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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015
Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ
1
‘Sonhos de Consumo’: uma pesquisa com jovens de duas escolas públicas do
município do Rio de Janeiro.
Caio Bertha Bastos – Instituto de Biologia, UFRJ.
Alessandra Gonçalves Soares – Instituto de Biologia, UFRJ.
Maira Rocha Figueira – Instituto de Biologia, UFRJ.
Thais Lourenço Assumpção – Instituto de Biologia, UFRJ.
Jacqueline Girão Soares de Lima – Faculdade de Educação, UFRJ.
Resumo
Apresentamos resultados parciais de pesquisa sobre consumo juvenil desenvolvida com
alunos de duas escolas públicas do Rio de Janeiro em 2013 e 2014. A partir de uma
oficina realizada com 363 alunos do sexto ao nono anos, buscamos identificar o que
mobiliza os jovens material e simbolicamente. Finalizamos a oficina com as perguntas:
“qual é o seu sonho de consumo”? e “qual é o seu sonho que não envolve consumo”?
As respostas foram tabuladas e organizadas em tabelas. Em relação aos sonhos que não
envolvem consumo, predominaram respostas como “ter uma carreira bem sucedida”,
“fazer coisas boas” e “constituir família”. Dialogando com autores pós-estruturalistas
que discutem educação ambiental, cultura, identidade e consumo, concluímos que ideais
que o senso comum considera abandonados podem emergir ao darmos voz aos
adolescentes, apontando um possível caminho para a construção, na escola, de relações
e valores mais sólidos e duradouros.
Palavras-chave: juventude, consumo, escola.
Abstract
We present partial results of the research about youth and consumption, developed in
two public schools in Rio de Janeiro on 2013 and 2014. The data results were collected
from a workshop performed with students from sixth to ninth grades, and we intended
to identify what mobilizes youth in material and symbolic terms. The workshop was
finished with the questions: “what is your consumption dream” and “what are your
dreams that involve no consumption? Though the results about the consumption dreams
were as expected, topics such as a successful career, happiness and family were
predominant on the not consumption dream section. In dialogue with authors from post
structuralism who discuss environmental education, culture, identity and consumption,
we have concluded that values that common sense considerers abandoned may emerge
when we give voice to teenagers, leading to a possible way of construction of more
solid and long lasting values at school.
Keywords: youth, consumption, school.
Introdução Na sociedade de consumidores, as pessoas são ao mesmo tempo, consumidores e mercadorias (COSTA,
2009:34)
Neste artigo, apresentamos resultados parciais de pesquisa desenvolvida pela
equipe de um subprojeto do “Projeto Fundão Biologia” (Faculdade de Educação e
Instituto de Biologia, UFRJ), que integra atividades de ensino, pesquisa e extensão junto
2
a estudantes universitários, professores e alunos de escolas públicas do estado do Rio de
Janeiro. Somos apoiados pelas Pró-Reitorias de Extensão (PR5) e de Pesquisa (PR2) da
UFRJ, além da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
de Janeiro (FAPERJ).
Dentre os princípios que norteiam nosso trabalho, destaca-se a concepção de
extensão, que não entendemos como “doação” ou “transferência” de conhecimentos da
universidade para a escola, mas como um espaço/tempo de trocas e diálogos entre
saberes e culturas. Nesse sentido, somos todos (bolsistas, público-alvo e coordenadora)
impactados pelas ações que desenvolvemos o que nos leva a, constantemente, rever e
ampliar nossos objetivos, metodologias e referenciais teóricos. Na mesma linha, não
dissociamos pesquisa de extensão, já que o processo de produção das atividades
extensionistas inclui reflexões teórico-metodológicas, coleta e tabulação de dados
(avaliações dos participantes, registros em cadernos de campo, gravação dos encontros),
que passam a compor o corpus de nossa investigação sobre educação ambiental nos
contextos escolares, articulada a um grupo de pesquisa da Faculdade de Educação.
