01 - Conceitos de Produção

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Ricardo Mendes Introdução à Produção Musical Introdução à produção musical Dois pontos de vista A primeira é uma escola purista aonde o papel do produtor é interferir o mínimo possível no trabalho do artista, se limitando a garantir que o material terá uma ótima qualidade de captação e mixagem de maneira que o ouvinte escute no CD o mais próximo possível do que foi tocado na sessão de gravação. Se comparássemos com um profissional de outra área, é como se fosse um fotografo, aonde o seu papel é registrar a imagem que foi colocada diante dele com a maior nitidez possível. Ou seja, é uma “escola” técnica. O produtor não faz a arte, ele apenas a registra. A segunda “escola” considera o disco como uma obra de arte em si. O que a banda ou o artista toca é um ponto de partida para um resultado diferente do material original. Nesta escola o produtor interfere (colaborando ou atrapalhando) ativamente no processo artístico, desde a escolha de repertório, ajustes de letra, mudança de harmonia, arranjos, tocando, programando, editando... É como se ao invés de fotografo, o produtor musical fosse um pintor. A cena (o artista) é postada diante dele, mas a sua função não é somente reproduzir fielmente o que foi mostrado. Ele pinta a cena chegando a um resultado que pode ser desde bem próximo do material original que foi apresentado ou até algo totalmente diferente. Acredito que a primeira escola é mais adequada para a música clássica, para o jazz tradicional, blues e para registro de músicas folclóricas, aonde o purismo é fundamental para manter a característica destes estilos, que são puros na sua essência. Já na musica popular (pop), a fusão é a essência. O cruzamento de gêneros é tão intenso que nascem novas vertentes que vão se cruzar com outras, gerando uma constante reciclagem da musica pop. Isto não faz da musica pop melhor do que os gêneros puros. A mutação da musica pop é apenas uma de suas características, mas é uma de suas principais, e é natural que seu processo de produção também traga uma filosofia de mutação. ___________________________________________________________________________________ 1

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Ricardo Mendes Introdução à Produção Musical

Introdução à produção musical

Dois pontos de vista

A primeira é uma escola purista aonde o papel do produtor é interferir o mínimo possível no trabalho do artista, se limitando a garantir que o material terá uma ótima qualidade de captação e mixagem de maneira que o ouvinte escute no CD o mais próximo possível do que foi tocado na sessão de gravação. Se comparássemos com um profissional de outra área, é como se fosse um fotografo, aonde o seu papel é registrar a imagem que foi colocada diante dele com a maior nitidez possível. Ou seja, é uma “escola” técnica. O produtor não faz a arte, ele apenas a registra.

A segunda “escola” considera o disco como uma obra de arte em si. O que a banda ou o artista toca é um ponto de partida para um resultado diferente do material original. Nesta escola o produtor interfere (colaborando ou atrapalhando) ativamente no processo artístico, desde a escolha de repertório, ajustes de letra, mudança de harmonia, arranjos, tocando, programando, editando... É como se ao invés de fotografo, o produtor musical fosse um pintor. A cena (o artista) é postada diante dele, mas a sua função não é somente reproduzir fielmente o que foi mostrado. Ele pinta a cena chegando a um resultado que pode ser desde bem próximo do material original que foi apresentado ou até algo totalmente diferente.

Acredito que a primeira escola é mais adequada para a música clássica, para o jazz tradicional, blues e para registro de músicas folclóricas, aonde o purismo é fundamental para manter a característica destes estilos, que são puros na sua essência. Já na musica popular (pop), a fusão é a essência. O cruzamento de gêneros é tão intenso que nascem novas vertentes que vão se cruzar com outras, gerando uma constante reciclagem da musica pop. Isto não faz da musica pop melhor do que os gêneros puros. A mutação da musica pop é apenas uma de suas características, mas é uma de suas principais, e é natural que seu processo de produção também traga uma filosofia de mutação.

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Postura Profissional

A princípio, todos os donos de estúdios, gostariam de ter uma agenda lotada. É isso que pode caracterizar um estúdio de sucesso. Mas a grande pergunta é como conseguir esta agenda lotada... O que é mais importante ? Equipamento, aparência, material humano, atendimento, currículo, preço, condições de pagamento ? A resposta óbvia é que todos esses itens são importantes, mas não vamos responder isto de maneira tão simplista... O negócio da música é um pouco diferente dos negócios tradicionais e algumas regras que vemos em alguns manuais de marketing usados para vendas ou serviços podem não se aplicar muito bem ao nosso ramo.

Para mim o ponto aonde o nosso negócio mais se difere dos outros negócios é questão do cliente. É ponto pacífico que todos os manuais de marketing dizem que o ponto crucial é a satisfação do cliente. E como obter essa satisfação para que você sempre tenha essa pessoa como cliente ? No negócio tradicional é simples. Se for venda de produtos, você tem que ter um produto de qualidade, um ambiente agradável para atender o cliente, um bom atendimento pré-venda e pós-venda, boas condições de pagamento e pronto não tem como errar. Se for serviço, basta ter esses requisitos acima e que o serviço seja executado de forma eficaz. Também não tem como errar... Poderia, então, concluir que se as pessoas que entram no nosso estúdio são clientes também e se eu seguir esses requisitos também serei uma empresa de sucesso ?

Não. O nosso negócio é bem mais complicado. Talvez o maior erro seja tratar a pessoa que entra no nosso estúdio como um cliente. Quem entra em um estúdio para gravar um disco não é um cliente. É um ARTISTA, e um artista cheio de sonhos. Ele não quer só um disco bem gravado. Ele quer se sentir importante. Quer receber a mesma atenção que os artistas famosos recebem das suas gravadoras e dos profissionais que trabalham para eles. Esse artista que acabou de entrar no seu estúdio pode nunca ter vendido um único disco em sua carreira, mas com certeza ele sonha que irá vender e fazer sucesso.

