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Nº 65363/2015 - ASJCRIM/SAJ/PGR
Habeas Corpus n. 127.186 PARANÁ (eletrônica) Relator: Ministro Teori ZavasckiPaciente: Ricardo Ribeiro PessoaImpetrantes: Alberto Zacharias Toron e outro(a/s)Coator: Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS. SUPOSTA AUSÊNCIA DE FUNDAMEN-TAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. IMPETRAÇÃO EM FACE DE DECISÃO DO STJ. OPERAÇÃO LAVA JATO. PACI-ENTE PRESO PREVENTIVAMENTE PELA PRÁTICA DE CRIMES PREVISTOS NO ART. 2º, CAPUT E § 4º, II, III, IV E V C.C. ART. 1º, §1º, AMBOS DA LEI 12.850/2013, NO ART. 333, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL E ART. 1º, C.C.§ 2º, DA LEI 9.613/1998. PRISÃO PREVENTIVA PARA GARAN-TIA DA ORDEM PÚBLICA, POR CONVENIÊNCIA DA INS-TRUÇÃO CRIMINAL E PARA ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. PRESENTES MOTIVOS CONCRETOS QUE INDICAM A NECESSIDADE DA CUSTÓDIA. MANIFESTA-ÇÃO PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Alegação de que a pri-são preventiva do paciente não preencheria os requisitos legais e que seria possível sua substituição por outras medidas diversas da prisão. 2. Elementos concretos que indicam prognóstico seguro de que o paci-ente, em liberdade, voltará a delinquir, especialmente em vista de seu relevante papel na organização criminosa e no cartel estabelecido, do longo período de práticas ilícitas, da magnitude da lesão e da proximi-dade com agentes criminosos envolvidos com práticas habituais, tudo a indicar risco concreto de reiteração criminosa. 3. O fato de o agente ter se afastado da direção formal da empresa não significa que dimi-nuirá o risco de novas práticas delitivas, pois é o principal acionista e responsável pela empresa. Da mesma forma, outros contratos da em-presa estão em andamento com a PETROBRAS e com outros órgãos públicos. 4. Risco para a instrução em razão da probabilidade concreta de o paciente cooptar testemunhas e demais colaboradores. 5. Risco para a aplicação da lei penal, em face de elementos concretos que apontam o perigo de fuga. 6. Demais medidas alternativas insuficien-
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tes para neutralizar os riscos. 7. Manifestação pela denegação da or-dem.
O Procurador-Geral da República, em atenção ao despacho
de V. Excelência, vem expor e requerer o que segue.
I - Relatório
Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de medida liminar,
impetrado por RICARDO RIBEIRO PESSOA contra decisão
proferida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça no
HC 312.368/PR.
Alega o impetrante que foi preso preventivamente por deci-
são da 13ª Vara Federal de Curitiba, no bojo da intitulada Opera-
ção Lava Jato. Impetrou Habeas Corpus perante o Tribunal
Regional da 4ª Região e, após, perante o Superior Tribunal de Jus-
tiça, que não foram conhecidos.
Aduz, em apertada síntese, os seguintes argumentos: (i) que a
prisão preventiva teria sido decretada apenas com base na gravi-
dade do sistema e no prestígio do sistema penal, o que não autori-
zaria a decretação da prisão preventiva; (ii) não existiriam dados
concretos que justificassem a decretação da prisão preventiva para
assegurar a instrução criminal e que a instrução já se encerrou; (iii)
a condição financeira do paciente não pode justificar a custódia
cautelar para assegurar a aplicação da lei penal, sob pena de se esta-
belecer distinção entre ricos e pobres; (iv) a liberdade do paciente
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não coloca em risco a sociedade, pois não é mais dirigente da em-
presa e esta não pode mais contratar com a PETROBRAS; (v) se-
riam adequadas ao caso as medidas alternativas à prisão previstas
no art. 319 e 320 do CPP.
II - Fundamentação
Não assiste razão aos impetrantes.
A prisão preventiva é a medida mais drástica e gravosa que
pode ser aplicada durante o processo ao imputado. Em razão disso,
indubitável que a análise de qualquer prisão preventiva deve partir
do princípio da presunção de inocência. Este, em sua vertente de
forma de tratamento, impõe que a prisão processual antes do trân-
sito em julgado somente possa ser aplicada pelo juiz em caso de
necessidade para acautelar relevantes valores da sociedade e do
processo. Ademais, desponta deste princípio e de outros dispositi-
vos constitucionais que a liberdade ao longo do processo deve ser
a regra e a prisão a exceção. Por fim, o princípio da proporcionali-
dade impõe que a prisão processual somente pode ser aplicada se
não houver outra medida menos gravosa que seja igualmente ade-
quada. Somente se atendidos tais vetores que a prisão preventiva
estará em conformidade com o desenho constitucional.
Pois bem. Cumpre analisar se no presente caso a prisão pre-
ventiva era e ainda é necessária para acautelar o processo e a soci-
edade.
