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HISTÓRIA E DOENÇA: imagens histórico representativas de algumas doenças
antigas e novas e da dislexia na escola.1
José Arnaldo Vieira2
Resumo: As doenças tem sido usadas pela humanidade como forma de explicar determinados acontecimentos, há muito tempo. Muitas vezes criaramse imagens e símbolos em torno delas para justificar acusações de pecados, corrupções, ou injustiças praticadas em uma dada sociedade. Este artigo se propõe a tratar de algumas doenças, como a lepra, a peste negra, a sífilis, o câncer e a AIDS no seu campo representacional, e as decorrentes disso no convívio social do tempo, à luz de historiadores como Jacques Le Goff, Jean Delumeau, Michel Foucault ensaístas como Susan Sontag. Ainda de forma particular, no meio educacional, focando as imagens em torno de um distúrbio de aprendizagem freqüente na escola, e que faz parte do delicado e complexo processo educacional, a dislexia. A discussão deste tema estará ancorado em relatos biográficos e em estudos e pesquisas realizadas por entidades ligadas à análise das dificuldades de aprendizagem e das incompreensões vividas pelos disléxicos. Por fim, será observado como a escola, os educadores e as políticas setoriais, tem participado das discussões concernentes a este tema.
Palavras chaves: História e doença. Educação. Escola. Dislexia.
Abstract: The diseases has been used by mankind as a way to explain certain events, long time. Often they have created images and symbols around them to justify accusations of sin, corruption, or injustice committed in a given society. This article aims to address some diseases such as leprosy, plague, syphilis, cancer and AIDS as a representational field, and due also in social time in the light of historians such as Jacques Le Goff, Jean Delumeau, Michel Foucault and Susan Sontag essayists. Even so particular in the educational environment, focusing on the images around a common learning disabilities in school, and part of the delicate and complex process of education, dyslexia. The discussion of this topic will be anchored in biographical accounts and studies and researches conducted by entities linked to the
1 Trabalho realizado como parte das atividades do programa educacional PDE/2008, sob orientação do prof. MS. Marco Aurélio Monteiro Pereira da UEPG.2 Professor de História da rede pública do Paraná, formado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, especialista em História e Sociedade.
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analysis of learning difficulties and misunderstandings experienced by dyslexics. Finally, it will be observed
as the school, educators and sectoral policies, has participated in discussions concerning to this topic.
Key words: History and disease. Education. School. Dyslexia
CONSIDERAÇÔES INICIAIS
Está produção tem sua origem na percepção e no entendimento da
complexidade inerente que cerca o trabalho cotidiano dos professores na sua tarefa
de participar da formação intelectual, ética e moral de jovens e adolescentes em
idade escolar. O ofício pedagógico no Brasil no ensino básico é marcado entre
outras características pela excessiva carga horária em sala de aula, no caso do
Paraná, são 40 horas semanais, das quais 32 presenciais, em salas com 35 alunos
em média, segundo dados da Secretaria de Educação. Obviamente que tal situação
tende a afastar o professor da possibilidade de pesquisar e até mesmo investir com
qualidade na sua capacitação e formação continuada. Os altos índices de
repetência e a evasão escolar se constituem também num desafio a ser enfrentado
pelos educadores nacionais. Dados publicados em 2007 pelo INEP/MEC, dão conta
que no Paraná 13,8% dos estudantes do ensino fundamental não completaram o
ano escolar, e no ensino médio esse percentual sobe para 22,2%. Em termos
financeiros apurouse que a evasão e repetência causaram no Brasil um prejuízo de
15,1 bilhões de reais aos cofres públicos, no ano de 2007.
Na tentativa de enfrentar as necessidades e limitações presentes no campo
educacional, o Paraná vem desenvolvendo desde 2007 o Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE), que possibilita ao professor, depois de passar
por um processo seletivo, ausentarse por um ano de suas atividades profissionais
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de docência e ao longo deste tempo, desenvolver um projeto de pesquisa
acompanhado de orientação acadêmica, que posteriormente será aplicado na escola
de origem do docente, além outras atividades, que somadas impulsionam a carreira
do professor e buscam dar melhor qualidade ao ensino paranaense, bem como
compreendêlo nas suas diversidades.
Como aluno do programa em 2008, surgiu oportunidade de pesquisar um
objeto, desde que este estivesse vinculado à área de formação profissional do
cursista, neste caso, história. A seguir o projeto deverá ser inserido nas
normatizações do programa PDE: produção de um material didático, uma
intervenção prática na escola e por fim um artigo científico, todas as atividades
vinculadas a um projeto inicial.
As doenças na História, no contexto das representações sociais e mentais
historicamente construídas a cerca de algumas delas, foi a temática escolhida. Para
atender à necessidade de adequação do tema à uma ação efetiva escola, fezse a
opção por direcionar os estudos de um campo mais amplo de doenças
historicamente simbólicas, como a lepra, a peste negra, a sífilis, o câncer e a AIDS
para o universo educacional, onde será analisado o sentindo imagético que cerca a
dislexia e seus portadores, pois esta dificuldade de aprendizagem, mesmo não
sendo tomada como doença é a que mais afeta os estudantes, de acordo com
dados nacionais e internacionais das entidades que pesquisam essa condição, entre
elas, Associação Brasileira de Dislexia (ABD) e o Instituto Karolinska, na Suécia,
entidade ligada à Universidade de Helsinque, na Finlândia, que apontam na
população mundial um número entre 3 e 10% de disléxicos.
