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VIVARTE: O FAZER ARTSTICO COMO FERRAMENTA DE DESENVOLVIMENTO DA AUTO-ESTIMA
Prof Dr Elisabeth Brando Schmidt1 DECC/FURG
Prof MSc. Cludia Mariza Mattos Brando2 DLA/FURG
RESUMO O projeto prev a criao de um espao de formao e prtica pedaggica aos acadmicos do Curso de Artes Visuais da FURG, ao desenvolver aes que unam o ensino da Arte reflexo crtica acerca do contexto comunitrio onde eles iro atuar profissionalmente, num processo que possibilite o cultivo da solidariedade e da responsabilidade social em relao a crianas e adolescentes em situao de risco. No decorrer de 2005, em parceria com a Secretaria Municipal da Cidadania e Assistncia Social, sero desenvolvidas, no Campus Carreiros, oficinas com adolescentes albergados no Centro Municipal de Atendimento Criana e ao Adolescente CEMCA, propiciando a esses jovens: desenvolver sua auto-estima atravs da Arte; compartilhar experincias e o sentimento de pertencer a um grupo; ter acesso informao cientfica e ao fazer artstico como alternativa de um outro modo de viver; estabelecer contato com o cotidiano acadmico, com vistas a um futuro acesso universidade. importante frisar que tais prticas convergem para a valorizao de pessoas em situao de vulnerabilidade social, reforando o compromisso da Universidade no que tange formao de professores com a sensibilidade apurada e capacidade de vincular sua atividade ao contexto sociocultural, interagindo com grupos marginalizados da nossa sociedade. PALAVRAS-CHAVES: Arte, educao e auto-estima. ABSTRACT The project foresee the creation of a formation space and pedagogical practice to the academics of Curso de Artes Visuais of FURG (Rio Grande, RS), to develop actions that unite the teaching of art and the reflection nearly of the communitarian context where they will act professionally, in a process that make possible the cultivation of solidarity and the social responsibility in relation with the kids and teenagers in risk situation. During the year 2005, in partnership with the Secretaria Municipal da Cidadania e Assistncia Social, it will be developed, in the Campus Carreiros, workshops with lodged teenagers in the Centro Municipal de Atendimento Criana e ao Adolescente CEMCA, that will give the opportunity to this teenagers of: develop their self-esteem through the art; share experiences and the feeling of belong to a group; have the access to a scientific information and made the art as an opportunity to another way of live; establish contact with the academic quotidian, with a view in an access to university in the future. Its important to emphasize that such practices converge to the valorization of peoples in a situation of social vulnerability, reinforcing the commitment of the university that concerns the formation of teachers with a refined sensibility and capacity to link his activity with the context social-cultural, interacting with marginalized groups of our society. KEY WORDS: Art, education and self-esteem.
O Estatuto da Criana e do Adolescente ECA, em seus princpios
fundamentais, preconiza a proteo criana e ao adolescente, contra qualquer
forma de negligncia, crueldade e explorao. Ele prev que a sociedade oportunize
e facilite o desenvolvimento fsico, mental, moral, espiritual e social dessas crianas
e adolescentes, de forma sadia e normal e em condies de liberdade e dignidade.
No Captulo IV - Do Direito Educao, Cultura, ao Esporte e ao Lazer, Art. 54 1 [email protected] 2 [email protected]
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est definido, entre outros aspectos, que dever do Estado assegurar criana e
ao adolescente o acesso aos nveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da
criao artstica, segundo a capacidade de cada um. O Art. 57 preconiza que O
poder pblico estimular pesquisas, experincias e novas propostas relativas a
calendrio, seriao, currculo, metodologia, didtica e avaliao, com vistas
insero de crianas e adolescentes excludos do ensino fundamental obrigatrio.
Tambm o Art. 58 faz referncia a que No processo educacional respeitar-se-o os
valores culturais, artsticos e histricos prprios do contexto social da criana e do
adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criao e o acesso s fontes de
cultura.
Pesquisadores e os prprios noticirios apontam inmeros problemas em
relao ao no-cumprimento da legislao, alertando para o fato de que, mesmo
tendo seus direitos assegurados no ECA, milhares de crianas e adolescentes so
vtimas da excluso social, sofrendo maus tratos que geram seqelas, por vezes
irreversveis.
