1.1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR · rabilidade que inspira e permeia o Código...

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1 1.1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR A evolução nas relações de troca, proporciona- da pelo advento da sociedade de consumo, acabou por refletir nas interações sociais, econômicas e jurídicas dos indivíduos. Essa nova Era, caracterizada fortemente pela massificação das relações jurídicas e pela diversi- dade crescente de produtos e serviços oferecidos aos particulares fez surgir a figura do consumidor despro- tegido diante das novas situações decorrentes do de- senvolvimento 1 . Dentro desse novo modelo de modificações nas relações de consumo, a paridade entre consumidor e fornecedor deixou de existir, acarretando situações de visível disparidade, trazendo consequências desfavoráveis ao lado mais fraco da relação consumerista, qual seja, o consumidor. Nesse contexto, passou-se a exigir do Estado uma postura para superar a vulnerabilidade da posição jurídica em que os consumidores foram alocados em face da nova realidade. O ordenamento pátrio brasileiro optou por garantir, no bojo do texto constitucional, a tutela ao consumidor. Elencou, dentro o rol de direi- tos e garantias fundamentais, o mandamento, endereçado ao Estado, para a promoção da defesa do consumidor, na forma da lei (art. 5º, inc. XXXII, CF). Além disso, inseriu como um dos princípios sobre os quais se funda a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, a defesa do consumidor (art. 170, inc. V, CF). No plano infraconstitucional, como forma de dar efetividade ao previsto no art. 5º, inc. XXXII, CF, o constituinte incumbiu ao legislador ordinário, por meio do art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a tarefa de elaboração do Código de Defesa do Consumidor. A despeito de o prazo fixado, na ocasião, ter sido apenas de 120 dias, a lei nº 8.078/90 foi sancionada quase 11 anos após a promulgação da Constituição Federal, consubstanciando-se na criação de um microssistema de proteção ao consumidor. O Código de Defesa do Consumidor é um instrumento de tutela do consumidor entendido como aquele que contém normas de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inc. XXXII, 170, inc. V, da CF e art. 48 do ADCT. O conteúdo e o campo de aplicação do CDC é extenso. Abrange disposições acerca da Política Nacional de Relações de Consumo, dos direitos básicos do consumidor, da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, das práticas comerciais, da proteção contratual, das sanções administrativas, das sanções penais, da defesa do consumidor em juízo, das ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos, das ações de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços e do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, dentre outros. Apesar disso, não esgota a proteção do consumidor, pois outros diplomas legais se aplicam, a depender da situação concreta e de sua compatibilidade com a legislação especial. 1.2 NATUREZA JURÍDICA DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR O art. 1º, CDC dispõe que as normas consumeristas são de ordem pública. Isso significa que sua aplicação não pode ser afastada por mera convenção privada. Além disso, esse status impõe 1 ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 2.

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1.1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR

A evolução nas relações de troca, proporciona-da pelo advento da sociedade de consumo, acabou por refletir nas interações sociais, econômicas e jurídicas dos indivíduos. Essa nova Era, caracterizada fortemente pela massificação das relações jurídicas e pela diversi-dade crescente de produtos e serviços oferecidos aos particulares fez surgir a figura do consumidor despro-tegido diante das novas situações decorrentes do de-senvolvimento1.

Dentro desse novo modelo de modificações nas relações de consumo, a paridade entre consumidor e fornecedor deixou de existir, acarretando situações de visível disparidade, trazendo consequências desfavoráveis ao lado mais fraco da relação consumerista, qual seja, o consumidor. Nesse contexto, passou-se a exigir do Estado uma postura para superar a vulnerabilidade da posição jurídica em que os consumidores foram alocados em face da nova realidade. O ordenamento pátrio brasileiro optou por garantir, no bojo do texto constitucional, a tutela ao consumidor. Elencou, dentro o rol de direi-tos e garantias fundamentais, o mandamento, endereçado ao Estado, para a promoção da defesa do consumidor, na forma da lei (art. 5º, inc. XXXII, CF). Além disso, inseriu como um dos princípios sobre os quais se funda a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, a defesa do consumidor (art. 170, inc. V, CF). No plano infraconstitucional, como forma de dar efetividade ao previsto no art. 5º, inc. XXXII, CF, o constituinte incumbiu ao legislador ordinário, por meio do art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a tarefa de elaboração do Código de Defesa do Consumidor. A despeito de o prazo fixado, na ocasião, ter sido apenas de 120 dias, a lei nº 8.078/90 foi sancionada quase 11 anos após a promulgação da Constituição Federal, consubstanciando-se na criação de um microssistema de proteção ao consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor é um instrumento de tutela do consumidor entendido como aquele que contém normas de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inc. XXXII, 170, inc. V, da CF e art. 48 do ADCT. O conteúdo e o campo de aplicação do CDC é extenso. Abrange disposições acerca da Política Nacional de Relações de Consumo, dos direitos básicos do consumidor, da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos, das práticas comerciais, da proteção contratual, das sanções administrativas, das sanções penais, da defesa do consumidor em juízo, das ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos, das ações de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços e do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, dentre outros. Apesar disso, não esgota a proteção do consumidor, pois outros diplomas legais se aplicam, a depender da situação concreta e de sua compatibilidade com a legislação especial.

1.2 NATUREZA JURÍDICA DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O art. 1º, CDC dispõe que as normas consumeristas são de ordem pública. Isso significa que sua aplicação não pode ser afastada por mera convenção privada. Além disso, esse status impõe

1 ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 2.

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que o juiz aprecie de ofício qualquer questão relativa à relação de consumo, se diante de si um caso com tal temática.

Essa indisponibilidade está fundada no fato de que a defesa do consumidor foi erigida ao status de direito fundamental (art. 5º, inc. XXXII, CF), não cabendo sua disposição voluntária pelo destinatário.

Em relação à inafastabilidade da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, norma co-gente e de ordem pública, tem-se que essa regra geral pode vir a sofrer relativizações, se em bene-fício do consumidor. Essa possibilidade é permitida por meio da Teoria do Diálogo das Fontes, que fornece ao intérprete uma nova ferramenta hermenêutica hábil a solucionar o conflito entre as leis de um mesmo ordenamento, ultrapassando os critérios tradicionais de solução de antinomias.

No Brasil, essa teoria foi introduzida pela Professora Cláudia Lima Marques, tendo sido idea-lizada na Alemanha pelo jurista Erik Jaime. Por meio dessa teoria, rompe-se o paradigma da exclu-são das normas para buscar a sua coexistência ou convivência, a fim de que haja a predominância de uma norma em relação a outra no caso individualmente considerado ou até mesmo a aplicação concomitante de todas elas2.

No âmbito consumerista, abre-se a possibilidade de afastar, casuisticamente, uma norma especial (o Código de Defesa do Consumidor) a fim de aplicar a norma geral (o Código Civil), quando esta se mostra mais benéfica do que aquela. A título exemplificativo, o Código Civil possui a discipli-na dos vícios redibitórios (arts. 441 a 446) e, no Código de Defesa do Consumidor, há a disciplina dos chamados vícios dos produtos e dos serviços (arts 18 e ss). Observa-se aí que os prazos previs-tos no Código Civil (30 dias, se a coisa for móvel; 1 ano, se for imóvel, contado da entrega efetiva) são maiores do que aqueles previstos no Código de Defesa do Consumidor (vícios aparentes ou de fácil constatação: 30 dias para serviços e produtos não duráveis; 90 dias para serviços e produtos duráveis). Outro exemplo, nesse caso, é aquele na qual uma relação consumerista teve afastado o prazo prescricional previsto no CDC para aplicar as normas do Código Civil então vigente (CC/16), no que tange ao prazo prescricional de solidez da obra, por serem consideradas as normas gerais civilis-tas (que, então, previam, no regime anterior, o prazo prescricional aplicável de 20 anos) mais favo-ráveis do que as especiais ao consumidor (que prevêem o prazo prescricional de 5 anos)3.

Além disso, se o caso for de aplicação coordenada de duas leis, uma norma pode completar a outra, de forma direta (diálogo de complementaridade) ou indireta (diálogo de subsidiariedade). O exemplo típico ocorre com os contratos de consumo que também são de adesão. Em relação às cláusulas abusivas, pode ser invocada a proteção dos consumidores constante do art. 51 do CDC e ainda a proteção dos aderentes constante do art. 424 do CC4

Assim, por meio do diálogo entre os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), do Código Civil (CC) e de legislação correlata, tendo como base os preceitos constitucionais, almeja-se a aplicação coordenada e sistemática das normas jurídicas com o fito de proteger o consumidor.

1.3 FONTES DO DIREITO DO CONSUMIDOR

As fontes do Direito do Consumidor estão previstas no art. 7º, do Código de Defesa do Con-sumidor. São elas:

- Constituição Federal;

2 MARQUES, Cláudia Lima. Superação das antinomias pelo Diálogo das Fontes: O modelo brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. In: Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe (ESMESE), nº 7, 2004, p. 41. 3 TJ/SP, Apelação Cível 407.157.4/8-00, Rel. Des. Francisco Loureiro, 4ª Câmara de Direito Privado, j. em 29/05/08. 4 BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consu-midor. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 91.

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- Código de Defesa do Consumidor;

- Tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário;

- Legislação interna ordinária;

- Regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes;

- Regulamentos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

Além disso, referido dispositivo prevê técnicas de integração na solução de lides consumeris-tas, explicitando a possibilidade de utilização de princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

2.1 O ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO CDC: A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

A relação jurídica de consumo é aquela regulada pelo Direito do Consumidor, que se estabe-lece entre os sujeitos fornecedor e consumidor, tendo por objeto a oferta de produtos ou serviços no mercado de consumo. Essa relação tem sua origem estritamente ligada às transações de nature-za comercial e ao comércio propriamente dito. O microssistema instituído pelo Código de Defesa do Consumidor está fundado na vulnerabilidade do consumidor em face ao fornecedor, o que justifica o afastamento das normas comuns previstas nos demais diplomas ordinários.

Nesse sentido, os principais sujeitos diretamente envolvidos nessa relação consubstanciam-se nas figuras do fornecedor e do consumidor, cujos conceitos serão abordados ao decorrer deste capítulo. O objeto dessa relação será, necessariamente, um produto ou um serviço.

2.2 CONCEITO DE CONSUMIDOR

De acordo com o art. 2º, do CDC, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Dispõe o § ún. do mesmo dispositivo que se equipara a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

A despeito da definição legal, a conceituação de consumidor não é pacífica na doutrina nem na jurisprudência. Assim, verifica-se a existência de três vetores hermenêuticos que se prestam a buscar um conceito de consumidor:

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Teoria Finalista

Para esta corrente, além do critério fático, na interpretação do termo “destinatário final”, deve ser verificada a atuação econômica da pessoa física ou jurídica inserida no mercado. Esta in-terpretação restringe a figura do consumidor àquele que utiliza um produto para uso próprio e de sua família. Assim, consumidor seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável5.

Essa teoria considera consumidor quem adquire o bem ou contrata o serviço de forma a reti-rá-lo da cadeia produtiva, atuando para satisfazer uma necessidade própria – e não para desenvol-ver outra atividade negocial ou para manter a sequência produtiva.

A teoria respalda-se na tese de que, restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção para estes, pois a juris-prudência será construída sobre casos em que o consumidor era realmente a parte mais fraca da relação de consumo, e não sobre casos em que profissionais-consumidores reclamam mais benes-ses do que o direito comercial já lhes concede6.

A adoção dessa corrente vem sendo consagrada pelo Superior Tribunal de Justiça. No entan-to, para que seja considerado consumidor em casos em que a parte, inclusive pessoa jurídica micro ou pequena empresa ou pessoa física profissional não seja o destinatário final, exige-se que fique provada a vulnerabilidade, bem como que a aquisição do bem ou a prestação do serviço deu-se fora do seu campo de especialidade:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁ-RIO. CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA. EMPRESA HIPOSSUFICIENTE. DESTINA-ÇÃO FINAL. OCORRÊNCIA.

1. Existe relação de consumo nas hipóteses em que há destinação final do produto ou serviço. Precedentes.

2. Verificado o inexpressivo porte financeiro ou econômico da pessoa tida por consumidora, cabível a aplicação do CDC.

3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

(STJ, AgRg no AREsp 626.223/RN, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 15/09/2015)

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR PARA PROTEÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. TEORIA FINALISTA APROFUNDADA. REQUISITO DA VULNERABILIDADE NÃO CARACTERIZADO. EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO AS-SUMIDA EM MOEDA ESTRANGEIRA. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO ATACADO.

1.- A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para auto-rizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do pro-duto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade.

2.- No caso dos autos, tendo o Acórdão recorrido afirmado que não se vislumbraria a vulne-rabilidade que inspira e permeia o Código de Defesa do Consumidor, não há como reco-nhecer a existência de uma relação jurídica de consumo sem reexaminar fatos e provas, o que veda a Súmula 07/STJ.

5 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 304. 6 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 304.

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3.- As razões do recurso especial não impugnaram todos os fundamento indicados pelo a-córdão recorrido para admitir a exigibilidade da obrigação assumida em moeda estrangeira, atraindo, com relação a esse ponto, a incidência da Súmula 283/STF.

4.- Agravo Regimental a que se nega provimento.

(STJ, AgRg no REsp 1149195/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, jul-gado em 25/06/2013, DJe 01/08/2013)

Atualmente, especialmente no período que sucede o início da vigência do Código Civil, essa

é a teoria que prevalece na definição de consumidor.

Teoria Maximalista

Para os defensores dessa corrente, o destinatário final do produto ou serviço é quem o retira do mercado, lançando mão se sua utilização ou consumo. O termo “destinatário final”, nesse senti-do, deve ser interpretado com base no critério fático, ou seja, quem retira certo bem do mercado e o utiliza. Não se considera, nessa análise, se esse indivíduo visa à reintrodução do bem ou serviço em outra cadeia produtiva.

Essa teoria respalda-se na tese de que o CDC corresponderia a um código geral sobre o con-sumo, devendo ser aplicado ao maior número de relações no mercado, devendo a definição do art. 2º ser interpretada o mais extensamente possível, com a finalidade de que as normas do CDC pos-sam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado.

Por esse motivo, defendem que a expressão “consumidor” deve ser entendida o mais am-plamente possível. Consideram que esta definição é puramente objetiva, não importando se a pes-soa física ou jurídica tem ou não finalidade comercial quando adquire ou utiliza produto ou serviço.

Dessa forma, para evitar qualquer restrição à aplicação da lei, o conceito de consumidor tem que ser interpretado de forma completamente objetiva, sem levar em conta se quem adquire o bem ou contrata o serviço visa ou não obter lucro com esse ato, ou se ele irá satisfazer uma necessidade pessoal, ou o adquire com a finalidade de que seja incorporado a um novo processo de produção.

Teoria Mista

Essa teoria surgiu a partir de interpretações jurisprudenciais, mesclando elementos da teoria finalista e também da teoria maximalista. A corrente sob análise abranda os conceitos trazidos pelo CDC. Reconhece como consumidor o destinatário final que adquire o produto ou o serviço para o uso privado. No entanto, como ponto de especialidade, admite a utilização do bem ou serviço ad-quirido em atividade de produção, com a finalidade de desenvolver atividade comercial ou profis-sional, desde que seja provada a vulnerabilidade desta pessoa física ou jurídica que figura como consumidor.

Assim, por exemplo, um curso jurídico que adquire um veículo automotor para utilizá-lo no trânsito de professores do aeroporto à sede do curso e o automóvel apresenta diversos vícios de produção; ou ainda, a farmácia que adquire uma motocicleta veículo para utilizar no transporte de mercadorias e ela também apresenta problemas. Também há de se notar que tanto o curso jurídico como a farmácia possuem habilidades distantes da produção de automóveis; portanto, não detém conhecimento técnico sobre veículos, da mesma maneira que qualquer outra pessoa que adquire o veículo para uso privado. Nesses termos, para fins de aplicação da teoria mista, são todos igualmen-te vulneráveis.

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2.2.3 CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO

O art. 2º, § ún., CDC dispõe que equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Com esse dispositivo, o destina-tário da aplicação das normas expande-se, a fim de abranger também sujeitos que não tenham diretamente celebrado o contrato de consumo.

Com isso, o CDC reconhece até mesmo a coletividade de pessoas como consumidor. Em ou-tras palavras, as pessoas, mesmo não sendo adquirentes diretas do produto ou serviço, mas que o utilizam, em caráter final, ou a ele se vinculem, que venham a sofrer qualquer dano trazido pelo objeto da relação de consumo são equiparadas a consumidor.

Para efeito de proteção legal, o CDC equipara a consumidor:

a) os potencialmente consumidores (art. 2º, parágrafo único do CDC);

b) as pessoas que sofrem com algum tipo de dano, sendo vítimas de acidente de consumo (art. 17 do CDC); e

c) os que sofrem com algum tipo de prática abusiva, diante de determinadas estratégias co-merciais ou de marketing (art. 29 do CDC).

2.3 CONCEITO DE FORNECEDOR

O art. 3º, CDC dispõe que fornecedor seja toda a pessoa física ou jurídica, pública ou priva-da, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Daí se extrai que a expressão “fornecedor” foi empregada com o objetivo de englobar todos os que estão envolvidos na oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, evitando futuras discussões a respeito da inclusão de determinada atividade no âmbito de aplicação do CDC.

Será considerado fornecedor aquele se enquadre na descrição do art. 3º, CDC, desde que desempenhe uma das atividades delineadas no referido dispositivo com profissionalidade. Atividade essa que o particular comum não se enquadra quando exerce a mesma ação ali descrita, pois não visa a praticá-la como atividade profissional ou habitual – isto é, a reiteração na prática que é tida como traço que revela uma determinada profissionalização da conduta do fornecedor.

Essas características tornam fácil a identificação de casos em que se poderia excluir a qualidade de fornecedor, como ocorre nos casos de vendas eventuais entre pessoas físicas, assim como entidades associativas ou condomínios cujo interesse principal restringe-se à esfera de associados ou condôminos. Lembre-se, ainda, da aplicação do CDC nas atividades bancárias, financeiras, de crédito e securitárias. O CDC é claro quanto a essa possibilidade, dispondo a respeito no seu art. 3º, § 2º.

2.4 OBJETO DA RELAÇÃO DE CONSUMO A completude da relação de consumo se dá com a entrega de um produto ou com a pres-tação de um serviço entre os sujeitos estudados. O conceito de produto caracteriza-se pela ativida-de desenvolvida pelo fornecedor com profissionalidade e habitualidade.

Quanto ao fornecimento de produtos, tem-se que o critério caracterizador é desenvolver atividades tipicamente profissionais, tais como a comercialização, a produção, a importação, inci-dindo aí também a necessidade de verificar certa habitualidade, como a transformação e a distribu-ição de produtos. Essas características excluem da aplicação das normas do CDC todos os contratos que decorrem de relações puramente civis ou empresariais, às quais se aplica o Código Civil7.

7 BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consu-midor. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 81.

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Os serviços, por sua vez, são identificados quando colocados à disposição do consumidor, mediante remuneração, no mercado de consumo, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

2.5 CONCEITO DE PRODUTO E DE SERVIÇO

Nos termos da legislação consumerista, produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial (art. 3, § 1º, CDC). Segundo a doutrina produto (bem) é qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como desti-natário final8.

Nessa mesma linha, serviço, de acordo com a legislação, é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, incluindo-se as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, excetuando-se daí aquelas decorrentes das relações de caráter trabalhista (art. 3, § 2º, do CDC).

Em relação aos serviços, um ponto de destaque em sua conceituação refere-se ao fato de que o legislador optou por especificar, expressamente, que deva ser ele remunerado para ser objeto da relação de consumo. Nesse caso, é importante atentar que remuneração não é, necessariamen-te, sinônimo de lucro. Sendo assim, pode ocorrer de forma indireta, quando não é o consumidor individual que o custeia, mas sim a coletividade – através da diluição do ou quando há o pagamento embutido (a título exemplificativo, pode-se citar a contraprestação por facilidades, como o estacio-namento gratuito em shopping centers, lojas e supermercados que está inserido no preço dos seus produtos; a divulgação de um produto ou de uma marca como contraprestação pela realização de um serviço, o caso dos pontos derivados de cartão fidelidade, das promoções pague um leve dois e assim por diante). Essas situações estão incluídas no âmbito de aplicação do CDC.

Ainda em relação à abrangência do CDC e do conceito de serviço, o E. Supremo Tribunal Fe-deral já decidiu que não viola a Constituição a legislação consumerista, ao determinar que às ativi-dades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária (as quais incluem os planos de pre-vidência privada em geral, bem como os seguros propriamente ditos) ficam sujeitas aos seus deve-res especiais de proteção do consumidor9. Nesse sentido, a súmula 297, STJ, que dispõe que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Também a súmula 321, STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes”.

Por outro lado, o CDC não se aplica nos casos de serviço notarial, condôminos e condomí-nios, locação, contratos de crédito educativo, benefícios previdenciários e relações trabalhistas.

2.6 SERVIÇOS PÚBLICOS UTI SINGULI

Quanto aos serviços públicos, é inegável que a eles, por previsão expressa na legislação (art. 3º, caput; art. 4º, inc. VII; art. 6º, inc. X; e art. 22), aplica-se o CDC. Nesse sentido, é importante referir que apenas a uma parcela dos serviços públicos tal regramento é aplicado. A doutrina e a jurisprudência tem se posicionado no sentido de aplicar a legislação consumerista relativa aos ser-

8 GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de V.; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; NERY JR., Nelson; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 48. 9 STF, ADI 2591/DF, Tribunal Pleno, Relator Carlos Velloso, julgamento em 07/06/06, DJ 29/09/06.

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viços uti singuli, isto é, aqueles que têm usuários determinados e utilização particular e mensurável para cada destinatário, que permitem a aferição do quantum utilizado por cada consumidor.

Por exemplo, serviços de telefonia, de água e de energia elétrica domiciliares são serviços de utilização individual, facultativa e mensurável, pelo quê devem ser remunerados por tarifa (preço público), e não mediante o pagamento de imposto tributo.

Nesse sentido, já decidiu o E. STJ:

ADMINISTRATIVO – SERVIÇO PÚBLICO – ENERGIA ELÉTRICA – TARIFAÇÃO – CO-BRANÇA POR FATOR DE DEMANDA DE POTÊNCIA – LEGITIMIDADE.

1. Os serviços públicos impróprios ou UTI SINGULI prestados por órgãos da adminis-tração pública indireta ou, modernamente, por delegação a concessionários, como previsto na CF (art. 175), são remunerados por tarifa, sendo aplicáveis aos respecti-vos contratos o Código de Defesa do Consumidor.

(...)

4. Recurso especial provido pela divergência.

(AgRg no REsp 1089062/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe 22/09/2009)

2.7 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DO CONSUMIDOR

O Direito do Consumidor insere-se dentro de um microssistema protetivo que estabelece al-guns aspectos basilares sobre os quais respalda sua construção. Nesse sentido, a sistematização do estudo do Direito Consumerista perpassa a análise de alguns princípios específicos aplicáveis a esse campo, quais sejam:

2.7.1 PRINCÍPIO DA ISONOMIA

O Princípio da Isonomia é o pilar básico da relação de consumo. Significa que se deve buscar tratar os desiguais na medida em que eles se desigualam, a fim de fazer com que entre eles se estabe-leça uma igualdade material ou substancial. Por essa razão, os consumidores devem ser tratados de forma desigual pelo Código de Defesa do Consumidor e pela legislação protetiva, em geral.

Nesse sentido, a igualdade material dá respaldo aos demais princípios e possibilita conferir tra-tamento privilegiado concedido ao consumidor através de normas imperativas que não podem ser dispostas pelas partes.

A previsão legal desse princípio encontra-se no art. 4º, inc. III, do CDC, o qual prescreve a necessidade de equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

2.7.2 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

Previsto no art. 4º, inc. III, do CDC, este princípio obriga os sujeitos da relação de consumo a atuarem com estrita boa-fé, a dizerem, com sinceridade, seriedade, veracidade, lealdade e transparên-cia, sem objetivos mal disfarçados de esperteza, lucro fácil e imposição de prejuízo ao outro10.

10 ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 48.

