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Território e análise sociodemográca: contribuições para a denição de demandas sociais O exemplo das telecomunicações e da saúde pública em Campinas Simone J. S. de Azevedo Introdução As fortes desigualdades sociais da sociedade brasileira dicultam a utilização de números médios para o planejamento de políticas públicas, nos mais diversos setores: habitação, saúde, educação, telecomunicações entre outras. Deste modo, a questão da escala territorial no desenho de políticas sociais torna-se muito importante, a m de que “situações sociais negativas não sejam diluídas em grande médias heterogêneas” (TORRES; MARQUES, 2005, p.9). Assim, o presente trabalho preocupa-se em avaliar a contribuição que a demograa pode dar para o planejamento de políticas sociais, utilizando o exemplo das telecomunicações (telefonia xa e acesso domiciliar a computa- dores) e algumas considerações sobre a demanda pelos serviços dos centros de Saúde. Contudo, a problemática deste trabalho não pretende abordar o polêmico debate entre políticas focalizadas versus políticas universais, dado que, mesmo os defensores de políticas universais concordam sobre a necessidade de os grupos em situação de grande privação econômica alcançarem um patamar mínimo de atendimento de suas necessidades básicas de vida, a m de que possam usufruir de outras políticas sociais. Além disso, o modelo de proteção 17

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Território e análise sociodemográfi ca: contribuições para a defi nição de demandas sociais

O exemplo das telecomunicações e da saúde pública em Campinas

Simone J. S. de Azevedo

Introdução

As fortes desigualdades sociais da sociedade brasileira difi cultam a utilização de números médios para o planejamento de políticas públicas, nos mais diversos setores: habitação, saúde, educação, telecomunicações entre outras. Deste modo, a questão da escala territorial no desenho de políticas sociais torna-se muito importante, a fi m de que “situações sociais negativas não sejam diluídas em grande médias heterogêneas” (TORRES; MARQUES, 2005, p.9).

Assim, o presente trabalho preocupa-se em avaliar a contribuição que a demografi a pode dar para o planejamento de políticas sociais, utilizando o exemplo das telecomunicações (telefonia fi xa e acesso domiciliar a computa-dores) e algumas considerações sobre a demanda pelos serviços dos centros de Saúde.

Contudo, a problemática deste trabalho não pretende abordar o polêmico debate entre políticas focalizadas versus políticas universais, dado que, mesmo os defensores de políticas universais concordam sobre a necessidade de os grupos em situação de grande privação econômica alcançarem um patamar mínimo de atendimento de suas necessidades básicas de vida, a fi m de que

possam usufruir de outras políticas sociais. Além disso, o modelo de proteção

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social brasileiro apresenta difi culdades histórias em promover políticas sociais que benefi ciem os grupos mais pobres (TORRES; MARQUES, 2005).

Considerando-se que as desigualdades sociais geram territórios diferen-ciados e, conseqüentemente, desigualdade de oportunidades, é preciso que o desenho das políticas sociais também seja territorialmente delimitado, a fi m de otimizar recursos e aumentar sua efi cácia. Portanto, um desafi o que se coloca para as políticas sociais atuais refere-se a suas estratégias operacionais diante de uma sociedade marcada pela desigualdade social e concentração de renda. Este desafi o também pode ser expresso pela difi culdade em romper com os circuitos de reprodução da pobreza, ou seja, fazer com que o acúmulo de carências do local de residência das pessoas deixe de ser fator decisivo para a reprodução da pobreza.

É preciso, ainda, um alerta para o fato de que as políticas de recorte territorial são complexas. O emprego de recortes territoriais para estratégicas políticas pode incorrer em erros como possíveis vazamentos (não residentes na área alvo do programa se benefi ciarem), direcionamentos imperfeitos e incentivos adversos (normalmente, relacionados aos estímulos de migração para as áreas alvo de programas). Em que pesem estes fatores negativos, eles não se constituem em empecilhos para a utilização das estratégias de recorte territorial; ao contrário, devem fomentar o aprimoramento de pesquisas neste campo, a fi m de contornar estas difi culdades (TORRES; MARQUES, 2005).

