Post on 03-Dec-2018
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
1
A Organização Armada Secreta: a participação da extrema direita francesa na
luta armada durante a guerra da Argélia (1954 - 1962)
Guilherme Ignácio Franco de Andrade*
INTRODUÇÃO
O conflito argelino aparentemente, deu a extrema direita a melhor
oportunidade de rearticulação desde o final da guerra, foi uma grande oportunidade
para recrutar simpatizantes e mobilizar seus “aparelhos privados de hegemonia” para
tentar influenciar os acontecimentos políticos nacionais. Esse retorno da extrema
direita fica evidente na variedade de pequenos grupos e associações que se formaram
para fazer campanha a favor do movimento Algérie Française. A discussão sobre as
colônias francesas tomou a sociedade e reacendeu os sentimentos de paixão pela
pátria e ativou o sentimento de nacionalismo que não aparecia desde a 2ª Guerra
Mundial (MARCUS, 1995, pg.15). A disputa da Argélia enquanto colônia francesa,
permitiu o retorno de vários debates dentro da sociedade francesa e a extrema direita
dirigia o debate, pautando as questões que deveriam ser discutidas. Esse período
colaborou para uma crescente hostilidade de alguns setores aos partidos de esquerda
que defendiam a independência das colônias (DAVIES, 2002, pg.122). A extrema
direita proclamava sua preocupação com a diminuição do status do país enquanto
potência mundial, visto que a França se encontrava em processo de reconstrução
devido as consequentes destruições durante a guerra. O país passava por um processo
de restruturação, de desenvolvimento industrial, patrocinado pelos Estados Unidos
através do plano Marshall (MARCUS, 1995, pg.16).
* Doutorando em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS, na
2
O primeiro movimento foi a Algérie Française que surgiu na década de 50,
durante as revoltas que insurgiram nas colônias francesas, em busca da
independência. Ela foi providencial para que a extrema direita conseguisse se
rearticular e se mobilizar no cenário político. O conflito da Argéria se mostrou a
melhor oportunidade para o renascimento da extrema direita, procurando apagar o
legado de Vichy e incorporar novas questões e criar uma nova identidade. Essa
mobilização da extrema direita influenciou uma variedade de associações e
organizações que foram criadas para fazer campanhas contra a independência da
Argélia e das outras colônias francesas na África. Para Davies (2002, pg.124) esse
movimento foi capaz de recriar um sentimento de paixão e nacionalismo que havia se
perdido depois da 2ª Guerra, gerando um grande debate entre os partidos, já que o
partido socialista era a favor da independência das colônias. Para a direita, a perda
das colônias seria determinante para o rebaixamento da França como potencial
mundial, perdendo mais espaço para outras potencias como Estados Unidos, União
Soviética e Inglaterra.
O movimento Algérie Française atraiu muitos rótulos, mais notavelmente,
"ultranacionalista", "fascista" e "ultradireitista”. Ele incorporou forças intransigentes
no exército: Militantes do movimento Argélia, descendentes de franceses que
nasceram na Argélia, mas lutavam a favor da França e pequenos grupos neofacistas.
Tal mistura gerava muita tensão dentro do exército francês, mas os três grupos
trabalharam para os mesmos fins, manter a Argélia como território francês. Durante o
conflito, segundo os historiadores, morrem em torno de um milhão de pessoas, o
exército francês foi acusado de ter utilizado métodos barbáros de tortura, dignos da
Gestapo (SIMMOS, 1996, pg.37).
Para o historiador Robert Gildea (2002, pg.21) a II Guerra Mundial trouxe
diversas consequências para a França, dentre essas implicações, podemos destacar
algumas questões importantíssimas. A questão econômica era uma das questões que
pesam no orçamento francês, que buscava se equilibrar devido aos gastos na 2ª
Guerra Mundial, pois atravessava um período financeiro complicado, existia a
necessidade de reconstruir o país destruído durante o conflito, desde a construção de
casas, locais para o comércio, assim como obras de infraestrutura, como usinas
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
3
geradoras de energia, reconstrução dos portos, estradas, escolas, universidades e
investir nas industrias para o desenvolvimento completo do capitalismo (GILDEA,
2002, pg.21). A política interna precisava ser reconstruída, com o fim da 3ª República
havia a necessidade de uma nova constituição, repensar o modelo republicano
existente no país. O período em que a sociedade passava, o nascimento da IV
República (1946 - 1958), representava o retorno do processo democrático no país e
era necessário o desenvolvimento de um processo eleitoral e de criar uma nova
constituição. E por último o desenrolar da crise no império francês e suas colônias
(GILDEA, 2002, pg.21). O processo de reconstrução do país, e o enfraquecimento
político da França, que já não possuía o mesmo prestigio e poder internacional, como
grande potência, aceitou o papel de coadjuvante na política internacional, deixando
para os EUA e a Inglaterra o papel de liderança do bloco capitalista, a ascensão dos
movimentos de esquerda no país também colaboraram para que os políticos se
voltassem para resolver os problemas internos, não se envolvendo diretamente no
combate ideológico á União Soviética. Esses fatores, de reconstrução do país e
reestruturação nacional, colaboraram para que as colônias se mobilizassem para lutar
pelo seu processo de independência. Dentre esses processos podemos colocar a guerra
na Argélia como o início da crise do império francês.
A COLONIZAÇÃO DA ARGÉLIA
4
Durante o século XIX, principalmente em sua segunda metade, as potências
europeias alcançavam um grande nível de desenvolvimento industrial e comercial,
processo resultante da segunda revolução industrial. Tal desenvolvimento econômico,
resultou em uma necessidade dos capitalistas em expandir seu mercado consumidor e
também buscar formas de ampliação das forças produtivas e da obtenção de mais
valia, conseguindo reduzir drasticamente os custos produtivos e aumentar
potencialmente seus lucros. A saída encontrada pelos industriais europeus e por seus
representantes políticos, foi buscar novos lugares a serem explorados, resultando em
um novo processo de colonização. Assim deu-se início a um novo processo de
disputas por conquistas na África e Ásia, denominado Neocolonialismo, onde
praticamente todo o continente africano foi partilhado entre as principais potências
europeias (HOBSBAWM, 2003).
