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UNIVERSIDADE DE COIMBRA
FACULDADE DE DIREITO
CENTRO DE DIREITO DO CONSUMO
Práticas violadoras dos direitos dos consumidores e da
concorrência no atual uso das marcas do distribuidor.
CLAUDIO RIBEIRO PINTO
COIMBRA
Maio/2014
1. Introdução A marca do distribuidor, ou marca branca, denominação mais utilizada em Portugal,
surgiu em meados do Sec. XIX1, na Inglaterra que, com efeito, naquele momento, não
obteve grande expressão no mercado retalista. Na Europa, até a segunda guerra
mundial, as marcas do distribuidor foram desenvolvidas quase exclusivamente por
retalistas alimentares ingleses e franceses2.
Nas últimas décadas observa-se um grande crescimento da quota de mercado das
marcas do distribuidor, que passaram a ser uma opção para o consumidor e importante
fonte de rentabilidade para os retalistas3.
Hoje, podemos ver nos países desenvolvidos um crescimento gradual das marcas do
distribuidor, sendo que, segundo a Private Label Manufectures Association, em
Portugal elas representam 44% do mercado retalista e na Europa a quota está muito
próxima de 35% a 40%4. Esse crescimento se evidencia aos consumidores no momento
em que se dirigem aos estabelecimentos retalistas e se deparam com o imenso número
de produtos que carregam a marca do distribuidor, alem do intenso aliciamento para
aquisição deles, face ao interesse dos distribuidores no crescimento da quota da MDD
no mercado para, ipso facto, aumentarem seus rendimentos.
Ocorre que, os distribuidores, no uso da marca branca, vêm deixando de observar
garantias primárias dos consumidores, como o direito a informação, e adotam medidas
agressivas para a consolidação dessas marcas que resultam na violação a livre
concorrência, uma garantia do mercado e, também, do consumidor.
É comum que os produtos, que tem a marca do distribuidor, não possuam informações
adequadas ao consumidor. Por exemplo, é direito do consumidor que a embalagem
possua informações do produtor, sua identidade, sua sede, para que, assim, possa fazer
uma escolha consciente.
1 KAPFERER, J. N., Strategic Brand Manegement Creating and Sustaining Brand Equity Long Term, 1997, apud., MARIA ZULMIRA BESSA AMORIM NASCIMENTO CUNHA, A Marca de Distribuidor e os comportamentos do Consumidor: A Influência do Preço, da Qualidade e da Promoções nos Hábitos de Compra, Dissertação de Mestrado de Ciências da Comunicação, Universidade Fernando Pessoa, Porto, 2011, p. 4. 2 PACHÉ, G., Private Label Development: The Large Food Retailer With the Supplier’s Opportunism, 2007, apud., MARIA ZULMIRA BESSA AMORIM NASCIMENTO CUNHA, op. cit., p. 5. 3 AILAWADI, et. al., Private-Label Use and Store Loyalty, 2008, apud., MARIA ZULMIRA BESSA AMORIM NASCIMENTO CUNHA, op. cit., p. 1. 4 PLMA, International Private Label Yearbook, disponível em http://www.plmainternational.com/international-private-label-yearbook, consultado em 02 de Abril de 2014.
Em outro ponto, a condução das marcas brancas pelos distribuidores vem se revelando
atentatória a livre concorrência. Isso porque, as marcas do fabricante, ou marcas
premium, ao perderem grande parcela do mercado, viram-se obrigadas a aumentar o
investimento na publicidade de seus produtos que, consequentemente, elevaram os
valores dos produtos, tornando-os menos convidativos na disputa concorrencial . Por
outro lado, as marcas de segunda linha, impossibilitadas economicamente de
concorrerem com as marcas do distribuidor, estão impossibilitadas de ingressar no
mercado que tem forte crescimento das marcas brancas e, do outro lado, a confiança
consolidada das marcas do fornecedor.
As marcas do distribuidor, assim, usam artifícios ardilosos para a monopolização da
fatia de mercado, alinhando-se ao fenômeno que o Prof. Dr. Manuel Nogueria Serens
define como “a monopolização da concorrência”5, que agride a liberdade de escolha
dos consumidores.
2. Marca
5 Nesse ponto, podemos considerar que o uso das marcas do distribuidor vem se alinhando com a teoria do Prof. Dr. Manuel C. N. Serens quando, em sua obra, o autor trata a tutela das marcas como meio de garantia da monopolização da concorrência, tornando lícita a concorrência desleal. Em mesmo sentido, contudo em efeito oposto, está o atual uso das marcas do distribuidor, que propõe a desvinculação da marca para obtenção de melhor custo-benefício e a garantia da livre escolha do consumidor. Entretanto, ao nosso ver, a real intenção dos distribuidores é, de forma desleal, alcançar a dominação do mercado limitando a escolha do consumidor e enfraquecendo o produtor. Portanto, ainda que os distribuidores se pautem no fundamento da tutela da concorrência, o que se busca é a dominação do mercado e, ipso facto¸ a monopolização da concorrência. Nesse sentido podemos citar “a generalização do uso da marca e, consequentemente, a generalização da sua tutela, decorre(ra)m da monopolização da concorrência; (…) o mesmo acontece(u) relativamente à disciplina da concorrência desleal. (…) ambas as disciplinas, ou seja, a disciplina da marca e da concorrência desleal, que começa(ra)m por ser efeitos da monopolização da concorrência, logo se torna(va)m causas desta.” SERENS, Manuel N. C.: A Monopolização da Concorrência e a (Re-) Emergência da Tutela da Marca, Almedina, 2007, p. 1144 Ainda nesse sentido, afirma o autor, “o âmbito da disciplina da concorrência desleal alarga[-se] quando se reduz o âmbito da defesa da liberdade de concorrência.” SERENS, Manuel N. C., op. cit., p. 398. Ainda nesse sentido, sob análise do mascaramento da monopolização da concorrência e a livre escolha do consumidor, afirma Zigmunt Bauman: “... a passagem da sociedade de produtores para a de consumidores, em geral é apresentado como um processo gradual, a ser finalmente completado, de emancipação dos indivíduos das condições originais de “não-escolha” e depois de “escolha limitada”, de cenários estabelecidos e rotinas obrigatórias, de vínculos inegociáveis, preordenados e prescritos, e de padrões comportamentais compulsórisos, ou pelo menos inquestionáveis. Em suma, essa passagem é apresentada como outro salto, possivelmente o salto conclusivo, do mundo das restrições e da falta de liberdade para a autonomia e autodomínio individuais. Com muita frequência, essa passagem é retratada como o triunfo final do direito do indivíduo à auto-afirmação, entendido como soberania indivisível do sujeito livre de responsabilidades – uma soberania que tende, por sua vez, a ser interpretada como o direito do indivíduo à livre escolha.” Bauman, Zigmunt, Vida para Consumo: A transformação das Pessoas em Mercadoria, Ed. Zahar, 2008, p. 81.