Nos cinco anos de existência do projeto, produzimos oficinas e cursos
abordando questões centrais da educação ambiental como consumo, sustentabilidade,
agricultura e alimentação nas perspectivas crítica e pós-crítica, cujos resultados têm sido
divulgados em encontros de pesquisa e ensino de Ciências e em um congresso
internacional de educação. Atingimos, principalmente, professores e professoras, mas,
desde 2013, temos encarado o desafio de produzir atividades voltadas para estudantes
da escola básica. Uma delas é a oficina “Sonhos de Consumo”, desenvolvida, até o
momento, com alunos de duas escolas públicas do município do Rio de Janeiro.
Buscamos oferecer uma reflexão que contribua para problematizar a relação entre
juventude e consumo - socialmente estigmatizada na escola e fora dela.
Essa é uma questão que tem nos mobilizado enquanto pesquisadores do campo
da educação ambiental que atuamos diretamente na escola em atividades de ensino,
pesquisa e extensão. Em nosso contato com professores, professoras e licenciandos/as,1
percebemos que predominam visões do senso comum a respeito do consumo juvenil.
Queixas como “os alunos desprezam os cadernos e mochilas que a prefeitura fornece”,
“eles tem celulares e tênis caros, mas chegam com fome na escola”, “recusam a
merenda para se alimentar de porcaria” e outras nos causam grande inquietação, pois, se
somos solidários aos docentes em sua tarefa cotidiana de conquistar os alunos para os
estudos, “competindo” com redes sociais e os apelos de consumo, não podemos nos
furtar a criar estratégias que problematizem esses discursos que, no nosso entender,
geram muitos conflitos e não acenam com alternativas para o problema.
Orientados pelas perguntas: i) como educar num mundo em rápida
transformação e em constante processo de desmantelamento/recriação? ii) existem
diferenças geracionais significativas em relação ao desejo de consumir? iii) o que
produz nos jovens o desinteresse pela escola e o interesse pelo consumo? iv) qual é o
papel e a responsabilidade da escola no combate ao consumismo juvenil? v) qual é a
fronteira entre a necessidade e o desejo? desenvolvemos essa pesquisa que, como
afirmamos anteriormente, está em andamento.
Não nos propomos a apresentar respostas definitivas às perguntas acima listadas,
mas, antes, a utilizá-las como ‘ferramentas de busca’ para adentrar nessa complexa e
1A última autora trabalha na formação de professores supervisionando estágios curriculares.
3
recente discussão. Para tanto, coletamos dados que, estimulados pelos diálogos com
autores que estudam juventude, cultura, identidade e consumo possam nos ajudar a
entender e problematizar de forma propositiva a relação dos jovens com o consumo.
Acreditamos ser esse o primeiro passo para pensarmos, juntos a professores e
professoras, estratégias de superação dessa realidade.
A primeira oficina foi realizada em 2013 com turmas de oitavo e nono anos,
atividade final de um projeto em uma escola atingida por um edital de Auxílio às
Escolas Públicas do Estado do Rio de Janeiro. Nosso intuito foi ampliar e dinamizar a
utilização do laboratório da escola, transformado em sala ambiente para o ensino de
Ciências e outras disciplinas articuladas à Educação Ambiental. Localizada no bairro da
Lapa, a escola Rio Branco 2 atende a cerca de mil alunos dos bairros do Centro, Santa
Tereza, Bairro de Fátima, Catumbi e Estácio e é tida como uma boa escola devido a
suas boas instalações e corpo docente e discente.
A segunda ação foi realizada em 2014 com turmas de sexto, sétimo, oitavo e
nono anos da Escola Alemanha, localizada no bairro de Olaria, zona norte. Nesta
ocasião, fomos convidados por uma professora do Projeto Fundão (que coordenou nesta
escola um projeto de formação continuada) a ministrar uma oficina para os alunos. É
importante mencionar que a escola é um Centro de Educação Ambiental (CEA), criado
em 2007, cujo trabalho é alvo de outra pesquisa desenvolvida por um dos bolsistas do
grupo. A Escola Alemanha, assim como a Rio Branco, é uma escola bem conceituada
na rede municipal e, à época em que a oficina foi ministrada, era um “Ginásio
Experimental Carioca do Samba” (escola de tempo integral).