Segundo Eric Hobsbawm (2003, p. 88.), o processo do Neocolonialismo foi
resultado de uma expansão do capitalismo, devido a superprodução e a necessidade de
ampliação do mercado, o imperialismo foi uma nova forma encontrada pelo capital,
para resolver os problemas de acumulo de produção e de encontrar novas formas de
obtenção de lucro, barateamento dos custos produtivos e de desenvolvimento
tecnológico. O processo de colonização na África não ocorreu de forma simples, foi
necessário desenvolver um projeto de conquista e de dominação das regiões, pois
havia muita resistência a dominação e ocupação francesa nos territórios escolhidos
para serem colonizados e isso não aconteceu de forma pacífica. Foi necessário um
projeto que conseguisse sucumbir os territórios conquistados a vontade máxima das
potencias europeias, porque apenas a criação da indústria nas colônias não era uma
garantia de sucesso.
Para o desenvolvimento do imperialismo na África, era necessário implantar
uma nova cultura nos territórios conquistados, porque existiam diferenças culturas,
linguísticas e religiosas que constituíam barreiras no processo de desenvolvimento do
capitalismo. Para que o novo formato de produção capitalista fosse consolidado nas
colônias, se exigia um nível de força de trabalho adequado aos padrões tecnológicos
da época, ou seja, forçar os povos conquistados a aprenderem a uma nova lógica de
trabalho, que consistia em práticas diferentes, alta jornada de trabalho e em escala
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
5
industrial. Para que esse desenvolvimento produtivo se consolidasse, o processo de
colonização não poderia ser basicamente forjado na exploração econômica da região,
ele deveria ser ampliado para um projeto civilizatório, ou seja, a imposição de uma
nova mentalidade, a implementação da religião católica-cristão, métodos para que a
dominação fosse apresentada como um processo benéfico a população local, visto que
para desenvolver um projeto de desenvolvimento do capitalismo nessas regiões, seria
necessário enquadrar a população local a uma nova lógica de trabalho, de ritmo de
vida, mudanças nos hábitos cotidianos. E para garantir a implementação desse novo
modelo nas colônias, foi utilizado diversos aparatos repressivos, a violência foi uma
das práticas utilizadas para garantir a manutenção da ordem nas colônias. Nesse
mesmo sentido, a dominação das colônias africanas foi justificada pelas metrópoles,
como sendo necessário para o desenvolvimento dessas regiões, que segundo o posto
de vista dos europeus, as nações africanas não eram capazes de se desenvolverem
sozinhas, cabendo a Europa ser a responsável por levar o progresso e o
desenvolvimento. (HOBSBAWM, 2003, p. 89-90).
O plano de conquista da Argélia, pela França, teve início no ano de 1830,
quando os franceses invadiram a costa do país até conseguirem chegar a capital do
país, a cidade de Argel. Mesmo a resistência dos argelinos não foi suficiente para
expulsar os franceses, visto que o poder bélico da França era muito superior as forças
militares existentes na Argélia na época. Entre os anos de 1830 a 1847, haviam duas
forças de resistência na Argélia, o primeiro grupo sob comando de Ahmed Bey em
Constantina e as forças nacionalistas lideradas por Adb El-Kader. Durante os
conflitos políticos e militares na ocupação da Argélia, os políticos franceses enviaram
diversas vezes novos contingentes militares e investiram em alguns setores do país
para trazer aliados argelinos para sua causa(GILDEA, 2002, pg.25).
As forças de resistência argelinas aos poucos foram sufocadas pelo exército
francês, que era numericamente maior e dispunha de tecnologia militar que superava
6
os esforços da resistência. Com o investimento militar da França no conflito franco-
argelino, não demoraria para que o país fosse conquistado. Em 1842 em uma grande
ação militar do exército francês conseguiu quase dizimar as forças de resistência e
praticamente conquistaram quase que a totalidade do país, sobrando pequenos focos
de resistência em locais pontuais que atuavam como milícias. Em 1847 a Argélia
finalmente foi anexada ao território francês, dando fim ao conflito armado e início da
exploração total da colônia (GILDEA, 2002, pg.25).
Em 1848 o Império Francês deu início a criação de departamentos oficias na
Argélia e criou um plano de colonização do país, em primeiro momento os soldados
franceses que participaram do conflito, se estabeleceram na colônia com seus
familiares, parte das terras foram divididas e entregues nas mãos dos novos
colonizadores. O processo de assentamento na Argélia foi um dos principais fatores
que desencadeariam as insurreições na Argélia, que futuramente seriam relevantes
para gerar insatisfação dos argelinos, sendo uma das principais questões reivindicadas
pelas lideranças dos movimentos nacionalistas que buscavam a independência do país
no século XX. O processo de partilha das terras argelinas, ocorreram de forma injusta,
privilegiando as famílias francesas que migraram para a Argélia, elas recebiam
grandes porções de terras e grandes quantidades de recursos para o desenvolvimento
da região, as terras pouco produtivas ficaram para poucas famílias argelinas. O
trabalho de servidão nas fazendas dos novos colonos, e o trabalho pesado foram as
únicas formas de sobrevivência para os argelinos. (PERVILLÉ, 2002, p.132)
O processo de dominação da Argélia não se deu apenas no viés econômico e
na exploração territorial, o governo francês impôs sua língua como oficial na colônia
e o catolicismo como religião principal. Tal processo de dominação tinha como
proposito “civilizar” a população argelina, impor língua, cultura e religião aos povos
conquistados, para facilitar a exploração da mão de obra argelina e também como
forma de manutenção do controle social. Os grupos argelinos que procuraram se
integrar, receberam como incentivo do governo francês alguns investimentos,
pequenos pedaços de terra e também a construção de escolas nos moldes educacionais
da França, aqueles que permaneciam resistentes a dominação sofriam com a coerção e
repressão pelo aparato militar que era responsável pela segurança da colônia, para
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
7
aqueles que resistiam à integração foram obrigados a trabalhos forçados. Durante o
período de ocupação francesa na Argélia, foram criadas diversas leis para favorecer a
metrópole, como leis de controle social, onde se reprimia os argelinos em benefício
dos colonos franceses.(PERVILLÉ, 2002, p.133)
A Argélia esteve sobre domínio francês por mais de 1 século, a colônia foi
administrada pelos franceses como se fosse parte integral de seu território. A
importância da Argélia enquanto colônia, deve à enorme extensão marítima argelina,
que passou a ser controlada pela França, podendo controlar o fluxo do comércio entre
o continente europeu e, assim conseguindo aumentar sua influência política, já que
parte das rotas de importação dos produtos das colônias asiáticas e africanas usavam o
espaço marítimo francês. Nos primeiros anos de dominação a Argélia foi o principal
fluxo de imigração dentre as colônias francesas, o país recebeu mais de 100 mil
franceses em seu território. Os imigrantes que se mudavam para a colônia recebiam
incentivos do governo, recebendo terras expropriadas das comunidades indígenas e
com diversos recursos concedidos pelo Estado Francês para o desenvolvimento da
agricultura (JAUFFRET; VAÏSSE, 2012, p.21).
