Oportunidades Políticas e Novos Repertórios de Ação: Movimentos Negros e acesso...

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1 XVI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 10 a 13 de Setembro – Salvador (BA) Grupo de Trabalho: Relações raciais e étnicas: desigualdades e políticas públicas Oportunidades Políticas e Novos Repertórios de Ação: Movimentos Negros e acesso institucional no Brasil Contemporâneo. Cristiano Rodrigues Universidade Federal de Mato Grosso

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1 XVI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 10 a 13 de Setembro Salvador (BA) Grupo de Trabalho: Relaes raciais e tnicas: desigualdades e polticas pblicas Oportunidades Polticas e Novos Repertrios de Ao: Movimentos Negros e acesso institucional no Brasil Contemporneo. Cristiano Rodrigues Universidade Federal de Mato Grosso 2 Oportunidades Polticas e Novos Repertrios de Ao: Movimentos Negros e acesso institucional no Brasil Contemporneo. Cristiano Rodrigues Professor do Instituto de Educao - UFMT Introduo Atbemrecentementeoestadobrasileirosustentavaumaversodeidentidade nacionalhomognea,unificadoraeinclusiva.Obaricentrodessaidentidadenacionalgirava em torno de princpios de miscigenao racial e hibridismo cultural que, operados a partir de caractersticassingulares,impediriamaemergncia,entrens,defenmenoscomooJim Crownorte-americanoouoapartheidsul-africano.Aocontrrio,segundoseusidelogos, identidadesnacionaissustentadaspeloprincpiodamiscigenaorevelariamformasmais harmoniosase,portanto,melhoresdecoexistnciainter-racial.Omitodademocraciaracial, amplamente(re)produzidonointeriordotecidosocialtratava-sedeumatentativa,atcerto ponto extremamente bem-sucedida, de obliteraro carterhierrquico das relaes raciais no pas (Hanchard, 1994).Porm, acompanhando um movimento que parece ser de escala global, a emergncia denovasidentidadestnicaseraciaisnosltimos30anosdosculoXX(edosconflitos associadosatalemergncia)tornou-seumelementosignificativocomoqualoestado brasileirotevequelidar(Costa,2006).Arearticulaodosmovimentosnegrosapartirdos anos 1970, bem como os processos de aprofundamento da democracia em curso no pas desde o incio dos anos 1980, so elementos fundamentais para se analisar a mudana em termos do tratamento oficial dado s questes relativas integrao racial e promoo da igualdade.Omovimentoemdireospolticasdepromoodaigualdaderacialaconteceu de forma lenta, mas consistente, ao longo dos anos 1980 e 1990. Em meados dos anos 1990, duranteogovernoFernandoHenriqueCardoso,lideranasdosmovimentosnegros conseguiram, pela primeira vez na histria do pas, acessar espaos institucionais e influenciar naagendadepolticaspblicasfocalizadas.Porm,porumasriedefatoresconjunturais,a maioriadaspropostasdelineadasduranteaadministraoFHCnochegaramaser implementadas. Na reta final do governo FHC, a coalizao de foras entre lideranas negras, fundaesinternacionaiseagentesestataisparaparticipaona3aConfernciaMundial ContraoRacismo,XenofobiaeFormasCorrelatasdeIntolerncia(3aCMR),realizadaem 2001, na frica do Sul, abriu uma janela de oportunidades sem precedentes para a incluso da temtica racial em diferentes mbitos do aparato estatal. S Opresenteartigotomaosresultadosdaparticipaobrasileirana3aCMRea chegadadoPartidodosTrabalhadores(PT)aopoderparaanalisaroprocessode adensamento,aindaquecercadodecontrovrsias,dasproposiesdepolticaspblicas focalizadas para promoo da igualdade racial. Segundo Lima (2010), at o governo de Luiz IncioLuladaSilva(doravanteLula)arelaoentremovimentonegroeestadoerade exterioridade,comosativistascumprindoopapeldereclamantesmascombaixainsero institucional.NogovernoLulamilitantesdomovimentonegropassamaocuparcargosem rgosgovernamentaiseatervozativanaformulaoegestodepolticaspblicas.Por essa razo, com a ascenso do PT ao poder, impe-se um ritmo mais acelerado a um amplo conjuntodemudanasnopanoramadasrelaesraciaisbrasileirasque,nosgovernos anteriores, ficaram apenas na inteno ou tiverem alcance reduzido.Assim,paraoescopodestetrabalho,analisa-seoprocessodeinclusodatemtica racialdentrodoestadobrasileironaltimadcadacomointuitodemelhorcompreenderas relaesentreoaprofundamentodademocraciaeofortalecimentodeatoresdasociedade civil.Paratal,oartigoestdivididoemtrspartes.Naprimeira,procede-seaumabreve discussotericaacercadaconsolidaodeexperimentosparticipativosnoBrasil contemporneoeseupapelnadinamizaodasrelaesentreestadoesociedadecivil.Na segunda,analisa-sequatroinstnciasnasquaisainterlocuoentreativistasnegrose instituiesestataistemsidoextensivanaltimadcada.Soelas:SEPPIR,Conferncias NacionaisdePromoodaIgualdadeRacial,SadedaPopulaoNegraeProgramasde AoAfirmativanasUniversidadesPblicas.Porfim,debate-seosavanos,limitese perspectivas da articulao entre movimento negro e estado. Inovaes Participativas e Aprofundamento da Democracia no Brasil Contemporneo Aconflunciaentreosurgimentodenovosatorespolticoseapluralizaode interessessocietaisemcursodesdefinaisdadcadade1960temcomoumadesuas consequnciasmaismarcantesaproliferao,emdiversospasesdaAmricaLatina,de projetosinstitucionaisdeinclusodecidadosemprocessosdecisriosestatais, especialmenteemnveislocaiseregionais.Experinciasdiversas,taiscomoOramento ParticipativoeConselhosGestoresnoBrasil,MesasdeConcertaconnoPeru,Veeduras CiudadanasnaColmbia,ConsejosAutogestivosnoMxico,entreoutras,procuram demonstrar a possibilidade de uma participao social efetiva junto aos aparatos institucionais do estado(Olvera, Panfichi & Dagnino, 2006; Vera & Lavalle, 2010) Umaviadeentendimentosobreestesprojetosdeparticipaocidademcursona Amrica Latina est em se compreender o papel dos movimentos sociais enquanto fontes de 4 inovao social, gerao de novos saberes e ampliao do debate pblico em torno de temas outroramarginalizados.Nestesentido,aimplementaodemecanismosdeparticipaoe democraciadiretanosubcontinentefrutodapressosistemticademovimentossociais, ONGs,partidospolticosecidadosembuscaumatransformaosemprecedentesna sociedade.Contudo,(...) estas experincias ainda precisam ter seus efeitos de longo prazo provados e so bastantelimitadasgeograficamente,bemcomoemtermosdasuainflunciacultural (e portanto poltica). Estas limitaes so devido natureza preliminar e exploratria doprojetodemocrtico-participativo.Domesmomodo,aslimitaeseconmicas impostaspelaspolticaseconmicasneoliberaisquedominamtodaaregiogeram obstculosparaummaioraprofundamentodasinovaesdemocrticas(Olvera, Panfichi & Dagnino, 2006: 28). AindasegundoOlvera,PanchifieDagnino(2006),osestudossobretransioe consolidao dos regimes democrticos, que