Trata-lo como um “cliente” é quase como dizer a ele que ele nunca irá fazer sucesso. Ele quer ser tratado como um artista. As músicas das quais ele irá gravar, independentemente da sua qualidade artística, são a forma de expressão dele e nelas colocou seus sentimentos, sonhos e emoções. Mesmo que seja somente o sonho de ficar famoso e ganhar dinheiro... A música pode ser de fato muito ruim, mas se você deixar transparecer isso, seria praticamente uma ofensa pessoal, pois se aquela música expressa os sentimentos daquela pessoa, e o que for dito ou sugerido em relação à qualidade daquela música, pode ter efeitos devastadores na segurança do artista para realizar aquela gravação. Se você não for o produtor musical ou artístico desse trabalho, não opine a não ser que a sua opinião seja requisitada, e se a sua opinião for desfavorável, não minta, mas a faça da forma mais polida possível.

Vou dar um exemplo pessoal: há alguns anos atrás eu masterizei dois discos em um famoso estúdio de masterização aonde o engenheiro de masterização é uma pessoa extremamente conceituada. A qualidade dos seus trabalhos é indiscutível. Nas duas vezes que fiz o trabalho neste estúdio, uma foi de um disco em que eu era produtor, e na outra era um disco da minha própria banda. Nas duas vezes não foi esta pessoa que masterizou, mas sim um assistente dele. Na primeira vez eu não fiquei triste por que como eu estava produzindo o disco, eu não tinha um envolvimento emocional e sim profissional, e

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desde que o trabalho ficasse bom e satisfatório eu ficaria contente. Neste caso eu era apenas um CLIENTE, pois não se tratava da minha banda. Eu me lembro que neste dia o engenheiro "chefe" estava masterizando um disco, e naturalmente eu compreendi que era natural que ele estivesse fazendo outro disco quando o assistente faria o CD da banda que eu estava produzindo.

Dois meses depois eu retornei ao mesmo estúdio para masterizar o disco da minha própria banda e o mesmo engenheiro “chefe” estava masterizando um outro disco... Não tive este mesmo grau de serenidade e compreensão, afinal a MINHA banda era muito mais importante, para mim, do que o a outra, mesmo sabendo que eu estava pagando pela masterização um terço do valor que é cobrado para artistas de gravadoras de grande porte. Fiquei chateado por ter que masterizar com o assistente, não pela competência dele, mas pelo fato de constatar que a minha banda independente, desconhecida, não era tão importante quanto as outras que vendiam milhões de discos. Ou seja, a minha relação já não era profissional e sim emocional. Eu não era mais um cliente, e sim um ARTISTA...

Quando alguém vai trabalhar em uma loja, empresa, fábrica, indústria, supermercado, banco ou seja lá onde for, existe uma salinha com ar condicionado cheia de comidas, tábua de frios, frutas, salgados, doces, sucos, refrigerantes, energéticos, cerveja e até uísque 12 anos para o funcionário descansar e comer e beber o que quiser ? Acho que não. Pois é, estamos falando do camarim, que é aonde o ARTISTA, e não o "prestador de serviços" fica antes do show. Artista gosta de ser paparicado. Ele é o mais importante, se ele não se sentir assim ele nunca estará confortável. É claro que não estou dizendo para você montar um camarim no seu estúdio, mas sim para perceber que o artista tem a necessidade de se sentir importante.

O artista fica mais confiante quando percebe que estão levando o trabalho dele a sério. Se um artista entrar no seu estúdio, enquanto ele estiver lá dentro ele é a pessoa mais importante. Nunca justifique um eventual atraso ou o cancelamento de um horário por que "a banda tal" precisou daquele horário. Se o cara toca música brega e você é um “pós-punk-grunge-modernete-alternativo”, nunca, mas nunca desmereça o trabalho dele, e lembre-se que ele pode achar seu estilo tão brega quanto você acha o dele.

Se você achar o trabalho absolutamente insuportável, não o faça.

Diga que não é especialista neste estilo e recomende outro lugar. Pode ter certeza que é melhor perder um trabalho do que ter uma pessoa recomendando a outras que não gravem no seu estúdio.

Seja pontual e cordial. Não demonstre pressa para ir embora. Ofereça opções, e também não ridicularize perguntas em relação a área técnica e nem demonstre superioridade de conhecimentos. Um artista pode não saber dizer que quer um reverb plate na voz com um pre-delay de 132 ms e um 1.46 s de decay, com um parâmetro baixo de difusão e um corte de equalização do tipo shelving de - 2.0 dB nas freqüências altas a partir de 4.5 kHz. Se ele soubesse isso, você provavelmente estaria sem emprego ou clientes. Se ele disser que quer "um funil sonoro com bolinhas de algodão" na voz, cabe a você interpretar isso e tentar traduzir para a área técnica o que ele está querendo dizer. Tente iniciar com um reverb do tipo room mais longo e um ping-pong delay com um low-pass filter em 3000 hz....

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Ricardo Mendes Introdução à Produção Musical

Se você leva o artista a sério, passa a curtir mais o trabalho. Música sempre foi o nosso prazer e deveria continuar sendo sempre. Quando alguém entra no seu estúdio e tira fotos para mostrar para seus amigos que ele está gravando seu disco no mesmo estúdio que "a banda tal" gravou, faça o contrário. Tire você uma foto dele e coloque no mural, ao lado da "banda tal" que fez ele ir até o seu estúdio. Te garanto que ele vai tirar uma outra foto do seu mural para mostrar para os amigos que a foto da banda dele está do lado da foto da "banda tal", afinal a banda dele é tão importante quanto a foto da "banda tal"...

Gerenciamento de Egos

Este título pode parecer brincadeira, mas não é. A coisa que mais atrasa e faz as pessoas perderem tempo e dinheiro em estúdios é o ego... Bem, seria uma solução simples propor a quem entrasse no estúdio deixar o ego do lado de fora e os projetos iram fluir naturalmente e com ótimos resultados, mas o processo não é tão simples assim...

