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CAPÍTULO 6: MECANISMO DE AÇÃO DE DIURÉTICOS
Antônio Carlos Seguro, Cláudia Maria de Barros Helou e Roberto Zatz
Definimos diuréticos como drogas que agem no néfron inibindo o
transporte de sódio, aumentando por isso a excreção desse íon e, em conseqüência,
o volume urinário. Os diuréticos são drogas largamente utilizadas na prática
clínica, especialmente no tratamento dos estados edematosos, os quais exigem
providências destinadas a aumentar a excreção urinária de sódio. O uso desse
grupo de medicamentos é historicamente recente, sendo que a totalidade dos
diuréticos atualmente utilizados foi sintetizada já na segunda metade deste século.
Para compreender adequadamente o funcionamento dos diuréticos, é
fundamental que o leitor esteja familiarizado com o funcionamento dos túbulos
renais na modulação da excreção de sódio, tarefa executada com perfeição em
condições normais, conforme discutido em detalhe no Capítulo 5 Os diversos
diuréticos disponíveis no mercado atuam em diferentes segmentos do néfron. É
esse local de ação o que determina a potência do efeito diurético, assim como a
maior parte dos efeitos colaterais associados ao uso dessas drogas (não serão
considerados aqui os efeitos colaterais dissociados da ação diurética propriamente
dita, como por exemplo a perda de acuidade auditiva com o uso do diurético
furosemide). Por essa razão, os diuréticos estão agrupados neste capítulo de
acordo com os segmentos do néfron onde exercem seu efeito inibitório sobre a
absorção de sódio. São eles o túbulo proximal; a porção espessa ascendente da
alça de Henle; o túbulo distal e o túbulo coletor. De modo geral, esses segmentos
agrupam-se em duas grandes categorias: 1) segmentos de alta capacidade de
transporte e baixa capacidade de gerar gradientes, como é o caso do túbulo
proximal e, até certo ponto, da porção espessa da alça de Henle. 2) segmentos de
baixa capacidade de transporte e alta capacidade de gerar gradientes, tipicamente
representados pelo túbulo coletor.
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DIURÉTICOS QUE AGEM NO TÚBULO PROXIMAL
Diuréticos osmóticos
Conforme discutido no Capítulo 5, o túbulo proximal é um epitélio
de baixa resistência elétrica e alta condutância hidráulica, devido à facilidade com
que seus complexos juncionais intercelulares permitem a passagem de água e
eletrólitos. Essas propriedades físicas facilitam ao túbulo proximal o cumprimento
de sua tarefa básica: o
transporte maciço de água e de
solutos, o qual lhe permite
absorver cerca de 2/3 da carga
filtrada de sódio. Ao mesmo
tempo, no entanto, tornam-no
incapaz de manter através de
suas paredes qualquer gradiente
de concentração, potencial
elétrico ou pressão osmótica. É
exatamente essa característica o
que torna o túbulo proximal
suscetível à ação dos diuréticos
osmóticos. Esses diuréticos, cujo maior representante é o manitol, são na verdade
solutos não absorvíveis pelo epitélio do túbulo proximal e que por essa razão são
progressivamente concentrados na luz tubular à medida que a água vai sendo
reabsorvida . Com o conseqüente aumento da pressão osmótica intratubular, a
absorção de água pelo túbulo fica limitada, já que depende de uma pequena
hipotonicidade intratubular associada a altos índices de condutância hidráulica
(Capítulo 5). Com a resultante retenção intratubular de água, o sódio vai sendo
diluído, havendo assim uma tendência à formação de um gradiente químico entre
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Figura 6-1 – Mecanismo de ação dos diuréticos osmóticos. A presença na luz do túbulo proximal de um soluto impermeante (representado pelos pontos vermelhos) retém água e dilui o sódio e demais eletrólitos, fazendo com que haja um vazamento de água e solutos através dos espaços intercelulares do interstício para a luz tubular.