O artigo inicia-se pela discussão a respeito da importância de incorporar a distribuição territorial dos diversos perfi s sociodemográfi cos, na defi nição de demandas sociais para políticas públicas. A seguir, são apresentados alguns elementos demográfi cos para a construção da demandas sociais em Campinas. A partir destes elementos, faz-se um exercício analítico sobre a demanda social por telefonia fi xa e inclusão digital no espaço intra-urbano de Campinas e, por fi m, elaboramos algumas idéias sobre possibilidades de análise na área da saúde, por meio dos serviços dos centros de Saúde, destacando-se o trabalho da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas na divulgação de informações em escala intra-urbana.

Território e perfi s sociodemográfi cos

Conforme já discutido, a distribuição territorial de diferentes perfi s so-ciodemográfi cos para as políticas sociais é de grande importância. Por exten-são, para que isto seja operacionalmente viável, é preciso que sejam gerados dados de boa qualidade e que estes possam ser desagregados em unidades espaciais menores, sobretudo nos espaços intra-urbanos. Os recursos dos sistemas geográfi cos de informação (SIGs) permitem a utilização dos setores

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censitários1 ou áreas de ponderação2 dos censos demográfi cos do IBGE, abrindo perspectivas de pesquisa num grau de detalhamento intramunicipal.

A existência de dados atualizados e espacialmente desagregados pos-sibilitaria avaliar onde se concentra a população mais necessitada, por dife-rentes serviços, quais são suas características e como se dá o acesso aos serviços existentes. Porém, boa parte dos indicadores sociais para a avaliação da cobertura dos serviços como, por exemplo, na área de saúde ou das tele-comunicações, é feita com base em valores médios, geralmente agregados por municípios, o que esconde os diversos perfi s sociais que compartilham o mesmo espaço urbano.

Apesar dos desafi os de pesquisa, a defi nição de perfi s sociodemográfi -cos para o desenho de políticas públicas pode ser feita utilizando-se bases de dados hoje disponíveis, como o censo demográfi co. Na defi nição destes perfi s, alguns elementos sociodemográfi cos úteis no planejamento de políticas sociais são: estrutura etária, arranjos domiciliares, tipo e condição de ocupação do domicílio, renda, escolaridade e infra-estrutura do domicílio.

Os elementos acima mencionados auxiliam na defi nição de demandas sociais que levem em conta o caráter dinâmico da população. Ressalta-se ainda que, na defi nição de demandas sociais,

é importante ir além das diferenças socioeconômicas entre famílias, atribuindo-se uma importância especial ao estudo do ciclo vital e aos aspectos do consumo relacionado à estrutura etária da população. Deste modo “as diferenças socioeconômicas, entre as famílias não são os fatores exclusivos para explicar perfi s distintos de despesas. O estágio de urbanização, as especifi cidades regionais e variáveis demográfi cas como o tamanho e o ciclo vital da família também contribuem para modelar os padrões de despesas familiares, de forma a relativizar ou inverter os efeitos primários que os diferenciais socioeconômicos por si só conduziriam (Jannuzzi, 1997).

Em outras palavras, a estrutura etária e o ciclo vital3 devem ser incor-porados na defi nição de demandas sociais. A utilização de recortes que levem em conta apenas os diferenciais socioeconômicos das pessoas torna-se pro-