O ego é uma característica inerente ao artista. Um artista sem ego não teria motivos para se expressar, nem para lutar contras as dificuldades de se estabelecer uma carreira artística. Já o ególatra simplesmente não consegue enxergar o processo como um todo e faz absolutamente tudo em função de satisfazer seu ego sem julgar se determinada ação pode ser desfavorável ao processo. O ególatra dificilmente ouve opiniões. No máximo separa o que ouve em apenas duas classes: crítica e elogio, e sempre leva os dois para o lado pessoal. Se afasta de quem o critica e se aproxima de quem o elogia. O pior é que normalmente quem nos critica nos presta maiores favores do que quem nos elogia. Por isso é comum certos artistas talentosos, porém com um ego muito exacerbado se verem rodeados de puxa-sacos que acabam até atrapalhando a sua carreira.

De maneira geral, artistas talentosos tendem a ter um ego grande. Esse ego pode ser irracional ou não. Os que tem um ego irracional tendem a enfrentar mais dificuldades na carreira. Os que sabem controla-lo costumam sem mais bem sucedidos, pois como qualquer outro negócio, a música também precisa ser vista com planejamento estratégico para que venha a dar resultados positivos na questão financeira.

Chegamos aqui a uma conclusão preliminar: sem o ego não há arte, e ego demais atrapalha esta mesma arte. Ao eliminar o ego, estaríamos eliminando também um dos combustíveis da expressão artística. Ao exacerbar o ego, iremos acabar com a racionalidade que conduz um processo de produção de um disco.

Dificilmente um projeto é realizado em todas as suas etapas por uma pessoa somente. Sempre vão existir outras pessoas participando e influenciando. Pode ser desde a composição, arranjo, interpretação, execução, captação, edição, mixagem, até a masterização. E cada uma das pessoas que vão sendo inseridas no projeto também tem o seu ego... Logo, fica claro que não se pode simplesmente cortar o ego da equação e sim gerenciar ou administrar.

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Ricardo Mendes Introdução à Produção Musical

Em um estúdio, o ego que está no topo da hierarquia é o do intérprete, normalmente o cantor, mas pode ser também um instrumentista solista, independente dele ser o autor da música ou não, por que é o intérprete quem dá alma a musica. É a imagem dele que estará estampada na capa do disco, do site e nas campanhas de veiculação. Se o intérprete não estiver convencido do que está cantando, também não conseguirá convencer a mais ninguém. É claro que esse ego pode ser contestado de forma profissional, criativa e discutindo as razões. A maioria dos artistas é aberta a ouvir outros pontos de vista. Mas quando há um impasse de idéias insolúvel, acho que deve prevalecer a opinião do intérprete. No segundo lugar da hierarquia, ao meu ver vem os músicos na seguinte ordem: os que fazem parte da banda,arranjador e músicos contratados.

As suas opiniões também influenciarão em muito a sonoridade final do projeto. Por exemplo, é comum guitarristas brigarem para tocar em um determinado tom por conta de acordes abertos que não teriam a mesma sonoridade em outro tom. No entanto em alguns casos esse tom pode não ser o melhor para o cantor. O que fazer ? A prioridade é do cantor, mas o guitarrista não precisa ser sacrificado. Você, como produtor pode sugerir que o guitarrista afine acima ou abaixo da afinação normal, ou então use um capo-traste de modo que ele possa manter a digitação e a sonoridade originais. Esse é um típico caso de gerenciamento de egos... Você conseguiu deixar tanto o guitarrista quanto o cantor felizes e também conseguiu o que é melhor para o trabalho: que o cantor cante em um tom apropriado para a sua voz. Gerenciar egos basicamente consiste em ter conhecimento de que existe uma “hierarquia”, mas não dizer isso claramente para as partes envolvidas, inclusive para a que está no topo ou na base da hierarquia, e manobrar para que esse hierarquia seja de certa maneira mantida de maneira a favorecer o resultado final.

Em terceiro lugar viriam os técnicos envolvidos na trabalho. No caso da gravação de um disco, normalmente o engenheiro de som. Suas opiniões são extremamente válidas, pois um engenheiro de som grava vários discos por ano e sabe por experiência o que costuma dar certo ou não no processo de gravação. No caso do engenheiro sugerir, por questões técnicas, determinada mudança na parte artística, preste bem atenção se isso não vai causar desconforto no artista, ou se não vai interferir negativamente. Na maioria dos casos as sugestões do engenheiro interferem positivamente, mesmo na parte artística. Caso haja um conflito entre o engenheiro e o intérprete, use a proposição de um desafio ao engenheiro, mas faça antes o seu julgamento do que vai ser melhor. Se você achar que a sugestão do engenheiro está atrapalhando demais o intérprete, diga ao engenheiro que não existem regras absolutas dentro de um estúdio e que juntos vocês vão tentar algo inusitado ou simplesmente “quebrar regras que não existem”, porém, antes disso, peça ao cantor para fazer o que o engenheiro sugeriu, pois pode simplesmente ficar melhor sem que o cantor se sinta desconfortável. Mais outro caso típico de administração de egos...

Para mim o último lugar na hierarquia dos egos de um estúdio é o produtor. Isso por que ele tem que ver o trabalho de maneira objetiva e imparcial. Tem que saber a diferença entre o que ele gosta ou não gosta e o que funciona ou não funciona. Se o produtor tiver um ego grande, vai querer usar o artista como uma mera matéria-prima para colocar suas idéias de concepção musical, que podem ser bem diferentes da do artista que o contratou. Neste caso o artista com certeza ficará insatisfeito com o resultado final e dificilmente retornará para fazer outro trabalho com esse “produtor-artista”. Gerenciar egos consiste, também em, gerenciar o seu próprio ego.

