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15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 1 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental O estudo do regolito na sub-bacia do Córrego do Gigante (Morretes , PR): subsídios para a análise de nucleação de debris flows Leonardo Lemes Melo 1 ; Jefferson de Lima Picanço 2 ; Maria José Mesquita 2 Resumo Os fluxos de detritos (debris flows) são importantes pelo seu alto impacto e grande poder de destruição. O presente estudo analisa um perfil de regolito com 2,5 m de espessura em saprolito de granito, numa grande cicatriz de escorregamento (4,3.10 3 Km² área) na bacia do ribeirão do Gigante, em Morretes (PR). Foram retiradas quatro amostras, correspondentes ao saprolito não estruturado, material de transição, rocha alterada mole I e rocha alterada mole II. O quartzo é o mineral resistato que ocorre em todo o perfil, enquanto biotita só ocorre nas porções mais profundas. Caolinita e gibbsita ocorrem em quase todo o perfil, enquanto a halloisita ocorre nos horizontes intermediários. A proporção de material texturalmente arenoso aumenta de cima para baixo no perfil. As porções intermediárias amostradas tem a mesma curva granulométrica que os materiais coluvionares analisados na bacia. Os índices físicos mostram um aumento na densidade dos materiais com a profundidade, com a formação de fases neoformadas menos densas nas porções superiores do regolito. As diferenças do grau de saturação e do índice de vazios evidenciam variações de porosidade e permeabilidade no interior do perfil, e que coincidem com as principais rupturas observadas em campo. A determinação destes parâmetros é importante para a caracterização dos mecanismos-gatilho dos escorregamentos. Seu entendimento pode auxiliar na delimitação das áreas fonte de escorregamentos com potencial para se transformarem em debris flows, melhorando os mapas de suscetibilidade atualmente disponíveis. Palavras-Chave fluxo de detritos, escorregamentos; saprolito granitico; mapas suscetibilidade; Abstract Debris flows are a singular type of mass movement with high impact and great destructive power. This study analyzes a regolith profile 2.5 m thick in granite saprolite, a large scar slip (4,3.103 sq km area) in the Gigante´s Creek catchment in Morretes (PR). Four samples were taken, corresponding to 1) unstructured saprolite; 2)transition material; 3)soft rock I and 4)soft rock II. Quartz is the most common mineral that occurs throughout the profile, while biotite only occurs in the deeper portions. Kaolinite and gibbsite occur in almost all profile, while halloisite occurs at intermediate horizons. The proportion of texturally sandy material in profile increases from top to bottom. The sampled intermediate portions have the same textural behavior than other catchment´s colluvial materials. The physical indexes show an increase in density of the material with depth, with the formation of less dense newly formed phase in the upper portions of the regolith. The differences in the degree of saturation and the voids show variations of porosity and permeability within the profile, and that coincide with the major landslide disruption zones observed in the field. The determination of these parameters is important for the characterization of trigger mechanisms of landslides. Your understanding may assist in defining the source areas of landslides with the potential to trigger debris flows, improving the currently available susceptibility maps. . Key words debris flows, landslides; granitic saproliths; susceptibility maps; 1 Graduando em geologia, [email protected] 2 Geólogo, Dr, DGRN-IG-UNICAMP, [email protected] Geóloga, Dra, DGRN-IG-UNICAMP, [email protected]

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15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental

O estudo do regolito na sub-bacia do Córrego do Gigante (Morretes ,

PR): subsídios para a análise de nucleação de debris flows

Leonardo Lemes Melo 1; Jefferson de Lima Picanço

2; Maria José Mesquita

2

Resumo – Os fluxos de detritos (debris flows) são importantes pelo seu alto impacto e grande poder de destruição. O presente estudo analisa um perfil de regolito com 2,5 m de espessura em saprolito de granito, numa grande cicatriz de escorregamento (4,3.10