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Daí decorrem alguns deveres anexos ao dever principal de prestação que obrigam as partes a considerarem a incidência de interesses do outro antes, durante e depois do contrato. São exemplos de deveres anexos: transparência, informação, não aceitação de linguagem complexa, interpretação em favor do consumidor, cooperação, confiança e lealdade. Conforme a doutrina, “o princípio da boa-fé objetiva na formação e execução das obrigações possui muitas funções na nova teoria contratual: (i) como fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados deveres anexos (função criadora); (ii) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos (função limitadora); (iii) na concreção e interpretação dos contratos (função interpretadora).” 11

Por essa razão, a legislação do consumidor contém diversas presunções legais, absolutas ou relativas, a fim de assegurar o equilíbrio entre as partes e conter formas de abusos e fraudes perpe-tradas pela parte mais forte da relação para burlar o intuito de proteção disposto pelo legislador. O CDC é repleto dessas presunções, como a que prevê a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do produto e do serviço (art. 12, CDC) e a que autoriza a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, no processo civil (art. 62, inc. VIII, CDC). No que se refere às nulidades, destaca-se a nulidade absoluta das cláusulas abusivas elencadas nos incisos do art. 51, bem como a presunção de exagero em cláusulas que instituam determinadas vantagens (art. 51, § 1º) e de nulidade daque-las cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor, na compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento parcelado (art. 53)12.

2.7.3 PRINCÍPIO DA EQUIDADE

O princípio da equidade está diretamente relacionado ao equilíbrio entre direitos e deveres dos contratantes. Estabelece-se que as cláusulas abusivas são vedadas, bem como aquelas que proporcionem vantagem exagerada ao fornecedor.

O CDC faz menção expressa à equidade em dois dispositivos. Em seu art. 7°, dispõe que os direitos previstos no CDC não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade. Já no art. 51, inc. IV, refere que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabe-leçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

Assim, tem-se que o emprego da equidade pelo juiz deve estar balizado pelas hipóteses pre-vistas na legislação consumerista. Em sua função integrativa, permite ao juiz suprir a omissão do legislador e funcionar como instrumento de colmatação do microssistema. Já no que se refere à sua função corretiva, permite ao julgador afastar obrigações abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, anular cláusulas contratuais excessivamente onerosas, por exemplo, em busca de uma solução equitativa13.

No entanto, deve-se destacar que a equidade não poderá ser fundamento para afastar o di-reito positivo e se traçar livremente a justiça do caso concreto.

11 MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais. São Paulo: RT, 2003, p. 124. 12 ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 48. 13 FILHO, Sérgio Cavalieri. A equidade no Código do Consumidor. In: Revista Justiça e Cidadania, ed. nº 156, agos-to/2013, p. 19

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2.8 PRINCÍPIOS DA POLÍTICA NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

O art. 4º, caput, CDC, dispõe acerca da Política Nacional das Relações de Consumo. Indica que ela tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua digni-dade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. No atendimento desses objetivos, devem ser observados alguns princípios básicos:

2.8.1 PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR

O princípio da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo está expresso no art. 4º, inc. I, do CDC, assegurando-se o mandamento expresso na lei para que ele seja reconhecido.

Vulnerabilidade significa que a parte mais fraca, isto é, o consumidor, pode ser mais facilmente lesa-do pelo mais forte, qual seja, o fornecedor. É necessário distinguir, nesse aspecto, a vulnerabilidade da hi-possuficiência. Enquanto que a primeira é característica inerente a qualquer consumidor, a segunda é uma característica processual e está presente na hipótese de o consumidor não dispor dos meios necessários para litigar ou de comprovar a veracidade de fatos constitutivos de seu direito.

A doutrina majoritária14 destaca a existência de 3 tipos de vulnerabilidade:

a) Fática ou Socioeconômica: é a desproporcionalidade fática ou jurídica de forças que ca-racteriza a relação de consumo: o fornecedor prepondera economicamente no mercado; já o consumidor é membro de uma grande massa, que possui menor quantitativo de forças in-telectuais e econômicas, contando com inexpressivo poder de barganha, justificado por seu baixo poder de compra.

b) Técnica: é manifestada pela escassez de conhecimento do consumidor em relação ao produto ou serviço. Sendo assim, ele é mais facilmente ludibriado ou prejudicado quanto às características do bem ou quanto à sua utilidade, o mesmo se verificando em relação aos serviços.

c) Jurídica: é expressa pela falta de conhecimentos específicos pelo consumidor quanto a di-reitos, instrumentos contratuais e remédios jurídicos para solucionar questões referentes à relação de consumo. Tem fulcro no fato de ser o consumidor litigante eventual, enquanto que o fornecedor é litigante habitual. Por estar mais frequentemente envolvido em proces-sos judiciais, os procuradores dos fornecedores são mais bem preparados para o litígio pro-cessual, conhecendo orientações dos tribunais, trabalhando na pré-constituição de provas, e, no caso de fracasso na demanda, podendo ainda repassar o prejuízo aos demais consumi-dores, ainda que de forma indireta. É presumida em relação aos consumidores pessoa física e não-profissionais. Do contrário, em relação às pessoas jurídicas e aos consumidores profis-sionais, a presunção opera-se no sentido contrário.

2.8.2 PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO E INFORMAÇÃO DE FORNECEDORES E CONSUMIDORES QUANTO A SEUS DIREITOS E DEVERES

O Código de Defesa do Consumidor prevê, em seu art. 4º, inc. IV, como um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, a necessidade de se trabalhar a educação e a informa-ção de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo.

14 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.

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Esse princípio visa a dar consecução prática à liberdade de escolha e à igualdade nas contra-tações, primando pela isonomia entre as duas partes da relação. Assim, o art. 6º, inc. II, do CDC garante ao consumidor o direito de educação e divulgação sobre o consumo adequado de produtos e serviços. Ademais, o direito de informação, descrito no art. 6º, inc. III, determina que o contrato de consumo deva ser firmado no sentido de garantir transparência entre as partes, com especifica-ção correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço do produto ou serviço objeto da transação, bem como sobre os riscos que apresentem.

2.8.3 PRINCÍPIO DA HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES ENTRE CONSUMIDORES E FORNECEDOR COM BASE NA BOA-FÉ OBJETIVA

O art. 4º, inc. III, do CDC menciona a necessidade de harmonização dos interesses dos parti-cipantes das relações de consumo e a compatibilização da proteção do consumidor com a necessi-dade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da CF), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. Busca-se, por meio desse princípio, compensar a disparidade de forças entre as duas partes da relação, tendo em vista, como plano de fundo, que ambas possu-em importante papel na sociedade, o que acarreta, muitas vezes, a existência de interesses coliden-tes.

Nesse sentido, por boa-fé entende-se o valor da ética, a veracidade e a correção dos contra-tantes, operando de diversas formas e em todos os momentos do contrato, desde a sua negociação até sua execução. No âmbito consumerista, assume algumas funções importantes, principalmente quando do choque entre interesses distintos, dentre elas a de linha teleológica para a interpretação das normas de defesa do consumidor (no caso do art. 4º, inc. III, do CDC) e de novo paradigma objetivo limitador da livre iniciativa e da autonomia da vontade (artigo 4º, inc. III, do CDC c/c art. 5º, inc. XXXII, e art. 170, caput e inc. V, da CF)15.

2.8.4 PRINCÍPIO DA COIBIÇÃO E REPRESSÃO EFICIENTES A TODOS OS ABUSOS PRATICADOS NO MERCADO DE CONSUMO

O art. 4º, inc. VI, do CDC prevê como princípio da Política Nacional das Relações de Consumo a coibição e a repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores.

Nesse sentido, destaca-se a necessidade de ação governamental, em termos práticos, para proteger tutelar o consumidor contra os abusos do fornecedor, que ganham corpo principalmente no âmbito de contratos de adesão. Contribuindo para essa finalidade, o inc. II do mesmo dispositivo arrolou uma série de ações governamentais no sentido de contribuir para uma efetiva proteção ao consumidor, como: (i) por iniciativa direta; (ii) por incentivos à criação e desenvolvimento de associ-ações representativas; (iii) pela presença do Estado no mercado de consumo; (iv) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

15 MARQUES, Cláudia Lima. Planos privados de assistência à saúde. Desnecessidade de opção do consumidor pelo novo sistema. Opção a depender da conveniência do consumidor. Abusividade de cláusula contratual que permite a resolução do contrato coletivo por escolha do fornecedor: parecer. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n.31, p. 134, jul./set. 1999.

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Além da interferência direta do Estado nesse tipo de relação, seu campo de intervenção ma-nifesta-se não só pela edição de legislação protetiva, mas também pela criação de órgãos adminis-trativos que visem a tal objetivo. Ainda, cabe ao Poder Judiciário exercer o controle efetivo do con-teúdo do contrato, em especial o controle das cláusulas abusivas. Visando a dar efetividade a esse mandamento, o art. 5º, do CDC arrolou uma série de instrumentos que devem ser utilizado pelo Poder Publico na execução da Política Nacional das Relações de Consumo. São eles, dentre outros: (i) a manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente; (ii) a institui-ção de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público; (iii) a criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infra-ções penais de consumo; (iv) a criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especiali-zadas para a solução de litígios de consumo; (v) a concessão de estímulos à criação e desenvolvi-mento das Associações de Defesa do Consumidor.

2.8.5 PRINCÍPIO DA GARANTIA QUANTO À SEGURANÇA E QUALIDADE DE PRODUTOS E SERVIÇOS

O art. 4º, inc. V, do CDC identificou ainda, como princípio regente das relações de consumo, a necessidade de se incentivar a criação de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consu-mo, por parte do fornecedor.

Referido mandamento insere-se na característica marcante da relação de consumo, que se verifica pela notável assimetria entre as partes. Assim, sendo uma das partes aquela que dispõe de grau mais elevado poder econômico, de conhecimento técnico e de instrumentos que facilitam a imposição de condições ao consumidor, deve ela contribuir de forma mais definitiva para assegurar a resolução de potenciais conflitos.

Ainda, em momento anterior, como medida preventiva ao litígio, o fornecedor deve primar pela segurança e qualidade dos produtos e serviços ofertados. Esse dever perpassa o cumprimento da legislação pátria quanto às exigências para a disponibilização de um bem/serviço no mercado e a necessidade de informar o consumidor, a fim de que se garanta que o uso do objeto da relação de consumo será feito conforme o planejado, contribuindo assim para a diminuição da probabilidade da ocorrência de incidentes.

2.8.6 PRINCÍPIO DA RACIONALIZAÇÃO E MELHORIA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

O art. 4º, inc. VII, do CDC impõe ao fornecedor a melhoria e a racionalização dos serviços públicos. A finalidade desse dispositivo é que toda a coletividade tenha possibilidades de vir a ter acesso aos serviços públicos de qualidade, como a distribuição de água, energia elétrica, telefonia, gás encanado, e assim por diante.

Nessa linha, o art. 6º, inc. X, do CDC, prevê como direito básico do consumidor a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. O art. 22 do mesmo diploma legal, por sua vez, impõe deveres ao prestador de serviço público, dispondo que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Refere ainda que, em caso de descumprimento dessas obrigações, seja ele total ou parcial, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista na lei.

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3.1 DIREITOS BÁSICOS

A proteção ao consumidor foi consagrada pela Constituição como um direito fundamental (art. 5, inc. XXXII, CF), atribuindo-se ao Estado o dever de promover a defesa da parte mais frágil da relação de consumo. O cumprimento desse mandamento constitucional foi efetivado através da edição do Código de Defesa do Consumidor, que previu a concessão de um conjunto de direitos especiais ao consumidor, sem a exclusão dos direitos decorrentes de tratados ou convenções inter-nacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

Há doutrina prevendo a possibilidade de classificação dos direitos do consumidor em duas categorias: os direitos formativos e os direitos operativos. Enquanto esses seriam os que possibili-tam ao consumidor o agir em defesa própria, evitando ou pedindo ressarcimento de algum prejuízo (expressão, assessoramento, assistência e de representação em juízo), aqueles conferem subsídios ao consumidor para enfrentar as armadilhas do mercado e dizem respeito à educação, organização e informação16.

No Brasil, a categorização, em espécie, dos direitos do consumidor extrapola esse primeiro intento ordenador. Os direitos mais básicos do consumidor encontram-se arrolados no art. 6º, do CDC, destacando-se os abaixo mencionados.

3.1.1 PROTEÇÃO À VIDA, SAÚDE E SEGURANÇA

O art. 6º, inc. I, do CDC prevê como direito básico do consumidor a garantia da proteção da vida, da saúde e da segurança contra os riscos criados no fornecimento de produtos e serviços con-siderados perigosos e nocivos. Abrange, por assim, tutela à incolumidade física e à segurança do consumidor, devendo essa última ser entendida da forma mais ampla possível, abrangendo a pes-soa e o patrimônio do consumidor.

Justamente em decorrência da previsão expressa desse direito pelo ordenamento pátrio, o CDC dispõe de normas que exigem, por exemplo, a devida informação sobre os riscos que produtos e serviços podem apresentar ou a não colocação deles no mercado (arts. 8º a 10 do CDC); a retirada do mercado de produtos e serviços que venham a apresentar riscos à incolumidade dos consumido-res ou de terceiros; a comunicação das autoridades competentes a respeito de tais riscos; bem como, a indenização integral por prejuízos decorrentes do fato do produto.

16 STIGLITZ, Gabriel. Protección Jurídica del Consumidor. Buenos Aires: Depalma, 1986, p. 42-52.

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3.1.2 INFORMAÇÃO ADEQUADA E CLARA

O direito de informação adequada e clara está expresso no art. 6, inc. III, do CDC. Abrange o momento anterior ao negócio e posterga-se para além de sua celebração. Tem íntima relação com o princípio da boa-fé objetiva, que retoma padrões de conduta que devem ser adotados entre os contratantes, permitindo que aquele que venha a adquirir produtos ou a contratar serviços tenha em mente as qualidades e especificações referentes ao objeto da relação entre fornecedor e con-sumidor. Além do fornecedor, o dever de informar possui outros destinatários, consubstanciados no Estado, nas associações dos consumidores e dos próprios fornecedores, devendo permitir uma análise comparativa entre produtos e serviços concorrentes.

O direito básico à informação adequada e clara afeta a essência do negócio, pois a informa-ção passada ou requerida, constituindo oferta, integra o conteúdo do contrato firmado (art. 30, CDC), abrangendo, inclusive, informações sobre carga tributária e preço. Na hipótese de a informa-ção repassada ao consumidor não corresponder à realidade, seja por vícios de informação decor-rentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, seja por outras modalidades, restará caracterizado defeito na qualidade do produto ou serviço oferecido (arts. 18, 19, 20 e 35, CDC).

O E. STJ reconhece a incidência desse direito básico do consumidor como fonte de deveres para o fornecedor:

DIREITO DO CONSUMIDOR. ADMINISTRATIVO. NORMAS DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL. (...) DIREITO À INFOR-MAÇÃO. DEVER POSITIVO DO FORNECEDOR DE INFORMAR, ADEQUADA E CLA-RAMENTE, SOBRE RISCOS DE PRODUTOS E SERVIÇOS. (...)

5. O direito à informação, abrigado expressamente pelo art. 5°, XIV, da Constituição Federal, é uma das formas de expressão concreta do Princípio da Transparência, sendo também corolário do Princípio da Boa-fé Objetiva e do Princípio da Confiança, todos abraçados pelo CDC.

6. No âmbito da proteção à vida e saúde do consumidor, o direito à informação é ma-nifestação autônoma da obrigação de segurança.

7. Entre os direitos básicos do consumidor, previstos no CDC, inclui-se exatamente a “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especifi-cação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (art. 6°, III).

8. Informação adequada, nos termos do art. 6°, III, do CDC, é aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor.

(...)

10. A informação deve ser correta (= verdadeira), clara (= de fácil entendimento), pre-cisa (= não prolixa ou escassa), ostensiva (= de fácil constatação ou percepção) e, por óbvio, em língua portuguesa.

20. O fornecedor tem o dever de informar que o produto ou serviço pode causar ma-lefícios a um grupo de pessoas, embora não seja prejudicial à generalidade da popu-lação, pois o que o ordenamento pretende resguardar não é somente a vida de mui-tos, mas também a vida de poucos.

(...)

(REsp 586.316/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJe 19/03/2009)

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3.1.3 PROTEÇÃO CONTRA AS PRÁTICAS E CLÁUSULAS ABUSIVAS

O direito à proteção contra as práticas e cláusulas abusivas está previsto no art. 6º, inc. IV, do CDC, especificamente no que tange à tutela contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços.

O CDC elenca, em seu art. 39, um rol não exaustivo de práticas consideradas abusivas, ba-nindo sua aplicação por fornecedores de produtos e serviços. Em termos mais gerais, o capítulo V, onde tal dispositivo está inserido, trata especificamente das práticas comerciais e dedica três seções para cuidar das regras que o fornecedor deve cumprir para a oferta e publicidade de seus produtos no mercado de consumo (Seção I, Seção II e Seção III) e outras três para descrever as condutas abusivas vedadas quando da contratação, da cobrança de dívidas contraídas pelo consumidor e no registro de dados em bancos e cadastros de consumidores (Seção IV, Seção V e Seção VI).

No que se refere à caracterização das cláusulas abusivas, tem-se que a legislação consume-rista se preocupou em arrolar exemplificativamente algumas dessas disposições nos incisos do art. 51, CDC. O ordenamento veda a incidência desse tipo de cláusula nos contratos regidos pelo mi-crossistema em estudo, já que um de seus objetivos gerais é o restabelecimento do equilíbrio entre as partes, compensando a vulnerabilidade do consumidor e a assimetria entre as duas partes da relação. Caso se verifique, casuisticamente, a incidência de alguma dessas cláusulas reconhecida-mente abusivas, a sanção correspondente será a cominação de nulidade de pleno direito da dispo-sição.

3.1.4 ALTERAÇÃO E REVISÃO CONTRATUAL: PRESTAÇÕES DESPROPORCIONAIS OU FATOS SUPERVENIENTES QUE AS TORNEM EXCESSIVAMENTE ONEROSAS

O art. 6º, inc. V, do CDC ainda traz como um dos direitos básicos do consumidor a possibili-dade de modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

A primeira parte do dispositivo prevê a chance de que as cláusulas que tragam condições manifestamente desproporcionais, isto é, que caracterizem extrema vantagem para uma parte e, na mesma medida, desvantagem para outra, possam vir a ser apreciadas pelo Poder Judiciário, ressal-vando a antiga máxima civilista do pacta sunt servanda. Originalmente previsto pelo dispositivo ora em comento (art. 6º, inc. V, do CDC), esse instituto foi incluído no Código Civil de 2002, em seu art. 157, estendendo seu campo de aplicação para além das relações de consumo, mas igualmente visando àquelas em que se verifique uma disparidade de forças. Trata-se da lesão, caracterizada pela assunção de obrigação excessivamente onerosa por uma parte por premente necessidade ou inexperiência, independentemente do conhecimento da parte contrária. É uma forma de tutela ao contratante mais vulnerável, que se encontra em situação de inferioridade, vulnerabilidade, permi-tindo ao o julgador que altere o conteúdo contratual quando a cláusula não se revelar justa, vedan-do a perpetração de absurdos do ponto de vista econômico.

Além disso, a segunda parte do dispositivo ainda elenca uma segunda situação em que se permite a alteração contratual. Essa segunda possibilidade difere da primeira em relação ao mo-mento da constatação da desproporção. Enquanto que a primeira parte do dispositivo refere-se à revisão contratual por lesão (que ocorre no momento da formação do vínculo contratual), essa segunda tem relação com fatos supervenientes, havendo a inclusão de prestações desproporcionais após a formação do contrato. Por essa razão, a aplicação desse dispositivo está restrita a contratos

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de execução continuada ou diferida, pois requer que exista um lapso temporal entre o momento em que ele foi celebrado e o que se verificou o desequilíbrio.

Isso significa que a onerosidade excessiva ocorre posteriormente à contratação devido a fa-tores que não existiam no momento da conclusão do contrato, nascendo daí o direito do consumi-dor de pedir a revisão da avença.

Além disso, de modo diverso do que ocorre na legislação geral (resolução por onerosidade excessiva – art. 478, CC/02), não se exige como requisito para essa revisão baseada na legislação especial consumerista que os acontecimentos sejam de índole extraordinária e imprevisível, nem que se verifique extrema vantagem para a outra parte contratante. No caso do CDC, orientado para a proteção total do consumidor, a mera onerosidade excessiva, por si só, já autoriza a revisão con-tratual.

Portanto, temos que, diferentemente do regime civilista geral, que autoriza a resolução con-tratual por onerosidade excessiva com base na teoria da imprevisão (exige a imprevisibilidade do fato superveniente como requisito sine qua non para dar causa à revisão do contrato – rebus sic stantibus), o regime especial consumerista funda-se na teoria da base objetiva do negócio (basta a ocorrência do fato superveniente para legitimar a revisão do contrato caso este venha a se tornar excessivamente oneroso ao consumidor) para autorizar os efeitos aos quais se pretende17.

3.1.5 EFETIVA PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DE DANOS COLETIVOS LATO SENSU OU INDIVIDUAIS, PATRIMONIAIS OU MORAIS

Outro direito básico do consumidor consta do art. 6º, inc. VI, do CDC, consubstanciado na a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

A prevenção tem relação direta com as atitudes das empresas fornecedoras de produtos e serviços no sentido de pesquisar e de se certificar acerca da qualidade e das especificações do bem ou serviço objeto da relação de troca antes de disponibilizá-los no mercado. Esse dever tem relação íntima com um dos princípios fundadores do Direito do Consumidor: a boa-fé objetiva, desembo-cando em uma triangulação com outros direitos básicos do consumidor, quais sejam, a garantia da proteção à vida, saúde e segurança e o direito à informação adequada e clara.

A título exemplificativo, como instrumentos que visam a prevenir a ocorrência de danos ao consumidor, temos a implantação de SACs (serviços de atendimento aos consumidores); o dever do fornecedor de prestar informação correta sobre a utilização do produto e suas especificações; a existência de práticas de recall (convocação por parte de fabricante ou distribuidor para que deter-minado produto lhe seja levado de volta para substituição ou reparo de possíveis ou reais defeitos); e a vedação à colocação no mercado de consumo produto ou serviço que o fornecedor sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

Já no que se refere à esfera repressiva, verifica-se a previsão, na legislação, de sanções de cunho administrativo, cível e criminal em relação a condutas reprimíveis que venham a causar da-nos, sejam eles a nível individual ou difuso e coletivo. No que se refere a esses últimos, a reparação de danos verificados nessa esfera pode se dar a requerimento: (i) do Ministério Público; (ii) da Uni-ão, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal; (iii) das entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos consumeristas; (iv) as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos do consumidor, dispensada a autorização assemblear.

17 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 351.

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3.1.5.1 TIPOS DE PERICULOSIDADE

A análise da periculosidade dos produtos e serviços objeto da relação de consumo perpassa o direito básico do consumidor de efetiva prevenção aos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (art. 6º, inc. VI, CDC).

Em relação à periculosidade dos produtos, ela pode ser de três ordens:

Periculosidade latente ou inerente: diz respeito aos produtos ou serviços que tragam consigo uma periculosidade que lhes é inerente. Embora esteja dentro da normalidade e dos padrões de previsibilidade do consumidor, ela deve ser informada ao consumidor, mas raramente gera dever de indenizar;

Periculosidade adquirida: decorre de defeitos de fabricação que põem em risco a incolumidade física do consumidor. Por decorrer de um defeito, é sempre imprevista pelo consumidor;

Periculosidade exagerada: está presente nos produtos ou serviços os quais, ainda que o fornecedor tenha tomado os devidos cuidados no que tange à informação dos consumidores, não tem diminuídos os riscos apresentados, não podendo ser inseridos no mercado de consumo. Em outras palavras, refere-se a riscos e danos muito graves que fazem com que os custos sociais sejam tão desproporcionais aos benefícios que não basta informar, devendo ingresso do produto no mercado ser vedado.

A correta classificação dos bens objeto da relação de consumo nas referidas categorias de periculosidade permite a atuação, por parte do Poder Público, na exigência de ações que corrobo-rem com a necessidade de prestação de informações e inserção da prevenção de danos ao consu-midor como prioridade. Assim, abre-se a possibilidade da criação de deveres ao fornecedor correla-tos a essas finalidades.