A escolha da dislexia e suas representações no meio educacional, respalda
se na experiência cotidiana de 15 anos de contato com as produções textuais dos
estudantes, nos quais em muitos casos, claramente observava se uma dificuldade
de organização das idéias, de como redigilas, e ainda o uso de um vocabulário
demasiado estreito, sinais da presença de um distúrbio de aprendizagem típico dos
disléxicos. Também, da percepção de que mesmo imensamente presente no espaço
escolar e causando sérios transtornos aos seus portadores, a dislexia era totalmente
ausente das exíguas discussões pedagógicas ao longo do ano escolar. Assim, por
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entender que a saúde psíquica dos alunos é um fator que interfere no seu sucesso
ou fracasso escolar e no processo de ensino e aprendizagem, é que julgouse
oportuno dedicar uma investigação sobre este assunto e leválo ao conhecimento de
meus pares, numa perspectiva de melhor compreender e avaliar, considerando não
apenas absorção demonstrativa dos conteúdos, em forma de nota, mas também
atentar para aquilo que está em torno das dificuldades de aprendizagem.
A clareza de que, uma maior cientificidade no trabalho do professor, poderá
enfrentar o abandono escolar, o preconceito gestado em torno dos disléxicos e a
reprovação, indicavam que os grupos que mais poderiam ser tocados pela temática
seriam os professores e professoras do Instituto de Educação de Ponta Grossa e os
formandos e formandas do curso de Formação de Docentes daquela instituição, a
eles e para eles, foi pensado e construído o projeto de pesquisa e as ações que o
seguem. Esta etapa foi cumprida ao longo do primeiro semestre do ano letivo de
2009, sob a forma de encontros dirigidos, na Semana Pedagógica para os
professores e nas aulas de Prática de Ensino de História para os estudantes.
Nítido ficou que esse projeto era inteiramente viável do ponto de vista do
campo historiográfico e de atuação do historiador, graças a todas as inovações e
alargamentos temáticos e de objetos trazidos pela Escola dos Annales (1929),
donde brotaram vertentes que questionaram as “verdades” e mostraram que o ponto
de vista é que é o ponto da questão, com diria o músico/poeta Raul Seixas, na
canção “Que luz é essa?”, gravada em 1978. Junto a isso uma variedade de
historiadores que escrevem e pesquisam as doenças e suas reverberações sociais,
como é o caso de (LE GOFF, 1997), (DELUMEAU, 1989), (NASCIMENTO &
CARVALHO, 2004), e ainda trabalhos publicados por (FOUCAULT, 1978) e
(SONTAG, 1989).
Muito embora essas duas últimas não sejam produções realizadas por
historiadores de ofício, ainda assim são obras de leitura recomendada quando se
deseja mergulhar no universo das doenças e das compreensões que a sociedade
faz das mesmas ao longo do tempo histórico.
Aforante as questões pedagógicas e de cumprimento das normas do
programa PDE, a identidade com a ciência histórica e com a licenciatura agiram
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como potentes motivadores de tal empreitada, pois estava claro que se poderia
contribuir, ainda que singelamente, para que professores e alunos se reconheçam
em suas capacidades e dificuldades, e assim tornar mais justa e coerente as
relações científicas e humanas que os cercam. Pensar, vislumbrar
e promover pequenas ações para que a escola cumpra sua função social
republicana e responda às expectativas nela depositadas pela sociedade, é sempre
um agente influente quando a ação visa canalizar nossas energias em torno de um
projeto. Finalmente, a certeza de obter uma melhor qualificação e ascensão na
carreira profissional, foi mais um elemento nas diversas motivações que levaram à
execução do projeto inicial, que desembocou por fim no artigo presente.
A doença no campo historiográfico
O campo de pesquisa e de interesse pela história das doenças é recente,
porém nos últimos anos tem tido uma importante expansão, em que os historiadores
tem buscado escapar das limitações da História da Medicina, em parte centrada na
biografia de médicos famosos, no progresso enexorável do saber, dos tratamentos e
das práticas médicas ao longo dos tempos. Creditese a isso às novas concepções
do que seja História, que tem como ponto de referência a Escola dos Annales
(1929), e à interligação da ciência histórica com outros ramos do saber como, a
antropologia social e cultural, a literatura, a sociologia médica, a arte, a ecologia,
dentre outras possibilidades de análise criadas por aquele marco referencial.
Os novos estímulos gestados pelo “saber Annaliste”, como diz o historiador
Roy Porter, (PORTER, 1992), renovou o amplo aspecto que circunda a História
Social e suas vertentes, demonstrando que existe, toda uma historicidade nas
doenças que permeiam inúmeros acontecimentos da vida, tanto nas suas
superfícies duras, quanto nas imagens e símbolos edificadas no viver de cada um e
de todos. Charles Rosenberg, citado por (SILVEIRA E NASCIMENTO, 2004), no
artigo “A doença revelando a história. Uma historiografia das doenças”, afirma ele,
um estudioso das três epidemias de cólera ocorridas nos Estados Unidos, nos anos
de 1832, 1849 e 1866 que “a doença é um amálgama que envolve tanto sua
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natureza biológica, como também os sentidos que lhes são atribuídos pelas
sociedades, sendo, por isso, uma construção intelectual complexa”.
No mesmo artigo Allan Brant, que estudou algumas doenças venéreas no
século XIX e início do XX, acredita que as doenças não podem ser examinadas
somente como entidades biológicas, devendo ser vistas como fenômenos mais
amplos, isto é, que envolvem certas atitudes, valores e crenças sociais. Em sua
abordagem, a análise de símbolos e das imagens associadas a uma determinada
doença tem uma importância crucial, pois é por meio delas que podemos determinar
os valores e os padrões de julgamentos que guiam as práticas sociais em
determinadas sociedades. (BRANDT, 1985).
Embora a doença esteja presente nas narrativas dos historiadores desde a origem
da crônica, ela só é tomada como objeto específico muito recentemente.