3 Km² área) na bacia do

ribeirão do Gigante, em Morretes (PR). Foram retiradas quatro amostras, correspondentes ao saprolito não estruturado, material de transição, rocha alterada mole I e rocha alterada mole II. O quartzo é o mineral resistato que ocorre em todo o perfil, enquanto biotita só ocorre nas porções mais profundas. Caolinita e gibbsita ocorrem em quase todo o perfil, enquanto a halloisita ocorre nos horizontes intermediários. A proporção de material texturalmente arenoso aumenta de cima para baixo no perfil. As porções intermediárias amostradas tem a mesma curva granulométrica que os materiais coluvionares analisados na bacia. Os índices físicos mostram um aumento na densidade dos materiais com a profundidade, com a formação de fases neoformadas menos densas nas porções superiores do regolito. As diferenças do grau de saturação e do índice de vazios evidenciam variações de porosidade e permeabilidade no interior do perfil, e que coincidem com as principais rupturas observadas em campo. A determinação destes parâmetros é importante para a caracterização dos mecanismos-gatilho dos escorregamentos. Seu entendimento pode auxiliar na delimitação das áreas fonte de escorregamentos com potencial para se transformarem em debris flows, melhorando os mapas de suscetibilidade atualmente disponíveis.

Palavras-Chave – fluxo de detritos, escorregamentos; saprolito granitico; mapas suscetibilidade;

Abstract – Debris flows are a singular type of mass movement with high impact and great destructive power. This study analyzes a regolith profile 2.5 m thick in granite saprolite, a large scar slip (4,3.103 sq km area) in the Gigante´s Creek catchment in Morretes (PR). Four samples were taken, corresponding to 1) unstructured saprolite; 2)transition material; 3)soft rock I and 4)soft rock II. Quartz is the most common mineral that occurs throughout the profile, while biotite only occurs in the deeper portions. Kaolinite and gibbsite occur in almost all profile, while halloisite occurs at intermediate horizons. The proportion of texturally sandy material in profile increases from top to bottom. The sampled intermediate portions have the same textural behavior than other catchment´s colluvial materials. The physical indexes show an increase in density of the material with depth, with the formation of less dense newly formed phase in the upper portions of the regolith. The differences in the degree of saturation and the voids show variations of porosity and permeability within the profile, and that coincide with the major landslide disruption zones observed in the field. The determination of these parameters is important for the characterization of trigger mechanisms of landslides. Your understanding may assist in defining the source areas of landslides with the potential to trigger debris flows, improving the currently available susceptibility maps. .

Key words – debris flows, landslides; granitic saproliths; susceptibility maps;

1 Graduando em geologia, [email protected]

2 Geólogo, Dr, DGRN-IG-UNICAMP, [email protected]

Geóloga, Dra, DGRN-IG-UNICAMP, [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

Fluxos ou corridas de detritos (debris flows) são fenômenos intermediários entre escorregamentos e quedas de rocha e transporte sedimentar fluvial (Hungr et al., 2014). Podem ser definidos como fluxos muito rápidos a extremamente rápidos de material detrítico composto principalmente por uma massa viscosa composta por agua, argila, areia, seixos, blocos e restos vegetais e antrópicos descendo por gravidade em canais profundos, podendo atingir grande mobilidade (Hungr, 2005).

A Serra do Mar no sul-sudeste brasileiro é uma área de ocorrência privilegiada para a ocorrência de debris flows (Coelho Neto et al., 2010; Lacerda, 2007). O aumento da densidade da ocupação na região nos últimos 50 anos tem levado a inúmeros problemas relacionados com estabilidade de encostas e ocorrência de debris flows, com destaque para o evento de janeiro/2011 na região serrana fluminense, responsável por um grande número de mortos e muitos prejuízos de ordem material (por exemplo, Dourado et al., 2011).

Este trabalho se propõe a discutir a caracterização geológica-geotécnica do regolito da bacia do Ribeirão do Gigante, no município de Morretes (PR), severamente afetada por escorregamentos translacionais associados à debris flows no evento de março/2011. O objetivo é entender a formação do regolito nas áreas de nucleação de debris flows. Trata-se de uma análise inicial no sentido de se estabelecer uma metodologia e um zoneamento preliminar de perigo (hazard) para debris flows nesta área.

2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA ESTUDADA

2.1. O evento climático de março/2011

A sub-bacia do córrego do Gigante esta localizada na bacia do rio Jacareí, no município de Morretes, no litoral do Paraná (figura 1). Faz parte da Serra da Prata, uma das denominações locais para a Serra do Mar. A sub-bacia do Córrego do Gigante tem uma área de 213,3 ha, perímetro máximo de 3350 m, com altitude máxima de 890 m e nível de base em 27 m. a região é ocupada, em suas porções de várzea, por pequenas propriedades agrícolas. As partes mais altas da Serra apresentam vegetação de floresta ombrófila densa (Blum et al., 2011).

