Echinococcus granulosus - cap. 26

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I inococcus granu osus

Maria Elisabeth Aires Beme

O cisto hidático, estágio larval do gênero Echinococcus, agente da hidatidose cística nos humanos, já era conheci- do na Antiguidade (a.C.). Porém, somente por volta de 1780, é que as "vesículas cheias de água" presentes em pacientes humanos e ovinos foram relacionadas com os pequenos pa- rasitos do intestino delgado de cães. Na América do Sul, os primeiros relatos de hidatidose datam de 1860 e 1870, na Ar- gentina e dez anos após, no Uruguai. No Brasil, os primeiros registros de hidatidose ocorreram no início do século XX.

O gênero Echinococcus pertence ao filo Plathyhel- minthes, classe Cestoda, família Taeniidae, sendo conheci- das quatro espécies, cujo estágio larval pode parasitar hu- manos:

Echinococcus grantdlosus (Batsch, 1786): a forma larval, hidátide ou cisto hidático apresenta-se com uma só cavida- de, responsável pela hidatidose cística ou unilocular. Tem como hospedeiros definitivos cães domésticos e canídeos silvestres e como hospedeiros intermediários ovinos, bovi- nos, suínos, caprinos, bubalinos, cervídeos, camelídeos e, acidentalmente, o homem. Das quatro espécies que serão citadas, a de maior importância é a E. granulosus, que será apresentada posteriormente, de forma mais detalhada.

Echinococcus multilocularis (Leuckart, 1863): a forma larval, o cisto multivesicular, é responsável pela hidatidose alveolar, com caráter difuso, infiltrando-se pelos tecidos, semelhante a um tumor maligno. Tem como hospedeiro de- finitivo raposas e como hospedeiro intermediário pequenos roedores. Esta parasitose em pacientes humanos é poten- cialmente grave e geralmente fatal. O sítio primário de desen- volvimento da larva geralmente é o figado, podendo atingir outros órgãos adjacentes e mesmo distantes. Este caráter difuso dificulta muito a retirada cirúrgica do cisto, uma das formas de tratamento desta doença. Quanto a sua distribui- ção geográfica, está presente na região Holoártica, especial- mente Canadá, Alasca, Sibéria, norte da China, Alemanha, Suíça e França. Estudos epidemiológicos conduzidos na China e Alasca indicaram o cão doméstico como o principal responsável pela infecção humana. Há evidências da disper- são desta parasitose na América do Norte e no Japão, de-

vido ao aumento da população de raposas e progressiva in- vasão destas nas cidades, com o estabelecimento do ciclo urbano, envolvendo cães domésticos como hospedeiros de- finitivos.

Echinococcus vogeli (Rausch & Bernstein, 1972): a for- ma larval é responsável pela hidatidose policística, caracte- rizada por cistos múltiplos, que podem atingir vários tecidos. Os hospedeiros definitivos são carnívoros silvestres e os hospedeiros intermediários várias espécies de roedores sil- vestres, principalmente pacas. Os humanos adquirem esta parasitose acidentalmente, sendo a fonte de infecção geral- mente cães alimentados com vísceras infectadas de roedo- res silvestres (pacas e cutias). A evolução da hidatidose policística é de curso lento, assintomático, sendo o órgão mais afetado o figado, podendo também ser encontrado nos pulmões e mesentério. Os registros da hidatidose policística restringem-se a vários países da América do Sul e Central, com 89 casos descritos. No Brasil, até o ano de 2003, foram relatados 41 casos, sendo a maioria procedente de estados da Região Amazônica, principalmente Acre e Pará.

Echinococcus oligarthus (Diesing, 1863): também cau- sa hidatidose policística, tendo como hospedeiros definiti- vos felídeos silvestres e como hospedeiros intermediários roedores silvestres @acas e cutias). Ocorre na América La- tina, com três casos registrados em humanos (Venezuela, Suriname e Brasil), mas pouco é conhecido sobre a epide- miologia e as vias de transmissão.