Em análise anterior a definição de marca6, impende analisar que marca é um sinal
distintivo, e, como os demais sinais distintivos, tem por função a identificação e
individualização do produto pelo consumidor7, garantindo, assim, a existência da
concorrência.
A marca como sinal distintivo pode ser definida como “meios fonéticos ou visuais, em
particular palavras ou imagens, que são utilizados os, na vida económica e social,
para a individualização do empresário ou do estabelecimento comercial, assim como
dos produtos ou serviços que eles fornecem, com o objectivo de os distinguir e de
permitir ao público identifica-los”8.
Assim, qualquer meio que possa ser representado graficamente, capaz de distinguir
uma empresa, é marca. Entretanto, as sensações aromáticas ou gustativas, por exemplo,
de uma determinada empresa, não podem ser registrada como marca9.
É importante destacar que a marca deve ter a capacidade de simbolizar e a capacidade
de indicar uma origem específica para que não haja qualquer confusão pelo destinatário
do produto, o consumidor.
Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor brasileiro, a lei. 8.078/90, no seu
art. 4º, VI, coíbe o uso de qualquer signo distintivo que possa causar prejuízo ao
consumidor10, demonstrando, claramente, a necessidade de proteção dos consumidores
no uso dos sinais distintivos pelos fabricantes, ou distribuidores, que os possam induzir
a erro ou, de qualquer forma, tumultuar a sua liberdade de escolha11.
6 Quando utilizamos a expressão marca, entenda-se marca de empresa, excluindo as marcas coletivas de associação ou certificação. No presente estudo, sempre que utilizado o vocábulo, estará nesse sentido. 7 Numa sociedade de consumo massificada a marca deve possibilitar ao consumidor uma escolha racional e, assim, a marca integra um dos elementos de informação ao consumidor. 8 ALMEIDA, Alberto Ribeiro de, Denominação de Origem e Marca, 1999, apud., HUGO DANIEL LANÇA SILVA, A função Publicitária da Marca de Empresa no Direito Português, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídicas, Verbo Jurídico, 2009, p. 11. 9 Alguns doutrinadores, ainda que de forma minoritária, sustentam que a recusa de registro dessas marcas não deve ser peremptória. 10 O art. 4º, VI, da lei 8.078/90, O Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, aduz: “Art. 4° A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios : [...]VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;” 11 A Lei de Defesa do Consumidor, Lei 24/96, de 31-07, no art. 9º, protege os interesses econômicos do consumidor, dentre eles, no número 9 desse art., a liberdade de escolha, com o texto: “Incumbe ao Governo adoptar medidas tendentes a prevenir a lesão dos interesses dos consumidores no domínio dos métodos de venda que prejudiquem a avaliação consciente das cláusulas apostas em contratos singulares e a formação livre, esclarecida e ponderada da decisão de se vincularem.”
Por exemplo, é atentatória a liberdade de escolha do consumidor o rótulo de um
produto possua sinais distintivos, ou características gerais, quase que idênticas ao de
uma marca já consolidada no mercado, buscando induzi-lo em erro.
Os sinais distintivos devem ser claros, bem identificáveis, para que no momento da
escolha o consumidor possa distingui-lo dos demais produtos e exerça, sem
perturbação, a livre escolha.
Nesse ponto, podemos adiantar que a marca do distribuidor é incapaz de simbolizar um
determinado produto e, também, não pode indicar uma origem específica, uma vez que
o distribuidor não participa da cadeia de produção e, portanto, não fabrica nem
manuseia o produto e, em vários casos, utiliza-se de representações gráficas de marcas
já consolidadas para atrair o consumidor.
Buscando garantir a ampla informação aos consumidores o art. 8º, 2 da Lei 24/9612,
impõe a todos os participantes da cadeia de produção o dever de informar, para que
cada elo do ciclo produção-consumo esteja habilitado a prestar informações ao
destinatário final da cadeia, que é o consumidor.13
Contudo, ao nosso sentir, a marca do distribuidor não se alinha com o dever de
informar estabelecido no diploma supramencionado, uma vez que o distribuidor usurpa
o dever de informar dos participantes da cadeia de produção, sendo ele o único a
prestar informações ao consumidor, mesmo sem ter capacidade técnica específica para
tanto.
Como sinal distintivo, que individualiza e identifica um produto ou serviço, a marca
deve observar alguns princípios, dentre os quais merecem destaque, no problema ora
apresentado, o princípio da capacidade distintiva e o princípio da veracidade.
2.1 O princípio da capacidade distintiva
Nesse mesmo sentindo, protegendo a liberdade de escolha do consumidor, o Dec. Lei 57/2008, de 26-03, que versa sobre práticas comerciais desleais, no art. 3º, alínea e, define: “«Distorcer substancialmente o comportamento económico dos consumidores» a realização de uma prática comercial que prejudique sensivelmente a aptidão do consumidor para tomar uma decisão esclarecida, conduzindo -o, por conseguinte, a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo;” 12 A Lei de Defesa do Consumidor foi aprovada pela Lei 24/96 de 31-07, tendo, contudo, sofrido diversas alterações. Todas as menções a artigos sem mais indicações devem ser entendidas como referentes a este diploma legal. 13 O art. 8º, nº 2, da lei de defesa do consumidor, que aduz sobre o Direito a informação em particular dos consumidores, tem o seguinte texto: “A obrigação de informar impende também sobre o produtor, o fabricante, o importador, o distribuidor, o embalador e o armazenista, por forma que cada elo do ciclo produção consumo possa encontrar-se habilitado a cumprir a sua obrigação de informar o elo imediato até ao consumidor, destinatário final da informação.”