Figura 1. Localização da área estudada e as cidades afetadas pelo evento hidrológico de março/2011.

O evento hidrológico de março/2011desencadeou enchentes, debris floods, debris flows e escorregamentos em toda a área. Houve três mortes e milhares ficaram desabrigados, com

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perdas de casas e destruição de infraestrutura (Picanço & Nunes, 2013). Nos primeiros 10 dias do mês de março a precipitação acumulada alcançou valores entre 78 e 248 mm, valores que praticamente dobraram no dia 11/março (figura 2), e que desencadearam os primeiros escorregamentos na região urbana de Morretes e Antonina. A chuva recrudesceu a leste no dia 12, na área da bacia do Jacareí, quando mais de 120 mm foram registrados no pluviômetro de Paranaguá (figura 2). Neste dia, segundo o relato dos moradores, foram registrados os grandes debris flows e as enchentes na área da bacia do rio Jacareí.

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dias (março/2011)

Figura 2 – precipitações acumuladas para a região no mês de março 2011 registrados nos pluviômetros regionais; note-se a chuva de 120 mm na região de Paranaguá no dia 12/03. Fonte: Simepar (2011).

2.2. Metodologia

A pesquisa constou de trabalhos de campo e laboratório. A base foram fotografias aéreas e ortofotos escala 1:25.000 (1980), com curvas de nível com equidistância de 10 m executadas pelo Instituto de Terras Cartografia e Geologia do Estado do Paraná (ITCG-PR, 2014). A partir do MDT foram executados os mapas de declividade, elevação, aspecto e outras características morfométricas da bacia. As cicatrizes de escorregamento, os canais e as áreas de deposição foram inventariadas em ambiente GIS com o uso de imagem de satélite Worldview©, com precisão de 1m, obtida em 5 de maio de 2011, poucos meses após o evento. As etapas de campo realizaram o reconhecimento da área, onde foram descritos as cicatrizes dos principais escorregamentos e as zonas de transporte e deposição do fluxo de detritos, além de realizar a coleta de amostras do regolito para análises mineralógicas e geotécnicas. A partir destes dados foram elaborados mapas geológicos e de materiais inconsolidados.

As amostras selecionadas para analises de difratometria de raios X foram previamente quarteadas e moídas. Após a moagem, foram confeccionadas três lâminas de cada amostra, sendo uma tratada com etileno glicol e outra aquecida a 450°C. Estas lâminas foram analisadas no equipamento de difratometria de raios-X do IG-UNICAMP. Foram ainda realizadas a descrição petrográfica de três laminas delgadas polidas.

As análises geotécnicas foram realizadas no Laboratório de Solos da FEAGRI/UNICAMP de acordo com os procedimentos descritos em Camargo et al.(2009). A separação da fração areia grossa e areia fina foi feita através de peneiramento. A fração argila e silte foram obtidas por pipetagem, sem a utilização de defloculante. As análises de consistência dos solos realizadas segundo as normas NBR 6459/84 e NBR-7180/1984.

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2.3. Geomorfologia e Geologia

O embasamento na região da Serra da Prata é composto suítes granitóides e rochas supracrustais Neoproterozóicas (Cury, 2009), cortadas por enxames de diques máficos mesozoicos de direção NW-SE. As rochas cristalinas são recobertas por solos residuais e sedimentos cenozoicos, derivados tanto da dinâmica de encostas como de processo fluviais e marinhos.

As rochas granitoides na área são compostas por biotita-granitos cinza claro de granulação média a grossa. Podem apresentar texturas porfiríticas, com fenocristais de até 5 cm de comprimento. Possui uma foliação milonítica Sm bem marcada, com direção dominante norte-sul e alto mergulho, definida pela orientação de fitas de quartzo e de plagioclásio. A área é cortada por enxames de diques retilíneos e descontínuos com espessuras métricas a decimétricas, variando desde poucos até centenas de metros de extensão. São compostos por diabásio de granulação fina a muito fina, com texturas sub-ofíticas. Estes diques estão posicionados em fraturas que marcam a direção das drenagens mais importantes da bacia.