MORFOLOGIA E. granulosus durante seu desenvolvimento apresenta-

se em três diferentes formas: parasito adulto, presente no intestino delgado de cães; ovos eliminados com as fezes dos cães e a forma larval, conhecida como cisto hidático ou hidátide, presente nas vísceras dos hospedeiros intermediá- rios, principalmente ovinos e bovinos.

É um cestódeo muito pequeno, medindo de 4 a 6mm de comprimento. O escólex é globos0 ou piriforme, com quatro

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;*-p-Ta . r-

v-+ i 5.4 +$ventÒ~as e um rostro armado com 30 a 40 acúleos ou gan- $chos dispostos em duas fileiras. O colo, região de crescimen- b . 4 to do cestódeo, é curto, seguindo-se pelo estróbilo consti- 3; tuído por três a quatro proglotes. A primeira proglote é ima-

tura, com órgãos genitais ainda não totalmente desenvolvi- dos. A segunda émadura, com órgãos genitais masculinos (30 a 50 massas testiculares, canais eferentes, canal deferen- te, pênis ou c h s envolto pela bolsa do cinus), órgãos ge- nitais femininos (ovário, oviduto, oótipo, glândulas vitelogênicas, útero e vagina) e poro genital, localizado a margem da proglote, onde abre-se a vagina e a bolsa do cims. Na terceira proglote, que corresponde a 113 ou meta- de do estróbilo, encontra-se o útero, ocupando todo o es- paço da proglote, contendo no seu interior 500 a 800 ovos (Figs. 26.1 e 26.2).

Ovos Os ovos, ligeiramente esféricos, medem 32pm de diâme-

tro e são constituídos por uma membrana externa, denomi- nada embrióforo, contendo no seu interior a oncosfera ou embrião hexacanto, onde estão presentes seis ganchos ou acúleos.

Apresenta-se de forma arredondada, com dimensões variadas, dependendo da idade do cisto e do tecido onde este está localizado. Em infecções recentes mede cerca de 1 mm, porém, meses depois, pode medir vários centímetros (Fig. 26.3).

O cisto hidático é formado por três membranas e outras estmturas, iniciando-se pela parte externa:

membrana adventícia: geralmente é espessa, consti- tuída por tecido fibroso, resultante de uma reação do hospedeiro à presença da larva e seus metabólitos; membrana anista ou hialina: formada pela membrana germinativa, tem um aspecto hialino e homogêneo (se- melhante a albumina de ovo cozido), constituída, prin- cipalmente, por proteínas e mucopolissacarídeos. A

prollgea; e - escdlex

Flg. 26.1 - Adulto de Echinococcus granulosus, mostrando escolex e pmglotes imatura, matura e duas grhvidas (a irltima, repleta de ovos, pron- te pam desprender-se do parasito).

Fig. 26.2 - Echinococcus granulosus - A) Verme adulto: A - rostro ar- mado; V - ventosas; Pj - proglote jovem; Pm - proglote madura; Pg - proglote grhvida; E) Cisto hidhtico ou hidhtide (medindo cerce de 5cm de di8metro) apresentando: a - membrana adventlcia (produzida pelo 6rgão ara si ta do); b - membrana anista: c - membrana ~rollaera: d - veslcula

espessura aumenta com a idade do cisto e geralmen- te atinge 0,5mm; membrana germinativa ou proligera: é a membrana mais interna, mede aproximadamente 10pm de espes- sura, com a superfície rugosa, onde são visualizadq inúmeras microvilosidades e vesículas prolígeras. E o elemento fundamental do cisto, pois a partir dela se- rão formados todos os demais componentes do cis- to (membrana anista, vesículas prolígeras e protoes- cóleces); , vesiculas prolígeras: a partir da membrana prolígera são formadas internamente por brotamento (reprodu- ção assexuada por poliembrionia) centenas de vesí- culas, que permanecem ligadas a membrana prolígera por um pedúnculo. Medem cerca de 1 mm de diâme- tro e no seu interior são formados de dois a 60 pro- toescóleces;

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u %. 26.3 - Cisto hidbtico implantado no eplploon, onde pode-se observar membrana adventicia (mais externamente), membrana anista e aderida a esta membrana prollgera, liquido hidbtico e areia hidhtica (foto gentilmente cedlda pelo Dr. Heitor Alberto Jannke, Dep. Patologia, UFPel).