Na+
ATP
L I
Na+, Cl-, HCO3-, H2O
o interstício e a luz tubular. Como no entanto o epitélio do túbulo proximal é um
epitélio de “vazamento” (“leaky”), ocorre um retorno de cloreto de sódio do
interstício para o lume tubular através do espaço intercelular, anulando ou
minimizando o gradiente criado pelo processo reabsortivo (Figura 6-1). Devido a
esse processo, uma parcela substancial do sódio e da água filtrados, dependendo
da dose do diurético osmótico, escapa à reabsorção proximal e é lançada aos
segmentos seguintes do néfron.
Tendo em vista a magnitude do transporte de água e eletrólitos no túbulo
proximal, seria de esperar que mesmo uma inibição moderada da absorção de
sódio nesse segmento fosse
acompanhada de uma
natriurese intensa. No entanto,
os segmentos do néfron que se
seguem ao túbulo proximal,
em especial a porção espessa
da alça de Henle, são capazes
de ajustar suas taxas de
absorção quando confrontados
com cargas maiores de sódio.
Imaginemos uma carga
filtrada de sódio de 24.000
mmol/dia em condições
normais e uma absorção
proximal de sódio de 2/3,
restando portanto 8.000
mmol/dia aos segmentos seguintes. Desse total, cerca de 6.000 mmol/dia (25% da
carga filtrada, ou 6.000/8.000 = 75% do aporte de sódio ao segmento) são
absorvidos na porção espessa da alça de Henle, enquanto 1.200 mmol/dia (5% da
carga filtrada) o são no túbulo distal. Cabe ao túbulo coletor o ajuste fino da
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Figura 6-2 –Os segmentos que se seguem ao túbulo proximal, principalmente a porção espessa da alça de Henle, compensam em boa parte a rejeição de sódio promovida pelos diuréticos osmóticos no túbulo proximal, limitando a natriurese causada por essas drogas. As linhas pontilhadas indicam a absorção tubular em condições normais
DISTAL
ALÇA FINA
DESCENDENTE
ALÇA
ESPESSA
COLETOR
ALÇA FINA
ASCENDENTE
PROXIMAL
CARGA FILTRADA = 24000 mEq/dia
excreção de sódio, absorvendo, se necessário, a quase totalidade dos restantes 800
mmol/dia (~ 3 % da carga filtrada). Se agora administrarmos manitol a esse
indivíduo, de modo a que a absorção proximal de sódio caia a 40% da carga
filtrada, serão oferecidos aos segmentos seguintes 14.400 mmol/dia de Na+. A
porção espessa da alça de Henle, de alta capacidade absortiva, pode adaptar-se a
essa sobrecarga, absorvendo de novo 75% da carga de sódio que lhe chega,
correspondentes agora a 10.800 mmol/dia. Quanto aos 3.600 mmol/dia restantes,
deverão ser absorvidos pelos túbulos distal e coletor. Trata-se no entanto de uma
carga 80% superior à que chega habitualmente a esses segmentos, cuja capacidade
absortiva é limitada, conforme discutido acima. Se a absorção nesses segmentos
crescer, digamos, 30%, atingindo 2600 mmol/dia, a excreção de sódio aumentará,
chegando a 3.600-2.600 = 1.000 mmol/dia. Se a urina for isotônica em relação ao
plasma, essa excreção de Na+ corresponderá a um fluxo urinário de cerca de 7
L/dia. Portanto, os diuréticos osmóticos, por agir no túbulo proximal, permitindo a
ação compensatória do restante do néfron, promovem uma elevação apenas
mediana do fluxo urinário e da excreção de sódio, sendo assim considerados como
de média potência (Figura 6-2).