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Old School X New School

O que eu chamo de “Old School” (escola antiga) e “New School”, são basicamente maneiras de se encarar a produção musical, a captação do áudio, a geração de timbres e o processamento do áudio.

O que fez separar estas duas escolas, com certeza foi o advento da gravação digital, mas não nos primeiros anos, quando as mídias digitais eram lineares, como as fitas DAT, DA-88, ADAT, as Studer de 48 canais, ou os PCM de 2 canais. Nesta época se gravava em mídia digital, porém linear. O processo era exatamente igual ao da fita analógica. Ao meu ver, o que fez realmente surgir a “New School” foi quando o áudio passou a ser armazenado em hard-drives (HDs). Tanto nas fitas digitais quanto nos HDs, o áudio era codificado em código binário (0 e 1) e os conversores A-D/D-A (analógico-digital-digital-analogico) faziam esta de-codificação para que pudéssemos escutar o som.

Nossos ouvidos são “analógicos”. O ser humano sempre precisará de um conversor para escutar música registrada em mídia digital. A grande revolução da gravação em HD, foi o fato dele ser uma mídia randômica (não-linear), que pode ser acessada em qualquer ponto instantaneamente. Isso permitiu a edição e a manipulação do áudio de uma maneira nunca antes imaginada. Era possível trocar um trecho ruim de uma música por um trecho bom em questão de segundos. Era possível chegar para frente ou para trás uma nota que o baterista tivesse tocado fora do tempo, afinar uma nota desafinada... Se tudo era possível, o que nos impediria de chegar à perfeição ? Nada !

Já a “Old School”, baseada no sistema de gravação linear tinha uma gama de possibilidades de edição infinitamente menor do que da mídia não-linear. Isso significava trabalhar com o conceito de que o que está gravado é o que vai ficar. Para ser ter um disco com uma execução tecnicamente boa, era preciso ter um time de músicos de primeira linha.

No campo do processamento do áudio, outra grande revolução da gravação em computadores foi o surgimento dos softwares chamados de plug-ins, que imitam os periféricos como compressores, equalizadores, reverberadores, sintetizadores, amplificadores de guitarras e outros que nem tem seu equivalente no mundo analógico. Obter um timbre processado no mundo analógico significa conectar fisicamente vários equipamentos com cabos através de um patchbay. Isso demora um pouquinho... No mundo digital, uns três ou quatro cliques de mouse e já temos a nossa guitarra ligada em um Vox AC-30, com uma caixa Marshall de 4x12 com chorus, delay e reverb... Imagine montar este set-up com o equipamento de verdade ? Cabos para ligar o amplificador na caixa, cabos para ligar os pedais ou os racks, fonte para alimenta-los, microfonar as caixas, isso sem dizer que você tem que carregar o trambolho da sua casa para o carro, do carro para o estúdio e depois tudo de volta. E ainda tem um detalhe: o preço. Um plug-in custa algumas dezenas de dólares. Um set-up como o descrito acima custa alguns milhares de dólares. Uma conclusão é simples de se tirar: no mundo analógico tudo é mais demorado, mais trabalhoso e mais caro, no digital o contrário. Sendo assim, por que o analógico ainda não foi definitivamente enterrado e esquecido ?

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O que acontece na realidade nos grandes estúdios e com os grandes produtores, é que essa discussão já foi abandonada a muito tempo. A gravação digital é uma realidade irreversível e cada vez menos se grava em fita, mas afinal, qual é o problema do digital ? Por se fala ainda com tanto carinho do analógico ? Ao meu ver o problema do digital não é tecnológico, e sim humano. A relação que temos com a gravação não-linear é diferente da que temos com a gravação linear. Talvez o grande problema da não-linear seja a possibilidade de se aproximarmos da perfeição. Em alguns casos podemos cair na armadilha de acreditar que um trabalho artisticamente fraco possa se transformar em algo bom se for totalmente editado, quantizado, afinado, etc... Com o perdão da palavra, se o trabalho é uma porcaria, ao terminar de editar tudo, teremos uma perfeita porcaria ! Em alguns casos podemos ficar ofuscados com as maravilhas que a tecnologia oferece e simplesmente esquecer de prestar atenção se uma interpretação de voz está boa ou não.

Na verdade a discussão já não é mais o sistema que utilizamos para gravar, mas sim como vamos encarar o processo de gravação. Apesar da “Old School” estar diretamente ligada ao processo de gravação linear, é um tipo de enfoque de uma maneira de como se trabalhar em um estúdio. A “New School” diretamente associada a gravação não-linear também é outro tipo de enfoque. Por isso a discussão analógico x digital já está sendo deixada para trás. Hoje praticamente toda a gravação é digital, mas alguns produtores preferem usar um enfoque “Old School”, outros “New School” e outros misturam os dois. E o que é isso ?

O processo “Old School” pode ser identificado basicamente por alguns procedimentos. Não se entra em um estúdio sem bons músicos. De preferência com todos gravando juntos, pelo menos a base (baixo, bateria, teclado e guitarra ou violão). Isso já requer um estúdio maior e com salas isoladas, e nem sempre isto é possível, mas mesmo em um estúdio menor, podemos adaptar este método. Coloca-se o baterista e o baixista para gravar e o resto da banda tocando em linha para fazer uma guia para eles. Isso já trará um “feeling” para a “cozinha” pelo fato de o baixo e a bateria terem sido gravados juntos. Não sejamos radicais, se a tocada da bateria ficou boa, mas o baixo errou uma notinha, não precisa fazer tudo de novo. É só emendar a nota que o baixo errou.

