa, no âmbito do que se costuma designar de recepção
material.157
Dessa forma, mesmo diante do enorme passo que a legislação brasileira
passou a considerar os tratados, independentemente do problema da hierarquia dos
tratados incorporados pelo sistema praticado até a EC 45, resta, notadamente em
função da redação do novo § 3º do art. 5º, uma série de questões a serem
resolvidas, visto que doutrina e jurisprudência apenas estão iniciando a discussão da
temática.
Outro ponto importante da referida EC foi o enxerto do §4º no art. 5º, o qual
prevê a submissão jurisdicional do Brasil face o Tribunal Penal Internacional158,
demonstrando a possibilidade de abertura da legislação brasileira para o mesmo ser
submetido a um órgão internacional supranacional.
É claro que ainda existem muitos caminhos a serem percorridos para a
criação de um Tribunal de Justiça Supranacional do Mercosul, como fora para a
criação do Tribunal Penal Internacional (TPI), porém este é um importante
instrumento para a defesa dos direitos humanos, além de ser de necessidade vital
para a elevação do Mercosul a uma comunidade internacional.
Tais incertezas decorrem dos argumentos de que a criação de Tribunais
internacionais é um assunto intrigante, o qual traz à baila questões de ordem
156 Neste sentido, registra-se a posição de: PIOVESAN, Flávia. Reforma do judiciário e
direitos humanos. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCON, Pietro de Jesus Lora (Orgs.). Reforma do judiciário analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005. p. 72.
157 Cf. TAVARES, André Ramos. Reforma do judiciário no Brasil pós-88: (des)estruturando a justiça - comentários completos à Emenda Constitucional n° 45/04. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 47-48. FRANCISCO, José Carlos. Bloco de constitucionalidade e recepção dos tratados internacionais. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCON, Pietro de Jesus Lora (Orgs.). Reforma do judiciário analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005. p. 103-105.
158 Art. 5º, §4º da CF/88: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.
88
internacional que envolvem princípios de soberania nacional em conflito com valores
de direitos humanos.
O certo é que a presente discussão está na ordem do dia, justamente pelo
nível de integração em que vivem os Estados, bem como no inevitável
fortalecimento e afirmação do MERCOSUL.
89
5 O SISTEMA DE SOLUÇÕES DE CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL
5.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
5.1.1 Origem do MERCOSUL
A discussão de criação do MERCOSUL, que remete aos anos 80, teve como
base o debate acerca das vantagens teóricas, políticas e institucionais de uma
integração regional face à integração multilateral que o mundo estava passando
frente à globalização. Tal integração regional facilitaria a interação dos mercados do
cone sul, como a maior exploração do manancial industrial dos países componentes
do bloco.
Nestes termos, em 26 de marco de 1991, o MERCOSUL foi constituído,
quando Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai elaboraram o Tratado de Assunção, o
qual fixou a data limite de 31 de dezembro de 1994, para que os Estados-partes
realizassem os necessários ajustes nas suas economias, de modo a constituir, de
forma permanente, o mercado comum.
Conforme o preâmbulo do Tratado de Assunção, a integração entre os
Estados-partes constituía condição fundamental para acelerar os seus processos de
desenvolvimento econômico com justiça social, além de estarem convencidos da
necessidade de promover o desenvolvimento cientifico, tecnológico e de modernizar
suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens e serviços disponíveis,
a fim de melhorar a condição de vida dos seus habitantes.
No seu artigo primeiro, o Tratado de Assunção é objetivo ao tratar do ajuste
das legislações dos países membros para o fortalecimento do processo de
integração, atestando que para que se alcance os seus objetivos, é necessária esta
harmonização legal.
Em 1991, fora assinado o Protocolo de Brasília, posteriormente revogado pelo
Protocolo de Olivos, no qual foram estabelecidos os mecanismos de controvérsias
previstos inicialmente no Tratado de Assunção, disponibilizando a utilização de
meios jurídicos para a solução de eventuais disputas comerciais.
Em matéria jurídica, há também que se destacar os Protocolos de Las Leñas,
1992, o qual determinou que sentenças provenientes de um país signatário tenham
o mesmo entendimento judicial em outro, sem a necessidade de homologação de
90
sentença a que são submetidas todas as demais decisões judiciais tomadas fora do
bloco159, o Protocolo de Medidas Cautelares, de 1994, tendo por objetivo a
regulamentação entre os países membros, do cumprimento de medidas cautelares
destinadas a impedir a irreparabilidade de um dano em relação às pessoas, bens e
obrigações de dar, fazer ou de não fazer160.
Antes de se chegar à referida data para a efetivação do MERCOSUL, os
países integrantes do bloco, em 14 de dezembro de 1994, decidiram aditar o
“Tratado de Assunção”, editando o “Protocolo Adicional de Ouro Preto”, uma vez
que, por passarem por um período muito difícil nas suas economias, pouco puderam
fazer no que se refere aos ajustes necessários para a unificação e consolidação das
suas economias em um bloco econômico.
Desde o início, segue o MERCOSUL um modelo de integração pouco
arrojada. Ao invés de seguir o modelo supranacional (exemplo europeu atual),
preferiu seguir o modelo interestatal. Quando o momento previsto no tratado de
criação chegou, ao final do período de transição, para a definição da estrutura
definitiva do MERCOSUL, não se fez com o “Protocolo de Ouro Preto”, o
rompimento com o modelo interestatal.161
Em contrapartida, o “Protocolo de Ouro Preto” avançou no sentido da criação
do MERCOSUL, pois foi este documento que elevou o bloco à condição de pessoa
jurídica de direito internacional, o que permitia que o mesmo agisse
internacionalmente como ente único162.
Isto implica que, desde então, o bloco sub-regional do Cone Sul tornou-se
uma entidade distinta dos Estados-partes que o compunham, na medida em que
essa disposição habilitou-o a praticar todos os atos necessários à realização dos
seus objetivos, em especial contratar adquirir e alienar bens móveis e imóveis,
comparecer em juízo, conservar fundos e fazer transferências163, bem como o
Conselho do Mercado Comum (CMC) a firmar acordos com outros países ou grupos
159 Decreto nº 2.067, de 12 de novembro de 1992. 160 Artigo 1º do Protocolo de Medidas Cautelares. 161 BAHIA, Saulo José Casali. Integração Latino-Americana. Revista do CEPEJ – Centro
de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 139, jul.-dez. 2007. 162 Capítulo II - Artigo 34 do Protocolo de Ouro Preto. 163 Capitulo II – Artigo 35 do Protocolo de Outro Preto.
91
de países em nome do MERCOSUL. Anteriormente, um acordo com outros países
teria de ser firmado pelos quatro governos integrantes do bloco.164
Posteriormente, ainda em relação às questões jurídicas do bloco, foram
editados o Protocolo de Assistência Mútua em Assuntos Penais, de 1996, sendo
determinado que os Estados-partes prestassem assistência mútua para a
investigação de delitos, bem como a cooperação nos procedimentos judiciais
relacionados com assuntos penais165, o Protocolo de São Luis em Matéria de
Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de Trânsito entre os Estados-partes
do Mercosul, de 1996, sendo determinado que na responsabilidade civil por
acidentes de trânsito será regida pelo direito interno do Estado Parte em cujo
território ocorreu o acidente166, o Protocolo de Olivos de 2002, que aprimorou o
Protocolo de Brasília mediante a criação do Tribunal Arbitral Permanente de Revisão
do Mercosul, que será alvo de maiores considerações no próximo item; e por fim, o
Protocolo de Assunção sobre o Compromisso com a Promoção e Proteção dos
Direitos Humanos no MERCOSUL, de 2005, afirmando para tanto que é
fundamental assegurar a proteção, promoção e garantia dos direitos humanos e as
liberdades fundamentais de todas as pessoas, bem como efetivar o gozo dos
direitos fundamentais como condição indispensável para a consolidação do
processo de integração do bloco.167
Atualmente o MERCOSUL é composto por Brasil, Argentina, Uruguai,
Paraguai e, mais recentemente, a partir de 2012, a Venezuela. Cumpre destacar que
o Equador, Chile, Colômbia, Peru e Bolívia participam como membros associados,
ou seja, participam das reuniões, mas não possuem poder de voto. Em relação ao
Equador, o mesmo já se pronunciou no intuito de fazer parte permanente do bloco,
porém ainda necessita realizar algumas adaptações na sua legislação para que tal
pedido se efetive. Além destes países, o México participa do bloco apenas como
membro observador.
O eminente poder de crescimento e ampliação do MERCOSUL é algo
praticamente irreversível, pois os países membros e não-membros efetivos, face
164 FLORÊNCIO, Sérgio Abreu e Lima; ARAÚJO, Ernesto Henrique Fraga. Mercosul hoje.
São Paulo: Alfa-Omega, 1996. p.74. 165 Capítulo I, Artigo 1º, inciso III, do Protocolo de Assistência Mútua em Assuntos Penais. 166 Artigo 3º do Protocolo de São Luis em Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de
Acidentes de Trânsito entre os Estados Partes do Mercosul. 167 Preâmbulo do Protocolo de Assunção sobre o Compromisso com a Promoção e Proteção
dos direitos Humanos no Mercosul.
92
desenvolvimento das economias locais, bem como a grave crise que assola os
chamados países desenvolvidos pelo mundo afora, estão buscando meios
alternativos de comércio e expansão de tecnologias, para implementação dos seus
mercados internos e vendas das suas mercadorias.
Assim como ocorreu com a União Europeia, o MERCOSUL objetiva ampliar
os acordos internamente estabelecidos a fim de fortalecer a política do bloco. Entre
os objetivos estão: a ampliação das relações comerciais entre os países membros
através da diminuição de dependência destas nações para com a exportação de
produtos primários; a liberação de serviços que, quando aprovada, garantirá o
reconhecimento das formações profissionais que ocorreram em outros países do
bloco, ou seja, um profissional formado em qualquer país poderá exercê-la em
qualquer país membro do bloco; a abertura de concorrências para licitações, o que
permitirá que empresas de qualquer um dos países do bloco possam trabalhar em
serviços públicos; a realização de uma legislação comum em diversos setores, como
fiscal econômico, comercial e político, a livre circulação de pessoas; a implantação
de uma moeda única e, consequentemente, a criação de um Banco Central do
MERCOSUL.