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Da decisão que decretou a prisão preventiva verifica-se que
foi decretada para a garantia da ordem pública, para assegurar a
aplicação da lei penal e a instrução criminal.
Vejamos por partes.
A chamada prisão para garantia da ordem pública se
enquadra dentre os intitulados “conceitos juridicamente indeter-
minados”. De qualquer sorte, seu conteúdo vem sendo concreti-
zado pela jurisprudência do STF ao longo dos anos, estabelecendo
diversos parâmetros.
Embora ainda existam alguns pontos ainda divergentes, é in-
dubitável que a legislação processual penal - art. 282, inc. I, do
CPP, com redação dada pela Lei 12.403/2011- e a jurisprudência
pacífica dos Tribunais Superiores admitem que a prisão preventiva
para impedir a continuidade das práticas delitivas está abarcada por
tal conceito. Em outras palavras, tanto o c. STF, como o e. STJ,
entendem que a prisão, embora excepcional, é admissível
no caso de habitualidade e reiteração criminosa.
Consta em vários precedentes, de ambas as turmas do e. STJ,
por exemplo, que “a prisão cautelar justificada no resguardo da ordem
pública visa prevenir a reprodução de fatos criminosos e acautelar o meio
social, retirando do convívio da comunidade o indivíduo que diante do mo-
dus operandi ou da habitualidade de sua conduta demonstra ser dotado de
periculosidade.” (p. ex. HC (s) 106.067, 6ªT, j. 26/08/2008; 114.034,
5ªT, j. 03/02/2009). Para o STJ, a reiteração criminosa revela a
“personalidade voltada para a prática delitiva”, o que justifica a prisão
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(HC 64.390, 5ªT, j. 07/12/2006). Também no c. STF, em ambas as
turmas (v. g. HC 96.977, 1ªT, j. 09/06/2009, e HC 96.008, 2ªT, j.
02/12/2008), admite-se a prisão para evitar reiteração delitiva.
É evidente que o prognóstico de reiteração das práticas deliti-
vas deve se basear em elementos concretos que apontem, com base
na experiência, que há um risco de que a conduta delitiva seja rei-
terada. Conforme leciona com razão Gustavo Badaró:
“O juiz terá de fazer um juízo para o futuro, um prognóstico diante da situação atual. O futuro não se acerta, prevê-se. Não é possível se exigir a prova plena ou a certeza de um ‘perigo’ de dano, ou de um dano em poten-cial. (...) O que se pode exigir do juiz em tal caso é uma previsão, um prognóstico sobre um dano fu-turo”.1
Pois bem. Conforme se verifica da decisão que decretou a
prisão preventiva do paciente, diversos motivos demonstram que
a custódia era e continua sendo essencial para impedir o chamado
“ciclo criminoso”.
Realmente, verifica-se que o paciente, entre os anos de
2006 e 2014, por intermédio das empresas do grupo UTC, prati-
cou diversos delitos graves. Dentre tais crimes, o delito de cartel,
de corrupção, de lavagem de capitais e de organização criminosa.
No referido período, as empresas do paciente firmaram con-
tratos com a PETROBRAS cujos montantes somados superam 14
1BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no processo pe-nal. São Paulo: RT, 2003 , p. 426/427, destacamos.
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bilhões de reais (contratos celebrados em moeda nacional) e 50
milhões de dólares (contratos celebrados na moeda americana).
Dentre esses, os contratos atualmente vigentes superam a cifra dos
7 bilhões de reais.
Há fortes indícios de que os contratos celebrados com a esta-
tal decorreram de esquema de cartel com fraude à licitação e sob-
repreço, com o pagamento de vantagens indevidas a funcionários
públicos e operadores do mercado paralelo, absolutamente de-
monstrada a gravidade e extensão dos delitos que caracteriza risco
à ordem pública e econômica.
Segundo a denúncia ofertada pelo MINISTÉRIO PÚ-
BLICO FEDERAL nos autos Processo Penal nº 5083258-
29.2014.404.7000 em face do paciente, perante a 13ª Vara Federal
de Curitiba, sua participação nestes fatos era bastante ativa. Era o
paciente quem realizava e coordenava as reunioes do CLUBE –
ou seja, do cartel de empreiteiras -, as quais ocorriam na sede da
ABEMI – Associacao Brasileira das Empresas de Engenharia In-
dustrial, ou nas sedes das proprias empreiteiras, sobretudo da UTC
ENGENHARIA no municipio do Rio de Janeiro ou em Sao
Paulo. Era o paciente, ainda, o responsável pela convocação das
reuniões do CLUBE. Enfim, o paciente é apontado como o lider
do nucleo das empreiteiras na organização criminosa. Era
o principal responsavel pelas atividades do cartel, notada-
mente sua organização, e o principal porta-voz das em-
presas junto à PETROBRAS. Em poucas palavras, o
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paciente era uma das principais peças no esquema crimi-
noso criado no âmbito da PETROBRAS.