A Argélia dentre as colônias francesas, tinha um tratamento diferenciado, a
Argélia era considerada uma extensão do território nacional, como parte integrante da
França. Para James Shields (2007, pg.90) essa colônia tinha maior importância para a
França, por ter uma parcela significativa de franceses que habitavam esse país, em
torno de 1 milhão, conhecidos como pied-noir1. Essa população mantinha relações
econômicas estreitas com a França, pois a grande maioria dos franceses na Argélia
representavam as classes dominantes da região, eles atuavam em setores da
agricultura, exploração de minérios e no comércio. Outro ponto importante e muito
significativo para que parte dos políticos franceses, defendessem a permanência da
1 Pés Negros era como se chamava a população francesa que vivia na Argélia. A referência dos pés negros vem do calçado utilizado por essa parcela da população.
8
Argélia enquanto território, foi a descoberta de grande quantidade de petróleo na
colônia, que colocava a França como uma das grandes potencias petrolíferas o que a
deixava em posição de privilégio por poder controlar o valor do produto e também
controlar o mercado, podendo escolher para quem fornecer ou não.
O NACIONALISMO PÓS GUERRA
O estudo sobre os fenômenos do nacionalismo na Europa, é visto como um
produto das transformações da sociedade capitalista, assim como o desenvolvimento e
ampliação do Estado, como órgão responsável pelo principal controle das sociedades.
O nacionalismo também é analisado como um produto da construção histórica das
nações modernas. A importância em estudar o ultranacionalismo não deriva somente
do ponto de vista das relações humanas com seu meio, e principalmente dos riscos
que o ultranacionalismo propiciou no Continente Europeu nos séculos XIX e XX, mas
também pela urgência e atualidade, visto que observamos que o continente europeu
tem sido palco de levantes sociais e de demonstrações extremistas de grupos
nacionalistas. O agravamento da crise econômica, o enfraquecimento da política dos
partidos tradicionais e dos conflitos de identidade nacional, nos permite perceber uma
maior aceitação do discurso ultranacionalista e abre espaço para partidos e grupos
extremistas no cenário político europeu e ganham força eleitoral em países com
instituições de cunho liberal-democrática historicamente estabelecidas.
O desenvolvimento da nação é portanto, objeto crucial do ideal nacionalista,
sua materialidade, a sua expansão territorial – ou manutenção das fronteiras – a
política voltada para seus membros, onde uma única comunidade política é
beneficiada e a mesma, aspira os mesmos pressupostos e sentimentos nacionais.
Devemos lembrar que existe uma importante separação no que é nação enquanto
federação e seu significado, e o que é o Estado e suas funções burocráticas e
administrativas, sendo portanto dois lados de uma mesma moeda. Nesse sentido o
nacionalismo funciona como uma engrenagem que consegue desenvolver sentimentos
de amor à pátria e buscar estabelecer projetos que buscam o desenvolvimento
nacional e dos cidadãos, seja inserido dentro da estrutura do Estado.
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
9
A diferença do significado objetivo entre Estado e nação fica mais evidente
quando conseguimos enxergar as diferenças entre ambas: o Estado em sua
composição é formado por instituições públicas, por estruturas hierárquicas e é
detentor exclusivo do monopólio da força e da coerção. A nação em sentido estrito é
uma comunidade “imaginada”, política, composta por indivíduos com aproximações
culturais, detentora de singularidades linguísticas, semelhanças étnicas e pelo
sentimento de pertencimento a um mesmo território comum.
Ainda sobre o conceito de nação, segundo Hans-JurgenPuhle (1994, p. 13.),
para se estudar o desenvolvimento das nações modernas europeias faz-se necessário
compreender diversos fatores que contribuíram para seu desenvolvimento. Para Puhle,
o continente europeu é um produto de sua história, pois sua formação vai além das
suas fronteiras, regiões, estados e nações, sendo que não teria como sobrepor uma
ordem de importância, ou maior relevância em uma característica sobre a outra,
investigar como se deu essas transformações é o que ajuda a se aproximar do processo
real de construção das nações europeias (PUHLE, 1994, p. 13).
Além das questões da formação das fronteiras e regiões europeias, Puhle
também elucida a importância de outros fatores que contribuíram para o
desenvolvimento das nações modernas, como as questões de ordem econômica, social
e política, que apresentam questões especificas, que resultaram em construções,
invenções das “Identidades” locais e regionais, que são resultado também do mercado
e da sociedade civil (PUHLE, 1994, p. 14).Dessa forma uma nação é resultado da
construção de diferentes regiões, de diferentes estados, com indivíduos de diferentes
nações, portanto devido à enorme riqueza cultural e da diversidade existente em toda
a Europa. Para Puhle tais características do continente europeu, implica que o
pesquisador deve ter o cuidado e se preocupar com duas questões de extrema
relevância. A primeira é que existe um amplo material a ser moldado, investigado,
explorado. A segunda é que existem processos históricos complexos de interações,
10
interferências de instituições, até mesmo as formas de violência - em que são
moldadas identidades, que são igualmente importantes e não devem ser esquecidos
(PUHLE, 1994, p. 13).