Nas próximas seções, apresentamos uma discussão sobre consumo e pedagogias
culturais, os contextos em que as oficinas foram desenvolvidas, os resultados obtidos e
nossas considerações e reflexões a respeito da estimulante temática da relação da
juventude com o consumo, a partir desta experiência.
Consumo e juventude
Costa (2009) defende que, “o consumo é o centro organizador da ordem social,
política, econômica e cultural do presente, e todos nós somos educados para e por ele”.
Conhecidas como pedagogias culturais, os meios que dominam a cultura atuam
pedagogicamente, produzindo saberes, identidades, crenças e visões de mundo
(LARCEN, 2013), podendo o consumo ser considerado um importante artefato
pedagógico, atuando dentro e fora dos muros das escolas. Nesse cenário, a educação se
configura como um importante campo no qual são acionadas as práticas e
racionalidades que reforçam a lógica neoliberal, tornando a questão da educação para o
consumo um tema importante (GERZSON, 2009).
Como destaca Bauman (2005:73). “o desenvolvimento das habilidades de
consumidor talvez seja o único exemplo bem sucedido da tal ‘educação continuada’
(...). As instituições responsáveis pela ‘educação vitalícia do consumidor’ são
incontáveis e ubíquas”. De maneira muito pertinente, Flor (2009) usa a metáfora de
teias para abordar as pedagogias culturais midiáticas conduzidas ao consumo com a
finalidade de capturar as crianças: “Uma vez capturadas, elas ficam fascinadas pelo
mundo em que são introduzidas e movimentam-se freneticamente nele. A cada
movimento, enleiam-se mais e mais nas tramas da teia” (p. 153). A eficiência é
2Os nomes das escolas são fictícios.
4
garantida, visto que as pedagogias culturais ensinam mobilizando o prazer, formando
consumidores insaciáveis e incansáveis. Em seu estudo sobre juventude, consumo e as
novas configurações identitárias, Oliveira (2007) defende que:
(...) assistimos hoje ao estabelecimento de uma subjetividade na qual o
compromisso com o bem comum se vê destituído cada vez mais de
sentido. A moral do consumo, ao nos convidar à substituição voraz
dos objetos adquiridos, roupas, automóveis, eletrodomésticos,
simultaneamente acaba por incorporar ao modus vivendi dos cidadãos
uma atitude de despreocupação para com o patrimônio cultural da
humanidade, para com os saberes adquiridos e recebidos através das
gerações, como se tudo o que nos chegasse pudesse ser jogado fora e
substituído imediatamente (p. 7).
Ainda segundo esse autor, estar na moda, possuir tênis e/ou roupas de marca e se
relacionar com jovens que frequentam os melhores lugares se torna uma necessidade de
sobrevivência e de pertencimento nos corredores das instituições escolares. Não atingir
minimamente esses objetivos gera enorme angústia e ostracismo social entre jovens. É
assim que ser um “bom aluno” e receber o apreço dos professores por ser cumpridor das
tarefas escolares já não basta, pois não agrega valor social na cultura jovem de nossos
dias. É possível, até, ser mal visto pelos professores, mas, dependendo de fatores como
aparência física e posse de objetos de consumo valorizados pela cultura teen, gozar de
um status privilegiado perante os colegas. Os jovens não querem pertencer ao grupo dos
novos impuros da pós- modernidade, aqueles afastado da moral do consumo e do prazer
(BAUMAN, 1998, apud OLIVEIRA, 2007).
