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1 Departamento de Sociologia, Universidade Estadual Paulista/UNESP, Campus de Araraquara. <[email protected]> Maternidade: transformações na família e nas relações de gênero* Lucila Scavone 1 SCAVONE, L. Motherhood: transformation in the family and in gender relations. Interface _ Comunic, Saúde, Educ, v.5, n.8, p.47-60, 2001. This article makes a sociological reflection on the most striking changes in the patterns and experiences of contemporary motherhood, based on existing studies and research, trying to place the debate surrounding this process. It assumes that choosing motherhood is a modern phenomenon consolidated in the course of the twentieth century as a result of the progress of industrialization and urbanization. With increased access to formal education and professional training, women will tend to take up positions in public space, while remaining responsible for raising their children, which turns motherhood into a reflexive choice, enabled by modern contraception (and conception). This choice, however, is marked by the relations of class, race and ethnic background, and gender. The article concludes that we are currently experiencing a transition period toward a new model of family and motherhood, whose basis it the ideal of equally balanced parental responsibility that, despite some progress, is still far from having been attained. KEY WORDS: motherhood, gender, family. Este artigo faz uma reflexão sociológica das mudanças mais marcantes nos padrões e experiências da maternidade contemporânea, com base em estudos e pesquisas existentes, buscando situar o debate que tem sido construído em torno desse processo. Pressupõe que a escolha da maternidade é um fenômeno moderno consolidado no decorrer do séc. XX com o avanço da industrialização e da urbanização. Com mais acesso à educação formal e à formação profissional, as mulheres vão ocupar o espaço público, mantendo a responsabilidade da criação do(a)s filho(a)s, o que fez a maternidade se tornar uma escolha reflexiva, possibilitada pela contracepção (e concepção) moderna. Entretanto, essa escolha é marcada pelas relações de classe, de raça/etnia e de gênero. Conclui que estamos vivendo um período de transição para um novo modelo de família e maternidade, cujo substrato é o ideal de eqüidade na responsabilidade parental que, apesar dos avanços, ainda está longe de ser alcançado. PALAVRAS-CHAVE: maternidade, gênero, família. 47 fevereiro, 2001 * A primeira versão deste texto foi apresentada no GT Família e Sociedade na XIX Reunião Anual da ANPOCS, Caxambu, MG, 1995.

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ARTIGO

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  • 1 Departamento de Sociologia, Universidade Estadual Paulista/UNESP, Campus de Araraquara.

    Maternidade: transformaes na famlia e nasrelaes de gnero*

    Lucila Scavone1

    SCAVONE, L. Motherhood: transformation in the family and in gender relations. Interface _ Comunic, Sade, Educ,

    v.5, n.8, p.47-60, 2001.

    This article makes a sociological reflection on the most striking changes in the patterns and experiences ofcontemporary motherhood, based on existing studies and research, trying to place the debate surrounding thisprocess. It assumes that choosing motherhood is a modern phenomenon consolidated in the course of thetwentieth century as a result of the progress of industrialization and urbanization. With increased access to formaleducation and professional training, women will tend to take up positions in public space, while remainingresponsible for raising their children, which turns motherhood into a reflexive choice, enabled by moderncontraception (and conception). This choice, however, is marked by the relations of class, race and ethnicbackground, and gender. The article concludes that we are currently experiencing a transition period toward a newmodel of family and motherhood, whose basis it the ideal of equally balanced parental responsibility that, despitesome progress, is still far from having been attained.

    KEY WORDS: motherhood, gender, family.

    Este artigo faz uma reflexo sociolgica das mudanas mais marcantes nos padres e experincias da maternidadecontempornea, com base em estudos e pesquisas existentes, buscando situar o debate que tem sido construdo emtorno desse processo. Pressupe que a escolha da maternidade um fenmeno moderno consolidado no decorrer dosc. XX com o avano da industrializao e da urbanizao. Com mais acesso educao formal e formaoprofissional, as mulheres vo ocupar o espao pblico, mantendo a responsabilidade da criao do(a)s filho(a)s, oque fez a maternidade se tornar uma escolha reflexiva, possibilitada pela contracepo (e concepo) moderna.Entretanto, essa escolha marcada pelas relaes de classe, de raa/etnia e de gnero. Conclui que estamos vivendoum perodo de transio para um novo modelo de famlia e maternidade, cujo substrato o ideal de eqidade naresponsabilidade parental que, apesar dos avanos, ainda est longe de ser alcanado.

    PALAVRAS-CHAVE: maternidade, gnero, famlia.

    47fevereiro, 2001

    * A primeira verso deste texto foi apresentada no GT Famlia e Sociedade na XIX Reunio Anual da ANPOCS, Caxambu, MG, 1995.