dominaram o debate nas cincias sociais latino-americanasnadcadade1980,foramsubstitudospornovasconsideraesterico-metodolgicasacercadosprocessosdedemocratizaoemcursonosubcontinente.Paraos autores,sotrsosfatoresqueexplicamessamudanadeperspectivasnasltimasduas dcadas.Emprimeirolugar,ossistemaseleitoraisseconsolidaram,aindaqueemgraus diversos de estabilizao, por toda a regio. O segundo processo, subjacente ao primeiro, diz respeitocrescenteinsatisfaodoscidadosemrelaoaosresultadospolticos,sociaise inclusivosproduzidosporestasdemocraciaseleitorais.Porfim,humaprofusode experimentosportodaaAmricaLatinabuscandooaprimoramentoeaprofundamentoda democracia, ampliao do campo poltico e promoo de cidadania.Nestecontexto,osexperimentosbrasileirosdandovezevozaumfenmenoque Wampler e Avritzer (2004) chamam de pblicos participativos se tornaram paradigmticos (especialmenteomodelodeoramentosparticipativos),tendosidoreplicados,eteorizados, em diversos lugares do mundo (Smith, 2009; Pateman, 2012). Osdemocratasdeliberativosestiveramentreosprimeirosaintroduzirnaacademia debatesacercadestesnovosespaosdeparticipao.H,nasdiferentesvariaesdesta perspectiva,umatendnciaaconsiderarexperimentosparticipativoscomoexemplosde aplicabilidadedeproposiestericasdesenvolvidasporsuascorrentestericas(Pateman, 2012). Outra caracterstica marcante dos principais estudos vinculados esta perspectiva est nacompreensodosprojetosparticipativoscomomecanismosauxiliaresparao aperfeioamento da democracia representativa e da institucionalidade do estado (Wampler & Avritzer, 2004; Smith, 2009; Pogrebinschi, 2010)). A associaoentre perspectivas deliberativas e participativassobre as interconexes entresociedadecivileespaospblicosdecisriosnaAmricaLatinatem,segundoseus proponentes,oobjetivodepromoversntesestericasapartirdaanliseacuradadecasos S empricos.Busca-se,entreoutrosobjetivos,romperumacertaoposioentreestadoe movimentossociaiscomotentativademelhorcompreendercomoaarticulaoentreessesdois campos originou a criao de instituies participativas para a incluso de atores sociais aocampodadeliberaopoltica.Umdosriscosdestastentativasdesntese,contudo,est emsenegligenciarapossibilidadedecolonizaodomundodavidapelosimperativosda burocracia.WamplereAvritzer(2004)buscamnoconceitodepblicosparticipativosum antdotoparaesterisco.Deacordocomosautores,aaproximaocidadaosaparatos estataisnosedemmerarelaodeinfluncia,masaumentaaaccountabilitysociale delimitaoscontornosdepolticaspblicas,constituindo-se,portanto,numanovaesferade deliberaoenegociao.Aindamaisotimista,Faria(2010),aoanalisarospadresde interaoestabelecidosentreogovernoLulaeorganizaesdasociedadecivil,propeque esteja se estabelecendo no pas uma sinergia positiva entre estado e sociedade civil.Outros autores so, todavia, mais cticos em relao possibilidade de uma sinergia positivaentremovimentossociaiseestado.Ainstitucionalizaodaparticipaoteria, segundoMirza(2006),umefeitodeletriosobreasformasdeaocoletivapoislevariama umenfraquecimentodaaodosmovimentos.Aoseconcentraremsobreosespaos deliberativos,custososemtempo,energiaeforamilitante,osmovimentospodemacabar sendo cooptados.Tatagiba(2011),emestudofeitoapartirdaexperinciadomovimentodemoradia da cidade de So Paulo revela que, no Brasil, a identificao do projeto poltico do governo umavarivelimportanteparaavaliarosresultadosalcanadosporprojetosparticipativos. Assim: Estudosmostramquegovernoscomprometidoscomagendasdeesquerdatendem nosacriarmaisinstnciasdeparticipao,comotambmavalorizarmaisesses espaos.Noquesereferesestratgiasdeaodosmovimentos,apresenada esquerdanopoderpareceterconsequnciasambguas.Nocasodaspesquisasque tenhoconduzido,oquetemsidopossvelidentificaraindadeformamuito preliminarqueemgovernoslideradospelaesquerdaosmovimentostendema valorizaramaiorofertadeparticipaoestataleadisputarnessasinstnciasseus projetoseinteresses.Mastendemtambmaorientarsuaaoporumadisposio menosconflitivaeumaposturademaiorconciliao,evitandoapressosobreos governosediminuindoousodoprotestocomoformadenegociao.Sejapara garantirseusinteressesparticularesouparagarantiragovernabilidadeapartirde umaagendadeesquerda,osmovimentostendemadiminuiradistnciacrticaem relao ao Estado e ao partido, submetendo, consequentemente, suas agendas de mais longoprazoaoritmoesexignciasprpriassdisputaseleitorais(TATAGIBA, 2011: 177). DellaPortaeDiani(2006)tambmsevalemdeumexperimentobrasileiro,o oramentoparticipativodePortoAlegre,paratentarilustraroslimitesepossibilidadesde pesquisas sobre caracterizao dos resultados alcanados por movimentos sociais. Para eles, o 6 deslocamentodasrelaesentremovimentossociaiseestadoparaespaosparticipativos mistosincorreemmaisriscosquevantagens.Apassagemdoconflitovividonasruaspara arenasinstitucionaistrazcomoumadesuasprincipaisconsequncias,segundoosautores,a necessidadedeconhecimentotcnicoeexpertisecientfica,recursosquenosofacilmente mobilizadospormovimentossociais.Htambmoriscodequeacriaodenovos procedimentos e instituies participativas seja uma mera tentativa de adiar a discusso para momentosmaisoportunos,segundointeressesdeumaelitepoltico-econmica.Assim,a possibilidadedemanipulaodaslideranas,cooptao,desmobilizaodasbasese legitimao de polticas governamentais alheias aos interesses da sociedade civil no pode ser desconsiderada. Alm disso: [...] modelos alternativos de democracia participativa so difceis de implementar. Os nveis de participao efetiva, pluralidade, e a eficcia de novas arenas de tomada de deciso so variados e distantes de ser satisfatrios. Quanto ao pluralismo das novas arenasparticipativas,umavezqueosrecursosparaamobilizaocoletiva distribuem-sedesigualmenteentreosgrupossociais,gruposereasmaispobres corremoriscodeseremexcludospelasnovasinstituiespolticas.Suaefetiva capacidade para tomada de deciso , muitas vezes, mnima: por vrias razes, novos canais de participao tm sido geralmente limitados a consulta dos cidados (Della Porta & Diani, 2006: 238). Asvantagensdaparticipaoemarenasinstitucionaisresidiriam,segundoDella PortaeDiani,naconstituiodeumambientemaisfavorvelparaoencaminhamentode reivindicaes,nareduodosriscosinerentesaosprotestose,deformasubjacente,emum maiorengajamentodaquelesindivduospoucodispostosacorrerriscos.Oaumentoda proximidadecomgestoresaagentesestataispoderesultaraindaemganhosincrementaise procedimentais.Porseremmaispermeveisqueaesferapolticatradicional,osespaos participativospermitemqueomovimentosocialexeramaiorinflunciasobreapoltica pblica.Porfim,aampliaodearenasparticipativastrazconsigoarealizaodeumdos principais objetivos de muitos movimentos sociais: o desenvolvimento e a expanso de novos conceitos de democracia (Della Porta & Diani, 2006).Dryzek(1996),tambmreconheceacentralidadequeainclusoefetivadegrupos minoritriosadquiriudentrodasdemocraciascontemporneas.Porm,afirmasernecessrio distinguir entre incluso na vida poltica e incluso no estado. A entrada no estado pode ser dar atravs de: [...]organizaoenquantogrupodeinteressesassociadoaatividadesdelobby; participaonodesenvolvimentoeimplementaodepolticasatravsdecontnuas negociaesentrelderesgrupaiseagentespblicos;participaoempartidos convencionaisedapolticaeleitoral,sejaseorganizandocomoumpartidooupor afiliao formal a um partido j estabelecido; aceitao de nomeaes por lderes dos grupos; ou aumentado a capacidade de participao do grupo na tomada de decises atravs de mudanas nas polticas pblicas (Dryzek, 1996: 475). 