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IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS (*)
Pedro Humberto Bruno de Carvalho Jr.
Economista, mestrado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ, PhD em Tax Policy pela University of Pretoria.
Luana Passos
Economista, com mestrado em Economia pela Universidade Federal Fluminense UFF, e doutoranda em Economia na Universidade Federal Fluminense UFF.
(*) Artigo elaborado no âmbito do projeto de pesquisa (em andamento) que tem por objetivo elaborar propostas para a reforma tributária no
Brasil. Fruto do esforço de dezenas de especialistas, os produtos finais (livro e documento propositivo) deverão ser divulgados no segundo
trimestre de 2018. Trata-se de iniciativa da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e da Federação
Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco). Com a gestão executiva da rede Plataforma Política Social, conta com o apoio do Conselho
Federal de Economia (Cofecon), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), da Fundação Friedrich-
Ebert-Stiftung Brasil (FES), do Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC, do Instituto de Justiça Fiscal (IJF) e da Oxfam Brasil.
1. INTRODUÇÃO
O recente cenário de crescente concentração da renda e riqueza e de que como tributá-la de
maneira efetiva tem entrado no debate da reforma tributária de vários países. A crise fiscal que
desde 2008 tem atingido diversos países europeus revela a necessidade de se pensarem novas
políticas para se reduzir o endividamento público, que tem ultrapassado 100% do PIB e se tornará
insustentável no longo prazo. As tradicionais políticas de corte dos gastos públicos e aumento da
tributação indireta têm-se revelado saturadas e ineficazes, visto que, apesar de terem sido aplicadas
exaustivamente, têm apresentado resultados pífios em termos de redução do endividamento, e
estão levando ao aprofundamento da recessão. A tributação da riqueza pessoal líquida da parcela
mais rica da sociedade, os “os top 1%”, tem sido pensada como uma alternativa viável para se
reduzir o déficit sem consequências econômicas significativas (ATKINSON e PIKETTY, 2010;
BACH et al, 2011).
Nos Estados Unidos, estudo de Wolff (2010) mostra que em 2007 1% das famílias mais ricas
detinham 35% do patrimônio e 21% da renda total do país, sendo, portanto, a riqueza mais
concentrada que a renda. Na pesquisa de Oxfam (2015) apud Carvalho Jr. e Santos (2017), em 2014,
os 1% mais ricos concentravam 48% da riqueza mundial. No Brasil, pesquisa de Gobetti e Orair
(2016) verificou que os 0,05% mais ricos (cerca de 30.000 famílias) detinham 8,5% da riqueza
nacional, indicador superior a outras economias desiguais como Colômbia (5,4%) e África do Sul
(3,3%).
Podem-se definir dois principais tipos de impostos que podem ser cobrados sobre a riqueza:
aqueles que são aplicados periodicamente, denominados Imposto sobre Riqueza ou Wealth Tax;
e aqueles aplicados esporadicamente em uma transferência de riqueza, denominados Imposto
sobre Heranças e Doações. Esses dois tipos de impostos têm sido vistos como os mais
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desejáveis do ponto de vista da equidade, mas este texto se concentrará na análise do Wealth
Tax, correlato no Brasil ao Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), instituído pela Constituição
Federal de 1988, mas ainda não regulamentado.
O Imposto sobre Riqueza é normalmente calculado sobre o valor líquido do patrimônio da pessoa
física (ou seja, valor do bem, deduzido de ônus e dívidas), embora em certos países ele também
possa incidir sobre o patrimônio das empresas. A base de cálculo do imposto é bastante abrangente,
e ele geralmente incide sobre o patrimônio acumulado em ações, depósitos bancários e poupança,
seguros, investimentos em ativos reais e empresas de capital fechado, títulos financeiros, imóveis
urbanos e rurais, automóveis, dentre outros. Sobre o total patrimonial levantado, após se excluírem
os ativos isentos de tributação, os descontos concedidos e o limite de isenção, são aplicadas as
alíquotas, em geral progressivas. Os Impostos Recorrentes sobre Riqueza são diferentes dos
Impostos Recorrentes sobre a Propriedade, porque estes últimos incidem sobre o valor bruto de um
bem específico (imóveis, automóveis, etc.), sem qualquer redução de dívidas, por qualquer tipo de
contribuinte (pessoa física ou jurídica) e sem levar em consideração os demais bens possuídos pelo
contribuinte. Os impostos exclusivos sobre a propriedade quase sempre são de competência dos
governos subnacionais.
No Brasil, muito se tem discutido sobre a regulamentação do inciso VII do art. 153 da
Constituição Federal de 1988, ou seja, a regulamentação, mediante Lei Complementar, do
Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Baseado na experiência francesa da década de 1980,
com o análogo Impôt sur les Grandes Fortunes, o IGF foi introduzido na Constituição Federal
de 1988 sendo o único caso do não exercício de competência tributária no Brasil. No momento
atual, em que o país enfrenta uma queda consecutiva de três anos na arrecadação tributária
(2015, 2016 e 2017), as discussões sobre a implementação do IGF ganha notoriedade, onde há
demandas por um sistema menos regressivo e mais eficiente no debate sobre a reforma
tributária.