1 “Setor censitário corresponde à menor unidade territorial para a qual são disponibilizados os dados dos Censos Demográfi cos. Utilizados também como menor unidade para efeito de amostragem do levantamento censitário, costumam compreender uma área com mais ou menos 300 domicílios. Isso implica que suas dimensões territoriais variam segundo o grau de adensamento da cidade” (CUNHA; OLIVEIRA, 2001) 2 “Defi ne-se Área de Ponderação como sendo uma unidade geográfi ca, formada por um agrupamento mutuamente exclusivo de setores censitários, para a aplicação dos procedimentos de calibração das estimativas com as informações conhecidas para a população como um todo” (IBGE, 2002, p.12).3 “O ciclo vital deve ser entendido como uma forma dinâmica de olhar a família. A família pode ser apreendida dentro de uma sucessão de etapas que afetam sua formação, transformação e extinção. Pode-se dizer que a família `nasce´, `cresce´ e `morre´. Os casamentos, nascimentos e óbitos assumem um papel signifi cativo para a análise temporal das famílias, pois são eventos que marcadamente infl uenciam na composição das famílias” (Azevedo, 2005, p. 57).

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blemática, dado que não dá conta de apreender as especifi cidades demográ-fi cas da dinâmica populacional.

O ciclo vital tem um papel importante para o entendimento da formação de diferentes tipos de arranjos familiares.

[...] em tese, a análise da estrutura de despesas segundo o ciclo vital estaria garantindo não apenas o controle do tamanho da família, mas também a diversidade etária do arranjo. ‘A utilização do conceito de ciclo de vida permite apreender a dinâmica interna do núcleo familiar como uma estratégia voltada para a busca de equilíbrio entre os recursos disponíveis em cada fase e as necessidades a serem satisfeitas. A presença na unidade de crianças pequenas, ou “consumidores” sugere a necessidade de arranjos específi cos do núcleo, tanto em termos de recursos econômicos quanto no que se refere às tarefas domésticas, mesmo que a famílias já tenha fi lhos maiores (BRUSCHINI, 1990, p. 44).4

Na prática, os indicadores operacionais do conceito de ciclo vital acabam não garantindo plenamente tais características, o que impede o abandono da perspectiva de análise segundo o tamanho do arranjo familiar (JANNUZZI, 1997).

A estrutura etária, ou a variação de demandas sociais conforme a idade das pessoas, estão fortemente relacionadas ao ciclo vital. Os requerimentos individuais de serviços variam segundo a idade. Desta maneira,

[...] Os requerimentos individuais de alimentação são crescentes até os 20 anos, quando então começam a declinar suavemente. A demanda de unidades habitacionais tem um padrão semelhante, mas defasado em cerca de 10 a 15 anos, já que atinge máximo na idade dos 30 a 40 anos, por conta da constituição e expansão da família e uma relativa estabilidade fi nanceira do chefe da mesma. Os requerimentos individuais de serviços educacionais concentram-se nas idades de 5 a 20 anos, período de formação escolar básica e secundária, atingindo seu máximo aos 10 anos. A demanda por postos de trabalho cresce a partir dos 15 anos, expandindo-se rapidamente aos 20 anos; atinge, então, o máximo aos 30-45 anos, tornando-se então declinante após os 55 anos por conta da mortalidade ou ingresso na aposentadoria e inatividade. Os requerimentos de serviços de saúde são altos no primeiro ano de vida, por conta dos cuidados especiais com o recém nascido, caindo até os 10 anos. A partir de então tornam-se crescentes, por conta dos riscos decorrentes do ingresso na vida economicamente ativa (acidentes, doenças ocupacionais, etc) e da procriação (no caso das mulheres). A partir dos 50 anos, por uma inexorabilidade biológica, os requerimentos de serviços de saúde passam a aumentar mais rapidamente (JANNUZZI; PASQUALI, 1998, p.40).

Para cada política social, o público-alvo varia em termos de volume, ritmo de crescimento, composição etária, ciclo vital e distribuição espacial pelo território. Outro aspecto da dinâmica demográfi ca muito importante, a

4 C. Bruschini, “Estrutura familiar e trabalho na Grande São Paulo”, Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas, n. 72, pp. 9-57.

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ser incorporado no desenho de políticas públicas, diz respeito às projeções demográfi cas. A utilização destas permite a tomada de decisões, no presente, que visem evitar situações problemáticas no futuro, além de otimizar.