Para alguns pesquisadores os movimentos ultranacionalistas tiveram seu auge
no final do século XIX e início do século XX, com o final da Segunda Guerra
Mundial, que marcou a derrota do nazismo e do fascismo, principais modelos
políticos nacionalistas, o nacionalismo perdeu sua emergência e significado para as
massas. No plano político europeu o discurso nacional foi substituído pela defesa do
sistema capitalista, devido a intensificação do conflito do Ocidente frente o
comunismo da União Soviética. Os discursos nacionalistas só iriam voltar a entrar em
destaque na década de 1990, com o fim da União Soviética e do início dos processos
separatistas na Europa, África e Ásia (BRUBAKER, 1996.).
Para Hroch, cabe ao historiador em primeiro lugar, buscar fazer considerações
sobre o conceito “nacionalismo”, visto que o mesmo é utilizado diversas áreas das
ciências humanas, que tem lhe atribuído diversos significados, empobrecendo o
conceito e o tornando generalizante, dessa forma afastando a discussão do significado
real do conceito. A ampla exploração do nacionalismo, para caracterizar diferentes
processos históricos torna difícil a compreensão do mesmo (HROCH, 1996, p. 37).
Para o autor, o uso do conceito de nacionalismo deve ser restrito apenas a sua
formação original, ou seja, não como sinônimo de identidade nacional ou programa
de desenvolvimento nacional, mas segundo Hroch (1996, p. 37)“ como um estado de
espirito (mental e coletivo), que dá prioridade aos interesses e valores da nação,
acima de todos os outros interesses e valores”. Dessa forma, na questão
contemporânea do reaparecimento do sentimento nacionalista, o autor diz que
devemos tratar esse processo como “movimento nacional”, que é compreendido como
um esforço organizado por parte de alguns setores da sociedade, que busca atingir
determinados “direitos”.
Segundo Hroch(1996, p.38) para se compreender melhor os movimentos
nacionais e o nacionalismo são necessários formular algumas premissas, que segundo
o autor, julga importante para conseguir compreender com maior profundidade o
processo histórico estudado. Em primeiro lugar, o “nacionalismo”, deve ser entendido
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
11
como expressão de um grupo social existente em determinada nação, compreendido
como resultado de um longo processo de formação do Estado-Nação. Em segundo
lugar o principal elemento de compreensão de formação de uma nação é a identidade
nacional, não o nacionalismo. Em terceiro lugar, o processo de formação das nações
modernas não foi um erro na História, como sugerem alguns autores – pressupondo o
nacionalismo como responsável pelas duas guerras mundiais no século XX - mas
como um processo natural de transformação da sociedade europeia moderna, em
paralelo com a industrialização, do capitalismo e da burocratização das instituições
nacionais. Outro pronto importante para a análise da emergência do nacionalismo,
seria compreender também, a emergência das nações, das formações das identidades
nacionais e as disputas entre determinadas culturas que habitam o mesmo espaço
cotidiano, como um processo que ocorre majoritariamente no mundo Ocidental.
A derrota da Alemanha em 1945 para as forças aliadas, decretou-se o fim dos
principais modelos de regime fascista, pois mesmo como fim da guerra o fascismo
permaneceu políticamente ativo em alguns países europeus como a Espanha,
Romenia, Portugal. Na França o fim do governo provisório de Vichy sacramentou a
derrota do fascismo implantado pelos grupos extremistas no país. A Segunda Guerra
Mundial e o colaboracionismo deixaram marcas profundas na sociedade francesa, em
primeiro lugar a sensação de frustração diante da derrota para Alemanha, do período
de ocupação alemã e em segundo pelo terror de Estado imposto por Pétain e Laval.
Essas cicatrizes da ocupação geraram uma aversão por parte da população em
partidos conservadores e de extrema direita. Um dos principais motivos para o
enfraquecimento desses grupos políticos se deve ao fato da ainda recente e fresca
lembrança da população francesa com os atos praticados por esses grupos em prol do
nazismo e apoio do regime autoritário e colaboracionista de Vichy, que perseguiu
sistematicamente os judeus, comunistas, socialistas e membros da resistência
francesa, sendo muito deles assassinados e enviados para campos de concentração.
12
Para o historiador Peter Davies (2002, p.122) no pós guerra a direita e a
extrema direita passaram por seu período político mais difícil. O Marechal Phillipe
Pétain foi sentenciado a pena de morte, mas conseguiu reverter sua pena para prisão
perpétua, onde ficou preso até sua morte em 1951. Pierre Laval primeiro ministro na
França do governo de Vichy, foi condenado por traição e executado na França em
1945. Os outros membros do governo colaboracionistas foram exilados ou presos.
Contudo apesar das complicações políticas, os adeptos do fascismo na França, não
sumiram do cenário político. Na década de 1950 o movimento Algérie
Française2reascendeu o sentimento nacionalista em alguns setores da sociedade
francesa, dentre eles alguns grupos radicais que apresentam caracteristicas fascistas,
extremistas e ultranacionalistas. Esses movimentos foram compostos por sujeitos que
participaram do governo de Vichy, ou simpatizantes do fascismo emprendido por
Pétain e Laval.
O conflito argelino aparentemente, deu à extrema direita a melhor
oportunidade de rearticulação desde o final da guerra, foi uma grande oportunidade
para recrutar simpatizantes e mobilizar seus aparelhos privados de hegemonia para
tentar influenciar os acontecimentos políticos nacionais. Esse retorno da extrema
direita fica evidente na variedade de pequenos grupos e associações que se formaram
para fazer campanha a favor do movimento Algérie Française. A discussão sobre as
colônias francesas tomou a sociedade e reascendeu os sentimentos de paixão pela
pátria e ativou o sentimento de nacionalismo que não aparecia desde a 2ª Guerra
Mundial (MARCUS 1995, p.15.). A disputa da Argélia permitiu o retorno de vários
debates dentro da sociedade francesa e a extrema direita tentava dirigir a discussão,
entre eles o movimento poujadista pautando as questões que deveriam ser discutidas.
