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Cinema, História Oral e Ensino de História em Narradores de Javé1
Givaldo Mauro de Matos2
Resumo: O presente artigo analisa a película cinematográfica Narradores de Javé enquantro instrumento didático para o ensino de História, História Oral e Teoria da História, capaz de oferecer desvelamentos e aprofundamentos de temas centrais destas disciplinas, ao mesmo tempo que os problematizam e ampliam. Palavras Chave: História Oral, Cinema, Didática This article analyzes the film film Narradores de Javé as a didactic tool for teaching History, Oral History and History Theory, capable of offering insights and deepening of the central themes of these disciplines, at the same time that they problematize and amplify them Keywords: Oral History, Cinema, Didactics
Introdução
Eu não uso caneta, não me acostumo. Eu não sei se o
senhor viu... que a caneta, ela corre no papel, assim, sem freio... então, se a gente erra e quer arrumar, aí emporcalha tudo, né? Fica aquela disenteria de tinta, né? Agora o lápis não. O lápis é maravilhoso... porque ele agarra o papel, ele aceita a borracha, ele obedece a mão e ao pensamento da gente. Aliás, eu sou um homem que só consegue pensar a
lápis, Vicentino.
Antônio Biá, escrivão de Javé.
Da didática do ensino de história, como problematizada por JÖRN
RÜSEN, espera-se que proporcione ao estudante uma experiência que
ultrapasse o mero conhecimento de narrativas acerca do passado. Para
RÜSEN, o desafio é o de legar “uma competência cognitiva na perspectiva
temporal da vida prática, da relação de cada sujeito consigo mesmo e do
contexto comunicativo com os demais” (RÜSEN, 2007, p. 101). Em síntese,
1 Ensaio apresentado sob a forma de Apresentação Oral em Simpósio Temático no XIV Encontro de
História da ANPUH/MS. 2 Professor no Curso de Direito e de Teologia do Centro Universitário da Grande Dourados –
UNIGRAN/UNIGRAN NET. E-mail: givaldomatos@hotmail.com
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possibilitar uma interiorização e subjetivação tanto da experiência do tempo
histórico em análise como da teoria da história, que transforme a vida humana
na prática.
Ao tratar da relação entre o cinema e a história, MARC FERRO já havia
assinalado o potencial do cinema para estes fins. O filme, argumenta FERRO,
guarda a possibilidade de “Desestructurar lo que varias generaciones de
hombres de estado, pensadores, juristas, direigentes o professores habian
lorad ordenar en un bello edifício” (1980, p. 245), o que implica em levar o
observador a um profundo envolvimento existencial com o que se quer discutir.
Ao utilizar imagens sonoras como linguagem, a narrativa
cinematográfica revela tanto por suas afirmações quanto por seus silêncios e
negações. O uso de argumentos invertidos (sin decirlo, sin que se diga, sin que
nadie quiera verlo), permite que a obra atinja finalidades múltiplas e sensações
nem sempre explícitas (FERRO, p. 251). Por elas, um gesto se transforma em
frase, e um olhar, num longo e insuportável discurso.
Nesta estrada, o presente ensaio procurará analisar o filme Narradores
de Javé (2003), de ELIANE CAFFÉ, perquirindo em que medida este se
inscreve como material didático complementar que se coadune à expectativa
de JÖRN RÜSEN, no ensino de história.
Vencedor em categorias diversas de expressivos prêmios nacionais e
internacionais (Cine PE Festival de audiovisual 2003, Festival do Rio 2003,
Festival Internacional de Friburgo/Suíça 2003, Festival Internacional do Filme
Independente de Buxelas/Bélgica, Festival Internacional de Cinema de Punta
del Este 2004, Festival de Cinema des 3 Aques 2004/Quebec/Canadá, entre
outros), a obra segue sendo objeto de análise e crítica de teóricos de não
poucos historiadores.
História, Território e Identidades
O filme encena o drama de um povoado fictício que, para impedir que
suas terras sejam submersas pelas águas de uma hidrelétrica, precisa
demonstrar ao Estado que o mesmo possui valor histórico a ser preservado,
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empresa que será realizada através da elaboração de um dossiê da história do
Vale de Javé, escrito a partir de relatos orais de seus mais antigos habitantes.