Outros aspectos que contribuem para essa construção identitária em torno do
consumo é a incerteza diante do futuro e a progressiva desregulamentação das
instituições sociais. “No meio desta tormenta e, sem mais o auxílio tranquilizador das
velhas gerações, se encontra a juventude - a prescindir, sem dúvida, da segurança de
adultos comprometidos com um mundo a ser preservado (ARENDT,1992, apud
OLIVEIRA, 2007:9). Trazemos para esse debate a perspectiva de Lindstrom (2009),
para quem a inconstância, a imprevisibilidade e a rapidez em que vivemos atualmente
geram uma busca por consumir marcas que nos proporcionam estabilidade e a sensação
de conforto e participação. “Crianças com dificuldade para se entrosar na escola se
tornam muito mais propensas a se preocupar com coleções. O ato de colecionar algo dá
às crianças uma sensação de domínio, completude e controle.” (p. 95) e obsessões por
marcas podem começar na infância e adolescência.
Também central a essa discussão é a diferença entre consumo e consumismo.
Como nos fala Costa (2009: 34), ancorada em Bauman: “O consumismo surge quando o
consumo assume o papel central ocupado pelo trabalho na sociedade de produtores” e
tem seu ponto de virada na “revolução consumista”, em que se passou do consumo ao
consumismo. A epígrafe da introdução deste artigo ressalta a fusão entre consumidores
e mercadorias, característica das sociedades atuais, que tem, como seus maiores reféns,
crianças e jovens. Diante dos desafios colocados à educação na cultura da mídia e do
consumo (título do livro organizado por Marissa Vorraber Costa), essa autora nos
convida a “manter uma relação reflexiva positiva com nosso tempo”, sem tentar ir
contra ele, mas “penetrá-lo interrogativa e cautelosamente” (p. 16), evitando
agressividades, intransigências ou incompreensões, que só agudizam nossas
inseguranças e incertezas. Concordamos com essa posição e julgamos encontrar, nas
5
considerações dos autores com os quais dialogamos, um caminho que nos afaste do
moralismo e do senso comum que engessa os jovens em identidades desqualificadoras,
como “alienados”, “consumistas” ou “egoístas” e não avança no sentido de ajudá-los a
acrescentar às suas construções identitárias valores menos materialistas, mais sólidos e
duradouros.
Metodologia da pesquisa
A oficina “Sonhos de Consumo” foi desenvolvida com turmas de sexto ao nono
anos, totalizando 363 alunos nas duas escolas. Iniciamos com a apresentação dos vídeos
“Volkswagen Perfeito para a sua vida” e “Necessário para sua vida?”, sendo o primeiro,
um comercial da empresa de automóveis Volkswagen no qual um narrador, dono do
carro, se mostra incomodado com os problemas da sociedade de consumo
(obsolescência dos bens, excesso de propagandas, poluição e degradação ambiental),
mas conclui que os mesmos são necessários para a manutenção do seu status quo, em
postura que naturaliza a “sociedade dos consumidores” (BAUMAN, 2008). O segundo
vídeo faz uma problematização do primeiro, acenando com a possibilidade de um
modelo de sociedade no qual bens de consumo e relações sociais sejam mais
duradouros, com mais qualidade de vida, educação e saúde. Em seguida, um debate foi
mediado pelas bolsistas sobre ambos os vídeos, a fim de que os alunos expressassem
sua opinião.
Depois dos vídeos, entregamos aos alunos uma cópia do texto “A roupa da vez”,
de nossa autoria. Contamos a história de uma adolescente que faz acordos com a mãe
para comprar roupas e sapatos que a deixariam atraente para conquistar um garoto e sua
posterior frustração, ao notar que seu desejo não se concretizou. Os jovens foram
convidados a pensar num final para o texto, que está, propositadamente, inacabado. Em
seguida, uma apresentação em power point com as perguntas: “Você se lembra de
alguma coisa que quis muito comprar?; Por que comprar?; Preciso disso?; Você
conseguiu comprar?; Como se sentiu quando comprou?; Você se sente mais feliz
porque conseguiu comprar isso?; Como se sentiu quando não conseguiu comprar?;
Você ainda tem?; Você utilizou?; Ainda utiliza?; Se não é útil para você, acredita que
seja útil para outra pessoa?; Como você se sente agora?”, relacionadas às atividades
anteriores, instigou o debate sobre consumo.