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    LUCILA SCAVONE

    Introduo

    O objetivo deste artigo fazer uma reflexo sociolgica das mudanas maismarcantes nos padres e experincias contemporneas da maternidade, combase em estudos e pesquisas existentes, situando o debate terico em tornodesse processo (Badinter,1980; Chodorrow, 1980; Deutsch,1987; Ferrand,1982; Knibielher, 1977; Kitzinger, 1978; Vilaine et al., 1986). Pressupomosque a escolha da maternidade um fenmeno moderno consolidado nodecorrer do sc. XX com o avano da industrializao e da urbanizao.

    As transformaes pelas quais os padres de maternidade vm passando,nos ltimos trinta anos, devem ser pensadas em conexo com essesprocessos sociais e com a globalizao econmica, a qual contribuiu paraacelerar a difuso de novos padres de comportamento e consumo. Entreestes, podemos citar como exemplo, o consumo crescente das novastecnologias reprodutivas (contraceptivas e conceptivas) que ofereceram smulheres, da dcada de sessenta em diante, a possibilidade de escolher commaior segurana a realizao da maternidade.

    Cabe lembrar, neste decurso, as mudanas que vm ocorrendo na vidaprivada, especialmente na famlia e nas relaes de gnero, com aemergncia de novos modelos de sexualidade, parentalidade e amor, taisquais os apontados por Giddens (1993, p.73) como o amor confluenteque presume igualdade na doao e no recebimento emocionais, frutodas relaes de gnero observadas, em pesquisas analisadas por este autor,nas sociedades inglesa e americana, nas dcadas de setenta e oitenta.

    Neste artigo abordamos a maternidade como um fenmeno socialmarcado pelas desigualdades sociais, raciais/tnicas, e pela questo degnero que lhe subjacente. Decorre disto que as mudanas e implicaessociais da realizao dessa experincia no atingem da mesma forma todasas mulheres, pases e culturas, apesar de existir um modelo de maternidadepreponderante nas sociedades ocidentais contemporneas, que tem comocaractersticas gerais proles reduzidas e mes que trabalham fora2 .

    Portanto, necessrio considerar neste debate a insero das mulheresno mercado de trabalho, sua presena no mundo pblico e os impactos queestes fatos trouxeram instituio familiar e, em conseqncia,

    experincia damaternidade. O pano defundo desta discussoressalta que a questo damaternidade em todos seusaspectos sempre estevepresente na luta libertriadas mulheres e, portanto,foi objeto constante dareflexo terica feminista. com base nesteselementos que construmosnossa reflexo sobre amaternidade.

    2 As diferenas domodelo dominante dematernidade soobservveis nasvariaes das taxas defecundidade emdiferentes pases. Elacostuma ser mais altanos pases menosdesenvolvidos, onde aspolticas de controle danatalidade ainda estoem curso ou naquelespases que, por motivosculturais, sociais eeconmicos estaspolticas no vingaram,como na maioria dospases africanos(George, 1990).Entretanto, segundoLeridon e Toulemon(1996), a taxa mundialde fecundidade em1991 era de um poucomais de trs filho/aspor mulher, indicando-nos que a tendncia damaternidade futuraser de prolesreduzidas.

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  • 49fevereiro, 2001

    MATERNIDADE: TRANSFORMAES NA FAMLIA E...

    Ser ou no ser me: dilema moderno?

    Nas sociedades rurais, a maternidade sempre foi assimilada fecundidade daterra. As crianas apareciam como necessrias para o trabalho e comosegurana para o futuro dos pais, na velhice e na doena, embora, muitasvezes, representassem um encargo no presente (Knibielher, 1977). Oinfanticdio tolerado a que se refere Aris (1981), no final da Idade Mdia,retrata uma poca na qual a vida da criana e a prpria experincia damaternidade tinham outro valor.

    Segundo Giddens (1993) a inveno da maternidade faz parte de umconjunto de influncias que afetaram as mulheres a partir do final do sc.XVIII: o surgimento da idia de amor romntico; a criao do lar, amodificao das relaes entre pais e filhos. O autor assinala que no final dosc. XIX houve um declnio do poder patriarcal com o maior controledas mulheres sobre a criao dos filhos referindo-se a um deslocamentoda autoridade patriarcal para a afeio maternal (Ryan 1981, apud.Giddens, 1993, p.53). Ele destaca como novo, neste perodo, a forteassociao da maternidade com a feminilidade.

    Este modelo se consolidou-se em uma ideologia que passou a exaltar opapel natural da mulher como me, atribuindo-lhe todos os deveres eobrigaes na criao do(a)s filho(a)s e limitando a funo social feminina realizao da maternidade. Entretanto, como nos alerta Knibielher eFouquet (1977), a realizao desse ideal de maternidade era impossvel paraas mulheres pobres:

    As classes dominantes que reinventam a maternidade como vocao

    feminina exclusiva esto em contradio absoluta com a realidade

    concreta: muitas mulheres trabalham no sc.XIX e devem assumir

    sua maternidade nas condies mais difceis. A distncia imensa

    entre o ideal descrito e sonhado da me educadora, consagrada em

    tempo integral a suas crianas, e a vida cotidiana das mes de

    origem modesta.3 (p.210)

    A transio de um modelo tradicional de maternidade (a mulher definidaessencial e exclusivamente como me: proles numerosas) para um modelomoderno de maternidade (a mulher definida tambm como me, entreoutras possibilidades: proles reduzidas e planejadas) deu-se com aconsolidao da sociedade industrial.