Como ocorre com a maioria dos diuréticos, o principal efeito colateral da
administração de diuréticos osmóticos é o desenvolvimento de hipopotassemia. É
fácil entender o mecanismo desse distúrbio relembrando o mecanismo de secreção
de K+ na porção final do túbulo distal e no túbulo coletor (Capítulos 5 e 8). Nesses
segmentos do néfron, ocorre um transporte passivo de K+ do interior das células
principais para o lume tubular, ou seja, uma secreção de K+. Esse movimento de
K+ é fortemente influenciado pelos seguintes fatores, discutidos em maior detalhe
nos Capítulos 5 e 8: 1) oferta de sódio à porção final do túbulo distal e ao túbulo
coletor. 2) o fluxo intratubular nesses segmentos. 3) a ação da aldosterona. Em
pacientes tratados com diuréticos osmóticos, aumenta a oferta de sódio às porções
finais do néfron, conforme discutido acima, o que evidentemente se faz
acompanhar de um aumento do fluxo intratubular. Se além disso estiver
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aumentada a concentração plasmática de aldosterona, estarão estabelecidas as
condições para um forte aumento na taxa de secreção de potássio por esses
segmentos, o que pode levar à espoliação desse íon e à hipocalemia. Mais
raramente, a administração dessas drogas pode levar a uma desidratação
hiponatrêmica e a distúrbios do equilíbrio ácido-base.
Assim como nos túbulos renais, os diuréticos osmóticos funcionam como
solutos impermeantes no epitélio intestinal. Por essa razão, essas drogas não são
absorvidas por via oral e devem ser administradas exclusivamente por via
endovenosa, sendo assim inviável sua utilização na terapêutica dos estados
edematosos (não confundir com seu uso no tratamento do edema cerebral, com o
qual busca-se aumentar transitoriamente a pressão osmótica plasmática para retirar
água do sistema nervoso central). Na verdade, o poder dos diuréticos osmóticos de
promover uma diurese moderada é hoje utilizado principalmente na profilaxia da
insuficiência renal aguda em situações tais como as anemias hemolíticas, as
cirurgias extensas ou em presença de icterícia e nas lesões traumáticas graves (ver
também Capítulo 14).
Inibidores da anidrase carbônica
Conforme discutido no Capítulo 5, a membrana luminal das células do
túbulo proximal exibe uma série de estruturas de transporte destinadas a facilitar a
entrada à célula do íon Na+. Uma dessas estruturas é o contratransportador Na+/H+,
importante também no processo de acidificação urinária. Conforme discutido em
detalhe no Capítulo 12, os íons H+ secretados para a luz tubular reagem com o
bicarbonato filtrado, formando o ácido carbônico. Este por sua vez se decompõe
em água e gás carbônico, reação esta catalisada pela enzima anidrase carbônica,
abundante na borda em escova do túbulo proximal. Os inibidores da anidrase
carbônica, representados pela acetazolamida (Diamox), dificultam essa reação,
apresentando por isso um duplo efeito: de um lado, diminuem a taxa de secreção
de H+, provocando retenção de ácido; de outro, reduzem a taxa de absorção
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proximal de sódio, apresentando portanto um efeito diurético. Como no entanto
essa droga inibe apenas uma parte dos mecanismos de absorção proximal de sódio,
e como existe a intervenção, descrita acima, do restante do néfron, seu efeito
diurético é apenas fraco, o que limita seu uso clínico. A acetazolamida é utilizada
principalmente no tratamento do glaucoma agudo, em cuja patogênese a anidrase
carbônica desempenha um papel fundamental, e em alguns casos de alcalemia
metabólica.
DIURÉTICOS QUE AGEM NA PORÇÃO ESPESSA ASCENDENTE DA
ALÇA DE HENLE: DIURÉTICOS DE ALÇA
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A porção espessa ascendente da alça de Henle é responsável pela absorção
de cerca de 25% da carga filtrada de sódio, a maior taxa de absorção em um único
segmento, com exceção do túbulo proximal. A absorção de sódio nessa porção do
néfron é essencial para o funcionamento do sistema de contracorrente medular e
para os processos de concentração e diluição urinárias (Capítulo 4). Conforme
descrito em detalhe no Capítulo 5, o transporte de sódio nesse segmento depende
crucialmente de um cotransportador especial, que permite a entrada nas células,
através da membrana luminal, de 1 íon Na+, 1 íon K+ e 2 íons Cl- (cotransportador
Na+/K+/2 Cl-, Figura 6-3). Os assim denominados diuréticos de alça, tais como a
bumetanida, o ácido etacrínico e o mais conhecido de todos, a furosemida
(Lasix), inibem o funcionamento do cotransportador Na+/K+/2Cl-, diminuindo
assim drasticamente a absorção de eletrólitos nesse segmento. Um cálculo simples
é suficiente para ilustrar a potência natriurética dos diuréticos de alça (Figura 6-4).