As respostas foram livres e registradas pelos bolsistas. Fechamos a apresentação
com duas perguntas: “Qual é o seu sonho de consumo?” e “Qual é o seu sonho que não
inclui consumo?”, que foram respondidas por escrito, em um cartão entregue aos
alunos. Essas perguntas foram uma tentativa de identificar o que mobiliza os jovens
material e simbolicamente, mas estamos conscientes de que essa separação não é
simples. A tabulação das respostas às duas últimas perguntas encontra-se nas Tabelas 1
e 2.
Resultados e Discussão
Escola Rio Branco
Consumo Respostas Percentual
Eletrônicos 75 29,76%
Imóvel 38 15,08%
6
Produtos Diversos 26 10,32%
Outros 26 10,32%
Viajar 24 9,52%
Automóvel 18 7,14%
Nenhum 13 5,16%
Trabalho / Carreira 11 4,36%
Instrumento Musical 7 2,78%
Dinheiro 6 2,38%
Shows 4 1,59%
Contato com ídolo 3 1,19%
Dono de Loja 1 0,40%
Subtotal 252 100,00%
Tabela 1 (A): Número e percentual das respostas da Escola Rio Branco referentes aos sonhos
de consumo.
Não consumo Respostas Percentual
Trabalho / Carreira 64 26,02%
Coisas Boas 43 17,48%
Viajar 30 12,20%
Outros 23 9,35%
Família 22 8,94%
Nenhum 22 8,93%
Estudos 17 6,91%
Relacionamento 10 4,07%
Dinheiro e Festas 9 3,66%
Contato com ídolo 6 2,44%
Subtotal 246 100,00%
Total 498
Número de Alunos 216
Tabela 1 (B): Número e percentual das respostas da Escola Rio Branco referentes aos sonhos
que não envolvem consumo.
Escola Alemanha
Consumo Respostas Percentual
Eletrônicos 81 44,26%
Imóvel 16 8,74%
Produtos Diversos 15 8,20%
Automóvel 13 7,10%
Dinheiro 12 6,56%
Dono de Loja 11 6,01%
Viajar 9 4,92%
Instrumento Musical 6 3,28%
7
Contato com ídolo 6 3,28%
Shows 4 2,19%
Outros 4 2,19%
Trabalho / Carreira 3 1,64%
Nenhum 3 1,63%
Subtotal 183 100,00%
Tabela 2 (A): Número e percentual das respostas da Escola Alemanha referentes aos sonhos que
envolvem consumo.
Não consumo Respostas Percentual
Trabalho / Carreira 63 31,82%
Coisas Boas 29 14,65%
Família 25 12,63%
Estudos 19 9,60%
Viajar 17 8,59%
Dinheiro e Festas 15 7,58%
Contato com ídolo 12 6,06%
Outros 11 5,55%
Nenhum 5 2,51%
Relacionamento 2 1,01%
Subtotal 198 100,00%
Total 381
Número de Alunos 147
Tabela 2 (B): Número e percentual das respostas da Escola Alemanha referentes aos sonhos que
não envolvem consumo.
Os dados foram agrupados em categorias. As duas grandes classificações,
“Consumo” e “Não Consumo”, foram criadas de acordo com as perguntas da oficina e
não interferimos ou induzimos as respostas dos alunos. Com isso, foi possível
perceber que muitos sonhos foram classificados como pertencentes a ambas as
classificações. As categorias que surgiram nas respostas sobre “Consumo” foram:
“Eletrônicos”, que engloba celulares, tablets, computadores, entre outros; “Automóvel”,
(carros e motocicletas); “Imóvel”, que inclui casas, apartamentos e fazendas, ou apenas
melhorias na atual residência. Em “Shows” estão os desejos de assistir aos seus ídolos e
bandas favoritas tocando ao vivo ou visitar grandes eventos musicais; “Instrumento
Musical” expressa todas as respostas relacionadas, em sua grande maioria, a guitarras
ou baterias. Em “Viajar” há respostas relacionadas a viagens por lazer para dentro ou
fora do país, até desejos de se mudarem permanentemente para outro lugar.