Esse período colaborou para uma crescente hostilidade de alguns setores aos partidos
de esquerda que defendiam a independência das colônias (DAVIES, 2002, p.122). A
extrema direita proclamava sua preocupação com a diminuição do status do país
enquanto potência mundial, visto que a França se encontrava em processo de
reconstrução devido às consequentes destruições durante a guerra. O país passava por
um processo de restruturação, de desenvolvimento industrial, patrocinado pelos
2 Argélia Francesa.
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
13
Estados Unidos através do plano Marshall(MARCUS, 1996, p.16).Para a direita, a
perda das colônias seria determinante para o rebaixamento da França como potencial
mundial, perdendo mais espaço para outras potências, como Estados Unidos, União
Soviética e Inglaterra.
Para o historiador Robert Gildea, a II Guerra Mundial trouxe diversas
consequências para a França, dentre essas implicações, podemos destacar algumas
questões importantíssimas, como questão econômica, pois atravessava um período
financeiro complicado. Existia a necessidade de reconstruir o país destruído durante o
conflito, desde a construção de casas, locais para o comércio, assim como obras de
infraestrutura, como usinas geradoras de energia, reconstrução dos portos, estradas,
escolas, universidades e investir nas indústrias para o desenvolvimento completo do
capitalismo (GILDEA, 2002, p. 21). E por último o desenrolar da crise no império
francês e suas colônias (GILDEA, 2002, p. 22).
O movimento Algérie Françaisese mostrou a melhor oportunidade para o
renascimento da extrema direita, Para Davies (2002, p.122) esse movimento foi capaz
de recriar um sentimento de paixão e nacionalismo que havia se perdido depois da 2ª
Guerra, gerando um grande debate entre os partidos, já que o partido socialista era a
favor da independência das colônias.
A GUERRA DA ARGÉLIA E ORGANIZAÇÃO ARMADA SECRETA
14
O conflito argelino começa a ser elaborado no ano de 1953, o crescimento dos
protestos no país, devido à enorme diferença social, econômica e política entre os
pied-noir e a população local, que durante o período colonial criou um abismo de
diferenças entre esses grupos. O domínio colonial francês privilegiava a camada
francesa da população enquanto os habitantes locais ficaram deixados de lado,
deixando as condições de vidas precárias para os argelinos e para as populações
indígenas que moravam no país. Essas injustiças cometidas contra o povo argelino se
transformaram em motivações pela independência. Logo pequenas manifestações,
protestos e greves começaram a acontecer no país, em contra partida o governo
francês elevou a repressão na tentativa de conter esses protestos.
Na academia francesa os historiadores e cientistas políticos, afirmam
categoricamente que a Guerra da Argélia, foi o principal fio condutor para a extrema
direita conseguir se mobilizar na França (WINOCK, 1994; SHIELDS, 2002; MILZA,
1987). O conflito argelino, rendeu a extrema direita vários movimentos, desde o
movimento estudantil nacionalista como o partido Poujadista, representado por
setores da pequena burguesia e de comerciantes em Paris. Segundo Montagnon,
(1984, p.127) a extrema direita teve papel importante no cenário político, o
movimento Poujadista conseguiu durante o período da Guerra, eleger 56 deputados
(entre eles o futuro fundador do Front National, Jean-Marie Le Pen), que conseguiam
emplacar suas pautas.
Para Hainsworth (1994, p.32) a guerra permitiu um aprofundamento da
ideologia da extrema direita na França, que não se pauto apenas nos chavões de
sempre - anticomunismo e antissemitismo – mas em questões sobre a soberania
nacional, sobre a posição da França em relação as outras potências mundiais, a
continuidade do Império Francês e principalmente a oposição ao governo de Charles
de Gaulle. Para Winock (1990, p.170.) a guerra promoveu uma nova cultura política
na extrema direita, a primeira foi a militância dentro de ambientes universitários, a
segunda como articulação entre setores econômicos, como os comerciantes e
pequenos empresários e por fim uma nova forma de atuação, a extrema direita na
ilegalidade. Para Anderson (1974, p. 280–81) as organizações de extrema direita
francesa entre os anos de guerra 1954-1962 eram obscuras, sem uma ideologia
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
15
definida e de difícil acesso para novos militantes, sendo impenetrável. Para Chiroux
(1974, p.92) parte desses grupos faziam parte de um complexo movimento
subversivo, responsável pela disseminação do ódio e de teorias conspiratórias, que
tinha como intenção causa pânico e sensação de insegurança na sociedade francesa.
O aumento da repressão do Estado aos grupos nacionalistas argelinos em
primeiro momento silenciou as pequenas insurreições, mas seu efeito foi o contrário,
quanto mais aumentava o nível de repressão aos povos argelinos por parte do governo
francês, maior o nível de insatisfação da população frente a metrópole. Em 1954 foi
criada a Frente de Libertação Nacional (FLN), movimento nacionalista argelino que
buscava o processo de independência do país. A forma de agir do FLN era semelhante
as práticas das milícias, sua campanha começou com um ataque a unidades militares
francesas. Após os primeiros ataques o FLN publicou seu manifesto de busca pela
libertação da Argélia das forças opressoras francesas.
Em Paris, na capital francesa, o governo em primeiro momento se assustou
com os primeiros atentados da FLN. Logo o Estado começou a elaborar um plano de
contenção, visto que a opinião pública estava dividida, assim como os partidos
políticos apresentavam visões diferentes de como deveria ser resolvido o problema na
Argélia. Os partidos de esquerda apoiavam a independência das colônias africanas.
No meio universitário os movimentos estudantis e militantes do Partido Comunista
também apoiavam o desmonte do Império Francês. Para o presidente René Coty, do
CNIP3, partido de direita conservador, a Argélia era imprescindível para o país, pelas
questões econômicas e por sua importante localização geográfica.
