Políticas Públicas, Democracia e Poder Judiciário

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Políticas Públicas, Democracia e Poder Judiciário CLAUDIA MARIA BARBOSA & DANIELLE ANNE PAMPLONA POLÍTICAS PÚBLICAS, DEMOCRACIA E PODER JUDICIÁRIO No Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a área Direito Socioambiental e Sustentabilidade alberga a Linha de Pesquisa intitulada Justiça, Democracia e Direitos Humanos. É nesta linha que o grupo de pesquisa Justiça, Democracia e Direitos Humanos tem desenvolvido seus trabalhos. As organizadoras foram responsáveis pela realização do II Simpósio de Políticas Públicas, Democracia e Poder Judiciário, nos quais foram apresentados e discutidos versões preliminares das pesquisas apresentadas, especialmente as atinentes à Políticas públicas e Cidadania e Política Judiciária e Administração da Justiça. O Simpósio é resultado das atividades deste grupo e reuniu alunos do PPGD, do Minter (Mestrado Interinstitucional) da PUC em parceira com a UNIT (Universidade Tiradentes) em Aracajú, Sergipe; e dos PPGD da UFSC e da UFRJ, integrantes do Projeto CNJ Acadêmico. Os objetivos das pesquisas se voltam à consecução de um sistema de justiça mais efetivo, ecaz, forte e legítimo. O estudo das condições de efetividade da prestação jurisdicional no Brasil e da construção de um Judiciário Socioambiental, que envolve dimensões de sustentabilidade social, ambiental, cultural e econômica, é seu maior objetivo. No Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a área Direito Socioambiental e Sustentabilidade alberga a Linha de Pesquisa intitulada Justiça, Democracia e Direitos Humanos. É nesta linha que o grupo de pesquisa Justiça, Democracia e Direitos Humanos tem desenvolvido seus trabalhos. As organizadoras foram responsáveis pela realização do II Simpósio de Políticas Públicas, Democracia e Poder Judiciário, nos quais foram apresentados e discutidos versões preliminares das pesquisas apresentadas, especialmente as atinentes à Políticas públicas e Cidadania e Política Judiciária e Administração da Coordenadoras: Danielle Anne Pamplona Claudia Maria Barbosa Justiça. O Simpósio é resultado das atividades deste grupo e reuniu alunos do PPGD, do Minter (Mestrado Interinstitucional) da PUC em parceira com a UNIT (Universidade Tiradentes) em Aracajú, Sergipe; e dos PPGD da UFSC e da UFRJ, integrantes do Projeto CNJ Acadêmico. Os objetivos das pesquisas se voltam à consecução de um sistema de justiça mais efetivo, ecaz, forte e legítimo. O estudo das condições de efetividade da prestação jurisdicional no Brasil e da construção de um Judiciário Socioambiental, que envolve dimensões de sustentabilidade social, ambiental, cultural e econômica, é seu maior objetivo.

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  • Polticas Pblicas, Democracia e

    Poder Judicirio

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    No Programa de Ps-Graduao em Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Paran, a rea Direito Socioambiental e Sustentabilidade alberga a Linha de Pesquisa intitulada Justia, Democracia e Direitos Humanos. nesta linha que o grupo de pesquisa Justia, Democracia e Direitos Humanos tem desenvolvido seus trabalhos.

    As organizadoras foram responsveis pela realizao do II Simpsio de Polticas Pblicas, Democracia e Poder Judicirio, nos quais foram apresentados e discutidos verses preliminares das pesquisas apresentadas, especialmente as atinentes Polticas pblicas e Cidadania e Poltica Judiciria e Administrao da Justia. O Simpsio resultado das atividades deste grupo e reuniu alunos do PPGD, do Minter (Mestrado Interinstitucional) da PUC em parceira com a UNIT (Universidade Tiradentes) em Aracaj, Sergipe; e dos PPGD da UFSC e da UFRJ, integrantes do Projeto CNJ Acadmico.

    Os objetivos das pesquisas se voltam consecuo de um sistema de justia mais efetivo, eficaz, forte e legtimo. O estudo das condies de efetividade da prestao jurisdicional no Brasil e da construo de um Judicirio Socioambiental, que envolve dimenses de sustentabilidade social, ambiental, cultural e econmica, seu maior objetivo.

    No Programa de Ps-Graduao em Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Paran, a rea Direito Socioambiental e Sustentabilidade alberga a Linha de Pesquisa intitulada Justia, Democracia e Direitos Humanos. nesta linha que o grupo de pesquisa Justia, Democracia e Direitos Humanos tem desenvolvido seus trabalhos. As organizadoras foram responsveis pela realizao do II Simpsio de Polticas Pblicas, Democracia e Poder Judicirio, nos quais foram apresentados e discutidos verses preliminares das pesquisas apresentadas, especialmente as atinentes Polticas pblicas e Cidadania e Poltica Judiciria e Administrao da

    Coordenadoras: Danielle Anne Pamplona Claudia Maria Barbosa

    Justia. O Simpsio resultado das atividades deste grupo e reuniu alunos do PPGD, do Minter (Mestrado Interinstitucional) da PUC em parceira com a UNIT (Universidade Tiradentes) em Aracaj, Sergipe; e dos PPGD da UFSC e da UFRJ, integrantes do Projeto CNJ Acadmico. Os objetivos das pesquisas se voltam consecuo de um sistema de justia mais efetivo, eficaz, forte e legtimo. O estudo das condies de efetividade da prestao jurisdicional no Brasil e da construo de um Judicirio Socioambiental, que envolve dimenses de sustentabilidade social, ambiental, cultural e econmica, seu maior objetivo.

  • Org. Danielle Anne Pamplona e Cludia Maria Barbosa

    POLTICAS PBLICAS, DEMOCRACIA E PODER JUDICIRIO

    Curitiba2014

  • Al. Pres. Taunay, 130. Batel. Curitiba-PR.CEP 80.420-180 - Fone: (41) 3223-5302.

    [email protected]

    diagramao do miolo LETRA DA LEI

    P769Polticas pblicas, democracia e poder judicirio [livro eletrnico] / organizao Clu-dia Maria Barbosa e Danielle Anne Pamplona. Curitiba : Letra da Lei, 2014.214 p

    ISBN 978-85-61651-17-6

    1. Poltica. 2. Administrao pblica. I. Barbosa, Cludia Maria.II. Pamplona, Danielle Anne. III. Ttulo

    CDU 349:502

  • SUMRIO

    PREFCIO ................................................................................................................7

    1 - A CONSTITUIO BRASILEIRA DE 1988 E O AVANO NO PLURALISMO JURDICOHEY, Luciane e BARBOSA, Claudia Maria..............................................11

    2 - CRISE DO PODER JUDICIRIO E DEMOCRATIZAO DO ACESSO JUSTIA NO BRASIL: O QUE A ADMINISTRAO JUDICIRIA TEM A VER COM ISTO?COSTA, Andra Abraho......................................................................................29

    3 O PODER JUDICIRIO ENQUANTO INSTRUMENTO DE EFETIVAO DO EXERCCIO DE CIDADANIAMEGUER, Maria de Ftima Batista........................................................................43

    4 - O JUDICIRIO E AS POLTICAS PBLICAS: QUE RELAO ESSA?CARVALHO, Maria Cristina Neiva de..................................................................57

    5 - ESTUDO COMPARADO ENTRE O JULGAMENTO DE RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS E O INCIDENTE DE RESOLUO DE DEMANDAS REPETITIVASKREBS, Hlio Ricardo Diniz e FRANZOI, Juliana Borinelli....................................75

    6 - POLTICAS PBLICAS DESTINADAS REALIZAO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E A LEGITIMIDADE DE INTERVENO DO PODER JUDICIRIO FRENTE AO PRINCPIO DA SEPARAO DOS PODERES NATAL, Mariane e STRAPASSON, Karoline........................................................95

    7 - POLTICAS PBLICAS E A PROTEO DO MEIO AMBIENTE: UMA REFLEXO SOBRE O ATUAL MODELO DE TUTELA AMBIENTALMATOS, Raimundo Giovanni Frana e SILVA, Ronaldo Alves Marinho da.........109

  • 8 - POLTICAS PBLICAS PARA A MELHORIA DA QUALIDADE DO MEIO-AMBIENTE DO TRABALHO: MEDIDAS ESSENCIAIS PARA A GARANTIA DO DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL NO ESTADO DEMOCRTICO DE DIREITOSANTOS FILHO, Jos Alvino e MORAES JNIOR, Ariel Salete de.......................125

    9 APONTAMENTOS SOBRE O NOVO PLANO NACIONAL DE EDUCAOPAMPLONA, Danielle Anne.....................................................................................141

    10 REFUGIADOS E DESLOCADOS: NECESSRIAS APROXIMAESCALSAVARA, Elayne A. de Freitas e PAMPLONA, Danielle Anne..............................151

    11 - A INSUFICINCIA DA POLTICA PBLICA DO FIES COMO GARANTIA DE IGUALDADE DE OPORTUNIDADES, NA CONCEPO DE DWORKINHEY, Luciane e BARBOSA, Claudia Maria...............................................................163

    12 - A PRESENA DO PODER JUDICIRIO COMO GUARDIO DA DEMOCRACIA E DA EFETIVIDADE DA JUSTIA NAS POLTICAS PBLICAS VOLTADAS APLICAO DOS RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRLEOALBUQUERQUE, Karina Ferreira Soares de e PACHECO, Lucas Cardinali..............179

    13 - CONFORMIDADES DA DEMOCRACIAMORAES JNIOR, Ariel Salete de e SANTOS FILHO, Jos Alvino........................195

  • 7PREFCIONo Programa de Ps-Graduao em Direito Econmico e Socioambiental

    da Pontifcia Universidade Catlica do Paran, a Linha de Pesquisa intitulada Sociedades e Direito alberga o grupo de pesquisa Justia, Democracia e Direitos Humanos.

    O Grupo rene professores, pesquisadores e estudantes de graduao e ps-graduao e est voltado ao estudo, anlise, problemas e solues de: i. orga-nizaes sociais e polticas envolvidas em processos de concretizao dos denomi-nados novos direitos coletivos; ii. realizao dos direitos humanos no ambiente socioeconmico em constante a acelerado desenvolvimento tecnolgico e biotec-nolgico; iii. condies e instrumentos de justia e democracia produzidos nas sociedades contemporneas, com foco especial em sociedades latino-americanas. Tem por eixo central de reflexo o Direito, o Estado, grupos sociais e polticas p-blicas, e seus temas prioritrios de pesquisa, so: i. Constitucionalismos e demo-cracia, ii. Proteo e justiciabilidade dos direitos humanos; iii. Polticas pblicas e cidadania, iv. Poltica judiciria e administrao da justia.

    A organizao do II Simpsio de Polticas Pblicas, Democracia e Poder Ju-dicirio, nos quais foram apresentados e discutidos verses preliminares das pes-quisas apresentadas, especialmente as atinentes Polticas pblicas e Cidadania e Poltica Judiciria e Administrao da Justia, resulta das atividades deste gru-po e reuniu alunos do PPGD, do Minter (Mestrado Interinstitucional) da PUC em parceira com a UNIT (Universidade Tiradentes) em Aracaj, Sergipe; e dos PPGD da UFSC e da UFRJ, integrantes do Projeto CNJ Acadmico.