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protoescólex ou escólex invaginado: apresenta for- ma ovóide com quatro ventosas e rostro armado com duas fileiras de aculeos, medindo cerca de 120pm; líquido hidatico: o cisto hidático está cheio de um 1í- quido cristalino, contendo em sua composição muco- polissacarídeos, colesterol, lecitinas e diversos amino- ácidos, com grande capacidade antigênica; areia hidática: constituída por vesículas prolígeras, fragmentos de membrana prolígera e protoescoleces que se soltam e ficam livres dentro do cisto. Em cistos férteis, lcm3 dessa areia pode conter até 40.000 protoescóleces; cistos hidáticos anômalos: o cisto hidático, enquan- to mantiver sua integridade e vitalidade normais apre- senta-se como descrito acima. Contudo, em situações adversas, como as causadas por traumatismo, enve- lhecimento, perda de líquido por ruptura ou punção, ou ainda por alterações bioquímicas devido a penetra- ção de bile ou urina, infecção bacteriana, podem de-

' sencadear um processo de formação de cistos hidá- - 0 1 ticos filhos (secundários) endógenos ou exógenos.

r Os cistos endógenosfilhos, que originalmente eram constituídos por uma única cavidade (unilocular), pas- sam a apresentar diversas cavidades, sendo denomi- nado cisto multivesicular, produzindo suas próprias vesículas proligeras e protoescóleces, à semelhança do cisto hidático-mãe (primário). Os cistos hiaííticosj-

. , lhos exógenos podem ser localizados em vários teci- dos, principalmente em casos de ruptura de cistos pri-

I mários, sendo comumente encontrados nos ossos. Nesta localização, os cistos não apresentam membra-

. na adventicia e, à medida que crescem, avançam pelo tecido ósseo, formando hérnias com a exteriorização

, da membrana germinativa, a partir da qual serão origi- , nados cistos exógenos filhos.

BIOLOGIA HABITAT

O parasito adulto localiza-se junto à mucosa do in- testino delgado de cães, hospedeiros definitivos e o cisto

hidhtico é encontrado, principalmente, no figado e nos pul- mões de ovinos, bovinos, suínos, caprinos e cervídeos, hos- pedeiros intermediários. Em humanos, hospedeiro interme- diário acidental, as localizaçõeg p r e f m i a i s dos cistos são figado, pulmões, além de outros órgãos, coma &ebro, os- sos, baço, músculos, rins etc. 'I!- 11 C!>.'

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CICLO BIOL~GICO * ? '- .

Os ovos eliminados com as fezes dos cães, isoladamente ou dentro das proglotes grávidas, chegam ao meio ambien- te, contaminando as pastagens peridomicílio e o domicilio. Esses ovos, quando eliminados, já são infectantes, p m - necendo viáveis por vários meses em locais úmidos e som- brios, mas são rapidamente destruídos em locais secos e c m grande incidência de luz solar. Os ovos são ingeridos junto ao alimento e, no estômago, o embrióforo é semidigerido pela ação do suco gástrico. No duodeno, em contato com a bile, liberam a oncosfera ou embrião hexacanto, que Wa- vés de seus ganchos penetra na mucosa intestinal, alcan- çando a circulação sangiiínea venosa, chegando ao fígado e aos pulmões e, mais raramente, a outros Órgãos. Após seis meses da ingestão do ovo, o cisto hidático estará maduro, permanecendo viável por vários anos no hospedeiro inter- mediário. Nos hospedeiros definitivos, a infecção ocorre através da ingestão de vísceras, principalmente de ovinos e bovinos com cisto hidático fértil, ou seja, cistos conten- do protoescóleces. Estes ao chegarem no intestino, sob ação principalmente da bile, evaginam e fixam-se h mucosa, atingindo a maturidade em dois meses, quando proglotes grávidas e ovos começam a aparecer nas fezes. Os parasi- tos adultos vivem aproximadamente quatro meses e, por- tanto, se não houver reinfecção, o cão ficará curado desta parasitose (Fig. 26.4).