Elementos demográfi cos para a construção da demandas sociais em Campinas

Campinas é segunda maior cidade do estado de São Paulo e destaca-se, de um lado, como centro regional, e, de outro, por espelhar o acirramento da segregação socioespacial advinda da reestruturação urbana. O entendimento do processo de reestruturação urbana que se passa em Campinas remete à questão da acelerada e profunda mudança pela qual passou a sociedade brasileira nas últimas décadas, sobretudo a partir de 1970. Estas mudanças resultaram numa sociedade urbana “pobre e de consumo, heterogênea e desigual – na periferia da economia mundial crescentemente internaciona-lizada” (FARIA, 1991, p.99).

Tanto Campinas como a Região Metropolitana de Campinas (RMC) apresentam uma urbanização “seletiva e excludente que engendrou e/ou expandiu a verticalização em diferentes municípios, favoreceu o surgimento de condomínios fechados horizontais, para as faixas de renda média e alta e, ao mesmo tempo aumentou o contingente de população pobre em bairros periféricos, com precária infra-estrutura urbana, e de favelas em quase todas as cidades” (NEPO/NESUR/UNICAMP, 2004, p.3).

Entre 1991 e 2000, ocorre um aumento das áreas com maior densidade demográfi ca da Região Metropolitana de Campinas, não só nas áreas centrais como nas periféricas (maiores relações intermunicipais) e também o aumento da verticalização e da favelização. “Campinas cresceu a 1,5% a.a., enquanto o crescimento das favelas (setores de aglomeradas subnormais) foi de cerca de 8,0% a.a” (NEPO/NESUR/UNICAMP, 2004, p.1).

No município de Campinas, a área central e as áreas na direção norte caracterizam-se por uma ocupação de população de maior poder aquisitivo. A área central é de ocupação mais antiga, apresentando uma população mais envelhecida. A região sudoeste apresenta as áreas de expansão mais recentes marcada pela ocupação de população de baixa renda, com muitos loteamentos populares e ocupações.5

Neste trabalho, optou-se por utilizar as 49 áreas de ponderação de Campinas como unidades espaciais de análise, pois elas permitem uma boa diferenciação socioespacial intra-urbana e também correspondem à menor

5 O trabalho de Cunha e Oliveira (2001) investiga e aponta diferenças sociodemográfi cas no espaço intra-urbano de Campinas.

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unidade espacial de análise pela qual é possível obter-se a informação sobre a presença de telefone fi xo e computador no domicílio. A seguir, o Mapa 1 localiza a cidade de Campinas dentro da RMC, destacando suas áreas de ponderação e os setores censitários rurais.

Mapa 1Região Metropolitana de Campinas e setores censitários rurais de Campinas

2000

Fonte: IBGE, Censo demográfi co 2000.

Arranjos domiciliares

Os arranjos familiares e a etapa do ciclo vital da família são importantes para uma melhor compreensão das demandas por serviços – ou seja, não se deve pensar no domicílio apenas como uma unidade econômica, mas também considerar sua dinâmica interna e suas relações com a dinâmica demográfi ca geral. Os arranjos domiciliares ajudam a compreender a distribuição espacial da população e a identifi car possíveis áreas de crescimento demográfi co.

Eles também estão fortemente relacionados com a estrutura etária da população. Pessoas mais jovens estão no início do seu ciclo vital e, de modo geral, tendem a apresentar arranjos domiciliares do tipo “nuclear”, carac-terística da fase de formação do ciclo vital. Porém, é possível encontrar, em algumas áreas de Campinas, uma considerável presença de população jovem e arranjos domiciliares do tipo “unipessoal”. Desta forma, confi rma-se uma tendência mundial recente de maior diversifi cação dos arranjos familiares.

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O Mapa 2 revela uma participação majoritária, em Campinas, dos ar-ranjos do tipo “casal com fi lhos”, ou seja, a família nuclear. Embora haja uma tendência mundial e também, aqui no Brasil, de diminuição deste tipo de arranjo, pode-se ver que ele ainda predomina, sobretudo nas áreas mais distantes do centro da cidade.