Outro procedimento na “Old School” é a pesquisa de timbres no campo acústico. Ao microfonar um instrumento, tentamos obter o melhor timbre natural possível sem precisar ficar adicionando plug-ins. Uma boa dica, por exemplo, é posicionar o microfone em frente a fonte sonora usando um fone de ouvido e ir mexendo na posição do microfone para perceber as nuances de mudança do timbre à medida que o microfone vai se deslocando. Não existe regra para se posicionar um microfone. Aonde soar melhor é o lugar. Tudo isso é um pouco mais demorado, mas, no cá-entre-nós, é mais divertido...

Na “Old School” a execução assume uma grande importância pois a intenção é manter o take o mais natural possível. Também é mais trabalhoso. São realmente muito poucos os músicos que gravam tudo de primeira sem errar. Já vi muitos músicos de primeira linha refazendo várias vezes uma parte, ou um solo. É claro que depois de um tempo a coisa começa a perder a naturalidade. Um grande dilema é que normalmente os primeiros takes sãos os mais cheios de vigor e de sentimento, mas também são os mais imperfeitos. Entende o dilema artístico que se abre ? Se tiver empacado, as vezes é melhor voltar para casa e fazer outro dia para não ficar frio e racional.

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A edição na “Old School” existe sim, mas o seu enfoque é mais corretivo do que propriamente estético. Tanto a correção de execução quanto a de timbre. Um timbre de guitarra também é composto pelo seu amplificador. Os timbres já são captados bem próximos do que eles irão soar no final do disco. Não tem muito aquela coisa do “depois a gente muda o timbre na mixagem…” Qual é o grande ganho da “Old School” ? É a naturalidade e a espontaneidade de um momento registrado. Estes momentos podem ser mágicos e transmitirem muita emoção. E a música nada mais é uma forma de arte, e toda forma de arte procura passar emoção, sentimentos, sensações, etc… Hoje, os maiores clássicos da nossa música (músicas que fazem sucesso há pelo menos 20 anos) foram todos gravados desta maneira, por que ainda não existia a “New School”. Estamos acostumados a ouvir este tipo de resultado. Alguém conseguiria imaginar um disco dos Beatles, Tom Jobim ou do Frank Sinatra totalmente editado ? Não seriam eles. Nas músicas de sucesso atuais, ainda ouvimos várias feitas no processo da “Old School”.

Já a “New School” não é uma vilã pós-moderna-globalizada que veio para exterminar o romantismo da “Old School”. Ela traz muitas coisas boas. Basicamente eu a entendo como um processo ilimitado de manipulação no áudio gravado, que pode torna o resultado final algo totalmente diferente do que foi gravado. Talvez a coisa mais incrível da “New School” seja o fato de que a música pode ser composta enquanto está sendo gravada. Podemos começar gravando fragmentos ou blocos de idéias, ir combinando eles até que uma composição comece a tomar forma, e esta forma pode te induzir a um caminho que você jamais tomaria se estivesse compondo a música partindo de uma folha de papel em branco. Algo de muito bom na “New School”, é que a possibilidade de manipulação democratiza as idéias. Mesmo na “Old School”, um disco com ótimos músicos, ótimos cantores e até boas músicas não está a salvo de naufragar por causa de idéias de mau gosto. Na “Old School” existia um “corporativismo velado” aonde só os virtuosos poderiam produzir um disco com qualidade técnica. Mas a qualidade técnica não supera uma falta de inspiração. Uma pessoa que tivesse ótimas idéias, mas não soubesse executa-las, estaria excluída deste processo. O processo de edição da “New School” toma muito mais tempo, mas permite que uma pessoa sem virtuose técnica, mas com ótimas idéias, chegue a um resultado final competitivo. Outro ponto positivo da “New School” é não ser tão purista. Por oferecer mil possibilidades de correção, um produtor mais esperto pode saber a hora que se conseguiu aquele take perfeito para a emoção do disco, aquele momento mágico e não descarta-lo só por que houve um pequeno deslize de alguém na execução. Não vale a pena jogar fora aquele take que arrepia os cabelinhos do braço só por que o vocalista ficou um pouquinho abaixo da afinação em uma nota, ou o guitarrista errou uma notinha na saída do solo. Neste caso, auto-tune e “Ctrl+C e Ctrl+V” neles !

Para mim o grande pulo do gato não é travar uma guerra santa entre a “New School” e a “Old School”, e sim usar o que as duas tem de melhor, tomar cuidado com as desvantagens de cada uma e compreender que as duas podem conviver perfeitamente em harmonia. É muito comum que em um trabalho estejam envolvidas mais de uma pessoa e que uma seja mais da Old e outra da New. A coisa mais esperta a se fazer é deixar que cada uma se sobressaia na parte que sabe fazer melhor. Não coloque o moderninho para ficar captando sons acústicos, usando prés e compressores valvulados. Coloque o para fazer loops... Não coloque os velhinhos para ficar editando bateria. Coloque os para gravar umas guitarras com uns três microfones e ficar mudando a posição deles até conseguir um bom som. Os moderninhos são mais rápidos, os velhinhos são mais pacientes. Cada um com as suas virtudes.

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Vou tentar descrever um processo típico da produção de um disco conjugando as duas escolas (é como eu faço). Escolhemos o repertório e colocamos no disco as músicas que julgamos as melhores. Depois disso vem a escolha dos tons. Um tom equivocado pode arruinar a uma música. Depois, são os ensaios para a gravação das bases. Até aí, totalmente “Old School”. A maioria dos home-studios não comportam uma banda inteira tocando ao vivo, com várias salas isoladas de modo que se possa gravar valendo bateria, baixo com amplificador, guitarra com amplificador, teclado, etc.... A maior parte dos pequenos e médios estúdios tem apenas uma sala de gravação.