    O Projeto CNJ Acadmico insere-se dentro deste contexto de pesqui-sa e se volta consecuo de um sistema de justia mais efetivo, eficaz, forte...legtimo. O estudo das condies de efetividade da prestao jurisdicional no Brasil e da construo de um Judicirio Socioambiental, que envolve dimenses de sustentabilidade social, ambiental, cultural e econmica, seu maior objetivo.

    Busca-se a legitimidade da prestao jurisdicional por diferentes caminhos: na constituio de bases tericas que o fortaleam, nas discusses em torno da jurisdio constitucional, por meio de mecanismos alternativos de soluo de

  • 8conflitos e alteraes processuais, ou, ainda, de questes que tratem do Judicirio como objeto de pesquisa e objeto de formulao de polticas pblicas.

    O volume V rene artigos apresentados no Grupo de Trabalho Polti-cas Pblicas, Democracia e Poder Judicirio que no IV Congresso Brasileiro de Direito Socioambiental discutiu conceitos, condies, limites, possibilidades e contradies destas categorias.

    O tema de grande relevncia e vem assumindo novos contornos que merecem aprofundados estudos. O Direito, tido como o mais importante ins-trumento de regulao social no Estado contemporneo, diante dos riscos que o modo de organizao social dominantes oferece presente e s futuras geraes necessita voltar-se ordenao da convivncia sustentvel dos serem humanos entre si com o meio em que vivem. Esse o foco dos textos apresentados.

    Nesta direo, h trs grandes temas trabalhados, o Poder Judicirio, as po-lticas pblicas e a democracia. No primeiro grupo esto os cinco primeiros tex-tos. O primeiro de autoria de Luciane Hey e Claudia Maria Barbosa intitulado A Constituio brasileira de 1988 e o avano no pluralismo jurdico que discute os verdadeiros avanos do texto constitucional no que tange garantia de pluralida-de, e a desvinculao com o sistema prevalecente decorrente do modelo europeu hegemnico. O segundo texto de autoria de Andra Abraho Costa, intitulado Crise do Poder Judicirio e democratizao do acesso justia no Brasil: o que a administrao judiciria tem a ver com isto?, onde indaga sobre a possibilidade de a chamada administrao da justia ser vista como resposta democratizao do acesso justia.

    O terceiro texto de Maria de Ftima Batista Meguer, intitulado O Poder Judicirio como instrumento de efetivao do exerccio da cidadania, no qual a au-tora tem como meta abordar a possibilidade da implementao de aes preven-tivas no mbito do Poder Judicirio, com a insero de participao popular nas decises quanto s formas de tratamento dos conflitos. Aponta para a necessidade de investimento em produo de informao padronizada e publicidade das mes-mas na construo de aporte para a referida participao. Em seguida, o texto O Judicirio e as polticas pblicas: que relao essa?, de Maria Cristina Neiva de Carvalho, discute a configurao das relaes que se estabelecem entre o Poder Judicirio e o Poder Executivo no mbito da implementao de Polticas Pblicas.

    Segue-se a proposta de Hlio Ricardo Diniz e Juliana Borinelli Franzoni em torno do Estudo Comparado entre o julgamento de recursos especiais repetitivos e o incidente de resoluo de demandas repetitivas especificamente os recursos espe-ciais repetitivos e o incidente de resoluo de demandas repetitivas.

    No bloco de textos com maior proximidade ao tema de polticas pblicas, o primeiro deles de autoria de Mariane Natal e Karoline Strapasson, onde anali-sam aspectos das Polticas Pblicas destinadas realizao de direitos fundamentais

  • 9e a legitimidade da interveno do Poder Judicirio frente ao princpio da separao de poderes. Em seguida, tem-se o artigo intitulado Polticas Pblicas e a proteo do meio ambiente: uma reflexo sobre o atual modelo de tutela ambiental, de Raimundo Giovanni Frana Matos e Ronaldo Alves Marinho da Silva, onde procuram tecer as justificativas para que a proteo ao meio ambiente seja tratada como matria propcia a ser objeto de polticas pblicas.

    O artigo de Jos Alvino Santos Filho e Ariel Salete de Moraes Jnior, Pol-ticas pblicas para a melhoria da qualidade do meio-ambiente do trabalho: medidas essenciais para a garantia do desenvolvimento socioambiental no Estado Democrtico de Direito, busca inserir o tema do meio ambiente do trabalho enquanto pressu-posto essencial para integrar o conceito de sustentabilidade e desenvolvimento socioambiental. Em seguida, o texto de Danielle Anne Pamplona acerca do direi-to educao e as metas do novo Plano Nacional de Educao traz algumas das metas novamente estabelecidas pelo programa nacional para o prximo decnio. Em seguida, o texto de Elayne Calsavara e Danielle Anne Pamplona, debatendo o tratamento dispensado pelos Estados refugiados e a deslocados interna e inter-nacionalmente. Fechando o debate acerca de polticas pblicas especficas, est o estudo de Luciane Hey e Claudia Maria Barbosa, intitulado A insuficincia da po-ltica pblica do FIES como garantia de igualdade de oportunidades na concepo de Ronald Dworkin que debate se a mencionada poltica pblica, apesar de possibili-tar o ingresso de muitos indivduos ao ensino superior, que no teriam condies sem a participao no programa, garante ou no a igualdade de oportunidades luz dos ensinamentos de Ronald Dworkin.

    Sobre o tema da democracia, o artigo de Ariel Salete de Moraes Jnior e Jos Alvino Santos Filho Conformidades da Democracia pretende verificar as suas relaes com a interveno do Estado na economia perpassando pela circuns-tncia de como esse fenmeno visto pelo liberalismo econmico clssico, no neoliberalismo e num Estado desenvolvimentista. E, por fim, o texto intitulado A presena do Poder Judicirio como guardio da democracia e da efetividade da justia nas polticas pblicas voltadas aplicao dos recursos provenientes de royalties do petrleo, de Karina Ferreira Soares de Albuquerque e Lucas Cardinali Pacheco discute se esses valores podem ou no contribuir para a concretizao do regime democrtico no Brasil.

    Temos confiana de que os estudos publicados nos ajudaro a identificar, compreender e formular propostas para que o Direito possa auxiliar a construo da sociedade, livre, justa e solidria expressa em nossa Constituio.

    Claudia Maria Barbosa e Danielle Anne Pamplona

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    A CONSTITUIO BRASILEIRA DE 1988 E O AVANO NO PLURALISMO JURDICO

    BRASILIAN CONSTITUCION OF 1988 AND THE IMPROVES IN THE LEGAL PLURALISM

    Luciane Hey1Claudia Maria Barbosa2

    SUMRIO: 1. INTRODUO. 2. ENTENDENDO O SURGIMEN-TO DO SISTEMA JURDICO BRASILEIRO. 3. CONSTITUIO DE 1988. 4. PLURALISMO JURDICO: AVANO? 5. CONSIDERA-ES FINAIS.

    RESUMOA colonizao Portuguesa foi determinante no surgimento e instituio

    no sistema jurdico brasileiro vigente. Foi a constitucionalizao do direito dos povos que viviam no Brasil. A chegada dos portugueses ao Brasil trouxe consigo diversas mudanas na forma de convivncia e manifestao do povo que aqui se encontrava. Os indgenas, assim entendidos os povos que habitavam o pas antes da colonizao europia, foram assimilados por esta cultura sem que tivessem a possibilidade de manter suas razes, tendo sido muitos os mortos ao longo deste processo. Contudo, parte desta populao no hegemnica e originria das terras

    1 Bacharel em Direito (Faculdade de Direito de Curitiba). Licenciada em Letras Portugus e Espanhol (UFPR). Advogada. Ps-graduada em Direito Processual Civil (Instituto Romeu Felipe Bacellar). Mestranda de Direito Econmico e Socioambiental - Linha de pesquisa Sociedades e Direito (PUC/PR). Endereo eletrnico: [email protected] 2 Professora titular na Pontificia Universidade Catlica do Paran (PUC-PR). Graduada em direito pela Uni-versidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre e Doutora pela mesma instituio. Ps-Doutora pela York University Toronto-Canad. Endereo eletrnico: [email protected].

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    brasileiras sobreviveu aos massacres impostos pelo sistema, pelo que seus direitos tiveram que ser preservados em determinado momento. Este momento veio com a Constituio da Republica Federativa Brasileira de 1988, onde vrios direitos at ento sequer mencionados passaram a ser contemplados e protegidos, tais como o pluralismo poltico, previsto no primeiro artigo da Carta Constitucional, e a autodeterminao dos povos, prevista em seu artigo 4. Trata-se de uma deter-minao constitucional para que o prprio sistema sirva como forma de garantir direitos de povos que no se integram a este sistema, pelo que bastante inovado-ra a redao constitucional trazida pelo texto de 1988. Contudo, a despeito de todos os avanos polticos e consequentemente jurdicos, especialmente no que tange garantia de pluralidade, o sistema prevalecente e efetivamente garantido o decorrente do modelo europeu hegemnico, o que faz com que tal garantia seja controversa. Neste sentido, necessria uma reorganizao do prprio sistema constitucional, j que formalizado nos moldes europeu-burgus, a fim de que se torne um modelo realmente plural. Portanto, por mais que os avanos tenham sido muitos com a Constituio Federal de 1988, somente ser possvel um ver-dadeiro Estado Plurinacional Brasileiro se a noo de Estado se diluir, dando espao a uma desconstitucionalizao em definitivo.

    PALAVRAS-CHAVE: Colonizao; Hegemonias; Constituio; Pluralis-mo; Desconstitucionalismo.

    ABSTRACTPortuguese colonization was determinant on the appearance and institu-

    tion of the present Brazilian legal system. It was the constitucionalization of the rights of people who lived in Brazil. The arrival of the Portuguese to Brazil brou-ght with it lots of changes in the way people that were already in the country co-existed and lived. The Indians, as known as the people who dwelt in Brazil before the European colonization, were assimilated for this new culture without having any chance of keeping its identity or its roots, being a lot of the dead people in this process. However, part of this not hegemonic population and original from Brazilian lands survived through the massacres caused by the enforcement of the system, so that his rights had to be preserved in some moment. Thats when the Brazilian Constitution of 1988, where lots of rights not so far mentioned, started to be part of the hall of protection, just like the politic pluralism, expressed in the 1st article of the Constitutional Letter and the self-determination of people, on its 4th article. It is a constitutional determination so that the system serves as a way to guarantee the rights of people that do not belong to that system, so really new the constitutional drafting brought by the 1988 letter. On the other hand, despite all of the politic improves and consequently legal improves, specially on the assurance of the pluralism, the system that prevails is the European hegemo-nic model, so that all the guarantees are controversial. In this context it is needs

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    a new reorganization of the own constitutional system, once it is formalized on the European model, so that it might turn into a real plural system. So then, in spite of the fact that there were lots of improves with the Brazilian Constitution of 1988, it will only be possible a real Plural Brazilian State if the notion of State is broken, givin space to a de-constitucionalization for once and at all.

