Fatores que prejudicam as ondas Brasileiras

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Breve entendimento sobre a relação da qualidade das ondas no litoral Brasileiro

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Quando se pensa no campeonato da elite do surf mundial, o World Tour da ASP,

normalmente imaginamos ondas perfeitas quebrando em paisagens

estonteantemente lindas. No Brasil, Imbituba e Rio de janeiro já sediaram o

evento e as paisagens ao redor das ondas até cumpriram bem a sua função, já as

ondas…

A etapa desse ano não foi diferente, lindos cenários emolduravam o palanque do

Billabong Rio Pro 2014 e a Barra da Tijuca fervilhava na expectativa de ver os

melhores surfistas do mundo exercendo sua profissão com excelência. Após uma

semana de laydays, manhãs tubulares, baterias inconsistentes e tardes ventosas, o

campeonato terminou com aquela sensação de… putz… que merd….

Sabem como é, a culpa é da natureza, a falta de ondas não foi causada por

ninguém e isso acontece em todo lugar. Mas não por três anos seguidos. Eis que o

portal de surf mais acessado do mundo, o Surfline, questionando a qualidade de

nossas ondas:

Surfline questiona nas redes sociais

É bizarro. Temos uma costa que equivale a aproximadamente três vezes o tamanho do litoral peruano, dez vezes a extensão da costa portuguesa e 20 vezes mais longa que o perímetro da ilha de Oahu (Hawaii) e não temos uma onda que podemos nos orgulhar por sua regularidade, perfeição e/ou força (fora, talvez, Fernando de Noronha). Partindo daí, resolvemos descobrir de onde vem esse “azar” natural, e dentre tantas características necessárias para formar boas ondas, encontramos oito fatores negativos no litoral brasileiro que explicam porque a nossa etapa do circuito mundial volta e meia decepciona.

1. Vento

Os ventos são os grandes responsáveis pela formação das ondas, transferem sua

energia para a superfície do mar criando e aumentando a altura e o período das

ondulações. Basicamente, três fatores influenciam no desenvolvimento de

swells: a velocidade do vento, a duração do vento e a pista (área do Oceano em

que o vento atua)

Quanto mais forte for o vento no lugar de formação da onda, maior ela se tornará.

Quanto maior for o espaço (distância) em que o vento atuar, e se manter atuando

por mais tempo, melhores e mais organizadas serão as ondas.

“O tamanho do oceano vai influenciar diretamente no período entre as ondas, e

esse é o motivo pelo qual o Oceano Pacifico, com 165,3 milhões de km², gera

ondulações melhores para prática do surf, normalmente com períodos mais altos

que o Atlântico, que tem 82,2 milhões de km²”.

Veja como o vento influencia na formação das ondas

2. Swell

A grosso modo existem dois tipos de ondas produzidas pelo vento, as vagas e as

marulhos.

As vagas são as ondas que ainda estão recebendo a energia do vento. Já as

marulhos (também chamadas de ondulações ou swell) são as que estão viajando

pelo Oceano e que se dividem em groundswell e windswell.

A diferença entre os dois é a distância que o vento percorre em alto mar. O

groundswell são as ondas formadas pelos ventos que se movem em longas

distâncias até chegar à costa. Quanto mais longínqua for a tempestade, isto é,

quanto maior for a distância que ela percorrer, melhores serão as ondas e maiores

serão os períodos entre elas.

“Um swell que viajou 5.000 km, por exemplo, vai estar muito mais organizado que

outro que viajou apenas 500 km”, esclarece o oceanógrafo Eloi Melo.

Pipe e suas ondas privilegiadas

Lembrando a diferença dos tamanhos entre Oceano Pacífico e Oceano Atlântico, se percebe que a

nossa costa recebe muito menos incidência de groundswell, uma vez que a maioria das nossas ondas

são formadas pelo que se denomina de ciclones extratropicais, com formação perto da costa.