Os perfis de solo residual descritos são rasos, com espessura media variando de um máximo de 2,5 m a uma média de 1,5 m. O regolito é bastante heterogêneo, formando tors em alguns locais. Os depósitos de tálus são encaixados nos talvegues e nas áreas leque aluvionar. Os depósitos coluvionares são raros, e ocorrem nos interflúvios da área. Os aluviões estão presentes mais próximos ao nível de base, composto predominantemente por sedimentos arenosos e conglomeráticos fluviais.

2.4. Caracterização geotécnica

Foi selecionado para este estudo um corte numa cicatriz de escorregamento (ponto 106) para se investigar as características geotécnicas da área. Trata-se da maior cicatriz de escorregamento da sub-bacia, com uma área de 43.833 m² (figura 3 e 4). Este ponto corresponde a uma altitude

de 615 m, com declividade média entre 25 e 35°. Foram coletadas quatro amostras, que correspondem a variações de cor e de coesão do material ao longo do perfil (figura 5).

Figura 3 - Localização da área estudada na bacia do córrego do gigante, com o ponto LLM-106;

A amostra LLM-106A corresponde à porção superior do saprolito, logo abaixo do solum, o qual não foi amostrado. Trata-se de um material avermelhado, consistência baixa, granular,

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homogêneo. A amostra LLM-106B foi coletada logo abaixo no perfil da figura 5. Corresponde a um material vermelho-amarelado, coesão baixa, homogêneo. Foi correlacionada a um horizonte de transição entre o material sotoposto e a rocha alterada. A amostra LLM-106C foi coletada logo abaixo, com coloração ocre e consistência média, formando, quando pressionada com os dedos, pequenos torrões de dimensão de areia grossa de material alterado friável. Representa uma porção de transição do saprolito para a rocha Sã (denominado rocha alterada I). A amostra LLM-106D corresponde ao material granítico friável. Tem consistência média e forma torrões centimétricos quando destorroada com os dedos (saprolito II). Foi descrita uma lâmina do ponto LM-111, para comparação com a rocha sã, e com a lâmina LLM106E, para comparação com a rocha alterada sã. Para comparação da porção intemperizada, foram amostrados dois pontos de material coluvionar (pontos 108 e 109).

Figura 4 – Detalhe de imagem da cicatriz com a localização do ponto LLM-106

O perfil do ponto LLM-106 mostrado na figura 5 grada lateralmente para regiões com mais seixos e matacões arredondados até áreas com blocos métricos com foliação esferoidal (figura 6). A superfície de ruptura encontra-se entre o a transição e a Rocha alterada mole I e, mais raramente, expondo diretamente a rocha alterada mole II (figura 7).

A tabela 1 apresenta os resultados da petrografia e da mineralogia para o perfil analisado. A amostra LM-111 é uma amostra de rocha sã. Apresenta mineralogia principal composta por quartzo, plagioclásio, K-feldspato, epidoto, biotita, pertita, sericita, clorita. O quartzo apresenta extinção ondulante, subgrãos, e fitas de quartzo (ribbon). O K-feldspato aparece como cristais bem formados, podendo ser indeformados em meio a matriz. As maclas estão deformadas. Os plagioclásios é representado por cristais bem formados a sub-grãos, com maclas deslocadas e dobradas em alguns casos. Notam-se cristais destes feldspatos alterados do para epidoto e outros sericitizados. Encontram-se também cristais de biotita e mica branca. A lâmina da rocha alterada (LM-106E) é composta por quartzo, plagioclásio, epidoto, K-feldspato, clorita, biotita, sericita e pertita. Observa-se a transformação de plagioclásio e o K-feldspato em mica branca, a alteração do plagioclásio em epidoto, assim como o processo de cloritização da biotita.

Para cada amostra, foram produzidos três difratogramas, com a lâmina orientada, lâmina glicolada e lâmina aquecida. Os minerais encontrados em cada amostra estão apresentados na tabela 1. Os argilo-minerais encontrados nas amostras analisadas são a caulinita, illita e halloysita. A biotita só foi observada na amostra 106 D (tabela 1).