Um requisito para registro de uma marca é que ela tenha aptidão distintiva. Ou seja, a
marca pressupõe uma capacidade diferenciadora, sendo essa a essência da marca14.
Assim, um signo que não possua essa capacidade foge a sua essencialidade e não deve
ser validado.
Privilegiando esse princípio, o art. 223º, nº1, alínea a, do Código da Propriedade
Industrial15, consigna que não satisfazem as condições para registro da marca, aquelas
que não possuam qualquer caráter distintivo16.
Por esse princípio se proíbe o uso dos sinais específicos, que determinam ou assinalam
a espécie dos produtos, e, também, os signos genéricos, que tem a função de designar
uma determinada categoria de produtos ou serviços, pelo que se deve qualificar como
sinais indispensáveis na identificação dos bens a que respeitam.
Sob tal perspectiva, uma questão que se impõe, é saber se a marca do distribuidor tem a
aptidão distintiva em relação aos produtos que a carregam. Contudo, a resposta não nos
parece ser afirmativa.
A marca do distribuidor só possui capacidade distintiva perante os demais
distribuidores retalistas. Assim, num produto determinado, a marca do distribuidor é
incapaz de individualizá-lo e torná-lo distinto dos demais, garantindo a livre escolha do
consumidor.
Além disso, o constante uso de representações que remetem a marcas já consolidadas
no mercado, além de induzir o consumidor em erro, viola a lealdade na concorrência
que, como veremos, é, também, uma garantia do consumidor.
2.2 Princípio da verdade
Por esse princípio se proíbem as marcas deceptivas ou enganosas17, ou seja, são aquelas
que induzem o consumidor em erro sobre as características nucleares do produto ou do
serviço18.
14 Assim, HUGO DANIEL LANÇA SILVA, op. cit., p. 22. 15 O Código da Propriedade industrial foi aprovado pelo Dec. Lei 36/03 de 05-03, tendo, contudo, sofrido diversas alterações. Todas as menções a artigos sem mais indicações devem ser entendidas como referentes a este diploma legal. 16 O art. 223, nº1, alínea a, tem o seguinte texto: “1 – Não satisfazem as condições do artigo anterior: a) As marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo;” 17 Diversos autores sustentam que o princípio da verdade privilegia a proteção dos consumidores e não os interesses dos empresários.
Por esse princípio podemos concluir que o uso da marca não poderá induzir o
consumidor em erro quanto a quem, de fato, produz, monta, cria, constrói ou
transforma o produto.
A marca do distribuidor é suceptível de induzir o consumidor em erro e faz acreditar
que quem produziu o produto foi o próprio distribuidor, e atribui à confiança, outrora
adquirida a marca do distribuidor retalista, ao produto de marca branca.
Essa conduta nos parece violadora do art. 5º, nº 1 c/c 3º, alínea e, do Dec. Lei
57/200819, que considera como prática desleal qualquer conduta do fornecedor que
prejudique a aptidão do consumidor de tomar uma decisão esclarecida. 20
A clareza em distinguir quem realmente produziu o produto interfere, diretamente, na
liberdade de escolha do consumidor que, embora tenha adquirido confiança na marca
do distribuidor, pode ter restrições ao consumo de produtos de um determinado
produtor, ou de um determinado lugar.
Um caso que pode exemplificar a possibilidade de restrição do consumidor a um
produtor que fornece a uma determinada marca do distribuidor é o caso da suspeita de
uso de trabalho escravo por um dos produtores da ZARA BRASIL S/A, conforme
noticiado no diário de noticias, de 18 de agosto de 2011: “A subsidiária da Zara no
Brasil está a ser investigada pelo alegado envolvimento em trabalho escravo. A
sua principal fornecedora naquele país, a empresa AHA, detinha várias fábricas
ilegais na região de São Paulo, onde trabalhavam imigrantes bolivianos e
peruanos submetidos a condições semelhantes à escravatura.”21
Nesse caso, com exclusividade de vendas de produtos com a marca do distribuidor, os
consumidores da ZARA BRASIL S/A não foram capazes de distinguir quais produtos
foram fabricados pelo produtor suspeito de uso de trabalho escravo e, assim, não
estavam aptos a refutá-los.
Assim, resta evidente que a confiança do consumidor numa determinada marca engloba
uma gama de critérios subjetivos que devem ser respaldados pela ampla informação a
18 Assim, HUGO DANIEL LANÇA SILVA, op. cit., p. 33. 19 O Dec. Lei 57/2008, de 26-03, transpôs a Directiva 2005/29/CE, e versa sobre práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores. 20 O art. 5º, nº 1, do Dec. Lei 57/2008, traz a seguinte redação: “É desleal qualquer prática comercial desconforme à diligência profissional, que distorça ou seja susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento econômico do consumidor seu destinatário ou que afecte este relativamente a certo bem ou serviço.” Já o texto legal que define a expressão <Distorcer substancialmente o comportamento económico dos consumidores> já foi transcrito anteriormente. 21 DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Escândalo Sobre Trabalho Escravo Atinge Zara no Brasil, disponível em http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=1954028, consultado em 02 de abril de 2014.
esse destinatário, para que o exercício da escolha não possua qualquer indução
clandestina em erro.
Saber quem é o produtor pode ser um critério decisivo de escolha pelo consumidor, e
essa informação não lhe pode ser omitida, ou sucumbida através da marca de um
retalista de grande porte.
3. Marca do distribuidor
Segundo a Private Label manufacturers Association marca do distribuidor abrange
todas as mercadorias vendidas sob marcas próprias de uma loja retalista. Esse rótulo
pode ser o nome da própria cadeia ou um nome de marca criada exclusivamente pelo
retalista para suas lojas. Em alguns casos, uma loja pode pertencer a um grupo de
compra por atacado que possui marcas que estão disponíveis para os membros do
grupo.22
A marca do distribuidor surgiu na Inglaterra e, lá, foi denominada store brands. Já em
portugal a designação técnica para store brands é marca do distribuidor. Entretanto,
usualmente é mais utilizada entre os consumidores portugueses a denominação marca
branca.