    As contradies inerentes ao processo de industrializao e a forma comoas mulheres ingressaram no mercado de trabalho, marcadas por profundasdesigualdades sociais e sexuais, revelam os impactos desse processo namudana dos padres da maternidade. No momento em que as mulheres dasfamlias operrias, no sc. XIX, comearam a associar, de forma crescente,trabalho fora do lar e maternidade (leia-se, tambm, como trabalho no lar),instaurou-se a lgica da dupla responsabilidade, que se consolidou no sc.XX, com o avano da industrializao e da urbanizao, recebendo por partedas anlises feministas contemporneas a designao de dupla jornada detrabalho 4 .

    3 A realizao damaternidade no eraespecialmenteaconselhada smulherestrabalhadoras: asvendedoras nas lojas dedepartamentos emParis, na segundametade do sc. XIX,temerosas de perder oemprego, costumavamamarrar a barriga paraesconder a gravidez, oque resultava,seguidamente, emperda da criana (Zola,1998).

    4 Veja-se entre asanlises brasileirassobre mulheres etrabalho Bruschini(1994), Abramo ePaiva Abreu (1998).Sobre emprego eestratgias familiaresna Frana e Brasil verCahiers du GEDISST(1992). O feminismode inspirao marxistautilizou muito oconceito de duplajornada para designaro trabalho da mulheroperria na fbrica eem casa. Este ltimotambm foi chamadode trabalho invisvel.Ver Larguia (1970).

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    Com mais acesso educao formal e formao profissional, asmulheres vo, no decorrer do sculo XX, ocupar gradativamente o espaopblico, ao mesmo tempo em que mantm a responsabilidade na criaodo(a)s filho(a)s. Neste contexto, ser ou no ser me passou a ter umadimenso reflexiva5 , a ser uma deciso racional, influenciada por fatoresrelacionados s condies subjetivas, econmicas e sociais das mulheres e,tambm, do casal.

    O advento da modernidade e de suas conquistas tecnolgicas, sobretudono campo da contracepo, e mais recentemente da concepo, trouxe smulheres uma maior possibilidade na escolha da maternidade e abriu espaopara criao do dilema de ser ou no ser me. Um dos elementos queviabilizou a escolha da maternidade foi, sem dvida, a contracepomoderna.

    Entretanto, o controle da fecundidade (com o uso de contraceptivos e/ouabortivos) no novo na Histria. Diferentes sociedades utilizaram diversasformas de evitar os nascimentos. Para Shorter (1992, p.168)

    as mulheres sempre tiveram a possibilidade de acabar com uma

    gravidez indesejada, principalmente pelo meio de drogas abortivas.

    Algumas dessas drogas eram muito perigosas e precisava uma

    vontade firme para us-las. Assim, o aborto foi quase sempre um

    ato desesperado.

    Foi no final do sc. XIX que essa situao comeou a mudar e segundoShorter, acontece a primeira grande exploso do aborto, como meio delimitar os nascimentos.

    Esses fatos sugerem que a realizao da maternidade no foi sempreaceita como irreversvel, ocorrendo na Histria, em pocas distintas e pormotivos diversos, uma recusa circunstancial da maternidade frente aospadres de natalidade dominantes, sobretudo entre as mulheres solteiras e/ou entre aquelas que j tinham tido muito(a)s filho(a)s. Vale dizer, acondenao social desta recusa sempre foi muito forte, ainda persistindo emsociedades nas quais o aborto proibido.

    Nas sociedades industrializadas modernas, com o advento doplanejamento seguro dos nascimentos e a possibilidade de escolher omomento, retardando a idade de as mulheres terem o primeiro filho/a(Langevin, 1984), a recusa circunstancial da maternidade deu lugar escolha da maternidade.

    Os motivos da escolha da maternidade podem estar ligados a inmerascausas que, isoladas ou conjuntas, se explicariam no ponto de interseo dobiolgico, do subjetivo e do social: o desejo atvico pela reproduo daespcie, ou pela continuidade da prpria existncia; a busca de um sentidopara a vida; a necessidade de uma valorizao e de um reconhecimentosocial (como no caso de algumas mes adolescentes, ansiosas por ocupar umespao de maior respeitabilidade na sociedade); o amor pelas crianas; areproduo tradicional do modelo da famlia de origem, entre outros.

    Em relao aos fatores especificamente sociais esto as condieseconmicas e culturais das famlias; os projetos e possibilidades profissionais

    5 No sentido utilizadopor Giddens (1991,p.45): A reflexividadeda vida socialmoderna consiste nofato de que asprticas sociais soconstantementeexaminadas erevisadas luz denovas informaessobre estas prpriasprticas, alterandoconstitutivamente seucarter .