    KEY WORDS: Colonization; Hegemony; Constitution; Pluralism; De-constitucionalism.

    INTRODUOO sistema jurdico brasileiro vigente, buscou trazer inovaes em relao

    a momentos anteriores da histria. Neste sentido, a Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 1988, procurou algo que antes pouco havia sido visto, garantir direitos de povos no hegemnicos e trazer alguma efetividade idia de pluralismo no contexto brasileiro.

    Assim, faz-se um breve histrico quanto ao surgimento do sistema jurdico a partir dos modelos europeus institudos quando da colonizao pelos portugue-ses, visto que este foi o ponto de partida para a criao de um modelo legislativo nacional.

    Como sabemos, o modelo institudo no Brasil foi inicialmente imposto, de modo que os povos que viviam no pas quando da chegada dos portugueses, acabaram por ser assimilados/integrados ao sistema ou mortos quando no se submetessem a ele.

    Entretanto e apesar das grandes imposies do sistema portugus aos bra-sileiros, parte desta populao no hegemnica, com seus prprios costumes e hbitos, sobreviveu aos massacres do sistema, vindo a ser necessria a garantia dos direitos destes povos, apesar de no se submeterem ou integrarem o sistema jurdico vigente, o que ocorreu em grande medida na Constituio Brasileira de 1988.

    Nesse sentido, faz-se relevante uma anlise do modelo constitucional bra-sileiro de 1988 a fim de verificar os avanos que trouxe no tocante garantia dos direitos de tais povos, mas tambm as limitaes, especialmente em relao aos direitos plurais e formao de um Estado Plurinacional, uma vez que passou o Estado a ser o garantidor de tais direitos.

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    ENTENDENDO O SURGIMENTO DO SISTEMA JURDICO BRASILEIRO

    Para que seja possvel pensar na noo de pluralismo jurdico e questionar se existe ou no no Brasil em seu modelo atual, bem como fazer questionamentos acerca do que vem a ser o desconstitucionalismo e qual a relao deste com o plu-ralismo, faz-se um breve e superficial traado da relao dos povos com o direito unificado, que surgiu no Brasil em decorrncia da colonizao portuguesa.

    Antes mesmo da Coroa Portuguesa conceder terras brasileiras em sesmarias como forma de colonizao do Brasil, existiam diversos povos e comunidades que aqui viviam e que possuam maneiras muito prprias de se relacionarem entre si, com a terra e proventos desta advindos, bem como com os demais habitantes, inexistindo um modelo cultural padronizado, sendo que a cada grupo, a cada povo, era permitido agir segundo seus prprios costumes e sua organizao social.

    Com a chegada dos Portugueses ao Brasil, a partir de 1500, teve incio a colonizao do territrio e, mais do que isso, do povo brasileiro, tendo esta sistemtica originria de vivncia e convivncia sido drasticamente alterada a par-tir de ento. Isto porque ao chegarem ao Brasil, os portugueses simplesmente desconsideraram a existncia de povos e comunidades tradicionais que anterior-mente estavam instaladas no pas, vivendo conforme suas crenas e tradies e determinando-se por seus prprios meios.

    No foi apenas o fato de tais povos se situarem em territrio brasileiro an-tes da chegada dos Portugueses que foi desconsiderado, mas tambm a existncia de realidades nacionais tradicionais muito diferentes e incompatveis com a da Coroa Portuguesa, que neste momento se apoderava do pas, de suas riquezas e de sua populao.

    A realidade e vivncia existente eram discrepantes para os povos tradicio-nais locais e para os portugueses colonizadores que se aproximavam, em todos os sentidos que se pudesse imaginar. Enquanto estes tinham interesse mercantil, pautando-se pelas riquezas comercializveis do Brasil (cana-de-acar, pau-brasil, entre outros), bem como pela existncia de territrio favorvel Expanso da Coroa, aqueles tinham a nica inteno de manter seu modo de vida, produo, cultura, organizao social, tal como sempre fizeram.

    Os europeus, especialmente os portugueses e espanhis, chegaram na Amrica como se estivessem praticando a expanso de suas fronteiras agr-colas. Foram chegando, extraindo as riquezas, devastando o solo e substi-tuindo a natureza existente por outra, mais conhecida e dominada deles. (MARS, 1998, p. 33)

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    E neste contexto, apesar de existir no apenas um, mas vrios modelos prvios de vivncia e experincia nas vastas extenses do Brasil, os quais h muito estavam instalados, o sistema prevalente foi Portugus, imposto a todos os que aqui viviam, independente das prticas sociais e culutrais e dos modos de vida anteriores.

    As terras indgenas foram vistas como terras desocupadas e foram desbra-vadas, conquistadas e ocupadas pelos portugueses, sendo que a cultura e costumes anteriormente existentes no territrio brasileiro, aos poucos foi sendo dizimada.

    A lgica da colonizao era de que os ndios, como passaram a ser chama-dos, de forma indevidamente padronizada e desconsiderando as diferenas que lhes eram e so peculiares, fossem integrados ao sistema portugus, inexistindo, ento, a possibilidade de manuteno das razes at ento vigentes.

    Com a colonizao teve incio a imposio de um sistema poltico e jur-dico unificado a todos os povos residentes no Brasil, sem qualquer distino. Era este um sistema vinculado Coroa Portuguesa. O regramento de Portugal passou a ser aplicado no Brasil, ainda que a populao brasileira em nada tivesse relao ou similaridade com a portuguesa.

    O sistema Portugus, de origem catlica, buscava a converso dos povos indgenas brasileiros ao catolicismo, sendo que todos os que se negassem a inte-grar o sistema hegemnico imposto, eram mortos, o que fez com que vrios povos fossem dizimados, extintos, mortos.

    A imposio da religio foi uma das formas pelas quais os Europeus (Portu-gal e Espanha) subtraram as riquezas, inclusive naturais, dos pases da Amrica La-tina e proporcionaram em grande medida a assimilao das culturas ali existentes.

    A construo dos imprios espanhol e portugus se fez, pela rapina das riquezas da Amrica e substituio das sociedades existentes, de tal forma que a extino de povos inteiros, pela morte ou pela assimilao cultural no pode ser considerada um acidente, mas uma conseqncia possvel, aceita e at mesmo desejada. (MARS, 1998, p. 42)

    Diversos foram os povos que sucumbiram a este processo de assimilao, outros tantos, humilhados de suas condies, procuraram viver da forma que puderam em espaos limitados e revelia do sistema.

    Estas so apenas algumas das vrias razes pelas quais poucos foram os po-vos tradicionais que sobreviveram ao sistema jurdico, religioso e poltico trazido por Portugal no processo colonizatrio. Comunidades e culturas inteiras foram integradas ao modelo europeu, sendo tantas outras dizimadas em nome da guerra santa pregada pelos jesutas.

    Mesmo com a independncia do Brasil da Metrpole Portuguesa, quando deixou de ser Colnia para se tornar um Estado Brasileiro e, portatno, autnomo,

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    o sistema poltico e jurdico vigente at ento pemaneceu intacto, inexistindo qualquer garantia aos direitos dos povos tradicionais, na sua maioria, indgenas.

    Na verdade, no sculo XIX, quando as colnias da Amrica Latina pro-clamaram suas independncias, no houve uma ruptura na ordem econmica, poltica e social vigentes em Portugal e Espanha, e trazidos aos pases latino-ame-ricanos de forma impositiva. O que ocorreu foi unicamente uma reestruturao, mantendo-se as bases fundantes do sistema.

    No por demais relevante lembrar que, na Amrica Latina, tanto a cultu-ra jurdica imposta pelas metrpoles ao longo do perodo colonial, quanto as insituties jurdicas formadas aps o processo de independncia (tribu-nais, codificaes e constituies) derivam da tradio legal europia, re-presentada, no mbito privado, pelas fontes clssicas dos Direitos romano, germnico e cannico. (WOLKMER, 2010, p.146)

    Assim, no apenas o Brasil, mas todos os pases de colonizao Portuguesa e Espanhola, ou seja, toda a Amrica Latina, derivaram de um sistema burgus europeu, privilegiando as classes sociais mais abastadas.

    Foram poucas as vezes que as constituies liberais advidas da regio da Amrica Latina, e a prpria doutrina clssica do constitucionalismo poltico, re-produziram a realidade efetiva da regio e atenderam as necessidades da maioria da populao, ou seja, naes indgenas, populaes afro americanas, massas de camponeses e mltiplos movimentos urbanos. (WOLKMER, 2010, p. 147).

    A prpria Constituio do Imprio, que inaugurou o constitucionalismo brasileiro, em 1824, sistematiza um regime monrquico, imperial e monista, nas palavras de WOLKMER (2010, p.148), confirmando-se, portanto a hegemonia do sistema.

    perceptvel, ento, a manuteno do modelo europeu no Brasil, mesmo depois do pas se constituir em um Imprio, deixando de ser Colnia de Portugal. Isto porque apesar de o povo ser diverso, as prticas sociais, polticas e jurdicas eram as mesmas. E nesse sentido foram os direitos da burguesia hegemnica os privilegiados, em detrimento do direito de todos os demais povos originrios das terras brasileiras, ou seja, a maioria da populao.

    Nem mesmo a mudana do sistema Imperial para a Repblica foi capaz de garantir aos povos tradicionais uma posio jurdica, tendo a primeira Constituio da Repblica, de 1891, permanecido silente quanto aos direitos das minorias, dos povos tradicionais, dos indgenas, exatamente como determina o modelo europeu.

    Passou a Carta a tratar da forma a ser adotada pelo Estado brasileiro, que nada mais era que uma sequncia dos modelos europeus existentes, consagrada no ideal de democracia burguesa fundada no liberalismo e no individualismo.

    Nas palavras de Juan Carlos Martinez (2011):

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    Los pases lationamericanos copian la receta sin tener la enfermedad. As, du-rante todo el siglo XIX y en buena medida hasta los albores del siglo XXI, la nocin de Estado nacional es para algunos proyecto integrador y para otros simulacin de un estado de leyes. 3

    Ao longo de todo o perodo histrico de formao do Brasil, poucas foram as vezes que as necessidades de segmentos sociais diversos da classe dominante (ndios, mestios, negros, mulatos, etc) foram atendidas, ou sequer lhes foi dada alguma visibilidade.

    Somente com a Constituio de 1934 que se rompe a tradio do indi-vidualismo monista anterior, de um constitucionalismo clssico liberal, visto que possui um perfil nitidamente pluralista ao tratar de novos direitos, econmicos e sociais, at ento no referidos anteriormente. (WOLKMER, 2010, p. 150)

    Quanto aos demais textos constitucionais, nota-se que mantiveram a base primria burguesa, o iderio hegemnico europeu, desconsiderando em absoluto a pluralidade, inexistindo qualquer meno acerca de povos tradicionais ou mi-norias no hegemnicas.