3.1 Evolução Histórica da Marca do distribuidor
Embora o grande crescimento das marcas do distribuidor nas últimas décadas, a criação
delas não é recente. A primeira marca do distribuidor surge no ano de 1869, criada pelo
retalista alimentar inglês Sainsbury.23
Na Europa, até a II Guerra Mundial, as marcas dos distribuidores foram desenvolvidas
quase que exclusivamente por retalistas franceses e ingleses.
Assim as marcas do distribuidor foram evoluindo no mercado europeu, com diversas
delas que ganhanram grande notoriedade como a Tesco, Albert Heijn, Carrefou, alem
de outras.
22 PLMA, Store Brands Growing Across All Channels, disponível em http://www.plma.com/storeBrands/sbt13.html, consultado em 04 de abril de 2014. 23 KAPFERER, J. N., Strategic Brand Manegement Creating and Sustaining Brand Equity Long Term, 1997, apud., MARIA ZULMIRA BESSA AMORIM NASCIMENTO CUNHA, op. cit., p. 4.
Em Portugal, a Companhia Portuguesa de Hipermercados S.A, detentora dos
Hipermercados Jumbo e dos Supermercados Pão de Açúcar, lançou seu primeiro artigo
com marca do distribuidor em 198424.Em 1990 entra no mercado os produtos com
marca do distribuidor relativa a insígnia do Minipreço e Intermaché sendo que, um ano
depois, é a vez dos Hipermercados Modelo e Continente, seguidos pelo grupo Jerónimo
Martins detentores dos Hipermercados Feira Nova e Pingo Doce25.
Hoje, as marcas do distribuidor já possuem grande fatia do mercado europeu e
português. O crescimento e investimento nesses produtos é tão grande que existem
diversos produtos diretamente associados a marca do seu distribuidor.
Além disso, algumas redes retalistas são identificadas pelos consumidores pelo alto
número de produtos com as marcas brancas.
4. A violção ao direito do consumidor a informação
Em análise empírica, na condição de consumidor, podemos observar que os produtos
com marcas do distribuidor não trazem informações suficientes sobre a identidade do
real produtor.
Muitas vezes, o consumidor médio é conduzido a pensar que o produto foi fabricado
pela própria rede retalista, e transfere a confiança que tem no distribuidor para o
produto que está a ser ofertado.
Esssa confiança é totalmente manipulada, visto que o distribuidor não participa da
cadeia de produção-fabrico e, portanto, não pode garantir a qualidade do produto
oferecido. O distribuidor recebe um produto pronto e acabado e atribui sua marca a ele.
No mercado de vestuário é comun encontrarmos redes retalistas que vendem cem por
cento dos seus produtos com marca do distribuidor. Nesses casos, como não há
qualquer informação ou indício sobre o fabricante, os consumidores são elevados a
nível da quase certeza que quem fabrica a peça é o distribuidor.
Assim, tambem, em redes de produtos alimentícios os consumidores são induzidos a
acreditar que os produtos que carregam as marcas dos supermercados são por ele
produzidos.
24 CACHINO, H., Comércio Retalhista Português, Pós-Modernidade, Consumidores e Espaço, 2001, apud., MARIA ZULMIRA BESSA AMORIM NASCIMENTO CUNHA, op. cit., p. 5. 25 Idem
Dessa forma, a liberdade de escolha do consumidor é alterada substancialmente.
Vejamos o caso da ZARA DO BRASIL S.A, acima citado: Os consumidores dessa
rede retalista não tem acesso a informações sobre os fornecedores e, portanto, não
podem sequer rejeitar os produtos fabricados pelo produtor suspeito de ultilizar mão de
obra escrava no processo de fabrico.
No mercado de alimentos não é diferente. Os produtos com a marca do distribuidor
ostentam os sinais distintivos do comerciante, contudo, não trazem qualquer indicação
ou informação sobre o fabricante.
O Dec. Lei. 383/89, que versa sobre a responsabilidade do produtor, equipara a
produtor aquele que se apresente como tal no produto apondo seu nome, marca ou
outro sinal distintivo26. Com efeito, responsabilizar o distribuidor pelos possíveis danos
causados ao consumidor não é suficiente. É preciso dar informações para que, baseado
na confiança no produto, o consumidor possa antever os riscos na aquisição do produto
e, assim, tenha contemplada a liberdade de escolha.
É de se observar que a Lei de Defesa do Consumidor determina que a informação
prestada ao consumidor deve ser clara, objetiva e adequada27. Além disso, a lei
consigna, tambem, que o dever de informar é imposto a todos os participantes do ciclo
produção-consumo sendo o produtor, o fabricante, o importador, o distribuidor, o
embalador e o armazenista, cumulativamente. Todos devem prestar informações ao
consumidor.
Os produtos com a marca do distribuidor, ao nosso sentir, não cumprem o dever legal
de informar, nos termos da lei, uma vez que as informações do fabricante são omitidas
e o distribuidor, que não integra o ciclo de fabrico do produto, se encarrega
exclusivamente de prestar informações sobre o produto.
Devemos lembrar, ainda, que a informação é um direito fundamental dos
consumidores, estabelecido no art. 60º da CRP, e tem eleveado poder de proteção ao
consumidor.
26 Assim, define o art. 2º, nº 1, do Dec. Lei 383/89, sendo produtor: “Produtor é o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima, e ainda quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo.” 27 Dessa forma, impõe o art. 8º, nº 1, da Lei de Defesa do Consumidor: “O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações como na fase de celebração de um contrato, informar de forma clara, objetiva e adequada o consumidor, nomeadamente sobre características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico e consequências do não pagamento do preço do bem ou serviço.”
A norma constitucional, bem como a lei de proteção do consumidor, visam a defesa da
liberdade de contratar, da liberdade de escolha do parceiro contratual, para que o
consumidor possa escolher o parceiro que melhor lhe convier28.