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    MATERNIDADE: TRANSFORMAES NA FAMLIA E...

    das mulheres. As facilidades ou as dificuldades variam de uma classe paraoutra e de pas para pas: a situao e a qualidade dos servios pblicos e/ou particulares disponveis; o apoio ou proximidade da famlia extensiva; asredes de solidariedade femininas. Entretanto, as condies materiais deexistncia no determinam, via de regra, a escolha da maternidade, emboraelas definam as caractersticas e as possibilidades desta escolha.

    Foi com o advento da contracepo medicalizada moderna,especialmente da plula contraceptiva, que as mulheres tiveram acesso auma das principais chaves para a livre escolha da maternidade, com apossibilidade de um controle eficaz e socialmente aceito da fecundidade.Embora o direito contracepo livre e gratuita tenha sido uma dasreivindicaes mais importantes do movimento feminista contemporneo,sobretudo o europeu, ele nem sempre foi produto de uma conquista dasmulheres, especialmente nos pases do sul.

    As formas diferenciadas da difuso dos mtodos contraceptivos emdiferentes pases - seja como conquista de uma luta feminista (o caso daFrana), seja como objetivo das polticas demogrficas (o caso do Brasil) -indicam a existncia de inmeras contradies nesse processo6 . Destaca-seentre estas, os limites da livre escolha marcados: pelas contradies declasse, raa/etnia; pelos impactos da utilizao de mtodos contraceptivospesados como a esterilizao feminina no Brasil; pelos danos que osmtodos contraceptivos, sem acompanhamento mdico, podem causar sade das mulheres; pelas desigualdades sociais relacionadas com o uso

    6 O declnio progressivoda fecundidade,mediante utilizao demtodos contraceptivosmodernos, alterando operfil demogrfico dapopulao brasileira,coincide com astransformaes queresultaram dosprocessos deindustrializao eurbanizao no pas, osquais possibilitaram aintroduo e aceitaode novos padres dereproduo e consumoprprios dos pases donorte. Este fato estigualmente associadoaos objetivos dos pasescredores em reduzir ocrescimentodemogrfico dos pasesdevedores, no quadrodos planos de ajusteestrutural definidos peloFundo MonetrioInternacional, quandoda concesso deemprstimos ao Brasil.(Scavone, Brtin,Thbaud-Mony, 1994).A BEMFAM, Sociedadedo Bem-Estar Familiar,entidade sem finslucrativos financiadapela IPPF (Federao dePlanejamento FamiliarInternacional) quesubvenciona programasde planejamentofamiliar nos pases dosul, um bom exemplodesta poltica. Ela foiuma das entidades quemais contribuiu para adivulgao e distribuiodos contraceptivos oraisno Brasil, atuandoinicialmente noNordeste e,posteriormente, noSudeste. Desde suainstalao no Brasil, em1965, a BEMFAMrealizou convnios comprefeituras, empresas,rgos estaduais efederais, evidenciando apoltica de laissez faireque o governo brasileiroadotou em relao aocontrole da natalidadeno pas. (World Bank,1990). Nos anos maisrecentes a BEMFAM vemrealizando surveysnacionais sobre asituao da SadeReprodutiva dasmulheres brasileiras(BEMFAM/ IRD, 1987 e1997).

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    dos mtodos contraceptivos (Scavone; Brtin; Thbaud-Mony, 1994). Caberessaltar que a esterilizao se tornou a soluo das mulheres brasileiras (elatino-americanas) para optarem pela no-maternidade7 .

    A legalizao do aborto, em diversos pases do hemisfrio norte, tambmfoi um elemento a mais neste processo, oferecendo condies seguras emenos culpabilizantes s mulheres para interrupo da gravidez indesejada.Em pases como o Brasil, onde o aborto no legalizado, o acesso ao mesmo mais complexo, o que no impede que ele venha sendo amplamenteutilizado8 . A prtica do aborto uma outra possibilidade de escolha para ano realizao da maternidade, reforando o carter social da maternidade esua no determinao biolgica.

    Os aspectos ambguos da escolha da maternidade, relacionados com ascondies scio-econmicas e subjetivas de quem escolhe - portanto, nemsempre fcil, possvel ou reflexiva - so visveis na anlise das diferentesexperincias contemporneas da maternidade que discutiremos mais adianteneste texto. A maternidade como escolha um fenmeno moderno econtemporneo que foi se consolidando no decorrer do sculo XX e a crticafeminista tem um lugar importante nesta reflexo, pois nos fornece osprincipais elementos para a compreenso do processo.

    Maternidade, Feminismo e Gnero

    A teoria feminista contribuiu para verbalizar a tomada de conscincia dasmulheres a respeito das implicaes sociais e polticas da maternidade. Ofeminismo libertrio, que politizou as relaes da vida privada, valendo-se dareflexo sobre questes ligadas esfera da vida ntima, colocou emdestaque, nos anos setenta (continuando pelos anos oitenta) a discusso dosignificado da maternidade9 .