7 Para Dryzek (1996) a incluso no estado s benigna quando um conjunto razovel decritriosdejustiaeparidadesoatendidos,nosdemaiscontextosainclusonavida poltica se mostra mais vantajosa. O autor acredita que um foco excessivo no papel do estado contraproducente, sendo mais relevante analisar disputas polticas que se do para alm do estado. Noqueconcerneaosefeitosdarepresentaocoletivadegruposmarginalizados, Dryzek (1996) pontua quatro perfis de estado que podem ter efeitos nocivos ou benficos para a ao dos movimentos sociais. Os estados exclusivo-ativos reduzem ou barram as condiesnecessrias para associaoe organizaode atores da sociedade civil; os estados exclusivo-passivosrelegamasociedadecivilsuaprpriasorte,semqueoestadotenteobliterarde forma sistemtica a formao de grupos oposicionistas. Os estados inclusivo-ativos fomentam amobilizaopolticadedeterminadosgruposeosconduzparaointeriordosaparatos estatais;josestadosinclusivo-passivossopermeveisaqualquergrupoqueemerjada sociedade civil.Dryzekdefendequealgumnveldeexclusosalutarparaosmovimentossociais, vistoqueompetopordemocratizaosurgemuitomaisfrequentementeapartirdeuma oposio na sociedade civil do que por via estatal. Para o autor, a incluso positiva de grupos oposicionistaspeloestadospossvelquandoointeressecentraldogrupopuderser diretamentearticuladoaumimperativoestatal,oquepermitiriaaogrupocontribuirparaa determinaodocontedodepolticaspblicasconcernentesaeles.Naausnciadesta condiosinequanonogruposerinvariavelmentecooptadoouterocontedodesuas reivindicaes esvaziado. Almdisso,mesmoquandohumasinergiapositivaentreosinteressesdosatores sociaisaalgumimperativoestatal,aelaboraodepolticaspblicasaindaestarsobtutela do estado e os resultados alcanados no sero necessariamente os desejados. No processo de entradanoestado,osmovimentossociaisperdemalgumasdesuascaractersticas,tornando-se,muitasvezes,hierarquizadosecentralizadosemtornodeumalideranaestvel.Esta perdaemtermosdedemocraciainternassejustificaapartirdosresultadosinstrumentais alcanados, mas seos resultados objetivos forem irrelevantes,tal perda pode ser fatal para a vitalidade do movimento (Dryzek, 1996).Dryzek (1996) aponta ainda para o fato de que possvel, e aconselhvel, o exerccio de poder poltico dentro, e a partir, da sociedade civil. O poder comunicativo, ou a habilidade depromovermudanasocialatravsdodiscurso,entendidopeloautorcomosendouma dessaspossibilidades.Omovimentopordireitoscivisnorte-americanoumexemplode movimentosocialque,mesmosemacessardiretamenteaesferapoltico-decisriaexerceu sobreelaenormeinfluncia,transformandopodercomunicativoempoderadministrativo. 8 Uma segunda possibilidade, defendida por Tarrow (1994) em oposio queles que acreditam quetodomovimentosocialserinvariavelmentecooptado,remetecapacidadequeos movimentos sociais tm de exercer influncia prolongada na sociedade civil tanto a partir da criaodenovosrepertriosdeaocoletiva,queseroposteriormenteapropriadospor outros movimentos, quanto por incluir o debate sobre determinada questo permanentemente na agenda pblica.Uma terceira possibilidade de influncia via sociedade civil diz respeito criao de frunsnoestataisdeelaboraodepolticaspblicas.OFrumSocialMundialpodeser consideradoumexemplorealdestapossibilidade.Porfim,protestospolticosdentroda sociedadecivilpodemgerar,nosagentesestatais,medodeumainstabilidadepolticae apressarumarespostagovernamental(Dryzek,1996).Asmobilizaespopularesque tomaramasruasdoBrasilemjunhode2013,acompanhadasdaprestezagovernamentalem incorporaragendapolticareivindicaesvindasdasruas,umbomexemplodestemedo da instabilidade poltica.Por fim, Dryzek, apoiando-se na proposio de Tarrow acerca dos ciclos de protestos, que acabam gerando algum nvel de burocratizao e incluso no estado, afirma que a entrada noestadopodeser,emalgunscasos,umanecessidadepragmticamaisqueumaestratgia. Nesteponto,oautorseaproximadasproposiesdeCoheneArato(1992),poruma estratgiabifocal(emdireosociedadecivileaoestado)dosmovimentossociais.Mas, diferentementedeCoheneArato,mantmqueaentradanoestadodeveserfeitadepoisde umclculoqueleveemconsideraoduasvariveis:aarticulaoentreosinteressesdo movimento a algum imperativo estatal e a capacidade de converter em ganhos instrumentais a perda de autonomia que a participao estatal enseja.No caso em tela verifica-se uma mudana progressiva em relao ao perfil do estado. Emalgunsmomentos,comoocorreuduranteaditadura,oestadocomportava,emrelao temticadaigualdaderacial,caractersticasdotipoexclusivo-ativo.Noperododetransio democrticaprevaleceumperfilmaisprximodoexclusivo-passivo.Jnoperodo representado pelos ltimos dois anos do governo FHC, e de maneira ainda mais acentuada na administraoLula,inegveloperfilinclusivo-ativodoestadoemrelaospolticas pblicas de promoo da igualdade racial.Acriaodeinstituies(secretariasespeciais,conselhos,frunsdeparticipao, etc.)paradeliberarsobretemasdeinteressedeafro-brasileirospermitiu,indubitavelmente, umainclusomaisativaviaarranjosparticipativos(inclusonoestado),pormtmidado pontodevistadavidapoltica.Aprincipalfragilidadenainclusodestatemticasedeve certa fragmentao do sistema democrtico e dos grupos de interesse, afetando sobremaneira aforadoestadonaimplementaodemudanasinstitucionaiseacoernciada 9 administraopblica.Almdisso,enoapenasemrelaotemticaracial,oestado brasileirotemprocuradoampliarsuaaberturaaosinteressesdosmovimentosnegrossem, contudo,flexibilizarseucomprometimentohistricoparacomsetoresdaeliteeconmica contrrios ao aumento da permeabilidade do estado. O Governo Lula e as Polticas de Promoo da Igualdade Racial Em2003,comapossedogovernodeLuizIncioLuladaSilva,inovaes significativasnoquesereferepromoodaigualdaderacialsoestabelecidas.Nombito daadministraofederalcriadaaSecretariaEspecialdePromoodaIgualdadeRacial (SEPPIR),comstatusdeministrio.Almdisso,ogovernoLulaprocurouintensificara interlocuo com a sociedade civil seja atravs da criao e/ou reformulao de Conselhos de Participao Popular ou por via das Conferncias Nacionais de Polticas Pblicas. Dandoprosseguimentoaumprocessoqueseiniciounosanos1990,osativistas negros tm sido personagens-chave neste novo cenrio poltico nacional. Para o escopo deste trabalho,analisareiquatroinstnciasnasquaisainterlocuoentreativistasnegrose instituies estatais tem sido extensiva e profcua. So elas: SEPPIR, Conferncias Nacionais dePromoodaIgualdadeRacial,SadedaPopulaoNegraeProgramasdeAo Afirmativa nas Universidades Pblicas. Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial Arepercussoda3aCMRnoBrasilencontranacriaodaSEPPIRseupontoalto,dandoprosseguimentoaumatendnciainiciadanosltimosanosdogovernoFHC,coma adoo de cotas raciais no ensino superior,bem como a implementao de polticas pblicas de recorte racial no mbito do trabalho, da sade e do setor agrrio (Maio e Monteiro, 2005). ASEPPIRfoioficialmentecriadaem21deMarode2003.ASecretariaaprincipal conquistadosmovimentosnegrosbrasileiroscontemporneos,poismaisquegarantir visibilidadesdemandasdeativistasdasociedadecivilosintegraaoaparatoestatal, permitindoquecontribuamparaadefinioeacompanhamentodepolticaspblicas(Lima, 2010).Serviram de referncia para a criao da SEPPIR algumas experincias institucionais anteriores, tais como os Conselhos da Comunidade Negra em municpios administrados pelo PTcomoSoPaulo,BeloHorizonteePortoAlegre.Ademais,em2002,duranteoperodo eleitoral,oPTorganizoucincoseminriosregionaiseumnacionalparaqueativistasnegros apresentassempropostasqueviriamacomporseuprogramadegoverno.OProgramaBrasil 1u semRacismo,frutodessesseminrios,apontouparaanecessidadedecriaodeumrgo federal devotado promoo de polticas de igualdade racial (Abreu & Tible, 2012).CoubeaMatildeRibeiro,importanteativistanocampodosdireitosraciaisede gnero,compassagenspelomovimentosindical,demulheresnegrasemembrodoPT,a tarefa de administrar a nova pasta. Em seu discurso de posse a ministra afirmou que: Aagendadaigualdaderacialnuncateveestestatusdentrodaestruturadogoverno federal.Nossamissocoordenaraspolticasdegovernoemanterrelaocoma sociedadecivilconsiderandoaimportnciadeavanodasaesafirmativase inclusodosgruposdiscriminadosdopontodevistaracialetnico(Discursode Posse 21/03/2003) AlmdaSEPPIR,foramcriadas,aindaem2003,duasoutrasinstituiesvoltadas paraaproposiodepolticaspblicasracialmentesensveis.OConselhoNacionalde PromoodaIgualdadeRacial(CNPIR),rgocolegiadodecarterconsultivovinculado SEPPIR,cujoobjetivoproporpolticasdecombateaoracismo,aopreconceitoe discriminaoedepromoodaigualdaderacial;eoFrumIntergovernamentalde PromoodaIgualdadeRacial(FIPIR),entidadequecongregaorganismosexecutivos estaduais e municipais secretarias, coordenadorias, assessorias, entre outras voltados para aquestoracial,comointuitodearticularosesforosdostrsnveisdegovernopara implementar politicas de promoo da igualdade racial. Com o intuito de promover a igualdade racial de forma ampla, a SEPPIR atua a partir daperspectivadatransversalidadeministerial,influenciandoparaqueosdemaisministrios tambmincluamemsuaspastasmedidasvoltadasparaapopulaonegra.Soexemplos dessatransversalidademedidastaiscomoarealizaodecensostnico-raciaisemescolas; proposiodepolticaspblicasdesadeparaapopulaonegraerecomendaode elaborao de livros didticos realando traos positivos da negritude e africanidade. No que tangeeducaobsica,aaprovaodaLei10.639de2003,queversasobrea obrigatoriedade da temticaHistria e Cultura Afro-Brasileira no currculo oficial da rede de ensino, representa claramente uma tentativa de reinterpretar a histria racial brasileira.So exemplos de outras medidas pela SEPPIR:Decreto n. 4.887, que regulamenta o procedimentoparaidentificao,reconhecimento,delimitao,demarcaoetitulaodas terrasocupadasporremanescentesdascomunidadesdequilombos;InstituiodoGrupode Trabalho Interministerial sobre Quilombos;assinatura de um Termo de Compromisso entre a SEPPIReoMinistriodaSadeparaaimplementaodeumaPolticadeSadeparaa PopulaoNegra;CelebraodeacordocomaOrganizaoInternacionaldoTrabalho (OIT), visando a capacitao de gestores pblicos para implementar polticas de igualdade de gneroeraa;CelebraodeProtocolodeIntenesenvolvendoaSEPPIR,oMinistrio Extraordinrio de Segurana Alimentar e Combate Fome (Mesa) via Programa Fome Zero e 11 aFundaoCulturalPalmares,oqualvisaamelhoriadascondiesdevidade15mil famlias em mais de 150 comunidades remanescentes de quilombos (Jaccoud, Silva, Rosa & Luiz, 2009). No entanto, a emergncia da SEPPIR no cenrio poltico-institucional brasileiro no umdadoisentodeconflitos.Algunsintelectuais,crticosspolticaspblicasracialmente focalizadas, enxergam na institucionalizao da SEPPIR a vitria do processo de racializao doanti-racismoquenegaatradioa-racialeuniversalistadopas(Fry&Maggie,2007; Grin, 2010).A institucionalizao da SEPPIR tambm traz consigo dilemas de ordem interna, tais como: quais seriam os melhores quadros sadosdos movimentos negros habilitados a ocupar posiesdentrodasecretariae,emquemedida,taislideranasrepresentariam,defato,o grossodapopulaonegrabrasileira.Nestesentido,arelaodaSEPPIR,enquanto instituio estatal, com lideranas do movimento negro marcada por algumas contradies, pois, como aponta Luiza Bairros, atual ministra da Secretaria: Vocquasenotemoutroslugaresparaseexpressarpoliticamente.Aspessoas negrasvoparaopartidopolitico,estol!emgrandesnmeros,masvocnotem lideranasdeexpressonegrasnacionalmentereconhecidas.Notem.Muitas pessoasvoparaopartidopoliticoeacabamvoltandoparac,porqueaquivoser ouvidas,voserconsideradas.