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Nem tudo são flores… um ensaio sobre: serendipidade e empreendedorismo em química
Noé Yoitiro Costa Hashimoto
Nem tudo são flores na vida dos
pesquisadores, amiúde, despendem-se
horas e horas de trabalho em busca de
certo resultado que parece fugir de
nossas mãos. Mas, afinal, seria isso
benéfico ou prejudicial?
A história nos mostra - tabela 1 - quemuitas descobertas e invenções foram
feitas devido a conjunção entre o acaso
e a presteza mental de seus autores,
chamado também de serendipidade.
Esse termo – do inglês serendipity ,
cunhado por Sir Horace Walpole (1717
-1797) - se refere a um conto oriental
que narra a história de três príncipes
originários de Serendip (atual Sri
Lanka) que, durante suas viagens,sempre fazem descobertas acidentais,
valendo-se de sua sagacidade, de
coisas que não estavam a procurar [6].
Descobertas Autores AnoAmérica Colombo 1894
Anel Benzênico Kekulé 1895Anestesia Wells 1844Big Bang Penzias e Wilson 1964
Bioeletricidade Galvani 1737-1798Borda Wala Andrews 1995
Borracha vulcanizada Charles Goodyear 1844Corante Mauveína Perkin 1856
Corante Indigo Heumann e Sapper1893 -1897
Dinamite Nobel 1875Fotografia Daguerre 1838
Helicobacter pylori Marshall e Warren1983 -1984
ImplantesOsseointegráveis
Branemark 1960
InsulinaVon Mering e
Minkowski1889
Iodo Courtois 1811Lei da gravidade Newton 1642
Nylon Carothers 1939Oxigênio Priestley eScheele 1774Penicilina Fleming 1928Polietileno Swallow 1935
Princípio deArquimedes
Arquimedes287 – 212
a.C.Raios-X Rontgen 1895
Sucrilhos Irmãos Kellog 1898
Teflon Plunkett 1938Velcro Mestral 1950
Tabela 1. Descobertas serendipticas. Adaptado de [1].
Neste trabalho será apresentado o
papel da serendipidade e do espírito
empreendedor através do exemplo da
molécula de mauveína, um corante
púrpura sintetizado por Perkin em
1856, sendo o primeiro, de muitos,
corantes sintéticos e um marco zero
para indústria química moderna, desdecorantes, perfumes até medicamentos
[4][8].
O Acaso
Em 1856, o, então, jovem William H.
Perkin (18 anos) concentrava seus
esforços na síntese do agente
antimalárico quinina (C20H24N2O2), de
importância estratégica para o Império
Britânico em expansão. Para tanto
pensou em reagir aliltoluidina (C10H13N)
com agente oxidante dicromato de
potássio (K2Cr2O7) numa tentativa de
obter dimerização oxidativa da
aliltoluidina, figura 1. O processo ficou
longe da síntese da quinina e resultou
num precipitado de aspecto
acastanhado e pouco simpático. [2][3].
Contudo, Perkin não desistiu e tentou
novamente a dimerização oxidativa,
dessa vez partindo do disulfato de
anilina obtendo, porém, outra massa
escura, a qual foi tratada com etanol
dando origem a uma bela solução de
cor púrpura muito viva [2][3]. Após a
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realização de alguns testes iniciais
Perkin percebeu o potencial do
pigmento denominando-o de Púrpura
Tiriana, em referência ao corante
púrpura que os romanos obtinham de
um molusco do mediterrâneo.
A cor do dinheiro
Certo, mas qual a importância de um
corante púrpura sintético?
Bem, as cores empregam um papel
fundamental na nossa vida, tem o
poder de mexer com nossos
sentimentos despertando interesses ou
aversões. Não é a toa que os corantese pigmentos são velhos conhecidos da
humanidade [9] e sempre foram alvos
de transações econômicas. Nosso
próprio país só se chama Brasil devido
ao escambo realizado aqui para
extração do Pau-Brasil, árvore nativa
cuja madeira foi utilizada na fabricação
de pigmentos róseos, vermelhos e
amarronzados[7], cores nobres.
Inicialmente, os corantes eram isolados
de compostos naturais existindo até
mesmo plantações para extração das
“cores”. Algumas delas, como dito
acima, eram cores associadas a
nobreza e só poderiam ser usadas por
pessoas muito abastadas algumas
restringindo-se até mesmo a família
real. Na Roma antiga, por exemplo,
somente o Imperador tinha o direito de
utilizar o púrpura. Isso se devia ao fato
de nem sempre as fontes naturais
oferecerem, ao menos em abundância,
todos os pigmentos para tingimento de
tecidos.