Em “Produtos Diversos” encontramos roupas, acessórios, perfumes, maquiagens
e itens esportivos como skates, bicicletas, etc. A categoria “Contato com o ídolo”
representa os desejos de ver e conhecê-los presencialmente, como por exemplo, “Meet
and Greet” (encontro pago, cujo valor pode variar de 800 a 3 mil reais, que inclui foto
com o artista, mas que pode durar apenas alguns segundos). “Dinheiro” representa todas
as formas diretas do mesmo, com as muitas variações de “ficar rico” ou “ter dinheiro”.
Mesmo o trabalho ou carreira dos sonhos foram classificados por alguns alunos em
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“Consumo”, assim como serem donos de algo, em geral empresas famosas ligadas a
roupas e esportes, como a Nike. Alguns alunos declararam não ter sonhos, com
afirmações como “Não possuo sonhos” e foram incluídos na categoria “Nenhum”.
Na classificação “Não Consumo”, encontramos algumas das categorias
supracitadas, como “Viajar”, “Contato com o ídolo”, “Dinheiro”, “Trabalho/Carreira” e
outras somente destacadas nesta porção. Neste contexto, a categoria “Família” se refere
a casamento, filhos ou algo relacionado aos pais ou parentes próximos, diferente do
grupo “Relacionamento”, que almeja uma pessoa específica para namorar, não
demonstrando intenções de constituir uma família. Apesar de estarem muito ligados,
identificamos diferenças significativas nos objetivos explícitos dos dois grupos.
Em “Estudos” notamos a preocupação de concluir o ensino médio, mudar de
escola ou cursar uma faculdade. Em “Coisas Boas” agrupamos todas as respostas
relacionadas à felicidade, de forma direta, assim como desejos altruístas de ajudar os
mais necessitados ou construir abrigos, entre outros. Em “Outros” foram reunidas
respostas que fugiram um pouco às perguntas, como o desejo que alguém querido viva
para sempre, beleza e outras que se encaixavam exclusivamente na seção de consumo,
como eletrônicos, por exemplo.
Na Escola Municipal Rio Branco, a oficina foi desenvolvida em 2013, como
atividade de inauguração da Sala Ambiente de Educação Ambiental e Ciências –
laboratório de Ciências montado pela nossa equipe durante o projeto apoiado pela
FAPERJ –, que envolveu, ao longo de dois dias inteiros, os alunos da escola, os
professores que davam aulas nestes dias e toda a equipe do projeto. Trabalhamos com
cinco turmas de oitavo ano e quatro turmas de nono ano (um tempo de aula com cada
turma), totalizando 216 alunos e 498 respostas, visto que muitos alunos colocaram mais
de uma resposta para cada pergunta.
As respostas relacionadas a consumo somam 252, dentre celulares e videogames
do momento - reunindo o maior percentual de respostas; 29% -, motos e carros, casas,
viagens, artigos de vestuário, artigos esportivos etc. Por sua vez, 246 respostas traziam
desejos não relacionados ao ato de consumir, como ter uma carreira bem sucedida –
estando em primeiro lugar com 26% das respostas-, fornecer boas condições para a
família, investir nos estudos, ser feliz, fazer coisas boas pelos outros etc.
Na Escola Municipal Alemanha, a oficina foi desenvolvida em 2014, com 147
estudantes do sexto ao nono ano (que não estavam separados por turmas) e toda a
equipe do projeto. Trabalhamos em dois turnos e o fato de não estarem divididos por
turmas, se de um lado tornou a atividade mais difícil em termos de condução do grupo,
de outro enriqueceu o debate. Obtivemos um número de 381 respostas à pesquisa. As
respostas relacionadas a consumo somaram 183, da quais 44% estavam relacionadas a
artigos eletrônicos, seguidas por imóveis e produtos diversos, enquanto as repostas
relacionadas a não consumo totalizaram 198, sendo 31% destas relacionadas ao sonho
de possuir uma carreira bem sucedida, com percentual menor para coisas boas, família e
estudos.