Os cães adquirem a infecção (equinococose) ao serem alimentados com vísceras dos hospedeiros intermediários contendo cistos hidáticos férteis. Já os hospedeiros i e r - mediários, adquirem a infecção (hidatidose) ao ingerirem ovos eliminados no ambiente pelos cães parasitados, N6: humanos, a infecção muitas vezes ocorre na infglncia? Hd- do ao contato mais

ovos aderidos ao p Crianças, por terem

Como a evolução dos cistos é lenta, as lesões e os sin- tomas desencadeados podem levar anos para serem perce- bidos, ocorrendo somente quando o cisto já atinge grandes dimensões. Cistos pequenos, bem encapsulados e calcifi- cados, podem permanecer assintomáticos por anos ou toda vida do hospedeiro.

A patogenia da hidatidose humana dependerá dos 6r- gãos atingidos, locais, tamanhos e número de cistos. No fi- gado e pulmões, no caso de um único cisto, desde que não

Fig. 26.4 - Ciclo do Echinococcus granulosus: 1 - cão parasitado por vermes adultos; 2 - ovos eliminados para o meio exterior contaminando pastos, alimentos ou mãos de criança; 3 - ovino (hospedeiro norma4 ingerindo ovos; 4 - desenvolvimento do cisto hidático nas vísceras (fígado e pulmões) do ovino, que seráo ingeridas por cães; 5 - criança (hospedeiro acidental) ingerindo ovos.

atinja grandes dimensões e não ocorram rupturas, pode não apresentar sintomas. Entretanto, no cérebro, pode ser de cur- so grave, caso não seja diagnosticado e tratado rapidamente. Como já mencionado, a hidatidose pode ocorrer em vários ór- gãos e tecidos, com patogenia e sintomas decorrentes das al- terações nas suas funções vitais, seja através de mecanismos irriiativos, mecânicos elou alérgicos. Por isto, será abordada a hidatidose nas localizações mais comuns e graves no homem.

Hidatidose hepática: o figado geralmente é o órgão pri- mário da infecção. O embrião através da circulação atinge o figado, onde pode ficar retido nos capilares sinusais, cau- sando uma reação inflamatória com a presença de infiltrado de eosinófilos e células mononucleares. A localização pre- ferencial do cisto no fígado é o lobo direito, podendo estar situado profundamente no parênquima ou superficialmente, logo abaixo da cápsula hepática. Quando a localização é mais profunda, pode comprimir o parênquima, vasos e vias biliares. Os sintomas são distúrbios gástricos, sensação de plenitude pós-prandial e, em caso mais graves, pode ocor- rer congestão porta e estase biliar, com icterícia e ascite. Quando há ruptura de cisto hepático, existe grande possi- bilidade de formação de cistos-filhos em vários órgãos da cavidade abdominal e peritonial.

Hidatidose pulmonar: o pulmão é o segundo órgão mais afetado pela hidatidose. O parênquima pulmonar oferece

pouca resistência ao crescimento do cisto, que pode atingir grandes dimensões, comprimindo brônquios e alvéolos. As manifestações mais relatadas são cansaço ao esforço fisico, dispnéia e tosse com expectoração. Rupturas de cistos nes- te órgão são mais frequentes, quando se observa hidatido- ptise, com a presença de protoescóleces e fragmentos de membrana prolígera no material de expectoração.