Vale comentar que apesar das
discrepâncias entre ingleses e
franceses, estes últimos responsáveis
pela denominação mauveína,
proveniente do “mauve”, quecorrespondia a cor da flor de malva.
Tanto a Rainha Vitória da Inglaterra
quanto a Imperatriz Eugenia da França
pareciam ter uma espécie de
predileção pelo tom [2][3].
Daí, a síntese de um pigmento púrpurapossuía alto valor agregado e Perkin
não demorou para requisitar a patente
(1856) e construir uma pequena
manufatura (1858, inicio das
atividades). Ademais, a iniciativa de
Perkin, em plena revolução industrial,
estimulou e influenciou outra empresas,
a saber: BASF (Badische Anilin-&
Soda-Fabrik ), AGFA
(Aktiengesellschaft für Anilinfabrikation )Bayer e Hoechst, que diversificaram
suas produções para outros segmentos
da indústria química, e.g., perfumaria e
medicamentos. De tal forma, a
descoberta e iniciativa de Perkin
corroborou não apenas para
prosperidade do seu negócio mas sim
para toda indústria química
moderna[2][3].
Hoje em dia existem mais de 8000variedades de corantes sintéticos
orgânicos ou não, responsáveis pela
coloração de carros, roupas, lábios
casas entre outras. E, mesmo assim, a
produção de novos corantes é um
campo de pesquisa muito profícuo em
química [7].
Estrutura da molécula
Perkin já havia enunciado que seu
primeiro corante não era puro e sim
uma mistura de corantes, que chamou
de pseudomauveinas.
Ainda assim, mesmo a despeito da
síntese da mauveína ter sido feita pela
primeira vez a mais de 150 anos, foi
somente em meados dos anos 90 com
emprego de técnicas avançadas de
purificação e análise estrutural queMeth-Cohn & Smith [4] conseguiram
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isolar dois compostos diferentes, a
saber: mauveina-A e mauveina-B. E
somente em 2007, Seixas de Melo e
colaboradores [5] comprovaram a
existência de mais dois compostos,
Mauveina B2 e Mauveina C, tambémpresentes na solução original. Todas as
estruturas das mauveínas podem ser
identificadas na figura 2 abaixo.
Considerações Finais
Através do exemplo de Perkin
tentamos elucidar o processo e o
conceito de serendipidade. Pasteur eHenry concordavam que o processo de
descoberta está ao alcance de todos,
porém nem todos estão ao alcance da
descoberta. Esta decorre muitas vezes
de curiosidade, perseverança, intuição
e, no caso de descobertas
serendipticas, de sorte.
Isto é, as mais incitantes invenções
podem ser feitas por qualquer ummantenha o foco sem deixar de ter a
mente aberta, aqueles que não vêem
uma tentativa “errada” como fracasso,
mas que transformam as “pedras de
tropeço” em degraus de subida.
Bibliografia
1. Consolaro A. Adaptação ao
mundo, avalanche de
informações e a serendipidade
na Odontologia. Rev. Dent.Press Ortodon. Ortop. Facial .
2008, vol.13, n.3, pp. 23-27.
2. de Oliveira A R M e
Szczerbowski D. Quinina: 470
anos de história, controvérsias e
desenvolvimento. Quim. Nova,
2009 , Vol. 32, No. 7, 1971-
1974
3. da Costa A M A. Mauveína, a
cor que mudou o mundo!... Rev.Soc. Port. Quím. 2007, 105
Abr|Jun, 31-35.
4. Meth-Cohn O. e Smith M. What
did W. H. Perkin actually make
when he oxidised aniline to
obtain mauveine? J. Chem.
Soc., Perkin Trans. 1, 1994, 5 –
7.
5. Seixas de Melo J., Takato S.,
Sousa M., Melo M. J. e Parola
A. J. Revisiting Perkin's dye(s):
the spectroscopy and
photophysics of two new
mauveine compounds (B2 and
C)Chem. Commun., 2007, 2624
– 2626.
6. Vale N B do; Delfino J e Vale,
L F B do. A serendipidade na
medicina e na anestesiologia.
Rev. Bras. Anestesiol. 2005,
vol.55, n.2, pp. 224-249.
7. http://www.qmc.ufsc.br/qmcweb/artigos/dye/corantes.html,acessado em 11/12/09.
8. http://www.ch.ic.ac.uk/motm/per
kin.html, acessado em 11/12/09.
9. http://www.straw.com/sig/dyehis
t.html, acessado em 11/12/09.