A oficina “sonhos de consumo” será realizada em uma terceira escola do Rio de
Janeiro e a próxima etapa desta pesquisa será a realização de grupos focais com
professores de duas das três escolas3. Tencionamos apresentar os resultados das oficinas
e, a partir destes, problematizar suas visões sobre o consumo adolescente. 3 Não trabalharemos mais com a escola Rio Branco, pois algumas das turmas investigadas já concluíram o
ensino fundamental e não estudam mais na escola.
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Considerações finais
Uma reflexão gerada pela oficina “sonhos de consumo” nas duas escolas é
relativa à dificuldade em distinguir um sonho de consumo de um sonho que não envolve
consumo por parte dos alunos e, por vezes, da própria equipe, demonstrando que, na
sociedade atual, poucas coisas podem ser adquiridas direta ou indiretamente sem
dinheiro. Tal dificuldade também pode ser creditada ao fato de que esta não é uma
questão levantada frequentemente nas escolas e em outros espaços sociais frequentados
pelos adolescentes. No máximo, indagamos e somos indagados sobre o que queremos
ser quando crescermos, mas essa pergunta está direcionada a opções de carreira.
Os resultados apontam para uma pequena diferença percentual entre os sonhos
de consumo das duas escolas: na Rio Branco houve percentual menor de respostas
relacionadas a eletrônicos, o que atribuímos ao fato de, nesta escola, os alunos terem
uma situação financeira em média mais elevada do que na Alemanha, com mais acesso
a eletrônicos. Apesar disso, a ordem das categorias coincidiu nas duas escolas:
eletrônicos, imóveis e carros, ícones da sociedade de consumidores (COSTA, 2009),
com pequenas diferenças percentuais. Tal resultado não causou espano, pois, de acordo
com Momo (2009:205), a sociedade da informação “inscreve a infância nos discursos
que celebram as tecnologias”, exercendo, sobre elas, grande fascínio.
Interessa-nos discutir com mais profundidade as respostas sobre os sonhos que
não envolvem consumo, que nos ajudam a problematizar afirmações de senso comum
sobre o consumismo juvenil. Em ambas as escolas, algumas expressões se repetiram,
como, por exemplo: “felicidade”, “saúde”, “unir, ajudar ou manter uma família”,
“viajar”, “ter um bom trabalho”, “construir um mundo melhor (sem
violência/poluição/doenças)” e “fazer faculdade”. Isso pode ser um indicativo que,
apesar dos apelos da sociedade de consumo sobre os adolescentes, uma boa formação,
trabalho, família e felicidade (ainda) são valores/objetivos perseguidos por eles.
Não é impossível associar esses “sonhos” a uma realização financeira que possa
inseri-los na “sociedade de consumidores”, mas chamou nossa atenção o fato de, nas
duas escolas, terem predominado as categorias “trabalho/carreira”, “coisas boas”,
“viajar” “estudos” e “família” como sonhos que não envolvem consumo. Essas
respostas contrastam com a ideia de que esses são valores abandonados, ou pouco
valorizados pelos jovens, e com a afirmativa de Costa (2009: 25) de que:
(...) perdeu-se, na sociedade do espetáculo, da mídia e do consumo, a
perspectiva de projetar uma vida assentada sobre trabalho prazeroso,
sobre experiências comuns compartilhadas, sobre expectativas
exequíveis a longo prazo, sobre afetos preservados, sobre o equilíbrio
entre razão e sensibilidade.