No decurso da narrativa fílmica, patentear-se-ão as contradições
desencadeadas pelo modo de civilização moderna contra comunidades
tradicionais e pelas hierarquias estabelecidas em torno dos documentos oficiais
em detrimento dos saberes orais, suas implicações sobre a forma de organizar
e legitimar os espaços sociais e territoriais e o efeito da historiografia escrita
sobre as memórias vivas do passado.
Já em seu início, a verticalidade e o autoritarismo, a indiferença e a
violência do processo se revela nas mesmas cenas que transmitem a
impotência e o sofrimento experimentado pelos habitantes de Javé, quando
Zaqueu, líder carismático do povoado, procura explicar a seus companheiros
de desgraça, as razões pelas quais o vilarejo seria inundado:
- Os engenheiros explicaram o sacrífico que terão que fazer em prol do progresso de uma maioria. A maioria eu não sei quem são, mas nós somos os do sacrifício!
É notória a voz encharcada das personagens: nós seremos os do
sacrifício! Por trágica ironia, de repente o povoado se descobre inexistente para
os órgãos estatais, visto não existirem registros cartoriais das relações de
propriedade e posse daquelas terras, apesar da evidente e estruturada
organização social ali estabelecida.
Em aparente concessão de último fôlego, os burocratas do Estado
informam a Zaqueu sobre uma possível forma de impedir o alagamento: o
povoado deveria, às suas expensas, demonstrar que Javé possuía valor pelo
qual mereceria ser assumido como patrimônio histórico a ser preservado. O
feito deveria se dar através de um dossiê científico, seguindo as regras do jogo
estatal, tarefa posteriormente delegada a Antônio Biá, única personagem
alfabetizada naquele lugar. Vejamos a fala das personagens:
- Só que tem uma coisa. Eles falaram lá que só tem validade esse trabalho se for, assim, científico.
- Mas que coisa é científico, Zaqueu?
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- Científico é... é... é coisa assim, que não pode ser essas patacoada mentirosa que cês inventam, essas patranha duvidosa que cês gosta de dizer e contar.
- Peraí Zaqueu, tudo o que eu conto é caso acontecido!
Em outro momento, repete-se a ênfase:
- Que diabos de coisa importante aconteceu em Javé? - Pois a maneira de saber é ouvindo a nossa gente contando
as tais história. E escrevendo, ouvindo e escrevendo. (...) Mas tem uma coisa: não pode ser história inventada, chistosa, sem regra. Tem que ser história verdadeira, científica!
As cenas gravadas evidenciam ao espectador as relações de
imposição/submissão hierárquica não somente de uma forma de organização
social a outra. Identidades de um povoado inteiro são sublimadas, no desprezo
de seus saberes e processos de transmissão destes saberes.
Próximo do momento em que se dará o alagamento do Vale, a narrativa
destacará a inglória resistência dos que teimam em ficar. Uma idosa
senhorinha assim se refere ao lugar de suas raízes:
- Eu tenho meus pais, meu marido, tudo enterrado naquele cemitérinho ali, viu. Eu tenho uma fia. Então eu, queremos ficar aqui pra sempre, ir lá, colocar vela na sepultura deles. Nós não quer, não quer... Os engenheiro não tem que tirar nós daqui não! Ele não vão tirar nós daqui não, de jeito nenhum!
Outra testemunha, igualmente marcada pela idade, acrescenta:
- Cheguei aqui, só eu e minha mãe. Tive meus filhos aqui. Então, eu me sinto muito bem em Javé. Mas eu agora tenho meus filhos. Minha mãe já perdi. Meu filho já perdi. Não posso sair daqui deste lugar.
A câmera devolve o foco à primeira personagem, que conclui:
- Não dá, não dá, a gente vai viver debaixo d’’água? Cê acha que nós vamos viver debaixo d’água? Os nossos morto vai viver debaixo d’água? Não pode, não!