Diversos Projetos de Lei Complementar já foram lançados na Câmara e no Senado para a
regulamentação do IGF, mas apenas dois foram apreciados e acabaram rejeitados. O primeiro,
PLP 162/1989 foi aprovado no Senado em 1989, mas rejeitado na Comissão de Tributação e
Finanças da Câmara em 2000. O segundo, PLS 128/2008 foi rejeitado já na Comissão de
Assuntos Econômicos do Senado em 2010. Os três principais argumentos dos parlamentares
para rejeitar os projetos foram os mesmos nos dois casos: baixa arrecadação, alto custo
administrativo e a extinção em diversos países europeus. O presente texto se baseia
primordialmente em dois estudos anteriores de Carvalho Jr. (2011) e Carvalho Jr. e Passos
(2017).
2. CARACTERÍSTICAS GERAIS
Evidentemente o Imposto sobre Grandes Fortunas está inserido dentro de um problema maior, que
seria o dos graves indicadores de iniquidade no Brasil. Historicamente, países que adotaram um
sistema de tributação progressivo sobre a renda, riqueza e heranças, como Alemanha, Bélgica,
Dinamarca, França, Holanda, Japão, Noruega e Suécia desconcentraram gradualmente e
persistentemente a renda e riqueza ao longo do século XX. Outras sociedades mais liberais, como
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Reino Unido e Estados Unidos, provavelmente teriam um problema distributivo maior, se não
fosse a alta tributação sobre heranças e imóveis. Os opositores do Wealth Tax tendem a encarar o
imposto como um confisco. Mas é difícil entender a racionalidade da noção segundo a qual o
estoque de riqueza acumulada deva ser melhor protegido contra a tributação, que o fluxo de renda
tributado pelo imposto de renda. Inclusive o principal argumento de quem defende a majoração
dos impostos sobre a propriedade de pessoas físicas nos países europeus como resposta à crise
fiscal seria que as alíquotas marginais dos impostos sobre a renda salarial e faturamento, folha de
salários e lucro das empresas já estariam demasiadamente altas causando distorções econômicas
(IARA, 2015; PIKETTY, 2014).
Iara (2015) complementando os estudos de Piketty (2014) analisou uma amostra de 15 países da
União Europeia e constatou que a riqueza é mais concentrada que a renda1 e que, nesse caso,
imposto abrangente sobre a riqueza teria efeito distributivo e sobre a transferência intergeracional
de riqueza muito mais forte que o imposto de renda. Além disso, a autora argumenta que maior
tributação sobre a riqueza imobiliária doméstica traria menos efeitos deletérios ao crescimento
econômico que demais impostos sobre consumo, salários ou capital (OCDE, 2010). É importante
ressaltar que com exceção da Dinamarca, Espanha, França, Inglaterra e Polônia, os demais países
da União Europeia ainda exploram muito pouco o potencial dos seus impostos imobiliários locais.
Ristea e Trandafir (2010) argumentam que a experiência tem mostrado que o Wealth Tax tende a
incidir mais sobre os ativos imobiliários, apesar da subavaliação usual desses ativos, em virtude
da facilidade de transferir e/ou ocultar o patrimônio financeiro. Apesar disso, o debate sobre a
sua (re)instituição e seus efeitos na equidade e distribuição de riqueza tem ganhado importância
devido à crise fiscal e crescente concentração de renda nos países da União Europeia. Diamond e
Saez (2011) e Jacobs (2013) têm criticado a alta importância da tributação sobre os salários em
detrimento da tributação sobre o capital e a riqueza líquida nos sistemas tributários europeus. A
tributação sobre salários e sobre o consumo geralmente tem mostrado possuir pouco impacto
sobre a camada dos extremamente ricos, e uma tributação pouca efetiva sobre a riqueza leva ao
problema da comparativamente maior tributação sobre rendas de trabalho. Além disso, uma
elevada tributação sobre a renda do trabalho gera efeitos econômicos negativos, pois é necessário
incentivar a poupança dos trabalhadores e a maior e melhor oferta de trabalho com investimento
em capital humano, o que consequentemente beneficia a competitividade internacional.
A Comissão Europeia (2015) destaca que o Wealth Tax foi tradicionalmente visto como imposto
com alto custo administrativo e maior probabilidade de evasão. Problemas como cadastrar as
propriedades e proprietários, determinar com precisão seu valor líquido, dentre outros desafios,
podem tornar o imposto difícil de aplicar. No entanto, a instituição argumenta que atualmente
esses problemas têm sido reconsiderados devido ao desenvolvimento de acordos locais e
internacionais de troca de informações e análise cruzada de declarações. Além disso, a elevada
informatização e redução de custos na formação de grandes bases de dados computacionais
também tem sido um fator muito importante na redução geral dos custos de administrativos. Iara
(2015) destaca que a maior probabilidade de evasão e os problemas na avaliação da riqueza têm
1 A autora estima que os 10% com maior riqueza líquida na Alemanha, Áustria, França, Itália e Portugal têm entre
45% e 55% da riqueza líquida total, mas apenas entre 20% e 23% da renda.
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sido argumentos chaves na oposição ao Wealth Tax, devido à sua pequena capacidade para gerar
receitas. No entanto, a autora enfatiza que as novas ferramentas de avaliação em massa de
propriedades para confrontar com o valor declarado pelos contribuintes e os acordos de troca de
informações entre diferentes instituições têm reduzido a probabilidade de subavaliação e evasão.2
No Brasil, não há indicador oficial de concentração da riqueza, embora, se se analisam casos de
outros países, como na Europa (ibidem), saiba-se que esse indicador costuma ser maior que o
indicador da concentração da renda. Para este último, o Brasil apresenta um dos piores níveis do
mundo. Conforme Medeiros, Souza e Castro (2015), a concentração de renda no Brasil, usando-se
dados tributários, é maior do que se são usados dados de censos domiciliares, visto que estes
últimos apresentam viés de subdeclararão da renda e não incluem os “super ricos” na sua amostra
domiciliar. Pela metodologia dos autores, constatou-se que, diferentemente dos resultados
censitários, a desigualdade não apresentou tendência de queda entre 2006 e 2012.