Conforme afirma, sugestivamente, Nicole L’Hereux “na sociedade de consumo o
consumidor é geralmente mal informado. Ele não está habilitado a conhecer a
qualidade do bem ofertado no mercado, nem a obter, por seus próprios meios, as
informações exatas e essenciais. Sem uma informação útil e completa, o consumidor
não pode fazer uma escolha livre.”29
Assim, a vontade do consumidor, no momento da escolha do produto, deve ser
informada e qualificada. Sobre esse tema, merece transcrição a jurisprudência
brasileira: “O direito a informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha
consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam
de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consetimento
informado ou vontade qualificada.”30
5. A livre concorrência como garantia do consumidor
As políticas de defesa da concorrência e de defesa do consumidor trazem benefícios
mútuos e devem ser tratadas e executadas de modo harmônico31. A repressão ao abuso
do poder econômico e a defesa dos consumidores são princípios basilares da ordem
económica. Ambas as políticas visam, embora por vias distintas, o bem estar do
consumidor e a proteção ao seu direito de escolha. Assim sendo, podemos dizer que o
objeto central da política de proteção a concorrência é o controle do mercardo e o bem
estar do consumidor32.
28 Assim, Antônio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa, Manual de Direito do Consumidor, 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 72. 29 Nicole L’Hereux, Droit de la consommation, apud., Antônio Herman V. Benjamin, Claudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa, op. cit., p. 246. 30 Superior Tribunal de Justiça do Brasil (REsp 1121275/SP, j. 27.03.2012, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 17.04.2012) 31 Assim, ROBERTO AUGUSTO CASTELLANOS PFEIFER, Defesa da Concorrência e Bem-Estar do Consumidor, dissertação de doutoramento em Ciências Jurídicas, Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2010. 32 Sob análise da relação entre a tutela da concorrência e a tutela do consumidor, aborda Manuel Serens: “defesa de uma dada categoria de sujeitos –os consumidores – que, concebendo-se como colectividade, não raro vêem os seus interesses tomados como interesses da colectividade mesma (interesse geral, também agora). Partindo-se de uma relação de conflito entre a categoria dos empresários (sujeitos activos de quaisquer formas de reclamo) e a categoria dos consumidores (destinatários; sujeitos passivos), a respectiva decisão-solução não se assume como corporativa, antes
Sob tal perspectiva, a Constituição da República Portuguesa, no Capítulo que trata
sobre a organização económica, traz como incumbência prioritária do Estado a
promoção do bem estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas33, não
podendo olvidar dos consumidores, que são sujeitos desfavorecidos na relação jurídica
tratada.
A embricação entre as duas políticas é perfeitamente visível na Lei 19/12, de 08-05,
que trata do regime jurídico da concorrência, quando controla a concentração de
empresas, visando garantir o bem estar dos consumidores e sua liberdade de escolha.
Ao se proibir uma concentração que venha dominar o mercado, se previne o prejuízo
ao consumidor.
Nesse sentido, podemos observar o critério estabelecido pelo art. 41º, nº 1, da lei 19/12,
o qual determina que a análise e controle da concentração empresarial dever preservar e
desenvolver o interesse dos consumidores34. Assim sendo, uma concentração, ainda
que seja económicamente viável, não pode contrariar o interesse dos consumidores.
É bem verdade que a política de defesa da concorrência atua de maneira indireta ou
mediata em favor do consumidor, uma vez que não incide diretamente nas relações de
consumo, não adjudicando direitos35.Contudo, é inquestionável que a política de
concorrência é essencial para a tutela do bem estar do consumidor. Se não houver uma
política de concorrência adequada o consumidor não pode exercer seu direito de
escolha, por falta de opções36.
se pretende anti-corporativa,buscando desse jeito, justificação (económico-democrática).” SERENS, Manuel N. C., op. cit., p. 527. 33 ROBERTO AUGUSTO CASTELLANOS PFEIFER, op. cit. 34 No texto do art. 41º, nº 1, pode-se observar a preocupação do legislador em preservar o interesse dos consumidores na operações de concentração, in verbis: “As operações de concentração, notificadas de acordo com o disposto no artigo 37.º, são apreciadas com o objetivo de determinar os seus efeitos sobre a estrutura da concorrência, tendo em conta a necessidade de preservar e desenvolver, no interesse dos consumidores intermédios e finais, a concorrência efetiva no mercado nacional ou numa parte substancial deste, sem prejuízo do disposto no n.º 5.” Embora a concentração nos pareça completamente contrária a concorrência e, ipso facto, ao interesse dos consumidores, o legislador português consignou expressamente a observância ao interesse dos consumidores na operação. Sob o tema vale a citação de Manuel C. N. Serens, acerca do regime alemão de fusão: “A evolução do regime legal da fusão e a própria orientação jurisprudencial (...) apontavam num sentido bem definido: facilitar as operações de concentração económica, realizadas por essa via. Servindo os interesses de alguns concorrentes, é dizer, de alguns empresários – concretamente, dos empresários de maior dimensão (...) –, essa opção (legislativa e jurisprudencial) não aproveitava (é o mínimo que se pode dizer) à liberdade de concorrência, exactamente porque fomentava a desigualdade entre os concorrentes.” SERENS, Manuel N. C., op. cit., p. 129. 35 ROBERTO AUGUSTO CASTELLANOS PFEIFER, op. cit. 36 Idem
Em França, por exemplo, a lei 2008-3 tem como objeto pour le développement de la
concurrence au service des consommateurs37 (Loi Chatel), demosntrando, claramente,
o papel da concorrência em favor do consumidor.
Outra tutela que demonstra a convergência de interesses da política da concorrência
com a política de defesa do consumidor é a tutela da publicidade. A proibição da
publicidade enganosa, por exemplo, pretende resguardar o direito a informação do
consumidor e, tambem, a lealdade entre concorrentes no uso da publicidade.
Assim sendo, parece inquestionável a legitimidade da intervenção Estatal no poder
económico38, visando diminuir as distorções que prejudiquem os mais fracos. E esse é
o caso da violação a concorrência face ao interesse do consumidor.
“O poder económico se identifica pela capacidade que as empresas tem de influir no
mercado para extrair vantagens, de tal modo a coloca-lás em condição de domínio
sobre os trabalhadores e os consumidores.”39
Daí, portanto, o dever do estado em intervir no mercado, tutelando a livre concorrência,
para promover o bem-estar social e a proteção dos sujeitos em posição de submissão
em face ao poder eoconómico, nomeadamente os consumidores.