Vrios segmentos da sociedade tm lanado o olhar para esse grave
problema, desenvolvendo projetos e programas direcionados garantia dos direitos
de crianas e adolescentes brasileiros. A preocupao do poder pblico justificada
tendo em vista as necessidades, de toda a ordem, dessa parcela discriminada da
populao. Em acordo com Yunes (2004), o modelo institucional deveria criar
medidas e condies adequadas para um desenvolvimento sadio de crianas e
adolescentes em situao de vulnerabilidade. Tambm as instituies formadoras de
professores, entre elas, a universidade, tm dado alguns passos em direo
incluso, porm existem ainda lacunas nos projetos pedaggicos dos cursos de
formao docente e conseqente dificuldade dos professores para realizarem aes
inclusivas no mbito escolar. fundamental que as agncias formadoras preparem
profissionais para intervir na sociedade, com a competncia necessria para atender
diversidade, com vistas educao para todos.
A realidade social estabelecida determina novas formas de relacionamento
humano, que impulsionam novas atitudes docentes e discentes, estabelecendo um
novo espao de ensino-aprendizagem, no qual a ao pedaggica envolve
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professores e alunos na construo do conhecimento cientfico, sem prescindir de
um eixo social problematizador. Como atividade problematizadora da realidade, a
pesquisa em arte-educao exige criatividade, disciplina e, acima de tudo,
compromisso scio-histrico.
1. Arte, Educao e Comprometimento Social
Com a inteno de sensibilizar os acadmicos do 4 ano do curso de Artes
Visuais Licenciatura da Fundao Universidade Federal do Rio Grande - para uma
problemtica que ultrapassa a estrutura da rede de ensino, incluem-se os contedos
didtico-pedaggicos da disciplina Prtica de Ensino ensino fundamental e mdio.
Tais contedos esto sendo construdos processualmente, no decorrer das aes do
projeto VivArte - o fazer artstico como ferramenta de desenvolvimento da auto-estima.
O presente projeto responde solicitao da Secretaria Municipal de
Cidadania e Ao Social SMCAS do municpio do Rio Grande para um trabalho
pedaggico junto ao Centro Municipal da Criana e do Adolescente CEMCA,
objetivando o desenvolvimento da auto-estima das crianas e adolescentes
albergados na referida Instituio. Ele contempla a indissociabilidade
pesquisa/ensino/extenso, constituindo-se em atividade interdisciplinar,
interdepartamental e interinstitucional. A utilizao de uma metodologia pautada nas
dimenses esttica, cientfica e humanstica da educao possibilitar o exerccio
terico-prtico e a construo de propostas didtico-metodolgicas em arte-
educao voltadas para o desenvolvimento da auto-estima e da incluso social.
A idia da realizao do VivArte, que prev atividades de arte-educao tem respaldo na tese de que:
A Educao em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artstico e da percepo esttica, que caracterizam um modo prprio de ordenar e dar sentido experincia humana: o aluno desenvolve sua sensibilidade, percepo e imaginao, tanto ao realizar formas artsticas quanto na ao de apreciar e conhecer as formas produzidas por ele e pelos colegas, pela natureza e nas diferentes culturas. (PCN: arte, 1997, p.19)
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Dentro da mesma linha de pensamento, tambm os Parmetros Curriculares
Nacionais: Arte (1997) indicam que:
Conhecendo a arte de outras culturas, o aluno poder compreender a relatividade dos valores que esto enraizados nos seus modos de pensar e agir, que pode criar um campo de sentido para a valorizao do que lhe prprio e favorecer a abertura riqueza e diversidade da imaginao humana. Alm disso, torna-se capaz de perceber sua realidade cotidiana mais vivamente, reconhecendo objetos e formas que esto sua volta, no exerccio de uma observao crtica do que existe na sua cultura, podendo criar condies para uma qualidade de vida melhor. (p.19)
Especialistas na temtica (Marques, Ferraz, Fusari, entre outros) da mesma
forma afirmam que a valorizao do ser humano, atravs de todos os seus aspectos,
fator fundamental para o despertar de uma conscincia individual, harmonizada ao
grupo ao qual pertencem. A Educao, pela e para a Arte, assume real importncia
nesse processo.
2. A vivncia de uma ao educativa comunitria
O VivArte pretende criar um espao de formao e prtica pedaggica ao acadmico do Curso de Artes Visuais - Licenciatura, possibilitando o
desenvolvimento de aes que unam o ensino da Arte reflexo crtica acerca do
contexto comunitrio onde ele ir atuar profissionalmente em um futuro prximo,
num processo que possibilite o cultivo da solidariedade e da responsabilidade social
em relao a crianas e adolescentes em situao de risco.
Desde 2000, o CEMCA abriga temporariamente, por um prazo previsto de no
mximo 48 horas, crianas e adolescentes na faixa etria de 8 a 18 anos, que vivem
em situao de rua ou sofrem maus tratos e abusos pela famlia; alguns j tm
passagem pela polcia, podendo ser encaminhados pelo Conselho Tutelar ou por via
judicial Instituio. Apesar de estar previsto um curto perodo de tempo para a
permanncia dessas crianas e adolescentes, alguns esto albergados h quatro (4)
anos, transformando uma curta passagem em um longo confinamento.