2.1. Contribuintes e Alíquotas
Em geral os residentes são tributados com relação aos ativos no mundo inteiro, e os não residentes
apenas aos ativos presentes no país. A não ser que sejam realizados tratados internacionais, não se
costuma aplicar o mesmo limite de isenção para estrangeiros, pois não seria viável para a
administração tributária mensurar o patrimônio internacional de um estrangeiro. Empresas
estrangeiras com bens no país também costumam ser tributadas nas mesmas regras dos não
residentes.
Muitos podem argumentar que as baixas alíquotas adotadas nos Wealth Tax demonstra sua
fragilidade e baixa capacidade de arrecadação (CORSATTO, 2000). Porém, por se tratar de uma
tributação anual e recorrente sobre a propriedade, as alíquotas têm que ser pequenas e não podem
ter natureza confiscatória. Se por exemplo um ativo fornece uma renda anual de 10% ao
proprietário, a introdução de um imposto com alíquota efetiva sobre o valor da propriedade de
2%, tributaria em 20% esses rendimentos. Se for considerado que o imposto é pago anualmente,
o valor presente do fluxo de pagamentos do imposto, a uma dada taxa de desconto, pode ser
significativo.3
Pode-se afirmar que quanto maior o limite de isenção e maior o número de alíquotas
progressivas, maior a probabilidade de evasão fiscal. A depender dos custos de transferência da
propriedade (podem ser altos no caso da propriedade imobiliária, ou baixos no caso de ativos
financeiros), é possível transferir o patrimônio entre integrantes de uma mesma família, para
2 Para aumentar a equidade e eficácia do Wealth Tax, a autora relata a necessidade da criação de um abrangente
sistema internacional de registro da riqueza e transações, de normas antievasivas e de tratados internacionais para se
evitar a bitributação, visto que a riqueza global (interna e externa) dos contribuintes costuma ser a base de cálculo do
imposto.
3 Por exemplo, o valor presente de um fluxo de pagamentos perpétuos de uma alíquota de 2% sobre o valor de um
ativo (supondo que ele não deprecie), a uma taxa de desconto de 10%, representaria 20% do seu valor presente. Pode-
se ter a falsa ilusão de que uma alíquota de 5% seria confiscatória em 20 anos, mas considerando-se uma taxa de
anual desconto de 10%, a tributação em valores presentes, alcançada durante toda vida de um ativo seria de 50%.
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pessoas de relação de confiança ou até mesmo para “Trusts” como forma de o proprietário de
fato permanecer no limite de isenção ou sofrer a incidência de alíquotas menores. A
delimitação de uma alíquota única e um menor limite de isenção pode ser aplicada para atenuar
o problema e aumentar as receitas, reduzindo, porém, o nível de progressividade.
Boadway et al (2010) e UN-Habitat (2011) debatem o “problema da liquidez” dos impostos não
recorrentes, como o Imposto sobre Heranças. Quando o imposto recai sobre ativos líquidos, mesmo
altas alíquotas permitiriam o pagamento do imposto com pouco custo para o contribuinte (como
acontece com o Imposto de Renda). Tal fato não ocorre quando recaem sobre ativos reais
(imobiliários). Neste caso, pode ser necessária a venda total ou parcial do patrimônio imobiliário
herdado para o pagamento do imposto, sendo necessário um parcelamento por vários anos. No
entanto, o Wealth Tax não apresenta o “problema da liquidez”, por se tratar de um imposto
recorrente.4
Denk (2012) argumenta que o Wealth Tax e o Imposto sobre Ganhos de Capital teriam a mesma
base de cálculo e a imposição de ambos em um sistema tributário acarretaria bitributação.5 No
entanto, o argumento do autor deve ser visto com cuidado. Em um Wealth Tax, o ganho de
capital não precisa ser realizado. Um imóvel vazio, por exemplo, seria tributado pelo Wealth Tax,
mas não por um Imposto sobre Ganhos de Capital. Indo mais a fundo no raciocínio, nenhum
imposto sobre a propriedade (imobiliário, sobre heranças e doações, dentre outros) poderia existir
conjuntamente com uma tributação sobre ganhos de capital. A Holanda possui um “Imposto
sobre Ganhos Presumidos de Capital”6 e somente nesse caso ele funciona perfeitamente como um
Net Wealth Tax. Uma alternativa eficaz ao problema da bitributação quando uma propriedade
sujeita ao Wealth Tax realiza um ganho de capital (comumente aplicações financeiras ou venda
de imóveis) seria simplesmente permitir abater na declaração anual do Wealth Tax, o valor pago
do imposto sobre ganhos de capital e dos demais impostos sobre a propriedade.