Neste caso pode-se começar a música com um click, guitarra guia, voz guia, bateria valendo e um baixo de linha que pode ser valendo ou não. Se for usar um loop coloque antes para que o batera toque em cima dele para ficar mais musical, mas se a idéia do loop só aparecer depois, normalmente a bateria vai ficar “flanzeando” com o loop quando eles forem colocados juntos. Calma. A “New School” tem a solução! Pode ser resolvido de três maneiras, e só a situação no momento dirá qual a melhor. A primeira é pegar um trecho da levada que esteja perfeito (ou edita-lo até ficar) e sair repetindo. Não é o meu preferido. Acho que fica muito artificial. O outro é editar o loop em cima da bateria. Também não é o meu preferido. Como eu gosto de sofrer, eu primeiro edito um compasso do loop para ter certeza que ele está exatamente em cima do grid da música. Depois edito a bateria em cima do grid. Dá um trabalho desgraçado, mas fica bom. As vezes o baterista esquece de dar uma pratada. Não vejo nenhum problema na New School socorrer copiando uma pratada de outro trecho da música. Só acho a New School um problema quando se quer trocar por sound-replace todos os sons da bateria, pegar um compasso e sair repetindo, colocar todas as caixas e bumbos no mesmo volume... Neste caso é melhor fazer em midi.

Bateria gravada, vamos para o baixo. Eu particularmente prefiro de amplificador, mas já ouvi ótimos timbres de baixo gravados em linha... Guitarras para mim só com amplificador. Volta para a Old School. Bons microfones e um pouco de paciência podem gerar resultados maravilhosos. Violão em linha ? Nem pensar. Gravação de voz ? Não acredite que um software pode fazer um Shure SM-57 soar como um AKG C-12. Um microfone dinâmico jamais soará como um condensador. Na hora da captação a Old School manda... Se o som estiver mais ou menos, não fique achando que algum plug-in vai consertar. Troque até de músico se for necessário, mas um som ruim é um som ruim e nada muda isso. No máximo deixa mais nítido para que todos ouçam que aquele som é ruim mesmo. Preste atenção na qualidade da execução. Não acredite que a “New School” vai salvar uma guitarra sem pegada, mas também não deixe a “Old School” limitar possibilidades de reestruturação da música caso seja necessário.

Outro ponto importante é a mixagem do trabalho. Tanto na Old quanto na New, muita coisa pode tomar outra forma durante a mixagem, mas a new leva vantagem neste campo. É comum de percebermos durante uma mixagem, quando já temos uma noção bem real de como a música soará, que um refrão pode estar se repetindo demais. Se tiver certeza disso, não tenha pena. Corte-o da música. É claro que devemos ser musicais, não abusar da edição ao ponto de tornar a música uma coisa sem pé nem cabeça.

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A grande questão não qual das escolas deve prevalecer, e sim potencializar as vantagens e minimizar as desvantagens de cada uma. Se você for bom nas duas, melhor ainda. Se não, tente aprender mais sobre a que você sabe menos. Uma coisa que está acima desta discussão é obter o conhecimento. O conhecimento é necessário para as duas escolas. Temos que saber como funcionam os microfones, que tem a mesma tecnologia a mais de 50 anos. Temos que saber como se comportam os fenômenos físico-acústicos que não mudam desde que Deus criou o mundo. Temos que saber como funcionam os sistemas operacionais que fazem nossos computadores trabalhar tão lentamente e o que fazer para minimizar isto. Temos que saber das novas tecnologias e ferramentas que vão nos possibilitar a resolver problemas antes considerados insolúveis. Aprender o novo não é descartar o antigo. Manter o antigo não é repudiar o novo. A soma é o que faz crescer. Quando um filho caçula nasce em uma casa, o mais velho não é expulso. O mais velho terá muita coisa para ensinar ao mais novo, e o mais novo fará o mais velho enxergar antigas questões por uma nova ótica. Em alguns momentos eles podem até ter ciúmes um do outro, mas o pai esperto (o produtor, no caso) faz que os irmãos se unam e que a família se torne mais forte.

Nada é perfeito...

O trabalho de um produtor é buscar a perfeição na realização de um disco. A discussão que aqui será levantada é justamente o que é essa perfeição. A arte, por essência, representa a alma humana, que por essência é imperfeita. Seria possível se atingir uma perfeição artística ? Há quem diga que Mozart atingiu, mas conheço várias pessoas que não gostam de música clássica. Dizem que dá sono... O que aconteceria se tocássemos Mozart no meio de um baile funk ou de um pagodão ? Acho que não iria agradar muito. Apesar de alguns eruditos insistirem, nem Mozart é perfeito.

O produtor busca a essência do artista, tenta selecionar o melhor material possível, em termos de composição para que o disco tenha qualidade e unidade artística. Ele também tenta selecionar os melhores músicos e arranjadores que estiverem à disposição para que o disco tenha também uma boa qualidade musical. Nenhum disco é perfeito, mas alguns quase são. Na verdade não gosto de chama-los de perfeitos, e sim de memoráveis, marcantes ou até revolucionários.

Uma sensação bem presente no meio de produção musical é que certos discos de décadas atrás, não tem um som tão claro, alto e forte como os de hoje. Tecnicamente os discos de “estética não underground” feitos hoje tem um som muito mais definido. Mas depois de uns 5 anos, o som deles já fica “datado”, e certos álbuns antigos parecem sobreviver durante décadas sem se tornarem enjoativos. Por que isso acontece ? A resposta não é clara, mas existem algumas coisas que apontam para alguns caminhos. Para mim, a maior revolução causada pela tecnologia de gravação digital, não é a diminuição dos custos, não é o acesso a um maior número de pessoas, nem tampouco a melhoria do som. A grande mudança, ao meu ponto de vista, está na possibilidade quase que ilimitada de edição. Isso pode ser maravilhoso, mas também poder ser perigoso.

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Ricardo Mendes Introdução à Produção Musical

A edição não linear do áudio proporcionada pelas DAWs (digital audio workstations) nos cria uma ilusão de que tudo pode ser consertado, editado, manipulado, afinado, quantizado, etc... É verdade sob certo aspecto, mas isso pode nos distrair e passar a achar que um baterista ruim pode soar bem se ele for quantizado. Ou “tem um plug-in simulador de amplificador de guitarra que vai deixar aquele sua guitarra vagabunda com cordas velhas com a maior “sonzeira”...