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Figura 5 – perfil simplificado do ponto LLM-106 com a localização das amostras

Figura 6 - cicatriz de deslizamento translacional raso próximo ao ponto LLM-106, expondo o regolito com blocos métricos de rocha granítica;

Figura 7 - vista para jusante do ponto LLM-106 expondo a superfície de escorregamento em rocha alterada mole (foto: Leonardo Melo)

2.5. Ensaio granulométrico e parâmetros físicos

Os ensaios granulométricos apresentados na figura 8 para as amostras do perfil LM-106 mostraram texturas areno-siltosas no limite da rocha alterada mole II (LLM-106D) e que vai sendo progressivamente tornando-se siltoso nas porções intermediárias e areno-silto-arenoso nas porções superiores (amostra LLM-106A). Isso se deve provavelmente à própria desagregação intempérica. Entretanto, observe-se que a quantidade real de argila está subestimada, uma vez que os ensaios foram feitos sem desfloculante para analisar o comportamento “real” do material.

As amostras de solo coluvionar analisado (amostras LM-108, 109A, 109B) são areno-argilo siltosas, bastante similares com as amostras intermediárias do perfil (amostras LLM-106B, 106C, figura 8).

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Tabela 1 - Alteração das assembléias minerais presentes na área.

N° Amostra Material Minerais Primários/resistatos Minerais Neoformados

106 A Solo quartzo caulinita, gibbsita e clinocloro

106 B Solo quartzo caulinita, illita, halloysita e gibbsita

106 C Solo quartzo caulinita, illita, halloysita e gibbsita

106 D Solo biotita e quartzo illita , gibbsita

106 E Rocha alterada quartzo, K-feldspato, plagioclásio e

biotita clorita, epidoto e sericita

111 Rocha sã quartzo, K-feldspato, plagioclásio e

biotita clorita, epidoto e sericita

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Areia M. G. Areia G. Areia M. Areia Fina Areia M. F. SILTE ARGILA

106 A

106 B

106 C

106 D

Figura 8 - Curvas granulométricas das amostras do perfil de solo obtido do ponto 106

Os valores dos parâmetros físicos dos solos obtidos encontram-se na tabela 2. Observa-se que as densidades gnat e gs aumentam com a profundidade. Isso se deve ao aumento de

densidade da rocha e dos minerais, devido ao intemperismo, por exemplo, a quebra de feldspatos e minerais ferromagnesianos. Com a presença de minerais de menor densidade, como caulinita e gibbsita, as porções mais superiores apresentam menor densidade. Por outro lado, a diminuição dos vazios em profundidade também contribui, em escala maior, para este decréscimo. A porosidade e o índice de vazios e a umidade diminuem com a profundidade. Já o grau de saturação é maior nas amostras intermediárias no perfil.

Observe-se, por outro lado, a diferença entre estes parâmetros. Enquanto a porosidade decresce relativamente pouco, a umidade e o índice de vazios decrescem substancialmente no contato entre o horizonte C (saprolitico) e a transição para rocha alterada mole e entre a rocha alterada mole I e a rocha alterada mole II. Estas grades diferenças verticais de permeabilidade podem indicar algumas superfícies preferencias de ruptura.

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Areia M.G.

Areia G. Areia M. AreiaFina

Areia M.F.

SILTE ARGILA

106 B

106 C

108

109 A

109 B

Figura 9 - Curvas granulométricas das amostras do perfil de solo obtido do ponto 106

Tabela 2. Índices físicos e parâmetros de resistência dos solos investigados.

gnat

(Kg/m³) gs

(Kg/m³) W (%)

e (%)

Sr (%)

LL (%) IP (%)

106 A 19,36 2,47 3,33 0,70 82,70 37,15 4,86

106 B 19,80 2,57 1,02 0,43 83,47

106 C 19,64 2,52 1,83 0,52 84,00

106 D 19,92 2,62 0,38 0,36 82,21

108 32,96 4,38

109B 32,49 5,05 Onde: γnat – peso específico aparente natural; γs – peso específico dos solidos; e – índice de vazios; w – teor de umidade; Sr – grau de saturação; LL – limite de liquidez; limite de plasticidade.

O caráter arenoso das amostras 106B.C e D não permitiram o ensaio de consistência do solo. Todas as amostras analisadas (106A, 108 e 109B – tabela 2) apresentam índices de Plasticidade caracterizados como fracamente plásticos.