Referido cartel era tão desenvolvido e alcançou tama-
nho grau de sofisticação e “profissionalização” que, em
2011, seus integrantes estabeleceram entre si um verdadeiro “ro-
teiro” ou “regulamento” para o seu funcionamento, intitulado dis-
simuladamente de “Campeonato Esportivo”. Esse documento,
apresentado por um colaborador (AUGUSTO RIBEIRO DE
MENDONCA NETO, representante de uma das empresas carte-
lizadas, a SOG OLEO E GAS) previa de forma analogica a uma
competicao esportiva, as “regras do jogo”, estabelecendo o modo
pelo qual selecionariam entre si a empresa, ou as empresas em caso
de Consorcio, que venceria(m) os certames da PETROBRAS no
periodo.
Ademais, dentre os documentos apreendidos, consta uma
“lista de novos negocios (mapao) – 28.09.2007 (...)”, mencionado
na denúncia em face do paciente, na qual sao indicadas obras das
diferentes refinarias, em uma tabela, e uma proposta de quem se-
riam as construtoras do cartel responsaveis, as quais sao indicadas
por siglas em varios casos dissimuladas. Ha varias outras tabelas re-
presentativas da divisao de mercado, como, por exemplo, uma inti-
tulada “avaliacao da lista de compromissos”.
Referido cartel, ainda segundo a denúncia ofertada nos autos
5083258-29.2014.404.7000, funcionou de forma plena e consis-
tente ao menos entre os anos de 2004 e 2014, interferindo nos
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processos licitatorios de grandes obras da PETROBRAS a exem-
plo da REPAR (localizada em Araucaria, no Parana), RNEST,
COMPERJ, REVAP e REPLAN, de responsabilidade das Direto-
rias de Abastecimento e Servicos, ocupadas em grande parte deste
periodo pelos ex-diretores PAULO ROBERTO COSTA e RE-
NATO DUQUE, respectivamente.
Assim, a “profissionalização”, complexidade e grau de
desenvolvimento que alcançou o cartel liderado pelo paci-
ente aponta para a habitualidade com que as condutas de-
litivas foram praticadas. Sim, pois somente se chegou a
tamanha organização após varios anos de lesões aos cofres
públicos, em benefício dos integrantes do cartel, não se
tratando de uma atividade esporádica e muito menos re-
cente.
Esta habitualidade também é representada pelos altos va-
lores movimentados pelo paciente com ALBERTO YOUSSEF,
conforme se verifica de uma planilha apreendida - conforme
consta na decisão que decretou a prisão do paciente - em que
constam lançamentos de valores consideráveis entre os anos de
2011 e 2013, a seguir identificados: R$ 400.000,00 em
07/01/2013, R$ 1.100.000,00 em 12/03/2013, R$ 812.000,00
em 09/04/2013, R$ 700.000,00 em 21/06/2013, R$ 150.000,00
em 28/06/2013, R$ 395.000,00 em 02/07/2013, R$ 370.000,00
em 24/07/2013, R$ 409.000,00 em 31/07/2013 e R$
554.000,00 em 07/08/2013. Todos estes são valores em espécie
transferidos por YOUSSEF para o paciente.
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Não bastasse, segundo a decisão que decretou a prisão pre-
ventiva, haveria elementos a demonstrar que o paciente praticou
condutas delitivas mesmo após a deflagração da Operação Lava
Jato, em março de 2014.
Por sua vez, o paciente é apontado tanto por ALBERTO
YOUSSEF quanto por PAULO ROBERTO COSTA como o
elemento de contato dos atos ilícitos envolvendo a
UTC/CONSTRAN com a PETROBRAS e mesmo com outras
empresas públicas. Em outras palavras, em caso de qualquer ilici-
tude envolvendo a UTC e a PETROBRAS, era o paciente quem
deveria ser contatado.
Verificou-se, ademais, que as práticas ilícitas descortinadas de-
monstram que o modus operandi era bastante complexo e audacioso,
que perpetuou por anos a fio.
Inclusive, a própria proximidade do paciente com ALBERTO
YOUSSEF é sintomática de que suas atividades eram próprias de
alguém que atuava em práticas ilícitas há longa data e estava acos-
tumado com referido contexto delitivo. YOUSSEF já era conhe-
cido, à época, por ser notório agente atuante no mercado paralelo
e como profissional da lavagem de capitais. Alguém que possuísse
atividades lícitas não necessitaria aproximar-se de pessoa envolvida
com atividades de lavagem de capitais. Esta proximidade com
YOUSSEF deflui não apenas dos diversos contatos entre ambos –
foram identificado ao menos 35 (trinta e cinco) mensagens entre o
paciente e “PRIMO” (YOUSSEF) no período de 13/09/13 e
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31/12/13 -, mas sobretudo de uma “parceria” entre a UTC e a
GFD INVESTIMENTOS, empresa utilizada por YOUSSEF para
lavagem de capitais, por meio de uma sociedade em conta de par-
ticipação, para compra de um terreno em Lauro de Freitas, na Ba-
hia, e construção de um empreendimento milionário. Em verdade,
essa proximidade demonstra que o paciente “terceirizou” para
YOUSSEF as atividades de lavagem de capitais, o que é represen-
tativo de que o paciente não era um agente inexperiente ou cujas
atividades eram recentes no mundo delitivo.