A população do MERCOSUL, apenas levando em consideração os Estados
Membros efetivos, que hoje conta com cerca de 275 milhões de habitantes, pode
passar a ter 365 milhões de habitantes, ou seja, mais 100 milhões de habitantes do
número atual de pessoas que estão sujeitas ao intercâmbio, tanto de mercadorias
quanto de pessoas e culturas, o que mostra o potencial gigantesco do bloco em
todas as suas áreas de atuação.168
Diante desse número extraordinário, a tendência é que os conflitos entre os
seus habitantes cresçam de forma vertiginosa, uma vez que é inerente ao ser
humano a disputa por bens da vida, ainda mais com a diversidade cultural dos
países que poderão compor o bloco, sendo necessária e imprescindível a efetivação
de meios que corroborem com a solução das controvérsias, sempre se levando em
conta os direitos fundamentais do homem.
Assim, apesar do seu potencial, o MERCOSUL ainda enfrenta dificuldades e
desentendimentos dos seus Estados-partes no tocante a questões comerciais, além
das barreiras naturais de cultura, interesse e poder. Todavia, espera-se que o bloco
168 Fontes dos dados: IBGE Países/Página Brasileira do Mercosul.
93
continue crescendo e libere a entrada de outros países para que este se fortaleça e
possa competir de igual para igual com o NAFTA e a União Europeia. Muitos
estudiosos afirmam que futuramente as relações comerciais não mais se darão entre
países, mas entre blocos, por isso é importante um MERCOSUL forte e bem
estabilizado.
5.2 O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DO MERCOSUL
5.2.1 A estrutura institucional do MERCOSUL
A estrutura orgânica institucional do MERCOSUL foi transformada
profundamente após a elaboração do Protocolo de Ouro Preto. A estrutura provisória
instituída pelo Tratado de Assunção permitia tais ajustes e era composto
basicamente por dois órgãos, o Conselho do Mercado Comum e o denominado
Grupo de Mercado Comum.
Com a edição do supracitado Protocolo, a estrutura institucional do
MERCOSUL passou a ser composta, além dos já citados órgãos, pela Comissão de
Comércio do MERCOSUL, a Comissão Parlamentar Conjunta, o Foro Consultivo
Econômico-Social e a Secretaria Administrativa do MERCOSUL, podendo ainda
serem criados novos órgãos auxiliares que sejam necessários para a realização dos
fins e objetivos do bloco. Frise-se que fora estabelecido que os únicos órgãos de
natureza decisória e intergovernamental são o Conselho do Mercado Comum, o
Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do MERCOSUL.
5.2.1.1 Do Conselho do Mercado Comum
O Conselho do Mercado Comum é o órgão superior do MERCOSUL ao qual
incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões
para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de
Assunção e para lograr a constituição final do mercado comum.169
Este Conselho será integrado pelos Ministros das Relações Exteriores e pelos
Ministros da Economia, ou similares, dos Estados Membros, sendo a sua
169 Artigo 3º da Seção I, do Protocolo de Ouro Preto.
94
presidência exercida de forma alternada pelos representantes dos países
participantes, utilizando-se o critério de ordem alfabética, por período de 06 (seis)
meses.
As reuniões do Conselho do Mercado Comum serão realizadas quando se
acharem oportunas, sendo obrigatória pelo menos uma vez a cada semestre com a
presença dos presidentes dos Estados-partes e serão coordenadas pelos Ministros
das Relações Exteriores, podendo serem convidados outros Ministros de Estado ou
autoridades a nível ministerial.
Conforme já ressaltado, o Conselho do Mercado Comum é um órgão diretivo
na estrutura institucional do MERCOSUL e possui entre outras funções a criação de
órgãos170 necessários à efetivação do bloco, manifestando-se por meio de decisões
obrigatórias a todos os Estado-partes. Este tema é de extrema importância para o
presente trabalho, haja vista a solução proposta para problemática trazida, ou seja, a
criação de um Tribunal Supranacional para soluções das controvérsias entre os
particulares habitantes do MERCOSUL.
5.2.1.2 Do Grupo Mercado Comum
O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do MERCOSUL, sendo
composto por quatro membros titulares e quatro membros alternos por país,
designados pelos respectivos governos, dentre os quais devem constar
necessariamente representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, dos
Ministérios da Economia (ou equivalentes) e dos Bancos Centrais, sendo exercida a
sua coordenação pelos Ministros das Relações Exteriores,171 manifestando-se
através de resoluções, as quais também são obrigatórias para todos os Estados-
partes.
O referido órgão se reunirá de forma ordinária ou extraordinária, sempre que
necessário, possuindo dentre as suas funções, a de expedir resoluções em matéria
financeira e orçamentária, com base nas orientações emanadas do Conselho do
Mercado Comum172, o que o torna, outrossim, um órgão fundamental para a criação
170 Artigo 8º da Seção I, do Protocolo de Ouro Preto. 171 Artigo 11 da Seção II, do Protocolo de Ouro Preto. 172 Inciso IX, do Artigo 14 da Seção II, do Protocolo de Ouro Preto.
95
do Tribunal Supranacional, uma vez que é ele que está diretamente ligado às
questões financeiras do MERCOSUL.
5.2.1.3 Da Comissão de Comércio do MERCOSUL
À Comissão de Comércio do MERCOSUL, órgão encarregado de assistir o
Grupo Mercado Comum, compete velar pela aplicação dos instrumentos de política
comercial comum acordados pelos Estados-partes para o funcionamento da união
aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados com
as políticas comerciais comuns, com o comércio intra- MERCOSUL e com terceiros
países.173
Este órgão é composto por quatro membros titulares e quatro membros
alternos por Estados-partes, sendo coordenado pelos Ministros das Relações
Exteriores, reunindo-se pelo menos uma vez por mês, ou sempre que solicitado pelo
Grupo Mercado Comum ou por qualquer um dos Estados-partes. A Comissão de
Comércio do MERCOSUL manifestar-se-á mediante Diretrizes ou Propostas,
também obrigatórias aos Estados-partes.174
Além das funções ligadas à parte comercial do bloco, caberá à Comissão de
Comércio do MERCOSUL considerar as reclamações apresentadas pelas Seções
Nacionais da Comissão de Comércio do MERCOSUL, originadas pelos Estados-
partes ou em demandas de particulares - pessoas físicas ou jurídicas -, relacionadas
com as situações previstas nos artigos 1175 ou 25176 do Protocolo de Brasília,
quando estiverem em sua área de competência,177 sendo que o exame das referidas
173 Artigo 16 da Seção III, do Protocolo de Ouro Preto. 174 Artigo 20 da Seção III, do Protocolo de Ouro Preto. 175 Capítulo I, Artigo 1º do Protocolo de Brasília: As controvérsias que surgirem entre os
Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não do cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das decisões do Conselho do Mercado Comum e das Resoluções do Grupo Mercado Comum, serão submetidas aos procedimentos de solução estabelecidos no presente Protocolo.
176 Capítulo V, Artigo 25 do Protocolo de Brasília: O procedimento estabelecido no presente capítulo aplicar-se-á às reclamações efetuadas por particulares (pessoas físicas ou jurídicas) em razão da sanção ou aplicação, por qualquer dos Estados Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação do Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, das decisões do Conselho do Mercado Comum ou das Resoluções do Grupo Mercado Comum.
177 Artigo 21 da Seção III, do Protocolo de Ouro Preto.
96
reclamações no âmbito da Comissão de Comércio do MERCOSUL não obstará a
ação do Estado Parte que efetuou a reclamação ao amparo do Protocolo de Brasília
para Solução de Controvérsias.178
Dessa monta, a Comissão de Comércio Exterior atualmente exerce uma
função crucial quanto a solução de controvérsias no âmbito do MERCOSUL,
detalhada com maior precisão no decorrer do presente trabalho.
5.2.1.4 Da Comissão Parlamentar Conjunta
A Comissão Parlamentar Conjunta é o órgão representativo dos Parlamentos
dos Estados-partes no âmbito do MERCOSUL,179 sendo integrada por um número
igual de parlamentares representantes, os quais serão designados pelos
parlamentos nacionais dos respectivos países membros.
Esta Comissão procurará acelerar os procedimentos internos
correspondentes nos Estados-partes para a pronta entrada em vigor das normas
emanadas dos órgãos do MERCOSUL previstos no Artigo 2 deste Protocolo. Da
mesma forma, coadjuvará na harmonização de legislações, tal como requerido pelo
avanço do processo de integração. Quando necessário, o Conselho do Mercado
Comum solicitará à Comissão Parlamentar Conjunta o exame de temas prioritários,
possuindo ainda a função de encaminhar, por intermédio do Grupo Mercado
Comum, recomendações ao Conselho Mercado Comum.
5.2.1.5 Do Foro Consultivo Econômico-Social
O Foro Consultivo Econômico-Social é o órgão de representação dos setores
econômicos e sociais e será integrado por igual número de representantes de cada
Estados-partes180, tendo função consultiva e manifestando-se através de
Recomendações ao Grupo Mercado Comum.
Dessa forma, pode-se afirmar que o Foro é um órgão consultivo que
representa os setores da economia e da sociedade, o que o transforma em um
órgão importante, pois pode ser através dele que as partes interessadas na
178 Parágrafo Primeiro do Artigo 21 da Seção III, do Protocolo de Ouro Preto. 179 Artigo 22 da Seção IV, do Protocolo de Ouro Preto. 180 Artigo 28 da Seção V, do Protocolo de Ouro Preto.
97
modificação e implementação do principio do acesso à justiça e na criação do
Tribunal Supranacional se manifestem.