Nessa busca da perfeição começa-se a manipulação do áudio de maneira quase que obrigatória. Para mim um dos maiores símbolos disso é o “sound-replace”. É uma ferramenta muito utilizada, especialmente na edição de bateria, aonde você pode trocar o som dos tambores (não funciona com pratos) por sons de sample. Aquela bateria vagabunda que você gravou, agora pode ter o som da caixa do Stweart Copland, o som dos tons do Neil Peart, e o som de bumbo do John Bonhan. Um simples software de alguns kbytes junta os sons de bateria do The Police, Rush e Led Zeppelin em um só kit... E com você tocando !!! Milagres da tecnologia moderna...

Aí está exatamente o problema. O timbre também faz parte da personalidade de um músico, e a sua personalidade faz parte da personalidade de uma banda. Ao usar timbres que pertencem a outras personalidades, está se abrindo mão de parte de uma personalidade própria. “Ah, mas o mercado pede...” O mercado não pede nada. Ele vende. Pode ser o som ruim que for, se tiver gente querendo comprar, o povo pede, o lojista pede, os piratas não pedem, pirateiam e o mercado atende. Acho ingenuidade acreditar que ter um som sampleado de um baterista tal vai fazer um disco ser mais aceito. Acho extremamente válido se editar um take de bateria por que o baterista não era lá estas coisas e não vou deixar um disco meu sair com a bateria atravessando. Mas o baterista da banda não sou eu, nem o Neil Peart. Aquela bateria, tocada naquela sala, por aquele baterista, naquele momento, naquela afinação tem um som único. É um momento mágico que deve ser captado da melhor forma possível. Não se preocupar muito com a captação por que “depois eu boto o som da bateria do Metallica” é simplesmente desprezar a identidade do músico que estará tocando. Ele pode não ter uma bateria tão bom, nem tocar tão bem quanto o cara do Metallica. Mas é ele, com nome e sobrenome próprios.

O fato é que quando se usa esse tipo de recurso sempre, as coisas acabam ficando parecidas. Um bom baterista imprime a sua sonoridade e da personalidade a um trabalho. É nesse ponto que eu quero chegar. O baterista da banda que você está produzindo pode não ser nenhum Neil Peart, mas ele pode ser um Ringo Starr... Deixe a sua personalidade fluir. Se o som da bateria não está bom, a culpa é sua. Ele é apenas um garoto inexperiente. VOCÊ é o produtor. Comprar peles novas, afinar a bateria, microfonar, checar a fase, orientar o baterista durante a gravação... tudo isso dá muito mais trabalho, mas preservará a originalidade do músico e da banda.

Outra ilusão que pode ser criada é com o auto-tune, melodyne ou qualquer outro software de correção de pitch. Ter a possibilidade de um take perfeitamente afinado não quer dizer que temos um bom take de voz. existem fatores como timbre, interpretação, sentimento, swing vocal, etc... Já presenciei algumas gravações aonde o take vocal estava medonho e as pessoas diziam: “fica tranqüilo que depois a gente passa o auto-tune”. O meu raciocínio é: tenha uma porcaria perfeitamente afinada e perfeitamente quantizada e você terá uma porcaria perfeita.

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Ricardo Mendes Introdução à Produção Musical

Existe um linha muito tênue que deve ser observada por nós produtores. Esta linha está entre a perfeição e a frieza ou pasteurização. No tempo da fita, aonde as possibilidades de edição eram bem mais limitadas, também se corria o risco da frieza, mas o caminho não era pela edição. Os músicos faziam tantos takes em busca de um take perfeito de depois de um tempo eles ficavam mecânicos e frios, sem vida nenhuma. Nesta época, os produtores mais malandros sempre guardavam os primeiros takes que quase sempre eram escolhidos pelo próprio músico como os melhores. Os primeiros normalmente são mais cheios de vigor. É normal o músico demorar de um a três takes para esquentar e “entrar no clima” da música. Mas depois do décimo quinto take a coisa começa a ficar chata para todo mundo, e isso será passado no disco. Se estiver no vigésimo sexto take, talvez seja a hora de reavaliar o arranjo e tentar simplificar um pouco. Ou seja a “frieza” não vem do digital, e sim de se colocar a perfeição técnica em cima de outros fatores mais importantes como composição, arranjo e interpretação.

É sempre saudável manter um clima de bom humor no estúdio, mesmo quando algo esteja emperrado. Ofereça soluções ao invés de reclamar das limitações dos outros. Esse “astral” também é passado no disco. A função básica do produtor é captar a essência do artista e não fazer o disco que você está produzindo ter um som igual a outro que está estourado no mercado, pois até por quando este disco estiver saindo, o mercado já mudou. E se alguém falar: “Pô, o disco que você fez tem um som igualzinho daquela banda...” Não considere isso um elogio, mesmo que a pessoa que disse tenha querido te elogiar. Mesmo na maior das boas intenções, ela disse que o trabalho está sem personalidade. Ter personalidade é mais arriscado, mas costuma dar mais certo do que imitar.

A tecnologia nos oferece soluções miraculosas... Sim, para os problemas técnicos, com certeza absoluta. Mas para os aspectos artísticos... Como já dizia Tom Jobim: 10% inspiração e 90% transpiração. O aspecto artístico é sem dúvida a parte mais trabalhosa de um disco, e não pode ser resolvida com um software.

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Ricardo Mendes Introdução à Produção Musical

Aspectos práticos do processo de produção musical

Escolha do repertório:

Existem processos que são comuns as duas escolas. A escolha de repertório é um deles. Talvez a etapa mais importante da produção de um disco seja a escolha do repertório. Não existe perfeição de um técnico ou a genialidade de um arranjador que salve um disco com um repertório ruim. Uma música boa pode ser reconhecida como tal somente pela melodia e letra tocada em um violão, piano ou simplesmente cantada à capela. A composição (letra, melodia e harmonia) já é capaz de nos emocionar por si só.