3.1.6 FACILITAÇÃO DA DEFESA COM A INVERSÃO JUDICIAL DO ÔNUS DA PROVA PELA HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR OU VEROSSIMILHANÇA DE SUAS ALEGAÇÕES

O art. 6º, inc. VIII, do CDC elenca ainda como direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos através de um mecanismo chave: a possibilidade de inversão do ônus da prova no processo civil, havendo verossimilhança das alegações ou verificada hipossuficiência do consumidor.

Nesse sentido, esse mecanismo processual foi previsto em razão da vulnerabilidade presu-mida do consumidor, fundada na constatação de que ele, na atual sociedade massificada de consu-mo, em grande parte das vezes, ao ser ameaçado ou lesado em seus direitos, não possui condições técnicas, jurídicas ou materiais de provar os fatos cuja demonstração lhe é incumbida em juízo. Assim, extrapolando o âmbito do direito material, é necessário munir o consumidor de instrumen-tos processuais que viabilizem o equilíbrio de forças no plano processual, em prol de superar o fato de o fornecedor estar em melhores condições para realizar a prova de fato relacionado à sua ativi-dade econômica. Nessa linha, com a reconhecida possibilidade de inversão judicial do ônus da pro-va, os fatos descritos pelo consumidor passam a desfrutar de uma presunção relativa de veracidade que apenas será afastada por eventual prova em contrário a cargo do fornecedor.

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Essa possibilidade é chancelada pelo Código de Defesa do Consumidor na ocorrência de uma das duas hipóteses previstas na lei: (i) havendo verossimilhança das alegações do consumidor, isto é, se sua narração fática aparenta ser verdadeira, relacionando-se ao convencimento do magistrado; ou (ii) se verificado que o consumidor é hipossuficiente, considerado aquele que se encontra em situação de impotência ou de inferioridade na relação de consumo, ou seja, está em desvantagem em relação ao fornecedor, decorrente da falta de condições de produzir as provas em seu favor ou comprovar a veracidade do fato constitutivo de seu direito.

Ainda, em relação à inversão do ônus da prova, tem-se que ela não se dá de forma automá-tica. Do contrário, depende do aval do magistrado, que deverá apurar as circunstâncias concretas do caso. Para tal inversão ocorrer requer-se que haja a dificuldade ou impossibilidade da prova apenas da parte do consumidor, mas é necessário que a prova ainda tenha que ser objetivamente possível, pois o fornecedor tem que ter condições de produzi-la.

A jurisprudência clássica do E. STJ, já nos primórdios da aplicação do CDC, reconhece essa necessidade:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIÃO-DENTISTA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. (...)

2. A chamada inversão do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, está no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, ficando subordinada ao "crité-rio do juiz, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências" (art. 6º, VIII). Isso quer dizer que não é automática a inversão do ônus da prova. Ela depende de circunstância concretas que serão apu-radas pelo juiz no contexto da "facilitação da defesa" dos direitos do consumidor. E essas circunstâncias concretas, nesse caso, não foram consideradas presentes pe-las instâncias ordinárias.

3. Recurso especial não conhecido.

(REsp 122.505/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/06/1998, DJ 24/08/1998, p. 71)

A exceção ocorre em matéria publicitária, já que, nesse caso, o CDC já tomou como regra a inversão do ônus da prova (art. 38, CDC).

4.1 TEORIA DA QUALIDADE

A teoria da qualidade fornece unicidade de tratamento na responsabilidade do fornecedor. Funda-se no fato de que os sujeitos mais vulneráveis nas relações de consumo devem ser protegi-dos contra dois tipos básicos de problemas: (i) os vícios de qualidade e (ii) os vícios de quantidade18.

18 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade Civil por Acidentes de Consumo. In: Teresa Ancona Lopez; Ruy Rosado de Aguiar Junior. (org.). Contratos Empresariais: Contratos de Consumo e Atividade Econômica. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 297-345.

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Em relação à primeira categoria, tem-se que ela subdivide-se em dois outros aspectos: (i.1) vícios de qualidade por segurança – que relacionam-se à tutela da incolumidade físico-psíquica do consumidor; e (i.2) vícios de qualidade por inadequação, que relacionam-se ao desempenho dos produtos e serviços, isto é, com o cumprimento de sua finalidade em acordo com a expectativa legítima do consumidor. Ainda, por outro lado, os vícios de qualidade por inadequação manifestam-se em uma expectativa pela durabilidade, isto é, a garantia de que o produto ou serviço não perde-rá, total ou parcialmente, de forma prematura, sua utilidade, também em sintonia com a expectati-va legítima do consumidor19.

Nesse sentido, a divisão clássica entre responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual não se mostrou apta, nos seus próprios limites, a proteger adequadamente o consumidor. Por esse motivo, o desenvolvimento da teoria da qualidade ganhou força no âmbito consumerista. Essa teoria comporta dois aspectos distintos: a proteção do patrimônio do consumi-dor (com o tratamento dos vícios de qualidade por inadequação) e a proteção da saúde do consu-midor (com o tratamento dos vícios de qualidade por insegurança). Logo, a teoria da qualidade tem uma vertente na órbita da tutela da incolumidade físico-psíquica do consumidor e outra na tutela de sua incolumidade econômica20.

Por fim, no ordenamento pátrio, o CDC consagrou três regimes jurídicos diversos, embora nem antagônicos, nem excludentes entre si, que podem ser relacionados com a teoria da qualidade no esquema abaixo:

VÍCIOS DE QUALIDADE POR INSEGURANÇA

VÍCIOS DE QUALIDADE POR INADEQUAÇÃO

VÍCIOS DE QUANTIDADE

- Divergem em sua feição formal

- Divergem quanto à extensão e o fundamento do dever de indenizar

- Dado essencial é a carência de segurança do produto ou servi-ço, isto é, a sua capacidade para provocar danos à saúde do consumidor

- Normas de prevenção e nor-mas de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço (arts. 8° a 17, CDC)

- Regime jurídico mais rígido

- Elemento básico é a carência (total ou parcial) de aptidão ou idoneidade do produto ou servi-ço para a realização do fim a que é destinado

- Responsabilidade por vício do produto e do serviço (arts. 18 a 25, CDC)

- Regime jurídico menos rígido

- Regime jurídico mais bran-do

Ainda no que se refere ao microssistema brasileiro, tem-se que o Capítulo IV do CDC (Da Qualidade de Produtos e Serviços, da Prevenção e da Reparação dos Danos) trata tanto da respon-sabilidade pelo fato do produto ou serviço quanto do vício do produto ou serviço. Segundo a dou-trina predominante21:

19 BENJAMIN, Antonio Herman de. Teoria da Qualidade. Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/16339/Teoria_Qualidade.pdf 20 BENJAMIN, Antonio Herman de. Teoria da Qualidade. Disponível em: http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/16339/Teoria_Qualidade.pdf 21 MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 147.

20 20

a doutrina mais moderna está denominando teoria da qualidade(...)o fundamento único que o sistema do CDC instituiria para a responsabilidade (contratual e extracontratual) dos for-necedores. Isto significa que ao fornecedor, no mercado de consumo, a lei impõe um dever de qualidade dos produtos e serviços que presta. Descumprido este dever, surgirão efeitos contratuais (inadimplemento contratual ou ônus de suportar os efeitos da garantia por vício) e extracontratuais (obrigação de substituir o bem viciado, mesmo que não haja vínculo con-tratual, de reparar os danos causados pelo produto ou serviço defeituoso). A teoria da qua-lidade se bifurca, no sistema do CDC, na exigência de qualidade-adequação e de qualida-de-segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e dos serviços. Nesse sentido haveria vícios de qualidade por inadequação (art. 18 e ss.) e vícios de quali-dade por insegurança (arts. 12 a 17).

Nos próximos itens e capítulos, passaremos a tratar das especificidades da responsabilização por cada modalidade de inadequação/vício, bem como pelo tratamento a eles conferido pela legis-lação pátria.

4.2 O FATO DO PRODUTO OU SERVIÇO

Fato significa ocorrência, acontecimento, evento. O CDC fala em fato acompanhado de defei-to; é, portanto, o fato que apresenta um defeito causador de um dano. O fato do produto corres-ponde ao vício por insegurança acrescido de um problema externo, isto é, além do defeito que acarreta o mau funcionamento, há uma lesão ao patrimônio material ou moral do consumidor, pois expõe ou causa risco de dano à segurança ou à saúde dele.

Nesse sentido, o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitima-mente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: (i) sua apresentação; (ii) o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; (iii) a época em que foi colocado em circulação (art. 12, § 1°, CDC). No que se refere ao serviço defeituoso, conceitua-se como aquele que não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: (i) o modo de seu fornecimento; (ii) o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; (iii) a época em que foi fornecido (art. 14, § 1°, CDC).

O art. 12 do diploma em comento dispõe que o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela repa-ração dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, cons-trução, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Já o art. 14, do CDC determina que o fornecedor de serviços responda, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua frui-ção e riscos.

O fundamento desse modelo de responsabilização é que todos os fornecedores que introdu-zem ou ajudam a introduzir um produto ou serviço no mercado tem um dever anexo, concentrado e indissociável ao bem: o de garantir a segurança razoável e esperada dele. Basta verificar se o produ-to apresentou um defeito, caracterizado pela falha na segurança já exprimida, que surge o dever de indenizar.

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4.3 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTES DE CONSUMO

A responsabilidade por acidente de consumo é tratada no Código de Defesa do Consumidor brasileiro sob a Seção intitulada “Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço”. Nesse sentido, o conceito de acidente de consumo confunde-se com o de defeito, isto é, um vício exógeno ou extrínseco do produto ou do serviço que extrapola o dano causado ao objeto e provoca uma lesão ao patrimônio material ou moral do consumidor, pois expõe ou causa risco de dano à sua vida, à sua saúde, à sua higidez física e psíquica, ou mesmo à sua segurança.

Em outras palavras, o prejuízo do consumidor não fica restrito ao vício verificado no objeto, consubstanciado no dano patrimonial verificado, mas engloba outros danos ocasionados pelo aci-dente de consumo, isto é, dando ensejo também a danos extrapatrimoniais.

Na doutrina, uma minoria defende que o termo “fato” do produto e do serviço não possa ser tratada como sinônimo de acidente de consumo. Entendem, nesse sentido, que o mais adequa-do seria guardar a expressão “acidente de consumo” para as hipóteses em que tenha ocorrido mesmo um acidente: queda de avião, batida do veículo por falha do freio, quebra da roda gigante no parque de diversões, etc., e deixar fato ou defeito para as demais ocorrências danosas22. No entanto, esse material tratará como sinônimos as duas denominações, adotando o posicionamento da doutrina e da jurisprudência majoritárias.

Para a configuração do dever de indenizar, devem estar presentes três pressupostos para a configuração da responsabilidade pelo acidente de consumo/fato do produto de consumo:

1) o fato (defeito) do produto/serviço: conforme já exposto, é aquele vício exógeno ou ex-trínseco do produto ou serviço.

2) o dano causado: pode ter caráter patrimonial ou extrapatrimonial.

3) e o nexo de causalidade entre o defeito e o dano: é a relação de causa e efeito que se es-tabelece entre o defeito do produto ou do serviço e o dano.

Dessa forma, contrariando o regime civilista geral da responsabilização civil subjetiva, temos que, no âmbito do CDC, a regra é que a responsabilidade por acidentes de consumo tenha caráter objetivo. Isso significa que, em sua apuração, prescinde-se da verificação do elemento subjetivo (culpa – negligência, imprudência ou imperícia). Apenas evidenciados os pressupostos acima desta-cados, tem nascimento a obrigação de indenizar. A adoção do sistema objetivo é uma evolução natural da teoria da responsabilidade civil que visa à reparação da vítima, pois se percebeu que se a vítima tivesse que provar a culpa do causador do dano, em muitos casos ficaria sem a devida repa-ração.

Além disso, a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço também é solidária: havendo mais de um responsável pela colocação do produto, ou serviço defeituoso à disposição dos consu-midores, todos podem ser demandados, e a responsabilidade de um não exclui a do outro.

4.4 DEVER DE INDENIZAR INDEPENDENTE DE VÍNCULO CONTRATUAL

Em termos gerais da legislação civilista, a responsabilidade civil pode ser contratual, quando decorre de uma obrigação preexistente, contrato ou negócio jurídico unilateral, ou extracontratual, quando não decorre de uma relação contratual.

22 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 321.

22 22

Na responsabilidade contratual, anteriormente à obrigação de indenizar, existe um vínculo jurídico entre o inadimplente e o seu co-contratante, vinculado de uma convenção.

Por outro lado, responsabilidade civil extracontratual/delitual/aquiliana é a que decorre da lei. Assim, verificada inobservância da lei e tendo ocorrido lesão a um bem jurídico, mesmo sem que exista qualquer vínculo contratual entre o agente e o prejudicado, nasce o dever de indenizar.

O art. 2º, § ún., CDC dispõe que equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Com esse dispositivo, o destina-tário da aplicação das normas expande-se, a fim de abranger também sujeitos que não tenham diretamente celebrado o contrato de consumo, fornecendo aí subsídios para se pensar no âmbito de responsabilização extracontratual.

Com isso, o CDC reconhece até mesmo a coletividade de pessoas como consumidor. Em outras palavras, as pessoas, mesmo não sendo adquirentes diretas do produto ou serviço, mas que o utilizam, em caráter final, ou a ele se vinculem, que venham a sofrer qualquer dano trazido pelo objeto da relação de consumo são equiparadas a consumidor. Assim, para efeitos de proteção legal, o CDC equipara a con-sumidor, permitindo a busca por indenização em caso de acidente de consumo, as pessoas que sofrem com algum tipo de dano, sendo vítimas de acidente de consumo (art. 17 do CDC).

Esse dispositivo fez foi incluir sob a proteção do CDC todas as pessoas que são alcançadas pelos efeitos do acidente do consumo, independentemente de terem participado da relação jurídica de consumo na qual veio a se verificar o defeito. É o caso, por exemplo, da explosão de um botijão de gás que atinge as casas vizinhas. Apenas a pessoa que adquiriu o botijão havia estabelecido rela-ção de consumo com o fornecedor regida pelo CDC, mas, em razão do art. 17, todas as pessoas que tiveram as suas residências atingidas também estão protegidas.

4.5 OS RESPONSÁVEIS PELO DEVER DE INDENIZAR

O CDC, no tocante à responsabilidade por danos, não utilizou a expressão “fornecedor” constante em seu art. 3º. Isso porque o legislador resolveu não incluir o comerciante entre os res-ponsáveis diretos, só sendo possível lhe atribuir a responsabilidade a título excepcional e subsidiá-rio, nos casos do art. 13, do CDC (I - quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III – quando não conservar adequadamente os produtos perecíveis).

Assim, os ônus econômicos e financeiros gerados pelo fato do produto são atribuídos ao fa-bricante, ao construtor e ao importador, pois, geralmente são esses sujeitos os que poderiam ter evitado o defeito (fabricante, construtor e produtor) ou a seus substitutos (o importador e o comer-ciante, em hipóteses diferenciadas)23.

Destacam-se como categorias de fornecedores-responsáveis:

a) fornecedor real: o fabricante, o produtor e o construtor nacional ou estrangeiro

A rubrica “fabricante” inclui tanto aquele que fabrica e coloca no mercado o produto indus-trializado, bem como aquele que monta o produto final a partir de peças produzidas por terceiro, o qual também será solidariamente responsável com o fabricante, construtor ou importador, segundo a sua participação no evento danoso (art. 25, § 2º, do CDC).

Já o termo “produtor” remete àquele que disponibiliza no mercado produtos não industria-lizados, de origem vegetal ou animal.

23 MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais. São Paulo: RT, 2003, p. 225.

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O “construtor” é aquele que coloca produtos imobiliários no mercado de consumo.

b) fornecedor presumido: o importador de produto industrializado ou in natura;

Trata-se de fornecedor presumido, pois apesar de não ser o fabricante ou o produtor dos bens introduzidos no mercado, o importador responde, em razão da garantia de reparação ao con-sumidor, tendo em vista a distância que guarda em relação à localização dos consumidores.

c) fornecedor aparente: revela-se como aquele que, mesmo não tendo fabricado o bem, co-loca seu nome ou marca no produto final.

Além disso, não se deve esquecer que a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço também é solidária: havendo mais de um responsável pela colocação do produto, ou serviço defei-tuoso à disposição dos consumidores, todos podem ser demandados, e a responsabilidade de um não exclui a do outro, nos termos do art. 7º, § ún, e do art. 25, § 1º, do CDC. Nesse caso, caberá, ao que pagar, o direito de regresso contra os demais fornecedores responsáveis, segundo sua partici-pação na causação do evento danoso (art. 13, § único), podendo ele ser exercido em processo au-tônomo ou nos mesmos autos, mas não através de denunciação da lide (art. 88).

4.6 CAUSAS DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE E O ÔNUS DA PROVA EM FAVOR DO FORNECEDOR

As causas excludentes de responsabilidade também são denominadas de meios de defesa, por se tratarem de matéria frequentemente arguida como defesa pelo fornecedor em juízo em face do consumidor lesado. A possibilidade de verificação dessas causas significa que o Código de Defesa do Consumidor não adotou a teoria do risco integral, já que a responsabilidade do fornecedor pode-rá ser ilidida em alguns casos.

Como se percebe, são três as hipóteses de exclusão da responsabilidade do fornecedor (art. 12, § 3º, CDC):

1. Quando provar que não colocou o produto no mercado (art. 12, § 3º, inc. I): ordinaria-mente, estando o produto no mercado, presume-se que o fornecedor o colocou. Cabe, porém, ao fornecedor, rebater essa presunção, quando puder demonstrar através de provas que não foi o responsável pela introdução de determinado produto na economia. Tal situação pode ocorrer quando, por exemplo, há produtos falsificados em circulação ou quando o fornecedor foi vítima de furto ou roubo de produto ainda incompleto para ser colocado no mercado. Nesses casos, a exclu-dente produz efeitos e o suposto fornecedor não será responsabilizado, caso venha a comprovar tal fato em juízo. No entanto, essa previsão não excluiu a reparação em razão dos defeitos de produtos introduzidos de forma gratuita no mercado (ex.: doações, amostras grátis).

2. Inexistência do defeito (art. 12, § 3º, inc. II): nesse caso, ainda que o produto tenha sido regularmente posto em circulação, o fornecedor obtém prova de que, na verdade, ao contrário do que alega o consumidor, não há defeito que comprometa a segurança esperada do produto, rom-pendo-se o nexo causal entre a sua conduta de introduzir no mercado produto defeituoso e o dano. Nesse caso, o próprio fato gerador da responsabilidade é fulminado. Trata-se do caso em que há uma percepção equivocada por parte do consumidor quanto ao defeito questionado. É o caso, por exemplo, da pessoa que pensa ter passado mal por causa da ingestão de determinado alimento (ex.: um queijo, quando percebe que este se encontra mofado). Eis que o fornecedor demonstra que o bolor encontrado nesse queijo não só é tolerado como desejado, que é uma característica intrínseca daquele tipo de queijo e que o ocorrido com o consumidor não teve qualquer ligação com o supos-to defeito naquele alimento, restando provada sua inexistência.

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3. Culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 12, § 3º, inc. III): caso provada pelo fornecedor a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, o fato gerador da responsabilidade do fornecedor, qual seja, o defeito, é desconstituído. Isso porque, comprovada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, não há falar em defeito do produto que comprometa a sua segurança, saúde ou traga algum risco à vida do consumidor. O produto pode ter sido regularmente colocado em circulação pelo fornecedor. No entanto, ao alcançar seu destinatário ou o terceiro, estes provo-cam o problema (por descuido, mau uso de modo intencional). A título exemplificativo, essa condi-ção pode ser verificada quando, apesar da informação adequada e clara acerca da posologia de um medicamento, o indivíduo toma o dobro da dose recomendada. Ou seja, não há defeito no medi-camento e sim culpa exclusiva daquele que tomou dose superior à que se indicou.

A culpa exclusiva da vítima não se confunde com a culpa concorrente, na qual o defeito e a conduta culposa do consumidor ou de terceiro são apontados simultaneamente como causadoras do dano. Nesse caso, a doutrina vem sustentando que se mantém inalterado o dever dos fornece-dores de reparar a integralidade dos danos, independentemente, do consumidor ou terceiro ter contribuído para a verificação da lesão.

4.7 CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR Embora não tenham sido arrolados dentro das excludentes da responsabilidade do fornece-

dor por fato do produto ou serviço o caso fortuito (evento imprevisível e, por isso, inevitável) e a força maior (evento previsível, mas inevitável), certo é que essas duas hipóteses também funcionam como causas que isentam a responsabilidade do fornecedor.

É importante referir, nesses casos, que, ainda que tais fatos possam ocorrer antes (o intitula-do fortuito interno, pois ocorre dentro do processo produtivo) ou depois (fortuito externo) da intro-dução do produto no mercado, o fornecedor apenas é exonerado do dever de reparar quando o fortuito ou a força maior ocorreram posteriormente ao ingresso do bem no mercado, pois, até este momento, ele tem o dever de garantir que o bem não sofreu nenhuma alteração que possa torná-lo defeituoso, mesmo que o vício de segurança seja decorrente de força maior.

Finalmente, deve-se registrar que qualquer estipulação contratual que impossibilite, exone-re ou atenue a obrigação de indenizar em razão de fato do produto é considerada nula, nos termos do art. 25 do CDC.

4.8 RESPONSABILIDADE ESPECIAL OU SUBSIDIÁRIA DO COMERCIANTE

Ainda, no tocante à responsabilidade por fato de produto ou serviço, tem-se que o comerciante ocupou posição privilegiada em relação aos demais fornecedores descritos no art. 12, CDC. Isso porque a responsabilidade do comerciante é subsidiária em relação aos demais fornecedores e limitada às hipóte-ses previstas no art. 13, CDC, salvo o disposto em regras previstas em leis especiais.

Com a retirada do comerciante da regra geral de responsabilização evita-se que o comerci-ante venha a ser responsabilizado por fato que não lhe possa ser atribuído. Isso porque uma das finalidades da responsabilização do fornecedor, nos casos em que a segurança do consumidor está sob risco, é punir e educar aquele que de fato deu causa para a ocorrência do dano.

Arcará o comerciante com o dever de ressarcir os danos causados pelo produto defeituoso, quando, nos termos do art. 13:

- o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados: ao colocar o produto em circulação sabendo que o responsável pela sua fabricação, construção, produção ou importação não pode ser identificado com clareza, o comerciante assume o ris-co e atrai para si, então, essa responsabilização, pois é o único “fornecedor” ao alcance do consumidor.

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- o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador: o comerciante será responsabilizado, pois violou o dever de identificação clara da origem do produto (art. 31 do CDC). Nesse caso, o produto for fornecido sem identifica-ção clara de seu fabricante, construtor, produtor ou importador.

- não conservar adequadamente os produtos perecíveis: a responsabilização do comerciante tem fulcro na violação do art. 8º, CDC.

A exclusão do dever de reparar por parte do comerciante, só ocorre quando ele consegue provar que não ajudou a colocar o produto no mercado, que não existe ou existia defeito no produ-to, mesmo que tenha havido nexo causal entre produto e dano (art. 12, § 3º, inc. I e II, do CDC) 24.

No caso da responsabilização subsidiária do comerciante, aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causa do evento danoso. Tal direito poderá ser exercido através de processo autô-nomo ou nos próprios autos da ação indenizatória promovida pelo consumidor, sendo vedada, contudo, a denunciação da lide (art. 88 do CDC).

4.9 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO COMERCIANTE

O caput do art. 13, CDC, dispõe que o comerciante seja “igualmente responsável”. Nesse ca-so, o vocábulo referido deve ser interpretado através de duas vias: (i) no sentido de que o comerci-ante tem as mesmas responsabilidades estabelecidas no artigo anterior (art. 12) e (ii) que ele é solidariamente responsável com os agentes do art. 12. E, sendo assim, todos são solidários25. O termo “solidariamente” remete diretamente ao princípio da solidariedade, em que mais de uma pessoa pode ser titular de um direito ou dever. Esse instituto está presente, no CDC, em vários arti-gos além do acima citado, ao imputar responsabilidade comum àquelas pessoas que contribuíram para a colocação, no mercado, de produto ou serviço defeituoso.