Hidatidose cerebral: esta localização é rara. O tecido ce- rebral apresenta pouca resistência e os cistos evoluem rá- pido, com sintomas neurológicos de acordo com a localiza- ção do cisto.

Hidatidose óssea: também rara, mas de longa duração. Os cistos, que são desprovidos de membrana adventícia, crescem adaptando-se e invadindo os locais do tecido ós- seo, que apresentam menor resistência. Nesta progressão, o cisto sofre estrangulamentos, que muitas vezes expõem a membrana germinativa com a formação de cistos filhos. Em- bora os cistos neste tecido fiquem ativos por vários anos (até 20 anos), o paciente conserva bom estado geral, sendo muitas vezes o diagnóstico realizado no momento de fratu- ras do osso, que está fragilizado pela destruição do tecido.

Independente da localização do cisto podem ser obser- vadas reações alérgicas de maneira intermitente, devido ao extravasamento de pequenas quantidades de líquido hidático para os tecidos. No caso de ruptura do cisto, após

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punção, cirurgia ou acidentes, o líquido hidático (rico em proteínas e altamente antigênico), ao cair na cavidade abdo- minal elou peritonial, pode desencadear choque anafilático, muitas vezes fatal.

IMLNOLOGIA Infecções experimentais conduzidas em animais mostram

que menos de 5% dos ovos ingeridos produzem cistos, com uma intensa resposta imune desencadeada em animais pre- viamente infectados com oncosferas ou vacinados com an- tígenos de oncosferas. A resistência ao desafio também é evidente em populações de ovinos nais quais a hidatidose é hiperendêmica. Os mecanismos envolvidos na morte do

por exposições sucessivas, provavelmente são de- pendentes de anticorpos e mediados pelo complemento. Altos níveis de IgG são observados a partir da 2" 1 lu se- mana após infecção. Infecções iniciais desencadeiam uma resposta inflamatória significativa, com infiltrado de neutró- filos e macrófagos, três a cinco dias pós-infecção e um au- mento dos leucócitos séricos, principalmente eosinófilos, linfócitos e monócitos, 25-30 dias pós-infecção.

Em infecções humanas, os anticorpos séricos IgGl , IgG4 e IgE antiantígeno de líquido hidático, que é uma mistura complexa de proteínas, contendo vários componentes anti- gênicos, são capazes de estimular diferentes populações de

células T, que irão reconhecer distintos epitopos deste pa- rasito. A elevada produção de IL.4, iL5, iL6 e L 1 0 em pacien- tes com hidatidose indica a ativação das células Th2, mas também o IFN-y é produzido, sugerindo que a resposta imu- ne a esse parasito é regulada também pelas células Thl. Vá- rios estudos clínicos de hidatidose sugerem que ocorre uma variação na estimulação das populações de células Thl1Th2 durante a infecção, relacionada com a liberação de antí- genos, estando a população de Th2 relacionada com a res- posta a suscetibilidade a doença, enquanto as Thl estão relacionadas com a imunidade protetora.

EPIDEMIOLOGIA A hidatidose é uma zoonose rural com ampla distribui-

ção geográfica, presente em todos os continentes, sendo mais frequente no sul e oeste dos Estados Unidos, Cana- dá, Alasca, Europa, Ásia, Austrália, Nova Zelândia e Amé- rica do Sul. As regiões de maior prevalência têm tradição na criação de ovinos e no manejo destes animais utilizam o cão.

Na América Latina, segundo estimativas, há cerca de meio milhão de pessoas infectadas com cisto hidático, com alta prevalência em áreas rurais do Chile, Argentina, Uru- guai, Peru e Brasil.

Área endemica

Focos isolados

Área sem encontro da doença

Prevalência alta

Fig. 26.5 - Distribuiçáo geográfica de hidatidose no Brasil (fonte: SUCAM e publicações diversas, 1987).