2.2. Avaliação de Ativos Financeiros e Não Financeiros
Na avaliação dos ativos financeiros, os agentes financeiros podem atuar como substitutos
tributários e como base informacional para a administração tributária referente ao valor e posse
dos ativos financeiros. O caso de títulos de capital aberto, o valor de mercado pode ser definido
como a média entre cotações de mercado mais alta e mais baixa em um período. O valor dos
depósitos e poupança para fins de tributação costuma ser tributado como o saldo na data final
do exercício fiscal ou por uma média num determinado período do ano. Obviamente somente
4 Mesmo quando a tributação sobre o fluxo da riqueza é recomendada o “problema da liquidez” deve ser
considerado. Bach et al (2011), ao proporem um Wealth Tax na Alemanha de 5,3% aplicado apenas uma vez ao
patrimônio dos 0,6% alemães mais ricos, fazem a ressalva da permissão do parcelamento em até dez anuidades.
5 Por exemplo, um Imposto sobre a Riqueza Líquida de 1,1% ou um Imposto sobre Ganhos de Capital de 28%
sobre um ativo de R$ 100 milhões que possua taxa de retorno de 4% gerariam o mesmo nível de receita; logo, a
imposição de ambos consistiria bitributação.
6 No imposto holandês, em todo ativo tributável é deduzida uma taxa de retorno do capital de 4% (efetivado ou
não), o qual sofre uma alíquota de 30%. Isso equivale a um Imposto sobre a Riqueza de 1,2%.
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devem ser considerados como patrimônio financeiro os depósitos poupados, que não foram
utilizados para despesa pessoal. Porém, eventuais saques e transferências para ativos isentos
podem ocorrer perto do fim do ano fiscal, a fim de reduzir a base de cálculo do imposto a ser
lançado, para depois eles serem depositados no começo do exercício fiscal seguinte. Por isso a
legislação espanhola estabelece que o valor dos depósitos a ser tributado corresponda àquele
existente no último dia do ano ou a média poupada no ano, o que for maior.
A avaliação de ativos não financeiros em um país pode ser uma tarefa à primeira vista custosa à
administração tributária. Os ativos não financeiros que costumam estar inseridos num sistema
de tributação da riqueza incluem imóveis, terras rurais, automóveis, barcos, aviões, joias, obras
de arte, mobiliário da residência, dentre outros. Por serem de difícil mensuração as joias de
família, obras de arte e o mobiliário residencial costumam estar isentos do imposto. Para
imóveis, existe a base informacional dos cadastros e avaliações dos impostos sobre a
propriedade imobiliária, em geral de competência dos governos locais, mas o uso das bases
locais pode exigir a celebração de convênios e uma boa relação federativa. Apesar dos
problemas de defasagem e equidade que a tributação imobiliária possa ter, há outras fontes de
dados, como os valores de aquisição, as informações do sistema de financiamento imobiliário,
dos cartórios e de entidades ligadas ao setor imobiliário. Com a tecnologia atual, é possível que
softwares avaliem eficientemente um grande número de imóveis. Automóveis, barcos, aviões e
helicópteros podem ser avaliados por seu valor cadastral para impostos específicos, pelo valor
de aquisição (no caso sujeito a um sistema de depreciação) ou por valores médios definidos por
pesquisas de mercado.
2.3 Tributação de Pessoas Físicas e Jurídicas
A tributação exclusiva da riqueza líquida de pessoas físicas é o modelo que gera menos
impactos negativos sobre a atividade econômica e tem maior potencial redistributivo. A
tributação de ativos produtivos de pessoas jurídicas pode ocasionar transferências de capital e
má alocação de recursos. No entanto, num sistema em que só exista a tributação da riqueza de
pessoas físicas, é possível a transferência de titularidade do patrimônio usufruído pela pessoa
física para uma pessoa jurídica, como forma de evasão fiscal. A transferência de bens
imobiliários requer custos como o pagamento de Imposto sobre Transferência Imobiliária e
taxas cartoriais; já para ativos financeiros, automóveis e alguns outros bens, os custos e taxas
de transferência são irrelevantes.
No entanto, a legislação pode delimitar certos tipos de bens que possam até ter titularidade de
pessoa jurídica, mas que se presumem serem usufruídos por pessoas físicas, sendo nesses casos
gravados pelo imposto, como por exemplo imóveis residenciais e veículos privados. No caso
dos imóveis, os municípios geralmente têm o registro de seu uso (residencial ou não
residencial), bem como o cadastro das concessionárias de energia elétrica.7 Boadway et al
(2010) destacam que esse problema geralmente acontece com detentores de empresas
7 Na legislação argentina, quando esses bens de uso tipicamente pessoal, mas de propriedade legal de pessoas
jurídicas, não tenham seus usufrutuários declarados, eles sofrem a incidência de uma alíquota mais alta (punitiva)
em todo o seu valor.
8
familiares de capital fechado ou fundações, podendo ser difícil a identificação da pessoa física
usufrutuária da propriedade.8 Além disso, o capital pode ser pulverizado em várias “Trusts” de
forma a escapar da tributação progressiva ou permanecer nos limites de isenção.
3. EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
No começo da década de 1990 houve um grande debate sobre a viabilidade dos Impostos sobre
a Riqueza na Europa Ocidental, que culminou na sua extinção por vários governos de direita
que começavam a ganhar as eleições parlamentares. Pode-se citar estudo de Bird (1991), que
constatou que no período entre 1965 e 1988, a tributação sobre a riqueza líquida e sobre as
transferências de riqueza caiu de 0,5% para 0,4% do PIB dos países da OCDE. Kessler e
Pestieau (1991) afirmam que empiricamente a riqueza de um país representa de duas a três
vezes o valor do seu PIB e que uma alíquota de 1% sobre toda a riqueza de um país teria uma
arrecadação potencial entre 2% a 3% do PIB. Porém, os autores argumentam que a arrecadação
do Wealth Tax foi baixa na Europa por quatro principais motivos:
a) Poucos países tributavam os ativos de pessoas jurídicas;
b) Os limites de isenção variavam consideravelmente, podendo ser de apenas US$ 9 mil
em Luxemburgo a US$ 520 mil na França;
c) Muitos países europeus limitavam a proporção da renda que poderia ser tributada
conjuntamente pelo Imposto sobre a Riqueza e pelo Imposto de Renda. Esse limite era
de 60% na França, Suécia, Espanha e Dinamarca;
d) Havia deficiência nos sistemas avaliatórios dos imóveis, e era comum não se declarar o
patrimônio financeiro no exterior.
Para o caso da França, os autores argumentam que no início da década de 1990, o imposto tinha
cerca de 100 mil contribuintes, comprovando que o limite de isenção era muito alto, e apenas
30% da riqueza desses contribuintes era de fato tributada. Eles estimaram que toda a riqueza
privada na França era gravada em apenas 0,04% em 1990. No entanto, na década de 2010 o
número de contribuintes aumentou para 500 mil, o que deve ter aumentado este indicador.
Todos os países da Europa Ocidental adotam ou já adotaram um Wealth Tax, com exceção da
Bélgica, Portugal e Reino Unido. A partir da década de 1990 ele foi abolido na Áustria (1994),
Dinamarca, Alemanha (1997), Islândia (2005), Finlândia (2006), Suécia (2007)9 e Grécia
(2009) e se consolidou atualmente apenas na Espanha, Suíça, Noruega, França e Luxemburgo.
8 Os autores excluem o Wealth Tax como imposto viável para reduzir a desigualdade no Reino Unido devido aos seus
custos administrativos; defendem em seu lugar tributação progressiva e abrangente sobre imóveis de pessoas físicas e
jurídicas sem a exclusão de dívidas. Eles também advogam uma alta tributação sobre heranças e doações.
9 Du Rietz e Henrekson (2015) fazem um abrangente estudo sobre as principais regras e as consequências
econômicas e sociais do Wealth Tax sueco entre 1911 e 2007. Apesar das suas receitas nunca terem ultrapassado a
0,4% do PIB, os efeitos econômicos combinados do imposto com o imposto de renda das famílias, empresas e
sobre ganhos de capital foram significativos.
9
Devido à crise fiscal e financeira de 2009, ele foi reintroduzido na Espanha e brevemente na
Islândia entre 2010 e 2014. Na América Latina, o imposto atualmente existe na Argentina10
(desde 1972), Uruguai (desde 1996) e Colômbia (desde 2002).
A Tabela 1 foi elaborada para mostrar as principais características do Wealth Tax em oito
países selecionados no ano de 2015. Já a Tabela 2 foi elaborada para mostrar indicadores de
arrecadação como proporção do PIB e das receitas dos governos centrais ou subnacionais
(conforme a competência do imposto) em uma amostra de nove países entre 2000 e 2015.
TABELA 1 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO IMPOSTO SOBRE A RIQUEZA (2015) PAÍSES SELECIONADOS
País Competência Base de
Cálculo
Contribuintes Limite de
Isenção*
Alíquotas
(em %)
Receita
pelo PIB
(em %)
Part. na
Receita
(em %)**
Espanha Central e
Regional
Patrimônio
Líquido
Pessoa Física 744.000 0,5 a 2,5 0,18 1,2
Suíça Regional e
Local
Patrimônio
Líquido
Pessoa Física 116.000*** 0,1 a 0,94 1,24 11,3
Noruega Regional e
Local
Patrimônio
Líquido
Pessoa Física 119.000 1,0 0,40 7,0
França Central Patrimônio
Líquido
Pessoa Física 1.400.000 0,5 a 1,5 0,25 1,7
Luxemburgo Central Patrimônio
Líquido
Pessoa Jurídica 6.000 0,5**** 1,80 4,9
Argentina Central Patrimônio
Bruto
Pessoa Física 61.700 0,5 0,31 1,2
Uruguai Central Patrimônio
Líquido
Pessoa Física e
Jurídica
130.000 0,7 a 3,0 1,11 6,5
Colômbia Central Patrimônio
Líquido
Pessoa Física e
Jurídica
336.000 0,125 a 1,5 0,69 4,3
Fonte: OCDE (2017) e Ministérios Fazendários dos Países Selecionados.
* Em US$ de 02/2017. ** Participação nas Receitas dos Governos Centrais, exceto para Noruega e Suíça (Governos
Subnacionais). *** Para o Cantão de Genebra. ****Adicionais de 0,05% a cada 2,5 milhões de euros que exceder o patrimônio
líquido em 500 milhões de euros sujeito a um valor mínimo conforme tamanho das empresas.
Pela Tabela 2, observa-se que Suíça, Luxemburgo e Uruguai apresentaram os melhores
indicadores de arrecadação do Wealth Tax, acima de 1% do PIB em 2015. Entre 2000 e 2015,
esse indicador aumentou na França, Uruguai e Colômbia, diminuiu levemente na Noruega e se
manteve estável nos demais países da amostra.
10 Na Argentina existe um imposto separado sobre os ativos das empresas (excluído do Imposto sobre o
Patrimônio Pessoal), com uma alíquota de 1%, sobre o que exceder a US$ 200 mil, dedutíveis do Imposto de
Renda.
