100 mil idosos incapazes de gerir os seus bens

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Diário òc Kolícias 14-03-2012 Tiragem: 49755 País: Portugal Period.: Diária Ambtto: Informação Geral Pág: 12 Cores: Cor Área: 26,46 X 32,13 cm' Corte: 1 de 2 Lei protege pesaoas consideradas incapazes através da nomeação de um tutor 100 mil idosos incapazes de gerir os seus bens Aproveitamento. Filhos de idosos com demência aproveitam-se das pensões dos pais DEMÉNCIAS CAPACIDADES PERDIDAS • É uma parturbaçAo psicológica muitas vezes associada a Alzheimer ou a um AVC, que des- troem as células cerebrais É a deterioração da função cogni- tiva, ou seja. a capacidade de pen- sar e raciocinar. PERDA DE MEMÓRIA ' Fazar as mesmas parQuntas mais do que uma vez. pou- sar/guardar objetos em locais e depois não se lembrarem ou não conseguir responder a deter- minadas questões são alguns sinais desta incapacidade FALTA DE DISCERNIMENTO * A partia da um ricioònio em questões financeiras é um dos sintomas mais recorrentes. Normalmente, o idoso não conse- gue ter um raciocínio lógico ou memória relativamente a questões como o saldo bancário ou onde gastou o dinheiro. PADRÕES DE SONO Um idoao tem tendência a alte- rar os padrões de sono. Ou seja tende a dormitar muitas vezes durante o dia e sofrer de insónias ISOLAMENTO . Com asta doença, as pessoas mais velhas podem perder o inte- resse pelo mundo exterior e tor- narem-se muito passivas. tÔSIO DE SOUSA Cerca de cem mil idosos portu- gueses estão incapacitados de ge rir os seus próprios bens devido a doenças como o Alzheimer. mas apenas mi) estão protegidos pela lei. através da nomeação de um tutor com o objetivo de proteger os seus interesses. Os dados, relativos a 2011. são da Ordem dos Advogados e de- monsiram que a esmagadora maioria das pessoas mais velhas que sofrem de incapacidade do foro psicológico podeni estar su • jeitas a abusos dos próprios filhos, que aproveitam as suas pensóes para as despesas diárias. Basta ver os dados da Unha do Cidadão Idoso, da Provedoria de lustiça. em que a maioria das queixas são ca- sos de abusos financeiros no seio da família (ver texto secundário). Maria de Lurdes Marques tem 92 anos. Má dois anos. após vários sinais de demência, foi-lhe dia- gnosticada a doença de Alzheimer e por isso foi morar com a filha, de 68 anos. No ano passado, o filho inais novo, Manuel. 62 anos, deci- diu consultar a conta bancária da mãe. da qual também é titular des- de a morte do pai. há cinco anos. "E aí comecei a reparar que eram feitos levantamentos avolumados, de forma recorrente e sempre da mesma caixa multíbanco, em Oei- ras. onde vive a minha irmã", con - ta o filho da idosa, ao DN. Segundo Manuel, "a irmã há já dois anos que vive à custa da mãe", sem a própria se aperceber dessa situação. O filho está a ponderar pedir a inabilitação da mãe ao Mi- nistério Pública deformaa ser no- meado seu curador. "Mas estou com medo de tudo isto. porque, apesar de tudo. é um grande estig- ma fazer isso... e vou abrir uma guena com a minha irmã. Até por- que a verdade é que não dou im- portância ao dinheiro." Segundo a lei. quem tem legiti - midade para requerer a interdição ou inabilitação nestes casos são o cônjuge, o