Um dos estudos pioneiros a respeito das doenças, sob a ótica dos Annales é
escrito em 1972 e publicado em 1976, pelos historiadores Jacques Revel e Jean
Pierre Peter, numa obra dedicada aos novos objetos da História, em que eles se
perguntam. Que sabemos nós sobre a doença? A partir desta questão inicial os dois
passam a mostrar que as doenças, são um fator influente nos arranjos e desarranjos
sociais, tanto por sua natureza biológica, quanto pelos sentidos que a elas são
atribuídos. Eles tecem relações entre o corpo, o médico, o doente, a medicina
popular e os processos e linguagens que os constituem, demonstrando que “nas
palavras e no corpo a doença é uma experiência do limite”, portanto buscar saber
sobre elas é um caminho que ajuda a explicar determinados fenômenos sociais reais
e imaginários, edificados no tecido social. Para muitos intelectuais, os autores ao se
debruçarem sobre o tema das doenças, indo além da mera objetividade do corpo,
preenchem um espaço até então faltante na análise histórica social. Segundo os
autores:
[...]. O acontecimento mórbido pode ser o lugar privilegiado de onde melhor observar a
significação real dos mecanismos administrativos ou das práticas religiosas, as relações entre
os poderes, ou a imagem que uma sociedade faz de si mesma. (REVEL; PETER, 1972. p.
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A partir da década de 70, a expansão da pesquisa histórica no campo das
doenças e de áreas correlatas foi notável. Isso possibilitou que o conhecimento
sobre as doenças, sejam elas, endêmicas, epidêmicas e crônicas, as resultantes
políticas, sociais e ecológicas, advindas das trocas genéticas continentais, os
saberes médicos e populares, maiores compreensões do que venha a ser doença e
seus cuidados, medos e mecanismos sociais de controle, o paciente, todas essas
variáveis passam ser analisadas pelos historiadores das doenças e da saúde,
demonstrando a riqueza do objeto e os múltiplos envolvimentos delas nas mudanças
sociais e mentais pelas quais passam a humanidade. (SILVESTRE; NASCIMENTO,
2004).
Alguns historiadores tomaram as doenças nos seus aspectos sócio políticos,
como foram os casos de Nicolau Sevcenko (1984), e José Murilo de Carvalho
(1987), que estudaram a Revolta da Vacina no Rio de Janeiro no início do século
passado, movimento de contestação social popular originário nas formas dos
governantes e sanitaristas tratarem uma série de doenças que assolavam a
população carioca, como a varíola, a febre amarela, a peste bubônica associado a
um projeto modernizador excludente em curso na capital federal à época. No esteio
da revolta não deixaram de existir os usos políticos da mesma, como a tentativa de
golpe de estado impetrado pela oposição ao presidente Rodrigues Alves, e pesadas
críticas ao então prefeito da cidade capital federal, Pereira Passos. No final, diante
do imenso desgaste político, as forças governamentais tiveram que recuar de sua
intenção inicial de obrigarem a população à vacinação compulsória, bem como
refazer os métodos até então utilizados para proceder o saneamento da então
capital do Brasil.
A doença como “arma biológica” de profundas implicações, foi dissecada por
Willian Mcneill (1976), ao ler os impactos causados por elas nos encontros entre
povos com vivências imunológicas diferentes, como ocorreu no contato entre
europeus e ameríndios no final do século XV a ao longo do XVI, em que as doenças
viróticas infecciosas trazidas pelo estrangeiro, como a gripe, o sarampo e a varíola,
foram determinantes no processo de fixação destes nos territórios dos antigos
moradores da Pachamama, e ao mesmo tempo, causaram milhões de mortes e
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extermínios de vários grupos da população nativa das Américas, que devido ao
isolamento oceânico não possuíam anticorpos para enfrentar este novo e
desconhecido inimigo, que mesmo seus pajés e xamãs invocando os espíritos mais
poderosos, pareciam pouco poder fazer em favor daquele mar de doentes e
moribundos. (MCNEILL, 1976).
Dentre as discussões teóricas que cercam o fato dos homo sapiens terem se
tornado a única espécie humana vivente na atualidade, após competir com os
neanderthais, especulase que é plenamente possível que as trocas viróticas e
bacteriológicas entre ambos e transmutadas em doenças, sejam um dos elementos
que influenciou na extinção destes e na conseqüente supremacia dos sapiens. Afinal
como se tratava do convívio de espécies com vivências micro biológicas diferentes,
os neanderthais não conseguiriam responder aos ataques de seres estranhos ao
seu corpo, ainda que isso tenha acontecido de forma involuntária. Se esta
especulação é parte integrante desta história, a ciência responderá, no entanto uma
coisa é certa, as doenças são participantes ativos nos destinos da humanidade.
O britânico, Peter Burke, um dos já clássicos historiadores da Nova História,
comentando em sua coluna mensal em um jornal de circulação nacional no dia 03
de maio de 2009, a respeito da “gripe suína”, também chamada de Influenza A, uma
epidemia que nos primeiros meses de 2009 causou temor e preocupações em
grande parte do mundo, levando a fechamento de escolas, interrupção das aulas, ao
sumiço de álcool gel e das máscaras das prateleiras das farmácias, bem como a
milhares de mortos por toda a parte. Afirma ele que uma das desvantagens da
globalização é que ela ajuda as doenças a se espalhar mais rápido hoje que no
passado, tornando os pesadelos humanos muito mais freqüentes e preocupantes. A
atual experiência da gripe ocorreu no Brasil, no México, na Argentina, nos EUA e em
vários outros países simultaneamente, numa transcontinentalidade que lembra de
perto os eventos do século XV, estudados por Mcneill.
Jacques Le Goff (1997), historiador intimamente ligado à Escola dos Annales,
também voltou parte de sua produção acadêmica para a História das doenças, no
rumo da História das mentalidades. “Uma idéia”,é como ele se refere à doença, logo
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na apresentação da coletânea de artigos de historiadores e médicos, nominada “As
doenças tem História”, nele assim pronunciase:
A doença pertence à História, em primeiro lugar, porque não é mais do que uma idéia, um certo abstrato numa “complexa realidade empírica” (M. D. Grmek), e porque as doenças são mortais. (...) A doença pertence não só à História superficial dos progressos científicos e tecnológicos como também à História profunda dos saberes e das práticas ligadas às estruturas sociais, às representações, às mentalidades. (LE GOFF, 1997, p. 7e 8).