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A estrutura organizacional do CEMCA conta com um administrador, auxiliares
de administrao, psiclogos, assistentes sociais, monitores e servios terceirizados
para cozinha, limpeza, zeladoria e vigilncia. Embora os familiares no costumem
fazer contatos sistemticos com a administrao os albergados retornam a suas
casas, no final da semana para visita famlia. O grupo est separado nos
alojamentos por sexo, em funo de problemas registrados na Instituio. Por esse
motivo, o projeto em sua primeira edio, est direcionando suas aes para as
meninas, em torno de doze (12) adolescentes; nmero que pode sofrer alterao em
funo do carter episdico e rotativo do pblico, pois, ao completar a idade de 18
anos, ou por outras razes, as adolescentes no deveriam permanecer albergadas
no CEMCA.
A Arte, alm de engendrar um conhecimento tcnico-prtico, trabalha com as
subjetividades, com um reflexo do mundo e com uma interpretao pessoal desse
mundo. Em acordo com Fusari e Ferraz (1993, p. 19):
... a Arte representao do mundo cultural com significado, imaginao; conhecimento do mundo; tambm, expresso dos sentimentos, da energia interna, da efuso que se expressa, que se manifesta, que se simboliza. A arte movimento na dialtica da relao homem-mundo.
De acordo com esse pensamento, busca-se, atravs da vivncia da Arte,
desenvolver a auto-estima e o sentido de pertencimento desse grupo socialmente
estigmatizado, compartilhando experincias e propiciando o acesso informao
cientfica e ao fazer artstico como alternativa de um outro modo de viver;
possibilitando, tambm, a descoberta de potencialidades, habilidades e o prazer na
realizao de atividades saudveis e construtivas. O fato das atividades serem
realizadas no pavilho das Artes Visuais, no Campus Carreiros da FURG, oportuniza
o contato do grupo do CEMCA com o cotidiano acadmico com vistas perspectiva
de um futuro acesso universidade, estreitando os laos entre a FURG e a
comunidade rio-grandina.
O enfoque na extenso universitria, que possibilita o contato direto do
estudante, ainda em formao com os problemas reais e cotidianos permite
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discusses e a construo de um conhecimento terico-prtico em consonncia com
o contexto cultural e o cotidiano da comunidade. O trabalho realizado ter seu
campo de atuao ampliado com a divulgao/discusso dos seus resultados junto
aos estudantes do Curso de Magistrio do I.E.E. Juvenal Miller, no municpio do Rio
Grande, com vistas reflexo conjunta sobre o processo inclusivo em todos os
nveis de ensino.
3. O desenvolvimento conjunto de uma metodologia em arte-educao
Como primeiro procedimento metodolgico, a equipe responsvel pelo projeto
visitou o CEMCA, ocasio em que realizou uma entrevista coletiva com a
administradora e o assistente social da Instituio. O objetivo foi estabelecer um
primeiro contato com as meninas, conhecer sua realidade e formalizar o convite para
que participassem das oficinas. Dessa forma foi possvel instigar a curiosidade do
grupo, dando-lhe a oportunidade de participao efetiva no processo de
programao das atividades.
As oficinas foram planejadas nas aulas de Prtica de Ensino, de forma
interdisciplinar, e abordam diferentes linguagens artsticas: desenho, pintura,
escultura, teatro e fotografia, muitas delas contextualizadas na Histria da Arte. Ao longo de 2005, sero desenvolvidas 17 oficinas e todas prevem a utilizao da Arte
como mecanismo reflexo crtica, possibilitando que as meninas-mulheres do
CEMCA olhem para si mesmas e reflitam sobre o que esperam do futuro, tendo em
vista suas participaes como mulheres, trabalhadoras e cidads no futuro de nossa
sociedade.
Como atividade inicial, organizou-se uma visita ao pavilho das Artes Visuais
(figura 1), no Campus Carreiros, oportunidade em que o grupo tambm conheceu
outros locais de nossa Universidade, inclusive o IDEA Espao de Arte. Nesta galeria
artstica montou-se uma exposio com trabalhos dos acadmicos - exemplificando
as atividades que sero desenvolvidas ao longo do ano - e uma confraternizao
festiva, momento em que os grupos puderam trocar idias de forma mais fraterna
(figura 2).