progenitor, qualquer parente que seja herdeiro ou o Mi- nistério Público. "Uma lei que é muito revoltan- te. já que nem admite a possibili - dade de o próprio idoso requerer essa interdição e escolher o cura - dor ou o tutor que prefira", explica o advogado Rui Alves Pereira, au - tor da tese "Direito, inclusão e de ficiéncia: as incapacidades no di - reito civil". "Imaginemos o caso de uma pessoa que sabe que sofre de Alzheimer mas que ainda está lú - cida", diz o advogado. "Teria todo o direito de escolher quem é que poderia ser o familiar ou o amigo mais indicado para cuidar dos seus bens quando fosse necessá- rio." A lei nem sequer confere ao idoso a possibilidade de sugerir um nome. Segundo losias Gil. médico es- pecialista em geriatria, "os idosos estão muito pouco protegidos por lei, seja com ou sem esta declara çâo de inabilitação ou incapacida- de", diz o médico. "Até porque mesmo os que são declarados in- capazes e ficam com um tutor ou curador podemficarcom um filho que o tenhafeitopara ter acesso ao património total do pai.. Eos res- tantes herdeiros, como ficam?" questiona. Rui Alves Pereira admite que esta lei necessitaria de uma revi- são urgente "Oobjetivo desta lei é proteger o interdito da prática de atos sobre a sua pessoa e os seus bens", explica o jurista, "mas estes institutos são concebidos numa perspetiva essencialmente patri- monial e não dirigida à proteção dos incapazes e suas famílias", cri- tica o especialista. "Até o nome de - veria serrepensado.Em vez de In- terdição, poderia chamar-se regi- me dos maiores protegidos por lei", concluiu. Mais velhos queixam-se ao provedor de que filhos lhes roubam as pensões PROVEDORIA DE jusnr A A ex- as estatísticas de queixas-crime anos. Os distritos de onde são fei PROVEDORIA DE JUSTIÇA A eX torsào de dinheiro foi a prin- cipal queixa entre as 2682 chamadas recebidas na Linha do Cidadão Idoso A maioria dos idosos que se diri- gem ao provedor de Justiça quei- xam-se de que os filhos se apro- veitam do seu dinheiro. No ano passado, a Linha do Cidadão Ido- so registou 2682 chamadas, um número inferior ao de 2010, em que ultrapassou os 2700 casos (2706 registos). Estes números vêm contrariar as estatísticas de queixas-crime recebidas no Ministério Público - pelos crimes de maus tratos a pessoas mais velhas-, que têm vindo a aumentar nos últimos três anos. A negligência nos cuidados com os mais velhos - acima de tudo pelosfilhos- ou ainda as ca- rências económicas foram tam- bém objeto de um número consi- derável de denúncias registadas no gabinete do provedor de Justi- ça. Alfredo José de Sousa. A maioria das chamadas recebi- das são feitas por mulheres (70% dos telefonemas) dos 70 aos 90 anos. Os distritos de onde são fei- tas mais chamadas são Lisboa. Porto. Aveiro. Setúbal, Leiria e (Coimbra. Mas apesar de a maior parte das queixas partir dos pró- prios idosos (45%). existem cada vez mais registos de familiares, vizinhos e amigos. Há uns meses, o provedor de lustiça, Alfredo José de Sousa, ma- nifestou-se preocupado com os maus tratos a idosos em estabele- cimentos tutelados pelo Estado ou pela Segurança Social, adian- tando que a sua ação passa por uma "interpelação" junto dessas instituições.