O autor mostra ainda que as atitudes humanas face às doenças não mudam
desde idos tempos, de um lado temse a ciência médica em permanente evolução
em busca da cura, de outro, um sem número de orações, ervas, curandeirismos,
magias também garantem a expulsão do mal temporário que afeta o doente, como
esta oração publicada em 1996 em uma brochura popular chamada “Chás, banhos
simpatias e orações”e colocada à venda em bancas de jornais:
ORAÇÃO CONTRA TODAS AS DOENÇAS
‘Em nome do poder + do pai, do Amor + do filho, e da
Sabedoria + do espírito Santo. Pela gloriosíssima Encarnação, gloriosíssimo
Nascimento, Santíssima Paixão, Ressurreição e Ascensão de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Por esses altos e santíssimos Mistérios, nos quais eu creio, suplico
a Santíssima Trindade do Pai, do filho, do espírito Santo, pela intercessão da
Santíssima Virgem Maria, nossa advogada, livre e cure (diga o nome da doença).
Por São Roque e São Sebastião, pelas onze mil virgens, por todos os Santos e
Santas da corte celeste. Assim seja Jesus, Jesus, Jesus. Senhor, meu Jesus
Cristo, nosso Redentor, encomendame a Vós, suplicandovós curarme (ou
fulano) deste mal. Adoremos, reverenciemos, obedeçamos sempre à vontade de
Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim seja, Jesus, Jesus, Jesus. (Chás, Banhos
simpatias e orações. 1996. p. 64 e 65).
Este tipo de enfrentamento que caberia na idéia braudeliana da “longa
duração”, permanece ativo, a ciência e o divino unemse na luta contra a fatalidade
das doenças e de suas imagens aterradoras. Outra área explorada na obra, são as
representações em torno das doenças, os sentidos socialmente construídos de
culpabilidade de cada um e de todos, os medos, os julgamentos religiosos e morais,
os preconceitos, todos participantes simbólicos desta “História dramática” no dizer
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de Le Goff (1997, p. 7), que junta a dor, a culpa e os juízos humanos, num
amálgama terrível. Para o mentalista, lepra, no seu sentido ainda medieval, a peste
negra, cancro, sífilis, tuberculose e AIDS são doenças às quais cabem observações
deste gênero.
Como não poderia ser diferente, as preocupações acadêmicas em torno das
doenças necessitaram de novas fontes para responder às inquietações e hipóteses
dos historiadores, assim toda uma nova gama delas passou a ser explorada dentre
as quais podemos lembrar dos prontuários, livros e artigos médicos, literaturas,
relatórios de instituições públicas e privadas. Outros tipos de fontes foram
revisitadas e relidas, como relatos de época, obras memorialistas e biográficas,
artigos e colunas de jornais e uma série de documentos de estado. Isso garantiu ao
campo histórico solidez e plausividade nos resultados e inúmeros créditos à
contribuição dada por estes estudos na compreensão do processo histórico vivido
pela humanidade.
Doenças e significados representativos simbólicos
No âmbito geral do estudo das doenças, a questão representacional ou
simbólica tem recebido muita atenção por parte dos estudiosos. Estudos apontam
que várias delas transfiguraram o sentido médico biológico, passando a serem
portadoras de um conjunto de sentidos, invariavelmente de caráter moralista, que
junto com os sintomas de dores e desânimo também causavam ao paciente
algumas aflições a mais, como o abandono familiar, o desprezo social, a pecha de
pecador, a vergonha, idéias essas, fruto de uma construção social historicamente
passível de compreensão no tempo. Tais estudos apontam que a lepra, (hoje
hanseníase), a peste negra, a sífilis, o câncer e mais recentemente a AIDS como
casos preferenciais, quando se trata de atribuir a uma doença do corpo, uma feição
metafísica. É o caso de várias publicações do francês Michel Foucault, em que o
tema da doença, pensado neste viés, é o objeto alvo. Em “A História da loucura na
idade clássica” (1978), Foucault se refere ao mundo imaginário gerado pela lepra, a
partir da análise dos prontuários e estatutos das gafarias (leprosários) e do cotidiano
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nos hospitais medievais. Neles o autor percebe a dimensão simbólica que enraizar –
se á profundamente em torno da doença:
Aquilo que sem dúvida vai permanecer por muito mais tempo que lepra, e que se manterá ainda numa época em que, há anos os leprosários estavam vazios, são os valores e as imagens que tinham aderido à personalidade do leproso. (FOUCAULT, 1978, p. 6).
O pensador francês observa em seus escritos a exclusão social do leproso
tendo em determinadas épocas sua morte civil declarada ritualisticamente, e garante
que isso era parte integrante do tratamento, pois só assim ele poderia reintegrarse
à vida espiritual, pois a doença era um sinal da cólera divina, mas ao mesmo tempo
de sua bondade, uma vez que, a punição e a exclusão ocorriam como medida
pedagógica para que o sujeito pecador pudesse pagar pelo erro e ainda tornar viável
sua entrada no paraíso. O modelo de análise “Foucaultiano” da História e suas
representações mentais, tornouse fundamental para muitos trabalhos na área da
história e de saberes correlatos.
“O medo da Lepra”, dá título ao artigo de Françoise Béniac, que é parte
integrante do livro ‘As doenças tem história”, e onde a historiadora assistente da
Universidade de Bordéus mostra que os leprosos eram obrigados pela igreja católica
a usar símbolos nas roupas para distinguilos dos saudáveis e tocar uma matraca
para avisar que estavam em público. Ainda eram proibidos de comercializar, de
entrar nos mercados, de ter acesso ao sacerdócio e deveriam ser alimentados pelos
paroquianos para que não precisassem tocar nos alimentos, conforme ordem
emitida pelos padres. Estas constatações feitas pela historiadora evidenciam
claramente a intima relação simbólica da sociedade com os portadores do mal de
lázaro, e à carga preconceituosa que eram vítimas. Obviamente que o afastamento
temporal precisa ser levado em conta nas possíveis análises destes fenômenos.