Suponhamos mais uma vez que a carga filtrada de Na+ seja de 24.000 mmol/dia,
com uma taxa de absorção proximal de 2/3 e, portanto, um aporte de ~8.000
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Figura 6-3 – Mecanismo de ação dos diuréticos de alça. A inibição do cotransportador Na+/K+/2Cl- reduz drasticamente a absorção de NaCl e, em conseqüência, também a de K+, Ca++ e Mg++.L, luz tubular; I, interstício
Na+ Na+
ATP
L
Cl-K+
K+
Na+, K+, Ca++, Mg++
- +
K+
Cl-
I
+ -
mmol/dia à porção espessa da alça de Henle. Se esse transporte for totalmente
bloqueado por um diurético de alça, todo esse fluxo de sódio chegará intacto aos
túbulos distal e coletor. Esses segmentos absorvem até ~2.000 mmol/dia de Na+
em condições normais. Sendo no entanto incapazes de alcançar as altas taxas de
transporte observadas no túbulo proximal e na própria porção espessa da alça de
Henle, sua adaptação a esse aumento do aporte de Na+ é apenas parcial. Mesmo
que a taxa de absorção desses segmentos aumentasse em, digamos, 30%, (sendo
pois de ~2.600 mmol/dia a taxa absoluta de absorçãode sódio), seriam ainda
excretados 5.400 mmol/dia, correspondentes a um fluxo urinário superior a 38
L/dia! Devido à localização estratégica da porção espessa da alça de Henle,
portanto, a natriurese e diurese provocadas pelos diuréticos de alça são
extremamente intensas, caracterizando-os como de alta potência. Por essa razão,
esse grupo de diuréticos é
largamente utilizado na prática
clínica em situações que
requeiram a perda de grande
quantidade de sódio, tal como
nos estados edematosos
resultantes de disfunção
cardíaca (insuficiência cardíaca
congestiva) ou renal (síndrome
nefrótica), ou quando é
imperioso o “enxugamento”
rápido de fluido acumulado em
áreas críticas, como no edema
pulmonar agudo.
A própria eficácia dos
diuréticos de alça é também a
causa dos importantes efeitos
8
Figura 6-4 – Devido à localização estratégica do segmento onde atuam, os diuréticos de alça possuem alta potência natriurética. Isso acontece porque a alça de Henle absorve 25% da carga filtrada de sódio, enquanto os segmentos que se seguem (distal e coletor) são incapazes de adaptar-se a esse aumento da oferta de sódio. As linhas pontilhadas indicam a absorção de sódio em condições normais
DISTAL
ALÇA FINADESCENDENTE
ALÇAESPESSA
COLETOR
ALÇA FINAASCENDENTE
PROXIMAL
CARGA FILTRADA = 24000 mEq/dia
colaterais que acompanham o uso crônico dessas drogas. O mais ameaçador desses
efeitos é sem dúvida a hipopotassemia. Conforme discutido anteriormente, a
secreção de K+ nas porções finais do néfron, especialmente aos túbulos coletores,
depende da oferta de sódio e do fluxo intratubular que chegam a esses segmentos,
além da atividade da aldosterona. Como ilustrado no exemplo acima, a inibição do
transporte de NaCl na porção espessa da alça de Henle promove um grande
aumento no aporte de Na+ (e conseqüentemente no fluxo intratubular) que chega
aos túbulos distal e coletor. Considerando ainda que em grande parte dos casos
que requerem o uso continuado dessas drogas ocorre um aumento da atividade da
aldosterona (hiperaldosteronismo secundário), a secreção de K+ nesses segmentos
aumenta tremendamente, levando a uma excreção exagerada desse íon. Os
diuréticos de alça podem ainda aumentar diretamente a excreção de K+: conforme
discutido no Capítulo 5 e ilustrado na Figura 6-3, o transporte transcelular de
NaCl na porção espessa da alça de Henle está associado ao estabelecimento de
uma diferença de potencial transepitelial, com o lume positivo em relação ao
interstício. Essa diferença de potencial favorece a absorção, através dos espaços
intercelulares, de cátions como o K+, além do Ca++, Mg++ e do próprio Na+. A
inibição do transporte transcelular de NaCl na porção espessa da alça de Henle
tem portanto como conseqüência uma redução na absorção de K+ nesse segmento.