De outro giro, a conduta do paciente contribuiu para os no-
tórios prejuízos causados à PETROBRAS. Recentemente, a pró-
pria empresa calculou que seus prejuízos, em razão do
esquema de corrupção desvelado pela Operação Lava Jato,
girará em torno de cinco a seis bilhões de reais.2 Isso sem
contar as já conhecidas perdas decorrentes da desvalorização da
empresa. A gravidade das consequências indica que se trata de
conduta grave, com repercussões indiretas em toda a sociedade.
Todos estes fatores apontam, sem deixar qualquer margem a
dúvidas, que a liberdade do paciente representa sério e concreto
risco para a ordem pública, e que a custódia cautelar é neces-
sária para impedir a continuidade delitiva. Tal prognose de reitera-
ção deflui, em apertada síntese: a) do longo período de tempo em
que o paciente desenvolve suas atividades criminosas, cujo início
2 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/04/1614687-propina-da-lava-jato-e-estimada-em-ate-r-6-bilhoes-pela-petrobras.shtml. Acesso em 17 de abril de 2015.
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se reporta ao ano de 2004 e que se perpetuou até 2014; b) o papel
de relevo e de lideranca do paciente na organizacao criminosa, vez
que exercia a função de líder do cartel e um dos principais respon-
sáveis pelas decisões; c) o grau de desenvolvimento, profissionaliza-
cao e organizacao do cartel estabelecido, a demonstrar que nao se
tratava de uma atividade esporádica ou recente, mas sim de estru-
tura desenvolvida há longos anos; d) os altos valores movimenta-
dos; e) a proximidade com ALBERTO YOUSSEF, a indicar que o
paciente estava envolvido com atividades criminosas há longa data
e estava acostumado com referido contexto delitivo; f) a magni-
tude concreta das condutas delitivas, que lesaram de maneira pa-
tente e evidente a PETROBRAS em aproximadamente seis
bilhões de reais.
Todos estes elementos demonstram concretamente a necessi-
dade da custódia cautelar para impedir a reiteração delitiva. No
HC 95.024/SP, de relatoria de V. Exa., assim se manifestou
essa c. Corte:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PERICULOSI-DADE E RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. 1. Não há ilegalidade no decreto prisional que, diante das cir-cunstâncias do caso concreto, aponta a sofisticação e a larga abrangência das ações da organização criminosa, supos-tamente liderada pelo paciente, o que demonstra a sua periculosidade. 2. A jurisprudência desta Corte possui entendimento no sentido de que “a existência de organi-zação criminosa impõe a necessidade de se inter-
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romper ou diminuir a atuação de seus integrantes como garantia da ordem pública, constituindo funda-mentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preven-tiva” (HC 95.024/SP, 1ª T., Min. Cármen Lúcia, DJe de 20.02.2009). Precedentes. 3. Ordem denegada.
(HC 108049, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Se-gunda Turma, julgado em 19/03/2013, PROCESSO ELE-TRÔNICO DJe-061 DIVULG 03-04-2013 PUBLIC 04-04-2013, grifos nossos)
O caso tratado no julgamento acima se assemelha bastante ao
presente, envolvendo crimes despidos de violência física, o que não
implica menor gravidade social. Destacamos, por sua pertinência, a
brilhante avaliação de V. Exa.:
“Assim, ao contrário do que alega o impetrante, e como já consignado pelo TJ/SP e pelo STJ, a decisão é expressa quanto à necessidade de salvaguardar a ordem pública, indi-cando elementos concretos e individualizados do caso. Tanto é assim que se reporta aos termos da denúncia, na qual o pa-ciente é apontado como líder de sofisticado esquema a envolver a falsificação de documentos, o registro de empresas fictícias, a aplicação de diversos golpes em empresas e instituições financeiras, além da prática de lavagem de dinheiro. A denúncia lhe imputa a prá-tica dos delitos de formação de quadrilha (CP, art. 288, caput), falsificação de documento público (CP, art. 297), por cinco vezes, falsidade ideológica (CP, art. 299), por duas ve-zes, estelionato (CP, art. 171), por duzentas e nove vezes, e la-vagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, IV). Em busca e apreensão realizada na residência do paciente – da qual de-correu sua prisão em flagrante –, conforme ressalta o parecer do MPF, “foram apreendidas várias carteiras de identi-dade e CPFs falsificados, mais de 400 talões de cheques de diversos bancos, mais de 20 carteiras de trabalho e cartões-cidadão, além de contas de água e de luz”.