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Diário òc Kolícias 14-03-2012

Tiragem: 49755

País: Portugal

Period.: Diária

Ambtto: Informação Geral

Pág: 12

Cores: Cor

Área: 26,46 X 32,13 cm'

Corte: 1 de 2

Lei protege pesaoas consideradas incapazes através da nomeação de um tutor

100 mil idosos incapazes de gerir os seus bens Aproveitamento. Filhos de idosos com demência aproveitam-se das pensões dos pais

DEMÉNCIAS

CAPACIDADES PERDIDAS • É uma parturbaçAo psicológica muitas vezes associada a Alzheimer ou a um AVC, que des-troem as células cerebrais

É a deterioração da função cogni-tiva, ou seja. a capacidade de pen-sar e raciocinar.

PERDA DE MEMÓRIA ' Fazar as mesmas parQuntas

mais do que uma vez. pou-sar/guardar objetos em locais e depois não se lembrarem ou não conseguir responder a deter-minadas questões são alguns sinais desta incapacidade

FALTA DE DISCERNIMENTO * A partia da um ricioònio em questões financeiras é um dos sintomas mais recorrentes. Normalmente, o idoso não conse-gue ter um raciocínio lógico ou memória relativamente a questões como o saldo bancário ou onde gastou o dinheiro.

PADRÕES DE SONO • Um idoao tem tendência a alte-rar os padrões de sono. Ou seja tende a dormitar muitas vezes durante o dia e sofrer de insónias

ISOLAMENTO . Com asta doença, as pessoas mais velhas podem perder o inte-resse pelo mundo exterior e tor-narem-se muito passivas.

tÔSIO DE SOUSA

Cerca de cem mil idosos portu-gueses estão incapacitados de ge rir os seus próprios bens devido a doenças como o Alzheimer. mas apenas mi) estão protegidos pela lei. através da nomeação de um tutor com o objetivo de proteger os seus interesses.

Os dados, relativos a 2011. são da Ordem dos Advogados e de-monsiram que a esmagadora maioria das pessoas mais velhas que sofrem de incapacidade do foro psicológico podeni estar su • jeitas a abusos dos próprios filhos, que aproveitam as suas pensóes para as despesas diárias. Basta ver os dados da Unha do Cidadão Idoso, da Provedoria de lustiça. em que a maioria das queixas são ca-sos de abusos financeiros no seio da família (ver texto secundário).

Maria de Lurdes Marques tem 92 anos. Má dois anos. após vários sinais de demência, foi-lhe dia-gnosticada a doença de Alzheimer e por isso foi morar com a filha, de 68 anos. No ano passado, o filho inais novo, Manuel. 62 anos, deci-diu consultar a conta bancária da mãe. da qual também é titular des-de a morte do pai. há cinco anos. "E aí comecei a reparar que eram

feitos levantamentos avolumados, de forma recorrente e sempre da mesma caixa multíbanco, em Oei-ras. onde vive a minha irmã", con -ta o filho da idosa, ao DN.

Segundo Manuel, "a irmã há já dois anos que vive à custa da mãe", sem a própria se aperceber dessa situação. O filho está a ponderar pedir a inabilitação da mãe ao Mi-nistério Pública de forma a ser no-meado seu curador. "Mas estou com medo de tudo isto. porque, apesar de tudo. é um grande estig-ma fazer isso... e vou abrir uma guena com a minha irmã. Até por-que a verdade é que não dou im-portância ao dinheiro."

Segundo a lei. quem tem legiti -midade para requerer a interdição ou inabilitação nestes casos são o cônjuge, o progenitor, qualquer parente que seja herdeiro ou o Mi-nistério Público.

"Uma lei que é muito revoltan-te. já que nem admite a possibili -dade de o próprio idoso requerer essa interdição e escolher o cura -dor ou o tutor que prefira", explica o advogado Rui Alves Pereira, au -tor da tese "Direito, inclusão e de ficiéncia: as incapacidades no di -reito civil".

"Imaginemos o caso de uma pessoa que sabe que sofre de Alzheimer mas que ainda está lú -

cida", diz o advogado. "Teria todo o direito de escolher quem é que poderia ser o familiar ou o amigo mais indicado para cuidar dos seus bens quando fosse necessá-rio." A lei nem sequer confere ao idoso a possibilidade de sugerir um nome.

Segundo losias Gil. médico es-pecialista em geriatria, "os idosos estão muito pouco protegidos por lei, seja com ou sem esta declara

çâo de inabilitação ou incapacida-de", diz o médico. "Até porque mesmo os que são declarados in-capazes e ficam com um tutor ou curador podem ficar com um filho que o tenha feito para ter acesso ao património total do pai.. Eos res-tantes herdeiros, como ficam?" questiona.