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Figura 1
A primeira visita das meninas do CEMCA FURG foi bastante positiva. Conhecemos o grupo com quem iremos trabalhar e elas, por sua vez, pareceram bastante receptivas idia de viver arte conosco, por algum tempo. Mostraram-se interessadas na exposio, tirando dvidas sobre as linguagens artsticas apresentadas. Acredito que alcanaremos o objetivo do VivArte de resgatar a auto-estima atravs do fazer-refletir artstico. (Acad. Daniel)
Figura 2
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As oficinas pretendem facilitar o processo de autoconhecimento (figura 3), no
entendimento de que s quando a pessoa se conhece, se reconhece e, finalmente,
se aceita que se pode falar em incluso. A nfase no gnero e nas questes que
concernem s mulheres perpassa as atividades desenvolvidas nas oficinas. A idia
poder acrescentar um algo mais s vidas das adolescentes do CEMCA, levando-
as ao questionamento, reflexo, ao resgate ou surgimento de uma auto-estima
talvez ainda no descoberta por elas. Alm disso, os acadmicos do curso de Artes
Visuais tambm esto em um processo de resgate ou desenvolvimento da sua
prpria auto-estima.
Figura 3: Construo do auto-retrato
Atravs dos Jogos de Expresso Dramtica, esto sendo abordadas
questes relacionadas inibio, diante de um grupo ou com relao a si mesma,
explorando o conhecimento do corpo feminino e de suas diferentes formas,
buscando a aceitao do prprio corpo, assim como a aceitao do corpo do outro.
Na Pintura, utilizaram-se espelhos para que as adolescentes ponderassem sobre seus reflexos no mundo cotidiano (figura 4) e, nessa perspectiva, tambm foram
planejadas as prticas em Gravura e Fotografia, com o objetivo de apresentar as linguagens como formas de expresso dos sujeitos.
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Figura 4
A Fotografia uma das linguagens cuja prtica gera grande expectativa no
grupo. As instalaes do laboratrio fotogrfico, com todo seu aparato tcnico,
encantaram as meninas.
Atravs da linguagem fotogrfica sero exploradas tcnicas variadas e
criativas na recriao da realidade. Na prtica do pin hole (foto da lata), por exemplo,
pelo buraco do alfinete a luz constri imagens que proporcionam um outro jeito de
ver o mundo.
Uma das primeiras preocupaes dos acadmicos, como estudantes de Artes
Visuais que so, foi a de criar uma identificao visual para o VivArte. O procedimento escolhido foi o de selecionar uma logomarca, a partir dos projetos
encaminhados. Foram apresentadas sete propostas e, por votao, foi escolhida a
criao do acadmico Wagner Maffra (figura 5).
Figura 5
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Este projeto tem um cunho social muito grande, pois um passo que se d em direo a um pblico menos favorecido que, muitas vezes, acredita no ter futuro, mas queremos mostrar que h um futuro bem prximo. Basta querer e que algum nos mostre o caminho... Acredito ser isso que estamos fazendo!!!! (Acad. Rute)
O projeto VivArte- o fazer artstico como ferramenta de desenvolvimento da auto-estima tem uma importncia muito grande, no sentido de oportunizar a socializao, a integrao de estudantes de um curso universitrio a um pblico
excludo, bem como propiciar o desenvolvimento de formas de refletir acerca do
contexto histrico-comunitrio em determinado momento. Suas aes convergem,
de um lado, para a formao de professores com competncia de interveno social
e capacidade para educar na diversidade, dentro de preceitos de solidariedade,
responsabilidade, e, de outro lado, para o resgate e desenvolvimento da auto-estima
de uma gerao de adolescentes excluda de sonhos e expectativas de uma vida
melhor.
BIBLIOGRAFIA: BRASIL. Lei Federal No 8.069, de 13 de julho de 1990 Estatuto da Criana e do Adolescente . D.O.U. de 16-07-1990. BRASIL. Secretaria de Educao Fundamental. Parmetros curriculares nacionais : arte. Braslia: MEC/SEF, 1997. FUSARI, M. de R. e, FERRAZ, M. H. C. de T. Arte na educao escolar. So Paulo: Cortez, 1993. _________________________________________ Metodologia do Ensino de Arte. So Paulo: Cortez, 1993. MARQUES, I. A. et al. ONG: a arte ampliando possibilidades. So Paulo: CENPEC, 2000. (Educao e participao do CENPEC) YUNES, M. A.; Goldberg. L. O desenho infantil na tica da ecologia do desenvolvimento humano. 2005 (no prelo) YUNES, M. A. M. ; MIRANDA, A. T. ; CUELLO, S. E. S. Interaes entre crianas e adolescentes e seus cuidadores nas instituies: propostas de interveno. In: V Seminrio de Pesquisa em Educao da Regio Sul - Anped Sul, 2004, Curitiba. Seminrio de Pesquisa em Educao, 2004. v. 1.