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Nesse contexto, não há qualquer ilegalidade no decreto pri-sional, pois concretamente constatadas, pelo juízo singular, a sofisticação e a larga abrangência das ações da orga-nização criminosa, supostamente liderada pelo paci-ente, o que evidencia a sua periculosidade. Sobre esse aspecto, a jurisprudência desta Corte possui entendimento no sentido de que “a existência de organização criminosa impõe a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de seus inte-grantes como garantia da ordem pública, constituindo fundamenta-ção cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva” (HC 95.024/SP, 1ª T., Min. Cármen Lúcia DJe de 20.02.2009). Nesse mesmo sentido: HC 110587/SP, 2ª T., Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 18.05.2012; HC 112250 MC/RN, 2ª T., Min. Celso de Mello, DJe de 21.03.2012.” - grifos nossos
Em caso envolvendo quadrilha especializada em fraudes con-
tra o INSS, V. Exa, com habitual acuidade, bem liderou o julga-
mento que assim resultou ementado:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PACIENTE PROCESSADO E CONDENADO POR ESTELIO-NATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL, COR-RUPÇÃO PASSIVA, FORMAÇÃO DE QUADRILHA E LAVAGEM DE DINHEIRO. NULI-DADE DA CITAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE DO AGENTE E RECEIO DE REITERAÇÃO. CUSTÓDIA CAUTELAR MANTIDA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. INVIABILIDADE. AU-SÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OR-DEM DENEGADA. (...) 3. Os fundamentos utilizados revelam-se idôneos para manter a segregação cautelar do pa-ciente, na linha de precedentes desta Corte. É que a decisão aponta de maneira concreta a necessidade de garan-tir a ordem pública, ante a periculosidade do agente (= comandante de uma quadrilha especializada em fraudes ao INSS) e pelo fundado receio de reiteração delitiva. 4. Ordem denegada.
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(HC 109577, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Se-gunda Turma, julgado em 17/12/2013, PROCESSO ELE-TRÔNICO DJe-030 DIVULG 12-02-2014 PUBLIC 13-02-2014, grifos nossos)
Não há ressaibo de dúvidas de que os danos dos crimes con-
tra a Administração Pública e financeiros podem e frequentemente
são bem maiores do que aqueles ocasionados pela delinquência
patrimonial tradicional.
Violaria o princípio constitucional da isonomia, dentro desse
contexto, deixar de aplicar o entendimento exposto – a regra da
prisão na hipótese de habitualidade delitiva – ao presente caso, em
que há elementos concretos apontando para o desvio de bilhões
de reais. Em outras palavras, apenas decretar a prisão preventiva
para crimes cometidos com violência seria justamente reconhecer
que a custódia cautelar deveria ser reservada, como regra, para os
criminosos de baixa renda, imunizando-se aquelas responsáveis
por crimes intitulados do “colarinho branco”, criando uma odiosa
distinção processual entre imputados ricos e pobres. Da mesma
forma como a prisão preventiva não pode ser utilizada apenas por-
que o agente possui condições econômicas, conforme invocado
pelo paciente, igualmente não significa imunizá-los de aplicação da
prisão preventiva, quando presentes os requisitos legais.
Veja-se que não se está invocando como fundamento o
eventual clamor decorrente da notícia dos fatos da Operação Lava
Jato em mídias nacional e internacional, mas o que releva é que
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essa repercussão não foi suficiente sequer para estancar o
risco da continuidade das práticas criminosas.
O paciente afirma que dois fatos novos afastariam o risco à
ordem pública e a necessidade da custódia cautelar: (i) o seu afasta-
mento da presidencia da empresa UTC; (ii) a decisao da PE-
TROBRAS, no sentido de que a UTC esta impedida de celebrar
novos contratos com a estatal.
Porém, tais argumentos não convencem.
O primeiro – afastamento do paciente da presidencia da
UTC – não impedirá que continue a possuir gerência sobre as ati-
vidades da empresa. Conforme ressaltou o Magistrado Federal que
decretou a prisão, “faltou esclarecer que ele [paciente] é o acionista majo-
ritário, com poder de controle sobre a empresa, quer se afastando ou não
formalmente da gestão. É pouco crível que, mesmo se afastando formal-
mente da gestão, não continue como acionista majoritário e controlador a
definir as ações estratégicas da empresa. (…)” (ofício n. 70000538491).
Realmente, o paciente possui tamanha ingerência nas ativida-
des da UTC que seu afastamento voluntário das suas atividades
não assegura, em hipótese alguma, que seria suficiente para afas-
tá-lo das práticas delitivas. Continuaria a ser o maior acionista e o
próprio controlador das atividades da empresa, ainda que formal-
mente afastado. Deve-se ressaltar que o paciente foi o principal
responsável por desenvolver o mecanismo e a forma de atuar da
empresa ao longo dos anos, baseando-se na formação de cartel e
na corrupção de funcionários públicos. Não há como assegurar
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que seu afastamento irá realmente impedir que continuem as mes-
mas práticas delitivas, arraigadas na “cultura” e como elemento da
próprio forma de atuar da empresa.