Em sua dissertação de mestrado, a pesquisadora Vivian da Silva Cunha,
mostra que muitos termos simbólicos ligados à lepra sobrevieram ao passar dos
séculos, tais como: lazarrento, morfético, gafeirento, gafo, mal de Lázaro, mal
bíblico. Assim o tempo não alterou o significado dessas palavras e o verdadeiro
doente de lepra, ou seja, aquele que, de fato carregava o Microbacterium Leprae em
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seu corpo, continuou a ser rejeitado e temido pela sociedade. O imaginário social
fortemente enraizado não possibilitou que, mesmo após a definição da doença, seu
agente causador, sua terapêutica e profilaxia, se pusesse fim ao estigma milenar
que acompanha o doente e sua família, mostrando que na construção social das
doenças, a linguagem funciona como uma invenção sobre um fenômeno biológico.
(CUNHA, 2005).
Apesar de ser uma doença conhecida pelos médicos e curável, ela ainda
suscita no presente imagens que a ligam a um passado remoto de incompreensões
e preconceitos, a ponto de no Brasil ocorrer em 1981 a fundação do Morhan
(Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase), a partir da
iniciativa de Francisco Augusto Vieira Nunes, um portador vitimado pela doença que
hoje faz frente à luta dos hansenianos por indenizações, devido à obrigatoriedade
legal imposta pelo estado brasileiro à época de Getúlio Vargas, para que os doentes
fossem isolados em colônias de tratamento espalhadas pelo país. Essa
obrigatoriedade só deixou de existir a partir de 1976, quando a lei de isolamento
compulsório dos pacientes de hanseníase foi revogada pela portaria 165, do
ministério da saúde a qual tornou proibido o direito da polícia sanitária levar à força
os doentes para hospitais colônias. Informação e esclarecimento à sociedade do que
seja o “mal de hansen”, também faz parte do projeto do Morhan de enfrentamento
da ainda forte e presente ignorância em torno desta patologia médica.
No mesmo campo estão os estudos dos historiadores George Duby (1998), e
Jean Delumeau (1989), que entre outros escritos dedicou um deles à História do
medo. Para ele as doenças estão entre os grandes medos da humanidade,
exemplifica sua tese discorrendo sobre a Peste Negra, que devastou a Europa no
século XIV levando à morte “a terça parte do mundo”. Delumeau mostra que não
foram poucas as representações sociais criadas em torno da Peste, idéias como “um
novo dilúvio”, “funestas conjunções astrais”, “Deus encolerizado”, e “chuva de
flechas”, permeiam as inúmeras tentativas mentais de compreender o que se
passava e de livrarse do mal temido. (DELUMEAU, 1989, p. 112).
Tal como a Peste Negra, e a Lepra, a Sífilis e a AIDS igualmente foram
geradoras de influentes interpretações que colocavam seus portadores na lista dos
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malditos, notadamente pelo fato destas duas doenças estarem ligadas, entre outras
coisas, à sexualidade humana, tema perigoso e cheio de nuances que perpetraram
visões de uma possível identidade sexual exagerada e devassa de seus
hospedeiros. Vera Regina Beltrão Marques (2004), escrevendo sobre a sífilis em
Curitiba nos anos 1920, afirma que havia uma percepção que ela e o sifilítico,
comprometeriam o futuro da nação, dado o contágio da moléstia. Segundo ela, os
discursos produzidos por médicos e educadores daquele período, na maioria das
vezes destacavam o perigo da “degeneração da raça” por meio da consangüinidade
e da imoralidade sexual dos homens que graças às suas “senvergonhices”
manchavam a sociedade, a família e a si mesmos com este comportamento
degenerado. Socialmente o doente de sífilis possuía além da doença em si, uma
doença moral, sobre a qual recaía uma diversidade de imagens, mitos e símbolos.
O tema do “morbus gallicus”, como ficou sendo chamada a doença na
Europa, após um surto epidêmico em Nápoles em fins do século XV, foi objeto de
interesse da ensaísta norteamericana Susan Sonatg, ela aponta que o hábito
difundido na classe média de forrar os assentos das privadas públicas é vestígio das
crenças de que se podia pegar sífilis “por meios inocentes”. Histórias mentalmente
amedrontantes que até hoje nos perseguem (SONTAG, 1989, 33.).
A AIDS e suas representações compõem parte integrante do trabalho de
Sontag, nele ela discute o imaginário em torno desta doença que transforma seu
possuidor aos olhos do público em geral, um irresponsável, um delinqüente de
sexualidade perversa, cujo castigo reflete seu comportamento transgressor. Mesmo
os hemofílicos são personagens das incompreensões e valores negativos criados
em torno destes “decadentes morais”, no dizer de Sontag (1989, p. 73), ao comentar
o simbolismo presente na figura do soropositivo. Para a escritora, as metáforas e
mitos espalhados sobre certas enfermidades, podem ser mais doloridos e fatais que
a própria doença, já que estigmatiza o paciente a ponto de impedilo de buscar um
tratamento conveniente à dor que o aflige e tornao um símbolo de vergonha,
vergonha essa edificada popularmente e muitas vezes interiorizada pelo próprio
paciente. A portadora do vírus HIV, C.M., ao ser entrevistada pela jornalista Maria
Gizele da Silva, em matéria publicada pelo jornal Diário dos Campos no dia 01 de
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dezembro de 2003, assim se pronunciou ao comentar sua situação de mãe recente
e soropositiva: “Eu não amamentava ele e tinha vergonha de dizer às enfermeiras
que estava com AIDS”.