A população vê na barragem uma ruptura com seu passado. É o
momento em que, na esteira da proposta de M. POLLAK (1992, p. 201), a
compreensão da relação entre as identidades das personagens, com suas
memórias e com os lugares onde suas vidas foram construídas (lugar onde
velas foram acesas, corpos enterrados e os ossos de seus queridos
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aguardariam a ressurreição dos mortos) se escancara para o observador: os
nossos morto vai viver debaixo d’água?
História Oral em Debate
Na medida em que a personagem Antônio Biá inicia o exercício de seu
ofício de escrivão, o filme mergulha o espectador nos debates da teoria e
prática da história oral. Por um lado, agrava-se a consciência acerca da
dinamicidade, vicissitudes, afetações, idealizações e condicionamentos das
memórias orais, que as afastam do campo da objetividade científica das
ciências duras (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p. 233), acentuando o debate
sobre a relação entre verdade e veracidade, entre imagem e representação
histórica, enquanto por outro, situa a história oral como instrumental igualmente
legítimo para grafar representações históricas dos grupos excluídos pela
historiografia documental (THOMPSON, 2002, p. 17).
Convergindo com o protocolo da historiografia oral assinalado por Paul
Thompson, as fontes que Antônio Biá usará para narrar os grandes feitos de
Javé não são nem os documentos nem os monumentos que formam a matéria
prima da historiografia oficial. Biá usará as memórias dos anciãos, homens e
mulheres empobrecidos e analfabetos do vilarejo.
No desenlace da exposição, Antônio Biá se verá confrontado com
narrativas divergentes na medida em que se mudam os entrevistados, ao
mesmo tempo em que o espectador é exposto aos esforços e à fragilidade das
lembranças de um passado longínquo que chegam fragmentadas às
consciências, cheias de lacunas e rupturas, traumas, seletivismos e
saudosismo, entre outros elementos inerentes à memória.
Ora Indalécio, líder fundador do povoado, é um bravo e destemido
revolucionário, que lidera um pequeno grupo contra os desmandos da coroa
portuguesa, ora é um covarde que lidera uma fuga por sobrevivência. Sua
morte ora se apresenta de forma heróica (causada por uma ferida de guerra),
ora é resultado de um humilhante problema intestinal. Em linguagem cômica e
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irônica, a personagem Souza testemunha:
- E sei que Indalécio não morreu em cima do cavalho. Morreu foi agachado, por causa de uma desinteria que lhe deu um nó nas tripas. E sabe quais foram, de verdade, as últimas palavras que Indalécio pronunciou antes de morrer? “Viver tanto e tanto, pra morrer cagando em todo canto”.
Já na memória da personagem de Pai Cariá, guia de uma comunidade
negra no povoado, Indalécio vira Indalêo, chefe de guerra que acreditava ser
aquele lugar um pedaço do continente africano, enquanto nas lembranças de
Deodora, a grande heroína do povoado fora, na verdade, sua ascendente
direta Mariardina, relegada ao esquecimento não por falta de bravura, mas por
ser uma mulher!
Ao ser inquirido sobre qual historia ele escreveria no livro, vez que para
cada personagem, “a história certa é a que lhe contei”, a resposta de Bia aos
que lhe ouviam e significativa:
- As duas histórias têm sentido, não se pode contar uma sem prejuizo da outra.
E acrescenta:
- ... a história é de vocês, mas a escrita é minha.
Aos desavisados, pareceria que a película cinematográfica estaria a
promover descrédito acerca da legitimidade do uso das memórias orais na
elaboração de uma representação histórica válida. A teoria da historia, no
entanto, identifica nesta tensão a problematização de suas típicas aporias
sobre a história. Nesta esteira é que THOMPSON (2002, p. 9) a define:
A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações.
A dramatização de Eliane CAFFÉ se presta a ilustrar ainda a
constatação de M. HALBWACHS acerca da construção coletiva da memória.
Nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós tivemos envolvidos, e com objetos que só nós
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vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós (HALBWACHS, 2006, p. 30).
Trata-se de percepção evidenciada no filme: na medida em que as
personagens narram, são interpeladas por outras que complementam suas
lembranças, redirecionam-nas e/ou as corrigem. As memórias seguem sendo
despertadas e cristalizadas nos indivíduos a partir da correspondência de
desafios, interesses e circunstâncias comuns à coletividade.