Da mesma forma, o segundo argumento – suspensão de no-
vas contratações com a PETROBRAS - tampouco afasta a neces-
sidade da custódia cautelar. Embora a PETROBRAS realmente
tenha determinado a suspensão da celebração de contratos com a
UTC, há diversos contratos e obras em andamento,que não foram
afetados pela decisão. A própria defesa aponta que somente serão
suspensas as licitações “que ainda estão em curso onde ainda não
tenha havido recebimento de proposta”. Todas as demais,
portanto, ainda permanecerão ativas. E os valores destes con-
tratos atualmente vigentes e em andamento superam a ci-
fra de sete bilhões de reais.
Ademais, não se pode esquecer que a UTC poderia contratar
com diversas outras empresas da Administração Pública, contando
com os mesmos estímulos para as práticas delitivas realizadas há
anos.
Noutro giro, insurge-se o paciente contra a utilização, na de-
cisão de decretação da prisão, da “credibilidade das instituições pú-
blicas e a confiança da sociedade na regular aplicação da lei” no
conceito de ordem pública. Sobre o tema, algumas considerações
são necessárias.
De início, verifica-se que, evidentemente, a decisão que de-
terminou a prisão do paciente se utiliza, como argumento central
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e principal da prisão para garantia da ordem pública – ou seja,
como ratio decidendi – a necessidade de impedir o ciclo delitivo, de
sorte a evitar a continuidade da prática delitiva. A credibilidade das
instituições públicas e a confiança da sociedade são utilizadas
como argumentos de reforço – ou seja, como obter dictum.
De qualquer sorte, tais conceitos podem ser incluídos no âm-
bito da ordem pública, ao menos como reforço para a prisão pre-
ventiva. Não em um sentido de exemplaridade da punição, de
criação de um “bode expiatório” ou como fundamento suficiente
por si só para a decretação da custódia cautelar (STF, HC 94404,
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado
em 18/11/2008), mas sim em situações em que a liberdade possa
estimular condutas delitivas, que atinjam a própria tranquilidade da
sociedade. Em casos desse jaez e sobretudo como argumento de
reforço, esse egrégio Supremo Tribunal Federal tem admitido a
prisão preventiva com força nestes argumentos. Veja-se:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDI-NÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVEN-TIVA. DECISÃO FUNDAMENTADA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INS-TRUÇÃO CRIMINAL. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL PREJU-DICADO. 1. Possível constrangimento ilegal sofrido pelo paciente devido à ausência dos requisitos autorizadores para a decretação de sua prisão preventiva. 2. Diante do conjunto probatório dos autos da ação penal, a manutenção da custó-dia cautelar se justifica para a garantia da ordem pública e para conveniência da instrução criminal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. 3. Como já decidiu esta Corte, "a garantia da ordem pública, por sua vez, visa, entre
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outras coisas, evitar a reiteração delitiva, assim resguardando a sociedade de maiores danos" (HC 84.658/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 03/06/2005), além de se caracterizar "pelo perigo que o agente representa para a sociedade como fundamento apto à manutenção da segregação" (HC 90.398/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 18/05/2007). Outrossim, "a garantia da ordem pública é re-presentada pelo imperativo de se impedir a reiteração das práticas criminosas, como se verifica no caso sob julga-mento. A garantia da ordem pública se revela, ainda, na necessidade de se assegurar a credibilidade das instituições públicas quanto à visibilidade e transpa-rência de políticas públicas de persecução criminal" (HC 98.143, de minha relatoria, DJ 27-06-2008). 4. O pressuposto de garantir a instrução criminal se concretizou devido à constatação do fundado temor que a vítima apre-senta caso o paciente venha a ser colocado em liberdade, re-cordando-se que a hipótese é de competência do tribunal do júri, caso em que poderá haver produção de prova oral du-rante a sessão de julgamento. 5. Recurso ordinário em ha-beas corpus não provido. 6. Agravo regimental prejudicado.