5.2.1.6 Secretaria Administrativa do MERCOSUL
O MERCOSUL contará com uma Secretaria Administrativa como órgão de
apoio operacional. A Secretaria Administrativa do MERCOSUL será responsável
pela prestação de serviços aos demais órgãos do MERCOSUL, terá sede
permanente na cidade de Montevidéu,181 e terá função meramente administrativa,
como servir de arquivo oficial das documentações do bloco, publicar decisões,
organizar os aspectos logísticos das reuniões, etc.
O órgão estará a cargo de um diretor, que será o nacional de algum dos
Estados-partes, sendo eleito pelo Grupo Mercado Comum, de forma rotativa e com
mandato de 02 (dois) anos, vedada a reeleição.
Atualmente, a Secretaria está dividida em três setores, de acordo com a
Resolução GMC Nº 01/03 do Grupo Mercado Comum, quais sejam, o setor de
assessoria técnica, o setor de normativa e documentação e o setor de administração
e apoio.182
5.2.2 A evolução dos mecanismos de solução de controvérsias
No processo de integração, diante das complexidades da globalização, é
natural que ocorram conflitos entre os Estados-partes, bem como entre os
particulares, pois neste processo existe uma comunicação cultural, social e
econômica, o que faz surgir controvérsias no âmbito do bloco. Neste ponto, Regina
Maria Coelho Michelon183 afirma que:
O MERCOSUL tem um extenso caminho a trilhar antes que se estabeleça um quadro de segurança jurídica para o trato das questões dele decorrentes, garantindo institucionalmente soluções justas. Isso passa pela formação de Direito chamado Comunitário e
181 Artigo 31 da Seção VI, do Protocolo de Ouro Preto. 182 Anexo I da Resolução GMC Nº 01/03. 183 MICHELON, Regina Maria Coelho. Solução de controvérsias no âmbito do Mercosul:
alguns aspectos relevantes sobre matéria judiciária, mediação e arbitragem. In: CHIARELLI, Carlos Alberto Gomes (Coord.). Temas de integração com enfoques no Mercosul. V. 1. São Paulo: LTr, 1997. p.167.
98
pela atualização do direito interno de cada País à nova realidade e às diretrizes do Mercado Comum, inclusive definindo lei aplicável e Justiça competente. Passa ainda pela formação da Corte de Justiça, adequada para tratar as questões relevantes ao Direito Comunitário. Esse quadro resulta a importância da prevenção do conflito, através de rodadas de negociação – acordos e contratos bem redigidos -, compromissos claros, definindo quem vai fazer o quê amanhã, o idioma, o lugar do cumprimento, o foro, os prazos.
Assim sendo, no contexto da formação das uniões aduaneiras, seus
fundadores perceberam a real necessidade de se estabelecer um sistema que fosse
capaz de satisfazer uma das necessidades essenciais para a continuação da
existência pacífica da própria "integração", isto é, um sistema de solução de
controvérsias de caráter inevitável, com a decorrente aplicação concreta das normas
e sanções cabíveis.184
Os meios efetivadores da solução de controvérsia, como não poderia deixar
de ser, dependem diretamente do grau de interesse e compromisso dos Estados-
partes e dos seus particulares em acatar as decisões das instituições competentes
para dirimir os conflitos, além da eficácia dos meios de execução do quanto
determinado.
O mecanismo de solução de controvérsias do MERCOSUL, passou por
quatro fases distintas até chegar a configuração atual: a) o anexo III do Tratado de
Assunção; b) o Protocolo de Brasília; c) o Protocolo de Ouro Preto; e d) o Protocolo
de Olivos.
5.2.2.1 Anexo III do Tratado de Assunção
Neste Tratado inicial, anexo III, constou o primeiro texto jurídico no qual se
disciplinou, mesmo que transitoriamente, um sistema de solução de controvérsias,
mas apenas previu quando esta se dava entre os Estados-partes, privilegiando as
negociações diretas entre eles como forma principal da superação dos conflitos.
Caso tal negociação não chegasse à pacificação, haveria a intervenção do
Grupo Mercado Comum, que apresentaria recomendações a serem adotadas. Não
184 BECHARA, Carlos Henrique Tranjam; REDENSCHI, Ronaldo. A solução de
controvérsias no Mercosul e na OMC: o litígio Brasil X Argentina no Mercosul, o caso Embraer na OMC – Brasil X Canadá. São Paulo: Aduaneiras, 2002. p.34.
99
sendo essas aceitas, o Conselho do Mercado Comum tomaria as devidas
providências para que as mesmas fossem cumpridas.185
Observa-se que o mecanismo de solução de controvérsia trazido no Tratado
de Assunção era praticamente ilustrativo, não possuindo elementos concretos para a
pacificação no momento em que ocorresse algum conflito entre os Estados-Partes.
Frise-se que no referido Protocolo, os particulares não eram citados, ou seja, caso
existissem conflitos entre particulares, o MERCOSUL não possuía meios para a
resolução dos mesmos.
O artigo 3º do anexo III, estipulava a criação de um Sistema Permanente de
Solução de Controvérsia, até a data de 31 de dezembro de 1994, ou seja, da
primeira tentativa real de criação do MERCOSUL. Ocorre que, como houve o
aditamento do referido Protocolo antes da citada data, a temática sobre a solução de
controvérsias não evoluiu, até chegar ao Protocolo de Brasília, que foi a segunda
disposição que versou sobre o tema.
5.2.2.2 O Protocolo de Brasília
O Protocolo de Brasília fora criado especificamente acerca da solução de
controvérsias e editado diante da importância do bloco possuir um instrumento
eficaz para assegurar o cumprimento do quanto estabelecido no Tratado de
Assunção, uma vez que os países membros estavam convencidos que o novo
sistema contribuiria para o fortalecimento das relações entre os Estados com justiça
e equidade.186
185 Protocolo de Assunção: Anexo III, 1. As controvérsias que podem surgir entre os Estados
Partes como consequência da aplicação do Tratado serão resolvidas mediante negociações diretas. No caso de lograrem uma solução, os Estados Partes submeterão as controvérsias à consideração do Grupo Mercado Comum que, após avaliar a situação, formulará no lapso de sessenta (60) dias as recomendações pertinentes às partes para a solução do diferendo. Para tal fim, o Grupo Mercado Comum poderá estabelecer ou convocar painéis de especialistas ou grupos de peritos com o objetivo de contar com assessoramente técnico. Se no âmbito do Grupo Mercado Comum tampouco for alcançada a solução, a controvérsia será levada ao Conselho do Mercado Comum para que este adote as recomendações pertinentes. 2. Dentro do prazo de cento e vinte (120) dias a partir da entrada em vigor do Tratado, o Grupo Mercado Comum elevará aos Governos dos Estados Partes um proposta de Sistema de Solução de Controvérsias, que vigerá durante o período de transição. 3. Até 31 de dezembro de 1994, os Estados Partes adotarão um Sistema de Controvérsias para o Mercado Comum.
186 Preâmbulo do Protocolo de Brasília.
100
Apesar da tentativa de se avançar na temática, o sistema de solução de
controvérsias trazido no Protocolo de Brasília, também tinha o caráter transitório e
com poucas alterações e aperfeiçoamentos sobre a temática.
Ao analisar o seu artigo primeiro187, já se pode observar que restringiu as
modalidades de conflitos, pois estipulou que a legislação só teria alcance nas
controvérsias sobre interpretação, aplicação ou o não cumprimento das disposições
contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo,
bem como das decisões do Conselho do Mercado Comum e das resoluções do
Grupo Mercado Comum, poderiam ser solucionadas pelo Protocolo, deixando de
prever uma gama de controvérsias, que surgem com a integração.
Além disso, no referido Protocolo foi mantida a forma de negociação direta
entre as partes e caso não houvesse consenso, existiria a intervenção do Grupo
Mercado Comum, que, ao final, formularia recomendações aos Estados-partes no
conflito.
Um dos avanços estabelecidos no Protocolo de Brasília, quando as partes
não se contentassem com as recomendações do Grupo Mercado Comum, foi o
acréscimo da forma arbitral, estando previsto ainda a criação de um Tribunal ad hoc,
que produziria um laudo inapelável, havendo um compromisso dos Estados-partes
de seguir de forma espontânea o quanto deliberado, pois não haveria a possibilidade
de cumprimento forçado do laudo.188
187 Protocolo de Brasília. 188 Protocolo de Brasília: Art. 3.1: Os Estados partes numa controvérsia informarão o Grupo
Mercado Comum, por intermédio da Secretaria Administrativa, sobre as gestões que se realizarem durante as negociações e os resultado das mesmas. 2. As negociações diretas não poderão, salvo acordo entre as partes, exceder o prazo um prazo de quinze (15) dias, a partir da data em que um do Estados Partes levantar a controvérsia. Artigo 4. 1. Se mediante negociações diretas não se alcançar um acordo ou se a controvérsia dor solucionada apenas parcialmente, qualquer dos Estados partes na controvérsia poderá submetê-la á consideração do Grupo Mercado Comum. 2. O Grupo Mercado Comum avaliará a situação, dando oportunidade às partes na controvérsia para que exponham suas respectivas posições e requerendo, quando considere necessário, o assessoramento de especialistas selecionados da lista referida no Artigo 30 do presente Protocolo. 3. As despesas relativas a esse assessoramento serão custeadas em montantes iguais pelos Estados partes na controvérsia ou na proporção que o Grupo Mercado Comum determinar. Artigo 5. Ao término deste procedimento o Grupo Mercado Comum formulará recomendações aos Estados partes na controvérsia, visando à solução do diferendo. Artigo 6. O procedimento descrito no presente capitulo não poderá estender-se por um prazo superior a trinta (30) dias, a partir da data em que dói submetida a controvérsia à consideração do Grupo Mercado Comum. Artigo 7. 1. Quando não tiver sido possível solucionar a controvérsia mediante a aplicação dos procedimentos referidos nos capítulos II e III, qualquer dos Estados partes na
101
Outra alteração trazida pelo referido Protocolo foi a possibilidade de pessoas
físicas ou jurídicas poderem formular “em razão da sanção ou aplicação, por
qualquer dos Estados Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito
restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação ao Tratado de
Assunção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, das decisões do Conselho
do Mercado Comum ou das Resoluções do Grupo Mercado Comum”.189
Ocorre que, apesar de trazer a possibilidade dos particulares formularem
reclamações nos casos previstos no Protocolo em comento, não se estipulou qual o
procedimento a ser adotado, ficando o referido artigo em total falta de eficácia, frente
a impossibilidade aplicação nos casos concretos.