No fim do ano de 1954, o governo francês toma a decisão de enviar tropas
para garantir a manutenção da Argélia, o contingente militar francês era de 70 mil
soldados na colônia antes de 1954. Após a decisão de intervir no confronto o governo
francês passou a investir pesado no exército, enviando 400 mil soldados da legião 3Centre National des Indépendants et Paysans
16
francesa Segundo Wright (1981, p. 431) o novo contingente militar francês expedido
para a Argélia foi o maior desde as cruzadas. O exército francês para Algazy (1984,
p.221), estava despreparado para enfrentar os grupos de guerrilha, pois não haviam
recebido treinamento especifico para essa forma de combate, o combate em forma em
pequenas milícias e camufladas entre os cidadãos argelinos, dessa forma o exército
francês não conseguia prever os ataques de forma eficiente, até porque parte havia
colaboração da população com os soldados argelinos.
Estimasse que o governo francês entre os anos de 1954 -1960, comprometeu
parte importante de seu orçamento para investir no conflito armado da Argélia,
segundo Wright (1981, p.430), a França gastou aproximadamente 28% da sua
arrecadação na produção de armas, treinamento de soldados e gastos gerais de guerra.
Segundo Marcus (1995, p.15) o governo francês aumentava gradativamente seu
investimento para assegurar suas colônias, especificamente na Argélia. O
investimento francês no primeiro ano de conflito segundo Horne“o custo militar no
primeiro ano de guerra foi algo perto de 2.800 de francos em 1955 para 10.000
milhões em 1960, mostrando um gasto total entre 50 e 55 mil milhões durante os sete
anos e meio de guerra” (1985, p. 538).
Para o historiador Anderson, a crise de independência das colônias era algo
esperado, visto que o cenário político mundial da Guerra Fria, aumentavam as tensões
entre os diversos países, principalmente os interesses doslíderes dos blocos
econômicos – EUA e URSS - pois existiam diversas promessas de ajuda nos
processos de independências nas colônias africanas e asiáticas, como armamentos,
treinamento militar e promessas de investimento no futuropor ambas as lideranças,
visto que a independência desses países seriam novas áreas de exploração para os
americanos e soviéticos, tanto no aspecto econômico, como área de influência
estratégica para futuras bases de operações militares (ANDERSON, p.280-281). O
ponto que chama a atenção na guerra da Argélia para Anderson é a selvageria em
escala desproporcional pelo exército francês, que fazia vista grossa aos métodos
bárbaros de tortura, de fuzilamentos de civis e também de milicianos. Ao mesmo
tempo a prática de guerrilha da FLN, que atacavam alvos civis, escolas e igrejas. Os
historiadores possuem algumas discrepâncias sobre o número de mortos no conflito,
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
17
mas segundo Chiroux (1974, p.92) existe um número aproximado que é aceitável
entre a maioria deles, que gira em torno de mais de um milhão de argelinos mortos no
conflito.Segundo dados do ministério do interior, em 1954 a população da Argélia era
aproximadamente em 9,5 milhões de habitantes, a população de colonos franceses
perto de 1 milhão e 8,5 milhões sendo argelinos e tribos nômades.
Para Montagnon a década de 1950 foi dominada por um cenário de barbárie, o
sentimento de grupos ultranacionalistas se alimentava da tensão da Guerra Fria e dos
processos de independência nas colônias, para desestabilizar a política na Europa.
Essa tensão na sociedade francesa permitiu que o discurso fascista retornasse ao
cenário político, mesmo com todas as cicatrizes da II Guerra Mundial. Segundo
Algazy os extremistas perderam o constrangimento e voltaram a agir politicamente
sem qualquer inibição, com a conivência do Estado. No período da Guerra da Argélia
Chiroux (p.92) afirma a existência de mais de 50 grupos de extrema direita, a grande
maioria formada após 1954.
Na década de 60 na França, durante os debates sobre o conflito argelino, a
extrema direita procurou formar um grupo de assalto para combater a FLN, utilizando
as mesmas táticas de milícia impostas na Argélia. Um desses grupos paramilitares que
se formou foi a Organização Armada Secreta, compostas por militares franceses que
compunham os grupos radicais. A OAS atuava em duas frentes, uma em Paris e outra
na Argélia. Esse grupo paramilitar terrorista se colocava contra as posições políticas
da maioria dos partidos franceses que militavam para a independência da Argélia. A
OAS não combatia apenas os argelinos, mas também procurava alvos da esquerda
francesa, como o atentando a vida do intelectual Jean-Paul Sartre entre outros
comunistas, socialistas e intelectuais que militavam em prol da independência das
colônias africanas. Ela iniciou suas atividades terroristas atacando políticos da
oposição, seus primeiros alvos foram figuras políticas da esquerda e mulçumanos
(SIMMONS, 1996, pg.45). O início das suas ações terroristas foi na Argélia contra
18
membros da Armada de Libertação Nacional (ALN) e da Frente de Libertação
Nacional (FLN).
Enquanto a OAS lutava na França e na Argélia, havia outros grupos de
extrema direita se mobilizando na política, a Jovem Nação e a Federação dos
Estudantes Nacionalistas militavam politicamente para o desenvolvimento do
nacionalismo extremista na França. Esses grupos eram formados por estudantes, ex-
combatentes, militares e estudantes universitários. Sua principal ação era combater o
marxismo dentro das universidades.
Figura 1: Jornal da Jovem Nação Fonte: www.jeune-nation.com
A primeira aparição pública das siglas OAS da Organização Armada Secreta,
apareceram pixadas nos muros da capital da Argélia, em Argel, acompanhadas do
slogan L’Algérie est française et lerestera ("A Argélia é francesa e continuará
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
19
sendo"). Em primeiro momento não se sabia a procedência do movimento, muito
menos saber quais seriam seus alvos e seu foco de militância, o que causou um
crescimento na hostilidade entre os argelinos e os pied-noirs, porque ambos os lados
não sabiam quais eram as motivações dos atentados e de que lado ele estaria lutando.
No cartaz abaixo a OAS convida os cidadãos a pegar nas armas para garantir a
Argélia enquanto território francês.
Figura 2: Cartaz da Organização Armada Secreta Fonte:
Oficialmente a OAS foi formada na Espanha em 1961, por oficiais do exército
francês, Pierre Lagaillarde, o General Raoul Salan e Jean Jacques Susini.