Vale citar uma frase que se atribui a Henry Ford: "O consumidor é o elo mais fraco da
economia. E nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais fraco."
Sob a luz desse pensamento, podemos dizer que toda política que vise a proteção do
mercado tem por fim, também, a proteção do consumidor.
5.1 Evolução histórica da concorrência
Desde a civilização grega já há menções a princípios económicos e organizações
equivalentes ao monopólio. Aristóteles, em sua obra “Política”, faz referência a oferta e
a procura, que interferem na formação do preço40.
37 A tradução livre pode ser: "para o desenvolvimento da concorrência em benefício dos consumidores". 38 Essa prerrogativa Estatal está consignada na Constituição da República Portuguesa no art. 81º, alínea f. 39 FONSECA, José Júlio Borges da, Direito Antitruste e Regime das Concentrações Empresariais, São Paulo: Atlas, 1997, p.89. 40 ARISTÓTELES, Política, apud., GISELE AMORIM SOTERO PIRES, A Defesa do Consumidor Como Meio de Tutela da Concorrência, disponível em http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10232&revista_caderno=10#_ftn2, consultado em 04 de Abril de 2014.
Nessa civilização surgiu, tambem, surgiu o primeiro caso antitruste relatado na
antiguidade41.
Já no Império Romano, o Estado regulamentou o monpólio à particulares, notadamente
no setor alimentício, que chegou a compreender a totalidade da distribuição de
alimentos42.
Na Idade Média, o monopólio sofre mudanças, passando a se tratar de ragalias
oferecidas pelo Estado à particulares para a expansão comercial e colonial. Nesse
período surgem diversas regras antitruste, que inspiraram princípios positivados nos
atuais sistemas de concorrência43.
Por seguinte, no período colonial, criou-se o sitema das “companhias privilegiadas”,
onde essas companhias detiam o monopólio do comércio das colônias. Nesse período
as nações européias, que participaram da corrida colonial, puderam acumular riquezas
com as taxas de monopólio e impsotos adivindos do comércio dos produtos extraídos
das colônias africanas e latino-americanas, principlamente.
Contudo, no final do Sec. XVI, na Inglaterra surge um movimento contrário aos
monopólios, o que deu início ao antitruste.44
Entretanto, em 1603, a licitude do monopólio foi discutida na Common Law e restou,
finalmente, condenado por três razões: (i) prática potencial de preços de monopólio; (ii)
diminuição potencial da qualidade do produto; e (iii) estabelecimento de barreiras à
entrada de novos agentes econômicos no mercado.45
Nesse momento já podemos observar a sensibilidade com o bem-estar social e o sujeito
que seria posteriormente, apenas em meados do Sec. XIX, denominado consumidor.
Ainda nesse cenário surge a Statue of Monopolies, que veio limitar o estabelecimento
dos monopólios.46
Essa realidade muda radicalmente com a Revolução Industrial, que aprimorou a
produção industrial possibilitando a organização da mão de obra, ampliação do
maquinário, aumento da produção e dos lucros, fortalecendo a classe empresária.
41 CONSIDERA, Cláudio Monteiro, Uma Breve História da Economia Política da Defesa da Concorrência, 2002, disponível em http://www.seae.fazenda.gov.br/central-de-documentos/documentos-de-trabalho/documentos-de-trabalho-2002/documentos-de-trabalho-2002, consultado em 06 de Abril de 2014. 42 Idem 43 Idem 44 Idem 45 Idem 46 Idem
Essa classe passa a almejar a não-intervenção do estado no comércio, querendo, assim,
uma auto-regulção do mercado.
A chegada da Revolução Francesa, que teve início em 1789, vem contemplar o pleito
burguês e, em 1791, é promulgada a lei Le Chapelier, que instaura a nova ordem
económica, garantindo a liberdade da indústria e do comércio.
A partir daí, a concorrência passa a ser vista como elemento essencial para o equilíbrio
do mercado, independente da intervenção do Estado, visando garantir uma competição
justa entre os empresários e beneficiar a toda coletividade.
Mais uma vez a concorrência demonstra clara sensibilidade aos destinatários finais do
comércio, aparecendo como elemento natural para a garantia do bem-estar social.
Malgrado a grande influência das decisões do Common Law, nos Estados Unidos, no
final do Sec. XIX foi editada a Sherman Antitrust Act, que foi um grande marco para as
legislações que tutelam a concorrência por todo mundo.47
Nesse apanhado histórico da tutela concorrência podemos observar que ela jamais se
divorciou dos interesses da coletividade, mormente, dos consumidores. Ambas as
políticas, da concorrência e do consumidor, visam proteger o mercado e vinculam as
autoridades públicas a protegerem os interesses mútuos. Não se pode distanciar a tutela
de defesa do consumidor da tutela da concorrência, vez que sem proteção aos
consumidores ou sem concorrência não há mercado equilibrado.
Embora a premissa, o que se vê no mercado é a busca das empresas para alcançarem a
maior fatia do mercado e, se possível, a totalidade dele. Para tanto, usam artifícios para
ludibriar o sujeito que o sustenta no mercado, o consumidor.
5.2 A violação da livre concorrência no atual uso da marca do distribuidor
Os produtos com a marca do distribuidor surgiram no mercado como uma opção ao
consumidor que, embora não oferecessem a mesma qualidade que os produtos com
marca do fabricante, atraiam pelo preço mais baixo.
Com a recessão económica que eclodiu por diversos países da Europa e da América, no
fim da primeira década do Séc. XXI, os produtos de marca branca se tornaram
especialmente atrativos, uma vez que a qualidade é razoável, e busca melhoria gradual,
e os preços são sensivelmente inferiores em relação aos produtos de marca Premium.
47 Idem
Esse momento económico foi visto como grande oportunidade pelos retalistas para a
ampliação e aprimoramento dos produtos que carregam suas marcas, visto que a fatia
de mercado alcançada, agora, é bem superior, e esses produtos são vistos como grande
expectativa de rentabilidade.
A fórmula parece ser simples; produtos com qualidade aceitável e preços baixos, por
prescindirem de gastos com publicidade e atrações gráficas ou sensoriais para sua
aquisição.