(RHC 97449, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Se-gunda Turma, julgado em 09/06/2009, DJe-118 DIVULG 25-06-2009 PUBLIC 26-06-2009 EMENT VOL-02366-03 PP-00579 LEXSTF v. 31, n. 366, 2009, p. 397-407)
EMENTA: HABEAS CORPUS. FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. CUSTÓ-DIA CAUTELAR LASTREADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E PARA ASSEGURAR A APLICA-ÇÃO DA LEI PENAL (CPP, ART. 312). EXCESSO DE PRAZO. NÃO-CONFIGURAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO DA DEFESA. PROCESSO COMPLEXO. ORDEM IN-DEFERIDA. 1. Crimes dos arts. 12 c/c 18, I, e 14, da Lei nº 6.368/1976 e 304 do Código Penal. A impetração alega: i) ausência de fundamentação do decreto de prisão preven-tiva; e ii) excesso de prazo na instrução criminal. 2. Na es-pécie, a decretação da preventiva lastreou-se nos fundamentos da garantia da ordem pública e da aplicação da
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lei penal, nos termos do art. 312 do CPP. 3. Quanto ao re-quisito da garantia da ordem pública, em linhas gerais e sem qualquer pretensão de exaurir todas as possibilidades norma-tivas de sua aplicação judicial, destaco as seguintes circuns-tâncias principais: i) a necessidade de resguardar a integridade física do próprio paciente ou dos demais cida-dãos; ii) o imperativo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que tal objetivo esteja lastreado em ele-mentos concretos expostos fundamentadamente no decreto de custódia cautelar; e iii) para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do Poder Judi-ciário, quanto à visibilidade e transparência de polí-ticas públicas de persecução criminal e desde que diretamente relacionadas com a adoção tempestiva de medidas adequadas e eficazes associadas à base empírica concreta que tenha ensejado a custódia cautelar. Precedentes: HC nº 82.149/SC, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 13.12.2002; HC nº 82.684/SP, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 1º.08.2003; HC nº 83.157/MT, Pleno, unânime, rel. Min. Marco Auré-lio, DJ de 05.09.2003; e HC nº 84.680/PA, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 15.04.2005. (...) 8. Decreto de prisão preventiva devidamente funda-mentado, nos termos do art. 312 do CPP e art. 93, IX, da CF. Existência de razões suficientes para a manutenção da prisão preventiva. 9. Ordem indeferida.
(HC 89090, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Se-gunda Turma, julgado em 21/11/2006, DJe-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007 PP-00038 EMENT VOL-02292-02 PP-00430 RTJ VOL-00203-03 PP-01175)
Por sua vez, a prisão foi decretada também para assegurar a
instrução criminal.
Embora o paciente afirme o contrário, há elementos que in-
dicam que há risco concreto de o paciente, caso seja colocado
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em liberdade, venha conspurcar a atividade heurística, inquinando
a produção probatória.
Realmente, de início, a decisão que decretou a prisão preven-
tiva aponta que houve a tentativa de cooptação de testemunha e
diversos agentes envolvidos na organizacao criminosa, para “com-
prar o silêncio”. Nesse sentido, há elementos – inclusive gravação
de conversa – em que advogado ligado a empreiteiras estaria ten-
tando cooptar a testemunha MEIRE POZZA, contadora que
apontou diversas irregularidades no esquema criminoso.
Ademais, embora a instrução esteja em vias de encerrar, deve-
se recordar que ainda não houve a oitiva de todas as testemunhas
de defesa e sobretudo os interrogatórios dos imputados. Somente
neste momento serão ouvidos diversos colaboradores da Justiça. A
soltura do paciente certamente poderá favorecer tentativas de co-
optar tais colaboradores a modificar a versão apresentada, com o
intuito de beneficiá-lo.
Não é demais ressaltar que, segundo a denúncia ofertada nos
autos 5083258-29.2014.404.7000, foi apreendido documento na
residência do paciente em que constam seis páginas de anotações
manuscritas em que se demonstra a estratégia das empreiteiras de
anular a Operacao Lava Jato. Dentre outras coisas, consta que algu-
mas das metas do intitulado “Projeto Tojal” ao custo total de R$
3.500.000,00 (tres milhoes e quinhentos mil reais) era “trazer a in-
vestigacao para o STF” “estudar o acordo” “fragilizar” ou “elimi-
nar” as colaboracoes premiadas frmadas ate o momento.
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Embora se possa compreender como hipótese de tese defen-
siva, o contexto anterior de tentativa de cooptação de outras teste-
munhas e o intuito de “eliminar” as colaboracoes aponta para o
risco de, se colocado em liberdade, o paciente venha a buscar in-
fluir sobre os colaboradores, para que mudem sua versão sobre os
fatos já apurados.
Importante destacar, ademais, que há indícios de que o paci-
ente pagou propina para a liberação de um precatório no Estado
do Maranhão, para o ex-Chefe da Casa Civil, no ano de 2014.
Este fato aponta concretamente para a capacidade do paciente de
cooptação de agentes públicos em prol de seus interesses.
Por fim, sobre o perigo de fuga, tampouco assiste razão
aos impetrantes. Em momento algum se afirmou, na decisão que
decretou a custódia do paciente, que a prisão preventiva teria se
justificado em razão apenas das condições econômicas do agente.