Também podemos pensar, a partir do debate gerado durante a apresentação das
perguntas, que os jovens podem ter uma percepção crítica a respeito dos próprios
hábitos de consumo, pois não foram poucos os que, ao longo do debate fomentado pela
apresentação de power point (com as perguntas descritas na metodologia deste texto),
relataram terem abandonado ou subutilizado os objetos desejados. Uma minoria de
“consumidores falhos” (BAUMAN, 2008, apud COSTA, 2009) criticou o consumismo,
correndo o risco de sofrer rejeição por parte dos colegas. Muitos, especialmente na
Escola Rio Branco, confessaram que o desejo por celulares, vídeo games e roupas
10
estava mais relacionado à necessidade de aceitação pelos colegas, reconhecendo que
não tinham realmente necessidade ou vontade de adquiri-los. Voltando a Costa (2009),
temos que a construção da identidade de uma juventude considerada “normal” é feita
com grande investimento pela mídia sob medida para consumir tantos produtos quanto
as sociedades capitalistas põem em circulação. Dessa forma, aqueles que não se
encaixam nessa ordem são considerados estranhos, uma ameaça à ordem social
existente.
Esses resultados fortalecem a hipótese de Ignácio (2009), para quem o consumo
atua na função de identificador social, tendo nas crianças e jovens seus principais alvos
devido à busca pela aceitação e, nas escolas, um importante palco onde os alunos
estampam famosas logomarcas em cadernos, mochilas, bonés, tênis, e até nos corpos, na
tentativa de determinar posições e funções sociais.
A pesquisa de Leite (2007) sobre diálogos e diferença adolescente também traz
interessantes contribuições para a discussão que travamos. A pesquisadora buscou
compreender como se dá a regulação do coletivo no ensino fundamental em uma escola
pública do Rio de Janeiro e identificou uma frequente desqualificação da voz
adolescente, fundamentada em uma visão essencialista e negativa dessa faixa etária, que
tendia a comprometer a possibilidade de diálogo intercultural entre os adolescentes e
parte dos adultos. Essa hipótese se justifica pela observação que, dentre os profissionais
que se abriam dialogicamente à diferença adolescente, havia menos problemas de
indisciplina e maior admiração por parte dos alunos. Leite questiona as generalizações
que atribuem o quadro de dificuldades de convivência e comportamento adolescente
enfrentado por muitas escolas na atualidade a uma suposta ruptura cultural por parte das
novas gerações, observando que, entre a bola e o mp3, os adolescentes da escola
investigada optavam por ambos.
Os dados coletados não nos autorizam a fazer afirmações definitivas a respeito
da relação dos adolescentes com o consumo, nem mesmo a questionar, de forma
contundente, o senso comum (tão presente nas escolas) sobre o consumismo juvenil,
mas nos permitem supor que, ao dar voz aos jovens, podemos fazer emergir importantes
questionamentos sobre seus próprios hábitos de consumo. Assim, na contramão dos
muitos apelos a uma vida glamorosa, fútil e em constante mudança, perguntamos, com
Costa (2009:42): “frente ao espetáculo que amplia exponencialmente nossas opções e
convida-nos a desfrutar ‘o que de melhor o mundo tem a oferecer’, como voltar as
costas para essa fórmula que promete amplitude, flexibilidade e liberdade de escolhas?”
A autora defende que identificar e tornar mais explícita a dinâmica dos jogos de poder
que buscam a administração generalizada do cotidiano, discuti-la amplamente em
encontros e espaços educativos, inventando meios para neutraliza-la, é uma boa
estratégia.
Fazemos nossas as palavras de Costa e concluímos com a recomendação que nos
afastemos de visões essencialistas que desencorajam o necessário debate a respeito da
complexa relação da juventude com a sociedade de consumo. No contexto de
acirramento da violência física e simbólica sobre os que não se enquadram em padrões
preestabelecidos de estética consumista, a escola não pode se furtar a criar espaços de
debate e de problematização a respeito da crueldade gerada por essas demandas, ao
invés de reforçar, por omissão ou valorização, a sociedade de consumidores.
Referências
11
BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Trad. Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005.
BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Sobre outdoors ambulantes, ou de como nos
transformamos no que somos. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.) A Educação na
Cultura da Mídia e do Consumo. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.
COSTA, Marisa Vorraber. Educar-se na Sociedade de Consumidores. In: COSTA,
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12
Roteiro e Edição: Joyce Santos
Locução: Gil Cardoso. (https://www.youtube.com/watch?v=9iIEn4XkKkk).
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