Assim, em que pese algumas alterações e evoluções no sistema de solução
de controvérsias, o MERCOSUL ainda possuía um arcabouço legislativo muito frágil
diante dos conflitos existentes, o que também motivou a edição do Protocolo de
Ouro Preto.
5.2.2.3 O Protocolo de Ouro Preto
Como o Protocolo de Brasília, o Protocolo de Ouro Preto trouxe pouca
mudança no Sistema de Controvérsia do MERCOSUL, apenas acrescentando
controvérsia poderá comunicar à Secretaria Administrativa sua intenção de recorrer ao procedimento arbitral que se estabelece no presente Protocolo. 2. A Secretaria Administrativa levará, de imediato, o comunicado ao conhecimento do outro ou dos outros Estados envolvidos na controvérsia e ao Grupo Mercado Comum e se encarregará da tramitação do procedimento. Artigo 8. Os Estados Partes declaram que reconhecem como obrigatória, ipso factoI e sem necessidade de acordo especial, a jurisdição do Tribunal Arbitral que em cada caso se constitua para conhecer e resolver todas as controvérsias a que se refere o presente Protocolo. Artigo 9. 1. O procedimento arbitral tramitará ante um Tribunal ad hoc composto de três (3) árbitros pertencentes à lista referida no Artigo 10. 2. Os árbitros serão designados da seguinte maneira: i) cada Estado Parte na controvérsia designará um (1) arbitro. O terceiro árbitro, que não poderá ser nacional dos Estados partes na controvérsia, será designado de comum acordo por eles e presidirá o Tribunal Arbitral. Os árbitros deverão ser nomeados no período de quinze (15) dias, a partir da data em que a Secretaria Administrativa tiver comunicado aos demais Estados partes na controvérsia a intenção de um deles de recorrer à arbitragem; ii) cada Estado parte na controvérsia nomeará, ainda, um árbitro suplente, que reúna os mesmos requisitos, para substituir o árbitro titular em caso de incapacidade ou excusa deste para formar o Tribunal Arbitral, seja no momento de sua instalação ou no curso do procedimento.
189 Protocolo de Brasília: Artigo 25.
102
alguns tipos de conflitos que pudessem ser ocasionados nas matérias relativas à
Comissão de Comércio do MERCOSUL 190.
Assim, o Protocolo de Ouro Preto, criou um procedimento geral para propor
reclamações na Comissão de Comércio do MERCOSUL, naquelas matérias que
forem de competência deste órgão. O Estado-parte poderá reclamar perante à
presidência da Comissão e caso ela não adote uma decisão na reunião, esta
remeterá os antecedentes a um Comitê Técnico.191
O Comitê Técnico fará um parecer sobre a litigância e encaminha-lo-á para a
Comissão de Comércio, para que este decida a controvérsia. Se não for possível
estabelecer uma solução, a Comissão deve encaminhar as propostas, o parecer e
as conclusões ao Grupo Mercado Comum. Se não houver consenso novamente com
a decisão tomada, cabe às partes acionar o mecanismo arbitral previsto no
Protocolo de Brasília.
5.2.2.4 O Protocolo de Olivos
Atualmente o sistema de controvérsias do MERCOSUL é disciplinado pelo
Protocolo de Olivos, o qual não acarretou relevantes mudanças ao sistema
institucional do bloco. À semelhança do Protocolo de Brasília, o Protocolo de Olivos
190 Protocolo de Ouro Preto: Artigo 19: São funções e atribuições da Comissão de Comércio
do Mercosul: I) Velar pela aplicação dos instrumentos comuns de política comercial intra-Mercosul e com terceiros países, organismos internacionais e acordos de comércio; II) Considerar e pronunciar-se sobre as solicitações apresentadas pelos Estados Partes com respeito à aplicação e ao cumprimento da tarifa externa comum e dos demais instrumentos de política comercial comum; III) Acompanhar a aplicação dos instrumentos de política comercial comum nos Estados Partes; IV) Analisar a evolução dos instrumentos de política comercial comum para o funcionamento da união aduaneira e formular propostas a respeito do Grupo Mercado Comum; V) Tomar as decisões vinculadas à administração e à aplicação da tarifa externa comum e dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados Partes; VI) Informar ao Grupo Mercado Comum sobre à evolução e a aplicação dos instrumentos de política comercial comum, sobre o trâmite das solicitações recebidas e sobre as decisões adotadas a respeito delas; VII) Propor ao Grupo Mercado Comum novas normas ou modificações às normas existentes referentes à matéria comercial e aduaneira do Mercosul; VIII) Propor a revisão de alíquotas tarifárias de itens específicos da tarifa externa comum, inclusive para contemplar casos referentes a novas atividades produtivas no âmbito do Mercosul; IX) Estabelecer os comitês técnicos necessários ao adequado cumprimento de suas funções, bem como dirigir e supervisionar as atividades dos mesmos; X) Desempenhar as tarefas vinculadas à política comercial comum que lhe solicite o Grupo Mercado Comum; XI) Adotar o Regimento Interno, que submeterá ao Grupo Mercado Comum para sua homologação.
191 Artigo 2º, do Anexo do Protocolo de Ouro Preto.
103
foi aprovado em caráter transitório, sendo que, a partir da sua entrada em vigor
foram derrogados o Protocolo de Brasília e seu regulamento.192
Em aspectos gerais, foi decretada a permanência do caráter diplomático e a
arbitragem como meios principais de solução de controvérsias, demonstrando o
evidente caráter não judicial de seu procedimento. Paralelamente, seu âmbito de
aplicação fica atrelado às controvérsias existentes entre os Estados-Partes relativas
à interpretação, a aplicação ou o não cumprimento do Tratado de Assunção, do
Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no âmbito do Tratado
de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do
Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do
MERCOSUL.193
Para tanto, o sistema prevê as seguintes fases: (a) negociações diretas entre
os Estados Partes; (b) intervenção do Grupo Mercado Comum, não obrigatória e
dependente da solicitação de um Estado-parte; (c) arbitragem ad hoc, por três
árbitros; (d) recurso, não obrigatório, perante um Tribunal Permanente de Revisão;
(e) recurso de esclarecimento, visando a elucidar eventual ponto obscuro do laudo;
(f) cumprimento do laudo pelo Estado obrigado; (g) revisão do cumprimento, a
pedido do Estado beneficiado; (h) adoção de medidas compensatórias pelo Estado
beneficiado, em caso de não-cumprimento do laudo; (i) recurso, pelo Estado
obrigado, das medidas compensatórias aplicadas.
Observa-se que a inspiração para este procedimento foi claramente o
Entendimento sobre Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio
(ESC/ OMC). Da mesma forma, o Protocolo de Olivos também estabeleceu prazos
estritos para cada uma dessas fases, em sua maioria inferior a um mês, os quais
são peremptórios, e devem ser contados a partir do dia seguinte ao ato a que
referem, a não ser que haja outra determinação do tribunal respectivo.194
192 Protocolo de Olivos: Artigo 55.1 O presente Protocolo derroga, a partir de sua entrada em
vigência, o Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias, adotado em 17 de dezembro de 1991 e o Regulamento do Protocolo de Brasília, aprovado pela Decisão CMC 17/98.
193 Artigo 1.1 As controvérsias que surjam entre os Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação e o não cumprimento do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL serão submetidas aos procedimentos estabelecidos no presente Protocolo.
194 Artigo 11 do Protocolo de Olivos.
104
Uma das inovações trazidas pelo Protocolo de Olivos foi a criação de um
Tribunal Permanente de Revisão, o qual possui competência para confirmar,
modificar ou revogar os fundamentos jurídicos e as decisões emanadas pelo
Tribunal Arbitral ad hoc.195
Assim, a criação do TPR foi a grande inovação trazida pelo Protocolo de
Olivos, quando comparado com o procedimento adotado pelo Protocolo de Brasília.
Esta inovação pretende claramente obter maior coerência entre as decisões
adotadas pelos tribunais ad hoc, que já deram interpretações divergentes nos casos
que até agora lhes foram submetidos. Da mesma forma, se afirma que a decisão do
TPR terá efeito de coisa julgada "com relação às partes".196
Além da criação do TPR, o Protocolo de Olivos trouxe também alguns
esclarecimentos quanto a questões procedimentais. Neste sentido, exige-se agora
que o objeto da controvérsia seja determinado pela reclamação e resposta
apresentadas perante o tribunal ad hoc; mais ainda, exige-se que os argumentos
tenham sido considerados nas etapas prévias.197
Em termos de princípios processuais, aplicáveis ao procedimento, o Protocolo
de Olivos adotou os princípios típicos da arbitragem. Desta forma, encontra-se no
Protocolo uma "cláusula compromissória geral", eliminando a necessidade de
compromisso futuro para que se reconheça a jurisdição dos tribunais ad hoc e do
TPR.198
Da mesma forma, determina-se a confidencialidade do procedimento e dos
documentos, com exceção dos laudos arbitrais199. À confidencialidade se agrega a
autonomia dos árbitros, que deliberarão também de forma sigilosa, sem fundamentar
dissidência200, agindo com imparcialidade e independência, mas garantindo às
partes a oportunidade de serem ouvidas e apresentarem seus argumentos, no que
se pode identificar o princípio do devido processo legal.