Na região central (áreas 23, 24, 43 e 44) ocorre um predomínio dos domicílios unipessoais. As áreas 23 e 24 apresentam população mais en-velhecida, enquanto as áreas 43 e 44 caracterizam-se pelo predomínio de população jovem, mesmo estando na região central da cidade – região mais envelhecida. A observação da dinâmica urbana de Campinas indica que estas áreas concentram grande quantidade de estudantes e jovens vivendo sozinhos em apartamentos do tipo kitnet ou de um dormitório (AZEVEDO, 2005).

Portanto, trata-se de uma situação em que ocorre grande participação de responsáveis por domicílios abaixo de 30 anos, mas, diferentemente das áreas periféricas, não parece haver potencial para crescimento das famílias nestas áreas, dado que a própria infra-estrutura dos domicílios (apartamen-tos pequenos) não favorece a ocupação por famílias maiores. Então, parece tratar-se de regiões com rotatividade de estudantes, mas sem característica de ocupação por famílias do tipo nuclear.

Observando a presença de arranjos “monoparentais femininos”, per-cebe-se que sua presença dá-se de forma relativamente homogênea na cidade e com uma participação signifi cativa, estando de acordo com a tendência geral de aumento das famílias monoparentais, sobretudo de chefi a feminina. Por outro lado, a presença de arranjos do tipo “monoparental masculina” é pequena.

A tendência mundial de aumento da chefi a feminina confi rma-se para Campinas, onde ocorreu um aumento da chefi a feminina na década de 90, sobretudo nas áreas mais centrais. Porém, isto não é exclusividade do mu-nicípio de Campinas, dentro de sua região metropolitana; outros municípios da RMC também apresentam uma maior participação da chefi a feminina:

[...] na periferia metropolitana o fenômeno da chefi a feminina é bem menos intenso que no município de Campinas. O real signifi cado deste indicador ainda é motivo de controvérsia, no que se refere à maior ou menor vulnerabilidade das famílias nesta condição. No entanto este índice sugere que famílias completas predominam em maior medida nos municípios periféricos, característica que se mostra coerente com um dos principais condicionantes da ocupação destas áreas, ou seja, o acesso à moradia. [...] este fenômeno refl ete em parte características populacionais das áreas mais centrais: concentração de pessoas mais velhas, famílias em ciclo vital adiantado ou famílias unipessoais. Contudo, de maneira geral, este fenômeno pode também refl etir transformações mais profundas na sociedade como alterações no padrão de nupcialidade, a importância cada vez maior da entrada da mulher no mercado de trabalho, assim com o maior número de

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mulheres idosas em comparação com os homens, fruto da sobremortalidade destes últimos (NEPO/NESUR/UNICAMP, 2004, p.5-6).

Em relação à presença de parentes no domicílio, o Mapa 2 mostra que, tanto no arranjo “monoparental feminina com parentes” como no “casal com parentes”, os maiores valores encontram-se nas áreas periféricas da cidade. Uma explicação para esta ocorrência pode ser de caráter econômico, ou seja, em decorrência de difi culdades fi nanceiras, tende a ocorrer uma agregação de parentes para dividir despesas e/ou para auxiliar nas tarefas domésticas e nos cuidados com as crianças, em particular nos casos de chefi a feminina e, mais ainda, nos casos de chefi a feminina de baixa renda, para os quais é mais difícil pagar pelos serviços de cuidado com as crianças (OLIVEIRA; BERQUÓ,1990, p.44-45).

Esta maior agregação de parentes nas áreas periféricas refl ete uma possível existência de redes sociais de auxílio mútuo, frente às difi culdades fi nanceiras e cuidados com o domicílio/família. Isto também contribui para que estas regiões periféricas sejam mais populosas.

Mapa 2Arranjos domiciliares de Campinas, 2000

Fonte: IBGE, Censo demográfi co 2000.