[...]naverdade,querendoouno,aSeppir decorrnciadomovimentonegro.Eela,nombitoinstitucional,umoutroespao tambmreduzidocomoomovimentonegro.Talvez,menorainda.Achoqueo mesmo poderia ser dito em relao Secretaria de Politicas para as Mulheres (SPM), quetambmsurgiudeumprocessoprovocadopelomovimentodemulheres.Em termos institucionais, sempre muito difcil corresponder ao que seria a expectativa de um movimento social. OutrofatorlimitadordoalcancepolticodaSEPPIRestnafragilidadedesua institucionalizao. A questo da sustentabilidade o calcanhar de Aquiles da Secretaria. H umriscopermanentedequegovernosmenosalinhadoscomalutaantirracistavenhama destituiraSEPPIRnofuturo,ouquemesmodentrodoatualgovernoatemticaracialseja repensadaemoutrostermos,deformaaabrirespaoparaaextinodapasta.Garantira sustentabilidade da Secretaria passa, nesse contexto, pela aproximao com outros setores do governo, com o intuito de ampliar o carter transversal das polticas de igualdade racial.Por fim, aliados aos problemas de sustentabilidade, a SEPPIR enfrenta problemas de ordemoramentria.Em2003aSecretarianotevedotaooramentria,poishaviasido criadanaqueleano.Em2004seuoramentofoideR$17.2milhes,dosquais13%foram destinadosaopagamentodepessoaleencargossociais,7%deveriasertransferidopara municpiose24%distribudosaentidadesprivadascomasquaisaSEPPIRmantivesse contratos. Entre 2005 e 2010 o oramentomdio anual da pasta foi de R$ 16 milhes. Para efeitodecomparao,aSPMSecretariadePolticasparaasMulheresquefoicriadana 12 mesmapocaecomobjetivossemelhantes,teverecursosoramentriosdaordemdeR$61 milhespara2010,emcontrastecomosR$20milhesdestinadosSEPPIR.Umadas justificativas para o baixo oramento da secretaria est relacionada ao fato de a SEPPIR no serumrgoexecutivo,gestordeprogramas,masdeassessoria,consulta,articulaoe coordenao. A institucionalizao da SEPPIR revela o carter de inclusividade poltica do governo Lulanotocantequestoracial.Talinclusono,nocasodaSecretaria,meramente simblica,mascontemplaganhosestruturaisque,amdioelongoprazo,podemcontribuir significativamenteparaoredesenhodeumalgicadeproduodepolticaspblicas focalizadas. Entretanto,esseambientemaisinclusivonosednaausnciadecontradies.A efetivaodaSEPPIResuasustentabilidadefuturamuitodependentede,comoafirma Dryzek (1996), de uma sinergia positiva entre as reivindicaes dos movimentos sociais que propiciaramacriaodaSecretariaeumimperativoestatalfavorvel.Porm,aindaque, aparentemente,talimperativoestatalsejafavorvelpromoodaigualdaderacialh indcios de que essa coalizo de foras possa ser desfeita num futuro prximo. Conferncias Nacionais de Promoo da Igualdade Racial Em2005foirealizadaa1aConfernciaNacionaldePromoodaIgualdadeRacial (CONAPIR), cujo objetivo era a formulao de um Plano Nacional de Polticas de Promoo daIgualdadeRacialeavaliaraatuaodaSEPPIRnapromoodaigualdaderacial.A2a Conferncia,realizadaem2009,deucontinuidadeaostrabalhosiniciadosnoencontro anterioreprocurouconsolidareavaliaraimplementaodoPlanoNacionalpropostoem 2005. A1aCONAPIRfoiprecedidaporumtotalde1.332encontrosmunicipais,26 estaduaise1noDistritoFederal.DuranteasetapasqueantecederamaConfernciahouvea participaode92.750pessoasdetodososestadosdafederao.Dototaldeparticipantes forameleitos850delegadospararepresentarentidadesdasociedadecivilegovernoslocais na Conferncia. Ao todo, 1.019 delegados participaram da CONAPIR, dos quais 501 (49,2%) eram representantes da sociedade civil, 168 (16,5%) de governos municipais, 106 (10,4%) do governofederal,75(7,4%)degovernosestaduais,73(7,1%)daCNPIR,48(4,7%)de comunidades indgenas e outros 48 de comunidades quilombolas (Brasil, 2005). Ostrabalhosda1aCONAPIRforamdivididosem12GTs(GruposdeTrabalho),a saber:1)Trabalho/Desenvolvimento;2)Educao;3)Sade;4)DiversidadeCultural;5) DireitosHumanoseSeguranaPblica;6)ComunidadesQuilombolas;7)PovosIndgenas; 1S 8) Juventude; 9) Mulheres; 10) Poltica Internacional; 11) Religies e; 12) Fortalecimento de ONGs antirracismo.ParaaIICONAPIRhouveumaalteraonoquetangesetapasanteriores realizao da Conferncia Nacional. Por conta de dificuldades oramentrias foram realizados apenas encontros estaduais. Em sua etapa nacional, a Conferncia contou com a participao deaproximadamente1.500delegadosrepresentandoentidadesdasociedadecivileesferas governamentais.Houvetambmumareduodeeixostemticosnasegundaedioda CONAPIR, com a diviso dos trabalhos em nove GTs: 1) Educao; 2) Cultura; 3) Controle Social;4)Sade;5)Terra;6)SeguranaeJustia;7)Trabalho;8)PolticaNacionale;9) Poltica Internacional (Brasil, 2009). EmambasasConfernciashouveumaprevalnciadetemassociais,voltados fortementeparaamelhoriadascondiessocioeconmicasdaspopulaesnegrase indgenas. Na 1a CONAPIR, 10 dos 12 GTs se referiam a esses temas e, na 2a,seis de nove (BRASIL,2005,2009).Outrofatorelevanteaserressaltadoque,deacordocom Pogrebinschi (2010), as diretrizes aprovadas nas conferncias nacionais de minorias tendem a ser predominantemente de natureza administrativa (quelas cujas reivindicaes se dirigem ao poder executivo), deixando de lado as de natureza legislativa (dirigidas ao poder legislativo). Em sua primeira edio a CONAPIRproduziu 1.048 deliberaes e na segunda, 761, sendo que 77.2% dessas deliberaes foram de natureza administrativa (Pogrebinschi, 2010). ParaPogrebinschi(2010)aprevalnciadedeliberaesadministrativassobre legislativas pode ser explicada por trs motivos.Primeiro, os participantes das Conferncias parecemconsiderarqueoexecutivorespondedeformamaisefetivaerpidassuas demandas.Segundo,umapartesignificativadasdeliberaesadministrativasrequerema implementaodemedidasjestabelecidasemlei.Porfim,lideranasdeorganizaes negrosestopresentesnoConselhoNacionaldePromoodaIgualdadeRacial,queconta comaparticipaoparitriaderepresentantesdasociedadeciviledoexecutivo.Eos conselhosdepolticaspblicastm,porsuavez,papeldeterminantenasconfernciasde minorias.ApsasdeliberaesseremaprovadaspelosdelegadosdasConfernciasum documentooficialelaboradoeencaminhadoparaquepossaserexecutadopelopoder executivoelegislativo.Oexecutivotemrespondidosdemandasvocalizadasnas confernciasatravsdeumasriededecretospresidenciaisedaaprovaodoPlano Nacional de Promoo da Igualdade Racial em 2009. J no legislativo, 18,3% de todas as leis eemendasconstitucionaisimplementadasentre1988e2009contemplavammedidasde interesses de grupos minoritrios expressas atravs de Conferncias. (Santos & Pogrebinschi, 2009).14 ParaalmdashiptesesaventadasporPogrebinschi(2010),hqueseressaltar tambmocartertransversaldasconfernciasdeminorias.Porlidaremcomtemasde reconhecimentoeredistribuio,essasconfernciastendemapriorizaraconfecode deliberaesinterseccionais,queprecisam,paraseefetivar,demaiorentrosamentopoltico entre diferentes setores do estado e dotaes oramentrias mais vultosas. Por essa razo, faz sentidoqueasresoluesdaCONAPIRsedirijamprioritariamenteparaopoderexecutivo, cujacapacidadedemediaopolticaentrediferentesesferasestataiseinflunciasobrea alocao de recursos financeiros maior do que a do poder legislativo.Ograudeinflunciaqueasconfernciasexercemsobreopoderpblicotambm precisa ser escrutinada. A maioria das conferncias nacionais de polticas pblicas tem carter consultivo, ou seja, embora convocadas e financiadas pelo governo federal, suas decises no precisam ser obrigatoriamente acolhidas pelo estado. Nesse sentido, o alcance da CONAPIR em certa media limitado, como afirma Dryzek (1996) pelo monoplio estatal, a quem cabe a ltima deciso sobre a implementao ou no de medidas vocalizadas na