    Contudo, a despeito da inexistncia de considerao destes povos tradicio-nais e indgenas no sistema constitucional e legislativo brasileiro, e a imposio de novas gentes, plantas e animais a estes no foi absoluto e nem aceito por todos, atingindo ainda hoje povos indgenas e outros. (MARS, 2003, p. 42)

    Tanto assim o que em decorrncia das lutas travadas pelos povos desconsidera-dos juridicamente, somada a uma srie de modificaes no pensamento dos estudiosos quanto necessidade de se preservar os direitos de todos, sem exceo, foi promulgada a Constituio de 1988, que avanou consideravelmente neste aspecto, como se passa a tratar, apesar de no parecer ter sido a soluo da questo em definitivo.

    CONSTITUIO DE 1988Mesmo com toda a timidez e modicidade existente em sua redao e at

    mesmo em seu contedo no que diz respeito necessidade de preservao e res-peito de culturas e modos de vida distintos do hegemnico, a Constituio de 1988 foi um marco para o Brasil em diversos aspectos.

    Isto, pois passou a tratar de questes at ento sequer pensadas, tendo, inclusive, inaugurado algumas perspectivas pluralistas, na religio, na cultura, na filosofia, na poltica.

    3 Os pases latinoamericanos copiam a receita sem ter a enfermidade. Assim, durante todo o sculo XIX e em boa medida at o advento do sculo XXI, a noo de Estado nacional para alguns projeto integrador e para outros simulao de um estado de leis. (traduo livre)

  • 18

    Esta modificao visvel logo no primeiro artigo do texto constitucional que inaugura uma perspectiva plural, possibilitando a pluralidade poltica, e tra-tando, via de conseqncia, tambm de questes sociais.

    Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: V - o pluralismo poltico. (BRASIL, 1988)

    Assim, ao permitir a existncia de um pluralismo poltico expresso consti-tucionalmente, o diploma legal permite que existam diversas formas de poltica e no apenas a pluralidade de partidos polticos.

    Tal pluralismo representa um avano, na medida em que se permite a plu-ralidade e multiplicidade de opinies e ideais polticos, sendo que todos devem ser respeitados e reconhecidos de maneira equivalente, sem qualquer distino valorativa. Trata-se de um reconhecimento de que a sociedade necessita de formas diversas de poltica, j que o Estado Brasileiro um Estado, por natureza, plural em sua populao.

    Neste sentido, verifica-se que o pluralismo poltico leva ao incentivo no to-cante ao pluralismo jurdico, na medida em que ao ser expressamente permitido e at mesmo incentivado e fortalecido o pluralismo poltico, grupos e povos sem qualquer representatividade passam a ter o direito de manifestar-se e afirmar-se politicamente, o que faz com que tenham visibilidade e direitos.

    Assim, o pluralismo poltico permite que seja feita uma reforma poltica, a qual, sem dvida, permite e leva a condies de ser implantado o pluralismo jurdico, na medida em que grupos diversos, muitos que nunca tiveram acesso poltico, passam a ter representatividade no sistema poltico do pas.

    Ademais, alm da forma poltica hegemnica, passa a ser possvel a utiliza-o de outras formas de organizao poltica que no as praticadas regularmente na presena e por meio do Estado, o que implica em outras formas econmicas, sociais, culturais.

    Tambm neste sentido, a existncia de outras formas econmicas, sociais e culturais, facilitam a criao e implementao de um novo sistema jurdico di-ferente do padronizado, j que muitas destas prticas fogem ao sistema jurdico vigente.

    Outro exemplo de modificao no pensamento constitucional verificvel em seu artigo 4:

    Art. 4 A Repblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaes interna-cionais pelos seguintes princpios:III - autodeterminao dos povos; (BRASIL, 1988)

  • 19

    Por este artigo, nota-se uma tentativa de resgate s razes anteriormente existentes, na medida em que passa a ser direito constitucional a autodetermi-nao dos povos, de modo que podem firmar-se e organizar-se da forma como entendem ser adequada, ainda que esta no esteja em consonncia com o padro estipulado socialmente. Trata-se de uma retomada, ainda que parcial e lenta, do modelo anterior colonizao, no qual se permite a convivncia entre culturas e realidades distintas.

    No tocante aos direitos dos povos tradicionais e indgenas brasileiros, que durante muito tempo sequer foram lembrados ou, quando o foram era para de-moniz-los, introduziram-se modificaes considerveis ao texto constitucional, que passou a tratar especificamente do tema:

    Art. 231. So reconhecidos aos ndios sua organizao social, costumes, lnguas, crenas e tradies, e os direitos originrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo Unio demarc-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.Art. 232. Os ndios, suas comunidades e organizaes so partes legtimas para ingressar em juzo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministrio Pblico em todos os atos do processo. (BRASIL, 1988)

    Garante-se, portanto, uma existncia plural no territrio brasileiro, onde as organizaes indgenas, no necessariamente integradas ou ligadas ao sistema jurdico vigente, possuem o direito de reivindicar seus direitos, especialmente o direito dos povos indgenas de serem efetivamente povos4, sem que sejam constitu-cionalmente ou impositivamente obrigados a serem indivduos vinculados objeti-vamente ao Estado. Assim, no mais a noo territorial a primordial, vez que se garante a diferentes povos a possibilidade de se autodeterminarem segundo suas crenas e costumes, independente de um sistema Estatal, sendo-lhes garantido o direito autodeterminao.

    Portanto, a Constituio de 1988, sem dvida, foi um marco histrico para o Brasil. Para Carlos Frederico Mars, diversas foram as modificaes legislativas:

    Emergido da noite autoritria, o povo brasileiro discutiu a elaborao de uma nova Constituio em 1988, e no se pode dizer que no tenha en-frentado com vigor o carter absoluto do direito privado de propriedade. Basta ler os captulos do meio ambiente, dos ndios, da cultura; basta dizer que cada vez que garante a propriedade, determina que ela tenha uma funo social. Mas no s, a Constituio limitou os juros, defendeu o nacionalismo, privilegiou a empresa nacional, ofereceu garantias indi-

    4 A expresso povos aqui entendida como conceitualmente definida no Dicionrio Aurlio da Lngua Portu-guesa: 1. Conjunto de indivduos que falam a mesma lngua, tm costumes e hbitos idnticos, afinidade de interesses, uma histria e tradies comuns. (2004, p. 1612)

  • 20

    viduais e reconheceu direitos coletivos, alm de estabelecer como objeti-vo fundamental da Repblica a erradicao da pobreza. (MARS, 2003, p.114-115)

    Isto perceptvel, inclusive, pela leitura do caput dos artigos da Consti-tuio anteriormente referidos, onde se nota uma clara inteno de garantia do pluralismo e do multiculturalismo, praticamente invisveis desde a colonizao portuguesa.

    Ao garantir direitos individuais, mas especialmente ao reconhecer direitos coletivos, a Constituio leva a uma possibilidade de pluralismo. E ao cuidar de sistemas e gentes plurais, acaba por estimular um ideal de pluralismo jurdico, mesmo que sem mencion-lo expressamente em seu texto.

    A modificao constitucional justamente no sentido de que o prprio sistema sirva como forma de garantir direitos de povos que no se integram a este sistema unvoco e hegemnico. No fosse assim, a garantia seria exclusivamente individual e no coletiva, j que o sistema hegemnico privilegia o individualismo em detrimento de qualquer forma de coletividade.

    Neste sentido, o pas no apenas acrescentou o pluralismo poltico como direito de todos, mas tambm propiciou uma discusso e indcios de direitos rumo ao pluralismo jurdico, ou seja, a possibilidade de que cada grupo se auto-determine e se regule em conformidade com suas crenas e hbitos, o que corro-bora e amplia o entendimento no tocante aos avanos brasileiros no sentido do pluralismo.

    A despeito de no constar expressamente no texto constitucional o plura-lismo jurdico, na medida em que se garante um pluralismo poltico e a possibi-lidade de autodeterminao de povos no integrados ao sistema, e mais, ao serem garantidos direitos de forma coletiva, pressupe-se uma criao de um pluralismo jurdico. At porque, se os povos podem autodeterminar-se como quiserem, po-dem organizar-se poltica e socialmente da maneira que entenderem conveniente, e podem ser vistos como povos e como coletividades, no h como desconsiderar que se estabeleam juridicamente de forma plural.

    Neste sentido, a ampliao de acesso poltico, somada garantia de direi-tos dos povos em sua coletividade, induz a um pluralismo jurdico, a formas ml-tiplas de organizao jurdica, que vm junto com as novas formas de organizao social, cultural, econmica e poltica.

    H ainda de se verificar que a Constituio Federativa da Repblica do Brasil do ano de 1988 no o nico documento legislativo assimilado pelo pas que contempla esta pluralidade depreendida do texto constitucional. Diversos so os diplomas internacionais que garantem os direitos plurais aos habitantes brasileiros.

  • 21

    O Pacto Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (1992), por exemplo, do qual o Brasil signatrio, logo em seu artigo primeiro faz uma reflexo acerca da possibilidade de autodeterminao, que corrobora com todo o aqui exposto5.

    Artigo 1 - 1. Todos os povos tem direito autodeterminao. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto poltico e asseguram li-vremente seu desenvolvimento econmico, social e cultural. 2.Para a consecuo de seus objetivos, todos os povos podem dispor li-vremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuzo das obrigaes decorrentes da cooperao econmica internacional, baseada no princpio do proveito mtuo e do Direito Internacional. Em caso al-gum poder o povo ser privado de seus prprios meios de subsistncia. 3. Os Estados-partes no presente Pacto, inclusive aqueles que tenham a responsbailidade de administrar territrios no autnomos e territrios sob tutela, devero promover o exerccio do direito autodeterminao e respeitar esse direito, em conformidade com as disposies da Carta das Naes Unidas. (1992)

    Nota-se, portanto, que o Brasil assumiu por diversas vias ser direito de to-dos a manuteno e preservao da diferena, seja ela poltica, jurdica, cultural, social e, neste sentido, portanto, possui a obrigatoriadade de promover por todos os meios possveis que esta seja respeitada.

    Destarte, no pode o Estado se eximir de seu dever constitucional de ga-rantir o direito ao pluralismo poltico, autodeterminao, igualdade de direi-tos, o que, consequentemente pode levar a uma ampliao do ideal do pluralismo jurdico e, neste sentido, sua implementao.

    Oscar Vilhena Vieira (2007, p. 28-51) v o sistema jurdico como forma de dar visibilidade pblica, na forma de reconhecimento de direitos, queles que so desconsiderados pelo sistema poltico e pela prpria sociedade. Neste sentido foram importantes as modificaes e grandes os avanos quanto visibilidade dos povos at ento (propositalmente) esquecidos, e sua incluso como sujeitos de direitos.

    Porm, apesar de todo o esforo no sentido de garantir e privilegiar o plu-ralismo e o direito dos mais variados povos, na prtica esta lgica no se opera com tanta facilidade.

    Diversos so os empecilhos a que o texto constitucional seja colocado em prtica, como a necessidade de novas regulamentaes a serem criadas, as regras e 5 No apenas o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais faz meno aos direitos dos povos autodeterminao, ao pluralismo poltico e igualdade, mas tambm a Declarao Universal dos Direi-tos do Homem, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos, O Pacto de San Jos da Costa Rica, entre outros, todos dos quais o Brasil signatrio.