Nesse ponto, podemos citar a promoção publicitária realizada pela rede de
Hipermercados Carrefour, veiculada em Espanha, que emitia a messangem que o
consumidor de produtos com a marca do distribuidor não queria os atributos
fantasiosos prometidos pelo merchandise das marcas do fabricante, eles se
interessavam exclusivamente pelo produto.
E, assim, valendo-se da fragilidade económica mundial, as marcas do distribuidor vão
crescendo gradulamente. Hoje já atingem 44% do mercado retalista português, sendo
que 98% dos consumidores lusitanos admitem consumir produtos de marcas brancas48.
Para ascender ainda mais no mercado os distribuidores adotam medidas agressivas para
promoverem seus produtos. O aliciamento aos consumidores é, a todo momento,
perceptível. Desde os saldos e exposição dos produtos dentro da loja até os informes
publicitários promovidos pelos retalistas.
O mercado retalista é o principal meio para o fornecedor escoar sua produção.
Entretanto, o retalista passa de distribuidor/parceiro do fornecedor a concorrente.
Contudo, essa concorrência nos parece desleal, pois, dentro do estabelecimento o
distribuidor manipula a disposição e o volume dos produtos em favor da sua marca.
É vulgar chegarmos a uma loja de uma rede de supermercados e encontrarmos diversas
espécies, de um mesmo produto, todas carregando a mesma marca, a marca do
distribuidor.
Essa quantidade e diversidade de produtos gera, no consumidor, um sofrimento, pois a
decisão para escolha impõe um trabalhos cognitivo muito intenso num reduzido
intervalo de tempo. Esse fenômeno é chamado de stress da escolha49.
48 PLMA, International Private Label Yearbook, disponível em http://www.plmainternational.com/international-private-label-yearbook, consultado em 02 de Abril de 2014. 49 Em sentido análogo, entretanto mais amplo, Zigmunt Bauman adota a definição de síndrome do consumismo, que ele define: “... a síndrome consumista degradou a duração e elevou a enfermidade. Ela ergue o valor da novidade acima do valor da permanência. Reduziu drasticamente o espaço de tempo que separa não apenas a vontade de sua realização (como muitos
E quando o consumidor é acometido por esse stress da escolha tende a escolher o
produto em maior abundância, ou o que exigir menor esforço. E lá estão os produtos de
marcas brancas, em predominancia aos demais, quando não são únicos.
O momento de escolha do produto pelo consumidor é de grande hostilidade. Nele o
consumidor deve filtrar as informações recebidas pelos instrumentos publicitários,
acrescidas da confiança própia na marca, além de equalizar essas condições com o
preço. Ou seja, um trabalho demasiado profundo em relação ao tempo que o
consumidor dispõe.
Em momentos de crise económica um desses fatores ganha sobressalência aos demais,
o preço. Ele determina a possibilidade, ou não, de aquisição do produto pelo
consumidor. E nesse quesito os produtos de marca branca levam muita vantagem.
A diversidade de espécies de um mesmo produto, com a mesma marca, pode dar ao
consumidor uma equivocada ideia de liberdade de escolha e, portanto, de concorrência.
Contudo, o que revela uma leal concorrência não é a dirversidade de espécies de um
produto com a mesma marca, mas sim o mesmo produto com dirversidade de marcas,
todas expostas em condições similares ao consumidor, para que assim possam exercer
sua escolha conscientemente.
A elevação da quantidade de produtos com a marca branca vem diminuindo, cada vez
mais, a variedade de produtos nas prateleiras dos retalistas e isso, sem dúvida, é uma
desvantagem ao consumidor.
A manipulação para facilitar a aquisição dos produtos de sua marca revela uma
conduta, no mínimo, antiética do distribuidor face a um parceiro comercial, que é o
fornecedor. Como sempre lembrava o Prof. J. J. Calmon de Passos, a ética é a base da
moral e da justiça50, e ética e justiça são pilares imprescindíveis para uma concorrência
leal.
Isso vem tornando o distribuidor um sujeito cada vez mais ativo no ciclo de comércio,
abandonando a figura do comerciante passivo. Contudo, essa dinamica esteja se
tornando severa demais para os fabricantes, para as marcas premiun, e para as marcas
de segunda linha.
observadores, inspirados ou enganados por agências de crédito, já sugeriram), mas o momento de nascimento da vontade do momento de sua morte, assim como a percepção da utilidade e vantagem das posses de sua compreensão como inúteis e precisando de rejeição. [...] A “síndrome consumista” envolve velocidade, excesso e desperdício” Bauman, Zigmunt, op. cit., p. 111. 50 PASSOS, J. J Calmon de, Revisitando o Direito, o Poder, a Justiça e o Processo, Editora Jus Podivm, Salvador, 2012, p. 50.
Aliás, o surgimento de marcas no mercado, na estrutura que conhecemos hoje, está
intimamente ligado a força e ao poder de decisão, em substituição ao consumidor, que
o retalista tinha. Em tempos anteriores os clientes adquiriam uma espécie de produto no
retalista em que criara um vínculo de confiança, independente da marca.
Para possibilitar a ampliação do mercado e da concorrência, a marca surge para
individualizar o produto, tornando-o distinto dos demais, o que possibilita ao
consumidor estabelecer um vínculo de confiança com a marca, fortalecendo a escolha
exercida diretamente pelo consumidor.
Entretanto, o fortalecimento das marcas brancas anda em sentido oposto a essa idéia. O
consumidor volta a limitar sua confiança ao distribuidor, e não mais a marca do
produto, o que o fortalece de maneira perigosa.
O poder dos distribuidores em ditar as ordens no mercado vem se tornando cada vez
mais claro. Podemos citar os saldos promovidos pela cadeia Pingo Doce, em maio de
2012, que alem de tiros e feridos, gerou um grande tulmuto no mercado51. A cadeia
ofertou 50% de desconto nas compras acima de cem euros, praticando, assim, o loss
price leader, ou venda com prejuízo, violando o art. 5º, nº 152, do Dec. Lei 166/13, que
trata sobre a fixação de preços.
Assim, com tamanha fatia do mercado, os retalistas detentores das maiores marcas dos
distribuidores vem cometendo diversas práticas atentatórias a concorrência e,
consequetemente, ao consumidor.