A lógica não permite concluir de forma distinta, pois a responsabilidade do comerciante nas hipóteses do art. 13, inc. I e II, CDC, existe porque o produto original não foi ou não está identifica-do. Desse modo, resta ao consumidor demandar o comerciante, como garantia da obtenção da reparação do dano sofrido.

4.10 O DIREITO DE REGRESSO E O DESCABIMENTO DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE

O caráter solidário da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço/responsabilidade por acidentes de consumo determina que, havendo mais de um responsável pela colocação do produto, ou serviço defeituoso à disposição dos consumidores, todos podem ser demandados, e a responsabilidade de um não exclui a do outro, nos termos do art. 7º, § ún, e do art. 25, § 1º, do CDC.

Nesse caso, caberá, ao que pagar, o direito de regresso contra os demais fornecedores res-ponsáveis, segundo sua participação na ocorrência do evento danoso (art. 13, § ún.), podendo ele ser exercido em processo autônomo ou nos mesmos autos, mas não através de denunciação da lide (art. 88).

24 MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais. São Paulo: RT, 2003, p. 240. 25 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 339.

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A vedação ao instituto da denunciação da lide encontra respaldo na própria prioridade do microssistema consumerista, qual seja, a reparação do dano ao consumidor. Sendo essa a finalidade máxima, tem-se que instrumentos processuais que visem à discussão acerca do repasse de parte do dever indenizatório a outros membros da cadeia produtiva devem ser excluídas da lide que envolve diretamente o consumidor, tendo em vista o seu melhor interesse no rápido deslinde do feito.

4.11 RESPONSABILIDADE DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Embora como regra geral, em termos de responsabilização civil por acidente de consumo, tenhamos consagrada a responsabilidade objetiva, o CDC estabeleceu que, no que se refere à res-ponsabilização de profissionais liberais, haja uma quebra da regra da objetividade, prevalecendo a responsabilidade subjetiva. É o que dispõe a regra do ar. 14, § 4°, do CDC, ao prever que a respon-sabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Isso signi-fica que os requisitos para a configuração do dever de indenizar abrangem, além do defeito no bem/prestação do serviço, do dano causado por ele e do nexo de causalidade entre esses dois ele-mentos, a atuação, do profissional, com negligência, imprudência ou imperícia.

Por profissional liberal entende-se aquele que exerce suas atividades por conta própria. É o médico que cuida dos seus pacientes no seu consultório ou os interna em determinados hospitais; é o advogado que atende seus clientes em seu escritório26. A maioria dos exemplos não está relacio-nada diretamente com a profissão de quem a exerce, embora se possa estabelecer essa tendência em relação a algumas categorias (médico, advogado, dentista, administrador, etc.), mas sim, como o modo por meio do qual trabalha.

A diferenciação no regime de responsabilidade desse tipo de profissional, exigindo-se a aná-lise do elemento subjetivo para sua configuração, funda-se em duas razões principais. A primeira está relacionada ao fato de que, (i) na maior parte das vezes, os serviços prestados por esses profis-sionais possui natureza intuitu personae, sendo eles contratados pelo consumidor com base no prestígio e na confiança suscitados em seus cliente e (ii) as obrigações decorrentes da prestação caracterizam-se, em regra, por serem obrigações de meio – e não de resultado. Assim, o compro-misso desses profissionais refere-se ao emprego de técnicas adequadas na prestação e na regulari-dade das diligências realizadas27.

Outro ponto de destaque referente à responsabilidade dos profissionais liberais elencado pela doutrina guarda estrita relação com o âmbito processual. Chama-se a atenção para o fato de que a perquirição pela análise do elemento subjetivo na configuração do dever de indenizar não autoriza a inversão do ônus da prova no que tange à culpa do profissional liberal, embora essa in-versão esteja autorizada a ocorrer em relação à ocorrência do fato e em relação ao nexo causal entre ele e o dano, vinculados à autoria. Pensar de forma contrária deixaria a cargo do julgador a revogação da garantia da responsabilização subjetiva do sujeito28.

Ainda, em relação ao entendimento doutrinário acerca da aplicação do dispositivo em co-mento, parte da doutrina advoga no sentido de que ele só aplica apenas quando há a contratação de profissional liberal que desempenha autonomamente o seu ofício no mercado de trabalho atra-vés de contrato negociado – no qual há igualdade de poderes contratuais entre as partes –, ficando excluídos do regime do art. 14, § 4º os contratos de adesão celebrados com sociedades civis ou associações profissionais.

26 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Responsabilidade Civil no Novo Código Civil. In: Revista de Direito do Consumidor. nº 48. São Paulo: Revista dos Tribunais. Out./Dez. de 2003, p. 69 – 84. 27 ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 61. 28 ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 61-62.

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Por fim, essa regra não permite pensar que a exclusão da disciplina da responsabilidade ob-jetiva se confunde com a exclusão da aplicação das regras do CDC. Nos demais casos previstos no CDC, as normas aplicadas aos profissionais liberais não diferem das aplicadas aos outros fornecedo-res.

4.12 VÍTIMAS DE ACIDENTES DE CONSUMO

Na análise daqueles que podem vir a ser indenizados pelos danos sofridos em razão de um aci-dente de consumo, deve-se considerar a disposição constante no capítulo referente à responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço. Assim, prevê o art. 17 a equiparação a consumidor de todas as vítimas do evento. A extensão justifica-se pela potencial gravidade que pode assumir a difusão de um produto ou serviço no mercado. Tutela-se, assim, o consumidor direto e o indireto por equiparação, em função da potencial gravidade que pode atingir o fato do produto ou do serviço.

Portanto, conclui-se que, além daqueles que fazem parte da relação de consumo, isto é, do consumidor direto que figura na contratação com o fornecedor, podem vir a ser indenizados pelos danos decorrentes de fato do produto ou do serviço pessoas alheias à relação, mas que venham a sofrer os efeitos (danos) decorrentes do defeito.

4.13 PRAZO PRESCRICIONAL A prescrição está associada à ocorrência de um fato do produto ou serviço, também deno-

minado acidente de consumo (arts. 12 a 14 do CDC). O art. 27, CDC dispõe que, em relação aos danos causados por fato do produto ou do serviço, vale dizer, nos acidentes causados por defeitos dos produtos e serviços, o prazo é prescricional e de 5 anos, contados a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

5.1 VÍCIOS DOS PRODUTOS OU SERVIÇOS

A disciplina da responsabilidade por vícios do produto ou do serviço diz respeito aos vícios de adequação inerentes ao produto ou serviço. O termo “vício” permite referir qualquer problema relacionado ao produto ou ao serviço que, de alguma forma, prejudique sua funcionalidade e os tornem imperfeitos para o fim ao qual se destinam.

Na análise do vício, ao contrário do que vimos em relação ao fato, a falha não extrapola a es-fera do produto ou serviço. Nessa mesma linha, não atinge pessoalmente a figura do consumidor, de forma a lhe causar um dano material, físico ou moral. É a falha sem acidentes ou consequências graves.

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Em outras palavras, os vícios correspondem a violações referentes a aspectos de qualidade ou quantidade presentes em determinado produto ou serviço que os tornem impróprios ou inade-quados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor. Consideram-se vícios, ademais, os decorrentes da disparidade entre a realidade do bem ou serviço e as indicações constantes do reci-piente, da embalagem, da rotulagem, da oferta ou da mensagem publicitária, respeitadas as varia-ções decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas nos termos do caput do art. 18 do CDC.

Ainda, consideram-se impróprios ao uso e consumo, nos termos do art. 18, § 6°, do CDC: (i) os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; (ii) os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; (iii) os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam. Além disso, de acordo com o art. 20, § 2°, do CDC, são impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.

Na ocasião de ser fornecido algum serviço de reparação, o art. 21 impõe que, no forneci-mento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto, considerar-se-á im-plícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante. A ressalva se dá, quanto a estes últimos, por autorização em contrário do consumidor. A inobservância desse dever faz com que fique caracterizada a impropriedade do serviço prestado, bem como a inadequação da peça utiliza-da como componente do produto final, ensejando a aplicação das sanções previstas nos arts. 18 ou 20, com vistas à reposição da peça ou reexecução do serviço.

O motivo da tutela contra tais vícios é que o fornecedor está obrigado a colocar no mercado de consumo produtos e serviços de boa qualidade – sem vício ou defeitos –, não podendo exonerar-se de tal dever (arts. 24 e 25). Esse mandamento, contudo, não impede que os fornecedores possam colocar no mercado produtos com vícios leves, mediante redução do seu preço, como ocorre nas liquidações ou campanhas realizadas por determinadas lojas. Para tanto, contudo, devem informar ostensivamente qual o vício existente no produto, bem como, por cautela, fazer constar na nota fiscal de venda as razões da redução do preço, sob pena de se presumir não viciado o produto.

5.1.1 ESPÉCIES DE VÍCIOS DE ADEQUAÇÃO

Os vícios de adequação podem ser classificados por meio de alguns critérios. São eles:

A) Quanto à natureza:

a) Vícios de qualidade: referem-se àqueles vícios que tornam impróprios (seja por (i) esta-rem com o prazo de validade vencido; (ii) estejam deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos, perigosos, em desacordo com as normas ou, ainda (iii) por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam), inadequados ao con-sumo, diminuam o valor do produto ou serviço ou estejam em desacordo com as informações da oferta. Os arts. 18 e 20, do CDC tratam dessa modalidade de vício.

b) Vícios de quantidade: são os decorrentes da disparidade entre o conteúdo do produto e as indicações constantes no recipiente, embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, ressalva-das as variações decorrentes da natureza do produto, de acordo com padrões fixados por entidades governamentais, que não são vícios de qualidade. Os arts. 18, 19 e 20, do CDC são responsáveis por abordar esse tipo de vício.

29 29

No que se refere aos serviços, o CDC não utilizou a expressão “vícios de quantidade”, como o fez para os produtos. Restringiu-se à descrição de tais vícios (art. 20: “por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária”). Na prática, essa modalidade de vício é verificada quando uma instituição de ensino oferta um curso com determina-do número de horas e conteúdo programático mínimo e essas especificações não são cumpridas em sua totalidade.

B) Quanto à perceptibilidade:

a) Aparentes: são aqueles de fácil constatação pelo consumidor, perceptíveis desde a entre-ga do bem, não estando ele de acordo com as funcionalidades a que se destina. Exemplo disso é o defeito na forma de determinado objeto, que não coaduna com os padrões ordinários. Esse tipo de vício está previsto no art. 26, caput, CDC.

b) Ocultos: são aqueles de difícil constatação que só podem ser verificados após o efetivo uso do bem. Assim, a identificação não ocorre no momento de sua aquisição, já que o bem pode estar aparentemente sem nenhum defeito, mas aparece apenas durante o seu uso, com a alteração do estado inicial. Exemplo disso se dá, por exemplo, com a constatação, após o uso, de vício em aparelho celular que impede a sua funcionalidade normal. Essa modalidade de vício está prevista no art. 26, § 3º, CDC.

5.2 INCIDENTES DE CONSUMO

A responsabilidade por vícios do produto ou do serviço diz respeito ao vício que causa o in-cidente de consumo. Aqui, trata-se fundamentalmente um prejuízo de ordem econômica, intrínseco e decorrente da perda da utilidade do próprio produto ou serviço. Por isso o CDC distinguiu e esta-beleceu disposições diferenciadas para uma (fato do produto ou serviço) e outra (vício do produto ou serviço).

Apesar de a primeira categoria estar diretamente relacionada a agressões à saúde ou à segu-rança do consumidor e parecer, em uma primeira análise, causador de prejuízos mais graves do que os decorrentes dos vícios, não se deve condenar essa análise a essa impressão inicial. Isso porque o número de casos de incidentes de consumo é substancialmente maior do que os de acidente de consumo, sendo que os prejuízos apresentam um volume bastante relevante para os consumidores.

5.3 DISTINÇÃO ENTRE INCIDENTES E ACIDENTES DE CONSUMO

Os incidentes de consumo estão diretamente ligados ao vício do produto ou serviço, e cor-respondem a uma característica inerente, intrínseca ao produto ou serviço e que atinge apenas ele ou o seu funcionamento. Assim, no vício, o problema encontrado no produto ou no serviço frustra o consumidor tão somente pelo erro encontrado neles próprios, acarretando o mau ou inviável fun-cionamento.

Já no que se refere aos acidentes de consumo, tem-se que eles estão relacionados ao fato do produto ou serviço, acarretando vício por insegurança ou ameaça à vida acrescido de um problema externo. Isso significa que, além do defeito que acarreta o mau funcionamento, há uma lesão ao patrimônio material ou moral do consumidor, pois expõe ou causa risco à esfera particular do con-sumidor, causando dano à segurança ou à saúde dele (dano material, estético e/ou moral).

30 30

A doutrina define que a palavra-chave, neste ponto, seja o defeito. Ainda que ambos decor-ram de um defeito do produto ou do serviço, no fato do produto ou do serviço o defeito é tão grave que provoca um acidente que atinge o consumidor, causando-lhe dano material ou moral. O defeito compromete a segurança do produto ou serviço. Por outro lado, vício é defeito menos grave, cir-cunscrito ao produto ou serviço em si; um defeito que lhe é inerente ou intrínseco, que apenas causa o seu mau funcionamento ou não funcionamento29.

Assim, temos que o seguinte esquema sintetiza a distinção:

FATO DO PRODUTO

(ACIDENTE DE CONSUMO)

DEFEITO + LESÃO A BEM JURÍDICO DO CON-SUMIDOR

- Enseja dano material, estético e/ou moral

VÍCIO DO PRODUTO

(INCIDENTE DE CONSUMO)

PROBLEMA INTRÍNSECO QUE FAZ SOMENTE COM QUE O PRODUTO NÃO FUNCIONE OU

NÃO TENHA A QUALIDADE OU QUANTIDADE ESPERADA

O tratamento jurídico dispensado a cada um desses regimes é próprio, tendo em vista a dife-rença na sua caracterização e nos efeitos que cada modalidade acarreta.

5.4 RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA DO FORNECEDOR DE PRODUTOS OU SERVIÇOS COM VÍCIOS DE QUALIDADE OU QUANTIDADE

A responsabilidade por vício do produto e do serviço pode ser conceituada como aquela a-tribuída ao fornecedor por anormalidades que, sem causarem riscos à saúde e à segurança do con-sumidor, afetam a funcionalidade do produto ou do serviço nos aspectos qualidade e quantidade, tornando-os impróprios ou inadequados ao consumo ou lhes diminuindo o valor, bem como aque-les decorrentes da divergência do conteúdo com as indicações constantes do recipiente, da embala-gem, rotulagem ou mensagem publicitária30.

Da mesma forma que a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, a responsabilida-de por vício é objetiva. A adoção da teoria objetiva representou um avanço substancial para a repa-ração integral dos danos sofridos pelos consumidores. Deriva diretamente da escolha pela prioriza-ção da efetiva reparação do prejuízo da vítima e a defesa de seus direitos.

Caso não se tivesse optado pela desnecessidade de verificação do elemento subjetivo para a configuração do dever de indenizar, o consumidor, parte vulnerável na relação, teria suas preten-sões frustradas na maioria das demandas, já que a produção de provas acerca da culpa do fornece-dor traria um encargo processual difícil de ser suportado pelo consumidor.

Além de estabelecer que a responsabilidade civil tem caráter objetivo, o Código de Defesa do Consumidor quis garantir ainda mais a proteção ao seu destinatário, dispondo a respeito da solidariedade entre os legitimados passivos no dever de indenizar. Assim, dispõe a legislação que os

29 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 208. 30 ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 68.

31 31

fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade.

Nesse sentido, diferentemente do que prevê o art. 12 do CDC, em relação à responsabilida-de pelo fato do produto ou serviço, hipótese em que se optou por especificar cada um dos fornece-dores (fabricante, produtor, construtor e importador), no art. 18 foi utilizada a expressão “fornece-dores”, fazendo menção a gênero, representação maior da solidariedade de todos os que integram a cadeia de fornecedores. Assim, poderá o consumidor, por exemplo, reclamar o vício de uma TV que não liga perante o comerciante, sem precisar dirigir-se ao fabricante31.

5.5 RESPONSABILIDADE POR VÍCIO DO SERVIÇO E OPÇÕES DO CONSUMIDOR

O art. 20, do CDC determina que o fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualida-de que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor (vícios de qualidade), assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária (vícios de quantidade).

Tendo em vista que a responsabilidade aqui também é objetiva, ou seja, independente de culpa, os pressupostos para esse dever de reparar são: a) defeito no serviço; b) evento danoso; c) relação de causalidade entre o defeito do serviço e o dano.

Em relação à caracterização dos serviços impróprios, o próprio art. 20, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor os define, dispondo que são impróprios os serviços que (i) se mostrem ina-dequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, (ii) bem como aqueles que não aten-dam as normas regulamentares de prestabilidade.

Assim, verificada a ocorrência do vício no serviço, o consumidor vulnerável poderá exigir, al-ternativamente e à sua escolha:

1) a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;

Após a ocorrência do dano, verifica-se que é recorrente que o consumidor não mais deposi-te confiança no fornecedor que perpetrou o equívoco. Por essa razão, o art. 20, § 1º, do CDC dispôs que a reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacita-dos, por conta e risco do fornecedor.

2) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de even-tuais perdas e danos;

3) o abatimento proporcional do preço.

Caso opte por essa última opção, é necessário ter em mente que a pretensão de abatimento do preço deve respeitar a proporção entre a parcela da prestação efetivamente cumprida, e o com-prometimento causado pelo vício do serviço, sem prejuízo do direito à indenização por perdas e danos, quando apurados prejuízos ressarcíveis32.

31 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 479. 32 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 426.

32 32

5.6 POSSIBILIDADE DE O FORNECEDOR DE SANAR O VÍCIO: CABIMENTO E PRAZO

Visando à garantia de que o consumidor irá obter a devida reparação pelo dano sofrido, o legislador consumerista previu que, constatado o vício do produto, o fornecedor teria o direito de reparar o defeito no prazo máximo de 30 dias (art. 18, § 1°, do CDC).

Em outras palavras, a legislação acabou por facultar ao fornecedor a possibilidade de sanar o vício verificado no bem comercializado no mercado. Essa prerrogativa, no entanto, deve ser sopesa-da diante da necessidade do consumidor da regular utilização do objeto da relação de consumo.

Sendo assim, estabelece-se o prazo de 30 dias para que o vício seja sanado, devendo esse período de tempo imperar no trato entre as partes. Ainda que essa seja a previsão geral, tem-se que o art. 18, § 2°, do CDC faculta às partes convencionar a redução ou ampliação desse prazo, estabele-cendo como parâmetro que ele não seja inferior a 7 nem superior a 180 dias. Se a flexibilidade dessa cláusula for estabelecida no âmbito de um contrato de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor.

Nesse sentido, o E. STJ posiciona-se pela necessidade de o fornecedor sanar o vício no prazo de 30 dias:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. VEÍCULO ZERO. VÍCIO DE QUALI-DADE. JULGAMENTO ULTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 18 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - CDC. OPÇÕES ASSEGURADAS AO CON-SUMIDOR. SUBSTITUIÇÃO DO PRODUTO POR OUTRO DA MESMA ESPÉCIE EM PERFEITAS CONDIÇÕES DE USO. ESCOLHA QUE CABE AO CONSUMIDOR.

(...)

2. Nos termos do § 1º do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor - CDC, caso o vício de qualidade do produto não seja sanado no prazo de 30 dias, o consumidor poderá, sem apresentar nenhuma justificativa, optar entre as alternativas ali contidas, ou seja: (I) a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas con-dições de uso; (II) a restituição imediata da quantia paga; ou (III) o abatimento pro-porcional do preço.

3. Assim, a faculdade assegurada no § 1º do art. 18 do Estatuto Consumerista permite que o consumidor opte pela substituição do produto no caso de um dos vícios de qualidade pre-vistos no caput do mesmo dispositivo, entre eles o que diminui o valor do bem, não exigindo que o vício apresentado impeça o uso do produto.

(...)

10. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.

(REsp 1016519/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 11/10/2011, DJe 25/05/2012)

5.6.1 OPÇÕES DO CONSUMIDOR PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA

Verificada a ocorrência de um vício em produto ou serviço ofertado no mercado, surge a possibilidade, para o consumidor, de tomar as seguintes providências, de acordo com a modalidade do vício constatado:

33 33

Vício de qualidade do produto

Constatada a existência de vício na qualidade do produto, como uma primeira opção, facul-ta-se ao consumidor exigir a substituição das partes viciadas, no prazo legal de 30 dias ou eventual prazo convencionado pelas partes da relação de consumo (mínimo de 7 e máximo de 180 dias) para que o fornecedor venha a sanar o problema, facultando-se a ele o exercício de seu direito potestati-vo de tentar resolver o vício. Tendo transcorrido esse período sem que tenham sido tomadas provi-dências, o consumidor pode vir a tomar algumas atitudes previstas na lei.

Assim, subsidiariamente, caso a primeira opção não venha a ser cumprida pelo fornecedor, o consumidor, alternativamente e à sua escolha, poderá requerer, nos termos do art. 18, § 1°, CDC:

1) a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca e modelo, em perfeitas condições de uso;

Nesse caso, se o consumidor tiver praticado essa escolha e não mais for possível ao forne-cedor substituir o bem por outro idêntico, poderá haver a substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço (art. 18, § 4º, e art. 19, § 1º).

2) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

3) o abatimento proporcional do preço.

Além desse regime de soluções por opções, o CDC também elenca um regime de solução única, que permite que o consumidor faça uso imediato das alternativas de (i) exigência de substitu-ição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; (ii) exigência de resti-tuição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou (iii) o abatimento proporcional do preço sempre que, em razão da extensão do vício, quando a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.

Vício de quantidade no produto

Constatada a existência de vício na quantidade no produto, o consumidor poderá exigir, al-ternativamente e à sua escolha, de acordo com o disposto no art. 19, CDC:

1) o abatimento proporcional do preço;

2) complementação do peso ou medida;

3) a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os alu-didos vícios;

Nesse caso, se o consumidor tiver praticado essa escolha e não mais for possível ao forne-cedor substituir o bem por outro idêntico, poderá haver a substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço (art. 18, § 4º, e art. 19, § 1º).

4) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.

Como contrapartida, deverá o consumidor devolver o produto defeituoso, como conse-quência da resolução contratual. Ainda, as perdas e danos aqui previstas não se confundem com os decorrentes do fato do produto. Na hipótese ora em análise, o dever de indenizar deriva da inexe-cução contratual, devendo ser indenizadas as despesas feitas para a contratação, como por exem-plo: a guarda da mercadoria, o transporte.

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Vício de qualidade ou de quantidade no serviço

Constatada a existência de vício na qualidade ou de quantidade no serviço, o consumidor poderá exigir, alternativamente e à sua escolha, de acordo com o disposto no art. 20, CDC:

1) a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;

A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, mas desde que por conta e risco do fornecedor, de acordo com o que reza o art. 20, § 1º, do CDC.

2) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

Nesse caso, como contrapartida à restituição da quantia paga, será exigida a devolução do produto defeituosos pelo consumidor, como efeito automático da resolução contratual. Além disso, as perdas e danos aqui previstas não se confundem com aquelas decorrentes do fato do produto. No caso desse dispositivo, o dever de indenizar deriva da inexecução contratual, devendo ser res-sarcidas as despesas feitas para a contratação, como por exemplo: a guarda da mercadoria, o trans-porte.

3) o abatimento proporcional do preço.

5.7 SUJEITOS PASSIVOS

Em caso de vícios de qualidade ou quantidade do produto ou do serviço, são responsáveis, de regra, solidariamente, todos os fornecedores que participaram da cadeia de distribuição daquele (arts. 18, 19 e 20 do CDC). Em outras palavras, ao contrário do que ocorre nos casos de responsabi-lidade pelo fato do serviço, não foi conferido o privilégio ao comerciante de responder apenas sub-sidiariamente.

Por outro lado, em alguns casos excepcionais, o CDC regulou de forma especial a sujeição passiva da responsabilidade pelos vícios do produto ou serviço. Eles são:

a) No caso de produto in natura, quando não puder ser identificado claramente o seu produtor, apenas o fornecedor imediato será responsabilizado (art. 18, § 5º, do CDC);

Os produtos in natura correspondem ao agrícola e ao pastoril, introduzidos no mercado sem passar por qualquer processo de industrialização, apesar de poderem ter a sua forma de apre-sentação alterada em função da embalagem ou acondicionamento.