Outro princípio expressamente anotado no Protocolo de Olivos é o da
proporcionalidade da medida compensatória. Assim, em caso de descumprimento
total ou parcial do laudo, o Estado obrigado poderá sofrer medidas retaliatórias
195 Protocolo de Olivos: Artigo 22.1: O Tribunal Permanente de Revisão poderá confirmar,
modificar ou revogar a fundamentação jurídica e as decisões do Tribunal Arbitral Ad Hoc. 196 Artigo 23.2 do Protocolo de Olivos. 197 Artigo 14 do Protocolo de Olivos. 198 Artigo 33 do Protocolo de Olivos. 199 Artigo 46 do Protocolo de Olivos. 200 Artigo 25 do Protocolo de Olivos.
105
temporárias, que visam forçá-lo ao cumprimento do mesmo. Exige-se, entretanto,
que tais medidas sejam proporcionais às consequências do não-cumprimento do
laudo, e preferencialmente no mesmo setor industrial afetado.201
No que tange à participação dos particulares, o supracitado protocolo estipula
apenas as relações entre Estados-partes, sendo quase inexistente a possibilidade
de acesso direto dos cidadãos, sejam elas pessoas físicas ou jurídicas. Isto se
verifica pelo seu artigo 40, o qual dispõe que os particulares afetados formalizarão
suas reclamações perante a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado-
parte onde tenham sua residência habitual ou a sede de seus negócios, incumbindo-
lhes o ônus de provar a veracidade da violação e a existência ou ameaça de
prejuízo para que a reclamação seja admitida pela Seção Nacional.202
Assim, resta comprovado o quão atrasado está o sistema de solução de
controvérsias no âmbito de MERCOSUL, sendo este ainda incipiente frente a outros
sistemas comunitários, como a União Européia, onde já existem, além do Direito
Comunitário, órgãos e mecanismos judiciais para a pacificação social frente a
conflitos entre os cidadãos localizados em Estados Partes distintos.
O Protocolo de Olivos não trouxe grandes novidades em relação ao acesso
dos particulares ao sistema de solução de controvérsias, pois, como no
procedimento anterior, não podem ter acesso direto, eis que não são sujeitos de
Direito Internacional.
Com o aperfeiçoamento do sistema de solução de controvérsias espera-se
um maior desenvolvimento da sua integração. A criação de procedimentos e regras
mais claras contribuirá para o sucesso do sistema e na convergência dos interesses
dos Estados-partes.
Por fim, imperioso ressaltar que o MERCOSUL ainda não conta com um
verdadeiro Tribunal de natureza permanente, mas apenas com um Tribunal de
Revisão, que poderá ser acionado apenas pelos Estados-partes, nas hipóteses
previstas na legislação competente.
201 Artigos 31 e 32 do Protocolo de Olivos. 202 Protocolo de Olivos, artigo 40: 1. Os particulares afetados formalizarão as reclamações
ante a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado Parte onde tenham sua residência habitual ou a sede de seus negócios; 2. Os particulares deverão fornecer elementos que permitam determinar a veracidade da violação e a existência ou ameaça de um prejuízo, para que a sua reclamação seja admitida pela Seção Nacional e para que seja avaliada pelo Grupo Mercado Comum e pelo grupo de especialistas, se for convocado.
106
5.3 CRÍTICAS ÀS BARREIRAS AO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA NO
MERCOSUL NO SEU ATUAL SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIA
O atual sistema de solução de controvérsia mercosulino reflete o acanhado
estágio em que se encontra este processo, pois o protocolo de Olivos manteve,
basicamente, as características tradicionais da sistemática de soluções de
controvérsias no âmbito do MERCOSUL.
Em relação ao princípio do acesso à justiça, a legislação do MERCOSUL cria
uma série de obstáculos às demandas dos particulares, sendo que as barreiras mais
evidentes são as da necessidade do Estado Parte assumir a demanda do particular
para que ela possa chegar ao seu estágio final; o custo do processo de escolha de
especialista e de arbitragem, que devem ser assumidos, total ou parcialmente, pelos
particulares e a falta de conhecimento das regras do MERCOSUL e do sistema de
solução de controvérsias.
Pode-se aventar a possibilidade de que a necessidade de prova pré-
constituída dos particulares, também ofende o princípio do acesso à justiça, pois a
sua legitimidade ativa tem como requisito essencial a prova do prejuízo e o nexo de
causalidade entre o ato ilícito e o dano. A simples violação do direito não ensejaria a
possibilidade do particular demandar na busca da proteção dos seus direitos.
Porém, existem outros aspectos que mitigam o princípio do acesso à justiça,
como o não cabimento de recurso do Grupo Mercado Comum, que negue o
recebimento da reclamação, conforme aduz a parte 3ª do art. 17 do Protocolo de
Olivos203, além de que o único requisito para a tal decisão é o consenso, não
necessitando que a mesma seja fundamentada, conforme a parte 1ª do art. 42204.
Até mesmo em caso de procedência da sua reclamação, o particular se vê
tolhido do princípio do acesso à justiça quanto à efetividade das decisões, visto que,
ainda depende do Estado-membro para fazer valer o seu direito, não possuindo
203 Protocolo de Olivos: Artigo 17. 3: Os laudos dos Tribunais Ad hoc emitidos com base nos
princípios ex aequo et bono não serão suscetíveis de recursos. 204 Protocolo de Olivos: Artigo 40.1: Recebida a reclamação, o Grupo Mercado Comum
avaliará os requisitos estabelecidos no artigo 40.2, sobre os quais se baseou sua admissão pela Seção nacional, na primeira reunião subsequente ao seu recebimento. Se concluir que não esta reunidos os requisitos necessários para dar-lhe curso, rejeitará a reclamação sem mais trâmite, devendo pronunciar-se por consenso.
107
mecanismos para que o próprio execute o quanto decidido, consoante a alínea 1, da
parte 1ª do art. 44.205
Assim, os particulares que se tiverem direitos violados, deverão formalizar as
reclamações na Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado Parte onde
tenha sua residência habitual ou a sede dos seus negócios. Dessa forma, nos
moldes das normas em vigor, o particular não pode demandar por si só, devendo,
obrigatoriamente ser substituído pelo Estado Parte, o qual assume a demanda.
Uma vez acolhida a pretensão pela Seção Nacional, começa o procedimento
de consulta à Seção Nacional do GMC do Estado reclamado para que se encontre,
no prazo de quinze dias, uma solução diplomática para o litígio, conforme
estabelecido no artigo 41. Na impossibilidade de se encontrar uma solução
diplomática, dá-se início à fase política do procedimento com envio da reclamação
para o Grupo Mercado Comum.
O início da fase política marca também o fim da participação direta do
particular no procedimento, que, a partir desse momento, poderá apenas desistir da
reclamação. O prosseguimento da reclamação dependerá, portanto, da vontade
política do Estado-parte e os procedimentos seguem aqueles previstos para
reclamações feitas pelos Estados, inclusive no que diz respeito aos procedimentos
jurisdicionais.
Tal ato já fere por demais o principio do acesso à justiça, uma vez que o
próprio ofendido não pode defender os seus direitos de maneira direta. Outro ponto
a se destacar é que essa substituição pode ser demasiadamente prejudicial ao
particular, no caso do mesmo fazer oposição ao governo que está no exercício do
poder naquele país.
Neste mesmo sentido, Luiz Fernando Franceschin Rosa206 afirma que “os
problemas decorrentes dessa solução são de três ordens: a) o estágio atual do
MERCOSUL faz com que a manutenção do arranjo de interesses políticos entre os
Estados prepondere sobre a busca da efetivação do direito comunitário; b) um
Estado dificilmente se disporia a acusar outro Estado membro de descumprimento
205 Protocolo de Olivos: Artigo 44.1.i: Se, em parecer unânime, se verificar a procedência da
reclamação formulado contra um Estado Parte, qualquer outro Estado Parte poderá requerer-lhe a adoção de medidas corretivas ou a anulação das medidas questionadas. Se o requerimento não prosperar num prazo de quinze (15) dias, o Estado Parte que o efetuou poderá recorrer diretamente ao procedimento arbitral, nas condições estabelecidas no Capitulo VI do presente Protocolo.
206 MERCOSUL e função judicial: realidade e superação. São Paulo: LTR, 1997. p 139-140.
108
do contido no direito comunitário quando ele mesmo descumpre outros dispositivos;
e c) as violações que atingem os particulares, em maior número, são justamente
aquelas praticadas pelo Estado do qual se é nacional, para o qual não há remédio”.
Destaca-se ainda como um óbice ao princípio do acesso á justiça os elevados
custos para todo o trâmite, que deve ser assumido, total ou parcialmente e pelo
particular. Assim, caso o particular seja hipossuficiente economicamente não terá
condições de demandar contra qualquer parte, haja vista que terá que arcar com os
custos de uma possível demanda, seja com os especialistas, os árbitros ou com o
trâmite para a solução da controvérsia.
No particular, Cappelletti afirma que a capacidade econômica das pessoas
nunca pode ser um empecilho para o exercício dos seus direitos, o que nos atuais
moldes do sistema de controvérsias do MERCOSUL é insuperável.
Para tentar solucionar este óbice, os países do bloco estão em discussão
sobre a possibilidade de se criar uma assistência judiciária gratuita para o bloco,
tema que esta em constante debate nas conferências mercosulinas.
Outrossim, é de se frisar que o modelo de assistência judiciária gratuita no
MERCOSUL já existe, porém para os particulares que venham a litigar perante o
Poder Judiciário dos Estados-membros, sendo que o nacional, cidadão ou residente
habitual, gozará, em igualdade de condições dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, concedida aos cidadãos dos Estados-partes do bloco.207
Dessa forma, em que pese não ser a forma de assistência judiciária gratuita
aqui defendida, uma vez que se opera apenas a nível nacional dos Estados-partes e
não a nível supranacional, já se pode vislumbrar um embrião para que futuramente
se possa efetivar tal garantia, dando maior ampliação ao princípio do acesso à
justiça no bloco do cone sul.