conferncia. Assim, apesardeseconstiturememimportantesfrunsdeparticipaodemocrtica,acapacidade que tais conferncias tem de influenciar a agenda poltica governamental varia enormemente, a depender do contexto sociopoltico em que elas ocorrem.AsduasediesdaCONAPIR,porexemplo,lograramincluir43%desuas deliberaes na agenda do governo federal. Embora faltem dados comparativos que permitam umaanlisemaisaprofundada,possvellevantaralgumashiptesessobreacapacidade inclusiva de conferncias consultivas. O grau de coeso ou disperso dos coletivos envolvidos naconferncia est estritamente relacionado sua capacidade inclusiva. A finalidade poltica daconfernciatambmexerceumpesoimportante,sobretudoquandosuasresolues apontamparaprovveisganhoseleitoraisparaogoverno.Otipodeorganizaosocialeo alinhamento desta com as instituies estatais um outro fator a ser considerado para o grau de inclusividade da conferncia.Polticas de Sade da Populao Negra O debate pblico sobre as articulaes entre sade, raa e gnero fruto da militncia demulheresnegrasparticipantesdediversasorganizaesnegrasefeministas,quevmse dedicandotemticadesdeadcadade1980(Rodrigues&Prado,2013).Graasaesse trnsito,marcadoporumaduplamilitncianomovimentodemulheresenomovimento negro, as ativistas negras se empenharam em articular os debates internos de cada movimento para embasar suas reivindicaes sobre polticasespecficas de sade para a populao negra, comparticularatenoparaquestesreferentessadesexualereprodutivademulheres negras. 1S Reivindicaes pelo fim da esterilizao cirrgica feminina, promovida pelo governo brasileiroemlargaescalanosanos1970e1980,estiveramnocentrodasatenesparaas ativistas negras. Segundo dados oficiais, em meados dos anos 1980, a prtica de esterilizao cirrgicaeraresponsvelpor27%detodasasmedidascontraceptivasutilizadaspelas mulheresbrasileiras,sendoquenoestadodeSoPaulotalndiceatingia39%(Ibge,1986; Berqu,1994).SecomparadocompasescomoFrana(6%),Inglaterra(7%)eItlia(4%), verifica-se o grau excessivamente elevado de esterilizaes no Brasil.Nessecontexto,ElzaBerqu,AliciaBercovichieEstelaTamburodesenvolvem,em 1986, a pesquisa Dinmica Demogrfica da Populao Negra Brasileira que buscava, a partir daproduodedadosquantitativosacercadasdesigualdadesraciaisbrasileiras,estudaros padresdefecundidadeenupcialidadeentremulheresbrancas,pretasepardas(seguindoa terminologiaoficialdoIBGE).Osresultadosdapesquisaapontaramparaumataxa relativamente menor de fecundidade entre as mulheres pretas em relao as mulheres pardas e brancas para as dcadas de 1960, 1970 e 1980. Para as autoras, a prevalncia de doenas que afetavamasadesexualereprodutiva,emconjuntocomumataxamenordenupcialidade entreasmulherespretas,explicavamadiferenaemtermosdefecundidadeparaestegrupo populacional (Bercovichi, 1987; Berqu, 1987). Essaspesquisassubsidiaramamobilizaodasativistasnegrasemproldepolticas desadeparaapopulaonegra,demodogeral,eparaasmulheresnegrasdemodo especfico (Roland, 2001a). As ativistas do Geleds que, ao fundar a ONG j designaram um corpodemilitantesparacomporoseuProgramadeSade.Estegruporesponsvelpor organizar,entreosdias21e22deagostode1993,oSeminrioNacionaldePolticase DireitosReprodutivos,quefaziapartedasriedeeventospreparatriosparaaConferncia InternacionaldePopulaoeDesenvolvimento,realizadanoCairo,em1994(Rodrigues, 2006; Rodrigues & Prado, 2013).Oseminriocontoucomaparticipaode55lideranasligadasaorganizaesde mulheres,organizaesnegras,organizaesfeministas,universidadeeserviospblicosde sade.DesseseminriosaiuaemblemticaDeclaraodeItapecericadaSerra,acusandoo Estado de se exercer basicamente no sentido de tratar a reproduo como questo pblica e os meios de manuteno da vida como questo privada (Ribeiro, 1995; Roland, 2000).Aafirmaodequeliberdadereprodutivafundamentalparaasmulheresnegras representaumagranderupturapolticacomopensamentohegemnicosobreaquestodos direitosreprodutivoseemrelaoaosprocedimentosdeesterilizaocirrgicapatrocinados pelo estado quele momento. As atividades desenvolvidas por ONGs de mulheres negras com o respaldo de instituies acadmicas, bem como o suporte financeiro deinstituies como a FundaesFordeaFundaoMacArthur,tambmforamessenciaisparaodelineamentode 16 uma agenda de direitos sexuais e direitos reprodutivos (Roland, 2001b). nesse contexto, que conectaacadmicos,militanteseagentesestataisquesurgeodebate,patrocinadopelo MinistriodaSadeem1996,sobresadedapopulaonegra.Noentanto,nohouve consenso sobre a necessidade decriao de programas de sade focalizados. O Programa de AnemiaFalciforme(PAF)foiconsideradoumaexceo,porsetratardeumadoenacom maiorincidnciasobreapopulaonegraecujosdadosestatsticoseramsuficientemente convincentesparajustificarsuaprioridadecomoproblemadesadepblica(Maio& Monteiro, 2005; Rodrigues, 2010). Em 1997, o governo federal estabeleceu o Programa para SadedaPopulaoNegra.Noentanto,segundoRoland(2001a),omesmoacabouno saindodopapel,poisnohouvealocaoderecursosnemtampoucodefiniodeum conjunto de diretrizes. H, segundo Lima (2010), trs argumentos principais, aventados por ativistas negros, para justificar aes especficas no mbito da sade da populao negra. Numprimeiromomento,asreivindicaessereferiammaiorvulnerabilidade socioeconmica da populao negra e, nesse sentido: Apesar da proposta universalista que rege o Sistema nico de Sade, notava-se uma reproduo,nareadasade,doracismoqueestruturaasociedadebrasileira.O grande desafio para alargar e adensar a percepo das desigualdades nessa rea foi a produo e o acesso a dados acerca da situao da sade dos negros, em particular da mulhernegra.Portanto,eraprecisodisponibilizarosdadosexistentesdesagregados porcoreintroduziressequesitonosprincipaisformulriosdesadepblica, particularmente naqueles referentes mortalidade e morbidade (Lima, 2010: 90). Umasegundalinhadeargumentaoassenta-senaideiadequedeterminadas doenas,querpordecorrnciadedeterminantesgenticos,querporcondiessociais desfavorveis, acometem desproporcionalmente pessoas negras. Desnutrio, morte violenta, mortalidadeinfantilelevada,abortosspticos,anemiaferropnica,DST/Aids,doenas relacionadasaotrabalho,transtornosmentaisresultantesdaexperinciaderacismoe transtornosrelacionadosaoalcoolismoetoxicomaniaestoincludosnessequadro argumentativo (Lima, 2010).A terceira via de argumentao em prol de polticas de sade para a populao negra se detm mais sobre o enfrentamento do racismo institucional. Para Lima (2010:91): Soconsideradosracismoinstitucionaloudiscriminaoindiretaosmecanismos discriminatriosqueoperamnasinstituiessociais,dissimuladospormeiode procedimentoscorriqueirosinstauradosnocotidianoorganizacionaleirredutveis prticaindividual.Percebe-seumdeslocamentodanfasenaespecificidadeda populaonegraparadeterminadosconjuntosdedoenasesuamaior vulnerabilidadeAids,paraumanfasenasquestesrelativasdiscriminaono acessosadeenoatendimento.Osprogramaseasaespassaramapriorizaro treinamentodosagentesdesadeparalidarcomosprogramasespecficosquevo sendo criados. 