  • 22

    impedimentos para a participao poltica ampla, entre outros. Mesmo com a visibilidade concedida pela Constituio de 1988, os direi-

    tos indgenas e de outros povos tradicionais e no hegemnicos ainda custam a ser aplicados. Tal como o personagem Garambombo criado pelo escritor peruano Manuel Scorza, permanecem invisveis.

    Trata-se de um problema da modernidade, um dficit da normativa cons-titucional, comum aos povos latinoamericanos, que faz com que a constituio no passe de um smbolo, como esclarece o professor Rosembert Ariza ao citar o escritor Marcelo Neves:

    Este dficit de concrecin jurdico normativo es entendida por el autor como un problema especfico de la modernidad perifrica que es comn a las sociedades latinoamericanas, de all que el autor acue el concepto Constitucionaliza-o simblica da sociedade mundial, la constitucionalizacin de la sociedad mundial.6 (ARIZA, 2012)

    Em verdade, trata-se de uma modificao de pensamento forada, acom-panhada de uma mudana legislativa significativa, mas que apesar de seus es-foros, no d conta de solucionar todas as questes que se colocam no cenrio jurdico-poltico.

    At porque, sendo um sistema poltico-jurdico estabelecido h muito tempo, e sempre de forma impositiva, necessria uma mudana cultural efetiva, para que se garantam da mesma forma os direitos da burguesia hegemnica e os direitos dos mais variados povos habitantes do territrio brasileiro.

    Nas palavras do professor Carlos Frederico Mars, trata-se de um processo: a eterna luta do velho contra o novo que sempre acaba por se impor e que por isso mesmo alimenta a esperana de um mundo possvel, para todos, e justo. (MARS, 2003, p. 131)

    Trata-se de um processo que no se concretiza de uma hora para outra, mas que leva tempo, sendo necessrias diversas rupturas com o sistema vigente, mas mais do que isso, diversas mudanas no pensamento hegemnico existente.

    Pode-se verificar, em suma, que a Constituio de 1988 contribuiu, ain-da que de forma limitada e pouco satisfatria, na superao de uma tradio individual-liberalista e social-intervencionista, de modo que se transforma em um importante diretivo propulsor para um novo constitucionalismo, pluralista e multicultural. (WOLKMER, 2010, p. 143-155)

    De fato, a Constituio de 1988 uma esperana e assim deve ser vista, j que at ento sequer eram mencionados os direitos multiculturais hoje norma-

    6 Este deficit de concretude jurdico-normativa entendida pelo autor como um problema especfico da mo-dernidade perifrica que comum s sociedades latinoamericanas, e de a o autor cunha o conceito Consti-tucionalizao simblica da sociedade mundial, a constitucionalizao da sociedade mundial. (traduo livre)

  • 23

    tizados constitucionalmente. Pode-se pensar no incio de um efetivo pluralismo jurdico, ainda que em um sistema estatal constitudo pelo modelo burgus he-gemnico europeu, na medida em que ao menos a existncia de determinados direitos e situaes fticas e jurdicas passaram a ser levados em considerao.

    PLURALISMO JURDICO: AVANO? Nas discusses acima propostas, nota-se que a busca dos novos sistemas

    legislativos, como a Constituio Brasileira de 1988, os pactos e diplomas inter-nacionais, por um pluralismo, um multiculturalismo. A pretenso legislativa pela preservao do diferente.

    Nas palavras de Antonio Carlos Wolkmer (2010, p.144), o Pluralismo designa a existncia de realidades diversas, com mltiplas formas de ao e da diversidade de campos sociais e culturais prprios, razo pela qual o exemplo mais visvel o dos povos indgenas.

    A diferencia del rgido concepto de legalidad formal, el pluralismo jurdico entra como una idea fresca a mostrar que es posible estar unidos manteniendo formas de vida diferentes y sin que ello implique un caos interminable.7 (MARTINEZ, 2011)

    Trata-se de um sistema onde coexistem elementos heterogneos, hegem-nicos e no hegemnicos, inexistindo a absoro de um pelo outro. O pluralismo pressupe, portanto, que o sistema estatal vigente no seja assimilador de outras realidades existentes, mas pelo contrrio, garantidor da pluralidade.

    Em princpio, o pluralismo no prescinde de uma supresso da ordem ju-rdica estatal, mas esta deve ser apenas uma das diversas ordens admitidas, sendo permitida e defendida a existncia de outras frmulas organizacionais.

    Ora, o Pluralismo no Direito tende a demonstrar que o poder estatal no a fonte nica e exclusiva de todo o Direito, abrindo escopo para uma produo e aplicao normativa centrada na fora e na legitimidade de um complexo e difuso sistema de poderes, emanados dialeticamente da sociedade, de seus diversos sujeitos, grupos sociais, coletividades ou corpos intermedirios. (WOLKMER, 2010, p.143-155)

    Aqui surge o conflito e a grande problemtica do pluralismo jurdico, na medida em que o Estado-Nao parece deixar de existir quando os grupos, cole-tividades e intermedirios no podem ser vistos como uma nica nao, j que

    7 Diferentemente do rgido conceito de legalidade formal, o pluralismo jurdico entra como uma idia nova a mostrar que possvel estar unidos mantendo formas de vida diferentes e sem que isso implique em um caos interminvel. (traduo livre)

  • 24

    o territrio geopoltico no serve mais como critrio definidor, sendo necessrios novos critrios.

    Boaventura de Sousa Santos ao pensar na Refundao do Estado trata do desafio de ruptura com o paradigma existente:

    En el contexto latinoamericano, la refundacin del Estado pasa en algunos casos por el reconocimiento de la plurinacionalidad. Implica un desafo radical al concepto de Estado moderno que se asienta en la idea de nacin cvica con-cebida como el conjunto de los habitantes (no necesariamente residentes) de un cierto espacio geopoltico a quienes el Estado reconoce el estatuto de ciudada-nos y, por lo tanto, en la idea de que en cada Estado slo hay una nacin: el Estado-nacin, la plurinacionalidad es una demanda por el reconocimiento de otro concepto de nacin, la nacin concebida como pertenencia comn a una etnia, cultura o religin.8 (DE SOUSA SANTOS, 2010, p.81)

    Ainda mais do que isso, o pluralismo, ou plurinacionalismo, implica em uma nova institucionalidade estatal, j que rompe com qualquer ideal de ho-mogeneidade ou uniformidade, sem que isto implique em uma justaposio ou hibridismo.

    Al contrario, incluye jerarquias entre ellas: dentro de la misma cultura o nacin puede preferir algunas versiones en detrimento de otras, ya que las diferentes naciones o identidades culturales en presencia estn lejos de ser homogneas.9 (SOUSA SANTOS, 2010, p. 82)

    Destarte, quando se pensa em pluralismo, passa a ser inadmissvel a aplica-o de um nico regramento normativo a toda uma sociedade, pois em qualquer hiptese, por melhor que seja o sistema, este no englobar os direitos de todos, o que rompe com a legitimidade do prprio sistema jurdico, j que deve garantir o direito de todos indistintamente.

    Contudo, h que se notar que esta legitimidade garantida ao sistema, o justamente pelo prprio sistema que a constitui e, portanto, modelo hegemnico europeu.

    A contradio existe exatamente porque a busca de garantia dos direitos

    8 No contexto jurdico latinoamericano, a refundao do Estado passa em alguns caos pelo reconhecimento da plurinacionalidade. Implica um desafio radical ao conceito de Estado moderno, que se situa na idia de nao cvica concebida como o conjunto de habitantes (no necessariamente residentes) em certo espao geopoltico a quem o Estado reconhece o estatuto de cidados e, portanto, na ideia de que em cada Estado s h uma nao: o Estado-Nao, a plurinacionalidade uma demanda pelo reconhecimento de outro conceito de nao, a nao concebida como pertena comum a uma etnia, cultura ou religio. (traduo livre) 9 Ao contrrio, inclui hierarquias entre elas: dentro de uma mesma cultura ou nao pode preferir algumas verses em detrimento de outras, j que as diferentes naes ou identidades culturais existentes esto longe de ser homogneas. (traduo livre)

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    de todos vista desde o ponto de vista de um modelo previamente estabelecido. Inclusive o ideal de Estado parece se romper quando se colocam em voga todas estas questes.

    El Estado es un fenmeno esencial del mundo contemporneo, ligado a la mo-dernidad que supuso el advenimiento del capitalismo. No es posible adherirse a las concepciones que aprecian la figura del Estado de una manera neutral, que ven en este la simple organizacin poltica de la sociedad. Ni mucho menos compartir el apreciarlo como un conjunto de aparatos utilizados en determi-nado momento por quienes detentan el poder, pero que podra estar en otras manos, al servicio de otros intereses.10 (ARIZA, 2012)

    Ora, no se tratando o modelo hegemnico estatal de um sistema neutro, em princpio, no se vislumbra possibilidade de manuteno deste e dos ideais plurais de forma simultnea. At porque, enquanto existir um modelo jurdico e estatal considerado oficial, aparentemente inexistir a perfeita compatibilizao com outros modelos no-oficiais.

    Mesmo que a Constituio tenha sofrido as mais diversas alteraes e esteja rumo a uma maior amplitude na garantia de direitos plurais, sua estrutura em si materializa o quadro das foras hegemnicas de modelo europeu burgus, em detrimento das no dominantes.

    Las nuevas constituciones con su gramtica jurdica de una nueva pluralidad no avanzan a la igualdad con la velocidad que se esperaba sino incluso gene-ram nuevas formas de exclusin en la diferencia; el reconocimiento de las na-ciones y de la multi nacionalidad deja en jeque el estado unitario y hegemnico que se construy en los dos ltimos siglos.11 (ARIZA, 2012)

    Talvez seja necessria, portanto, uma reorganizao do sistema para que este se torne efetivamente plural, tal como o povo brasileiro, para ento ser poss-vel uma avaliao quanto aplicao do princpio plurinacional.

    Isto, pois os prprios alicerces de onde foi construdo o Estado de Direito, esto sendo colocados em perigo, especialmente em contextos fticos plurais, do qual o Brasil um exemplo significativo, j que composto pelas mais variadas

    10 O Estado um fenmeno essencial do mundo contemporneo, ligado modernidade que sups o advento do capitalismo. No possvel aderir as concepes que apreciam a figura do Estado de uma maneira neutra, que vem na simples organizao da sociedade. Nem muito menos apreci-lo como um conjunto de aparatos utiliza-dos em determinado momento pelos detentores do poder, mas que poderia estar em outras mos, ao servio de outros interesses. (traduo livre).11 As novas constituies com sua gramtica juridical de uma nova pluralidade no avanam em direo gual-dadecom a velocidade que se esperava, ao contrrio, inclusive geraram novas formas de excluso na diferena; o reconhecimento das naes e da multi nacionalidade decha em xeque o estado unitrio e hegemnico que se construiu nos ltimos sculos. (traduo livre)

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    etnias, culturas, tradies. to visvel a crise do Estado moderno e do seu Direito, que no h mais

    quem defenda sua manuteno como est. (MARS, 1999, p. 308)Assim, verifica-se que a noo de pluralismo parete trazer em si uma neces-

    sidade de mudana radical de paradigma, em oposio ao sistema constitucional hegemnico vigente.