Como resultado de todas essas alterações, a caliurese provocada pelos diuréticos
de alça pode atingir proporções alarmantes, levando à depleção intensa de K+ e à
hipopotassemia. Por essa razão, os diuréticos de alça são também conhecidos
como espoliadores de potássio.
O uso de diuréticos de alça pode também associar-se ao desenvolvimento
de alcalose metabólica. Há três razões principais para esse efeito: 1) a alça de
Henle secreta íons H+ através do contratransportador Na+/H+ situado na membrana
luminal, o que lhe permite contribuir para a recuperação do HCO3- filtrado
(Capítulos 5 e 12). A inibição do cotransportador Na+/K+/2Cl- leva a uma
diminuição da concentração intracelular de Na+, uma vez que a Na+/K+/ATPase
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basolateral continua funcionando. Com isso, aumenta o transporte de Na+ para o
interior da célula através do contratransportador Na+/H+, com aumento
conseqüente da secreção de H+; 2) com o aumento do aporte de Na+ aos túbulos
distal e coletor e o consequente aumento da eletronegatividade luminal desses
segmentos, não só o K+ mas também o H+ tem sua secreção favorecida; 3) a
própria hipopotassemia promove a secreção exagerada de H+ devido à ativação da
H+/K+ ATPase situada no túbulo coletor, que retém K+ ao mesmo tempo em que
secreta H+ (Capítulo 5).
É interessante notar que os diuréticos de alça, por agir na face luminal do
epitélio da porção espessa da alça de Henle, necessitam estar presentes na luz
tubular. Como no entanto 98% da droga estão ligados às proteínas plasmáticas, sua
passagem através do glomérulo por filtração é muito baixa. Por essa razão, essas
drogas dependem, para sua ação farmacológica, do sistema de secreção de ácidos
orgânicos situado no segmento S3 do túbulo proximal, que permite a essas drogas
alcançar o lume tubular.
DIURÉTICOS QUE AGEM NO TÚBULO DISTAL: TIAZÍDICOS
Conforme descrito no
Capítulo 5, o túbulo distal
apresenta em sua membrana
luminal um cotransportador
Na+/Cl-, específico para esse
segmento e que promove o
transporte transcelular, neutro,
de NaCl (Fig. 6-5). Esse
cotransportador é inibido pelo
grupo de diuréticos conhecido
10
Figura 6-5– Os tiazídicos inibem o cotransportador Na+/Cl- existente no túbulo distal, diminuindo assim a absorção transcelular de NaCl nesse segmento. L, luz tubular; I, interstício
Na+
Na+
Cl-ATP
K+Na+
Cl-
L I
como tiazídicos, dos quais os exemplos mais conhecidos são a hidroclorotiazida e
a clortalidona. Os tiazídicos foram desenvolvidos ainda nos anos 50, tendo sido os
primeiros diuréticos razoavelmente potentes e com baixa toxicidade a serem
largamente utilizados na prática clínica.
Conforme discutido em detalhe no Capítulo 5, o túbulo distal é responsável
pela absorção de apenas cerca de 5% da carga filtrada de sódio. Por esa razão,
mesmo uma inibição completa do cotransportador NaCl existente nesse segmento
leva a uma excreção urinária
de sódio não superior a
0.0524.000=1.200
mmol/dia, correspondentes a
um fluxo urinário de ~8 L/dia
(Figura 6-6). Os tiazídicos
são portanto considerados
como diuréticos de média
potência. Por essa razão, não
são empregados atualmente
na terapêutica do edema, a
qual freqüentemente exige o
uso de duiréticos de alça. Os
tiazídicos são no entanto
largamente utilizados no
tratamento da hipertensão arterial sistêmica, para o qual é necessário um aumento
sutil na capacidade renal de excretar sódio (Capítulo 10).
