Post on 07-Dec-2015
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SOBRE A ECONOMIA COMPORTAMENTAL
Por ANA MARIA BIANCHI
Professora Titular do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo desde 1976, onde
ministra as disciplinas de Metodologia Econômica e Sociologia Econômica. No período mais recente
tem se dedicando à história do pensamento econômico, particularmente à obra de Albert
Hirschman, sobre o qual publicou artigos em periódicos nacionais e internacionais. Tem também
realizado pesquisas na área de economia comportamental. Faz parte atualmente da coordenação do
blog Economia Comportamental (www.economiacomportamental.org).
Uma das descobertas mais consagradas da economia comportamental diz
respeito à moldura (framing) das alternativas percebidas pelo tomador de decisão.
A primeira formulação teórica dessa descoberta foi feita em um dos artigos mais
citados da Econometrica, publicado por Daniel Kahneman e Amos Tversky em
1979.
Assim, duas mensagens que contêm a mesma informação, mas são
apresentadas de forma diversa, têm diferentes reflexos na escolha. Essa
constatação inspirou intervenções que, embora simples, mostraram-se efetivas,
quando seu impacto é medido em função de seu custo. Os formuladores de
campanhas de vacinação, por exemplo, apoiaram-se na constatação de que é mais
eficaz dizer à pessoa que, se ela tomar vacina, terá menos chance de contrair
determinada doença, do que dar a mensagem inversa, de que sua probabilidade de
ficar doente aumentará se ela não tomar vacina. À luz das conclusões da pesquisa
experimental, construiu-se um arcabouço melhor para transmitir ao indivíduo
informações que podem levá-lo a adotar medidas vantajosas para sua saúde.
A importância das molduras nas escolhas humanas combina-se com outro
ensinamento da economia comportamental, segundo o qual as pessoas tendem a
responder aos estímulos de maneira automática, sem acionar seu sistema
reflexivo. O relatório 2015 do Banco Mundial ("Mente, sociedade e
comportamento") traz evidências de que estabelecer defaults (escolhas
predeterminadas) é uma boa estratégia na arquitetura de escolha, e pode
constituir uma maneira eficiente de introduzir mudanças de comportamento. Um
exemplo disso provem de pesquisas que comparam as taxas de adesão a
campanhas de doação de órgãos em diferentes países. Constatou-se que os países
onde há mais doadores potenciais são aqueles em que todos os cidadãos são
automaticamente considerados doadores, a menos que manifestem intenção
explícita em sentido contrário. Resultado semelhante inspirou a decisão de fazer
testes de HIV automaticamente para todas as amostras de sangue coletadas em
laboratório. Em ambos os casos, a política adotada tem uma cláusula opt-out, ou
seja, o indivíduo pode rever a decisão de doar sangue,ou recusar-se a ter seu
sangue testado para HIV, se esta for sua preferência manifesta.
No século XXI, a economia comportamental assumiu um papel importante na
economia do desenvolvimento, do ponto de vista da orientação da pesquisa
aplicada e, consequentemente, na sustentação teórica de políticas e programas.
Crítica da teoria ortodoxa, a economia comportamental postula que as falhas na
política de desenvolvimento decorrem de uma visão equivocada sobre o ambiente
em que seus potenciais beneficiários tomam decisões. Experimentos de campo
tornaram-se ferramentas úteis para se pensar em políticas mais efetivas,
formuladas com base em diagnósticos realistas das condições concretas.
O relatório de 2015 do Banco Mundial parte da premissa de que a pobreza
não se resume à simples falta de dinheiro, uma vez que, mais do que representar
uma privação de recursos, ela reduz os graus de liberdade de escolha dos agentes.
A situação de pobreza cria modelos mentais que acarretam para as pessoas
dificuldade de enxergar seu próprio potencial e tirar proveito das oportunidades
eventualmente disponíveis. Elaborado por uma equipe extensa e multidisciplinar,
o relatório inspirou-se na economia comportamental para refletir sobre o processo
de decisão humano, em toda sua complexidade. Ele compila um grande conjunto de
resultados de pesquisas realizadas em muitas partes do mundo, inclusive em
bolsões de pobreza situados nos países desenvolvidos.
A abordagem de capabilities, proposta por Amartya Sen e absorvida pela
economia comportamental, é um dos pilares teóricos dessa nova orientação.