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No Brasil, quase todos os casos de hidatidose têm ori- gem no Rio Grande do Sul (Fig. 26.5), onde esta doença é co- nhecida desde o início do século XX. Um estudo retrospec- tivo (últimos 20 anos: 198 1-200 1) de casos clínico/cinírgicos, conduzido neste Estado, detectou 742 casos de hidatidose (Fig. 26. 6), e 6 1,10% destes ocorreram na Região da Cam- panha, que faz fronteira com o Uruguai e a Argentina, onde a ovinocultura e bovinocultura são expressivas e a utiliza- ção de cães no pastoreio dos animais é uma rotina. A maior porcentagem (73%) de casos de hidatidose ocorreu na fai- xa etária de 16 a 60 anos, sendo o órgão mais acometido o fígado (59,19%), seguido do pulmão (1 6,92%), com localiza- ções também no baço, rins, cérebro, músculos, coração, ová- rios, vesícula biliar, peritônio, epíploon e intestino.

O estudo da hidatidose animal e da equinococose em cães, tem sido um indicador da situação da hidatidose hu- mana, principalmente em áreas endêmicas.

A prevalência da hidatidose em bovinos e ovinos é obtida através da inspeção dos animais no momento do abate. No período de 1998 a 200 1 na região sul do Rio Grande do Sul, a inspeção estadual detectou cisto hidático em 30% a 35% dos bovinos e 41% dos ovinos. Nesta mesma região, a prevalência da equinococose ca- nina foi de 13% a 38%. Estes dados indicam que a hidatidose permanece endêmica neste Estado, e o habi- tante do meio rural está continuamente exposto a esta parasitose.

Mesmo sendo esta doença conhecida no Rio Grande do Sul desde o início do século XX e apesar das inúmeras cam- panhas de controle implantadas, a hidatidose continua sen-

' do um grave problema de saúde pública, visto os hábitos do camponês de alimentar os cães com vísceras cruas, princi- palmente de ovinos abatidos nas propriedades rurais, e de manter um número grande de cães sem tratamento anti- helmíntico.

Casos isolados de hidatidose, causados por E. granu- losus, têm sido registrados em outros Estados, como: São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Bahia e Mara-

nhão. Isto é preocupante, visto a possibilidade de dissemi- nação da hidatidose, mediante a migração de gaúchos, que levam junto seu cão, bem como a comercialização de ovinos de áreas endêmicas para regiões livres desta doença.

Muitos fatores podem determinar a permanência, reinfecção e dispersão da hidatidose:

presença de grande quantidade de cães nas proprie- dades rurais e estes parasitados por E. granulosus; fácil acesso dos cães a vísceras cruas infectadas com cisto hidático, principalmente de ovinos; habito dos camponeses de alimentar os cães com vís- ceras cruas dos animais abatidos na propriedade, vis- to ser uma forma econômica de alimentar estes ani- mais; falta de tratamento anti-helmíntico aos cães; número insuficiente de abatedouros com inspeção ve- terinária no meio rural; precária ou inadequada educação sanitária; falta de cuidados sanitários sobre a população de cães no meio rural; falta de.recursos financeiros e políticos para manter campanhas efetivas contra hidatidose; falta de controle sanitário dos animais comercializados nos Estados.

O quadro clínico de hidatidose não é específico, muitas vezes assintomático. Portanto, para um diagnóstico mais preciso, devem ser consideradas informações clínicas, labo- ratoriais e epidemiológicas.

Clínico: as manifestações clínicas, quando presentes, são geralmente causadas pelo crescimento expressivo do cisto, que leva a compressão e aderência do órgão parasi- tado e das estruturas adjacentes. Nos exames fisicos, depen- dendo do tamanho e da localização do cisto, podem ser de- tectadas massas palpáveis, semelhantes a tumores. Em áre-

Fig. 26.6 - Casos clínico/cirúrgicos de hidatidose humana nos últimos 20 anos no Rio Grande do Sul, Brasil.