Escolaridade e renda

O Mapa 3 apresenta a distribuição espacial dos responsáveis por domicí-lios com menos de quatro anos de estudo. Análises anteriores de Campinas

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revelam que a escolaridade é uma variável fortemente relacionada com a renda, havendo grande coincidência entre as áreas de maior renda e as que apresentam maior escolaridade e vice-versa (AZEVEDO, 2005).

É possível verifi car, pelo Mapa 3, que as áreas mais periféricas chegam a apresentar mais de 50% de responsáveis com menos de quatro anos de estudo. Do mesmo modo, as áreas que apresentam maior renda – região central e adjuntas, no sentido noroeste – são as que têm menores percentuais de responsáveis pouco escolarizados, cerca de 5%.

A Tabela 1 apresenta a distribuição de renda dos responsáveis pelos do-micílios. Percebemos que as áreas 16, 17, 25, 26, 33 e 46 apresentam renda média mensal inferior a R$ 500,00. Destaca-se que, por restrições impostas pelos dados analisados, esta renda corresponde apenas à do responsável pelo domicílio, não representando a renda familiar, no caso de outros membros da família também trabalharem.

De qualquer modo, as áreas acima destacadas apresentam em média 3,8 pessoas por domicílio, e, como estão nas regiões mais rejuvenescidas e com predominância de arranjos familiares nucleares, pode-se supor que não exista uma parcela signifi cativa de contribuição na renda familiar por parte dos outros membros da família, com exceção do cônjuge. Como os outros membros da família, em sua maioria, são jovens, mesmo que trabalhem é provável estarem em atividades informais ou ocupações mal remuneradas, dado que até mesmo devido à idade ainda não têm qualifi cação necessária para o mercado de trabalho mais bem remunerado. Destaca-se, ainda, que nestas áreas com renda inferior a R$500,00 mensais, a participação percentual dos sem-rendimento é bastante signifi cativa, fi cando em torno de 20%.

Pela Tabela 1, pode-se identifi car que as áreas 40 e 23 apresentam a maior renda média mensal do conjunto (acima de R$ 4.000,00) e possuem em média 3,7 e 2,5 moradores por domicílio, respectivamente. A área 40 apresenta uma predominância de famílias do tipo nuclear e uma estrutura etária mais rejuvenescida que a 23, indicando tratar-se de famílias numa fase mais inicial de seu ciclo vital.

As áreas de ponderação possuem uma cobertura geográfi ca mais extensa que os setores censitários, fazendo com que aumente sua heterogeneidade interna. Deste modo, a área 40 abrange tanto o bairro de alta renda de Nova Campinas como o bairro de baixa renda da Vila Brandina, e observa-se que a quantidade de moradores por domicílios é elevada nesta área 40. Mas talvez as famílias de tamanho maior estejam mais concentradas na área da Vila Brandina. Para uma delimitação mais precisa das heterogeneidades, é preciso que os dados sejam analisados por setores censitários.

A área 38 apresenta percentuais altos de renda, acima de 20 sa-lários mínimos, embora esteja mais afastada das demais. Esta área cor-

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responde ao distrito de Barão Geraldo, onde se localiza a Unicamp. Muitos de seus moradores têm ocupações ligadas à Unicamp e às empresas do pólo tecnológico de Campinas, do pólo petroquímico de Paulínia etc. Esta área 38 localiza-se próximo à Rodovia Dom Pedro I, facilitando o acesso às empresas de alta tecnologia que se localizam principalmente ao longo dos eixos rodoviários. Assim, apresenta renda e escolaridade elevada, que a tornam mais parecida com as regiões centrais do que com seu entorno imediato.