20
Posteriormente a sua formação na Espanha, seria também formado a célula da OAS
em Paris, por Yves Guérin-Serac e pelo capitão Pierre Sergent. Ideologicamente a
OAS apresentava características ultranacionalistas, xenófobas, anticomunista e
antiliberal, sua posição política era de um estado forte, que respeitasse a soberania
nacional, visando a manutenção das colônias francesas, por considerar a França o
berço da civilização moderna. A motivação principal para o surgimento da OAS,
segundo Shields foi após a declaração do então eleito presidente o General Charles de
Gaulle, que foi eleito prometendo colocar um fim nos conflitos armados nas colônias
francesas e propôs um plano de emergência onde garantiria a autonomia para as
colônias que iniciassem um plano de cessar fogo. O apoio de Charles de Gaulle a
independência da Argélia, provocou reações dentro das forças militares,
principalmente por aliados políticos de De Gaulle, para as lideranças das forças
armadas francesas, o processo de descolonização representava o fim da França
Gloriosa (SHIELDS, 2007, pg.97). Abaixo um cartaz de combate ao grupo armado
OAS:
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
21
Figura 3: Cartaz de combate a organização OAS4
Os oficiais que integraram a OAS, anteriormente faziam parte da Organização
de resistência da Argélia Francesa, quando o novo presidente começou o processo de
paz e negociações para a independência, os militares se sentiram traídos, após 7 anos
de combate a França saia derrotada, admitindo o fracasso das forças armadas. Varíos
militares revoltados com a decisão do governo, integraram as linhas da OAS. Outras
militantes que integraram a OAS, foram colonos franceses nascidos na Argélia que
4 “Independência integridade da Argélia contra o fascismo da OAS – Comitê pela paz na Argélia.
22
não queriam a independência do país. Embora a OAS possuísse traços antissemita,
eles aceitaram a colaboração de alguns judeus argelinos que se sentiam ameaçados
pelo crescimento do islamismo fundamentalista na região e também após terem sidos
realizados atentados as sinagogas pela FLN.
A tática da OAS era fazer sabotagens e assassinatos para impedir que a
independência da Argélia se concretizasse (SHIELDS, 2007, pg.104). A OAS atuava
como uma organização paramilitar clandestina, composta por militares, estudantes, e
neofascistas. A base de apoio da OAS incluía sobretudo os piedsnoirs, mas também
os militares e os argelinos leais à França. Durante sua existência a organização
realizou várias ações terroristas tanto na Argélia, como na França. A sua ação mais
conhecida foi o atentado contra a vida do presidente da França o general Charles de
Gaulle e dois atentados a bomba ao intelectual marxista e membro do FLN, Jean-Paul
Sartre.
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
23
Figura 4: Capa do jornal da Organização Armada Secreta
Fonte:http://www.dominiquevenner.fr/2012/05/cinquante-ans-apres-reflexions-sur-loas/
A OAS em sua primeira fase empreendeu séries de atentados na Argélia
destruindo centenas de casas e matando várias pessoas (MAZRUI; WOMDJI, 2010),
sua tática de ação preferida era planejar atentados a bomba. Em seguida a OAS se
voltou para França, procurando eliminar aqueles que consideravam subversivos,
segundo Simmons,
A OAS mudou suas operações para a França. Bombas
eram enviadas para bairros árabes em cidades francesas,
atentados eram feitos contra pessoas leais ao exército, a
delegacias de polícia e vários escritórios e prédios do
partido comunista foram alvejados (SIMMONS, 1996,
p.45).
A campanha dos atentados continuou durante o ano de 1961, após seguidos
atos terroristas, a OAS consegue assassinar o líder liberal Maitre Popie e a partir desse
assassinato o grupo parte para a Argélia onde conseguem massacrar mais de 500
pessoas em uma série seguida de atentados à bomba (DAVIES, 2002, pg.125).
Para James Shields (2007, pg.107), a OAS enquanto grupo político propôs
muito pouco enquanto projeto social e político, ela apresentava sérios problemas de
sectarismo e ações individuais. Outro fator que pesava contra a OAS é o hostilidade,
marginalidade e rejeição do grupo pela grande maioria da população francesa.
24
A OAS continuou sua luta contra a FLN até 1962, quando De Gaulle decide
por criar o acordo Evian, que assegura a independência da Argélia e que buscava
colocar fim ao conflito entre os dois países (WINOCK, 1994, pg.236). Mesmo com o
acordo de cessar fogo e o fim da guerra da Argélia, a OAS continuou atuando na
Argélia até 1963, quando grande parte das suas lideranças são presos e
consequentemente fuzilados (WINOCK,1994, pg.236). Os militantes que
sobreviveram foram exilados para Espanha, acolhidos pelo ditador Franco. Em julho
de 1968 o governo francês decretou anistia a Raoul Salan, Edmond Jouhaud e mais
outros generais e membros da OAS, sendo os militares absolvidos de seus crimes e
reintegrados ao exército (MILZA, 1987, pg.319-320).Nesse sentido os políticos que
ainda estavam exilados, se articulavam com os movimentos de extrema direita na
França, para que esses grupos pressionassem o governo francês para a criação de um
processo de anistia.
O Front National, em sua primeira eleição enquanto partido, em seu manifesto
político DéfendrelesFrançais, C’estleprogrammedu Front National em 1973, o
partido expõe algumas das suas propostas e demonstra como os fracassos do passado
ainda têm relevância para os membros do partido. No programa de governo o FN
procura manifestar sua posição contra os Acordos de Evian, criado por de Gaulle,
principal inimigo dos políticos do FN. O partido acreditava que os Acordos de Evian
deveriam ser revistos, pois ele havia exilado militantes da OAS e seus colaboradores,
e também imposto sanções aos franceses argelinos (Pieds-noir) e os franceses
argelinos mulçumanos (conhecidos como Harkis) que haviam lutado ao lado do
exército francês na Argélia. E que o governo deveria indenizar os exilados pelos
abusos e negligências sofridos pelos mesmos durante esses anos de exílio. O FN
esperava mostrar para esses grupos que o partido jamais se esqueceu dos seus “feitos
heroicos”, então reivindicar um fim ao acordo de Evian foi uma tática para aumentar
suas bases.