3. DISCUSSÃO

A bacia do ribeirão do Gigante é uma bacia com suscetibilidade para ocorrência de debris flows, assim como diversas outras bacias na Serra da Prata (Tanaka et al., 2015; Picanço et al., 2015). Um dos fatores mais importantes para a ocorrência de debris flows é a disponibilidade de material (Jakob, 2005). No caso do perfil de regolito analisado, sua espessura é bastante rasa, com no máximo 2,5 a 3,0 metros, como em numerosos casos analisados na Serra do Mar (Wolle & Hachich, 1989; Avelar et al., 2011, entre outros). O intemperismo de rochas graníticas em ambientes tropicais, por outro lado, é caracterizado por um lado, pela ação da água em juntas, gerando perfis com blocos e material intemperizado, composto principalmente por caulinita, goetita, gibbsita (McQueen & Scott (2008). No perfil de solo analisado neste trabalho (tabela 3) vamos encontrar minerais resistatos, como quartzo, em todo o perfil; a biotita foi encontrada somente em sua base (amostra 106D). A illita precisa ser melhor investigada, pois pode variar desde materiais resistatos (como muscovita ou sericita, as micas brancas) até argilominerias neoformados. A presença de caolinita é característica destes perfil de solos tropicais, derivada das rações de quebra dos feldspatos. Pequenas quantidades de argilo mineriais do grupo das esmectitas também pode estar presente, como a halloisita. A gibbsita, por outro lado é o mineral que se forma com em climas quentes e chuvosos com a remoção da sílica e a permanência de Al no perfil.

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Tabela 3. Índices físicos e mineralogia dos solos investigados (as amostras não estão representadas com sua espessura real no perfil do regolito).

Sr (%) e (%) gs (Kg/m³)

qz

bio

cao

ill

hall

gibb

106 A

106 B

106 C

106 D

Onde: γs – peso específico dos sólidos; e – índice de vazios; Sr – grau de saturação; qz:quartzo; bio:biotita; cao;calinita; ill:illita; hall:halloisita; gibb: gibbsita.

Os índices físicos mostraram a atuação do intemperismo no perfil. O peso específico dos

sólidos (gs) mostra a presença de materiais menos densos nas porções superficiais e mais

densos em profundidade. Os materiais neoformados em geral são menos densos que os minerais originais da rocha. Por outro lado, o grau de saturação e o perfil de vazios apontam para duas superfícies com acentuadas mudanças no comportamento físico: 1) a transição do solo residual sem estrutura para o material de transição (amostras 106A e B), que diminui à metade o índice de vazios (0,7 para 0,43); e 2) e entre a rocha alterada mole I e rocha alterada mole II, com índice de vazios variando de 0,52 para 0,36. Como observado em campo, a ruptura neste ponto foi realizada no limite da rocha alterada mole I para rocha alterada mole II. Embora ainda não se possa apontar mecanismos que levaram á ruptura dos taludes no evento de março/2011, é possível que estejam relacionados com estes perfis de intemperismo e com as diferenças físicas e estruturais.

4. CONCLUSÕES

O córrego do Gigante é uma bacia de pequenas dimensões e alto gradiente hipsométrico, com suscetibilidade à debris floods e debris flows. Apresenta um substrato granítico não muito espesso, mas que pode formar regolitos de até 3,0 m de espessura. Estes regolitos são relativamente maduros, com a generalizada ocorrência de gibbsita em todo o perfil, característica de climas úmidos e quentes. As diferenças de grau de saturação e índices de vazios indicam a presença de um perfil complexo, com horizontes mais e menos saturados. Estas caraterísticas são importantes para que se possa entender a magnitude do escorregamento estudado e analisar seus possíveis mecanismos-gatilho. As áreas fonte de material para debris flows devem ser caracterizadas com respeito a suas características geológicas e geotécnicas. A disponibilidade de materiais para a ocorrência de debris flows é um parâmetro importante nos cálculos de frequência e magnitude, pois são parâmetros importantes para a elaboração de cartas de hazard.

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AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Prof. Renato Lima (CENACID/UFPR), líder do projeto IPL-182 (Characterization of Landslides Mechanism and impacts as a tool to fast risk analysis of landslides-related disasters in Brazil) pelo apoio e incentivo. Também agradecem ao Instituto de Geociências - IG e ao FAEPEX-UNICAMP pelo auxilio operacional nas diversas etapas do trabalho de campo. Também agradecem ao Dr Dailto Silva, do IG-UNICAMP, pela orientação e acompanhamento nas analises difratométricas. Agradecem também à Técnica Célia Panzarin da FEAGRI-UNICAMP pela orientação e acompanhamento das analises geotécnicas.

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