    Os estudos feministas de ento privilegiaram a maternidade paraexplicar a situao de desigualdade das mulheres em relao aos homens.Por parte das correntes tericas radicais, considerava-se a maternidadecomo o eixo central da opresso das mulheres, j que sua realizaodeterminava o lugar das mulheres na famlia e sociedade. Portanto, a recusaconsciente da maternidade foi o caminho proposto por esse feminismo paraalcanar a liberdade. Esta recusa consistia em uma tentativa de negar ofatalismo biolgico feminino da maternidade, romper com o determinismodado pela natureza, j que ele era um argumento forte para justificar as

    desigualdades entre os sexos. Na Frana, destaca-se Beauvoir(1975, 1977), a mais expressiva expoente intelectual destacorrente. Nos EUA, uma outra corrente mais radicalcondicionava a libertao da mulher chegada da reproduoartificial, supondo que, ento, a maternidade no se passariamais no corpo das mulheres (Firestone, 1976).

    J num segundo momento, uma outra corrente, inspirada naPsicanlise, recupera a maternidade como um poderinsubstituvel que s as mulheres possuam - fazendo parte dahistria e identidade femininas - e os homens invejavam(Irigaray, 1981). O problema no era mais a negao da

    7 De fato, aesterilizao feminina um dos mtodoscontraceptivos maisutilizados nos pasesda Amrica Latina(Molina, 1999)confirmando aconstatao de estudosque apontam para ofato desta tcnica sermenos utilizada nomundo desenvolvidodo que no mundomenos desenvolvido(Berqu, 1999) onde aqueda da fecundidade considerada, pelosorganismosinternacionais, comouma meta importantevisando aodesenvolvimento(Mauldin e Ross, 1991).

    8 Estima-se que ummilho e quatrocentosmil abortos sorealizadosclandestinamente porano no Brasil. Istosignifica que 6% dasmulheres em idadereprodutiva realizamum aborto (The AlanGuttmacher Institute,1994).

    9 O slogan feminista oprivado tambm poltico sintetiza estapolitizao dasquestes privadas, asquais foram objeto deestudo nos grupos dereflexo dos anossetenta e oitenta(Revue Partisans,1970). A maternidadefoi um dos temasfavoritos dessasdiscusses, conformemostram inmeraspublicaes especficasda poca (Vilaine etal., 1986, entreoutras).

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    MATERNIDADE: TRANSFORMAES NA FAMLIA E...

    maternidade, mas, a diviso eqitativa das responsabilidades entre mes epais. Segundo anlise de Dandurand (1994, p.9):

    As posies das mulheres sobre a maternidade se situam num

    contnuo entre dois plos: um, no qual, a condio materna vista

    como exasperante, exigente ou mesmo destruidora; o outro, na

    qual ela apresentada como nica, rica e insubstituvel.

    De fato, passou-se das posies que ressaltavam as implicaes sociaisnegativas da maternidade para as que valorizavam seus aspectos psico-afetivos; de uma forte negao para uma vibrante afirmao, espelhandoprovavelmente as ambigidades concretas dessa experincia. No seuconjunto, essas reflexes constituem uma crtica feminista ao discursodominante da inveno da maternidade. Os elementos deste contra-discurso contriburam para maior tomada de conscincia das mulheres naconstruo de uma escolha reflexiva da maternidade. Por outro lado,contriburam para o questionamento mais profundo das relaes de gnerona famlia, (re)discutindo o lugar do pai. Esta crtica foi se renovando,acompanhando as mudanas sociais e, nos anos noventa, os estudosfeministas sobre a maternidade tomam uma nova direo.

    Primeiramente, tornaram-se mais escassos, principalmente enquantoreflexo mais abrangente do significado da maternidade. As pesquisas doperodo centraram-se nas questes mais especficas dos direitos e usos dastecnologias reprodutivas, bem como de suas conseqncias sade dasmulheres: contracepo, esterilizao, aborto, cesariana, nos pases do sul, enovas tecnologias de concepo, nos pases do norte (Dossi Mulher edireitos reprodutivos, 1993; Akrich e Laborie, 1999). Uma das questes quesurgiu dessas reflexes tem a ver atualmente com a ingerncia crescente daMedicina na procriao: a reproduo no estaria escapandoprogressivamente das mulheres? (Dandurand, 1994, p.9). Esta inquietaoremeteu, implicitamente, a uma postura positiva diante da maternidade:uma experincia feminina importante, cujo controle no deveria escapar smulheres. E, por outro lado, colocou o problema da maternidade no mbitode uma discusso mais ampla sobre os impactos das novas tecnologias nassociedades modernas, reavivando o debate sobre a relao natureza ecultura, com base no feminismo de inspirao ecolgica10 .