Questiona-se a possibilidade de as pessoas sujeitas a determinados
constrangimentos serem efetivamente livres. A pobreza torna as decisões diárias
difíceis para os indivíduos afetados, pois cria um “imposto” sobre os recursos
mentais que precisam mobilizara cada momento. Essa percepção permite que os
profissionais envolvidos em projetos de desenvolvimento disponham uma base
melhor para sugerir intervenções inovadoras, capazes de levar as pessoas a adotar
uma série de comportamentos funcionais no combate à pobreza: poupar, aderir a
campanhas preventivas na área da saúde, aumentar a produtividade de seu
trabalho, conservar energia, manter seus filhos na escola, colaborar na
manutenção de bens públicos, participar da vida política, e assim por diante.
Outro resultado interessante exposto no relatório do Banco Mundial é o caso
de um campanha de conservação de água em Bogotá. Em 1997, diante do quase
colapso do túnel que abastecia a cidade colombiana, o governo local divulgou um
alerta sobre a gravidade da situação e o risco iminente de desabastecimento. Sua
estratégia de comunicação, porém, teve o efeito contrário ao esperado, resultando
em aumento no consumo de água na população, que se sentiu ameaçada. O
governo decidiu então mudar sua estratégia, concebendo uma campanha de
esclarecimento em três etapas. Na primeira delas, a situação crítica do reservatório
de emergência passou a ser divulgada diariamente na mídia. Na segunda etapa o
governo promoveu campanhas para ensinar aos moradores técnicas mais eficazes
para economizar água. Mobilizou para isso voluntários de diversos segmentos
sociais, inclusive jovens que visitavam pessoalmente as moradias. Finalmente, na
terceira etapa, o governo adotou mecanismos de recompensa e punição, com a
concessão de prêmios às unidades domésticas que conseguiram reduzir
significativamente seu consumo, bem como exposição pública de casos de grandes
desperdícios. O êxito dessa campanha de comunicação é um exemplo concreto de
como intervenções sociais podem fomentar o aprendizado social e estimular
comportamentos cooperativos.
Outro achado importante da economia comportamental é a constatação de
que as escolhas individuais são balizadas por normas, e são afetadas pela presença
de redes sociais. A lógica dessa constatação inspirou programas voltados para o
desenvolvimento comunitário, que têm evidenciado que um maior envolvimento
na comunidade tem impacto positivo sobre a sustentabilidade dos recursos, a
qualidade da infraestrutura e a provisão de serviços de saúde e educação. No
Líbano, um programa destinado a aumentar a frequência da amamentação
materna treinou mulheres que haviam sido bem sucedidas em amamentar seus
filhos para servir como “mães de apoio” na comunidade, fomentando o
aprendizado social.
De forma semelhante, redes sociais podem amplificar os efeitos de uma
campanha de informação, ao incentivarem a adoção de novos produtos e serviços.
Na China, um experimento randomizado mostrou que a propensão dos
agricultores a comprar seguro contra adversidades climáticas crescia
significativamente ao tomarem conhecimento de que algum de seus amigos havia
participado de uma palestra sobre os benefícios desse tipo de seguro.
Vários problemas detectados nas populações pobres foram objeto de estudo
das pesquisas relatadas pelo Banco Mundial: dificuldade de manter crianças na
escola, resistências à vacinação infantil, dificuldade de lidar com recursos
financeiros, falta de acesso a crédito, incapacidade de raciocinar com metas de
longo prazo etc. A tendência a procrastinar, que leva ao desconto hiperbólico do
futuro, é uma constante nos seres humanos, mas tende a acentuar-se em ambientes
de carência e incerteza. Para a economia comportamental, esses problemas
decorrem de constrangimentos institucionais e cognitivos, que compreendem altos
custos de transação, falta de confiança nas instituições, dificuldade de enxergar o
futuro, dificuldade de manter compromissos críveis, bem como molduras que
limitam a percepção de oportunidade se inibem aspirações.
Ao pesquisar a manifestação empírica desses problemas e conceber medidas
destinadas a solucioná-los, a economia comportamental dá uma contribuição
importante para a dimensão aplicada da economia do desenvolvimento,
orientando o desenho e a implementação de políticas mais efetivas.