A discriminação feita por esta norma justifica-se na medida em que, quando se trata de produto in natura, é difícil ou impossível identificar o produtor, bem como porque tais bens correm o risco de deteriorarem-se nas prateleiras do comerciante.

Tendo em vista que o dispositivo estabelece uma presunção relativa de culpa do fornece-dor imediato, este deixará de ser o único responsável quando demonstrar que o produtor foi o causador do vício do produto.

b) No caso vícios de quantidade em produtos pesados ou medidos pelo fornecedor ime-diato e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo padrões oficiais (art. 19, § 2º, do CDC).

Nessa hipótese, prevista no artigo 19, § 2º, do CDC, apenas o fornecedor imediato será o responsável, pois foi somente ele que deu causa ao vício de quantidade, não havendo razões para estender a responsabilização ao produtor.

Por fim, não ficará isento do dever de sanar os vícios o fornecedor que não souber da exis-tência deles (art. 23) e nem os prestadores de serviços públicos (art. 22), que também poderão ser demandados com base nas regras consumeristas.

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5.8 PRAZO PARA RECLAMAÇÃO QUANTO A PRODUTOS OU SERVIÇOS DURÁVEIS OU NÃO-DURÁVEIS A legislação consumerista determina alguns prazos a serem aplicados em matéria de vícios

de qualidade e de quantidade do produto ou do serviço e de fato do produto ou do serviço. A deca-dência está diretamente vinculada à configuração do vício (qualidade ou quantidade) do produto ou serviço (arts. 18 a 25 do CDC).

Assim, primeiramente, no que se refere aos dispõe o art. 26, CDC que o direito de reclamar pelos vícios em produtos ou serviços, desde que eles sejam aparentes ou de fácil constatação ca-duca em:

30 dias em caso de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis

90 dias em caso de fornecimento de serviço e de produtos duráveis

Tais prazos deverão ser observados, sob pena de que o destinatário decaia no seu direito e acabe suportando todos os custos decorrentes da impropriedade verificada.

A contagem desse prazo decadencial, em sendo o vício aparente, tem seu termo inicial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.

Por outro lado, em se tratando de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito (art. 26, § 3°, CDC).

A contagem do curso dos prazos aí referenciados é obstada por algumas situações previstas na lei: (i) a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca; e (ii) a instauração de inquérito civil, até seu encerramento. Com isso, tem-se que o prazo correspondente fica paralisado, suspenso durante o período aí indicado, até completar o seu curso completo.

5.9 GARANTIA LEGAL

A garantia legal corresponde ao prazo pelo qual o fornecedor se estabelece como garantidor da qualidade do produto ou serviço. Isso significa que, se dentro desse prazo surgir o vício, o forne-cedor responderá.

No que se refere aos prazos para reclamar a garantia, tem-se que eles correspondem aos de-cadenciais previstos no art. 26, do CDC: para vícios aparentes ou de fácil constatação, tem-se que o CDC, em seu art. 26, § 1º, estabelece que o prazo decadencial de 30 (serviço e produtos não durá-veis) ou 90 (serviço e produtos duráveis) dias inicia-se desde a entrega efetiva do produto ou do término da execução do serviço. A razão para tanto é que o vício pode ser facilmente constatado, já que independe do uso do produto ou do serviço. Assim, o consumidor perceberá a sua existência desde o primeiro momento em que entrou em contato como o produto ou serviço. Por outro lado, em se tratando de vício oculto, ou seja, que não pode ser percebido desde logo e que é constatado após algum tempo de uso do produto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evi-denciado o defeito (art. 26, § 3°, CDC).

A garantia legal de produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor. Assim, tem-se que ela não poderá ser afastada por convenção das partes, dado seu caráter cogente.

36 36

5.10 GARANTIA CONTRATUAL

A garantia legal de adequação, qualidade, durabilidade, desempenho e segurança dos pro-dutos ou serviços (arts. 4º, inc. II, al. ‘d', e arts. 8º ao 25) é obrigatória, inderrogável e independe de termo expresso. Isso, contudo, não impede que o fornecedor, de livre e espontânea vontade, esta-beleça uma garantia convencional, não obrigatória, que não excluirá aquela, sendo um plus em favor do consumidor, nos termos do art. 50 do CDC.

Por ser uma faculdade do fornecedor, os seus termos e o seu prazo ficarão a critério exclusi-vo do responsável. No entanto, ao estabelecê-la, ele deve observar os requisitos criados pelo art. 50, § ún., do CDC, que já devem estar preenchidos no momento da conclusão do contrato. Dessa forma, a garantia deve estar prevista em termo expresso, ser formulada de forma escrita – a qual é de substância do ato –, padronizada, de forma a atingir os consumidores daquele produto ou servi-ço de forma uniforme. Deve, ainda, conter a determinação do que consiste a garantia; forma, prazo e lugar em que pode ser exercida; os ônus a serem suportados pelo consumidor.

Por ser complementar à legal, a garantia contratual se acumula àquela. Assim, existindo es-ta, haverá a suspensão do termo de início da garantia legal, a fim de que o consumidor seja efeti-vamente beneficiado, com a existência de um prazo complementar. Dessa forma, somente após o término da garantia contratual passa a transcorrer a garantia legal. Isso, contudo, na hipótese de terem as duas garantias objetos idênticos, pois se a garantia contratual for apenas em relação a uma determinada espécie de vício, apenas quanto a estes fica suspensa a garantia legal, que, em relação aos demais, já corre desde a efetiva entrega do bem.

6.1 DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

O diploma consumerista previu expressamente a possibilidade de desconsideração da per-sonalidade da pessoa jurídica em seu art. 28, como uma das formas de tutela do consumidor, parte vulnerável da relação jurídica. O efeito da aplicação desse instituto, na prática, revela-se na facilita-ção do ressarcimento dos danos causados aos consumidores por fornecedores pessoas jurídicas, pois ela permite o afastamento casuístico da personalidade jurídica da sociedade para se alcançar o patrimônio dos sócios e administradores, sempre com a finalidade última de ressarcir os prejuízos verificados pelo consumidor.

Nesse sentido, o art. 28, do CDC permite que o magistrado venha a desconsiderar a persona-lidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, forem verificadas algumas situações:

37 37

1. abuso do direito;

2. excesso de poder;

3. infração da lei;

4. fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou do contrato social (irregularidades).

A segunda parte do dispositivo em comento permite que a desconsideração também seja efetivada quando houver:

1. falência;

2. estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Nesse sentido, percebe-se que o CDC não arrola nenhuma outra exigência para a desconsi-deração da personalidade jurídica, tal qual faz o CC (que, em seu art. 50, exige demonstração do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial). Isso porque, no âmbito de aplicação da legislação protetiva ao consumidor, adotou-se a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, por meio da qual basta a insolvência do fornecedor para legitimar a desconsideração da personali-dade jurídica.

Ainda, o § 5º do mesmo artigo prevê outra hipótese autorizadora da desconsideração, que poderá ocorrer sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Tem-se aí uma espécie de cláusula geral da desconsideração, ao estabelecer a viabilidade da perda da personalidade sempre que esta for obstáculo para o res-sarcimento do consumidor. Nesse caso, não houve alusão a abuso de direito ou qualquer irregulari-dade, caracterizando-se como verdadeira norma concretizadora do art. 6º, inc. VI, do CDC, que estabelece como direito básico do consumidor a efetiva reparação de danos33.

Importante notar ainda que a decisão judicial que desconsidera a personalidade jurídica não implica a dissolução da sociedade, mas o seu afastamento momentâneo e casuístico, para que, naquela lide, haja a reparação do dano causado ao consumidor. Ademais, caso o juiz decrete a des-consideração da personalidade jurídica, o patrimônio atingido será o do proprietário, do acionista controlador e do sócio majoritário.

A despeito de a literalidade do dispositivo prever que o juiz poderá desconsiderar a persona-lidade jurídica da sociedade, tem-se que parte da doutrina identifica aí um dever. Assim, o juiz não tem o poder, mas o dever de desconsiderar a personalidade jurídica sempre que estiverem presen-tes os requisitos legais previstos no art. 28, CDC34. Por outro lado, outra parcela da doutrina enten-de facultativa ao juiz a decretação da desconsideração da personalidade jurídica, devendo ser anali-sado os seguintes requisitos: (i) lesão ao patrimônio do consumidor; (ii) patrimônio da pessoa jurídi-ca insuficiente; (iii) prática de atos fraudulentos ou encerramento das atividades da empresa.

Como consequência do método escolhido pelo CDC, de imputar de forma objetiva deveres solidariamente a todos os fornecedores da cadeia, tem-se que o art. 28, caput, e o § 5º, permitem a desconsideração de toda e qualquer sociedade, inclusive subsidiárias, coligadas, consorciadas, em caso de abuso de direito e sempre que a sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento dos consumidores.

33 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 584. 34 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 716.

38 38

Entretanto, é necessário ressaltar que, apesar de inseridos na seção que versa sobre a des-consideração da personalidade jurídica, os §§ 2º e 4º do art. 28, versam sobre a responsabilidade subsidiária das sociedades integrantes dos grupos societários e das sociedades controladas e a res-ponsabilidade solidária das sociedades consorciadas. Em relação às sociedades coligadas, o CDC criou uma prerrogativa, pois estas serão solidariamente responsabilizadas apenas se agirem com culpa, inserindo-se aí a necessidade de análise do elemento subjetivo.

7.1 INTRODUÇÃO

As práticas comerciais abrangem as técnicas e os métodos utilizados pelos fornecedores para fomentar a comercialização dos produtos e serviços destinados ao consumidor, bem como os me-canismos de cobrança e serviço de proteção ao crédito.

O Código de Defesa do Consumidor previu, em relação às práticas comerciais, que se equipa-ram aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas (art. 29). Assim, as disposições ali previstas aplicam-se não somente ao consumidor que figura como parte na relação de consumo, mas sim, a toda a coletividade, dado o caráter de ordem pública das normas ali constantes.

7.2 A OFERTA

Em termos gerais, oferta corresponde à declaração inicial de vontade direcionada à celebra-ção de um contrato, o qual se perfectibiliza com a aceitação pela outra parte. No âmbito do Direito do Consumidor, é tratada como sinônimo de marketing, correspondendo aos métodos, técnicas e instrumentos que aproximam o consumidor dos produtos e serviços colocados à sua disposição no mercado pelos fornecedores. Qualquer dessas técnicas, desde que suficientemente precisa, pode transformar-se em veículo eficiente de oferta vinculante35. Nesse ponto, o CDC passou a vincular o fornecedor às manifestações publicitárias, assegurando-se sua seriedade e veracidade, evitando-se a “publicidade-chamariz”.

A oferta no âmbito do Direito do Consumidor (arts. 30 a 35, CDC) é similar ao instituto da proposta do ordenamento civilista geral (art. 427, CC), mas com ele não se confunde. Na seara con-sumerista, a oferta conta com alguns pontos de especificidade, tais como (i) a vinculação do forne-cedor presente na oferta regulamentada pelo CDC e a inexistência de tal obrigatoriedade no CC; (ii) a impossibilidade da revogação da oferta nas relações de consumo, como corolário do motivo ante-rior; situação diametralmente oposta encontramos nas relações pautadas pelo CC, que admite o não prevalecimento da proposta em algumas situações; (iii) o público-alvo protegido pelo CDC, que é diferente daquele tutelado pelo diploma civilista geral36.

35 BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do con-sumidor. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 274. 36 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 603.

39 39

Com o advento do novo Código Civil, entretanto, a distinção entre os dois institutos ficou mais tênue, pois aquele equiparou a proposta à oferta ao público (art. 429, CC). Então, hoje, para separar a oferta do CDC da oferta do CC, é necessário determinar a finalidade da oferta, pois, se verificado que ela é voltada ao público consumidor vulnerável, aplicar-se-á o CDC, e, quando volta-da aos comerciantes e empresários, a lei a ser aplicada será o CC.

Em relação às características, o art. 30, CDC dispõe que a oferta caracteriza-se por ser:

1) Toda informação ou publicidade suficientemente precisa e veiculada como característica de oferta.

A oferta não se restringe à publicidade. Assim, ainda que essa seja a sua principal manifesta-ção, ela possui uma conotação bem ampla.

2) Vincular o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar.

A vinculação relaciona o conceito de obrigatoriedade do cumprimento da oferta ao de sua irrevogabilidade. Nesse sentido, a vinculação atua por meio de duas linhas: (i) obrigando o fornece-dor, mesmo que se negue a contratar; (ii) introduzindo (e prevalecendo) em contrato eventualmen-te celebrado, inclusive quando seu texto o diga de modo diverso, pretendendo afastar o caráter vinculante37.

3) Integrar o contrato que vier a ser celebrado.

Ainda que não constante expressamente do teor das cláusulas contratuais, a oferta integra o contrato que vier a ser celebrado.

Além disso, o art. 31, do CDC, prestando homenagem ao princípio da boa-fé, dispõe que a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações abordando aspectos referentes às suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segu-rança dos consumidores, que sejam38:

- corretas: não enganosas, ou seja, são as mensagens verdadeiras, que não sejam capazes de induzir o consumidor em erro.

- claras: mensagens cristalinas de fácil compreensão por parte do vulnerável da relação jurí-dica de consumo.

- precisas: informação exata, pontualmente ligada ao produto ou serviço a que se refere;

- ostensivas: aquela facilmente captada, percebida e identificada pelo consumidor, sem a necessidade de maior empenho deste para sua assimilação.

- em língua portuguesa: embora a utilização do vernáculo, no entanto, não represente regra absoluta

Outro ponto de especificidade em relação à oferta refere-se aos fabricantes e importadores. Tem-se aqui que eles deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição do produto enquanto não cessar a fabricação ou importação do bem. Ainda que cessada, na fase pós-contratual, essa oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, nos termos expressos em lei.

37 BENJAMIN, Antônio Herman de V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do con-sumidor. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 215. 38 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 614-618.

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Além disso, nas ofertas ou nas vendas por telefone ou reembolso postal, além do dever de informação previsto no art. 31, o CDC impôs a expressa referência ao nome do fabricante e do seu endereço na embalagem, na publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial, a fim de impedir que o consumidor contrate com um fornecedor desconhecido, impossibilitando o exercício de seus direitos (art. 33 do CDC).

A legislação ainda veda a publicidade de bens e serviços por via telefônica, quando a cha-mada for onerosa ao consumidor.

7.3 PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO DA OFERTA E DA PUBLICIDADE

O princípio da vinculação da oferta e da publicidade, acolhido pelo regramento do CDC, faz com que a oferta feita pelo comerciante o obrigue perante o consumidor. Isso significa que ele estará obrigado a contratar pelos termos em que ofertou, prevalecendo tais disposições ao que for eventualmente disposto unilateralmente no contrato.

No entanto, é importante referir aqui que não é qualquer anúncio publicitário ou manifesta-ção do fornecedor que será caracterizado como oferta. Para que isso ocorra, é necessário que ela tenha sido veiculada por aquele que celebrará o contrato, ou seja, mencione os elementos essenci-ais do contrato que vai ser celebrado (objeto e preço). Sendo assim, a veiculação de campanha publicitária que apenas refere às qualidades do produto inseridas com exagero publicitário, mas sem verificação objetiva (por exemplo, o uso de expressões: “o melhor”, “o mais bonito”) não acar-reta a vinculação do fornecedor.

Como forma de garantir que a oferta vincule o anunciante, em cumprimento ao princípio da vinculação, a legislação consumerista previu que, caso o fornecedor de produtos ou serviços recuse cumprimento à oferta, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

- exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publici-dade;

- aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

- rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, mone-tariamente atualizada, e a perdas e danos.

Além disso, no que tange à responsabilização, o fornecedor do produto ou serviço é solida-riamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos (art. 34, CDC). Este dispositivo traz como consequência a ideia de que os deveres de boa-fé, de cuidado, de coope-ração, de informação, de transparência, de respeito à confiança depositada pelos consumidores serão imputados a todos estes fornecedores diretos, indiretos, principais ou auxiliares, e caberá a escolha, contra quem acionar ou a quem reclamar, somente ao consumidor39.

7.4 A OFERTA NÃO PUBLICITÁRIA: DEVER DE INFORMAR

No campo das relações de consumo, oferta é toda proposta de fornecimento de produto ou serviço, mediante apresentação (por exemplo, vitrina), informação (por exemplo, orçamento) ou publicidade (por exemplo, anúncios nos meios de comunicação). A finalidade é alcançar o consumi-

39 MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais. São Paulo: RT, 2003, p. 454.

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dor como provável cliente40. Assim, verifica-se que o conceito de oferta não se restringe à publici-dade, abrangendo também apresentação e orçamento.

Nesses casos, em que o conceito de oferta extrapola o de publicidade, tem-se que o dever de informar do fornecedor nas relações de consumo também incide. O art. 31, do CDC aplica-se a essa modalidade de oferta, ao determinar que deva conter informações corretas (verdadeiras, que não induzam o consumidor a erro), claras (de fácil compreensão), precisas (exatas, ligadas ao seu objeto), ostensivas (de fácil captação), e em língua portuguesa sobre as características físicas dos produtos (quantidade, qualidade, composição), sobre a sua repercussão econômica (preço e garan-tia), relativas à saúde do consumidor (prazo de validade e origem do produto) e à segurança do consumidor (informação sobre os riscos que podem advir do produto).

Portanto, conclui-se que, ainda que se trate de oferta não publicitária, incide o dever de in-formar, aplicando-se o art. 31, do CDC, em sua integralidade.

7.5 A LEI Nº 10.962/04

A lei nº 10.962/04 dispõe acerca da oferta e das formas de afixação de preços de produtos e serviços para o consumidor.

Nesse sentido, são admitidas as seguintes formas de afixação de preços em vendas a varejo para o consumidor:

No comércio em geral por meio de etiquetas ou similares afixados nos bens expostos à venda, e em vitrines, mediante divulgação do preço em caracteres legíveis

Em estabelecimentos comerciais onde o consumidor tenha acesso direto ao produto, sem interven-ção do comerciante mediante a afixação do preço do produto na embalagem, ou a afixação de código referencial, ou ainda, com a afixação de código de barras.

Nesses casos de utilização de código referencial ou de barras, caberá ao comerciante expor, de forma clara e legível, junto aos itens expostos, informação relativa ao preço à vista do produto, suas características e código.

Na impossibilidade de afixação de preços conforme essas exigências é permitido o uso de re-lações de preços dos produtos expostos/serviços oferecidos, de forma escrita, clara e acessível ao consumidor.

Ainda, de bastante relevância prática, o art. 5º do referido diploma legal dispõe que, no caso de divergência de preços para o mesmo produto entre os sistemas de informação de preços utiliza-dos pelo estabelecimento, o consumidor pagará o menor dentre eles.

7.6 O DECRETO Nº 5.903, DE 20 DE SETEMBRO DE 2006

O decreto nº 5.903, de 20 de setembro de 2006, regulamenta a lei no 10.962/04, que dispõe sobre a oferta e as formas de afixação de preços de produtos e serviços para o consumidor. Ainda, referido decreto dispõe sobre as práticas infracionais que atentam contra o direito básico do con-sumidor de obter informação adequada e clara sobre produtos e serviços, previstas no Código de Defesa do Consumidor.

Referido decreto faz algumas exigências em relação à disponibilização de informações ao consumidor. Assim, no que tange aos preços, tem-se a exigência de que eles sejam informados

40ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 81.

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adequadamente, de modo a garantir ao consumidor correção (a informação verdadeira que não seja capaz de induzir o consumidor em erro), clareza (informação que pode ser entendida de imedi-ato e com facilidade pelo consumidor, sem abreviaturas que dificultem a sua compreensão, e sem a necessidade de qualquer interpretação ou cálculo), precisão (a informação que seja exata, definida e que esteja física ou visualmente ligada ao produto a que se refere, sem nenhum embaraço físico ou visual interposto), ostensividade (informação que seja de fácil percepção, dispensando qualquer esforço na sua assimilação) e legibilidade (informação que seja visível e indelével) das informações prestadas.

Além disso, em relação à disposição, o decreto exige que os preços dos produtos e serviços expostos à venda devam ficar sempre visíveis aos consumidores enquanto o estabelecimento esti-ver aberto ao público. Essa informação não será passível de ser negligenciada ao consumidor, mes-mo em caso de montagem, rearranjo ou limpeza do estabelecimento em horário de funcionamento. Ademais, o preço de produto ou serviço deverá ser informado discriminando-se o total à vista.

Visando a tutelar o direito básico do consumidor à informação adequada e clara sobre os di-ferentes produtos e serviços, referido decreto dispõe que configuram infrações, sujeitando o forne-cedor às penalidades previstas no CDC, as condutas de, inclusive no âmbito do comércio eletrônico:

- utilizar letras cujo tamanho não seja uniforme ou dificulte a percepção da informação, con-siderada a distância normal de visualização do consumidor;

- expor preços com as cores das letras e do fundo idêntico ou semelhante;

- utilizar caracteres apagados, rasurados ou borrados;

- informar preços apenas em parcelas, obrigando o consumidor ao cálculo do total;

- informar preços em moeda estrangeira, desacompanhados de sua conversão em moeda corrente nacional, em caracteres de igual ou superior destaque;

- utilizar referência que deixa dúvida quanto à identificação do item ao qual se refere;

- atribuir preços distintos para o mesmo item; e

- expor informação redigida na vertical ou outro ângulo que dificulte a percepção.

8.1 INTRODUÇÃO

No âmbito do CDC, publicidade é conceituada como toda informação ou comunicação di-fundida com o fim direto ou indireto de promover, junto ao consumidor, a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, qualquer que seja o local ou o meio de comunicação utilizado. Assim, a publicidade está relacionada a um conjunto de técnicas de ações coletivas utilizadas no sentido de

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promover o lucro de uma atividade comercial, conquistando, aumentando ou mantendo cliente. É a mais importante ferramenta de incentivo ao consumo na atualidade.

Por outro lado, propaganda é definida como o conjunto de técnicas de ação individual utili-zadas no sentido de promover a adesão a um dado sistema ideológico. Nesse caso, a finalidade de consumo não está presente.

A legislação consumerista considera a publicidade como juridicamente relevante em três momentos: (i) quando caracterizar uma oferta e integrar o futuro contrato (art. 30); (ii) quando for abusiva ou enganosa, sendo proibida e sancionada (art. 37); (iii) como prática comercial, devendo ser identificável e correta nas informações que presta (art. 36).

8.2 PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE

A conferência de tratamento expresso à publicidade na legislação permite que sejam identi-ficados alguns princípios regentes de sua regulamentação, que, além de regular o trabalho publici-tário, destinam-se à proteção do consumidor. Nesse sentido, destacam-se:

8.2.1 PRINCÍPIO DA IDENTIFICAÇÃO DA MENSAGEM PUBLICITÁRIA (ART. 36, CDC)

A publicidade deve deixar expresso a para o consumidor que os dados e informações exibi-dos tem a finalidade de promover a venda de determinado bem. Assim, a publicidade só estará em consonância com esse princípio se o consumidor puder identificá-la de forma imediata e fácil.

Nesse sentido, algumas modalidades de publicidade podem vir a ser questionadas com base nesse dispositivo, tendo em vista que o seu intuito comercial nem sempre é facilmente aferível. São elas:

- Publicidade dissimulada41: é mensagem com conotação jornalística, de cunho redacional. Nesse caso, geralmente ocorre uma entrevista ou pesquisa em que o ator principal da publicidade se passa por um jornalista, mas o objetivo comercial de promover um produto ou um serviço é o seu enfo-que principal.

- Publicidade subliminar42: mensagem que não é percebida pelo consciente, mas é captada pelo inconsciente do consumidor. A legislação pátria condena quaisquer tentativas destinadas a produzir efeitos subliminares em publicidade ou propaganda.

- Publicidade clandestina — merchandising43: técnica de veiculação indireta de produtos ou serviços por meio da respectiva inserção no cotidiano da vida de personagens de novelas, filmes, programas de rádio ou TV, dentre outros. Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor não veda expres-samente a veiculação do merchandising, mas a doutrina entende pela necessidade de compatibili-zá-lo com o princípio da identificação fácil e imediata da publicidade, fornecendo elementos neces-sários para que o consumidor possa identificar o merchandising como publicidade, por meio da inserção de créditos.