A posição tomada por C.M. evidencia todo o estigma vivido por estes
pacientes, que mesmo diante de um profissional de saúde se sente constrangida em
afirmar sua condição, tamanha é a carga imagética construída pela sociedade em
torno desta doença. Para Susan Sontag, as metáforas criadas em torno das
doenças provocam uma mobilização excessiva, uma representação exagerada
dando uma contribuição de peso para o processo de excomunhão social
estigmatização dos doentes, que ao interiorizálas sentemse os únicos culpados por
estarem vivendo uma situação dramática, esquecendose de que há toda uma visão
moralizante evocada pela sociedade que não corresponde à sua situação de ser
apenas um doente clínico, muitas vezes temporariamente.
As imagens em torno da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS,
também já tiveram um uso de caráter político e ideológico, como ocorreu na África
do Sul à época do Apartheid, em que no discurso político antiterrorista da direita se
afirmava que “ os terroristas agora estão nos atacando com uma arma mais terrível
que o marxismo: a AIDS”. O campo do discurso religioso também foi fertilizado e
fertilizou o imaginário, exemplo disso é a afirmação do cardeal arcebispo de Brasília,
D. José Falcão que assim pronunciouse a respeito da AIDS: “ AIDS é conseqüência
da decadência moral”. “Castigo de Deus” e “ vingança da natureza”, foram termos
utilizados por D. Eugênio Sales, cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, ao referirse à
SIDA, e citados por Sontag em seu trabalho.
Ainda no campo metafórico das doenças, a ensaísta reflete sobre as mais
variadas imagens criadas em relação ao câncer, desde as punitivas, morais e
religiosas, muitas das quais herdadas da tuberculose, e outras “inventadas” na
modernidade, como a da “guerra contra o câncer”, numa clara alusão à militarização
simbólica da doença, presente no discurso médico quando se reportam ao câncer
como inimigo que invadiu as defesas do corpo. Não é de hoje que a literatura
médica mostra o emprego de metáforas militares na medicina, isso é corrente desde
a década de 1880, época da afirmação de que bactérias causavam doenças. Idéias
14
e discursos como a “luta” ou “cruzada” contra o câncer, o câncer é doença
“assassina”, são na visão da autora evidências que convencionam “tratar o câncer
não como uma simples doença, mas como um inimigo demoníaco” (SONTAG, p.
53).
A autora usa como fontes uma variedade de obras literárias artísticas e
médicas, diários e poemas onde situações e personagens doentes revelam suas
aflições geradas pelas metáforas socialmente construídas em torno da doença, ela
mesma, portadora. Entre os escritos médicos está o de Wilhelm Reich (1873/1957),
que afirmava ser o câncer originário na privação do prazer imposta pela moral
burguesa, o que levaria o paciente a perder o “orgone”, a energia cósmica, e assim
adoecer. Um sentido à doença crivado de imagens.
Esse caleidoscópio imagético, ao mesmo tempo que dá esperanças ao
paciente, graças às tecnologias usada nessa “guerra”, o destrói aos poucos, face ao
bombardeio que ele sofrerá no tratamento químico e no convívio com todos os
simbolismos que passará a ser portador, todos eles basicamente apontam na
direção da morte, ou do milagre divino. De fato, tratase de uma doença cujas visões
lembram os mais antigos flagelos da humanidade na luta do bem contra o mal, ou da
vida contra a morte.
A doença e a escola. A dislexia e suas imagens
No que diz respeito às relações entre doença e desempenho escolar, o
campo ainda é insípto, e boa parte das pesquisas nesta área acaba ficando restrita
ao meio acadêmico, mas alguns apontamentos médicos defendem que
determinados traumas e doenças incidem significativamente na capacidade de
aprendizagem. Nutricionistas alertam que a não ingestão de uma determinada
quantidade mínima de calorias na infância, o uso de drogas lícitas e ilícitas
compromete o desenvolvimento escolar da criança e do futuro adolescente jovem.
No entanto fatores como esses, mesmo influenciando todo o percurso de ensino e
aprendizagem, não são considerados quando se trata de aferir o desempenho de
um aluno ou do sistema escolar como um todo. A escola, via de regra, considera
todos os alunos como iguais, logo com a mesma capacidade de aprendizagem, o
15
que de acordo com a ciência, não procede, já que indivíduos com histórias de vidas
diferentes, tem ritmos diferentes de assimilação. Além da questão alimentar e
psicológica, outras patologias interferem na vida estudantil, como as chamadas
dislexias e até mesmo doenças de alto grau de transmissão como gripes, sarampo,
varíola, meningite, entre outras, que levaram e levam às vezes suspensão das aulas
e alterações no calendário escolar, prejudicando a aprendizagem e o trabalho
pedagógico.
Nos últimos anos o Brasil tem avançado no tratamento e controle de várias
doenças e atitudes como separar doentes de sadios, tem ajudado a escola a não ser
um foco disseminador de epidemias. Exemplo clássico recente ocorreu com a
suspensão das aulas nas semanas iniciais do mês de Agosto de 2009, em vários
estados da região sudeste, motivado pelo surto da influenza A (H1N1),
popularmente chamada de “gripe suína”.
Muito embora tenha se obtido sucesso no controle de certas moléstias em
que a escola é um potente foco irradiador, uma situação que compromete
sensivelmente o rendimento escolar e que mesmo não sendo atribuído a ela um
caráter de doença, faz seus portadores viverem dramas parecidos com o daqueles
doentes, cujo mal biológico é associado a uma série de esteriótipos e imagens
distorcidas, é a dislexia.