10
TABELA 2 – PARTICIPAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE A RIQUEZA NO PIB (2000-2015) PAÍSES SELECIONADOS
País 2000-
2003*
2004-
2007*
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Espanha 0,20 0,20 0,26 0,06 0,06 0,06 0,14 0,20 0,18 0,18
Suíça 1,20 1,20 1,19 1,20 1,17 1,13 1,12 1,17 1,21 1,24
Noruega 0,50 0,45 0,43 0,51 0,48 0,47 0,46 0,47 0,45 0,40
França 0,16 0,19 0,21 0,18 0,22 0,21 0,24 0,21 0,24 0,24
Luxemburgo 1,76 1,80 1,48 1,39 1,57 1,43 1,45 1,53 1,64 1,80
Islândia 0,70 - - - 0,24 0,37 0,53 0,47 0,54 -
Argentina n.d. 0,30 0,29 0,32 0,31 0,27 0,27 0,31 0,31 0,31
Uruguai 0,75 1,01 1,05 1,18 1,08 1,06 1,06 1,06 1,14 1,11
Colômbia 0,48 0,18 0,69 0,44 0,41 0,72 0,66 0,63 0,58 0,69
Fonte: FMI (2017) e OCDE (2017); exceto República da Colômbia (2017), República Argentina (2017) e República Oriental
do Uruguai (2017) apud Carvalho Jr. e Passos (2017). * Valor médio do período.
As próximas oito seções resumem sucintamente os Impostos sobre a Riqueza adotados na
Espanha, Suíça, Noruega, França, Luxemburgo, Argentina, Uruguai e Colômbia.
3.1. Espanha
Na Espanha, o imposto foi introduzido em 1991 e modificado para ser completamente extinto
entre 2004 e 2008. No entanto, devido à crise fiscal europeia, o imposto foi reintroduzido a
partir de 2012. Atualmente, (retiradas as isenções), tributa-se o patrimônio que esteja acima de
700 mil euros, com alíquotas progressivas entre 0,5% e 2,5%. A arrecadação espanhola é a
mais baixa da Europa, apenas 0,2% do PIB, mesmo o país tendo a mais alta alíquota marginal
do continente. A causa do seu baixo desempenho são as isenções e descontos, abrangendo
imóveis de residência até 300 mil euros, além de um dispositivo que limita o lançamento
conjunto com o Imposto de Renda ao máximo de 60% da renda tributável do contribuinte. 3.2. Suíça
Na Suíça o imposto é de competência legislativa dos cantões e comunas. O limite de isenção é
autonomamente estabelecido por cada cantão. Em 2015, por exemplo, o imposto podia ser
aplicado sobre o patrimônio líquido de pessoas físicas entre 119 mil euros em Genebra e 597
mil euros em Lausanne (valores de 02/2017). As alíquotas máximas nos principais cantões se
situavam entre 0,6% e 1% para patrimônios a partir de 55,4 milhões de euros
(CONFEDERAÇÃO SUÍÇA, 2016). A Suíça tem apresentado uma arrecadação estável ao
longo da última década, representando 4,6% da arrecadação tributária total e 1,2% do PIB, em
2015.
3.3. Noruega
11
Na Noruega, o Wealth Tax vigora há mais de 50 anos, sendo de competência repartida entre o
poder central e o poder local (comunas). O imposto possui uma alíquota agregada de 1% (0,7%
local e 0,3% central) fixada pelo governo central que recai sobre patrimônios líquidos que
estejam acima de 112.000 euros (valores 02/2017) (NASCIMENTO, 2016, apud Governo da
Noruega, 2015). No entanto, imóveis e fundos de pensão privados têm um tratamento tributário
diferente e são sujeitos a uma alíquota efetiva menor. Em 2010, 17% da população adulta da
Noruega era contribuinte do Wealth Tax (DENK, 2012) e suas receitas representaram 1,4% da
arrecadação total e 0,4% do PIB em 2015. É importante destacar que o Wealth Tax constitui em
média 7% das receitas dos governos locais na Noruega. O imposto imobiliário só existe em
60%, dos governos locais com um nível de receitas muito mais baixo. 3.4. França Na França o Impôt sur les Grandes Fortunes foi instituído na França em 1982, abrangendo
inicialmente a propriedade de pessoas físicas e jurídicas, mas em 1984 foi restrito somente ao
patrimônio das pessoas físicas. Em 1986 o imposto era pago por apenas 0,5% das famílias
francesas, sendo abolido em 1987. No entanto, em 1989 ele foi reinstituído nos moldes existentes
atualmente. Dentre as principais isenções destacam-se os instrumentos de trabalho, ativos de
importância artística, histórica ou ecológica e os fundos de previdência. Atualmente o imposto
apresenta cinco alíquotas progressivas entre 0,5% e 1,5% incidentes sobre contribuintes com
patrimônio líquido acima de 1,3 milhões de euros (o qual começa a ser tributado no que exceder a
800 mil euros). Em 2015, a arrecadação representou 0,25% do PIB francês e 1,7% da arrecadação
do governo central.