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as endêmicas, estes achados associados a manifestações he- páticas e pulmonares crônicas são sugestivos de hidatidose.

Laboratonal: as avaliações laboratoriais são utilizadas tanto no diagnóstico primário da hidatidose, como no acom- panhamento após o tratamento cirúrgico elou medicamen- toso. As técnicas de imunodiagnóstico de imunodifusão arco 5, hemaglutinação, imunofluorescência e ELISA são utilizadas na busca de anticorpos específicos a proteínas do líquido hidático. Os antígenos 5 (arco 5) e o recombinante B (EgB), obtidos do líquido hidático, são os mais utilizados. E indicado o uso de duas técnicas na confirmação do diagnós- tico. Apesar das técnicas apresentarem uma boa sensibilida- de e especificidade, ainda têm-se problemas com as reações cruzadas. Neste caso, a identificação de epítopos específicos de antígenos recombinantes de E. granulosus, através do Irnrnunoblottin, tem mostrado resultados promissores.

No caso de suspeita de rompimento de cisto pulmonar, deve-se solicitar exame do material de expectoração, para pesquisa de protoescóleces.

Métodos de Imagem: a radiografia foi, e continua sendo, amplamente utilizada como auxiliar no diagnóstico da hida- tidose. Atualmente, outras técnicas possibilitam a visualiza- ção mais detalhada dos cistos, como: ecografia, ultra- sonografia, cintilografia, tomografia computadorizada e res- sonância magnética. Embora todos esses métodos produ- zam imagens, muitos deles com riqueza de detalhes, nem sempre são conclusivos, pela semelhança com outras pato- logias, como tumores.

Laparoscopia: esta técnica cirúrgica é utilizada quando não se tem uma confirmação exata da abrangência e das condições em que se encontra o cisto hidático.

O diagnóstico da equinococose canina através do exa- me de fezes não fornece um resultado específico, já que os cães podem estar parasitados por outras espécies de cestó- deos (Muticeps multiceps, Taenia hidatigera, I: taeniformis, T pisformes e I: ovis), que apresentam a morfologia do ovo semelhante. Em estudos epidemiológicos, o diagnóstico é realizado através do exame morfológico do parasito adulto, obtido através da expulsão do cestódeo íntegro, após a ad- ministração de bromidrato de arecolina, ou por necropsia de cães e exame do raspado da mucosa intestinal. A técnica de ELISA de captura, para busca de antígenos nas fezes dos cães, tem sido utilizada com excelentes resultados em estu- dos da prevalência da equinococose. Esses coproantígenos são detectados em suspensões de fezes entre 10-20 dias após infecção e desaparecem três a quatro dias após a eli- minação do parasito.

Nos hospedeiros intermediários (bovinos, ovinos, suí- nos) o diagnóstico da hidatidose é obtido pela presença de cistos ao exame post-mortem, no momento do abate destes animais. Estes dados, juntamente com os de equinococose canina, são utilizados em áreas endêmicas para acompanhar a situação de risco da população humana a hidatidose.

PROFILAXIA As ações propostas na profilaxia da hidatidose e

equinococose têm como objetivo romper a transmissão des-

ta zoonose e prevenir a infecção humana. Isto pode ser con- seguido através de:

conscientizar a população rural sobre esta parasitose, vias de transmissão e as medidas de controle, salien- tando que esta orientação deve iniciar já com as crian- ças em idade escolar; não alimentar cães com vísceras cruas de ovinos, bo- vinos e suínos (no caso de utilizá-las na alimentação dos cães, estas devem ser bem cozidas); incinerar as vísceras parasitadas dos animais abatidos; tratar periodicamente, com anti-helmínticos, todos os cães da propriedade; ter cuidados com higiene pessoal, lavando as mãos antes de ingerir alimentos e depois de contato com cães; impedir o acesso de cães em hortas e reservatórios de água; lavar frutas e verduras com água corrente; evitar contato direto com cães não-tratados; realizar o controle de insetos, principalmente moscas e baratas, que podem carrear ovos; inspecionar os animais abatidos nos abatedouros; construir abatedouros domiciliares para ovinos e suí- nos, visto estes serem mais comumente abatidos nas propriedades rurais, impedindo o acesso dos cães ao local de abate; manter somente o número necessário de cães as ativi- dades da propriedade.