    As, cualquier quiebra en la movilizacin puede revertir el contenido oposicio-nal de las normas constitucionales o vaciar su eficacia prctica. A eso llamamos la desconstitucionalizacin de la Constitucin, de lo cual hay muchos ejemplos en la regin y en el mundo.12 (DE SOUSA SANTOS, 2010, p. 81)

    Portanto, por mais que a Constituio Brasileira de 1988 tenha tratado de questes diversas com vistas a uma espcie de pluralismo e tenha, de fato, avana-do normativamente com relao garantia dos direitos dos mais variados povos, entende-se que talvez somente seria possvel um verdadeiro Estado Plurinacional Brasileiro se a noo de Estado se diluir, desconstitucionalizando-se o pas.

    CONSIDERAES FINAISPodemos concluir que a Amrica Latina e de forma especial o Brasil, pas-

    saram por processos muito fortes de colonizao, o que fez com que culturas inteiras fossem destrudas pela assimilao e pela dizimao de povos.

    A despeito disto, com a evoluo do sistema jurdico, acrescida das reivin-dicaes dos povos tradicionais para que seus direitos lhes fossem garantidos, o modelo constitucional brasileiro avanou consideravelmente rumo a um pluralis-mo, tendo inclusive se proposto a utilizar esta terminologia ao falar da abertura poltica.

    A prpria Constituio de 1988 foi um marco histrico em razo dos avan-os normativos quanto garantia de direitos de povos e populaes que sequer eram visveis at ento. Como exemplo, cita-se os povos indgenas, que passaram a ser tratados de maneira expressa em captulo especfico do texto constitucional.

    Contudo, os avanos formais parecem no implicar necessariamente em avanos prticos, de modo que ainda hoje muitos so os problemas quanto efetividade dos direitos constitucionalmente garantidos.

    12 Assim, qualquer quebra na mobilizao pode reverter o contedo oposicional das normas constitucionais ou esvaziar sua eficcia prtica. A isto chamamos a desconstitucionalizao da Constituio, da qual h muitos exemplos na regio e no mundo. (traduo livre)

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    Ademais, ainda que todos estes avanos sugiram implicaes em fatores positivos sociedade brasileira como um todo, especialmente s minorias que passaram a ser abarcadas pelo sistema, verifica-se uma crise do Estado.

    Trata-se tanto da crise de aplicabilidade dos direitos formalmente garan-tidos, como do prprio modelo Estatal em si, que talvez no consiga garantir os livres direitos a todos de forma equnime.

    E esta crise do Estado talvez s possa ser superada, como forma de institui-o de um modelo plurinacional, pensando-se em uma refundao do Estado, ou mais, em uma desconstitucionalizao, ou seja, se o Estado Nacional for desfeito, e com ele, a Carta Magna, j que o pluralismo, nesta concepo, no parece ser compatvel com o sistema jurdico atual.

    REFERNCIASARIZA, Rosembert. Estado de derecho, Estado centrismo y las contradicciones de la Forma derecho(s) em el contexto latinoamericano. Revista Filosofia del derecho, Mxico: UNAM, 2012.

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    __________. Os sentidos da democracia: polticas do dissenso e hegemonia global. So Paulo: Vozes/FAPESP.

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    PACTO Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais. 06 julho 1992. Disponvel em: . Acesso em 29 ago.2013.

  • 28

    VIEIRA, Oscar Vilhena. A desigualdade e a subverso do Estado de Direito. Sur, Revista Internacional de Direitos Humanos, 2007, vol.4, n.6, p. 28-51. Disponvel em: . Acesso em 02 mai.2013.

    WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo e crtoca do constitucionalismo na Amrica Latina. Anais do IX Simpsio Nacional de Direito Constitucional da ABDConst. Curitiba, p. 143-155, 2010. Disponvel em: . Acesso em 28 jun.2013.

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    CRISE DO PODER JUDICIRIO E DEMOCRATIZAO DO ACESSO JUSTIA NO BRASIL:

    O QUE A ADMINISTRAO JUDICIRIA TEM A VER COM ISTO?

    LA CRISIS DEL PODER JUDICIAL Y LA DEMOCRATIZACIN DEL ACCESO A LA JUSTICIA EN BRASIL: ? LO QUE LA ADMINSTRA-

    CIN JUDICIAL TIENE A VER COM ESTO?

    Andra Abraho Costa13

    Introduo; 1. Acesso justia e o papel do Estado para a sua concretizao; 2. Ad-ministrao da justia e crise do Poder Judicirio; 3. Administrao Judiciria: instru-mento para a democratizao do acesso justia?;Consideraes finais; Referncias.

    RESUMONo presente estudo, indaga-se da possibilidade de a chamada administra-

    o da justia ser vista como resposta democratizao do acesso justia. Sabe-se que das lutas sociais que impulsionaram a transformao do Estado Liberal em Estado Providncia, sobreveio um aumento expressivo de conflitos jurdicos a partir da expanso dos direitos sociais, aos quais, contudo, as polticas pblicas no conseguiram responder satisfatoriamente. A administrao da justia vista aqui como instituio poltica e organizao profissional e a crise enfrentada pelo Poder Judicirio, em termos de celeridade e efetividade, o mote para o confron-13 Professora do Curso de Direito e de Ps-Graduao Latu Sensu da Faculdade de Educao Superior do Paran FESPPR. Assessora Jurdica do Tribunal de Justia do Paran. Mestre em Direito pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran. Ps-Graduada em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas UNICAMP. E-mail: [email protected].

  • 30

    to de dois posicionamentos: de um lado, daqueles que preconizam ser necessria operacionalizao contempornea do poder jurisdicional a adoo de mecanis-mos de gesto administrativa prprios da lgica privada, como a racionalizao da diviso do trabalho e os novos recursos de tempo e capacidade tcnica; de outro lado, daqueles que procuram destacar que de nada adianta uma reforma da organizao judiciria se esta no for internamente democrtica, assim como se no for acompanhada de uma reforma no processo de seleo de magistrados.

    PALAVRAS-CHAVE: Administrao da justia,crise do Judicirio brasi-leiro, acesso justia

    RESUMENEn el presente estudio se pregunta acerca de l posibilidad de la llamada

    adminstracin de justicia puede ser vista como una respuesta a La democratiza-cin Del acceso a La justicia. s sabido qu las luchas sociales que impulsaron la transformacin del estado liberal en estado de necesidad, proporcionaran un crescimiento expresivo del disputas legales desde hacia la ampliacin de los de-rechos sociales, los cuales las polticas publicas no han respondido satisfactoria-miente. La adminstracin de la justicia es acepta en ese estudio como una ins-tituicin politica y organizacional profesional, y lacrisis que enfrenta el poder judicial em terminos de rapidez y efectividad s el lema de La confrontacin de dos posiciones: de aquellos que abogan ser necesaria l adopcin de mecanismos de gestin administrativo prpio de la lgica privada, como la racionalidad de l division del trabajo y nuevos recursos de tiempo y l experincia; y otro, aquellos que buscan hacer hincapi en que no hay punto de la reforma de la organizacin judicial si no s democrtico internamente y s no va acompaada de una refor-ma em el proceso de seleccin del magistrados.

    PALABRAS-CLAVE: Administracin de l justicia, crisis del poder judi-cial brasileo, acceso a l justicia.

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    INTRODUOO presente estudo o desdobramento de um primeiro14, que se centrou

    na anlise da nova identidade assumida pelo juiz brasileiro, agora visto como um juiz-administrador, aquele que desafiado a produzir resultados e a atender s expectativas quanto qualidade e durao razovel do processo. Ambos se inserem na temtica mais ampla referente ao papel e capacidade do Judicirio para concretizar o direito fundamental tutela jurisdicional clere inscrito na Constituio da Repblica. Trata-se de complementao necessria para a cons-tatao de que uma abordagem apenas atrelada reforma do processo e de seus procedimentos, por si s, no tem sido capaz de dar respostas satisfatrias crise enfrentada pelo Poder Judicirio em termos de efetividade e tempestividade na prestao da tutela jurisdicional.

    Na linha do quanto defendido por Boaventura de Souza Santos (1995 apud ASSIS et al., 2010), parte-se do pressuposto de que uma poltica judiciria est relacionada idia de um processo de democratizao do Direito e da prpria sociedade e, por isto mesmo, a pergunta central a ser perseguida aqui : a temtica da Administrao da Justia, que engloba a reflexo sobre a necessidade de recur-sos materiais e pessoais e sua respectiva gesto, de tcnicas inovadoras prprias de uma lgica privada de administrao, de maior tecnologia, de uso de alternativas ao modelo formal e adjudicado de resoluo de conflitos, pode trazer uma respos-ta eficaz democratizao do acesso justia, esta vista como democratizao da vida social, econmica e poltica?

    Inicialmente, so investigadas, a breve espao, as fases pelas quais o acesso justia passou e de que modo ocorreram as respostas do Estado. Ao depois, ingressa-se no conceito de Administrao da Justia, procurando-se contextuali-z-lo dentro da denominada crise vivenciada pelo Poder Judicirio, sem colocar muita nfase na vertente que analisa esta crise a partir da constituio interna do processo. Por fim, como resposta indagao central antes formulada, so apre-sentados dois posicionamentos contrapostos: um que defende a necessidade de se adotar mecanismos de gesto administrativa at ento vistos como estranhos realidade do Judicirio, e outro que afirma no ser pertinente uma reforma da organizao judiciria se ela no for inteiramente democrtica e acompanhada de outras alteraes, como a forma de seleo de magistrados.

    14 O ttulo do trabalho anterior a este O juiz-gestor: administrao da justia no Brasil e o direito fundamen-tal tutela jurisdicional clere, apresentado em agosto de 2013 no XI Seminrio de Pesquisa da Faculdade de Direito de Vitria FDV.

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    1 ACESSO JUSTIA E O PAPEL DO ESTADO PARA A SUA CONCRETIZAO

    A presso imposta ao Judicirio de modo a resolver tempestiva e efetiva-mente os conflitos a ele trazidos, no contexto do chamado direito de acesso justia, conseqncia dos influxos advindos da primeira metade do sculo XX, momento de criao de direitos sociais e de reivindicao da ao positiva do Es-tado para tornar efetivos os direitos at ento apenas formalmente proclamados.

    Ao tempo em que novos mecanismos processuais foram sendo criados, j que no bastariam apenas garantias formais sem a correspondente procedimen-talizao, tambm surgiram inmeros problemas resultantes de tamanha trans-formao. Estes, possvel afirmar, vo desde a falta de resposta de forma eficaz, rpida e satisfatria s demandas propostas, at a falta de estrutura suficiente, o nmero escasso de juzes, a precariedade de insumos materiais, o excesso de re-cursos disponibilizados e, para alguns,a falta de abertura a novas formas de gesto administrativa.