“Um exemplo aqui pra nossa costa, das grandes tempestades longínquas, pode ser a Ilha de Fernando

de Noronha, boa parte do swell que chega é oriunda de tempestades formadas no hemisfério Norte,

isso implica dizer que são ondas que viajaram por muito tempo e chegam de forma organizada na

costa”, afirma a oceanógrafa Deborah Aguiar.

Os continentes localizados a oeste são naturalmente abençoados com groundswells, já que os ciclones

se movem em direção leste, o que faz ventos mais fortes soprarem de Oeste para Leste.

3. Costa

Depois que a onda se forma, ela viaja, viaja, viaja e chega na costa, é quando ela levanta e, se

torna, o que chamamos na linguagem “surfística” de linhas.

A plataforma continental é a porção de terra marítima que se estende da linha da costa até a

região da talude, onde ocorre a quebra da plataforma. A extensão da plataforma interfere

diretamente na formação das ondas. Quanto maior for essa porção de terra, mais irregulares serão

as ondas, pois os processos de perda de energia irão acontecer a partir do momento que a onda

começar a sentir o chão.

Nossas ondas são prejudicadas devido a esse caminho que a onda precisa percorrer, visto que o

Brasil possui uma das plataformas continentais mais extensas. Quando quebra em alto mar, a

onda tem uma energia muito grande e ao viajar em direção a costa ela vai perdendo energia, força

e estabilidade por causa do atrito com o fundo e os obstáculos. As ondas do Havaí, por exemplo,

não passam por todo esse processo, quando quebram em alto mar, fortes e alinhadas, viajam por

pouco tempo, passando por quase nenhum obstáculo.

Relevo marítimo

4. Período

Período é o intervalo entre duas cristas de onda. Quanto mais longo for o tempo entre

elas, mais organizada, forte e consistente uma onda será. O período depende da força

que o vento sopra e a distância que ele percorre em alto mar. No Oceano Pacífico, o

período das ondas é maior graças ao tamanho da área que o vento tem para atuar.

“No Peru, por exemplo, o período médio é de 15 a 18 segundos, essa distância faz

com que a onda entre em séries mais demoradas, alinhadas e fortes. No Brasil, via de

regra, varia entre 6 e 8 segundos formando ondas mais irregulares, seccionadas

Influência da costa e do período

5. Profundidade

No cenário ideal, para se ter ondas perfeitas no Brasil precisaríamos de uma plataforma

continental mais curta e, como consequência, ter a profundidade (tamanho da talude)

mais próxima da costa, como acontece no Hawaii.

“No litoral do Brasil podemos remar por 80 km e a profundidade não passa de 50

metros, comparando com os grandes picos de surf do mundo, a história é bem diferente,

na Gold Coast (Austrália), Hawaii e Bali (Indonésia) à 80 km da costa você ainda está

em águas profundas, ou seja, as ondas não estão sofrendo nenhuma perda de energia.

Resumindo, elas chegam com mais consistência na costa .

Área azul-claro indica a baixa profundidade

6. Vento Maral e Terral

A direção do vento no litoral influencia muito a qualidade da onda. O vento maral,

que sopra do oceano para a costa (por trás da onda), deixa o mar mexido e irregular,

achatando as ondas e fazendo com que se fechem mais rápido, criando condições

mais propícias para manobras aéreas, por exemplo. Já o vento terral, da terra para o

mar, encontra a ondulação de frente, alisa a textura, segura a parede e levanta a

crista da onda.

Normalmente, o vento sopra do lugar mais frio para o mais quente. E no Brasil,

principalmente no Sul, o oceano demora muito mais a esquentar do que a terra. Por

isso, a manhã tende a ser a melhor hora para se surfar já que o continente ainda não

esquentou (e ainda não baixou a sua pressão atmosférica a ponto de causar o

deslocamento de ar, ou a popular ‘ventorréia’). Por isso também, as ondas do outono

e inverno proporcionam melhores condições, uma vez que os dias são mais frios e

quando rola o terral ele tende a perdurar por mais tempo.