Este distúrbio ou transtorno na aprendizagem, de caráter neurológico e
genético, que nada tem a ver com condição social ou psicológica do sujeito, sendo
um funcionamento peculiar do cérebro para o processamento da linguagem, cuja
evidência maior é uma dificuldade no campo da leitura e escrita. É é o que ocorre
em maior incidência na escola, segundo os estudos realizados por entidades da
área como a Associação Brasileira de Dislexia (ABD), o Instituto Karolinska, na
Suécia e a Universidade de Helsinque. Estes estudos apontam que entre 3 e 10%
da população mundial sofre de dislexia. Nos EUA, onde existem estudos mais
freqüentes, as estatísticas indicam que em média 20% da população tem algum grau
de dislexia, já nas salas de aula de cada 10 alunos 2 apresentam sintomatologia
desta condição hereditária, alguns inclusive apelando pro suicídio, como forma
enfrentar todo os preconceitos de que são vítimas. Os números das percentagens
16
mundiais podem ser transferidos para a escola, já que todos, ou quase todos,
passam pelos bancos escolares, o que nos remete a pensar sobre o quanto é
significante os casos de dislexia nas escolas brasileira mundiais.
Além das escassas pesquisas, experiências pessoais vividas por professores
e portadores, dão conta da presença incidente da dislexia na sala de aula e que
muitas vezes não é diagnosticada. Ilustro este trabalho com dois exemplos de partes
de textos produzidos por alunos que demonstram dificuldade de organização de
idéias e confusão ortográfica, letra irregular (o original foi escrito à mão) potenciais
sintomas da dislexia. O primeiro texto foi produzido por um aluno do 2º ano do
ensino médio, no ano de 2007, em que o estudante foi convidado a escrever um
relatório após ter assistido um vídeo sobre as lutas operárias no Brasil e no mundo.
Eis um fragmento do documento:
“mostra a realidade de uma época onde que as pessoas tinhão que trabalhar de
forma escrava direitos não aviam mostrara ambém o domineo de pessoas que tinhão
o poder que fazia mulheres e crianças menores de 14 anos trabalhar mas conforme o
tempo os trabalhadores forãm tendo coragem e fiserão a grande revolta ou seja uma
grade greve onde que seus direitos fosem reconhecidos aumento de salario 8 horas
de serviso e crianças menores de 14 não trabalhar esses direitos forão conquistados
com a união dos trabalhadores que apenas so querião seus direitos”
O segundo texto também foi escrito por um aluno do ensino médio do último
ano, no ano letivo de 2007, em que ele faz um comentário a respeito do filme “ O
que é isso companheiro?”, cuja temática é a ditadura militar no Brasil entre os anos
de 1964 à 1985. Reproduzo aqui uma parte do escrito:
COMENTÁRIO – O QUE É ISSO BRASILEIRO
“A ditadura militar foi um ato marcante para a historia do Brasil poi foi ocorrida em
1964, qandos uma força revolucionária os MR18 sequestram o embaixador dos EUA,
em troca de seus direitos humanos, mas também e filme mostrou o que era ocorrido
na quela época que era domina pelo exercito brasileiro no poder mas naquela época
não se podia publicar nada, nem televisienada e via rádio, o então com o decorrer do
seqüestro o embaixador dos EUA foi solto no dia 7 de Setembro de 1969, e seus
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diireitos exercidos, mas com tudo isso eles foram caçados um por um e torturados ou
até mesmos algum mortos e exi lados para a Eugélia”
Como podese observar, os textos apresentam dificuldades na ortografia, na
pontuação, na organização das idéias e na atenção à redação e ao tipo de trabalho
que foi solicitado pelo professor, notadamente no segundo texto, em que foi pedido
um comentário acerca do filme, mas o mesmo não foi realizado pelo aluno. Por se
tratar de alunos do ensino médio em fase de conclusão desta etapa escolar, é
evidente que em ambos os casos percebese uma clara dificuldade do aluno em
relação à língua portuguesa, o que não significa necessariamente má alfabetização,
mas sim um sinal de uma possível dislexia, mesmo que não diagnosticada
oficialmente. Então, como mostram as pesquisas, e as experiências empíricas
vividas pelo professores, a dislexia é uma realidade presente e mal compreendida
pelos profissionais da educação.
O estudante autor do primeiro texto, escrito em 2007, é neste ano de 2009,
aluno no 3º ano do ensino médio, já que cursou novamente a 2ª série em 2008. A
repetência é comum nos casos de dislexia, quando esta não é detectada e passa a
ser confundida com negligência ou baixa inteligência do aluno. Neste ano letivo, ele
apresenta praticamente o mesmo quadro dos anos anteriores, o papel da escola em
ajudálo restringiuse a impedir sua progressão à série seguinte.
Além destas vivências cotidianas é possível encontrar uma literatura, ainda
que bastante biográfica, de casos de estudantes disléxicos que viveram duras
experiências sociais e escolares em razão de serem mal compreendidos na sua
condição de portador. È o caso de: “Dislexia: ultrapassando as barreiras do
preconceito” de James J, Bauer (1997), um estudante norte americano expulso de
vários colégios e que chegou a pensar em suicídio diante de todo o preconceito que
viveu, só não o fez, por que foi “salvo” pelas músicas politicamente engajadas do
cantor Bob Dylan, em especial “Times they are a changin” (Os tempos, eles estão
mudando). Depois de procurar ajuda, este ativista antivietnã dos anos 60,
conseguiu adquirir um nível de leitura de um aluno de 8ª série, mesmo já estando
com mais de 20 anos.
18
Outra experiência biográfica relatada é: “Dislexia: você sabe o que é ?”, de
autoria de Zeneida Luczynski (2002), que trata da história de seu filho estudante
portador, também expulso de várias escolas do Paraná, e que teve a sua condição
diagnosticada após procurar ajuda especializada nos Estados Unidos. Estes e
outros relatos dão conta que a dislexia é situação presente na escola e que é
geradora de uma policemia de sentidos representativos que tornam o disléxico
personagem de histórias de incompreensões e juízos de valor deslocados da
realidade. Nesta, está a errônea idéia de que se trata de uma doença, talvez a
primeira representação errônea colada à dislexia. Imagens como “desleixado”,
“desorganizado”, “disperso”, “preguiçoso”, “baixa inteligência” “doente”, são parte
integrante destas representações em torno dos disléxicos que estão em fase escolar
e vivenciam situações dramáticas que interferem em suas vidas e no seu sucesso,
diante da “máquina de aprender” (BAUER, 1997, 74).