Dica 1 - Sempre que for escolher repertório, tenha sempre mais músicas para escolher do que o número que vai entrar no disco. Quanto mais melhor. Aumentam-se as chances de acertar na escolha das músicas e também fica mais fácil de no caso de uma banda, os integrantes chegarem a um consenso sobre quais entram e quais ficam de fora. Tente enxergar, ou melhor, ouvir o conjunto de letra e melodia.

Dica 2 - Nós músicos somos muito influenciados pelos arranjos. Se você recebe uma demo com a banda tocando, pode ser que uma composição ruim tenha um arranjo bom e uma composição boa um arranjo ruim. Isso pode alterar a nossa percepção e nos fazer achar que a música pior com o arranjo melhor é superior do que a música melhor com o arranjo pior. Não é. As “pessoas comuns” não dão o peso que nós damos ao arranjo. Uma música boa com um arranjo razoável é muito superior a uma música ruim com um arranjo genial. Uma música boa com um arranjo bom é simplesmente imbatível. Mesmo que a banda tenha uma demo gravada, peça uma versão só com voz e violão. Não precisa ter uma boa qualidade. O intuito é somente registrar as canções.

Escolha da tonalidade:

Saber o tom certo. Muitas vezes a música não é composta no melhor tom para quem vai cantar, até mesmo quando o cantor é a própria pessoa que fez a música. A partir da tonalidade original, experimente tons próximos, como um ou meio tom acima ou abaixo. Se o cantor canta relativamente confortável, mas tem dificuldade nas notas agudas, tipo forçando demais a voz, o tom está um pouco alto. Experimente meio, um tom, até um tom e meio abaixo. Se ele tem dificuldade nas mais graves, tipo falta ar para emitir a nota, tente o contrário. Já se ele não está confortável em nenhum trecho da música, tente tonalidades mais distantes. De dois a três tons e meio acima ou abaixo. Preste atenção também em fatores como o horário – de manhã é mais difícil atingir as notas mais agudas e é mais fácil atingir as notas graves. Tenha certeza que o cantor está bem de saúde, sem estar gripado ou algo do tipo. Quando resfriado, o cantor tem a sua extensão vocal reduzida.

Escolha do andamento:

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Ricardo Mendes Introdução à Produção Musical

Dica 1 - A escolha equivocada do andamento pode arruinar a música. Se estiver lento demais a música fica “sonolenta”, e se estiver rápido demais, a música fica “nervosa” e sem “suingue”. Para mim a melhor maneira de se achar o andamento não é através do “groove” da base, e sim da métrica da melodia. Peça para a banda tocar na voz e violão e preste atenção no cantor. Se algumas frases estiverem difíceis de se pronunciar e se embolando é por que está um pouco rápido. Se parecer que o cantor está meio “bêbado”, arrastando as palavras é por que está lento. Se o andamento está bom para a voz, mas não está bom para o “groove”, não hesite. Mude o “groove”. Pode ser que o baixista e o batera fiquem frustrados de terem que mudar aquele “groove” perfeito que eles vinham fazendo, mas se existe uma hierarquia na música, a melodia está acima de tudo.

A princípio, grave com click. Algumas pessoas dizem que o click tira espontaneidade, que não deixa a música respirar... Bem, eu concordo, mas gravar sem click é para os extremos. Os melhores profissionais possuem uma consistência rítmica que manterá a música dentro de um andamento médio, e poderão usar da sua sensibilidade para variar o andamento de maneira consciente, se a música sugerir. Neste caso pode ser uma grande vantagem gravar sem click. Isso tornará a música mais orgânica. No outro extremo estão a bandas totalmente iniciantes que simplesmente não são capazes de tocar com o click. Usar o click pode inviabilizar completamente uma sessão de gravação. Bem, citei a situações extremas, mas com certeza na maioria das vezes você terá muito mais vantagens em gravar com o click do que gravar sem.

Dica 2 - O click tem uma componente de pressão psicológica muito forte em cima dos músicos iniciantes, em especial sobre os bateristas. A solução que funciona na maioria dos casos para estas bandas conseguirem tocar em cima do click foi é programar um compasso da levada da música na bateria eletrônica ou no sequencer, usando bumbo caixa e contratempo. Copie este compasso até o final da música. Na hora de gravar, o baterista toca ouvindo a bateria programada junto com o resto da banda. A bateria programada soa bem mais musical do que um click, e grande parte da pressão psicológica desaparece. Se você já teve este problema, experimente isso.

Dica 3 - Cuidado com o vazamento de fones de ouvido (headphones) do baterista. O baterista toca isolado em uma sala, e seu instrumento emite muito volume. Por causa disso o baterista costuma usar seu fone de ouvido muito alto, também sempre pede ao técnico de som que coloque o click muito alto. Normalmente será impossível ouvir qualquer vazamento do fone do baterista nos canais de bateria durante a música, pois este instrumento tem uma relação sinal-ruído muito alta. Mas nas pausas ou finais de música aonde existe uma sustentação do som dos pratos, é bastante possível quem o vazamento do som do click através dos fones possa ser captado pelos microfones de over-head da bateria. No caso de ser o fim da música, a solução é cortar o click da via do baterista após o ataque final. Se for uma pausa no meio da música, você não pode cortar o click totalmente, pois tiraria a referência de tempo do baterista e ele reentraria um pouco atrasado ou adiantado em relação ao resto da banda. Neste caso diminua um pouco o volume do click na via do baterista somente durante a pausa, retornando ao volume original quando ele entrar tocando novamente. Parece um pouco complicado, mas depois de algumas tentativas fica fácil.

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