Entretanto, a chegada de vento terral varia com a direção e o sentido que o vento

sopra em determinadas praias. Algumas enseadas mais recortadas não dependem do

vento continental para receber o terral, é o exemplo da praia de Itapirubá (SC).

Vento terral é certeza de boa formação

7. Fundo

Basicamente, existem três tipos de fundo. Os beach breaks, ou fundos de areia, são

os mais instáveis. Por serem facilmente maleáveis, as ressacas e marés formam

buracos e bancadas irregulares interferindo na energia, velocidade e altura das

ondas. Esse tipo de fundo é uma boa opção para os surfistas iniciantes, já que as

ondas são menores e mais fracas. E mais uma vez, o Brasil foi escolhido para ter

esse tipo de solo em quase todo o seu litoral.

OBS: Das 10 etapas do WCT, só 3 são de beach breaks, Brasil, Portugal e França

(pela característica, consideramos a Gold Coast um pointbreak).

Os pointbreaks, ou fundos de pedra, proporcionam ondas mais alinhadas e

geralmente mais longas. A praia do Silveira, em Santa Catarina, é uma dessas

exceções brasileiras.

Nos reef breaks, fundos de recifes ou corais, as ondas se moldam de forma perfeita

e constante, devido à estabilidade da bancada natural. Porém, para se aventurar

nesses picos é preciso ter mais experiência, pois a vaca em reef breaks pode render

cortes e “tatuagens” permanentes. Desert Point, na Indonésia, uma das bancadas

mais alinhadas do planeta é um exemplo, mesmo não tendo uma onda tão casca-

grossa, até surfistas mais experientes, como o australiano Owen Wright, já

deixaram um bocado de pele por lá.

Um metro d"água separa a onda do reef em Teahupoo

8. Elevação do Rio Grande

Como se não bastasse tudo isso, o Brasil foi abençoado – só que não – com uma

grande montanha no fundo do Atlântico Sul, a Elevação do Rio Grande, localizada

entre os estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A cerca de 1,5 mil quilômetros

da costa brasileira, o continente perdido tem 3.200 metros de altura e o seu pico fica

800 metros abaixo do nível do mar, conforme dados do Serviço Geológico do Brasil

(CPRM – Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais).

A montanha submersa serve como uma barreira natural e é mais um dos obstáculos

que a ondulação precisa ultrapassar. Quando a onda passa por cima da área

montanhosa perde força, desestabiliza e viaja desorganizada até a costa.

Para efeito de comparação, da base até o cume, o Pico da Neblina localizado no norte

do Amazonas, na Serra do Imeri, tem 2.994 metros. Numa licença poética podemos

dizer que a montanha da Amazônia perdeu o posto de pico mais alto do Brasil (para

nossa infelicidade surfística) para a Elevação do Rio Grande. Como assim Surfari? A

montanha mais alta do Brasil é submersa? Sim, moramos num país tropical,

abençoado por Deus e bonito por natureza. Mas o surf…

Montanha submersa

A solução?

O homem interfere na natureza buscando melhorar ou resolver os seus problemas.

Seria possível dar a volta em Netuno e Iemanjá? Criar as tão sonhadas ondas

perfeitas no Brasil? Hmm…quase!

Logo que apareceram os primeiros projetos de bancadas artificiais, o sonho poderia

ter se tornando real, mas não foi dessa vez. Elas até chegaram a ser instaladas em

alguns lugares, como na Inglaterra, na praia de Bournemouth e em Kovalam, na

Índia.

Feitas com sacos de areia gigantes, as bancadas não funcionaram exatamente como

o planejado e atuaram mais como beach break do que reef breaks. Como nos beach

breaks, as marés modificaram a estrutura artificial criando fortes correntes e,

eventualmente, os sacos se rasgaram. Enquanto esses projetos criados pelo homem

não funcionam 100%, preferimos nos divertir com as nossas ondas mais ou menos.

Bancada dos sonhos