41 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 648. 42 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 649. 43 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 650.

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8.2.2 PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO CONTRATUAL DA PUBLICIDADE (ART. 30, CDC)

O princípio da vinculação contratual da publicidade faz com que a oferta feita pelo comerci-ante o obrigue perante o consumidor. Isso significa que ele estará obrigado a contratar pelos termos em que ofertou, prevalecendo tais disposições ao que for eventualmente disposto unilateralmente no contrato. Sendo assim, a publicidade acaba por integrar o contrato.

Como forma de garantir que a oferta vincule o anunciante, em cumprimento ao princípio da vinculação, a legislação consumerista previu que, caso o fornecedor de produtos ou serviços recuse cumprimento à oferta, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

- exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publici-dade;

- aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

- rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, mone-tariamente atualizada, e a perdas e danos.

8.2.3 PRINCÍPIO DA VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES NA PUBLICIDADE (ART. 37, § 1º, CDC)

A publicidade, quando apresentar uma informação, deverá assegurar-se de que os dados ali inseridos são verdadeiros. Assim, qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, das características, da qualidade, da quantidade, das propriedades, da origem, do preço e de quaisquer outros dados sobre produtos e serviços é vedada. Considera-se aí informação inteira ou parcialmente falsa, ou mesmo que o seja por omissão.

A consagração de tal princípio pelo CDC se deu através da proibição de toda publicidade en-ganosa.

8.2.4 PRINCÍPIO DA NÃO-ABUSIVIDADE DA PUBLICIDADE (ART. 37, § 2º, CDC)

Esse princípio impõe que a publicidade não possa veicular informações ou dados que ve-nham a prejudicar o consumidor ou ofender valores básicos da sociedade brasileira. Assim, é veda-da a publicidade discriminatória, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se apro-veite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

8.2.5 PRINCÍPIO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA (ART. 38, CDC)

De acordo com esse princípio, o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. A razão para tanto é que o fornecedor está obrigado a agir de forma veraz e não-abusiva, a fim de não violar os direitos básicos do consumidor.

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8.2.6 PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO DA PUBLICIDADE (ART. 36, § ÚN., CDC)

De acordo com o princípio da transparência da fundamentação da publicidade, o fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem que veicula.

8.2.7 PRINCÍPIO DA CORREÇÃO DO DESVIO PUBLICITÁRIO (ART. 56, INC. XII, CDC)

Esse princípio dispõe que qualquer desvio publicitário deverá ser corrigido, de forma a repa-rar seu impacto sobre os consumidores. Assim, o art. 56, inc. XII, do CDC impõe que as infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, a algumas modalidades de san-ção, tal como a imposição de contrapropaganda, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas.

8.3 PUBLICIDADE ENGANOSA E ABUSIVA

Com o intuito de reforçar a regulamentação da publicidade presente pela legislação consu-merista, o CDC classificou como ato ilícito a publicidade enganosa e a abusiva.

8.3.1 PUBLICIDADE ENGANOSA

De acordo com o que dispõe o art. 37, § 1º do CDC, é enganosa qualquer modalidade de in-formação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Desse dispositivo, pode-se extrair a existência de duas modalidades de publicidade engano-sa:

1) publicidade enganosa por comissão: nesse tipo de publicidade, o fornecedor afirma algo que não é real ou mostra uma situação que não é confirmada pela realidade, tudo de forma capaz a induzir o consumidor em erro.

2) publicidade enganosa por omissão: nessa modalidade de publicidade, o fornecedor deixa de informar sobre dado essencial do produto/serviço. Assim, há ausência de informação so-bre dado relevante que, caso informado, poderia causar influência no comportamento do consumidor.

Sendo assim, a publicidade será enganosa se ela puder, ativa ou omissivamente, induzir ao erro o consumidor. O E. STJ já se manifestou a respeito da caracterização (ou não) da publicidade enganosa:

PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VÍCIO CONS-TATADO. ANÚNCIO DE VEÍCULO. VALOR DO FRETE. PROPAGANDA ENGANOSA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS MODIFICATIVOS.

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1. A Segunda Turma, em recente julgado, analisou o mérito dos autos - verificação se o a-núncio de vendas de automóveis, em que consta a não-inclusão do frete no rodapé, sem indicação de valor, é capaz de induzir a erro o consumidor, ensejando violação do art. 37, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor - afastando a incidência da Súmula 7/STJ.

2. Nesta oportunidade, este Superior Tribunal de Justiça esclareceu que, nos termos do art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar, entre outros dados, informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, garantia, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem.

3. Sendo assim, se o anúncio publicitário consignar que o valor do frete não está in-cluído no preço ofertado, dentro de um juízo de razoabilidade, não haverá, em princí-pio, publicidade enganosa ou abusiva, mesmo que essa informação conste no roda-pé do anúncio veiculado em jornal ou outro meio de comunicação impresso.

4. No caso, depreende-se dos autos que o anúncio não é absolutamente omisso quanto à parcela do preço do produto (frete).

5. Não fosse apenas isso, entender pela necessidade de fazer constar o valor do frete do produto em todos os anúncios, inviabilizaria as campanhas publicitárias de âmbito nacional, especialmente em nosso país de proporções continentais, em que essa parcela necessari-amente sofreria grandes variações.

6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para dar provimento do recurso especial.

(EDcl no REsp 1159799/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/10/2011, DJe 18/10/2011)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. MUDANÇAS SIGNIFICATIVAS NO MODELO DE AUTOMÓVEL DURANTE O MESMO ANO, FAZENDO REFERÊNCIA A A-NOS DISTINTOS. COEXISTÊNCIA DE OFERTA DE AMBOS OS MODELOS, COM RES-PECTIVOS PREÇOS. PROPAGANDA ENGANOSA NÃO CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 37, § 1º, DO CDC. RECURSO DESPROVIDO.

1. Não constitui prática comercial abusiva ou propaganda enganosa (CDC, art. 37, § 1º) o lançamento, no começo de um ano, de veículo de modelo já referente ao ano seguinte, desde que o modelo referente ao ano corrente, lançado ainda no ano ante-rior, continue sendo ofertado pelo fabricante durante o ano em exercício, coexistindo ambos os modelos.

2. No caso, o Ford Fiesta modelo 2007, lançado em meados de 2006, não foi retirado de oferta em 2007, ano em que coexistiu no mercado com o novo modelo 2008, lançado no i-nício de 2007, cabendo ao consumidor, então, a livre escolha entre os dois modelos do au-tomóvel, pagando o respectivo preço, mais barato ou mais caro pelo veículo zero quilôme-tro.

3. As montadoras, fabricantes de veículos, operam em mercado altamente competitivo, que envolve elevados investimentos e custos, bem como o desenvolvimento de novas tecnolo-gias, com a necessidade de preservação de segredos industriais e de estratégias de ven-das, o que recomenda maior prestígio aos princípios constitucionais da liberdade de inicia-tiva e da livre concorrência, evitando-se o intervencionismo estatal, de duvidosa eficiência.

4. Recurso especial desprovido.

(REsp 1536026/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 30/11/2015)

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PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. PANFLETOS PUBLICITÁRIOS PROPAGANDA ENGANOSA POR OMISSÃO. NÃO CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. No presente caso, trata-se da legalidade de multa imposta ao Makro Atacadista S/A em razão de publicidade enganosa por não ter veiculado em seus encartes promocionais dis-tribuídos aos consumidores o preço nos produtos.

2. A propaganda comercial, consubstanciada em panfletos comerciais, para que atenda aos preceitos encartados no CDC, deve levar ao conhecimento do consumidor - a título de in-formação essencial do produto ofertado - o preço, podendo esse englobar custo, formas e condições de pagamento do produto ou serviço.

3. O artigo 30 do CDC confere à oferta - tida como espécie de publicidade apta a veicular uma forma de informação - caráter vinculante e, como tal, disposta a criar vínculo entre for-necedor e consumidor, surgindo uma obrigação pré-venda, no qual deve o fornecedor se comprometer a cumprir o que foi ofertado.

4. No caso do encarte publicitário in comento, verifica-se duas formas distintas de publici-dade. Uma delas - que ora se examina - denominada de "uma super oferta de apenas um dia", apesar de não expor expressamente o preço numérico da promoção, afirmou o com-promisso de garantir o menor preço nos produtos ali mencionados, sendo esses apurados com base em pesquisa realizada em concorrentes.

5. A veiculação de informação no sentido de que o valor a ser praticado seria menor do que o da concorrência, somado à fixação na entrada do estabelecimento de ampla pesquisa de preço, são elementos aptos a fornecer ao consumidor as informações das quais ele neces-sita a despeito do numerário a ser utilizado para adquirir a mercadoria, podendo, a partir de então, fazer uma opção livre e consciente quanto à aquisição dos produtos.

6. O encarte em tela, apesar de não especificar o preço, não é capaz de se consubstanciar em propaganda enganosa, pois traz outra informação, igualmente prevista no norma, que o substitui, qual seja, forma de aquisição do produto pelo menor custo.

7. Recurso especial provido.

(REsp 1370708/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 01/07/2015)

Ainda, no que se refere à caracterização da publicidade enganosa, tem-se que (i) é desne-

cessária a demonstração do elemento subjetivo (dolo ou culpa) para a configuração da publicidade enganoas; (ii) é desnecessária a concretização do erro efetivo para sua caracterização, bastando a capacidade para enganar e (iii) basta que um dos sentidos do ser humano venha a ser ludibriado44.

8.3.2 PUBLICIDADE ABUSIVA

De acordo com o art. 37, § 2º, do CDC, é abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

44 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 663.

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A inclusão do termo “dentre outras” revela que as condutas elencadas como abusivas ali constam em rol meramente exemplificativo, abrindo-se espaço para a análise casuística de outras situações de relevo.

Apesar de o CDC não trazer uma definição sobre publicidade abusiva, as práticas publicitá-rias dessa natureza têm em comum a violação dos valores sociais básicos, ferindo a coletividade como um todo, bem como a vulnerabilidade do consumidor. A publicidade abusiva não se sustenta no erro ou na tentativa de induzi-lo, mas sim nos meios escusos, contrários à ética, utilizando-se da suscetibilidade dos consumidores para vender.

Assim, constatada a prática de alguma dessas formas de publicidade abusiva, comete o for-necedor ato ilícito. Nesse caso, ele deverá reparar os danos causados, a não ser que prove a exis-tência de fato fortuito, caracterizado como situação externa à sua vontade, imprevisível e, por isso, irresistível que tornou a publicidade enganosa. Parcela da doutrina dispensa a perquirição da culpa ou do dolo de quem praticou a publicidade, pois o CDC veda apenas o resultado dessa prática.

Cumpre ressaltar ainda que a legislação consumerista não dispôs acerca da responsabilidade da agência de publicidade que criou a mensagem publicitária. Isto porque todo o sistema de prote-ção ao consumidor se concentra no consumo e nos sujeitos da relação, não conferindo atenção aos problemas que surgem dentro da cadeia de produção. Dentro dessa, quem arca com os danos tem direito de regresso em face do efetivo causador do dano.

8.4 INVERSÃO OPE LEGIS DO ÔNUS DA PROVA DA VERACIDADE DA MENSAGEM PUBLICITÁRIA

Consagrada como um dos princípios da publicidade no ordenamento pátrio, a inversão do ônus da prova da veracidade da mensagem publicitária é medida que se impõe para a garantia dos direitos do consumidor. Sendo assim, ao fornecedor cabe verificar a veracidade e correção da in-formação ou comunicação publicitária.

Essa disposição decorre diretamente do texto da lei (art. 38, CDC). Por isso, para que produ-za efeitos no âmbito de uma lide, é desnecessário que venha a ser reconhecida judicialmente.

9.1 PRÁTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS

As práticas comerciais abusivas referem-se, em termos corriqueiros, a atitudes contrárias ao senso comum que afrontam quaisquer benefícios ou direitos do consumidor, desprezam o costume comercial ou se utilizam do abuso de direito.

Essas práticas são consideradas ilícitas per se, independentemente da ocorrência de dano para o consumidor. Para elas, vige presunção absoluta de ilicitude45. São práticas que, no exercício

45 GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de V.; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; NERY JR., Nelson; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 374.

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da atividade empresarial, excedem os limites dos bons costumes comerciais e, principalmente, da boa-fé, pelo que caracterizam o abuso do direito, considerado ilícito pelo art. 187, do CC. Por tal motivo, são vedadas46.

A doutrina ainda classifica essas práticas de acordo com dois critérios: (i) quanto ao momen-to em que se manifestam no processo econômico; e (ii) quanto à fase em que se encontra a relação contratual. Assim, temos que, quanto ao momento do processo econômico, (i.1) as práticas abusi-vas produtivas estão relacionadas com a fase de produção, enquanto que (i.2) as práticas abusivas comerciais ocorrem numa fase pós-produção. Por outro lado, no que tange à fase da relação contra-tual, (ii.1) as práticas abusivas pré-contratuais ocorrem antes de se chegar à fase do contrato; (ii.2) as práticas abusivas contratuais estão presentes no conteúdo do termo contratual (cláusula abusiva) e (ii.3) as práticas abusivas pós-contratuais manifestam-se após a conclusão do contrato de consu-mo, violando a boa-fé e a lealdade47.

9.2 CONCEITO DE CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO: A COLETI-VIDADE DE PESSOAS EXPOSTAS ÀS PRÁTICAS COMERCIAIS E AOS CONTRATOS DE CONSUMO

O CDC reconhece até mesmo a coletividade de pessoas como consumidor. Em outras pala-vras, as pessoas, mesmo não sendo adquirentes diretas do produto ou serviço, mas que o utilizam, em caráter final, ou a ele se vinculem, que venham a sofrer qualquer dano trazido pelo objeto da relação de consumo são equiparadas a consumidor.

Nessa diapasão, para efeito de proteção legal, a legislação especial equipara a consumidor, em seu art. 29, aqueles que sofrem com algum tipo de prática abusiva, diante de determinadas estratégias comerciais ou de marketing. O dispositivo ainda prevê que essas pessoas possam ser determináveis ou não, desde que expostas às práticas nele previstas.

9.3 ROL NÃO-EXAUSTIVO DAS PRINCIPAIS PRÁTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS

O CDC elencou, nos incisos de seu art. 39, 12 práticas comerciais vedadas ao fornecedor de produto ou serviços. Esse rol não é exaustivo, pois no caput daquele dispositivo há a expressão “dentre outras práticas abusivas”.

Nesses termos, são expressamente condutas abusivas:

1) Condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

Referida disposição vedou a possibilidade de “venda casada”, isto é, o condicionamento no fornecimento de um produto ou serviço, ao fornecimento de outro, em nosso ordenamento.

A venda casada ilegal ocorre quando o consumidor não tem a opção de comprar somente um produto. Estipular preço especial para quem leva mais do mesmo produto não é venda casada. Assim, as promoções de teor “pague 2, leve 3”, por exemplo, não são proibidas, quando o consumi-dor tem a possibilidade de comprar apenas um produto isolado no mesmo estabelecimento, ainda que a preço maior.

46 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 149. 47 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 722-724.

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Outro exemplo é referente à telefonia móvel. A conduta da empresa de vincular o valor de um aparelho celular a determinado plano de serviço, desde que o cliente permaneça na contratação por algum período de tempo junto à prestadora de telefonia não é abusiva, desde que a empresa dê ao cliente a opção de comprar o produto sem que haja sua fidelização, ainda que isso reflita no preço que ele venha a pagar pelo aparelho.

O E. STJ tem jurisprudência sumulada a respeito do assunto: súmula 473, STJ – “O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada.”

2) Recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilida-des de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

O dispositivo em análise revela que o intuito do fornecedor deve ser oferecer o produto ou serviço e atuar, de fato, no mercado. Não se poderia imaginar sua atuação de forma diversa, já que está obrigado a vender o produto ou prestar o serviço se assim for solicitado. Tal regra encontra respaldo no princípio da vinculação da oferta (art. 30, CDC).

Assim, com base na legislação consumerista, um motorista de táxi, por exemplo, não po-deria recusar a prestação de um serviço, alegando a curta distância a ser percorrida pelo passageiro.

Ainda, é necessário atentar que essa disposição deve ser analisada em conjunto com o art. 41, que dispõe sobre o tabelamento de preços. Nessa linha, sua finalidade é evitar que, quando ocorre o tabelamen-to de preço, o fornecedor mantenha os produtos estocados, prejudicando os consumidores.

3) Enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qual-quer serviço;

Essa disposição visa a impedir que o envio ou entrega de produto, sem solicitação prévia do consumidor, implique em contratação. A conclusão de um contrato não ocorre, nesse caso, porque o consumidor sequer manifestou sua vontade.

Por isso, qualquer serviço prestado ou produto remetido, nessas condições, não obrigará ao pagamento, sendo considerado amostra grátis (art. 39, § ún., CDC). Dessa forma, por exemplo, a prática corriqueira das instituições financeiras de enviar cartão de crédito sem que tenha havido soli-citação do cliente, fazendo presumir a contratação do serviço, enseja a consequência da desnecessi-dade de pagamento da anuidade atrelada ao produto.

Além disso, é necessário ressaltar que o silêncio do consumidor nunca será tido como aceitação.

4) Prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, co-nhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

A previsão desse inciso visa a impossibilitar o fornecedor de se valer da condição de vulne-rabilidade do consumidor para concluir com ele contrato de consumo. Em outros termos, visa a tutelar o sujeito da relação de consumo que se encontra em condições de ser mais facilmente com-pelido a firmar determinado contrato por intermédio de artifícios utilizados pelo fornecedor, parte mais forte da relação travada.

Esse inciso tem aplicação especial no que tange ao fornecedor de planos e seguros de saúde, tendo em vista o enquadramento da situação do outro extremo da contratação enquadrar-se nas hipóte-ses de vulnerabilidade especialmente tuteladas aí previstas. Assim, o STJ editou dois enunciados de sú-mula a respeito, visando garantir a prevalência dos direitos básicos do consumidor. São elas:

Súmula 302: “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a in-ternação hospitalar do segurado.”

Súmula 469: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.”

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5) Exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

Esse inciso visa a vedar a obtenção de vantagem manifestamente excessiva do consumidor no âmbito da relação de consumo. Assim, presume-se esse tipo de vantagem quando ela (i) ofender os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; (ii) restringir direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; (iii) mostrar-se excessivamente onerosa para o consumidor, considerando a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso48.

6) Executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumi-dor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;

A execução do serviço sem o prévio orçamento discriminado e sem a autorização expressa é uma prática perpetrada pelo fornecedor que impede a manifestação de vontade por parte do consu-midor e coloca o fornecedor em uma posição que o obriga a contratar. Por essas razões, esta prática é proibida.

Assim, o serviço somente pode ser realizado com a expressa autorização do consumidor. Em consequência, não demonstrada a existência dessa autorização, é imprestável a cobrança, sendo devido, apenas, o valor autorizado expressamente pelo consumidor. A inexistência da anuência terá como consequência a caracterização do serviço como gratuito.

Entretanto, se for necessário praticar algum ato para a verificação do problema e a confec-ção do orçamento, poderá o fornecedor cobrar o custo da prática desse ato, desde que informe anteriormente ao consumidor, cumprindo a exigência da transparência nas relações de consumo. Caso não venha a informar, os custos serão arcados pelo fornecedor.

Por outro lado, se o consumidor deixar de impugnar os valores cobrados pelos serviços pres-tados, não discordando, por conseguinte, do montante da dívida, não há falar em prática abusiva pelo fornecedor, mesmo que ausente o orçamento prévio.

Sobre o fornecimento de orçamentos, o CDC disciplinou-o mais aprofundadamente no seu art. 40, que dispõe que acerca da obrigatoriedade de entrega, pelo fornecedor de serviço, de orça-mento prévio discriminando (i) o valor da mão-de-obra, dos materiais e equipamentos a serem empregados, (ii) as condições de pagamento, bem como (iii) as datas de início e término dos servi-ços.

Em relação ao disposto nos §§ 1º e 2º do referido dispositivo, tem-se que, uma vez aprovado pelo consumidor, o orçamento obriga as partes e somente pode ser alterado mediante livre negoci-ação das partes. Ainda, salvo disposição em contrário, o valor orçado terá validade pelo prazo de 10 dias, contado de seu recebimento pelo consumidor.

Dado o caráter vinculante do orçamento, o consumidor não responde por quaisquer ônus ou acréscimos decorrentes da contratação de serviços de terceiros não previstos no orçamento prévio.

7) Repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;

Referido dispositivo não veda a existência de informações sobre os consumidores (banco de dados e cadastro de consumidores, nos termos do art. 43, do CDC), mas sim, os bancos de dados sobre consumidores que exigem e reclamam os seus direitos a nível administrativo ou judicial.

48 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 740.

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8) Colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associ-ação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

Essa disposição visa a resguardar o cumprimento de normas técnicas pelos produtos e serviços disponibilizados no mercado, priorizando a segurança e a tutela à saúde do consumidor.

O CONMETRO é um colegiado interministerial que exerce a função de órgão normativo do Sinmetro (Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) e que tem o Inme-tro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) como sua secretaria executiva49.

Integram o CONMETRO os ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; da Ciência, Tecnologia e Inovação; da Saúde; do Trabalho e Emprego; do Meio Ambiente; das Rela-ções Exteriores; da Justiça; da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento; da Defesa; da Educação, das Cidades; o Presidente do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - Inmetro e os Presidentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, da Confederação Nacional da Indústria - CNI, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC e do Instituto de Defesa do Consumidor - IDEC50.

Compete ao Conmetro51:

Formular, coordenar e supervisionar a política nacional de metrologia, normalização in-dustrial e certificação da qualidade de produtos, serviços e pessoal, prevendo mecanis-mos de consulta que harmonizem os interesses públicos, das empresas industriais e dos consumidores;

Assegurar a uniformidade e a racionalização das unidades de medida utilizadas em todo o território nacional;

Estimular as atividades de normalização voluntária no país;

Estabelecer regulamentos técnicos referentes a materiais e produtos industriais;

Fixar critérios e procedimentos para certificação da qualidade de materiais e produtos in-dustriais;

Fixar critérios e procedimentos para aplicação das penalidades nos casos de infração a dispositivo da legislação referente à metrologia, à normalização industrial, à certificação da qualidade de produtos industriais e aos atos normativos dela decorrentes;

Coordenar a participação nacional nas atividades internacionais de metrologia, normali-zação e certificação da qualidade.

Ainda, cabe destacar que a normalização dos produtos e serviços disponibilizados no mercado

de consumo, não é realizada apenas pelo Estado no Brasil. Permite-se que entidades privadas tam-bém realizem tal atividade, como é o caso da Associação Brasileira de Normas e Técnicas, caracteri-zando verdadeiro sistema misto de controle52.

49 Conheça o INMETRO. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/inmetro/conmetro.asp 50 Conheça o INMETRO. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/inmetro/conmetro.asp 51 Conheça o INMETRO. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/inmetro/conmetro.asp 52 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 749.

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9) Recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adqui-ri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

A caracterização da abusividade dessa prática remonta à discussão acerca daquilo que se considera “pronto pagamento”. A doutrina majoritária53 entende que a expressão refere-se a pa-gamento em espécie. Ainda, admite-se que o termo seja interpretado de forma ampliativa, de modo a abranger o conceito de cartões de débito ou assim como outros instrumentos de pagamen-to que tenham por função transferir imediatamente o valor do pagamento da conta corrente do consumidor para a conta corrente do fornecedor 10) Elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços;

De acordo com a doutrina, enquadra-se nesse dispositivo a prática comumente encontra-da no mercado de consumo de o fornecedor cobrar um preço a maior se o pagamento feito pelo consumidor for realizado por meio de cartão de crédito, ou, a contrario sensu, conceder desconto se o pagamento se der em dinheiro54. 11) Deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério; A estipulação de prazos para o cumprimento da obrigação é uma garantia do consumidor. Deixar isso exclusivamente a critério do fornecedor viola os direitos básicos do consumidor, que fica vulnerável ao arbítrio do fornecedor, que é a parte mais forte da relação de consumo. Entender de forma diversa seria impossibilitar o consumidor de planejar a fruição do bem adquirido. 12) Aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido; A vedação ao reajustamento por meio de índice diverso daquele previsto na legislação ou no contrato tem fulcro em situações históricas ocorridas na economia do país. A imposição de uma política de tabelamento de preços em determinado momento histórico fez com que o CDC discipli-nasse o tema expressamente. Assim, de acordo com o art. 41, no caso de fornecimento de produ-tos ou de serviços sujeitos ao regime de controle ou de tabelamento de preços, os fornecedores deverão respeitar os limites oficiais sob pena de não o fazendo, responderem pela restituição da quantia recebida em excesso, monetariamente atualizada, podendo o consumidor exigir à sua escolha, o desfazimento do negócio, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

10.1 INTRODUÇÃO

Existem negócios no âmbito das relações de consumo que necessitam da proteção de um contrato escrito e formalizado. Pensando nisso e com a preocupação de que o instrumento contra-tual fosse adequado à produção em escala e à massificação do consumo, o CDC inovou na normati-zação brasileira, instituindo o contrato de adesão.