Pesquisas na área de educação indicam que a dislexia está ligada ao
abandono escolar, à repetência, ao bullyng e a baixa estima demonstrada por alguns
alunos, inclusive sua recusa em proceder leituras em sala, já que este distúrbio afeta
a capacidade de leitura e compreensão do que se lê, além de influenciar na
dificuldade geral de aprendizado. Essas situações concretas, somadas às imagens
anexadas à dislexia e à pouca discussão e conhecimento que a envolvem, não
permitem que escola brasileira, em geral, tenha uma política efetiva de
enfrentamento da questão. Salvo tentativas isoladas como ocorreu em São Paulo,
em que uma lei aprovada na Assembléia Legislativa, obriga o estado a oferecer
tratamento psicopedagógico adequado, quando se constata um caso de dislexia, ou
como a criação do Método das Boquinhas pela Dra. Renata S. R. Jardini,
fonoaudióloga e psicopedagoga que desenvolveu essa estratégia para alfabetizar e
reabilitar a leitura e a escrita de disléxicos nas séries iniciais. O modelo foi aprovado
pelo MEC e é indicado como uma forma eficiente de lidar com as dislexias.
A dedicação dos historiadores ao ofício de estudar as doenças, pelo seu viés
representacional, tem mostrado que elas, a longo tempo, vêm interferindo em vários
sentidos nas relações entre os seres históricos. Leprosos, sifilíticos, pestiados, soro
positivos, disléxicos, atrás de todas essas pessoas e desses males, está uma
19
história pulsante, capaz de nos fazer entender melhor os sentidos tomados pela
humanidade no seu viver, criando um campo de pesquisa fértil, aberto a inúmeras
possibilidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O resultado das leituras e das investigações realizadas permitem afirmar,
como tantos outros já fizeram, a importância da Escola dos Annales e de suas
vertentes, como norteadoras das novas concepções de história que possibilitaram a
observação de aspectos da vida humana, até então negligenciados ou considerados
a – históricos. Seu método de análise, que privilegia a compreensão e não o
julgamento constituise numa outra inovação que permitiu uma nova leitura sobre a
historicidade de vários novos objetos. Também o tratamento e a seleção das fontes
renovou se largamente, oferecendo novas conclusões e novíssimas indagações
aos estudiosos do campo social, oxigenando vários elementos do saber histórico e
de outras ciências humanísticas.
Claro ficou que é perfeitamente possível compreender alguns caminhos
imaginários trilhados pela humanidade a partir do estudo das doenças, tanto as
mudanças políticas e as convulsões sociais em que as mesmas foram
preponderantes quanto às visões e idéias que as sociedades fazem das doenças e
suas associações com pecados, magia, castigos, catástrofes, punições, quando na
realidade está se lidando apenas com mal biológico que danifica o corpo e altera seu
equilíbrio funcional. Nas representações de saúde e doença persiste uma certa
dinâmica de influências recíprocas da órbita cultural. Tal idéia encaixase
perfeitamente na expressão “circularidade cultural”, cunhada pelo historiador italiano
Carlo Ginzburg em seu livro “o queijo e os vermes”.
Nem mesmo a área educacional e pedagógica escapa deste bombardeio de
imagens construídas em torno de doenças. Um caso exemplar ocorre com a
dislexia, que mesmo não sendo uma doença no sentido clássico, é revestida de uma
série de símbolos em torno de seus portadores, quase todos pejorativos –
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desleixado, preguiçoso, mal alfabetizado, desinteressado, baixa inteligência que
causam uma multiplicidade danos ao estudante disléxico, incluso aí, a reprovação
escolar, por pura dificuldade de entendimento e de informação por parte dos
profissionais da educação e da falta de uma política educacional que considere tais
variáveis no processo de formação de crianças, jovens e adultos, muito além da
piedade, camaradagem da mera afeição, ou de uma nota.
Neste sentido o professor é um participante essencial, pois é ele que convive
mais tempo com os alunos e pode detectar possíveis sinais de dificuldades de
aprendizagem. Assim não basta que este profissional tenha apenas conhecimentos
na sua área de atuação, é preciso que ele seja sensível ao ler e perceber o universo
em que atua, dado que neste espaço estão sujeitos com capacidades, necessidades
e tempos de aprendizagem diferentes. Pensar que o micro universo de uma sala de
aula é um todo homogêneo, mostrase cada vez mais uma idéia equivocada e que
precisa ser percebida, não só pelos professores, mas por todos aqueles que estão
envolvidos na educação dos brasileiros.
Esse tipo de situação evidencia uma carência de discussões e preparação da
escola para enfrentar situações além sala de aula, mas que afetam dramaticamente
o processo de ensino e aprendizagem. Somese a isso a ausência na estrutura
escolar de profissionais da área da saúde e da psicologia que deveriam fazer parte
do corpo geral do sistema educacional público, para que os estudantes,
principalmente os das camadas populares, pudessem ser acompanhados na sua
trajetória formativa e humana possibilitando aos mesmos conheceremse a si
mesmos e assim tornaremse cidadãos plenos de direitos e participantes
esclarecidos na construção da sociedade e no convívio entre os seres históricos.
Se queremos uma escola realmente inclusiva que pratique a justiça no seu
amplo campo, é urgente adotar políticas que levem em consideração os aspectos
psíquicos relativos à aprendizagem que diferem se de um aluno para outro. Aliar
saber e saúde, fora de imagens metafóricas, é uma ferramenta que possibilitará à
escola melhores resultados na sua tarefa de combater o abandono escolar, a
reprovação, o buillyng, o analfabetismo funcional e tantos outros aspectos do
cotidiano, bem como, tornála realmente significativa e transformadora aos seus
21
usuários e à sociedade que a mantém e confia no seu caráter de ser uma entidade
poderosa na diminuição das desigualdades sociais.
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23