A falta de educação, no sentido do conhecimento dos particulares dos seus
direitos, bem como a falta de um sistema definido de solução de controvérsia, são
grandes obstáculos para a efetivação do princípio do acesso à justiça.
O problema do acesso à justiça começa no plano educacional. Este é o ponto
de partida. Pode-se dizer que o acesso à justiça começa a partir da possibilidade de
conhecer os seus direitos, bem como de se saber como poderá defendê-los no caso
207 Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={1D6DEC8B-0C4F-4504-8FF4-
B720FBCF8FE3}&BrowserType=IE&LangID=pt-br¶ms=itemID%3D{5A367991-0AF-40FB-95FE-8A80FAB123C7}%3B&UIPartUID={2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26}>. Acesso em: 28 set. 2013.
109
de uma violação por outrem, na medida em que o conhecimento dos direitos, em
larga medida, passa inicialmente pela informação.208
No que tange à apresentação de prova pré-constituída obrigatória para a
aceitação e continuidade da reclamação perante a seção do órgão, esta também
pode ser considerada como um óbice ao princípio do acesso à justiça, pois não
adiantaria o efetivo dano, sendo necessária a apresentação imediata das provas, as
quais nem sempre são possíveis de se obter de logo, dependendo de maior dilação
probatória, o que geraria uma situação de injustiça em caso de impossibilidade da
prova pré-constituída, afetando frontalmente o princípio em comento.
A inexistência de recurso no caso de não aceitação da reclamação realizada
pelo particular fere o princípio do acesso à justiça no que se refere à impossibilidade
do duplo grau de jurisdição, haja vista que este é outro princípio constitucional e,
apesar de ser criticado sob o viés da celeridade processual, é um escudo contra o
arbítrio do julgador a quo.
Não se está defendendo um mecanismo com recursos sem fim, um sistema
que prolonga por demais a decisão final da demanda, o que, outrossim, feriria o
princípio do acesso à justiça, mas sim um ordenamento que permita que as decisões
possam ser revisadas por um órgão superior, os juízes são passiveis de erro, com
ou sem dolo, e portanto, à parte prejudicada deve ser garantida a possibilidade de
uma revisão em instância superior.
Se assim não for, cria-se um sistema de justiça tendencialmente autoritário,
porque os juízes, por saberem que suas decisões são irrecorríveis, tendem a proferir
decisões abusivas.
Além disso, a desnecessidade de fundamentação da referida decisão,
precisando apenas que a mesma fosse tomada de forma consensual entre os
membros do Grupo Mercado Comum, afronta o acesso à justiça quando relacionado
ao princípio da fundamentação das decisões.
De fato considerar uma decisão sem fundamentação é o mesmo que impor a
sua vontade a terceiro, sem que o mesmo saiba quais os motivos que levaram a
“solução” do seu litígio.
Assim, para que haja uma conformação das partes é de suma importância
que o órgão julgador realize uma análise pormenorizada de todos os elementos
208 CARNEIRO, Paulo Cézar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação
civil pública. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 57-58.
110
constantes no litígio, para que, dessa maneira, possa externar uma conclusão justa
e que possua o condão de pacificar o conflito em exame.
Diante do exposto, de todas as barreiras existentes na legislação do
MERCOSUL no que concerne ao princípio do acesso à justiça, acredita-se que seja
necessário um grande avanço do bloco no sentido de se tornar realmente uma
entidade de Direito Comunitário, com a criação de órgãos jurisdicionais e
parlamentares de cunho supranacional.
5.4 A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUPRANACIONAL NO MERCOSUL
Desde a criação do MERCOSUL, a formatação da sua estrutura, seja ela de
entidade interestatal ou supranacional, vem sendo alvo de intermináveis discussões
e críticas, principalmente pelos adeptos do modelo supranacional nas instituições
mercosulinas.
Vem-se adotando um modelo acanhado e de criação bastante cadenciada no
que tange a elevação do MERCOSUL a uma comunidade supranacional, tendo sido
adotados os princípios do pragmatismo, do realismo e do gradualismo como
corolários básicos para tal fim.
Há vários motivos para isto, podendo-se destacar as assimetrias existentes
entre os Estados-partes (pois há inegáveis diferenças de ritmos e de graus de
abertura comercial), as divergências de política interna, a agilidade de que o modelo
intergovernamental pode proporcionar, não se desprezando que, em um momento
posterior, com a convergência estabelecida em um patamar satisfatório, possa haver
adoção do supranacionalismo.209
Como é de se esperar, tais motivos para frear a “evolução” do MERCOSUL
sofrem diversas críticas, sendo refutados os argumentos contrários a fixação do
bloco do cone sul como uma entidade supranacional.
Com respeito às assimetrias, lembram que apenas a intervenção de um órgão
central poderia corrigi-las, órgão este que exerça certo poder derivado de parcelas
de soberania transferidas pelos Estados-partes.210
209 BAHIA, Saulo José Casali. Integração Latino-Americana. Revista do CEPEJ – Centro
de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 140, jul.-dez. 2007. 210 BAHIA, Saulo José Casali. Integração Latino-Americana. Revista do CEPEJ – Centro
de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 140, jul.-dez. 2007.
111
As divergências de política interna, na medida em que não sejam unificados
os órgãos detentores do poder político, viria causando uma verdadeira paralisia no
processo de convergência necessário, o que tiraria qualquer pretensão de agilidade
e de sucesso no processo integrativo. O modelo interestatal, assim, apenas estaria a
promover um absoluto impasse ao processo de criação do Mercado Comum.211
Diversos motivos foram elencados como resistência à criação de um Tribunal
de Justiça supranacional. Em primeiro lugar, porque a inexistência de litígios
reforçava a posição dos que viam, num eventual sistema permanente, um dispêndio
desnecessário de recursos de países em desenvolvimento.
Esse argumento é descabido, pois a existência de conflitos é natural da vida
em sociedade, ainda mais com a diversidade de pessoas, culturas e interesses que
surgiram no âmbito do MERCOSUL. A quantidade diminuta de conflitos levados aos
órgãos até aqui componentes do sistema de solução de controvérsia se dá
primordialmente no tocante ao alto custo do processo, pois estes devem ser arcados
diretamente pelas partes envolvidas, sendo um verdadeiro entrave ao princípio do
acesso à justiça.
A criação do Tribunal de Justiça no MERCOSUL seria uma solução para
tanto, uma vez que os seus custos seriam rateados por todos os países membros e
não somente pelos Estados que estariam em litígio.
Um segundo argumento levantado por negociadores brasileiros, como
ministros do STF, é a constitucionalidade do Tribunal Supranacional, pois a
Constituição brasileira, em seu art. 5º, inc. XXXV, expressa que "[...] a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito" e, no seu art.
92, enumera os órgãos que compõem o Poder Judiciário e neste não elenca
qualquer órgão de natureza supranacional.
Dessa forma, para haver a possibilidade da criação do Tribunal, existiria a
necessidade de o texto constitucional brasileiro prever expressamente a existência
de um órgão judicial supranacional com o predomínio sobre a estrutura do Poder
Judiciário dos Estados-partes do MERCOSUL, conforme lições de Luiz Olavo
Baptista212.
211 BAHIA, Saulo José Casali. Integração Latino-Americana. Revista do CEPEJ – Centro
de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 140, jul.-dez. 2007. 212 ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia: estrutura jurídico-institucional. 3.ed.
Curitiba: Juruá, 2003. p. 169.
112
Para a ex-ministra do STF, Elen Gracie Northfleet, citada por Accioly213, os
arts. 5º, inc. XXXV, e 92 da Constituição brasileira não configuram impedimento à
criação e regular funcionamento de um tribunal supranacional, verbis:
Em primeiro lugar porque, a alguns desses organismos já existentes o Brasil somente empresta reconhecimento, como também concorre ativamente para a sua formação, como é o caso do Tribunal Internacional de Haia, de cuja composição participa o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Francisco Rezek, e o Tribunal dos Direitos Humanos da Costa Rica, onde tem assento o prof. Cançado Trindade, da UnB. Em segundo lugar, porque a existência dessas cortes não afasta nem impede o acesso aos tribunais nacionais. E, por último, porque a existência de um tribunal supranacional não implica qualquer tipo de subordinação da estrutura judiciária nacional. Aos juízes nacionais [assim é no sistema da Comunidade Européia, exemplo bem-sucedido que deverá servir-nos de modelo] compete a aplicação do direito derivado dos tratados, sendo-lhes facultada a consulta, sob a forma de reenvio, ao órgão comunitário, que tenha por missão a interpretação do Tratado, com visão mais ampla e desligada de vises nacionais, de modo a garantir que se atinja o objetivo inscrito entre os princípios fundamentais da Constituição Federal: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Dessa forma, se demonstra que os argumentos utilizados pelos defensores
da inconstitucionalidade do Tribunal Supranacional se encontram muito mais ligados
ao receio de perda de poder, do que propriamente uma vedação constitucional
acerca do assunto.
Em terceiro lugar, utiliza-se o argumento de que pelas soluções exitosas
alcançadas mediante negociações entre as partes, o caráter flexível do sistema seria
fundamental, pois em momentos de crise, permitiria alternativas menos formais para
as negociações.
A suposta vantagem do caráter flexível do sistema, e sua capacidade de
resolver controvérsias com menores sequelas, também pode ser questionada. Por
vezes, compromissos acordados fugiram à previsão jurídica, e serviram apenas
como solução provisória para contendas intermináveis. Exemplos neste sentido
podem ser encontrados nos setores automotivo e açucareiro, que constituem
213 ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia: estrutura jurídico-institucional. 3.ed.
Curitiba: Juruá, 2003. p. 168.
113
exceção nas regras liberalizantes do MERCOSUL, e são objeto de permanente
negociação entre Argentina e Brasil.