A Memória Oral como Fonte para a Representação Histórica
A narrativa fílmica, por outro lado, converge com a rejeição daquele tipo
de inocência proibida ao historiador frente às narrativas orais. É o de que se
depreende em uma das intervenções de Antônio Biá à personagem Vicentino,
quando este lhe repreende por estar querendo florear suas narrativas. A isto,
Biá lhe responde:
- Uma coisa é o fato acontecido. Outra coisa é o fato escrito. O acontecido tem que ser melhorado na escrita, de forma melhor para que o povo creia no acontecido.
Pergunta-se: com a expressão epigrafada por Antônio Biá, quereria a
película induzir à ideia de que a linguagem escrita deveria ser sempre
adaptada pela retórica, a fim de retratar adequadamente a linguagem oral, ou
estaria o escrivão de Javé conduzindo o espectador à descrença na
objetividade do processo de seu registro?
Durval Muniz de ALBUQUERQUE JÚNIOR memora o florescimento da
história oral na segunda metade do século passado como um modismo que
despertou convulsões entre historiadores, quando se julgou, enfim, ter-se
descoberto uma fonte direta para a história de curto alcance, com o mérito de
ser historiografia inclusiva, plural, vinda de grupos outrora alijados da
historiografia documental (2007, p. 231).
Adverte, no entanto, de que naquela quadra, correu-se o risco de
padecer da mesma ilusão da historiografia clássica, que tomava os
documentos escritos oficiais como portadores de imagens objetivas do
passado. Acerca destas possibilidades, questiona: ainda que se tomassem
como verdadeiras as narrativas orais, seria possível tomar como neutro e
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competente o processo de transcrição das falas gravadas em texto escrito?
Continua:
Mas será que o meu roteiro não interferiu na sua fala? Não a fabricou de certa maneira? Será que ele não preparou uma versão de sua vida adequada àquela que ele acha ser a minha expectativa? Não estarei implicado nesta fala? (ALBUQUERQUE JÚNIOR, p. 233).
O historiador deixa a questão em aberto, ressaltando ser exatamente
este o charme e o encanto da história oral, o lugar de sua produtividade.
PAUL RICOEUR concentra suas ênfases em outra direção. Na tarefa da
representação histórica, fundada em fontes escritas ou orais, já não há que se
falar de verdade dura ou estrita objetividade. Trata-se agora de perquirir
plausibilidades e probabilidades, ou seja, representações dignas de serem
defendidas em uma contestação (RICOEUR, 2007, p. 219). Neste plano,
apesar de sua organicidade, o testemunho oral se apresenta não como
estímulo pirrônico à tarefa historiográfica, antes como rastro, vestígio, resíduos
psíquicos de práticas do passado no que restou do presente. “Eu estava la,
acreditem em mim. Se não acreditarem, perguntem a outras testemunhas!”
(RICOEUR, 2007, p. 173).
Paul THOMPSON, por sua via, deslocará o debate para outro norte, que
não o da crença ou descrença na historiografia oral, pois esta não se
distinguiria da história documental, no que toca à sua (im)possibilidade. Como
reconhecido pela crítica da Nova História (LE GOFF, 1993), pós-modernista
(HAYDEN WHITE, 1992) e pela filosofia da linguagem (FRANK ANKERSMIT,
2012), também os documentos históricos escritos são resultados de operações
seletivas, manuseados por interesses de poder, requerendo por parte do
historiador, um processo historiográfico analítico, indiciário e crítico (realismo
crítico) na análise de todo tipo de fontes históricas, a fim de, só então, resultar
numa representação que se inscreva no campo da veracidade (PAUL
RICOEUR, 2007).
O essencial para THOMPSON, portanto, não está na credibilidade ou
não da história oral. Está, antes, na subversão que estas representam, no que
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tocam a possibilitar um pluralismo mais rico na galeria de representações do
passado, publicando a voz de grupos marginais até então ignorados pela
historiografia oficial.