17 sobretudodentrodessecenrio,cujosargumentosgiramemtornodoconceitode racismoinstitucional,queasdemandasdomovimentonegroporpolticaspblicasdesade tmsidoincorporadaspeloestado,desdeoinciodogovernoLula.Assim,em2003,o MinistriodeSadeeaSEPPIRassinaramumtermodecompromissocomointuitode implementarumaPolticaNacionaldeSadedaPopulaoNegra.Comopartedeste convnio foi criado o Comit Tcnico de Sade da Populao Negra, cuja principal funo sistematizarpropostasquevisempromoodaequidaderacialnaatenosade (Rodrigues & Prado, 2013). AcriaodoComitacompanhadadarealizaodoISeminriodeSadeda PopulaoNegra,quetevecomoumdeseusresultadosodocumentoPolticaNacionalde SadedaPopulaoNegra:umaquestodeequidade(Pnud&Opas,2001).Odocumento ressaltaanecessidadedeseexpandiroacessodapopulaonegraaosistemapblicode sade,aimportnciadaimplantaodoquesitoraa/cornosformulriosoficiaisde Declarao de Nascidos Vivos e de Declarao de bitos e a necessidade de se desenvolver polticas que atendam as especificidades de sade dos grupos tnico-raciais. Em2006,oConselhoNacionaldeSadeaprovaaPolticaNacionaldeSade IntegraldaPopulaoNegra(PNSIPN),quesintetizatodoesseprocessodereivindicaes capitaneado por ativistas negras. Constam das diretrizes do programa a necessidade de se ater afatoresintrnsecosdedeterminadasdoenasprevalentesnapopulaonegra;ampliaoe fortalecimentodocontrolesocial;desenvolvimentodeaeseestratgiasdeidentificao, abordagem, combate e preveno do racismo institucional no ambiente de trabalho; processos deformaoeeducaopermanentedeprofissionais;eimplementaodeaesafirmativas paraalcanaraequidadeemsadeepromoveraigualdaderacial(LIMA,2010).O documento afirma tambm que, devido ao racismo institucional dentro do sistema pblico de sade,oatendimentoprestadopopulaonegranegativamenteafetado(Brasil,2007; 2009).A aprovao do PNSIPN foi objeto crticas no que se refere : a) impossibilidade de se estabelecer vnculos acurados entre raa e doenas especficas, dado o carter miscigenado dapopulaobrasileira;b)faltadeclarezanajunoentreascategoriaspretoepardopara finsdeanlisedeprocessosdeadoecimento,umavezquetaiscategoriasso,porvezes, divergentese;c)apossibilidadeseaumentaraestigmatizaodegruposdeindivduos associadosumadeterminadadoena(Rodrigues,2010;Lima,2010;Maio&Monteiro, 2005). Apesar das crticas, as polticas pblicas de sade tm trilhado um caminho parecido com o das polticas de ao afirmativa no campo da educao superior. H um entendimento, cada vez mais arraigado dentro de uma gama de esferas estatais, de que promover equidade, 18 porviadoreconhecimentodedeterminadasespecificidades,umatarefacrucialparaa garantia de direitos de cidadania a grupos socialmente marginalizados. Programas de Ao afirmativa no Ensino Superior Pblico O debate sobre polticas de ao afirmativa para negros ganha visibilidade dentro das instituies estatais brasileiras como resultado da Marcha Zumbi dos Palmares, em 1995, que levou30milpessoasaprotestaremcontraoracismoemBraslia.Naocasio,oento presidente Fernando Henrique Cardoso,aps receber a direo executiva da Marcha criou o GrupodeTrabalhoInterministerialdeValorizaodaPopulaoNegra(GTI).Otemase torna central, contudo, a partir da 3a CMR. ApossedeLuizIncioLuladaSilva,que,aindanoprimeiroanodegoverno, implementouumasriedemedidasreconhecendoasdisparidadessocioeconmicasentre negros e brancos,criou uma grande expectativa no movimento negro de que as demandas por aesafirmativasnoensinosuperiorpblicofossemrapidamenteatendidaspeloestado (Silvrio,2009).Nosepode,contudo,responsabilizaroexecutivopelamorosidadeem apresentar uma poltica nacional unificada de ao afirmativa.Ocontextopoltico,emboramaisabertodiscussosobreatemticaracial, permaneciaresistenteimplementaodepolticaspblicasracialmentefocalizadas.O estatuto da igualdade racial, que tramitava no congresso desde 2001, previa a adoo de cotas para negros em universidades, entre outras medidas de carter impositivo. Porm, durante as negociaesnocongresso,oestatutofoitransformadoemmeracartapropositiva,cujo principal benefcio o reconhecimento da existncia do racismo no Brasil (o que, inclusive, j consta da constituio federal).As universidades federais, por seu turno, tm sua autonomia garantida por lei, o que dificultariaumapropostadeleicomvalidadenacional.Noobstanteessadificuldade,foi aprovada, em 29 de agosto de 2012, a Lei n. 12.711, que trata da poltica de reserva de vagas paraegressosdeescolapblica,pretos,pardoseindenasemtodoosistemadeeducao superior e ensino mdio federal. Comoresultado,ogovernofederalacabouoptandoporevitarumconfrontodireto comosopositoresdasaesafirmativassem,todavia,abrirmodeoferecerincentivospara queasuniversidadesfederais,voluntariamente,adotassemtaismedidas.Aomesmotempo, coubeaosativistasdomovimentonegroatarefade,localmente,convencerrepresentantes das universidades a adotar medidas de incluso (Daflon, Feres & Campos, 2013). Nesse cenrio, at a promulgao da lei n. 12.711, cerca de 70 universidades pblicas estaduaisefederaisimplantaramalgumprogramadeaoafirmativa.Destetotal,56%so 19 federais e 44% estaduais. A implantao, em 2007, do Reuni Programa de Apoio ao Plano de Reestrurao e Expanso das Universidades Federais exerceu grande influncia para que maisuniversidadesiniciassemprogramasdeincluso.Assim,em2008,53instituies federaisdeensinoaderiramaoReunie,umapartesignificativadessasinstituies, propuseram programas de ao afirmativa (Daflon, Feres & Campos, 2013). 