53 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 204-205. 54 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 752.

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Contrato de adesão, nos termos do art. 54, do CDC é aquele cujas cláusulas tenham sido apro-vadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. Por auto-ridade competente o dispositivo refere àqueles serviços com regulação própria, que é repassado pela Administração Pública aos entes privados por concessão, autorização ou permissão (ex.: fornecimento de energia elétrica, serviço de água encanada).

Como características do contrato de adesão, destacam-se55:

- não participação do consumidor na sua elaboração;

- inserção de cláusula como elemento que não desfigura o contrato de adesão;

- resolução alternativa de escolha exclusiva do consumidor;

- cláusulas com termos claros, caracteres ostensivos e legíveis, fonte não inferior ao corpo 12 de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor;

- cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas em des-taque.

Diferentemente, no contrato clássico ou paritário, ambas as partes têm o poder de transa-cionar livremente. As cláusulas são elaboradas e aceitas de comum acordo. Com isso, o princípio da autonomia privada é aquele que rege essa relação. Pode, por exemplo, uma das partes recusar a execução de algo que não estava estipulado, da mesma forma que é forte o argumento de que a outra parte concordou com os termos fixados e, sendo estes estritamente legais, é forçada a cum-pri-los tão somente por constar no contrato.

Com efeito, embora os contratos de consumo possam atingir as mais variadas formas, a de-pender do objeto da contratação e das partes estipulantes, temos que a imensa maioria deles possua a natureza de contrato de adesão.

A legislação consumerista, informada pelo princípio da boa-fé objetiva e atenta à massificação das relações de consumo, buscou uma ponderação entre a liberdade contratual e a reconhecida vulne-rabilidade do consumidor para atingir a igualdade material entre consumidores e fornecedores, evi-tando que estes abusem do seu poder econômico em face daqueles.

Em sendo assim, o Capítulo VI, do CDC passou a cuidar da proteção contratual do consumi-dor, instituindo deveres aos fornecedores, criando direitos aos consumidores e munindo o juiz com instrumentos para aplicar de forma mais efetiva a proteção pretendida.

10.2 A NOVA ORDEM CONTRATUAL BASEADA NA BOA-FÉ

A boa-fé destaca-se como um dos princípios basilares do direito do consumidor. Está pre-vista expressamente também como um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consu-mo, no art. 4º, inc. III, do CDC, que elenca a necessidade de harmonização dos interesses dos parti-cipantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessida-de de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da CF), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

A menção à boa-fé faz referência à acepção objetiva do instituto. Assim, a boa-fé objetiva pode ser definida como um conjunto de regras de conduta, destacando-se o dever das partes de agir conforme parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de manter o equilíbrio nas relações de consumo.

55 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 845.

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Desse princípio, derivam alguns deveres anexos, que persistem ainda que não expressa-mente previstos nos termos contratuais. Assim, tem-se que, quanto ao momento, esses deveres podem estar relacionados à etapa de conclusão do contrato (como, por exemplo, deveres de infor-mação, de segredo, de custódia); deveres referentes à celebração, como aqueles que decorrem da equivalência das prestações, clareza, explicitação; deveres concernentes ao cumprimento do contra-to (dever de recíproca cooperação para garantir a realização dos fins do contrato; satisfação dos interesses do credor); e deveres relativos à posteridade da execução, como o dever de reserva, dever de segredo, dever de garantia da fruição do resultado do contrato56.

Essa nova acepção consagra a incidência de deveres de proteção, de esclarecimento e de lealdade no âmbito do contrato de adesão, no qual, ao consumidor, cabe apenas aderir ou não às suas cláusulas, não se sendo é dada a possibilidade de negociação.

10.3 A FASE PRÉ-CONTRATUAL

O art. 48, do CDC estabelece que as declarações de vontade constantes de escritos particula-res, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos, do mesmo diploma legal.

O conteúdo desse dispositivo tem estrita relação com a regra contida no art. 30 do CDC (vin-culação do fornecedor à oferta), pois também sanciona a sua inobservância com a execução força-da. Contudo, o constante no art. 48 impõe situação na qual já tenha havido manifestação da vonta-de negocial do fornecedor, ao perpetrar algumas condutas, tais como celebrar um contrato prelimi-nar, emitir o recibo (mormente se considerarmos que, no verso deles, o fornecedor faz constar diversas disposições contratuais), realizar escritos particulares e pré-contratos, de forma que se justifica, de forma mais acentuada, o cumprimento forçado da obrigação pela execução específica.

10.4 DEVERES DO FORNECEDOR PARA A FORMAÇÃO DO CONTRATO

Além dos já abordados deveres genéricos de agir conforme a boa-fé e de não se valer da vulnerabilidade dos consumidores, bem como daqueles a serem observados em razão da disciplina das práticas comerciais oferecida pelo CDC, a legislação consumerista, no capítulo em que versa sobre a proteção contratual, estabeleceu alguns deveres específicos ao fornecedor no contrato de consumo.

Em primeiro lugar, estipulou-se que deve ser dada oportunidade prévia ao consumidor de tomar conhecimento do conteúdo do contrato. Caso isso não ocorra, considerar-se-á, em relação à parte vulnerável, que esse instrumento é inexistente e não vinculante, nos termos do art. 46, CDC. Trata-se de dever de informar imposto ao fornecedor para evitar que o consumidor vincule-se a termos contratuais desconhecidos ou não compreendidos por ele, que podem vir a se caracterizar como abusivos.

Fornecendo complemento às especificidades do dever de informar previsto no art. 46, o art. 52, do CDC estabelece que, nos contratos de fornecimento de produto ou serviço que envolva ou-torga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor (por exemplo, o de mútuo, o de abertura de crédito rotativo, de cartão de crédito, de financiamento de aquisição de produto durá-vel por alienação fiduciária ou reserva de domínio, de empréstimo para aquisição de imóvel etc.), o

56 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. In: MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno (org.) Coleção doutrinas essenciais. Direito do consumidor: tutela das relações de consumo. São Paulo: RT, 2011. v. 1, p. 386.

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fornecedor está obrigado a informar ao consumidor adequadamente e antes da celebração do con-trato sobre: (i) preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; (ii) montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; (iii) acréscimos legalmente previstos; (iv) número e periodici-dade das prestações; (v) soma total a pagar, com e sem financiamento. Na hipótese de descumpri-mento deste artigo, em uma interpretação sistemática com o art. 46, CDC, sustenta-se que o contra-to não obrigará o consumidor.

Ainda no art. 46, o CDC impôs ao fornecedor o dever de clareza na redação dos contratos, em especial nos por adesão, acrescido do dever de destacar as cláusulas limitativas de direito dos consumidores. Por essa razão, recomenda-se que esses instrumentos utilizem linguagem simples e direta. No caso de violação a esse dever por parte do fornecedor, com a elaboração de cláusulas de modo a dificultar a compreensão do sentido e alcance dos instrumentos contratuais, tal cláusula será considerada não escrita e não produzirá qualquer efeito em relação ao consumidor.

10.5 REGRAS INTERPRETATIVAS: CLÁUSULAS DÚBIAS

A vedação à inserção de cláusulas com redação que sugira qualquer ambiguidade não deve ser confundida com a regra interpretativa constante no art. 47, do CDC, pois esta incide sobre todas as cláusulas, inclusive as elaboradas de forma clara. Nos termos desse artigo, todas as cláusulas contratuais, sejam elas claras ou contraditórias, devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. O âmbito de aplicação dessa norma não está restrito aos contratos de adesão, inci-dindo também sobre os contratos individualmente negociados, abrangendo qualquer contrato de consumo.

Ademais, é necessário destacar que tal regra de interpretação não alcança somente as regras escritas, abarcando também as cláusulas não escritas, como aquelas presentes na publicidade, em pré-contratos e em informações orais prestadas por prepostos ou representantes autônomos.

Outros princípios que regem a interpretação dos contratos de consumo, conforme a doutri-na57, são: “b) deve-se atender mais à intenção das partes do que à literalidade da manifestação de vontade (art. 112, Código Civil); c) a cláusula geral de boa-fé reputa-se ínsita em toda relação jurídi-ca de consumo, ainda que não conste expressamente do instituto do contrato (arts. 4º, caput e nº III, e 51, nº IV, do CDC); d) havendo cláusula negociada individualmente, prevalecerá sobre as cláu-sulas estipuladas unilateralmente pelo fornecedor; e) nos contratos de adesão as cláusulas ambí-guas ou contraditórias se fazem contra stipulatorem, em favor do aderente (consumidor); f) sempre que possível interpreta-se o contrato de consumo de modo a fazer com que suas cláusulas tenham aplicação, extraindo-se delas um máximo de utilidade (princípio da conservação).”

10.6 DIREITO DE ARREPENDIMENTO DO CONSUMIDOR: CABIMENTO, PRAZO PARA EXERCÍCIO E OS ÔNUS A CARGO DO FORNECEDOR

O Código de Defesa do Consumidor arrola, dentre um dos instrumentos que visam a prote-ger o consumidor, a possibilidade de exercício de direito de arrependimento. Essa prerrogativa é prevista apenas nos casos de contratação de fornecimento de produtos e serviços que ocorrerem fora do estabelecimento comercial, pois, nessa situação, considera-se que o consumidor está mais exposto a práticas agressivas de venda, especialmente quando a venda ocorre por telefone ou a domicílio. Aqui está caracterizada uma hipótese de denúncia vazia do contrato, sendo irrelevante o motivo do consumidor para o exercício desse direito.

57 GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de V.; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; NERY JR., Nelson; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 545.

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O prazo estabelecido no art. 49, do CDC, para o exercício do direito de arrependimento é de 7 dias a contar da assinatura do contrato ou do ato de recebimento do produto ou serviço. A conta-gem do prazo exclui o dia de início e inclui o do final, não se iniciando a contagem em feriado ou dia não útil e, transferindo-se seu vencimento para o primeiro dia útil seguinte, se o vencimento cair em dia não útil.

Se optar por exercitar o direito de arrependimento, os valores eventualmente pagos, a qual-quer título, durante o prazo de reflexão do consumidor lhe serão devolvidos, de imediato, moneta-riamente atualizados. Ainda, de acordo com a doutrina58, caso o consumidor que recebeu o produto pretenda fazer uso do direito de arrependimento, ele deve evitar usá-lo ou danificá-lo, pois se o fizer, não podendo devolver o produto nas condições em que recebeu, deverá ressarcir o fornece-dor pela desvalorização que o causou, sob pena de enriquecimento ilícito.

10.7 CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS

O art. 51, do CDC traz, em seus incisos, um rol exemplificativo de cláusulas abusivas. Ainda que se trate de um rol não exaustivo, a quantidade de incisos ali constantes denota a intenção de tornar mais claro o caminho, dando uma ideia geral daquilo que se entende por abusivo, no intuito de guiar o intérprete.

Por cláusula abusiva entende-se cláusula opressiva, vexatória, onerosa ou, ainda, excessiva59. A abusividade decorre do intento do fornecedor de tentar prevalecer-se da vulnerabilidade do con-sumidor. Estas cláusulas não se restringem aos contratos de adesão, mas cabem a todo e qualquer contrato de consumo, escrito ou verbal, tendo em vista que o desequilíbrio contratual, com a su-premacia do fornecedor sobre o consumidor, pode ocorrer em qualquer contrato, independente-mente da técnica contratual empregada.

Nesse sentido, é importante ressaltar que o que é abusivo numa relação de consumo não necessariamente o será em outras relações regidas pelo regime civilista geral. Ao vedar cláusulas da modalidade que descreve e exemplifica, a lei protetiva do consumidor está cumprindo o seu papel de equilibrar a relação entre fornecedor e consumidor, garantindo proteção à parte mais fraca, que não controla nenhuma etapa do tratamento que é dado ao produto até que chega às suas mãos e que sequer pode interferir nas cláusulas que lhe são impostas.

10.7.1 CLÁUSULAS NULAS DE PLENO DIREITO

Código de Defesa do Consumidor cominou a sanção de nulidade de pleno direito às cláusu-las abusivas. Isso porque esse tipo de cláusula ofende a ordem pública de proteção ao consumidor. Assim, tem-se que são maculadas pela nulidade absoluta, que deve, inclusive, ser reconhecida de ofício pelo juiz.

A exceção a possibilidade de apreciação do tema de ofício se dá em relação aos contratos bancários. Nos termos da súmula nº 381, do STJ: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.”. Embora respeitada a posição do E. Tribunal, não se vislumbra respaldo jurídico que acoberte a exceção.

58 MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais. São Paulo: RT, 2003, p. 605. 59 GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de V.; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; NERY JR., Nelson; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 570.

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Em relação aos efeitos do reconhecimento da abusividade, tem-se que, a despeito da exis-tência desse tipo de cláusula em determinado instrumento, em virtude do princípio da conservação dos contratos, o CDC dispõe (art. 51, § 2°) que a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida a integralidade do contrato. A ressalva se dá quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes, ferindo o equilíbrio contratual.

A nulidade da cláusula tem que ser declarada judicialmente, por meio de ação direta, de ex-ceção substancial alegada em defesa ou de ofício pelo magistrado, gerando efeitos ex tunc, pois o vício já integrava a cláusula desde a celebração do contrato. Ademais, tal nulidade não é atingida pela prescrição ou pela preclusão, por se tratar de matéria de ordem pública.

10.7.2 ROL NÃO-EXAUSTIVO DE CLÁUSULAS ABUSIVAS

São proibidas, expressamente, as cláusulas contratuais que:

1) Impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qual-quer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

O conteúdo da primeira parte do dispositivo prevê que se caracteriza como abusiva a imposição da chamada “cláusula de não indenizar”, determinando-se a nulidade de cláusula contra-tual que impossibilite, exonere ou atenue a responsabilidade do fornecedor por vício e da que im-plique renúncia ou disposição de direito. Assim, tem-se que o fornecedor não poderá: (i) mitigar sua responsabilidade; nem (ii) impor renúncia ou disposição de direitos ao consumidor60.

Expressão prática dessa vedação consta no enunciado de súmula nº 130, STJ, que dispõe que “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”. Assim, a despeito de ser comum verificar a fixação de placas esclarecedoras eximindo o local de estacionamento de responsabilidade por ocorrências em seu interior, tal dispo-sição viola os direitos básicos do consumidor e os deveres do fornecedor, sendo, portanto, abusiva.

Serão, pelo mesmo motivo, consideradas abusivas as cláusulas que estipularem a renúncia ao exercício da exceção de contrato não cumprido; ao direito de requerer a resolução do contrato por inadimplemento; à exceção de compensação e de retenção de benfeitorias; ao benefício de ordem, e assim por diante.

A segunda parte do inciso em comento permite que, excepcionalmente, quando se tratar de con-sumidor pessoa jurídica, limite-se a responsabilidade do fornecedor, em situações justificáveis. A doutrina destaca a necessidade de que a pessoa jurídica, nesse caso, comprove que é hipossificiente ou que está em situação de fragilidade. Ainda, por “situações justificáveis”, observa-se aí que há um conceito inde-terminado que deverá ter o seu conteúdo integrado, no caso concreto, pelo magistrado, que deverá observar a proporcionalidade do custo-benefício entre a prestação do fornecedor e a do consumidor.

2) Subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

Se o direito à restituição está previsto na legislação consumerista, o ordenamento veda que disposição contratual retire do consumidor a possibilidade de exercício desse direito, sob pena de caracterizar proteção deficiente aos seus direitos. Exemplificativamente, a exclusão do dever de devolver a quantia paga pelo consumidor quando esse exerce o direito de arrependimento (art. 49, § ún., CDC).

60 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 895.

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3) Transfiram responsabilidades a terceiros;

A inteligência desse dispositivo refere-se à garantia de funcionamento do sistema proteti-vo e de facilitação ao ressarcimento criado em favor do consumidor. Nesse sentido, se a responsabi-lidade decorre da lei, não pode o fornecedor, por meio de cláusula contratual unilateral eximir-se dela, transmitindo-a a terceiros61.

4) Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em des-vantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Referido dispositivo veda cláusulas que estabeleçam obrigações iníquas (injustas); abusivas (prevalecendo-se da vulnerabilidade do consumidor); ou que coloquem o consumidor em desvanta-gem exagerada; ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (a boa-fé é a objetiva ou equidade na ideia de justiça)62.

Afim de delimitar o âmbito de incidência do conceito indeterminado de “vantagem exage-rada”, prevê o art. 51, § 1º, do CDC, que presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: (i) ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; (ii) restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; (iii) se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Além disso, a ofensa à equidade também acarreta a nulidade da cláusula. O E. STJ reconhece que, quando provada situação de desvantagem exagerada em que o consumidor foi colocado, tor-na-se possível a revisão das taxas de juros bancários, ainda que em caráter excepcional63. Ademais, o descumprimento de deveres decorrentes da boa-fé objetiva também é abusiva. Os julgados dos Tribunais Superiores vem reconhecendo a sua violação nos casos de cláusula que exclui a cobertura de algumas doenças64.

6) Estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

O regramento geral do CDC, diante da vulnerabilidade do consumidor, previu a possibili-dade de inversão do ônus da prova em seu favor, seja como medida estabelecida pelo juiz no âmbi-to processual (art. 6º, inc. VIII, CDC) ou nos casos de publicidade enganosa, que decorre de disposi-ção geral (art. 38, CDC).

Com o intuito de impedir que o fornecedor fuja a essa disposição, a legislação especial ca-racterizou como abusivo o estabelecimento da inversão do ônus da prova em prejuízo do consumi-dor, visando a resguardar o sistema protetivo.

7) Determinem a utilização compulsória de arbitragem;

A lei de arbitragem (lei nº 9.307/96, com as alterações dadas pela lei nº 13.129/15) dispõe, em seu art. 1º que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. No entanto, quando nessa contratação houver a participação de um consumidor vulnerável, tal cláusula será tida como abusiva e, portanto, nula.

61 ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 111. 62 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 903. 63 STJ, RESP 1.246.622/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 16/11/2011. 64 STJ, RESP 1554448/PE, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 18/02/2016, DJe 26/02/2016.

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8) Imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

A legislação de consumo ainda dispõe que é abusiva a cláusula que impõe a figura de um re-presentante para concluir um contrato de consumo. Isso porque, nesse caso, o fornecedor obriga o consumidor a outorgar poderes à pessoa subordinada a ele para concluir negócios jurídicos em nome do consumidor, em flagrante conflito de interesses, já que o vulnerável restará submetido ao poder econômico da outra parte da relação.

Nessa análise, temos a incidência do enunciado de súmula nº 60, STJ, segundo o qual: “É nu-la obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”.

9) Deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

10) Permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

11) Autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

12) Autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

A análise dos itens de nº 9, 10, 11 e 13 deve se dar de forma conjunta porque seu conteú-do guarda estrita relação entre si. Elas são denominadas pela doutrina de “cláusulas potestativas”, porque estabelecem forte poder de direção do fornecedor no delineamento do contato de consu-mo65.

Assim, em relação ao conteúdo do item 9, sua abusividade repousa na violação ao princí-pio da vinculação da oferta. Isso porque, tendo e vista tal princípio, não é possível deixar ao arbítrio do fornecedor a opção de concluir ou não o contrato. Na mesma linha, a conduta descrita no item 10 não está em consonância com o resguardo a tal princípio, pois permite que o fornecedor modifi-que, unilateralmente, um dos elementos vinculantes da oferta66.

Além disso, os itens 11 e 13 desautorizam condutas, por parte do fornecedor, de cancelar o contrato unilateralmente, sem que essa prerrogativa seja também atribuída ao consumidor e de modificar o conteúdo do pactuado, de forma unilateral, após a sua celebração.

13) Obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

O objetivo desse dispositivo é conter a superioridade econômica do fornecedor em relação ao consumidor, coibindo práticas que gerem desequilíbrio na relação de consumo.

14) Infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

A vedação a cláusulas que não permitam o cumprimento de normas de proteção de outros sistemas protetivos, tal qual o ambiental, tem fulcro na necessidade de leitura sistemática do orde-namento jurídico. De nada adianta garantir que um âmbito seja fortemente tutelado (consumidor) ao mesmo tempo em que outro (ambiental) venha a ser violado.

65 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 912. 66 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 912.

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O conceito de meio ambiente referido aqui é o amplo, incluindo o meio ambiente natural, urbano, artístico, cultural e do trabalho. Com efeito, os contratos consumeristas não podem ser violadores das normas de proteção desses espaços.

15) Estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

Este dispositivo confere ao julgador ampla margem de discricionariedade para enquadrar condutas que entende em desconformidade com o sistema protetivo consumerista, indo ao encon-tro de sua finalidade máxima, que é a tutela ao consumidor, parte mais vulnerável da relação.

16) Possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

A vedação trazida por esse inciso já está contida naquela do inciso I, que caracteriza como abusiva a cláusula de não indenizar, isto é, estipulação de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar pelo fato ou pelo vício do produto ou serviço. Sendo assim, o inciso em comento constitui mera especificação daquela disposição, visando a explicitar a vedação à re-núncia do direito à indenização por benfeitorias necessárias, entendidas como as que visam conser-var o bem ou evitar que se deteriore.

10.8 OUTORGA DE CRÉDITO E COBCESSÃO DE FINANCIAMENTO

Além daquelas expressamente constantes nos incisos do art. 51, do CDC, que elenca um rol não exemplificativo de cláusulas contratuais potencialmente inseridas em contratos de consumo, também serão consideradas abusivas as cláusulas que:

a) nos contratos de fornecimento de produtos ou serviços que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, imponham multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações superiores a 2% por cento do valor da prestação (art. 52, § 1º, do CDC);

b) nos contratos de fornecimento de produtos ou serviços que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, impeçam o consumidor de liquidar anteci-padamente o débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e de-mais acréscimos (art. 52, § 2º, do CDC);

c) nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em presta-ções, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, as cláusulas que estabeleçam a per-da total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado (art. 53).

Não será, contudo, abusiva a compensação ou a restituição das parcelas quitadas com des-conto da vantagem econômica auferida pelo consumidor com a fruição do bem e dos prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo (art. 53, § 2º)

10.9 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONTROLE DE CLÁUSULAS ABUSIVAS

O Ministério Público possui papel de destaque no controle das cláusulas abusivas de contra-tos de consumo. O Código de Defesa do Consumidor conferiu legitimidade à entidade que represen-te os consumidores para requerer ao Ministério Público que ajuíze ação competente para que seja

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declarada a nulidade de cláusula contratual abusiva, que contrarie o sistema de proteção ao consumi-dor ou que não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações de fornecedor e consumidor. A abordagem mais aprofundada acerca dessa disciplina se dará no último capítulo do material.

Nesse sentido, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça reconhece a legitimidade do Ministério Público nesse tipo de demanda:

CONSUMIDOR, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚ-BLICA. PLANO DE SAÚDE. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. LEGITIMIDA-DE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECONHECIMENTO. DIREITO À SAÚDE. RELE-VANTE INTERESSE SOCIAL. PRECEDENTES. SÚMULA N. 83/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DECLARAÇÃO DE SAÚDE. ART. 51, IV E V, DO CDC, C/C O ART. 11 DA LEI N. 9.656/98. CLÁUSULA DE RENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO DE OPÇÃO. VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAR. MANIFESTA ABUSIVI-DADE.