5.3 O esmagamento do produtor português com o crescimento da marca branca
As grandes superfícies retalistas, detentoras das marcas brancas, tem a capacidade de
negociar com produtores nacionais e estrangeiros. Em Portugal, essa relação com os
produtores estrangeiros vem gerando um esmagamento dos preços, reduzindo em
demasia o percentual de lucros do produtor nacional que, em razão da força atual das
marcas brancas, não tem saída e se submetem a imposição desses distribuidores.
51 DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Corrida à promoção dos 50% do Pingo Doce, disponível em http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=3838634, consultado em 07 de abril de 2014. 52 O art. 5º, nº 1, do Dec. Lei 166/2013, de 27-12, tem a seguinte redação: “É proibido oferecer para venda ou vender um bem a uma empresa ou a um consumidor por um preço inferior ao seu preço de compra efetivo, acrescido dos impostos aplicáveis a essa venda e, se for caso disso, dos encargos relacionados com o transporte.”
Os preços baixos praticados no mercado retalista nas marcas brancas, embora pareçam
favoráveis ao consumidor, em longo prazo podem se tornar grandes desestabilizadores
do mercado interno que, consequentemente, afetará o consumidor. Preços muito baixos
nem sempre são favoráveis ao consumidor!
A relação entre produtores e distribuidores, inclusive no que trata do uso da marca
branca, foi alvo de estudo pelo Grupo de Trabalho Grande Distribuição e Produção
Nacional53, que teve por objetivo acompanhar e analisar a relação comercial entre os
setores de produção, transformação, e distribuição da produção nacional, visando
compreender as relações comerciais entre produtores e distribuidores.
Nesse estudo realizado pelos deputados portugueses é evidenciada a insatisfação dos
produtores com as imposições dos distribuidores no que se refere a prazo para
pagamento e preços. Além disso, aos produtores não resta saída senão fornecer
produtos para a colocação das marcas brancas.
É perceptível também a insatisfação dos fornecedores em razão da perda excessiva de
mercado, além de cláusulas abusivas e injustas na discriminação positiva dos produtos
de marca branca.
Por parte das associações de defesa do consumidor há um clamor pelo aumento de
informações ao consumidor sobre a identificação dos produtores, bem como sobre a
segurança do consumidor. Além disso, prezam pela transparência na formação do preço
e na relação produtor/distribuidor.
Dessa forma, podemos observar que o fortalecimento em demasia dos distribuidores
vem trazendo desequilíbrios ao mercado e afetando, também, os consumidores. As
marcas brancas vêm impondo preços e condições de venda ao mercado. Os
fornecedores, e suas marcas, vêm perdendo espaço e seus produtos estão cada vez mais
caros. Este é o cenário claro de uma concorrência desleal.
Nesse estudo é chegada a conclusão que é necessária intervenção legislativa específica
para o controle do uso das marcas brancas, alem de estudo de dados estatísticos para
avaliar o preço e sua evolução ao longo da cadeia do produtor primário até o
fornecedor.
O que podemos concluir é que o esmagamento do produtor nacional gera
enfraquecimento e instabilidade no mercado interno, o que pode gerar graves
consequências ao consumidor português.
53 Considerando o relevante caráter informativo do estudo realizado pela Assembleia da República, o mesmo segue em anexo ao trabalho, ora apresentado.
6. Conclusão
A marca do distribuidor é, sem dúvida, uma opção ao consumidor. Ela aprimora a
liberdade de escolha e possibilita o acesso a produtos com preços mais baixos e
qualidade satisfatória.
Entretanto, o uso das marcas brancas deve observar o direito dos consumidores tanto no
tocante a informação quanto a lealdade concorrencial que, como já expomos, integra a
gama de garantias do consumidor.
É preciso que não só o distribuidor, detentor da marca branca, preste a devida
informação ao consumidor, mas o produtor primário também. O produtor é quem
detém informações técnicas capazes de instruir e informar o consumidor sobre o uso e a
segurança do produto.
Por outro lado, é preciso dar identidade ao produtor para que o consumidor possa
exercer a escolha de forma consciente e qualificada. Os produtos de marca branca
devem trazer todas as informações sobre o produtor para que o consumidor conheça
quem realmente fabricou o produto que ele estar a consumir.
A falta dessa informação induz o consumidor a pensar que o real produtor é o
distribuidor, para atribuir ao produto a confiança que tem na marca do distribuidor
retalista, e, portanto, é induzido a erro.
Da mesma forma, a lei de defesa do consumidor determina que todos os participantes
do ciclo produção-consumo prestem informações ao destinatário final do produto, o
que não acontece nos produtos de marca branca, uma vez que as informações do
produtor são sucumbidas.
Assim, para garantir a permanência dos produtos de marca branca é preciso que esses
tragam todas as informações necessárias ao consumidor, inclusive a identidade do
produtor.
Outro ponto é a concorrência desleal promovida pelo distribuidor em favor de sua
marca. No uso da marca branca o distribuidor deixa de ser parceiro do fabricante de
marca Premium e passa a ser seu concorrente.
Contudo, os distribuidores vêm impondo clausulas desproporcionais e abusivas para
discriminar positivamente os produtos de marca branca e, assim, aumentar sua
rentabilidade.
Os fornecedores, sem outro meio de escoamento da produção, se submetem a tais
cláusulas por falta de opção e, consequentemente, são obrigados a investirem em maior
monta na publicidade de seus produtos, para manterem sua fatia de mercado, e, isso,
gera um aumento do preço desses produtos.
Por outro lado, a imposição de preços e condições de pagamento dados pelos retalistas
aos produtores primários vem causando danos ao mercado nacional e gerando uma
desarmonia entre produtor e distribuidor, que usa de seu poder econômico para
manipular o mercado.
Assim, as condições, elevando a interferência da crise econômica, vão sendo cada vez
mais favoráveis a dominação do mercado pelos produtos de marca branca, o que gera
agravos a liberdade de escolha do consumidor, que deve temer um mercado, ou parte
dele, monopolizado.
Urge uma intervenção legislativa para restabelecer a harmonia entre fornecedores e
distribuidores, regulamentando a comercialização dos produtos de marca branca, e,
assim, resguardar o direito de escolha do consumidor.
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