    Em segundo lugar, outro grupo de estudos analisou a questo damaternidade sob o ponto de vista das relaes sociais de sexo, ou degnero11 , construindo o conceito de parentalidade: trata-se de estudar oposicionamento dos atores sociais dos dois sexos no processo deconstituio do lao parental e no mais de partir de uma especificao apriori deste lao segundo o sexo (Combes e Devreux,1991, p.5). Este tipode anlise tem como ponto de partida a relao dos indivduos adultos(homens e mulheres) com suas crianas, no considerando a priori as noesde maternidade e paternidade. Esses estudos constataram ocorrncias de umtipo de parentalidade em que as mulheres continuam tendo uma relaomais comprometida com os filho(a)s do que os homens (Combes eDevreux,1991; Cournoyer, 1994), sendo ainda elas que assumem a maioria

    10 A corrente alemdesse feminismo sugeres mulheres umamelhor diviso dasatividades profissionaise maternais, dandomaior ateno aosfilhos e consumindomenos. Ver os textosde Mies (1991). Estaproposta vem aoencontro da propostade gesto e autonomiada vida privadadiscutida por Gorz(1991).

    11 Kergoat (1996, p.24) diz: impossvelcolocar em oposiognero e relaessociais de sexo, os doistermos so altamentepolissmicos.Encontramos nos doiscasos, o mesmo lequede acepes que voda simples varivelmulher, at umaanlise em termos derelaes sociaisantagnicas. Oconceito de relaessociais de sexo utilizado pelaSociologia francesa eresponde pelaconstruo social dasdiferenas entre ossexos, pressupondouma hierarquia social euma relao dedominao e poderentre os sexos. Oconceito de gnero,mais utilizado nosestudos de lnguainglesa, tambm vainessa direo, buscaultrapassar asdefinies dacategoria homem/mulher como umaoposio binria quese auto-reproduz (...)sempre da mesmamaneira, o queimplica refutar suaconstruo hierrquicacomo natural. Almdisso, a utilizao desteconceito mostra que aanlise deve estarvoltada para: asrepresentaessimblicas; o sentidodos smbolos e daexperincia; a polticainstitucional eorganizacional; aidentidade subjetiva(Scoot, 1990, p.10).

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    LUCILA SCAVONE

    das responsabilidades parentais. Por outro lado, na pesquisa de Combes eDevreux (1991) tambm foi observado que alguns homens tambmassumiam estas responsabilidades, indicando tendncias de transformaesnas relaes parentais e nas relaes de gnero. O estado atual dessaspesquisas reflete tanto as mudanas que esto ocorrendo no interior dafamlia e sociedade, como tambm as ambigidades de fundo quecaracterizam a experincia da maternidade.

    Mudanas nos padres da maternidade

    Analisando a experincia da maternidade entre as mulheres francesas,Ferrand (1994) assinala uma relao entre a idade de as mulheres terem oprimeiro filho e o meio social das mesmas, constatando que as francesas tmseus filhos majoritariamente na faixa dos 25-35 anos:

    o primeiro nascimento mais adiado quanto mais elevado o nvel

    de formao da me (..) A deciso de ter um primeiro filho s

    vezes um problema de calendrio; a de ter um segundo depende

    de outro registro. Cerca de uma me em seis no deseja o segundo

    filho, entretanto, ter dois filhos parece ser um ideal para a grande

    maioria dos casais. (p.83)

    Por outro lado, o terceiro filho, incentivado pelo Estado francs visando aoaumento da natalidade, provoca geralmente a interrupo da atividadeprofissional da me e remete a uma imagem de conotao negativa nasrepresentaes dominantes atuais: a da mulher que no trabalha fora.Mas, a autora explica que a queda de fecundidade na Frana nos ltimostrinta anos no deve ser interpretada como uma recusa de filho/as (...) aproporo de casais sem filhos nunca foi to fraca (Ferrand, 1994, p.83).

    Esta situao, num pas altamente industrializado e com uma poltica deincentivo natalidade explcita nos d elementos para afirmar que o padrode maternidade reduzida na sociedade francesa traduz a escolha reflexivadas mulheres, exercendo indiretamente seus efeitos no modelo tradicionalde paternidade (pai ausente) que vai sendo substitudo por um modelocontemporneo com maior participao do pai (pai presente). Destaca-setambm, naquele pas, o fato de que a escolha reflexiva do primeiro filho(a)apareceu influenciada pelo grau de formao da me e pelo seuenvolvimento na carreira profissional.

    Estudos demogrficos j demonstraram que a tendncia, em outrospases da Europa Ocidental, cada vez mais a expanso do padro reduzidode maternidade, abaixo de dois filho(a)s por mulher (Berqu, 1999, Leridone Toulemon, 1996).

    Alm disso, os prprios efeitos do processo de globalizao, a busca doequilbrio poltico-demogrfico mundial e a rapidez com que as informaescirculam, tendem a erradicar esse modelo para os pases do sul, ao mesmotempo em que as polticas natalistas tentam revert-lo nos pases do norte12 .

    No caso do Brasil, um dos grandes impactos dos ltimos anos na famlia eno padro vigente de maternidade foi a queda abrupta da natalidade o

    12 A globalizao nodeve ser vistasimplesmente como umfenmeno que estal , mas tambmcomo o que est aqui;ela afeta no somenteespaos locais, masafeta at asintimidades daexistncia pessoal, jque atua de modo atransformar a vidacotidiana Giddens(1994, p. 11).