Rui Alves Pereira admite que esta lei necessitaria de uma revi-são urgente "Oobjetivo desta lei é

proteger o interdito da prática de atos sobre a sua pessoa e os seus bens", explica o jurista, "mas estes institutos são concebidos numa perspetiva essencialmente patri-monial e não dirigida à proteção dos incapazes e suas famílias", cri-tica o especialista. "Até o nome de -veria ser repensado. Em vez de In-terdição, poderia chamar-se regi-me dos maiores protegidos por lei", concluiu.

Mais velhos queixam-se ao provedor de que filhos lhes roubam as pensões PROVEDORIA DE j u sn r A A ex- as estatísticas de queixas-crime anos. Os distritos de onde são fei PROVEDORIA DE JUSTIÇA A e X

torsào de dinheiro foi a prin-cipal queixa entre as 2682 chamadas recebidas na Linha do Cidadão Idoso

A maioria dos idosos que se diri-gem ao provedor de Justiça quei-xam-se de que os filhos se apro-veitam do seu dinheiro. No ano passado, a Linha do Cidadão Ido-so registou 2682 chamadas, um número inferior ao de 2010, em que ultrapassou os 2700 casos (2706 registos).

Estes números vêm contrariar

as estatísticas de queixas-crime recebidas no Ministério Público -pelos crimes de maus tratos a pessoas mais velhas-, que têm vindo a aumentar nos últimos três anos.

A negligência nos cuidados com os mais velhos - acima de tudo pelos filhos - ou ainda as ca-rências económicas foram tam-bém objeto de um número consi-derável de denúncias registadas no gabinete do provedor de Justi-ça. Alfredo José de Sousa.

A maioria das chamadas recebi-das são feitas por mulheres (70% dos telefonemas) dos 70 aos 90

anos. Os distritos de onde são fei-tas mais chamadas são Lisboa. Porto. Aveiro. Setúbal, Leiria e (Coimbra. Mas apesar de a maior parte das queixas partir dos pró-prios idosos (45%). existem cada vez mais registos de familiares, vizinhos e amigos.

Há uns meses, o provedor de lustiça, Alfredo José de Sousa, ma-nifestou-se preocupado com os maus tratos a idosos em estabele-cimentos tutelados pelo Estado ou pela Segurança Social, adian-tando que a sua ação passa por uma "interpelação" junto dessas instituições.

Page 2: 100 mil idosos incapazes de gerir os seus bens

Diário De polícias 14-03-2012

Tiragem: 49755

Pals: Portugal

Period.: Diária

Âmbito: Informação Geral Corte: 2 de 2

Pág: 1

Cores: Cor

Area: 12,62 x 13.50 cm*

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100 mil idosos • — em risco por

serem incapazes de gerir bens Saúde. Doenças mentais como Alzheimer tornam os mais velhos incapazes de gerir dinheiro. Apenas mil estão protegidos pela lei. Famílias ficam com as reformas Cerca de cem mil idosos portugueses estão incapacitados de gerir os seus pró-prios bens devido a doenças como Alzheimer. mas apenas mil estão protegi-dos pela lei, através da nomeação de um tutor com o objetivo de proteger os seus Interesses. Dados da Ordem dos Advoga -dos demonstram que a esmagadora maioria das pessoas mais velhas que so-frem de incapacidade psicológica podem estar sujeitas a abusos dos próprios filhos, que aproveitam as suas pensóes para as

despesas diárias. A comprová-lo estão as queixas recebidas pela Linha do Cidadão Idoso no ano passado: a maioria das pes-soas que se dirigem ao provedor de Justi-ça queixam-se de que os filhos se aprovei-tam do seu dinheiro. Segundo a lei, quem tem legitimidade para requerer a interdi-ção nestes casos são o cônjuge, o proge-nitor. qualquer parente que seja herdeiro ou o Ministério Público. Uma legislação que juristas consideram Injusta, por ex-cluir a vontade do idoso, PAÍS PÁG 12