[...] a história oral tem um poder único de nos dar acesso às experiências daqueles que vivem às margens do poder, e cujas vozes estão ocultas porque suas vidas são muito menos prováveis de serem documentadas nos arquivos. (...) No Brasil isso inclui particularmente os povos indígenas, as comunidades rurais de ex-escravos que viviam nos quilombos e, acima de tudo, as famílias das favelas das grandes cidades. (THOMPSON, 2002, P. 17).
Coincide com o testemunho de Eliane CAFFÉ, acerca de ausência de
representatividade das minorias no mural de representações históricas. Em
entrevista sobre seu filme, aduz:
Então, é como imaginar a História do Brasil sendo contada do ponto de vista do índio. Ele contaria uma história muito diferente. (...) Do ponto de vista do negro, seria ainda outra coisa. Você não pode dizer que o Brasil é um país de brancos. Há o índio, há o negro, há o branco europeu. (...) Portanto, no filme, a ideia é sempre tornar relativa a questão da verdade histórica no texto. É sempre uma versão.
Esta parece ser a experiência proporcionada pela película, como se
pode observar em cena próxima do ocaso da narrativa. No dia esperado para a
entrega de seu registro científico, o escrivão javista Antônio Biá surpreende a
todos, entregando ao povoado não mais que um caderno vazio, com poucos e
ininteligíveis rabiscos. Amaldiçoado e chamado a se justificar, responde aos
seus companheiros o motivo de sua desesperança:
- Vocês acham que escrever estas histórias vai parar a represa? Não vai não. E sabe por que? Por que Javé é só um buraco, perdido no oco do mundo. E daí? E daí que Javé nasceu de uma gente guerreira, dionisíaca? Se hoje isso aqui é um lugar miserável, de rua de terra, de gente apocada, ignorante, como eu, como vocês tudinho!
- Nós somos é só um povinho ignorante que não escreve o próprio nome... mas inventa histórias de grandeza pra esquecer a vidinha rala! Sem fuguro nenhum!
- E vocês acham, mesmo, que os homem vão parar a represa e o progresso, por um bando de semi-analfabeto? Não vão não!
- Isso é fato, é científico!
A externalização dos sentimentos dos derrotados na história, que apesar
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de esforços e resistências, visualizaram suas identidades, memórias e espaços
serem esmagados pela indiferença e frieza dos burocratas de Estado,
apresenta-se na película em linguagem reversa, oferecendo ao pedagogo em
história um dos êxtases da obra de Eliane CAFFÉ.
Considerações Finais
Para as historiadoras YABIN SILVA Y LESLIE MERCADO, a linguagem
cinematografica “nos apresenta un conjunto de imagenes que forman un relato
mas facil de compreender y mas atractivo que un texto” (2012, p. 144). Esta e
a experiência que o pesquisador de história tem ao se debruçar em Narradores
de Javé, obra que parece ter sido criada para fomentar esta interlocução.
Aprofundar as consciências da inter-relação entre memória, história e
territórios, da fragilidade das fontes históricas em dar ao historiador certezas
em suas representações, da dinamicidade das memórias orais, das
contradições do processo civilizatório moderno, da ambiguidade das
hierarquias construídas por este processo em relação aos saberes tradicionais
e formas de legitimação da estruturação social, são algumas das possibilidades
que a película apresenta.
MARC FERRO (1980, p. 11) advertira que o controle sobre o passado
faz parte integrante do repertório de estratégias utilizadas por grupos
dominantes para reafirmarem continuamente a ordem social que lhes mantém
no poder (1980, p. 11). A história escrita, acrescenta ALBUQUERQUE
JÚNIOR, é um artefato que reafirma a dominação dos que escrevem sobre os
que falam (2007, p. 233).
Neste sentido, a película se inscreve como advertência de que aos
excluídos poucas alternativas restam, senão a de adentrarem no processo de
construção e publicação de suas representações históricas, a fim fazerem
frente a uma historiografia oficial que, de forma violenta, desdenha e avilta suas
memórias, identidades e perspectivas.
Referências Bibliográficas
11
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passado. Bauru: Edusc, 2007).
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FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de
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12
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