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
25
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os grupos de extrema direita na França, se aproveitaram do conflito franco-
argelino, para voltar ao cenário político, muitos deles escondidos por terem
colaborado com as forças nazistas em Vichy e depois muitos deles trabalhando em
milícias para evitar o fim do império francês. Dentre eles a OAS, defendia a expansão
do Império Francês e a manutenção das colônias africanas. Para muitos militantes que
haviam participado de conflitos armados, especialmente os que tinham servido o
exército durante a Guerra da Coréia e da Guerra da Argélia, nas décadas de 1950
e1960, esse período da história francesa teria reascendido a causa nacional e o
nacionalismo.
Pois foi durante essas duas décadas, que a extrema direita militou contra o
governo do Charles de Gaulle, que permitiu o desmonte do Império Francês, dando
apoio e acelerando o processo de independência das colônias. Tal processo marcou a
extrema direita francesa, que encorpou o ultranacionalismo como a principal bandeira
política, creditando aos socialistas e aos partidos de centro-direita, uma posição de
entreguista, de enfraquecimento político e como responsáveis pelo enfraquecimento
do poder da França enquanto potência mundial.
Ainda assim a OAS enquanto movimento ideológico, pouco produziu em nível
de ideologia, ele serviu muito mais como exemplo de assalto ao poder e de tática de
enfrentamento da oposição. Como grupo político pouco colaborou enquanto projeto
social e político. Como movimento a OAS era extremamente elitista e sectária, não
abrindo suas fileiras para qualquer militante, visto que o treinamento militar era
necessário. O principal fator negativo da OAS é sua repercursão na sociedade francês,
pois suas práticas terroristas nunca foram aceitas pelas pessoas comuns, dificilmente a
OAS conseguiria ter projeção nacional e também acredito que nunca foi o objetivo da
organização.
26
Em contrapartida a participação da OAS e de outros movimentos de extrema
direita na França, demonstrou que teve força política suficiente para conseguir colocar
suas pautas políticas no cenário francês, tanto que através do Front National, os
militantes da OAS conseguiram lutar para conseguir anistia dos crimes de guerra e
voltaram para seus países, retornando as suas atividades políticas e se filiando no
partido de extrema direita Front National. A experiência desses militares que
participaram do grupo terrorista OAS, da JN e da FEN, foram experiências
importantes, que futuramente serviram para a formação de um partido de amplitude
nacional o Front National e esses grupos paramilitares e de pequenas milícias
formaram as células de segurança e proteção do partido.
[REVISTA CONTEMPORÂNEA – DOSSIÊ GUERRAS E REVOLUÇÕES NO SÉCULO XX]
Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [2236-‐4846]
27
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALGAZY, J. La Tentationnéo-fascisteen France de 1944 à 1965.Paris,
Fayard, 1984.
ANDERSON, M. Conservative Politics in France 1880–1958, London,
George Allen & Unwin, 1974.
BRUBAKER, R. Nationalism Reframed. Nationhood and the National
Question in the New Europe.Cambridge: CUP, 1996.
CHIROUX, R., L’Extrême-droite sous la Ve République. Paris, Librairie
Générale de Droit et de Jurisprudence, 1974. p. 120 n. 419.
DAVIES, P. The Extreme Right in France, 1789 to the Present: From the
Maistre to Le Pen. New York and London, Routledge. 2002.
FRONT NATIONAL, Défendre les Français. C’est le programme du Front
National. Supplement to Front National, no. 3, February 1973,
GILDEA, R. France since 1945. New York and Oxford. Oxford University
Press. 2002.
HAINSWORTH, Paul. The Extreme Right in Europe and the USA. London,
Pinter, 1994.
HOBSBAWN, Eric. A Era dos Impérios (1875-1914). 8º Edição. Paz e Terra:
Rio de Janeiro, 2003
HORNE, A.A Savage War of Peace. London, Penguin, 1985.
HROCH, M. “Nationalism and National Movements: Comparing the Past and
the Present of Central and Eastern Europe”, Nations and Nationalism, 2: 1, 1996.
JAUFFRET, J-C; VAÏSSE, M. Militaires et guérilla dans la guerre d'Algérie.
Bruxelles, André Versaille éditeur, 2012. P.461
MARCUS, J. The National Front and French Politics, London, Macmillan,
1995.
28
MAZRUI, A; WOMDJI, C. História geral da África, VIII: África desde 1935.
Brasília: UNESCO, 2010.
MILZA, P. Fascisme français: passé et présent. Paris, Flammarion, 1987.
MONNERET, J. La guerre d'Algérie en trente-cinq questions. L'Harmattan,
2008. p. 144-145.
MONTAGNON, P. La Guerre d’Algérie: genèse et engrenage d’une tragédie.
Paris, Pygmalion/Gérard Watelet, 1984. p. 127–28
PERVILLE, G. Pour une histoire de la guerre d´Algérie. France, Picard,
2002.
PUHLE, Hans-Jürgen. “Nation States, Nations, and Nationalisms in Western
and Southern Europe”, in J. Beramendi, R. Máiz & X. M. Núñez (eds.), Nationalism
in Europe: Past and Present, Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de
Compostela, 1994, vol. II
SHIELDS, J. G. The Extreme Right in France: From Pétain to Le Pen.
London and New York, Routlegde, 2007.
SIMMONS, H. G. The French National Front: The Extremist Challenge to
Democracy. Oxford, Westview, 1996.
SPEKTOROWSKI, A. Ethnoregionalism: The Intellectual New Right and the
Lega Nord. The Global Review of Ethnopolitics Vol. 2, no. 3, Tel Aviv University,
2003.
STORA, B. Les mots de la guerre d'Algérie. Presses Universitaires du Mirail,
2005.
WINOCK, M.Nationalisme, antisémitisme et fascisme en France. Paris, Seuil,
1990.
WINOCK, M. Histoire de l’extrême-droite en France. Paris: Seuil, 1994.
WRIGHT, G. France in Modern Times: From the Enlightenment to the
Present. New York, Norton, 1981.