    Por meio dos estudos sobre as ondas reformistas, tomando como referncia o festejado Projeto Florena de CAPELLETTI (1988, p. 31), foi possvel compreen-der que o aceso justia passou por trs fases distintas. A primeira teve como objetivo a maior assistncia judiciria aos pobres; na segunda vislumbrou-se a representao dos interesses difusos; e a terceira viabilizou a efetivao do acesso justia com todos os meios a ela inerentes, inclusive outros meios de resoluo de conflitos.

    Do ponto de vista das mudanas internas ao processo civil brasileiro, sabe-se que vivenciamos a primeira grande onda reformista na dcada de 90, com a nova conformao dada prova pericial e a ao monitria e a criao dos Juizados Especiais Cveis e Criminais. Outra inovao foi a instituio da tutela antecipada e a previso da tutela inibitria dois grandes marcos das tutelas de urgncia, pondo fim ao falho sistema anterior de utilizao da tutela cautelar de forma indiscriminada, fenmeno conhecido como patologia das tutelas de ur-gncia ou teratologia das tutelas emergenciais (FABRCIO, 2008, p. 2).

    A segunda onda reformista, por sua vez, concretizou-se pela abertura do sistema aos direitos coletivos e difusos, destacando-se a criao do Cdigo de De-fesa do Consumidor Lei 8.078/90 e o maior enfoque ao Direito Ambiental. Em meados dos anos 2000, com a reforma no processo de execuo cvel, crista-lizando-se o que se convencionou chamar de processo sincrtico, objetivou-se um efetivo acesso justia a partir do ideal da razovel durao do processo, direito fundamental previsto a partir da Emenda Constitucional 45/2004. Conferiu-se, tambm, maior eficcia e elasticidade s decises judiciais por fora do comando inserto no art. 461, 5 do Cdigo de Processo Civil.

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    Contudo, fala-se do advento de nova onda renovatria, posta, sobretudo como resposta ao dilema de no se saber quando e como ser a sada do sistema. O momento referido s dimenses ticas dos operadores do Direito, ao regres-so da justia ou resoluo adequada do conflito (BACELLAR, 2012, p. 19). E, nesse contexto, a temtica da Administrao da Justia imprescindvel para a anlise dos descaminhos vividos no mbito do Judicirio, uma vez que, estando ligada a aspectos relacionados necessidade de recursos materiais e pessoais e sua correspondente gesto, assim como adoo de tcnicas inovadoras prprias de uma lgica privada, vem sendo, de certo modo, encarada como um instrumento para a democratizao do acesso justia com os novos componentes da durao razovel do processo. A sua relao com a crise do Poder Judicirio ser tratada a seguir.

    2 ADMINISTRAO DA JUSTIA E CRISE DO PODER JUDICIRIOPara CASTRO JUNIOR (1998, p. 19), a crise enfrentada pelo Poder Ju-

    dicirio no se constitui em evento tpico, com caractersticas exclusivas de suas prprias cultura e estrutura. , antes, a traduo de uma crise maior, do cresci-mento da sociedade e da expanso da ao do Estado.

    J para SADEK (2004, p. 8), o ngulo que apresenta os sintomas mais in-tensos da apontada crise refere-se estrutura para o processamento de demandas. Destaca a autora:

    Diz respeito a uma estrutura pesada, sem agilidade, incapaz de fornecer solues em tempo razovel, previsveis e a custos acessveis para todos. A despeito de se verificar tendncias ascendentes na demanda e na oferta de servios em todas as instncias e em todas as justias, a imagem de abso-luta inoperncia, com descompasso expressivo entre a procura e a presta-o jurisdicional. Calcula-se que, caso cessassem de ingressar novos casos, seriam necessrios de cinco a oito anos, dependendo do ramo do Judicirio e da unidade da federao, para que fossem colocados em dia todos os processos existentes. Como explicar esta situao crtica? Com freqncia, aponta-se o nmero insuficiente de juzes como um dos fatores mais im-portantes para justificar a baixa agilidade no desempenho do Judicirio. Muitos integrantes do sistema de justia apegam-se a esta carncia para ex-plicar a crise. De fato, o Brasil apresenta uma relao bastante desfavorvel entre o nmero de magistrados e o tamanho de sua populao. Ademais, o baixo nmero de juzes um problema reconhecido pelo prprio po-der pblico, j que, em todas as unidades da Federao, h vagas abertas. Apesar da inegvel desvantagem da situao brasileira quando confrontada

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    com a de outros pases, estudos comparativos internacionais demonstram no haver correlao significativa entre o nmero de juzes e a eficincia e a confiana da populao no sistema judicial (Buscagliaet al., 1995). Embo-ra seja difcil apontar uma nica causa como responsvel pelos problemas de distribuio de justia, seria impossvel ignorar o papel desempenhado pelos prprios magistrados no exerccio de suas atribuies. Referimo-nos a dois aspectos: ao recrutamento e mentalidade, variveis com forte in-fluncia na forma de perceber e de lidar com as questes relacionadas distribuio de justia. {} Quanto mentalidade, o Judicirio no di-fere, neste aspecto, de outras instituies igualmente fechadas, com tra-os aristocrticos. O figurino da instituio tem se mostrado um ponto problemtico, uma vez que, longe de encorajar o substantivo, prende-se forma; em vez de premiar o compromisso com o real, incentiva o saber abstrato. O descompasso entre o valorizado pela instituio e as mudanas vividas pela sociedade responde, em grande parte, pela imagem negativa da magistratura junto populao. Sublinhe-se, contudo, que nos ltimos anos tm crescido as reaes internas a esse modelo. Tanto assim que, hoje, dificilmente, pode-se afirmar que a magistratura constitua um corpo ho-mogneo. Ao contrrio, no apenas multiplicaram-se os grupos internos, como muitos juzes tm se mostrado crticos da instituio e sensveis a propostas de mudana, mesmo que afetem diretamente interesses corpora-tivos e tradicionais. {}

    E prossegue SADEK (2004, p. 8), demonstrando com nmeros o signifi-cado dessa crise:

    Apesar das crticas, todos os nmeros referentes ao Judicirio so grandio-sos. So milhares de processos entrados e milhares de julgados. De fato, quando se observa tanto a movimentao judicial anual quanto a evoluo do nmero de processos entrados, no h como fugir de uma primeira constatao: a demanda por uma soluo de natureza judicial tem sido extraordinria e crescente. Ainda que em magnitude relativamente menor, o mesmo pode ser dito sobre os processos julgados: um volume de trabalho aprecivel.Para que se tenha uma idia, de 1990 a 2002, entraram, em m-dia, na justia comum de primeiro grau 6.350.598 processos por ano, com clara tendncia de crescimento. Efetivamente, enquanto em 1990 chega-ram at o Judicirio 3.617.064 processos, em 2002 este nmero mais do que dobrou, atingindo 9.764.616. Durante esses anos houve, em mdia, um processo para cada 31 habitantes. Embora seja uma mdia e, como tal, esconda diversidades, revela um ngulo precioso da justia brasileira: um servio pblico com extraordinria procura. O aumento no volume de processos entrados muito maior do que faria supor o crescimento populacional. Enquanto o nmero de habitantes no perodo cresceu 20%,

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    a demanda pela justia de primeiro grau aumentou 270%. Quanto aos pro-cessos julgados, sua evoluo acompanhou o crescimento no nmero de en-trados, apresentando uma mdia anual de 4.593.839. Entre 1990 e 2002 houve um aumento de 311% nos julgados. Contudo, os nmeros referentes aos julgados, ano a ano, indicam uma defasagem constante quando compa-rados aos de entrados: so julgados em mdia 72% dos processos entrados. Embora a justia de primeiro grau concentre a maior parte dos processos, tambm aprecivel a movimentao dos tribunais. Comparando-se o incio da dcada com o final, os resultados so sempre significativos. Entraram, em 1990, 125.388 processos nos Tribunais de Justia do pas. Este nmero cresceu mais de quatro vezes em 2000, passando para 545.398. Quanto aos processos julgados, registrava-se em 1990 um total de 114.237; em 2000, atingiu-se trs vezes e meia mais: 410.304 julgamentos.

    Nessa perspectiva, de expanso dos direitos sociais e resposta ineficaz do Estado em termos de polticas pblicas, afirma MEDEIROS (2006, p. 68):

    Os problemas relativos administrao judicial podem ser analisados sob dois enfoques: o primeiro, de natureza interna, aponta para questes tais como: morosidade, pouca racionalidade na organizao do trabalho, prio-ridades discutveis na alocao de recursos, resistncia a inovaes, excesso de recursos processuais das decises dos juzes e poucos investimentos na formao e atualizao de magistrados e servidores. O segundo, de natu-reza externa, est relacionado especialmente falta de polticas pblicas srias de investimentos, ao volume insuficiente de recursos oramentrios, ao quantitativo de juzes e servidores, s presses governamentais, cha-mada inflao legislativa, caracterizada por uma grande produo de leis, de modo desordenado e assistemtico.

    Sobre o tema, muito interessam tambm os estudos sociolgicos que per-mitiram demonstrar, empiricamente, que as reformas do processo ou do direito substantivo no teriam muito significado se no fossem, especialmente no caso da ampliao dos poderes dos juzes, acompanhadas de uma necessria formao em conhecimentos econmicos, sociolgicos e polticos e, em particular, acerca da administrao da justia, vista como instituio poltica e organizao pro-fissional. assim que, como aponta JUNQUEIRA (1996), no incio dos anos 80, o acesso justia foi abordado a partir da preocupao com o processo de construo de direitos dos setores subalternos da sociedade; j nos anos 90, a preocupao com os movimentos sociais (de matriz mais estrutural do papel do Estado e do Judicirio) substituda pelo interesse na ordem jurdica e seu papel na inveno da sociedade democrtica; e na sequncia diversas pesquisas voltaram-se para os operadores do Direito, dentre eles os magistrados.

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    Nesse sentido, SANTOS (1995 apud ASSIS et al., 2010) anota que tal percepo dos cientistas polticos e socilogos em relao aos tribunais, provocou duas consequncias importantes: (i) colocou o comportamento dos juzes no cen-tro da investigao analtica, demonstrando que as motivaes das decises pode-riam estar relacionadas origem de classe, formao profissional, idade, ideologia poltica, preferncia religiosa; (ii) demonstrou que a administrao da justia no era uma funo neutra protagonizada por juzes equidistantes dos interesses das partes, sendo possvel diferenciar juzes liberais de juzes conservadores.

    Seja como for, as ditas pesquisas sociolgicas influenciaram algumas re-formas de administrao da justia, destacando-se aquelas no interior da justia civil tradicional, como o reforo dos poderes do juiz na apreciao da prova e na conduo do processo com base na oralidade, concentrao e imediao, partici-pao mais ativa das partes e testemunhas, uso da conciliao entre as partes sob o comando do juiz. E tambm, reformas no sentido da criao de meios informais de resoluo de conflitos.

    Em sntese, a partir da contextualizao feita, e para o que interessa ao presente estudo, cabida a pergunta: se as lgicas usadas pelos atores jurdicos, e especificamente pelos magistrados, relacionam-se diretamente com a democrati-zao do acesso justia, como pensar em efetividade da prestao da tutela juris-dicional, um dos aspectos quela ligado, apenas adotando-se na administrao da justia de tcnicas caractersticas de uma lgica privada, como a racionalizao da diviso do trabalho e os novos recursos de tempo e capacidade tcnica? O debate sobre esta questo demonstrado no prximo tpico.