1. O Ministério Público é parte legítima para figurar no polo ativo de ação civil pública e de ações coletivas contra operadoras de planos de saúde para questionar cláusu-las contratuais tidas por abusivas, seja em face da indisponibilidade do direito à saú-de, seja em decorrência da relevância da proteção e do alcance social.

2. Afasta-se a alegada ofensa ao art. 535 do CPC quando a Corte de origem examina e decide, de modo claro e objetivo, as questões que delimitam a controvérsia, não ocorrendo nenhum vício que possa nulificar o acórdão recorrido.

3. Todo prestador de serviços tem o dever de oferecer informações de forma clara e objeti-va, de modo que o consumidor possa manifestar sua vontade livremente.

4. A inserção de cláusula de renúncia em declaração de saúde é abusiva por induzir o se-gurado a abrir mão do direito ao exercício livre da opção de ser orientado por um médico por ocasião do preenchimento daquela declaração, notadamente porque se trata de docu-mento que tem o condão de viabilizar futura negativa de cobertura de procedimento ou tra-tamento.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido.

(REsp 1554448/PE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, jul-gado em 18/02/2016, DJe 26/02/2016)

11.1 INTRODUÇÃO

De acordo com o disposto no art. 42, caput, do CDC, na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo nem submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Isso significa que, quando o fornecedor lançar mão dos meios legais para exigir o cumpri-mento da obrigação assumida pelo consumidor, ele não poderá abusar desse direito em face da hipossuficiência e da vulnerabilidade do consumidor.

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Ainda, a doutrina67 considera que a cobrança realizada por meio de ameaça, coação, cons-trangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas, ou qualquer outro proce-dimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer caracteriza-se como prática abusiva, sendo vedada pelo CDC.

Em relação às primeiras situações (ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afir-mações falsas, incorretas ou enganosas), tem-se que prevalece uma proibição absoluta em relação à sua utilização. Isto é, em nenhum caso se admite que o fornecedor utilize esses meios com a finali-dade de cobrança de dívida. Já no que tange à exposição do consumidor a ridículo ou à interferência em seu trabalho, descanso ou lazer, prevalece que há uma proibição relativa. Assim, quando preen-chidos os seguintes requisitos de forma cumulativa, permite-se que sejam utilizados: (i) necessidade da conduta, isto é, tratar-se do único meio existente em determinado contexto para se cobrar a dívida; (ii) abordagem adequada e razoável quando da efetivação da cobrança68.

11.2 A DEVOLUÇÃO EM DOBRO DA IMPORTÂNCIA INDEVIDA-MENTE EXIGIDA E A HIPÓTESE DE ENGANO JUSTIFICÁVEL

O descumprimento da regra referente à cobrança de dívidas exposta no art. 42 implicará em sanções administrativas, criminais e civis ao fornecedor. Assim, no que se refere às sanções civis, no caso de cobrança da quantia total ou parcialmente indevida, o consumidor (i) terá direito à devolu-ção do valor pago em excesso, devidamente corrigido e com juros, em dobro (art. 42, § ún., do CDC); ou (ii) ocorrendo engano justificável ou boa-fé do credor, permanecerá a obrigação de restitu-ir o indébito, porém de forma simples, com a incidência de juros e atualização monetária (art. 42, § ún., do CDC c/c art. 876, CC)69.

Em relação à exigência de ocorrência de pagamento indevido derivado da cobrança, para fins de caracterizar a hipótese da devolução em dobro, a jurisprudência do E. STJ é vacilante.

Por um lado, entende-se que há necessidade de que tenha havido pagamento indevido por parte do consumidor:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COBRANÇA INDEVIDA DE DÍVIDA PAGA. ENVIO DE MEN-SAGENS ELETRÔNICA E POR CELULAR. AUSÊNCIA DE NOVO PAGAMENTO. INEXIS-TÊNCIA DE MÁ-FÉ NA REALIZAÇÃO DA COBRANÇA. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. IMPROCEDÊNCIA DE PLEITO RESSARCITÓRIO. ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES.

1. O simples encaminhamento por telefone celular ou meio eletrônico de cobrança indevida, quando, além de não configurada má-fé do credor, não vier a ensejar novo pagamento pelo consumidor de quantia por este já anteriormente quitada, não impõe ao remetente, por razões lógicas, nenhum tipo de obrigação de ressarcimento mate-rial.

(...)

(AgRg no REsp 1535596/RN, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 23/10/2015)

67 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 770. 68 ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 777. 69 ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 97-98.

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Por outro lado, há posicionamento no sentido de que basta que tenha havido a cobrança indevida para fins de aplicação do art. 42, § ún., do CDC:

ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTO. REGIME DE ECONOMIAS. COBRANÇA A MAIOR. INTERPRETAÇÃO DE DIREITO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚ-MULA 280/STF. COBRANÇA INDEVIDA. DEVOLUÇÃO DO VALOR PAGO.

(...)

2. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, havendo cobrança inde-vida, é legítima a repetição de indébito (CDC, art. 42, parágrafo único).

Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp 135.198/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/04/2012, DJe 26/04/2012)

Em relação aos prazos prescricionais para pleitear a repetição em dobro do indébito, o STJ editou o enunciado de súmula nº 412, que prevê que “A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.”

11.3 BANCOS DE DADOS E CADASTROS DE CONSUMIDORES O art. 43, do CDC disciplina os bancos de dados e cadastros de consumidores. Segundo o seu

caput, as fichas, registros e dados pessoais e de consumo devem ser de livre acesso aos consumido-res neles inscritos. Além disso, assegura-se que os consumidores tenham acesso sobre as respecti-vas fontes das informações ali constantes.

Em relação à caracterização, esses cadastros devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a 5 anos.

No procedimento para abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo, deve ser feita a comunicação por escrito ao consumidor, quando a abertura não for solicitada por ele. Em relação a essa comunicação o E. STJ afastou a necessidade de comunicação da inscrição ao consumidor por carta com aviso de recebimento. É o que dispõe a súmula nº 404 do STJ: “É dispen-sável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros.”

A legislação ainda dispõe que sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, o consumidor poderá exigir sua imediata correção, devendo ser comunicadas, no prazo de 5 dias úteis, as alterações aos eventuais destinatários das informações incorretas.

Ainda, por força do § 4º do mesmo dispositivo, os bancos de dados e cadastros relativos a con-sumidores, bem como os serviços de proteção ao crédito são considerados entidades de caráter público, embora possam ser mantidos por entidades públicas ou privadas (como SPC e SERASA, por exemplo).

Por fim, com a prescrição da cobrança do débito, não podem mais ser fornecidas, pelos ser-viços de proteção ao crédito, quaisquer informações que dificultem o acesso do consumidor ao crédito junto aos fornecedores (§ 5º).

Em relação aos cadastros de reclamação contra os fornecedores, cumpre aos órgãos públicos de proteção ao consumidor mantê-los, permitir o acesso às informações por qualquer interessado (§1º), bem como divulgá-los anualmente, informando se a reclamação foi ou não atendida (art. 44). No que couber, conforme o § 2º do art. 44, aplicar-se-ão aos cadastros de fornecedores as regras previstas para os de consumidores, bem como responderá a administração direta e indireta pelo fornecimento de informações inadequadas (art. 22, parágrafo único).

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12.1 INTRODUÇÃO

A busca pela efetividade dos direitos do consumidor elencados no CDC perpassa o processo judicial. Por essa razão, o art. 6º, incs. VII e VIII, do CDC estabelece que são direitos básicos do con-sumidor o acesso aos órgãos judiciários para buscar a prevenção e a reparação dos danos patrimo-niais e morais, individuais, coletivos ou difusos, e a facilitação na defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor.

Nessa busca pela concretização dos direitos do consumidor, o CDC trouxe normas especiais sobre processo judicial, no título “Da Defesa do Consumidor em Juízo”, arts 81 a 104, os quais, apli-cados em conjunto com as disposições do NCPC e da Lei da Ação Civil Pública (lei nº 7.347/85) que com ele não estejam em contradição (art. 90 do CDC), buscam superar a individualidade do proces-so civil clássico, bem como estender poderes ao juiz para, no caso concreto, ter mais instrumentos a fim de efetivar as pretensões do consumidor postas em juízo.

O CDC permitiu expressamente, no seu art. 102, que os consumidores ou as entidades legitima-das a substituí-los em juízo possam vir a compelir o Poder Público a atuar, por meio de seu poder de polícia, a fim de tomar as medidas necessárias para proibir a produção, a divulgação, a distribuição ou a venda, ou determinar a alteração na composição, estrutura, fórmula ou acondicionamento de produtos, cujo uso ou consumo regular se revele nocivo ou perigoso à saúde pública e à incolumidade pessoal.

Apesar de existirem muitos aspectos relevantes e de cunho inovador na busca pela defesa do consumidor em juízos, aqueles instrumentos que mais se destacam referem-se à criação de instrumentos de proteção coletiva do consumidor.

12.2 A DEFESA COLETIVA DO CONSUMIDOR

A teoria geral do processo civil baseia-se no processo individual, por meio do qual o autor busca mecanismos judiciais para fins de suprir pretensão resistida pelo réu. Nesse sentido, caso a tutela dos direitos do consumidor ficasse limitada à ação individual, muitos dos direitos elencados na legislação especial consumerista restariam sem grande aplicabilidade, já que os custos de uma ação judicial e o seu reduzido significado econômico individual acabam por inivir a iniciativa dos consumidores de demandar contra os fornecedores.

Ademais, outro ponto contrário à restrição da proteção do consumidor em juízo às ações in-dividuais é a natureza coletiva da prática abusiva por parte do fornecedor. Em sendo assim, necessá-ria a existência de mecanismos processuais que forneçam uma resposta massiva ou coletiva à lesão dos direitos do consumidor.

Por tais motivos, o CDC previu expressamente a ação coletiva na tutela de direitos consume-ristas, em seu art. 81, dispondo que a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das víti-mas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo. A fim de conferir efetividade

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na prestação da tutela aos direitos dos consumidores, nas ações coletivas de que trata o CDC pre-viu-se a sua gratuidade. Assim, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários peri-ciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais.

Para a interposição desse tipo de demanda, são legitimados, conforme dispõe o art. 82, CDC:

1) o Ministério Público,

2) a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

3) as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem perso-nalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos consumeris-tas;

4) as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos consumeristas, dispensada a autorização assemblear.

Em relação a essas últimas, o requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações para defesa de direitos individuais homogêneos e de responsabilização do fornecedor, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

No entanto, a legitimação para a defesa coletiva de direitos do consumidor em juízo só ocor-re quando estivermos diante de um dos interesses previstos pelo legislador como tuteláveis através dessa modalidade de ação. Estes são, conforme o art. 81, § ún., do CDC, os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.

12.2.1 DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS

O CDC traz o conceito de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos em seu art. 81, § ún.:

Interesses ou direitos difusos: os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; Interesses ou direitos coletivos: os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular gru-po, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídi-ca base;

Nesse sentido, pode-se concluir que tanto os direitos difusos quanto os coletivos caracteri-zam-se pela transindividualidade (ao mesmo tempo que ele é um direito individual, ele não se limi-ta ao indivíduo, pois, por sua natureza, ele existe para além do indivíduo, afetando necessariamente uma coletividade de pessoas) e pela indivisibilidade (em razão de o direito pertencer a uma coleti-vidade, não pode ele ser dividido entre os seus titulares).

O ponto de especificidade que difere os direitos difusos dos coletivos refere-se à titulari-dade. Enquanto que os direitos difusos têm titularidade indeterminada, pois incompatível com a sua natureza a determinação dos titulares, já que o bem tutelado por esses direitos não podem ser apropriados por uma coletividade, pois são de todos, bem como porque os seus titulares estão ligados entre si através de relações de fato, os direitos coletivos têm titularidade obrigatoriamente determinada, estando relacionados a uma categoria ou classe de pessoas, as quais estão ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (relação comum a todos os envolvi-dos, existente anteriormente à lesão do direito).

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12.2.2 DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Os direitos individuais homogêneos foram conceituados pelo legislador, no art. 81, § ún., inc. inc. III, como sendo aqueles decorrentes de uma origem comum. Em razão, desse critério escolhido pelo legislador, na prática, tem-se que eles acabam por ser confundidos com os direitos coletivos, já que estes também podem ser considerados como decorrentes de origem comum, bem como por-que ambos têm titularidade determinada.

No entanto, é importante ressaltar que as duas espécies de direitos não se confundem, pois os direitos individuais homogêneos, pela sua própria natureza, ao contrário dos coletivos, são sus-cetíveis de divisão.

Assim, o direito individual homogêneo é, antes de tudo, um direito subjetivo individual que, em razão da massificação da sociedade e da possibilidade de lesão a um grande número de pessoas, nasce para diversas pessoas de uma origem comum. Ou seja, ele não pertence a uma coletividade de pessoas, mas a diversas pessoas determinadas que dele podem individual e livremente dispor.

Esse traço de individualidade não significa que os direitos individuais homogêneos não pos-sam ser tutelados de forma coletiva, por meio da ação civil pública. O que ocorre é que eles podem assumir uma dimensão coletiva que justifica a sua tutela como se fossem direitos transindividuais (difusos e coletivos).

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a dimensão coletiva está ligada à re-levância do “conteúdo social” do direito individual tutelado através da ação coletiva, o qual estará caracterizado em razão do grande número de consumidores que tenham o seu direito violado a partir de uma origem comum.

São exemplos de direitos individuais homogêneos a serem tutelados por intermédio de ação civil pública70:

a) os compradores de carros de um lote com o mesmo defeito de fabricação (a ligação entre eles, pessoas determinadas, não decorre de uma relação jurídica, mas, em última análise, do fato de terem adquirido o mesmo produto com defeito de série);

b) o caso de uma explosão do Shopping de Osasco, em que inúmeras vítimas sofreram da-nos;

c) danos sofridos em razão do descumprimento de obrigação contratual relativamente a muitas pessoas; d) um alimento que venha gerar a intoxicação de muitos consumidores;

e) danos sofridos por inúmeros consumidores em razão de uma prática comercial abusiva;

Assim, podemos sintetizar a distinção entre direitos difusos, coletivos e indivíduos homo-gêneos:

NATUREZA DO INTERESSE

ORIGEM TITULARIDADE DIVISIBILIDADE

DIFUSO Situação de fato Indivisível Indeterminável

COLETIVO Relação jurídica (gru-

po, categoria ou classe de pessoas)

Indivisível Determinável

INDIVIDUAL

HOMOGÊNEO Origem comum Divisível Determinável

70 Extraídos de LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 101.

68 68

12.2.3 COMPETÊNCIA

A competência para proposição e deslinde das ações coletivas foi regulada pelo CDC em seu art. 93. Assim, temos que, em regra, ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

- no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

- no foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência con-corrente.

Apesar de esse dispositivo fazer referência apenas às ações coletivas para defesa dos direitos individuais homogêneos, a doutrina majoritária sempre defendeu a sua interpretação extensiva de forma a alcançar também as outras ações coletivas, pois, de outra forma, essas ficariam sem com-petência de âmbito nacional ou regional.

12.2.4 DOS EFEITOS DA SENTENÇA PROFERIDA NAS AÇÕES COLETIVAS

O CDC dispôs expressamente acerca dos efeitos das sentenças proferidas em ações coletivas, evitando que essas se transformassem em meros mandamentos expedidos pelo Poder Judiciário sobre os direitos do consumidor, no entanto, sem qualquer efetividade por parte do Judiciário.

O princípio adotado pelo legislador à matéria – tratada no Capítulo IV sob o título “Da coisa Julgada” (arts. 103 e 104) – foi o de alterar os efeitos da sentença segundo os eventos que ocorrem no processo (secundum eventus litis). Ou seja, dependendo do deslinde da controvérsia haverá ou não a formação de coisa julgada erga omnes ou ultrapartes.

12.2.4.1 AÇÃO COLETIVA JULGADA PROCEDENTE

Nos termos do art. 103 do CDC, os efeitos da sentença procedente proferida no âmbito de uma ação coletiva serão erga omnes, quando o objeto da ação for relativo a direitos difusos ou direitos individuais homogêneos, e ultrapartes, naquelas que versem sobre direitos coletivos.

No que tange aos direitos difusos, em razão de serem caracterizados pela indivisibilidade e pela indeterminação dos seus titulares, não seria possível limitar os efeitos da sentença que os reconhece a pessoas ou a regiões. Por isso, os efeitos dessa sentença serão naturalmente erga omnes.

Já em relação aos direitos coletivos, a sentença que os reconhece faz efeito ultrapartes e não erga omnes, pois ela atinge apenas os titulares determinados desse direito – e não a todos. Quando a ação foi promovida por associação, não são apenas os associados dela que se beneficiam, mas todo e qualquer consumidor que faz parte da relação jurídica base.

Quanto aos direitos individuais homogêneos, a doutrina critica os efeitos erga omnes atribu-ídos pela legislação. A razão para tanto é que tais direitos, assim como os coletivos, têm titulares determinados, o que determina que os efeitos da sentença fiquem limitados apenas aos consumi-dores envolvidos na relação jurídica, oriunda da origem comum.

Por fim, temos que, com o advento da lei nº 9.494/97, o art. 16, da lei nº 7.347/85 foi modifi-cado. Referido dispositivo acrescentou limitação territorial aos efeitos sentença procedente prola-tada nas ações civis públicas. Assim, passou a dispor que a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

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Em relação à aplicação desse dispositivo, a doutrina tem defendido o entendimento de que a modificação na redação do art. 16 da lei nº 7.347/85 não alcança as ações coletivas para a defesa dos direitos dos consumidores. A premissa básica para esse entendimento é a de que não é toda alteração na lei nº 7.437/85 que vai necessariamente atingir as ações coletivas na defesa do consumidor em juízo. É que o próprio art. 21 da lei da ação civil pública impõe a aplicação do CDC, mais precisamente, de seu título III, aos direitos difusos, coletivos e individuais, naquilo que “for cabível”71.

No entanto, verifica-se que não há espaço para uma aplicação subsidiária do art. 16, da lei da ação civil pública, às ações coletivas regidas pelo CDC, uma vez que o art. 93, do CDC já disciplina exatamente a mesma questão de que trata aquele dispositivo, qual seja, a da competência territori-al do órgão prolator da sentença em ação coletiva. Por isso, prevalece a disposição prevista na legis-lação especial, no que tange às ações coletivas visando a defesa do consumidor.

12.2.4.2 AÇÃO COLETIVA QUE VERSA SOBRE DIREITO DIFUSO OU COLETIVO JULGADA IMPROCEDENTE

A legislação consumerista prevê que os efeitos de decisão de improcedência que versa sobre direito difuso ou coletivo serão erga omnes, isto é, oponíveis contra todos ou contra toda a coletivi-dade. A ressalva se dá em caso de improcedência for a insuficiência de provas, pois, neste caso, reunidas novas provas qualquer um dos legitimados pode propô-la novamente.

Já em relação a ação coletiva que verse sobre direitos individuais homogêneos, a disciplina difere bastante da dos direitos transindividuais, conforme segue.

12.2.4.3 AÇÃO COLETIVA QUE VERSA SOBRE DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO JULGADA IMPROCEDENTE

A leitura do art. 103, §§ 1º a 3º, do CDC permite inferir que a regra básica é que a ação cole-tiva ajuizada ou a ser ajuizada jamais pode prejudicar o consumidor. Por tal lógica, admite-se que apenas ação coletiva julgada de forma favorável ao consumidor possa impedir a propositura de novas demandas coletivas ou individuais. Em outras palavras, isso significa que a ação coletiva jul-gada improcedente por qualquer razão não vinculará os consumidores individualmente considera-dos por contraria os seus interesses.

A ressalva em relação a essa regra geral se dá quando se tratar de ação coletiva que tenha por objeto a defesa de direitos individuais homogêneos e o consumidor tiver integrado essa lide como litisconsorte. Nesse caso, especificamente, independentemente do fundamento para o julga-mento de improcedência da ação coletiva, o consumidor não poderá propor sua demanda individu-al, pois integrou a demanda coletiva na condição de parte e, por isso, vinculou-se integralmente aos efeitos daquela sentença (art. 103, § 2º, CDC).

Quando estiverem em curso simultaneamente uma ação individual e uma coletiva que te-nham o mesmo objeto, conforme expressa previsão do art. 104, do CDC, não haverá entre elas litispendência. Assim, ambas tramitarão separadamente até os seus julgamentos finais, que podem ser contraditórios. Entretanto, o consumidor que já demanda individualmente pode requerer a suspensão de seu processo, no prazo de 30 dias contados a partir da ciência nos autos do ajuiza-mento da ação coletiva, para ver-se beneficiado pelo resultado da ação coletiva. Caso assim não o faça, o consumidor que demanda individualmente arcará com o risco de ver o seu processo julgado improcedente, apesar do coletivo ter sido decidido de forma favorável aos demais consumidores.

71 KHOURI, Paulo R. Roque A. Direito do Consumidor. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 207.

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12.2.5 EXECUÇÃO DOS JULGADOS COLETIVOS

O provimento final das sentenças proferidas em ações coletivas pode ser declaratório, cons-titutivo, mandamental ou condenatório. Dentre eles, apenas os condenatórios levam à execução do julgado, pois os demais dispensam outros atos judiciais para produzirem a plenitude dos seus efei-tos. A título exemplificativo, os efeitos declaratórios e constitutivos relacionam-se apenas ao mundo jurídico, não necessitando de alteração no mundo fático, ou podem ser concretizados dentro dos próprios autos do processo, por meio da aplicação de instrumentos processuais pelo magistrado que coajam a parte ré a praticar a conduta dela exigida, conforme prevê o art. 84, do CDC.

No entanto, situação diversa ocorre quando há provimento condenatório. Isso porque os julgados precisam ser executados para que o consumidor veja seu direito satisfeito. Como regra, não se espera, nesses casos, que o substituto processual venha a promover a execução da sentença, mas o CDC expressamente autorizou que eles promovam a execução coletiva, nos termos do seu art. 98.

A primeira providência a ser tomada para a execução da sentença proferida em ação coletiva será a sua liquidação, ou seja, a fixação do quantum debeatur, pois a condenação, conforme prevê o art. 95, será genérica. Nesse sentido, a fixação do valor devido poderá ser feito de forma individual ou coletiva.

A liquidação individual é aquela realizada pelo consumidor que se viu lesado pelo fornece-dor condenado na ação coletiva. Como o vulnerável deve provar que se inclui entre os titulares dos direitos violados, bem como a extensão do seu dano, devem ser a apreciação de fatos novos e, por essa razão, a liquidação será por artigos, na qual se instaura verdadeiro processo de conhecimento incidente.

O local de processamento dela gera controvérsia doutrinária, pois, de regra, o foro compe-tente para a liquidação é o do juízo em que se processou a ação condenatória. Ocorre que, tendo em vista a extensão da eficácia de uma sentença proferida em uma ação coletiva, a liquidação em tal foro pode ser muito custosa ao consumidor, razão pela qual a doutrina admite, fazendo uma aplicação extensiva do art. 101, inc. I, do CDC que a liquidação seja proposta no foro do domicílio do consumidor72.

Após a liquidação individual, o valor apurado poderá ser executado através de execução in-dividual ou coletiva, conforme previsão do art. 98. Nesta hipótese, ela será promovida por um dos legitimados de que trata o art. 82 e baseada em certidões das sentenças de liquidação, revertendo-se ao final o valor apurado para cada um dos consumidores que já haviam liquidado o seu crédito.

Quando os consumidores beneficiados pelo julgado coletivo não tiverem se interessado pelo recebimento de seus créditos e não tiverem iniciado a liquidação ou a execução do julgado, terão os substitutos processuais do art. 82, após um ano do trânsito em julgado dessa, legitimidade para promover a liquidação e a execução da indenização devida, nos termos do art. 100.

Nessa hipótese, a liquidação do montante devido será tormentosa, tendo em vista que não se saberá ao certo em que medida nem quantos consumidores foram lesados. Por essa razão, a liquidação deverá ser feita por arbitramento, buscando-se identificar o prejuízo “coletivo”. Nessa atividade, por exemplo, pode se utilizar a produção média dos fornecedores no período em que comercializaram o produto viciado para saber o valor aproximado do dano que causaram aos con-sumidores.

Após isso, o débito será executado de forma coletiva, sendo revertido o produto da indeni-zação devida para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), criado pela lei nº 7.347/85, nos termos do art. 100, § ún., do CDC.

72 ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 196.