Por elevar a oferta de sódio ao túbulo coletor, os tiazídicos, tal como os
diuréticos de alça, aumentam a excreção de potássio nesse segmento. No entanto,
devido à menor intensidade de seu efeito diurético e ao fato de não inibirem a
absorção de potássio na alça de Henle, a magnitude da caliurese que os tiazídicos
provocam é bem menor do que a evocada pelos diuréticos de alça. Por essa razão,
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Figura 6-6 – Os tiazídicos agem no túbulo distal inicial, segmento responsável pela absorção de apenas 5% da carga filtrada. Por essa razão, a natriurese que produzem é apenas moderada. As linhas pontilhadas indicam a absorção de sódio em condições normais
DISTAL
ALÇA FINADESCENDENTE
ALÇAESPESSA
COLETOR
ALÇA FINAASCENDENTE
PROXIMAL
CARGA FILTRADA = 24000 mEq/dia
é infreqüente o estabelecimento de hipopotassemia grave em pacientes tratados
cronicamente com tiazídicos. Contudo, é possível o desenvolvimento de
hipopotassemia mais intensa na presença de hiperaldosteronismo secundário,
comumente encontrado em estados edematosos tais como a insuficiência cardíaca
congestiva (ver Capítulos 5 e 9).
DIURÉTICOS QUE AGEM NO DUTO COLETOR: RETENTORES DE
POTÁSSIO
Conforme discutido no Capítulo 5, o duto coletor, através das células
principais, é capaz de absorver NaCl mesmo que a concentração intraluminal do
sal seja muito baixa. Em outras palavras, o duto coletor é capaz de manter através
de seu epitélio gradientes de potencial eletroquímico extremamente elevados. No
entanto, a capacidade absortiva desse epitélio é limitada, devido à baixa
condutância elétrica de suas junções intercelulares. Felizmente, o duto coletor
recebe apenas cerca de 2% da carga filtrada, graças ao intenso trabalho de
absorção realizado pelos segmentos anteriores do néfron. Apesar desse reduzido
aporte de sódio, o duto coletor realiza um importante trabalho de ajuste fino da
excreção de sódio, sendo na verdade o responsável pelo estabelecimento de um
balanço zero de sódio (Capítulo 5).
Para realizar seu trabalho de absorção, o duto coletor dispõe, além da
onipresente Na+/K+-ATPase basolateral, de um canal específico para sódio situado
na membrana luminal (Capítulo 5). É devido à existência desse canal que a
membrana luminal é despolarizada e a diferença de potencial transepitelial atinge
nesse segmento algumas dezenas de mV, favorecendo assim a secreção de
potássio através de um canal específico, também situado na membrana luminal.
Conforme discutido nos Capítulos 5 e 8, o aporte de sódio e o fluxo de
volume intratubular são determinantes importantíssimos da secreção de potássio
pelo túbulo coletor. Por essa razão, os diuréticos que agem nos segmentos
anteriores ao túbulo coletor (a maioria) tendem a aumentar a secreção de potássio
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e a depletar o organismo desse íon, especialmente no caso dos diuréticos de alça
(espoliadores de potássio), cujo efeito natriurético é de longe o mais intenso.
Os diuréticos que agem no túbulo coletor dividem-se em dois grupos: 1) os
bloqueadores do canal luminal de sódio, como o amiloride e o triamterene. 2)
os antagonistas da aldosterona, como a espironolactona.
Conforme seria de se esperar, o bloqueio do canal luminal de sódio impede
a absorção de sódio pelas células principais do túbulo coletor (Figura 6-7),
resultando em um aumento da excreção urinária desse íon. A natriurese observada
com esse grupo de diuréticos,
no entanto, é muito modesta
comparada à obtida com
diuréticos de alça ou tiazídicos.