    3 ADMINISTRAO JUDICIRIA: INSTRUMENTO PARA A DEMO-CRATIZAO DO ACESSO JUSTIA?

    Os desafios postos ao Judicirio no contexto da democratizao do acesso justia, para alguns, relacionam-se diretamente aos possveis ganhos em termos de agilidade e previsibilidade dos servios prestados, o que requer a adoo de uma l-gica privada dentro da Administrao Pblica, como ocorre com a racionalizao da diviso do trabalho, o papel desempenhado por um juiz que tambm passa a ser ad-ministrador e a adoo de novos recursos de tempo. Como destaca TESSLER (2007):

    A cultura do Planejamento Estratgico foi introduzida no mbito da Justia Federal. No Superior Tribunal de Justia foi divulgado o Plano Estratgico em 2004/2006, que na sua apresentao anuncia que est trazendo Casa um novo modelo de gesto baseado nos pilares da agilidade e transparncia, da inovao tecnolgica, da criatividade e da qualidade do trabalho. O Plano

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    Estratgico do Superior Tribunal de Justia apresenta sua misso, a viso de futuro, bem como os valores e estratgia, objetivos e metas, empregando a metodologia desenvolvida por Robert Kaplan e David Norton, professores da Harvard Business School, o Balanced Scorecard (BSC). Para elaborar o Plano Estratgico o Superior Tribunal de Justia realizou a anlise do ce-nrio externo: ameaas e oportunidades, e interno: pontos fortes e fracos. A viso definida pelo Superior Tribunal de Justia ser reconhecido pela sociedade como Tribunal da Cidadania, modelo na garantia de uma jus-tia clere, acessvel e efetiva. Os valores institucionais definidos foram: o orgulho institucional, a presteza, a inovao, a cooperao, o comprometi-mento, a transparncia, a confiana e o respeito. As estratgias so: agilizar a prestao jurisdicional, aproximar o Tribunal da sociedade, garantir uma prestao jurisdicional efetiva e transparente. Contribuir para a expanso e modernizao do Judicirio. As metas institucionais e os projetos estratgicos foram publicados pelo Ato n 117/2005 do Superior Tribunal de Justia. realmente inspirador e constitui poderoso incentivo aos magistrados brasilei-ros saber que o nosso Tribunal da Cidadania, o Superior Tribunal de Justia, movimenta-se no sentido de efetivar a cidadania no Brasil.

    Fortalece-se a posio de que o modelo tradicional de gesto pblica ineficiente, num movimento que permeou o debate poltico e acadmico dos anos 90, propondo-se a adoo de um modelo ps-burocrtico, vale dizer, geren-cialista, o qual, segundo SCHMITT e FIATES, se caracteriza por uma estrutura:

    {...} flexvel e horizontalizada com a formalizao dos objetivos e dos resul-tados a serem alcanados, sendo que a estratgia definida de maneira mais participativa e malevel em funo das novas perspectivas que aparecem. Na dimenso de anlise da relao com o ambiente, a nfase no atendi-mento s demandas dos cidados latente, sendo muito flexvel e mutvel em razo da instabilidade ambiental ser uma constante, enquanto que na poltica verifica-se a preocupao em obter informaes privilegiadas acer-ca do planejamento e oramento, visando a uma gesto mais voltada para resultados. A administrao profissional e descentralizada, primando pelo uso racional e responsvel dos recursos pblicos. Verifica - se, tam-bm, a presena da avaliao de desempenho e o controle de resultados.

    Para BARBOSA (2007), contudo, uma reforma da organizao judiciria deve dar uma maior importncia construo de indicadores especficos para Judicirio, pois:

    Para o Banco Mundial, a crise do Poder Judicirio compreendida como a crise da Administrao da Justia, e sua ineficincia decorre da incapa-cidade de prestar um servio pblico a um preo competitivo, rpido e

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    eficaz, em resposta s demandas que lhe so submetidas. A concepo de Justia como servio estranha tradio brasileira, onde o Poder Judi-cirio foi estabelecido historicamente com um dos trs poderes de esta-do. Contudo, tem aos poucos repercutido na tradio poltico-jurdica nacional, e uma de suas faces visveis so os diagnsticos e processos de avaliao que se tem produzido para analisar o funcionamento do Judici-rio e propor mudanas em sua atuao. Estudos sobre o Poder Judicirio eram raros no Brasil onde, conforme j denunciou Zaffaroni (1995), em uma das primeiras obras tratando do assunto, inexiste uma teoria poltica da jurisdio. Movimentos recentes neste sentido tm o mrito de trazer o assunto discusso e aproximar o Judicirio da sociedade, tornando-o mais conhecido e transparente, o que pode favorecer o processo de legiti-mao. A construo de diagnsticos e as avaliaes que tm sido realizadas so ainda muito novas e traduzem um excelente trabalho de aproximao entre o Poder Judicirio e a sociedade. {...} Produtividade um conceito forjado nas linhas de produo de pases industrializados, tpico da so-ciedade industrial da primeira metade do sculo XX. Pode ser definida como a relao entre o esforo despendido em termos de tempo, custo econmico, trabalho executado para se produzir algo e o resultado obtido com esse esforo. Quanto menor o esforo e maior o resultado, maior ser tambm a produtividade. Eficincia representa a medida resultante da re-lao custo/resultado, de forma que mais eficiente aquilo que alcana os melhores resultados ao menor custo, gerando em conseqncia maior lu-cro. Efetividade est relacionada capacidade de auferir resultados, sendo mais eficiente aquilo que atingiu percentualmente os melhores resultados previstos. Eficcia refere-se ao grau em que se alcanam os resultados de-sejados, independente dos custos implicados (Marinho e Faanha, 2001). Esses indicadores so apropriados para avaliar mercadorias que podem ser traduzidas em unidade monetrias, j que implicam, exceo da eficcia, uma relao custo/benefcio. No servem para a anlise de questes sociais as quais, conforme adverte Mnica Cavalcanti (2001) muitas vezes no podem ser expressas monetariamente. Esta mesma dificuldade enfrenta-da na avaliao do Poder Judicirio. A tendncia das anlises disponveis coisificar toda a sua atividade e atribuir-lhe uma expresso monetria, de forma a transformar todo conflito a ele subsumido em uma relao de consumo que, enquanto tal, obedece a uma lgica de mercado voltada maximizao do lucro, acumulao do capital, individualizao dos bens. Este um processo tpico de uma sociedade moderna liberal em que a concorrncia um pressuposto e a eliminao do concorrente, um valor positivo; a competio incentivada e a colaborao apenas tolerada; o indivduo valorado pelos bens que possui e o coletivo levado em conta apenas pelo seu valor enquanto consumidor. Contudo, so critrios que se tm mostrado insuficientes para avaliar a sociedade complexa, foca-da nas relaes globais e difusas, j que suas preocupaes ultrapassam as

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    fronteiras do estado moderno e os bens a serem tutelados no devem ser apropriados individualmente. Para a avaliao do Poder Judicirio, so cri-trios imprestveis, j que as premissas da atividade produtiva so distintas daquelas que caracterizam a prestao jurisdicional e os desafios que deve enfrentar so novos, tpicos deste incio de sculo. incorreto mensurar lucro, produtividade, relao custo/benefcio, servio adequado, risco, para avaliar a Justia, quando o funcionamento timo do Judicirio impe variveis distintas, muitas vezes contrapostas a esses indicadores. {...} Ao contrrio da atividade privada, baseada no consumo, necessrio ou indu-zido, e portanto mais lucrativa quanto maior for o nmero de usurios, a prestao jurisdicional est desvinculada do consumidor, sendo possvel supor que uma sociedade possa ser tanto melhor quanto menor for a ne-cessidade de buscar uma soluo judiciria, pelo menos nos casos em que o Judicirio est acessvel maior parte da populao. Tambm neste caso a lgica de mercado e a lgica judiciria so contrapostas. Ainda que se possa admitir, por amor argumentao, que a atividade judiciria esteja de fato resumida prestao de um servio, como quer o Banco Mundial, e bastante legtimo discordar dessa premissa, deve-se levar em conta o produto atpico que oferece. A ttulo de exemplo, pode-se supor que o au-mento da demanda, desejvel no ambiente de mercado, pode no ser um indicador de sucesso da atividade jurisdicional, mas indicativo do fracasso na conduo pelo Estado de polticas pblicas voltadas concretizao de direitos sociais. A transferncia mecnica de indicadores que refletem relaes prioritariamente econmicas para analisar o Poder Judicirio de forma e compromete os resultados apresentados. H ainda outro aspecto muito importante: os critrios de produtividade, eficincia e efetividade so vinculados fixao de resultados pretendidos e alcanados. Para tanto, imprescindvel a definio da(s) funo (es) do Judicirio e o estabele-cimento de suas prioridades, para alcanar objetivos e metas previamente definidos. S aps esse processo deveriam ser estabelecidos procedimentos e indicadores para a avaliao adequada do Poder Judicirio. Essa uma grande dificuldade. Faltam estudos que qualifiquem e definam a natureza da prestao jurisdicional, e essa omisso dificulta a construo metodol-gica de indicadores capazes de expressar adequadamente as atividades do Judicirio.

    E isto se d desta forma, precisamente, porque, como aponta BARBOSA (2007), a depender da concepo que se tenha do Poder Judicirio, os diagnsti-cos da crise por ele vivenciada sero dspares e as prioridades diferentes.

    De fato, a mera adoo de novas tcnicas, caractersticas de uma lgica privada de gesto, no ser suficiente para solucionar os descaminhos enfrentados pelo Judicirio ou responder efetiva democratizao do acesso justia, cujo

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    desdobramento a prpria noo de sada clere do sistema formal de resoluo de conflitos. Para ser inteiramente democrtica, uma reforma da organizao ju-diciria passa, sim, pela questo de se saber de qual Judicirio se est a falar e para quem ele se destina. Enfim, a questo indissocivel, inclusive, de uma verdadeira reforma na seleo de magistrados, j que, como aponta STRECK (2011), {...} possvel afirmar que o Judicirio {...} lento porque {...} est assentado sobre uma estrutura arcaica e burocrtica, permeada por um imaginrio conservador, fruto de uma fortssima crise de paradigma pela qual passa a dogmtica jurdica.

    CONSIDERAES FINAISAo longo deste trabalho foi possvel constatar que a democratizao do

    acesso justia implica no negar importncia ao tema da administrao da jus-tia neste vis de novas tcnicas de gesto, cultura organizacional e governana de tecnologia da informao e comunicao para os estudos contemporneos sobre polticas pblicas para o Judicirio.

    Todavia, destaca-se que de nada adianta pensar na lgica privada de gesto dentro do Judicirio, como resposta ao emperramento da mquina burocrtica, se ele permanecer estagnado em suas concepes de auto-suficincia epistemolgica.

    Se como sustenta SANTOS (1993) o tema da Administrao da Justia o que mais diretamente equaciona as relaes entre o processo civil e a justia social, ainda h muito a percorrer no Judicirio brasileiro.

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