77%dos programas de ao afirmativa em curso at 2012 partiram de iniciativas dos prpriosconselhosuniversitrios,os23%restantesforamimplementadosporforadeleis estaduais.H,dopontodevistadaexecuodosprogramasedosseusbeneficirios,uma grandepluralidade.Emalgumasuniversidadestaispolticasforamadotadasporviade negociaes com movimentos negros locais; em outras, a atuao docente foi o fator decisivo; houveaindauniversidadesemqueosncleosdeestudoafro-brasileirostiveremmaiorpeso sobreadeciso(Daflon,Feres&Campos,2013).Emrelaoaosbeneficirios,o levantamento de Daflon et all (2013) demonstra que os egressos de escola pblica tm sido os maioresalvosdessaspolticas(em85%dasuniversidadesquetmaesafirmativas), seguidos pelos pretos e pardos (em 51% das universidades).Apredominnciadeprogramasdeaoafirmativavoltadosparaalunosdeescolas pblicas pode ser creditado a dois fatores. Por um lado, denota um reconhecimento, por parte da sociedade, de um modo geral, e dos gestores de universidades, de modo particular, de que a competio na hora do vestibular no se d em condies de igualdade, em decorrncia de disparidadesdeclassequereservamaunsumaeducaobsicadequalidadeeaoutrosum sistemaprecrioeineficazdeensino.Poroutrolado,revelaoaindaelevadograude resistnciadapopulaobrasileiraemreconheceropesoquedesigualdadesraciaisexercem nasexperinciasdevida,inclusiveeducacionais,deindivduospertencentesagrupos desprivilegiados (Daflon, Feres & Campos, 2013). A implementao, escalonada ao longo de quatroanos,dalei12.711podeviraequacionaressequadro,almdehomogeneizaros programasdesenvolvidosnointeriordasuniversidadese,deformacorrelata,permitiro desenvolvimentodepesquisasavaliativassobreessapolticapblica(Daflon,Feres& Campos, 2013). Avanos, dilemas e perspectivas na articulao entre movimento negro e estado Os tericos deliberativos, ao conferirem relevo aos processos democratizantes que se do no interior da sociedade civil e problematizar os riscos da institucionalizao, enriquecem o debate sobre movimentos sociais no cenrio brasileiro contemporneo. Sem discordar dessa anliseacredito,contudo,queocasoemtela,dainclusodereivindicaesdomovimento nego ao aparato estatal brasileiro tem algumas particularidades que precisam ser escrutinadas. 2u Osganhospolticosalcanadospelosatoresdomovimentonegroemsuaincurso peloestado,emboramarcadapordilemasdecooptaoeperdadesuafacetransformadora em prol de sua face reformadora, no poderiam ter sido obtidos fora do estado, ou pelo menos no,dentrodoritmoemqueocorreram.Issonosignifica,porm,queasaesdo movimentonegroemoutrasesferasdevasernegligenciada.Comoainseroestataldeste atorpolticocontingenteeprecria,faz-semistermantervivaaaodentrodasociedade civil,postoqueatensoentreinteressesvocalizadosnasociedadecivileaqueles reconhecidos pelo estado possa consolidar uma ampliao dos sentidos da democracia. No entanto, apesar das inmeras conquistas alcanadas pelo movimento negro a partir desuaarticulaocomagentesestatais,humriscorealdeque,adependerdocontexto poltico,hajaumretrocessoemtermosdeadoodepolticaspblicas,oumanutenodas existentes.Tome-se,porexemplo,ocasodaspolticasdeaoafirmativaemcurso.Coma aprovaodelei12.711,umgrandecontingentedeestudantesnegrosseradmitidopara universidadesfederaisnosprximosanos.Porm,poucasinstituiescontamcomaportes financeirosqueashabiliteagarantirapermannciadestesestudantes,emsuamaioriade classesbaixas,emcursosdegraduao,sobretudonaquelesqueexigemdedicaointegral e/ou a compra de materiais de alto custo.Osremanescentesdequilombo,figurajurdicacriadapelaconstituio,mesmo dentro de uma conjuntura poltica favorvel, tm encontrado certa dificuldade em terem seus direitosterritoriaisreconhecidos.Em2008,vinteanosapsagarantiaconstitucionalde direitosterritoriaisscomunidadesremanescentesdequilombos,aSEPPIRhavia reconhecido 3.250 comunidades quilombolas, com aproximadamente 2,5 milhes de pessoas. At2008foramtitulados,contudo,apenas81territrios,perfazendoumtotalde136 comunidadese8.742famlias.Dosterritriostitulados,somente27foramtituladospelo governo federal, sendo 20 no governo de Fernando Henrique Cardoso e sete no governo Lula. Almdamorosidadedogovernoemgarantiratitularidadedeterrasscomunidades quilombolas, as mesmas tem sido objeto deprojetos de lei tentando anular os seus efeitos no todoouemparte.Essadisputatemreverberadotambmnagrandeimpressaque, frequentemente,veiculamatriasereportagenscontrriasregularizaodasterras quilombolas, acusando tais comunidades de falsificao identitria (Arruti, 2008). Um dos impasses do movimento negro, dentro do cenrio poltico atual, consiste em suabaixacapacidadedeconverteremganhosderepresentaopolticasuasconquistasno campo da mobilizao social, pois: Adespeitodoaumentodaparticipac!onospleitoseleitorais,essemovimentoainda noconsegueoapoiodamassadeafrodescendentesparaelegerseuscandidatosa cargos a nivel municipal, estadual e federal, mesmo quando as campanhas polticas detaiscandidatostmcomoeixocentralocombateaoracismonasociedade brasileira.Odesafiocolocado,portanto,quebrarasbarreirasqueimpedema 21 identificao dos eleitores negros com os candidatos do movimento que, em tese, so seus legtimos representantes (DOMINGUES, 2008: 117). Naatuallegislatura,cercade30deputados,dototalde513,sonegros.Dos81 senadores,apenasdoissonegros.Omesmofatoserepetenoprimeiroescalodogoverno federal que, embora conte com 39 ministrios (incluindo as secretarias e rgos com status de ministrio), tem apenas uma ministra negra, responsvel pela SEPPIR. Procurando modificar essequadro,odeputadofederalLuizAlberto(PT-BA)apresentouaPropostadeEmenda Constituio(PEC)116/11,queprevareservadevagasnaCmara,nasassembleias legislativasenaCmaraLegislativadoDistritoFederal,porcincolegislaturas,para parlamentares negros. Segundo a proposta, o nmero de vagas deve ser definido com base no percentual de pessoas que se declaram pretas ou paradas no censo do IBGE. Sendo que esse nmero no poder ser menor que 1/5 do total das vagas no Parlamento. Em maio de 2013, a PEC recebeu voto favorvelda Comisso de Constituio e Justia da Cmara para que fosse levada a votao.Nessecenrio,comavanoseretrocessoprpriosdeumcontextopoltico democrtico,algumastendnciasdeaoparaomovimentonegropodemserbastante promissoras se o arco de alianas entre agentes estatais e ativistas no for rompido. No campo dasaesafirmativas,umaperspectivadecurtoprazodizrespeitoaoincrementode reivindicaes,porpartedomovimentonegro,paramaiorinclusodeafrodescendentesem cursosdeps-graduaostrictosensu.Pioneirosnessequesito,osProgramasdePs-GraduaoemAntropologiadoMuseuNacionaldaUFRJeemSociologiadaUnB aprovaramem2012e2013,respectivamente,polticasdereservadevagasparanegrose indgenasemseusprocessosseletivos.Jparaomdioelongoprazosurgirotambm demandasporaumentoderepresentaonegrajuntoaocorpodocentedasuniversidades pblicas e proposio de polticas que viabilizem maior insero de negros em determinados setores do mercado de trabalho.Ofuturomaispromissorparaomovimentonegropassa,necessariamente,pela articulao de demandas e construo de alianas com outros movimentos sociais e atores da sociedadecivilcomprometidoscomalutapelofimdasdesigualdadesestruturaisna sociedadebrasileira(DOMINGUES,2008).Aformaodeumacoalizoarco-risentre atoresdosmovimentosnegros,demulheres,gays,detrabalhadores,entreoutros,massem abandonar a participao no estado, ter um efeito renovador na vida poltica brasileira. 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