A cidade de Campinas apresenta, em média, 3,4 moradores por do-micílio, e dentre a maior parte de seus domicílios, quase 30%, estão na faixa de renda entre dois e cinco salários mínimos. De acordo com Nepo/Nesur/Unicamp (2004, p.5) “fi ca evidente a confi guração de um eixo de melhor situação relativa, ou seja, menor proporção de pessoas com baixa escolari-dade partindo de Campinas em direção ao Sudeste (Valinhos e Vinhedo) e também ao noroeste (Paulínia e Americana)”. Esta direção de áreas de maior renda, chamada “cordilheira da riqueza”, pode ser visualizada internamente no município de Campinas no sentido noroeste, abrangendo as áreas 40, 23, 24, 28, 30, 34 e 38.

Mapa 3 Percentual de responsáveis por domicílios com menos

de quatro anos de estudoCampinas, 2000

Fonte: IBGE, Censo demográfi co 2000.

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Demandas sociais por telecomunicações em Campinas

Em relação às políticas de universalização dos serviços, constata-se que, “para ser passível de universalizado um serviço deve atingir um percen-tual de penetração no mercado de pelo menos 75%” (TAPIA, 1999, p.83). O percentual de pessoas com acesso a telefone fi xo em Campinas era, no ano de 2000, de 76,8%,6 indicando que o serviço de telefonia fi xa já podia ser considerado universalizado.

Entretanto, a análise por área de ponderação revela que ainda existem 17 áreas onde este percentual está abaixo de 75%, existindo outras em que a participação de pessoas com telefone nos domicílios é em torno de 30%. (AZEVEDO, 2005) – ou seja, valores que estão abaixo da metade dos 75%. O problema da falta de acesso a telefones é, em grande parte, decorrente da falta de renda, não da carência de infra-estrutura de rede.7

Para Campinas, ainda no ano de 2000, calculou-se que o número de pes-soas com acesso a computador é de 27,7% (AZEVEDO, 2005). Evidentemente, não podemos pensar na inclusão digital apenas pelo acesso domiciliar. Isto, inclusive, torna-se bastante problemático, pois existe o fator renda atuando como grande empecilho para a inclusão digital doméstica. Se, para um serviço de custo mais reduzido como o telefone, existem difi culdades para propiciar a universalização, para o computador e internet o desafi o é ainda maior.

Deste modo, o atendimento comunitário parece ser a alternativa mais viável, em curto prazo, para ampliar o acesso aos serviços de informática e atender a maiores parcelas da população. Pode-se pensar em acessos cole-tivos como, por exemplo, através do provimento de serviços de informática nas escolas públicas e pela criação de telecentros. Deste modo, “a melhor forma de combater o apartheid digital em longo prazo é investir diretamente nas escolas, de modo que os alunos possam ter acesso desde cedo às novas tecnologias” (NERI, 2003, p.22).

6 Calculamos o percentual de pessoas com acesso a telefone e computador do seguinte modo: como os dados do censo indicam a presença de telefone no domicílio particular permanente, optamos por calcular, para cada área de ponderação e para o município de Campinas, o número médio de moradores por domicílio e, então, multiplicar este número médio de moradores pela quantidade de telefones e computadores, o que nos dá um indicativo médio da quantidade de pessoas com acesso a estes bens. 7 Levando-se em conta que uma assinatura de linha telefônica residencial mensal é de R$ 35,55 (valor para a cidade de Campinas, adotado pela empresa telefônica em abril de 2005) e o salário mínimo é de R$ 260,00 (valor vigente no Brasil em abril de 2005), pode-se rapidamente averiguar que o percentual de despesa mínima com telefone é bastante elevado, para famílias que vivem com salário mínimo. A maior parte dos responsáveis dos domicílios de Campinas situa-se na faixa de rendimento entre dois e cinco salários mínimos. Assim, uma despesa mínima com telefone fi caria em torno de 6,8% do rendimento mensal, para responsáveis que tenham rendimento de dois salários mínimos. A Agência Nacional de Teleomunicações (Anatel) tem dicutido e colocou para consulta pública, em abril de 2006, um plano alternativo de telefonia fi xa, confi rmando assim, a importância de se verifi car que ainda existem parcelas signifi cativas da população brasileira não atendidas pelo serviço mais básico das telecomunicações, ou seja, pela telefonia fi xa.