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    nmero de filho/as por mulher passou de 4,5 em 1980 para 2,5 em 1996 por meio de uma intensa poltica de controle demogrfico, com ageneralizao abusiva da esterilizao feminina (Naes Unidas, 1994 apud.Leridon et Toulemon, 1996; PNDS/BEMFAM, 1997) . De fato, as anlises dastransformaes da famlia brasileira nos ltimos anos apontam para novosarranjos familiares, tais como famlias menores e aumento significativo demulheres chefes de famlia (Oliveira, 1996; Goldani, 1994). Por outro lado,as mulheres brasileiras participam cada vez mais do mercado de trabalho(Bruschini,1994), confrontando e/ou conciliando a vida profissional com avida familiar.

    Se a maioria das mulheres brasileiras ainda tem seus filho(a)s na faixaetria jovem, elas tambm interrompem definitivamente a opo damaternidade jovens e at com poucos filho(a)s. A esterilizao femininaaumenta com a idade, as mulheres jovens tambm usam este recurso: naPesquisa Nacional sobre Demografia e Sade (PNDS/BEMFAM, 1997), 11%das mulheres, em unio, at os 25 anos, so esterilizadas; dos 25 aos 29anos, a taxa aumenta para 27%, chegando a mais de 50% dos 35 aos 49anos. Nesta mesma pesquisa, das mulheres unidas com um filho/a, 6% soesterilizadas e para as mulheres unidas com dois filho(a)s esta taxa aumentapara 42% (PNDS, 1997).

    No Estado de So Paulo, 58,4% das mulheres tm filho(a)s entre 20-29anos; 6,5% tm filho(a)s entre 35-39 anos. Embora pouco representativo, opercentual dessa ltima faixa j demonstra um avano na idade darealizao da maternidade; em geral so mulheres profissionais que esperamprimeiro alcanar uma estabilidade e independncia financeira, para depoisrealizar a maternidade13 . Esta uma mudana que atinge menos asmulheres das camadas populares: em pesquisa que realizamos entre essasmulheres, no interior de So Paulo, aquelas que j tinham tido filho(as) eno pretendiam mais t-lo(as), 22% justificavam a no pretenso porconsiderarem que j tinham passado da idade, isto , estavam na faixa etriaentre 36-45 anos. Foi verificada, nessa pesquisa, uma relao positiva entreas mulheres que j tinham filho(a)s com a pretenso de no mais t-lo(a)s eas mulheres que no tinham filho(a)s com a pretenso de t-lo(a)s. Destasltimas, 80% pretendiam ainda ter filho(a)s e as 20% restantesexpressaram um talvez, denotando que a realizao futura da maternidadeestava presente nesse universo (Scavone, 1991).

    Todos os indicativos acima apontados sugerem que a experincia damaternidade na sociedade brasileira est em processo de mudana, seguindoo padro do tamanho de famlia vigente nas sociedades industriaisavanadas (proles reduzidas e maior reflexividade na escolha) ressalvando-se, porm, sua peculiaridade diante das profundas desigualdades sociais quevigoram no pas. Neste contexto, tanto a possibilidade de realizar umaescolha mais reflexiva da maternidade, como a valorizao da criana, variaem intensidade, de acordo com as condies scio-econmicas-culturais decada mulher, sugerindo as mltiplas influncias nesse processo de mudana.

    13 Artigo publicado naFolha de So Paulo(14/05/95), no dia dasmes, com base emdados da FundaoSEADE/1993, com ottulo ambgo devirus damaternidade, relata osdepoimentos demulheres que fizeram aopo pelamaternidade depois deterem conseguido umamaior estabilidadeprofissional efinanceira.

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    Impasses e Perspectivas

    Entre o modelo reduzido de maternidade com uma variedade crescente detipos de mes (mes donas de casa, mes chefes-de-famlia, mes produoindependente, casais igualitrios) e as diversas solues encontradas paraos cuidados das crianas (escolas com tempo integral, creches pblicas,babs, escolinhas especializadas, vizinhas que do uma olhadinha, crianasentregues a seus prprios cuidados, avs solcitos), a maternidade vai setransformando, seguindo tanto as presses demogrficas - natalistas oucontrolistas - como as diferentes presses feministas e os desejos de cadamulher.

    Se o modelo da maternidade reduzida pde diminuir a ambigidade entrevida profissional e vida familiar, para as mulheres ele no a esgotou. Arealizao da maternidade ainda um dilema para as mulheres que queremseguir uma carreira profissional, j que so elas que assumem a maioria dasresponsabilidades parentais. No seria este um dos fatores relevantes paraas mulheres brasileiras recorrerem a recursos radicais como a esterilizao eo aborto, decidindo pela no-maternidade?