3.5. Luxemburgo Em Luxemburgo, o Wealth Tax tem natureza majoritariamente fiscal, só atingindo o patrimônio
líquido de pessoas jurídicas. A alíquota aplicável é de 0,5%, sujeita à acréscimos progressivos de
0,05% a cada 2,5 milhões de euros ao que exceder 500 milhões de euros. Os limites de isenção
são baixos, sendo de apenas 12.500 euros para sociedades anônimas e participações societárias e
de 5.000 euros para companhias limitadas. Fundos de previdência, participações societárias de
pessoas físicas, empresas individuais e pequenas empresas estão isentas do imposto. Há ainda
uma contribuição mínima que varia entre 535 euros e 32.100 euros, conforme o valor do ativo
bruto das empresas (PRICEWATERHOUSE COOPERS, 2017; GRÃO DUCADO DE
LUXEMBURGO, 2017). Atualmente, Luxemburgo apresenta a maior indicador arrecadação
desse imposto no mundo, representando 1,8% do PIB e 4,9% das receitas tributárias. 3.6. Argentina
Na Argentina, entre 1974 e 1990, o Imposto sobre o Patrimônio abrangia somente o patrimônio
líquido de pessoas físicas, mas a partir de 1991 ele passou a tributar o patrimônio bruto. Em
2017, o imposto possuía uma alíquota de 0,5% ao que excedesse o limite de isenção de
1.050.000 pesos argentinos (60.000 dólares em 02/2017). De acordo com Carvalho Jr. (2011), a
base tributária do imposto era composta de 40% em imóveis e 33% em ativos financeiros em
2008. Além disso, o patrimônio no exterior era 12% do total declarado, composto sobretudo de
12
ativos financeiros. A arrecadação do imposto se estabilizou em 0,3% do PIB argentino a partir
de 2003.
3.7. Uruguai O Uruguai possui o Imposto sobre o Patrimônio desde 1989, e atualmente tributa o patrimônio
líquido de pessoas físicas e jurídicas acima de 2 milhões de pesos uruguaios (130 mil dólares em
02/2017), com alíquotas progressivas que variam entre 0,7% e 3%. A arrecadação do imposto tem
alcançado em média 1% do PIB entre 2003 e 2015, representando cerca de 6% das receitas do
governo central. No entanto, a tributação do patrimônio de pessoas físicas representou em média
apenas 5% do total arrecadado com o imposto entre 2008 e 2015. Por isso, pode-se considerar que a
carga tributária incidente sobre o patrimônio pessoal no Uruguai tem sido de apenas 0,05% do PIB. 3.8. Colômbia Na Colômbia, o Imposto sobre o Patrimônio foi reintroduzido no sistema tributário em 2002, e
em 2014 foi reformado para abranger o patrimônio de pessoas físicas e jurídicas acima de 1
bilhão de pesos colombianos (336 mil dólares em 02/2017) com alíquotas progressivas para
pessoas físicas entre 0,13% e 1,5% e para pessoas jurídicas entre 0,05% e 0,4% (dados de 2017).
O imposto tem representado em média 0,65% do PIB e 4% das receitas do governo central
desde 2011. 4. REFLEXÕES SOBRE O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS NO BRASIL
A experiência internacional revela aspectos bem diversos da tributação sobre grandes fortunas.
Os opositores se centram no seu verificado baixo desempenho arrecadatório e extinção em
vários países europeus, além da sua maior complexidade administrativa.
Os defensores concedem maior atenção aos exemplos bem-sucedidos de implementação e
arrecadação do imposto, bem como no seu potencial teórico de desconcentrar a renda e a
riqueza. O imposto seria importante como instrumento redistributivo complementando o
imposto de renda e poderia atenuar sistemas tributários regressivos baseados na tributação
indireta como o brasileiro. Não obstante, França, Suíça, Luxemburgo, Uruguai e Colômbia são
exemplos de que o imposto pode ser viável com uma arrecadação superior a 0,7% do PIB
(índice superior a arrecadação de IPTU no Brasil que foi de 0,5% do PIB em 2016).
O trabalho conclui que o IGF no Brasil pode ser viável se for bem formulado e administrado.
Na formulação da lei, deve-se tentar alargar a base tributária com a possível tributação de
pessoas jurídicas e um limite de isenção reduzido. Tais medidas atenuariam a chance de evasão.
Na administração do imposto, a tecnologia e nível de informatização atual e uma possível
integração com o software da Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física têm o
potencial de reduzir significativamente os custos administrativos tanto para o fisco quanto para
os contribuintes.
Durante as duas discussões legislativas no Brasil (em 2000 e 2010) que levaram à rejeição da
implementação do IGF, quatro principais aspectos técnicos foram levados em consideração
13
pelos legisladores: impacto econômico, bitributação, custo administrativo e potencial
arrecadatório, discutidos a seguir.
O impacto econômico do IGF é o argumento mais facilmente refutável, visto que todo imposto
gera consequências econômicas negativas, e a literatura econômica tem demonstrado que os
impostos sobre o patrimônio líquido de pessoas físicas são os menos deletérios à atividade
econômica quando comparado aos impostos sobre salários ou sobre a produção (FMI, 2014).
O argumento sobre uma possível bitributação com os ativos imobiliários sujeitos ao IPTU e
ITR ou automotivos sujeitos ao IPVA está relacionado mais a esfera jurídica que econômica.
No entanto, o conjunto da riqueza pessoal pode ser considerado um fato gerador diferente da
mera propriedade imobiliária ou automotiva.11 De acordo com a Súmula Vinculante nº 29 do
STF (BRASIL, 2010), todo tributo pode possuir algum elemento em sua base de cálculo que
inclua em certa medida a base de outro tributo, desde que esta não seja completa. Além disso,
os pagamentos desses três impostos poderiam ser perfeitamente dedutíveis da declaração do
IGF.