A razão para isso é simples:
apesar de sua importância no
ajuste fino da excreção de
sódio, o túbulo coletor absorve
apenas de 2 a 3% da carga
filtrada do íon (Capítulo 5), o
que equivale a, no máximo, 720
mmol/dia, correspondentes a ~5
L/dia. Os bloqueadores de canal
de sódio são portanto
considerados diuréticos fracos,
não sendo por isso empregados
no tratamento dos edemas. Sua grande utilidade consiste em seu efeito sobre a
secreção de potássio no túbulo coletor, e portanto sobre a excreção urinária desse
íon. Conforme discutido nos Capítulos 5, 8 e acima, a secreção de potássio nesse
segmento depende da existência na membrana luminal de canais específicos, que
permitem a entrada de sódio na célula, com conseqüente despolarização da
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Figura 6-7 – Por bloquear o canal luminal de sódio nas células principais do túbulo coletor, diuréticos como o amiloride promovem não apenas uma modesta natriurese, como também reduzem acentuadamente a secreção de potássio; L, luz tubular; I, interstício
Na+
Na+ATP
K+
Na+
Cl-
L I
+--+
membrana luminal, o que favorece o movimento de potássio do interior da célula
para o lume tubular. Portanto, o bloqueio dos canais luminais de sódio por drogas
como o amiloride não apenas promove uma natriurese (ainda que modesta), como
também, e principalmente, limita a excreção urinária de potássio (Figura 6-7). Por
essa razão, os bloqueadores do canal luminal de sódio são também denominados
retentores de potássio, sendo amplamente utilizados em associação com diuréticos
potentes, especialmente os diuréticos de alça, com o intuito de atenuar a perda de
potássio que essas drogas provocam.
Conforme descrito no Capítulo 5, a aldosterona aumenta nas células
principais a quantidade de canais luminais de sódio, além de estimular a atividade
da Na+/K+-ATPase basolateral, sendo por isso um hormônio retentor de sódio e
espoliador de potássio. Nos estados edematosos, é freqüente a presença de
hiperaldosteronismo secundário, o que tende a agravar a hipopotassemia causada
pelo uso, freqüente nesses pacientes, de diuréticos potentes. A conseqüente
depleção de potássio pode assim ser limitada pelos antagonistas da aldosterona,
cujo efeito farmacológico é portanto análogo ao dos bloqueadores do canal
luminal de sódio.
É exatamente a propriedade de conservar potássio que origina o efeito
colateral potencialmente mais danoso dos diuréticos retentores de potássio: a
hipercalemia. Esse efeito é observado principalmente em pacientes já com alguma
tendência prévia à retenção de potássio, como por exemplo nas fases avançadas da
insuficiência renal crônica. A ocorrência de hiperpotassemia associada ao uso de
retentores de potássio é também freqüente em pacientes com tendência a
hipoaldosteronismo, como ocorre em certos pacientes com nefropatia diabética. A
anomalia é também observada em pacientes recebendo tratamento crônico com
inibidores da enzima conversora de angiotensina I (captopril, enalapril, etc.), nos
quais os níveis de angiotensina II, e conseqüentemente os de aldosterona, são mais
baixos. Outro possível efeito colateral associado ao uso de retentores de potássio é
a acidemia metabólica que pode ocorrer no emprego de inibidores da aldosterona,
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uma vez que não só a secreção de potássio, mas também a de íons hidrogênio,
pode ser inibida por essas drogas.
EXERCÍCIOS
No programa “Diuréticos”, simule experimentos com manitol, furosemida (Lasix®) e
tiazídico (assinalando os círculos correspondentes) e observe os valores obtidos para as
taxas de excreção urinária de água, sódio e potássio. Observe ainda o segmento do néfron
onde ocorre o efeito de cada um dos diuréticos estudados. Clique no botão “Ver célula” ,
quando for o caso, para uma representação aniamda do mecanismo celular de ação de cada
diurético, tanto no segmento em que cada um atua como naqueles que se seguem.
1. Qual o diurético mais potente? Por que esse diurético é tão potente? Qual o menos
potente? Por que?
2. Qual o que provoca a maior espoliação de potássio?
3. Há alguma relação entre potência natriurética e espoliação de potássio?
4. Associe furosemida e hiperaldosteronismo (situação comum, já que é frequente o
uso de diuréticos em pacientes com hiperaldosteronismo secundário). O que ocorre à
natriurese? E à caliurese?
5. Associe agora furosemida e amiloride. Qual o efeito observado?
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