    Ressalta-se, porm, que um dos aspectos mais evidentes natransformao da maternidade foi o rompimento com seu determinismobiolgico. Este rompimento levou separao definitiva da sexualidade coma reproduo, primeiro pela contracepo medicalizada, em seguida pelastecnologias conceptivas, desconstruindo a equao mulher=me, econstruindo uma outra equao mais complexa, na qual entram em cenacom maior vigor a classe mdica e as tecnologias.

    A maternidade artificial, ou a parentalidade artificial j so asfrmulas do presente (que se ampliaro no futuro) para os indivduosestreis que buscam a reproduo in vitro, com suas imbricadas implicaesticas, mdicas, polticas, alm de suas controvertidas conseqncias sadedas mulheres (Laborie,1996). A busca pelas tecnologias conceptivas jevidencia a nova conotao da escolha da maternidade, da paternidade, ouda parentalidade: a esterilidade (por vezes causada pela esterilizaoprecoce) pode ser resolvida pela Medicina e isto requer um longo processo,implicando uma escolha reflexiva.

    Entretanto, a maternidade continua sendo afirmada como umelemento muito forte da cultura e identidade feminina pela sua ligao como corpo e com a natureza. Essa afirmao nos pases do norte constitui oque j foi conceituado como nova maternidade, ou seja, a realizao daeqidade na responsabilidade parental (Sssmutch, 1988). Por outro lado,nesses pases a maternidade tomou uma dimenso coletiva inegvel,escapando ao individualismo familiar, a que se refere Knibielher (1977),passando a ser mais que um vnculo biolgico exclusivo, com o incrementode instituies especializadas; apesar de muitas de suas implicaes sociais eafetivas continuarem a constituir um conflito de gnero e entre os gnerosno interior da famlia. Nos pases do sul, essas mudanas afetam, sobretudo,as mulheres das classes mais privilegiadas.

    Em sntese, possvel observar, em relao famlia e experincia damaternidade, que estamos vivendo um perodo de transio para a

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    consolidao de um novo modelo de maternidade, o qual temcomo ideal a busca pela eqidade na responsabilidadeparental e cuja efetivao ainda est longe de ser alcanadaem todos seus aspectos, j que ela pressupe uma relaoigualitria entre os sexos. Para alcanar esta eqidademuitos elementos esto em jogo e, entre eles, a emergnciade uma nova sensibilidade social que derrube o iderio dodeterminismo biolgico.

    A escolha reflexiva para aceitao ou no da maternidade(da paternidade, ou da parentalidade) constitui um elementodeste perodo de transio, possibilitando s mulheres e aoshomens que a deciso pela reproduo seja feita com base naexperincia adquirida, sem medo, culpa, ou qualquer sentimento de no arealizao individual e/ou social. Evidentemente, esta escolha ser tantomais reflexiva quanto maior a possibilidade de acesso informao, cultura e ao conhecimento especializado.

    Este novo modelo, que ora j se esboa, tem diversas nuanas e se definecom mais ou menos fora de acordo com a classe social e o pas a que estreferido. o modelo: de proles reduzidas; de mulheres com carreirasprofissionais; de mes e pais, juntos e/ou separados, produzindo ereproduzindo; de casais hetero e homossexuais; de mes ou pais criandoseus filhos sozinhos; da institucionalizao dos cuidados maternos porprofissionais especializados; enfim, o modelo que busca se adequar smudanas da vida contempornea, ao mesmo tempo em que forjado porestas mudanas, redesenhando o funcionamento e a estrutura da famliacontempornea.

    Finalmente, cabe lembrar que alguns avanos nessa transio trazemconsigo novos problemas; se a possibilidade de acesso s novas tecnologiasconceptivas um recurso tecnolgico que refora a possibilidade de escolha(como costuma ser apregoado pelos seus defensores) ele cria novosimpasses na realizao da maternidade e nas relaes familiares, cujasconseqncias sociais ainda so pouco debatidas, mas provavelmente estarono foco das atenes dos estudos sobre famlia em futuro bem prximo.

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    El artculo hace una reflexin sociolgica sobre los cambios ms ntidos de los modelos y delas experiencias de la maternidad contempornea. Partiendo de trabajos e investigaciones yapublicados, el estudio trata de situar el debate que esse proceso h suscitado, considerandoque la eleccin de la maternidad es un fenmeno que se consolid durante el siglo XX segnavanzaban la industrializacin y la urbanizacin. Gracias al mayor acceso a la educacinformal y a la formacin profesional, las mujeres van ocupando el espacio pblico a la vezque conservan la responsabilidad de educar a los hijos, con lo cual la maternidad h venido aser una eleccin reflexiva, posible gracias a la contracepcin y concepcin modernas. Esaeleccin tambin la determinan las relaciones de clase, de raza/etnia y de gnero. El trabajoconcluye que estamos viviendo un perodo de transicin hacia un modelo de familia y dematernidad cuyo fundamento es el ideal de equidad en la responsabilidad de los padres, elcual, a pesar de los avances, todava est lejos de ser alcanzado.

    PALABRAS CLAVE: maternidad; gnero; familia.

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