No tocante ao alto custo administrativo, o cenário tecnológico atual das administrações
tributárias é bem diferente do da década de 1990. Atualmente os custos administrativos do IGF
não seriam tão impactantes devido à completa informatização das administrações tributárias, às
economias de escala e de escopo com a administração do Imposto de Renda e ao maior acesso
às grandes bases de dados computacionais, troca de dados cadastrais com outras instituições e
tratados locais e internacionais (COMISSÃO EUROPEIA, 2015).
Nascimento (2016), utilizando dados da Receita Federal, estima o potencial arrecadatório do IGF
em 0,25% do PIB, simulando alíquotas de 0,5% e 1% aplicadas sobre o patrimônio pessoal líquido
acima de R$ 1 milhão. Porém, o argumento sobre o seu baixo potencial arrecadatório não é
absoluto, pois o texto mostra que alguns países conseguem arrecadar mais de 1% do PIB com o
imposto como Suíça, Luxemburgo e Uruguai. Caso o nível de isenção do IGF não seja
excessivamente alto (permanecendo as típicas isenções ou reduções para imóveis de residência,
fundos de previdência, cadernetas de poupança, quotas de pequenas empresas e algumas
aplicações financeiras) e com base na experiência internacional supõe-se que o imposto possa
arrecadar até 0,5% do PIB brasileiro. Caso a base tributária ainda abranja pessoas jurídicas, esse
percentual poderia chegar a 1%.
É importante destacar, no entanto, que esses dois fatores: arrecadação e extra-fiscalidade
distributiva não devem ser excludentes. Kelly (2013) argumenta que todo imposto só é efetivo
em seus objetivos extrafiscais se ele realmente for pago por seus contribuintes. Logo, se o IGF
vier a apresentar uma arrecadação baixa, pode significar que tenha sido mal estruturado na
legislação, que esteja sendo mal administrado ou que esteja havendo evasão e, portanto, o
11 O IPVA não incide sobre propriedade de aeronaves e embarcações (BRASIL, 2007), sendo ativos perfeitos para
a tributação do IGF por possuírem alto valor, serem de propriedade dos estratos mais ricos e estarem livres de
qualquer tributação atualmente. Estima-se que atualmente base tributária dos cerca de 15.000 jatos privados
registrados no país seja entre R$ 70 bilhões e R$ 100 bilhões.
14
imposto pode não estar atingindo as classes mais afortunadas como se almeja. Portanto, ambas
preocupações devem caminhar juntas e não são excludentes.
5. RECOMENDAÇÕES PARA IMPLEMENTAÇÃO DO IGF
Os próximos parágrafos fazem sete sugestões de como o IGF deveria ser formulado para ter um
relativo potencial arrecadatório de 0,5% do PIB com base na experiência internacional (ou 1%
do PIB caso se atinja o patrimônio de pessoas jurídicas).
a) A base de cálculo do IGF deve compreender o patrimônio nacional e internacional de
pessoas físicas residentes no país no que exceder a um limite de isenção, bem como o
patrimônio total no país de não residentes pessoas físicas ou jurídicas (com menor ou
nenhum limite de isenção aplicado);
b) A base de cálculo do IGF e consequentemente seu potencial arrecadatório poderia ser
aumentado tributando o patrimônio de pessoas jurídicas, sendo que ao mesmo tempo
diminuiriam as chances de evasão (porém causando perdas em termos de equidade e
eficiência econômica);
c) O número de alíquotas progressivas deveria ser reduzido para desestimular a evasão, e o
limite geral de isenção não deveria ultrapassar a R$ 500.000 (nível similar a Suíça,
Noruega e Uruguai). A alíquota poderia ser fixada entre 0,7% e 1%, conforme o PLS
128/2008 do Senador Paulo Paim, rejeitado na Comissão de Assuntos Econômicos do
Senado em 2010. No entanto, devem-se isentar os imóveis de residência (até certo valor),
os instrumentos de trabalho, os bens de valor artístico, histórico, cultural ou ecológico, os
saldos em fundos de previdência e os pequenos poupadores e acionistas de forma a se
reduzir o custo político perante a classe média e obterem-se ganhos em equidade e
eficiência econômica;
d) Os bens de uso tipicamente pessoal, como imóveis residenciais, carros de passeio e
embarcações e jatos privados deveriam ser tributados pelo IGF mesmo que de
titularidade de pessoas jurídicas, através de uma declaração do usufrutuário. Caso o
usufrutuário desses bens não seja revelado, uma alíquota punitiva pode ser aplicada;
e) Os valores efetivamente pagos com IPTU e IPVA devem ser deduzidos do cálculo do IGF
como forma de estimular uma melhor tributação da propriedade pelos entes subnacionais,
pelo menos entre os contribuintes mais afortunados que também sejam contribuintes do
IGF;
f) A avaliação dos ativos reais deve ser o maior valor entre: i) valor de aquisição, ii) valor
venal do IPTU ou IPVA e iii) valor de mercado declarado pelo contribuinte ou arbitrado
pelo fisco;
15
g) Na avaliação de ativos financeiros, no caso de títulos de capital aberto, a avaliação pode
ser definida como a média entre cotações de mercado mais alta e mais baixa em um
período. No caso de saldos financeiros a sua avaliação deve o maior valor entre: i) saldo
em 31 de dezembro do ano fiscal e ii) saldo médio nos últimos 90 dias do ano fiscal.
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