Conforme bem lembra a Corte Europeia de Direitos Huma-
nos, para a decretação da prisão preventiva em caso de perigo de
fuga exige-se a presença de elementos concretos, sobretudo consi-
derando o caráter, a moralidade, o domicílio, a profissão, a disponi-
bilidade econômica, os vínculos familiares, os contatos
internacionais do agente e suas ligações com o país no qual está
em curso o processo, a gravidade da pena a ser aplicada, tudo indi-
cando que parece ao acusado que as consequências e o risco e fuga
são um mal menor que a manutenção da privação de liberdade.3
3 No caso Stögmüller v. Áustria, sentença de 27 de junho de 1968, a Corte Europeia asseverou que não basta a facilidade para passar a fronteira para a decretação da prisão, mas
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Ademais disso, conforme leciona a doutrina e jurisprudência
italianas, embora se exija concretude no perigo de fuga, isso não
decorre apenas e exclusivamente de comportamentos materiais ou
de uma conduta prodrômica, reveladores do início da fuga, como a
compra de passagens, preparação de bagagem, contatos no exterior
etc. A constatação do perigo de fuga pode decorrer dos antece-
dentes, da conduta anterior, do procedimento em curso etc. Em
síntese, portanto, não é necessário que a conduta de fuga esteja in
itinere ou decorra de comportamentos prodrômicos, que
dificilmente poderiam ser interrompidos ou eliminados. Basta,
portanto, a probabilidade de que o agente venha a fugir.4
O magistrado, para a análise do perigo de fuga, embora par-
tindo de dados fatuais, ainda pode valorar aquilo que normalmente
acontece. Conforme foi decidido expressamente pela Suprema
Corte italiana, no caso de perigo de fuga, impõe-se o recurso à
prova lógica, sendo decisivo quando se está em presença de com-
portamentos que, valorados conjuntamente com o auxílio das má-
ximas de experiência, segundo o id quod plerumque accidit,
razoavelmente indiquem que subsiste perigo de que possa fugir.5
circunstâncias que indiquem que, para o acusado, é melhor a fuga que o cumprimento da pena. Veja: “One must note, in this respect, that the danger of an accused absconding does not result just because it is possible or easy for him to cross the frontier (in any event, it would have been sufficient for the purpose to ask Stögmüller to surrender his passport): there must be a whole set of circumstances, particularly, the heavy sentence to be expected or the accused’s particular distate of detention, or the lack of well-established ties in the country, which give reason to suppose that the consequences and hazards of flight will seem to him to be a lesser evil than continued imprisonment” (§15).4CHERCHI, Bruno. Le exigenze cautelari: le valutazioni dell’accusa e la richiesta della misura cautelare. In: RANDAZZO, Ettore (coord). La carcerazione preventiva. Milano: Giuffrè Editore, 2012, p. 12. 5Neste sentido, CHERCHI, Bruno. Le exigenze cautelari: le valutazioni dell’accusa e la richiesta della misura cautelare. In: RANDAZZO, Ettore (coord). La carcerazione
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No caso em análise, apontou-se que há elementos concretos
confirmando a existência de filiais das empresas e recursos no ex-
terior, o que oportuniza e facilita o refúgio no exterior. Isso tudo
somado à porosidade de nossas fronteiras, que não impede, com a
mera retenção do passaporte, a fuga do agente. Ademais, não se
pode desconsiderar que no presente caso há uma prognose con-
creta de alta pena a ser aplicada, o que pode ser um fator convida-
tivo à fuga do paciente, especialmente porque jamais sequer
cogitou de ser preso, em razão dos anos de impunidade.
Havendo, portanto, elementos concretos apontando para a
necessidade da prisão para evitar a fuga, cabível a sua decretação e
manutenção.
Outrossim, o simples fato de o paciente ter sido encontrado
em sua residência não é suficiente para impedir a decretação da
custódia, especialmente porque, conforme visto, não é necessário
um ato concreto de fuga para a sua decretação. Da mesma forma,
as condições pessoais favoráveis, por sua vez, não impedem a de-
cretação da prisão preventiva, conforme reiterada e pacífica juris-
prudência do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, ao contrário do alegado, a presente situação não se
equipara à de RENATO DE SOUZA DUQUE, pois a prisão
preventiva do paciente não está fundamentada apenas em presun-
ção de fuga, mas sim em elementos concretos, conforme visto
alhueres.
preventiva. Milano: Giuffrè Editore, 2012, p. 12, citando o seguinte precedente: Sez. VI, 5 de julho de 1995, n. 2809, Zuin, Rv. 205007.
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Por sua vez, não há elemento algum concreto apontando que
a prisão preventiva esteja sendo utilizada para a realização de acor-
dos de colaboração premiada. Tanto assim que diversos acordos fo-
ram firmados com pessoas que se encontravam em liberdade. Em
nenhum momento a decisão se escora nesta finalidade. A posição
pessoal de um representante do MINISTÉRIO PÚBLICO FE-
DERAL, com força no princípio da independência funcional, não
é espelhada nem no pedido formulado e nem na decisão que de-
cretou a prisão preventiva.
Por fim, por tudo que se encontra no bojo desta peça, verifi-
ca-se que as medidas alternativas do art. 319 e 320 são insuficien-
tes para afastar os riscos existentes ao processo e à sociedade.
Tamanha a intensidade dos perigos apontados que somente a pri-
são preventiva pode ser adequada para neutralizá-los, sendo a única
medida adequada ao caso concreto.
III - Conclusão
Posto isso, o Procurador-Geral da República manifesta-se
pela denegação da ordem.
Brasília (DF), 17 de Abril de 2015.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
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