Nesse sentido, Saulo José Casali Bahia214 afirma:
[…] somente no momento em que o descompromisso face a deveres assumidos causar prejuízos de monta expressiva para um dos Estados Partes, e este não preferir abrir mão de seus compromissos, destroçando o acordo de Assunção ou gestionar no sentido de alterar os objetivos do Tratado, compondo um novo cronograma e redefinindo metas a serem alcançadas, estar-se-ia diante do inarredável interesse na criação de órgãos supranacionais, capazes de vencer falhas (como descorrespondência entre a vontade executiva e a vontade legislativa ou judiciária de outro Estado) e hesitação (como omissões face a medidas indispensáveis à implementação de metas do mercado comum).
Assim, sem que se prefira atenuar a soberania a desfazer ou a postergar as
metas do tratado de integração, a supranacionalidade não será implementada.215
Em vista disso, entende-se que a existência de um Tribunal de Justiça
supranacional, ao revestir de legitimidade os processos decisórios mercosulinos, é
fundamental para o surgimento de uma cidadania em sua concepção comunitária.
Nessa esteira, é imperiosa a implementação de meios que garantam maior
participação popular relativamente aos assuntos de integração, de forma a permitir
que o exercício da cidadania nesse espaço comum dê-se de forma paralela e
complementar àquela ainda pouco expressiva existente no âmbito interno dos
Estados-partes do bloco216.
No caso do MERCOSUL, os cidadãos e as empresas devem poder contar
com a efetiva aplicação das normas emanadas dos Órgãos dotados de capacidade
decisória, já que está em causa a segurança jurídica, a credibilidade da integração e
a confiança no conjunto do processo do MERCOSUL.
214 BAHIA, Saulo José Casali . A criação do Tribunal de Justiça do MERCOSUL. Revista da
AMAB, Salvador, p. 21-35, 1999. 215 BAHIA, Saulo José Casali . A criação do Tribunal de Justiça do MERCOSUL. Revista da
AMAB, Salvador, p. 21-35, 1999. 216 SALDANHA, Jânia Maria Lopes; RATKIEWICZ, Ana Carolina Machado. O Acesso à
Justiça no Mercosul: a criação de um tribunal supranacional como condição de possibilidade para o exercício da cidadania no bloco. Disponível em: <http://www.ufsm.br/mila/publicacoes/reppilla/edicao02-2005/2005 - artigo 4.pdf>. Acesso em: 07 jan. 2013.
114
Há que se lembrar que os processos de integração econômica constituem um
fator de reordenamento e de estabilização do mundo moderno, reclamando, o maior
empenho e o maior cuidado na sua consolidação e no seu aperfeiçoamento.
Cumpre ressaltar a relevância que o Tribunal de Justiça teve para a
consolidação da Comunidade Europeia. Recorda-se, sempre, o papel estabilizador
dado por um tribunal permanente: criar harmonização interpretativa, assegurar o
efeito direto das normas no plano interno, garantir vinculação mais efetiva dos
Estados ao processo de integração, etc.
Concentrando no sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL, se faz
necessário um avanço na legislação, com a criação de um Parlamento para que se
possa legislar no âmbito da comunidade e, consequentemente dar publicidade e
conhecimento das normas mercosulinas aos cidadãos, bem como de um órgão
jurisdicional para que o mesmo possa resolver os litígios e unificar a jurisprudência
dentro do bloco, alcançando-se assim, a melhoria de vida dos particulares e a
pacificação social entre eles.
Igualmente a própria elevação do MERCOSUL a uma comunidade
internacional, a estrutura necessária para as soluções de controvérsias foram alvo
de inúmeros debates. Inicialmente, como previsto no preâmbulo do Tratado de
Assunção, quando da efetivação em 1994, o MERCOSUL passaria a possuir um
sistema permanente de soluções de conflitos, o que até a presente data não se
efetivou.
As limitações da via intergovernamental, a lição de outros processos de
integração e a realidade de que se está a promover uma convergência e a realidade
de que se está a promover uma convergência para uma convivência fazem ver que
a via diplomática dificilmente poderá fomentar a evolução do processo de integração
do MERCOSUL sem o recurso a meios jurisdicionais eficientes para a solução de
litígios. A institucionalização desses meios é adivinhada por quem quer que se
proponha a imaginar os rumos do bloco sulamericano.217
Forma-se, como muitos apontam, cada dia mais um contencioso dissimulado,
pois o incremento das trocas comerciais e da circulação de pessoas, progressos que
de alguma forma vem ocorrendo, gera toda uma sorte de litígios que não encontram
nas instituições existentes um ambiente propício para a solução rápida e segura,
217 BAHIA, Saulo José Casali. Integração Latino-Americana. Revista do CEPEJ – Centro
de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 146, jul.-dez. 2007.
115
com livre a fácil acesso aos particulares interessados. As soluções, muitas vezes,
dependem como que da boa vontade e da proteção diplomática do Estado-parte.218
A via arbitral possui procedimento falho e a escassez de sua utilização remete
sempre à difundida preocupação no sentido da sua efetiva utilidade como meio
solucionador de conflitos. Muitos vêem na não utilização da via arbitral a mais cabal
confirmação de que o intergovernamentalismo deve ser suplantado pelo
supranacionalismo, no interesse da solução dos conflitos que por certo existem.219
Não se propõe aqui o abandono completo da forma de solução de
controvérsias que atualmente está previsto no Protocolo de Olivos, muito porque
acreditamos que a solução arbitral é de suma importância, pois quando se chega a
uma decisão através deste meio, as partes se mostram em elevado grau de
maturidade e consciência, porém não pode ser o único mecanismo, sendo primordial
a criação de entidades jurisdicionais para que se possa avançar, tanto como
comunidade internacional, como em relação a cidadania dos povos.
Neste esteio intelectivo, se consolidado o processo de integração regional, o
que parece inevitável, a solução arbitral apresentará limitações para resolver
conflitos mais complexos, e que estejam relacionados com os interesses dos
particulares ou com a aplicação uniforme das regras jurídicas criadas pelo
MERCOSUL.
No primeiro caso, um tribunal que permita o acesso dos particulares afetados
por medidas protecionistas de outro Estado-parte garante maior continuidade à
liberalização do comércio regional. Na estrutura atual do MERCOSUL, estas
reclamações seguem a via clássica da proteção diplomática, e dependem da
atuação discricionária do Estado do qual o particular é nacional.
A experiência de outros processos de integração demonstra que os
particulares podem ter participação ativa na liberalização do comércio regional, por
meio de reclamações na defesa de seus interesses. Um exemplo interessante neste
sentido é o do NAFTA, cujo Capítulo 19 permite a reclamação direta dos
218 BAHIA, Saulo José Casali. Integração Latino-Americana. Revista do CEPEJ – Centro
de Estudos e Pesquisas Jurídicas, Salvador, n. 8, p. 140, jul.-dez. 2007. 219 BAHIA, Saulo José Casali . A criação do Tribunal de Justiça do MERCOSUL. Revista da
AMAB, Salvador, p. 21-35, 1999.
116
particulares, o que assegurou a redução das medidas de defesa comercial no âmbito
daquele bloco.220
A segunda vantagem de um tribunal supranacional se refere à aplicação
harmônica das normas de integração regional. No caso europeu, isto é possível pela
jurisprudência do Tribunal de Justiça, e pelo recurso de prejudicialidade, que permite
que a interpretação alcance os litígios em curso perante juízes nacionais.
Na falta de um tribunal permanente, a prática de tribunais ad hoc permite o
risco de interpretações divergentes da norma regional. Da mesma forma, as normas
que tenham aplicação no plano interno podem ser interpretadas diferentemente
pelas autoridades administrativas e judiciárias dos Estados-partes.
Em síntese: o MERCOSUL deve dispor de uma instituição jurisdicional
supranacional com o seu mecanismo processual próprio, e ao mesmo tempo
reforçar os laços de cooperação judiciária, por forma de assegurar a unidade do
sistema jurisdicional do bloco.
220 Neste sentido, já se demonstrou como a grande maioria das reclamações no Capítulo 19
do NAFTA (88,7%) provieram de reclamações de particulares. Cf. BARRAL, Welber. Solução de controvérsias no NAFTA. 1998. In: MERCADANTE, Araminta; MAGALHÃES, José Carlos de. Solução e prevenção de litígios internacionais. São Paulo: Necin/Capes, [s.d.]. p. 241-264.
117
6 CONCLUSÃO
É incontestável que após a Segunda Grande Guerra Mundial a aproximação
entre os diversos Estados se aprofundou. Esta proximidade levou os Estados a uma
maior integração, visando uma maior adequação ao enfrentamento dos diversos
problemas do cotidiano, em especial, o econômico. Nesse sentido, novas formas de
adaptação foram observadas, dentre elas, a formação de grupos econômicos.
Para tanto, surge, gradativamente, atendendo às necessidades emergentes
de formação dos blocos econômicos, a partir da metade do século XX, um novo
perfil de direito, que foge às perspectivas do direito internacional público. Esse novo
direito, denominado direito comunitário, visa suprir as exigências de uma nova
ordem mundial, que em um primeiro momento dá-se no plano político e econômico.
Em razão dessa nova perspectiva, os Estados, transpondo o paradigma do
estado moderno, tiveram que se adaptar às peculiaridades contemporâneas e à
influência da globalização econômica. Portanto, o conceito de soberania teve que
ser flexibilizado para abarcar a nova ordem de aproximação entre os Estados.
Ocorre que, mesmo neste contexto de mudanças, os direitos fundamentais do
homem devem ser preservados, sob pena de se retroceder em aspectos
fundamentais para a evolução da humanidade. Dentre eles, o princípio do acesso à
justiça, por ser corolário básico para a solução de conflitos entre os indivíduos.
No presente estudo, fora demonstrado quanto o referido princípio é festejado
nos ordenamentos jurídicos, tanto no direito pátrio, quanto no direito internacional,
comprovando a sua existência desde os mais primórdios tempos, mesmo com a
“roupagem” diferente do que se está acostumado nos dias atuais.