A profilaxia da hidatidose através de vacinas nos hos- pedeiros intermediários tem mostrado resultados animado- res. Um estudo conduzido na Nova Zelândia, Austrália, Chi- na e Argentina, com ovinos vacinados com a proteína re- combinante EG95, mostrou proteção de 95%, com imunida- de transferida aos cordeiros através do colostro das mães vacinadas.

TRATAMENTO

O tratamento da hidatidose é realizado através de medi- camentos, cirurgia e PAIR (Punção, Aspiração, Injeção e Re- aspiração do cisto). Até o início dos anos 80, a cirurgia era o único tratamento da hidatidose e muitos pacientes, prin- cipalmente com cistos múltiplos, localização difícil elou cis- tos muito grandes, apresentavam complicações pós-cirúrgi- cas e recorrência de cistos. Somente com o desenvolvimen- to dos benzimidazóis, nos anos 70, é que o tratamento me- dicamentos~ tomou-se possível. O primeiro fámaco utiliza- do no tratamento da hidatidose foi o mebendazol, que em- bora efetivo, tinha desvantagens pela necessidade de altas doses e tratamentos prolongados, devido a baixa absorção e aos metabólitos resultantes não apresentarem ação anti- helmintica. Posteriormente, iniciaram-se estudos com o albendazol, que mostrou-se mais eficiente e seus metabóli- tos (sulfoxido de albendazol) mantinham a atividade anti- helmíntica.

Tratamento Medicamentoso: a administração de fár- macos é utilizada como primeira conduta no tratamento

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da hidatidose e como auxiliar nos tratamentos cirúrgicos e da PAIR.

No tratamento da hidatidose o albendazol pode ser ad- ministrado de forma contínua (400rng em duas doses diárias durante três a seis meses), ou intermitente (400mg em duas doses diárias, em três a seis ciclos de 28 dias, com interva- los de 14 dias sem medicação). Como auxiliar nos casos ci- rúrgicos e da PAIR é recomendado 400mg em duas doses diárias, iniciando quatro dias antes e durante um mês após estes procedimentos.

O tratamento da hidatidose utilizando a combinação do praziquantel e albendazol tem mostrado bons resultados, devido ao aumento da concentração plasmática e maior tem- po de ação destes medicamentos sobre o parasito.

Ikatamento pela PAIR: este tratamento consiste na pun- ção do liquido hidático através de aspiração e inoculação de uma substância protoescolicida (salina hitertônica, etanol, citrinidina ou sulfoxido de albendazol) e reaspiração após 10 minutos. Este tratamento é recomendado nos casos de

cistos simples e múltiplos com tamanho entre 5 a 15 cm de diâmetro. A utilização da PAIR no tratamento da hidadidose requer maiores estudos, sendo contra indicada em cistos pulmonares e cerebrais

Tratamento Cirúrgico: é método mais utilizados no tra- tamento da hidatidose no Brasil. É recomendado em casos de localizações acessíveis e cistos volumosos, sendo neces- sário a dessensibilização prévia do paciente para evitar pro- cessos alérgicos ou anafiláticos.

O praziquantel é utilizado com bons resultados sobre a forma adulta de E. granufosus em cães, tanto no tratarnen- to como na profilaxia desta parasitose. Após a adrninistra- ção do medicamento é recomendado prender os animais por 24 horas e todas as fezes eliminadas devem ser incineradas, para evitar a contaminação do ambiente com ovos deste pa- rasito.

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