E por falar na “roupagem” do princípio do acesso à justiça, este deve
permanecer, apesar das mudanças trazidas pela globalização, com o entendimento
de que não está vinculado apenas quanto à possibilidade dos indivíduos proporem
as suas demandas junto aos órgãos jurisdicionais, mas também ligados a um
processo justo, com respeito ao contraditório e a ampla defesa, ao princípio da
isonomia, do processo em tempo razoável e com decisões amplamente publicizadas
e fundamentadas.
Neste espectro, fora mostrado como o acesso à justiça é importante para o
homem, tendo o referido princípio sido insculpido na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, como escopo básico para os Estados Democráticos de Direito.
118
Voltado às consequências do fenômeno da globalização, afirma-se que dentre
os blocos econômicos de maior sucesso e desenvolvimento tem-se a União
Europeia que, através da formatação de instituições sólidas e avançadas, compôs
um importante arcabouço legal e judiciário. Sabe-se, conforme demonstrado ao
longo do trabalho, que o direito, enquanto instrumento de conformação entre
pessoas, no âmbito internacional público, visa estabelecer normas que regule o
comportamento dos diversos Estados. Portanto, o direito comunitário emerge como
um instrumento novo, com características próprias, que transcende as noções de
direito internacional, visando regrar as relações entre os Estados-partes dos blocos
econômicos.
Destaca-se que o direito comunitário europeu surge das necessidades
pontuais das comunidades europeias e de um importante destaque dado ao Tribunal
de Justiça Comunitário, hoje, Tribunal de Justiça da União Europeia. As decisões do
Tribunal revestem-se de extrema importância, pois através delas muitos dos
princípios do direito comunitário foram formulados e fortalecidos, dando às
Comunidades Europeias solidez em suas decisões. Tais princípios supõem a
introdução de uma ordem constitucional supranacional e o consequente
desligamento dos conceitos tradicionais de soberania, do início do séc. XVII.
Assim, a consolidação para uma ordem jurídica comunitária fez surgir um
direito autônomo que nasce da transposição dos conceitos e princípios do direito
internacional público, impondo uma nova realidade jurídica às relações entre
Estados.
Frise-se que nesta nova ordem jurídica, o princípio do acesso à justiça
também é preservado, com vários institutos que, não só facilitam o socorro dos
indivíduos junto ao Poder Judiciário, mas também que privilegiam um processo justo
e célere.
Nesta senda, faz-se um estudo aprofundado acerca dos entraves jurídicos
existentes no âmbito do MERCOSUL, bloco econômico em que o Brasil está incluso,
sendo demonstrado que o conglomerado do cone sul ainda está em estágio inicial
no que se refere à elevação a uma comunidade internacional.
São apontadas as teorias acerca da hierarquia, bem como da recepção do
direito internacional frente o direito interno de cada Estado, quais sejam, a monista e
a dualista. O presente trabalho se coaduna com a teoria monista internacionalista, a
qual se acredita ser a melhor opção para o mundo moderno, pois permite a solução
119
de controvérsias internacionais, dando coerência ao sistema jurídico, bem como
estimula o desenvolvimento do Direito Internacional e a evolução da sociedade das
nações rumo à concretização de uma comunidade internacional.
No Brasil, o assunto fora debatido pelo Supremo Tribunal Federal em diversos
julgados, tendo como paradigma o julgamento do RE 80.004/70. Após este julgado,
a Suprema Corte foi alterando o seu entendimento no que tange a recepção das
normas internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, sendo dirimidas as
dúvidas quando da edição da EC 45/2004, a qual atesta cabalmente que os
Tratados Internacionais em que o Brasil é signatário, são recepcionados como Lei
ordinária, e quanto aos Tratados que versam sobre direitos humanos, são
recepcionados com status de norma constitucional, necessitando que em ambos os
casos, sejam aprovados pelo Congresso Nacional.
Dessa forma, mesmo diante do enorme passo que a legislação brasileira
passou a tratar os tratados, independentemente do problema da hierarquia dos
tratados incorporados pelo sistema praticado até a EC 45, resta, notadamente em
função da redação do novo § 3º do art. 5º, uma série de questões a serem
resolvidas, visto que doutrina e jurisprudência apenas estão iniciando a discussão da
temática.
Outro ponto importante da referida EC foi o enxerto do §4º no art. 5º, o qual
prevê a submissão jurisdicional do Brasil face o Tribunal Penal Internacional221,
demonstrando a possibilidade de abertura da legislação brasileira para o mesmo ser
submetido a um órgão internacional supranacional.
É claro que ainda existem muitos caminhos a serem percorridos para a
criação de um Tribunal de Justiça Supranacional do Mercosul, como fora para a
criação do Tribunal Penal Internacional (TPI), porém este é um importante
instrumento para a defesa dos direitos humanos, além de ser de necessidade vital
para a elevação do MERCOSUL a uma comunidade internacional.
No último capítulo, para se concluir que a criação de um Tribunal de Justiça
supranacional no âmbito de MERCOSUL é de suma importância para o
desenvolvimento da região rumo a uma comunidade internacional, bem como da
necessidade deste para o aperfeiçoamento do sistema de soluções de conflitos e,
consequente, efetivação do princípio do acesso à justiça, fora realizado um estudo
221Art. 5º §4º da CF/88: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a
cuja criação tenha manifestado adesão”.
120
acerca da evolução destes mecanismos de solução de controvérsias, desde o
Tratado de Assunção até os dias atuais.
Para tanto, demonstrado-se o estágio acanhado dos mecanismos de solução
de controvérsia no MERCOSUL, fazendo uma série de críticas e barreiras ao
princípio do acesso à justiça na atualidade, principalmente em relação aos
particulares.
Em primeiro lugar, monstram que a impossibilidade dos cidadãos não possuir
o poder de demandarem individualmente os seus litígios, necessitando
obrigatoriamente do Estado-parte, está em confronto direto com o princípio do
acesso à justiça.
Além dessa crítica principal, são levantadas outras que demonstram que o
citado princípio não está sendo observado quando das soluções dos conflitos no
MERCOSUL, podendo ainda, citar como crítica os custos do processo de escolha de
especialista e de arbitragem, que devem ser assumidos, total ou parcialmente, pelos
particulares, falta de conhecimento das regras do MERCOSUL e do sistema de
solução de controvérsias, a necessidade de prova pré-constituída dos particulares,
pois a sua legitimidade ativa tem como requisito essencial a prova do prejuízo e o
nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano, o não cabimento de recurso ao
Grupo Mercado Comum, que negue o recebimento da reclamação ou até mesmo
quando a reclamação é procedente, o particular se vê tolhido do princípio do acesso
à justiça quanto à efetividade das decisões, visto que, ainda depende do Estado-
membro para fazer valer o seu direito, não possuindo mecanismos para que o
próprio execute o quanto decidido.
Assim, demonstra-se que o sistema de soluções de controvérsias vigente hoje
no MERCOSUL carece de uma série de modificações, principalmente no que tange
ao princípio do acesso à justiça e esta evolução depende de algumas mudanças
estruturais no bloco, passando, necessariamente pela criação de um Tribunal de
Justiça supranacional.
Além disso, foram elencadas as principais críticas, referentes à criação do
Tribunal de Justiça no MERCOSUL, bem como os contra-argumentos das mesmas,
demonstrando que, com apoio político e a evolução jurídica, nada impede que o
bloco do cone sul se torne uma comunidade internacional.
Dentre estas críticas, pode-se destacar as diferenças econômicas e de
políticas internas, as quais devem ser levadas em conta, porém não podem ser um
121
obstáculo, pois jamais se conseguirá alcançar uma igualdade plena e exata entre os
Estados-partes, devendo os mesmos serem tratados igualmente no exato fio das
suas desigualdades.
Utiliza-se ainda o argumento de que a inexistência de litígios reforçava a
posição dos que viam, num eventual sistema permanente, um dispêndio
desnecessário de recursos de países em desenvolvimento. Esta argumentação é
facilmente rebatida quando se mostra que a quantidade diminuta de conflitos
levados aos órgãos até aqui componentes do sistema de solução de controvérsia se
dá primordialmente no tocante ao alto custo do processo, pois estes devem ser
arcados diretamente pelas partes envolvidas, sendo um verdadeiro entrave ao
princípio do acesso à justiça.
Argumenta-se ainda sobre a constitucionalidade do Tribunal de Justiça
supranacional face a Constituição Federal brasileira, atestando para tanto os
defensores da inconstitucionalidade de que a Carta Magna deveria trazer
expressamente esta possibilidade. Outrossim, tal argumento é bastante superficial,
pois bastaria uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico nacional, para
se perceber que existe na CF/88 uma série de passagens no tocante a integração
regional, o que passa necessariamente pela criação de órgãos supranacionais.
Por fim, utiliza-se o argumento de que pelas soluções exitosas alcançadas
mediante negociações entre as partes, o caráter flexível do sistema seria
fundamental, pois em momentos de crise, permitiria alternativas menos formais para
as negociações, porém esta suposta vantagem do caráter flexível do sistema é
facilmente questionada, pois muitos compromissos acordados fugiram à previsão
jurídica, e serviram apenas como solução provisória para contendas intermináveis.
Assim sendo, refutados todos os principais argumentos que são ventilados
contra à criação do Tribunal de Justiça do MERCOSUL, este passo é fundamental a
criação de uma Corte de Justiça no Mercosul, que seria responsável pela
aplicação de um catálogo internacional de direitos humanos, assim como a Corte
Europeia de Justiça.
A articulação das relações entre os tribunais constitucionais e o
MERCOSUL é regra basilar para o discurso constitucional contemporâneo.
Nesse sentido, a proteção dos direitos fundamentais, como o princípio do acesso
à justiça, no âmbito do MERCOSUL pressupõe, invariavelmente, que as
122
instituições deste sejam dotadas de poder de decisão de modo a atuarem como
garantidoras de direitos fundamentais no bloco.
123
REFERÊNCIAS
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