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Analisando a distribuição das escolas públicas com laboratório de infor-mática, em Campinas, percebe-se que as regiões periféricas sofrem de maior precariedade também neste aspecto, pois apresentam maiores quantidades de escolas sem laboratório de informática. A situação de não acesso ao com-putador, seja no domicílio ou nas escolas, demonstra como os moradores destas áreas periféricas enfrentam maiores difi culdades para integrar-se de forma satisfatória na sociedade contemporânea estruturada em tecnologias da informação (AZEVEDO, 2005).

A fi m de tentar minimizar estas desigualdades, presentes não apenas em Campinas, mas em todo o país, é necessário pensar em ações que busquem integrar estas populações carentes. A análise sociodemográfi ca intra-urbana possibilita um diagnóstico mais detalhado das desigualdades e especifi cidades socioeconômicas de cada região, facilitando, assim, o planejamento de ações corretivas e condizentes com a realidade local.

Deste modo, fazendo um exercício refl exivo para identifi car quais seriam as áreas prioritárias (mais necessitadas) para o provimento dos serviços de telefonia fi xa e acesso a computadores/internet no município de Campinas, procurou-se defi nir uma ordenação destas – ou seja, priorizar quais seriam as áreas-alvo de ações que busquem corrigir estas falhas de acesso de forma mais urgente.

Pensando-se sobre a necessidade de promover a inclusão digital, deve-se considerar que “a decisão mais proveitosa em termos de alocação de esforços operacionais deveriam ser dirigidos para a área jovem” (NERI, 2003, p.36). Concordando com este argumento, pode-se pensar, inicialmente, nas áreas com alta participação de população jovem, para serem alvo prioritário de ações que visem garantir maior acesso à telefonia e à alfabetização digital.

Assim, defi ne-se como primeira condição que a área apresente, com-parativamente com as outras, maiores quantidades de população de 0 a 14 anos. O recorte de 0 a 14 anos foi escolhido pensando também no potencial futuro de crescimento da demanda. Na verdade, embora se saiba que as crianças na faixa de 0 a 7 anos ainda estão no início da alfabetização e que o uso do computador não se faz muito necessário, tentou-se incorporar, neste recorte, a perspectiva temporal.

Ao pensar-se em tendências de crescimento da demanda e considerando as limitações dos dados censitários – coletados a cada dez anos –, faz-se im-portante levar em conta também as crianças mais jovens, pois sua presença aponta demandas futuras. Também é preciso lembrar que os dados analisados neste trabalho são de 2000 e, genericamente, pode-se supor que as áreas com crianças de 0, ano em 2000, já apresentariam, hoje, crianças com 6 anos.

Pelas análises demográfi cas de Campinas, percebe-se que a presença de população jovem está muito associada à renda baixa, o que implicaria dizer

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que, nas áreas com grande participação de população jovem, a renda tenderia

a ser menor e, conseqüentemente, estas seriam populações mais carentes.

Contudo, para obter-se um maior detalhamento analítico, procurou-se

avaliar, dentre os jovens de baixa renda, quais os mais carentes de acesso à

telefone e computador. Optou-se, assim, por verifi car quais áreas dispõem de

menor acesso domiciliar a telefone fi xo e computador. Desta maneira, sele-

cionaram-se as áreas de ponderação que apresentam menor quantidade de

domicílios particulares permanentes com telefone e computador e que possuem

moradores na condição de fi lhos na faixa etária de 0 a 14 anos.

Outra condição importante para a defi nição das áreas prioritárias é a

fase do ciclo vital em que se encontra a família. Como forma de aproximação

deste indicador, utilizou-se a idade do responsável pelo domicílio, de modo

que se procurou identifi car as áreas de ponderação com predominância

de responsáveis na faixa etária abaixo de 30 anos (fase de formação), os

quais também teriam os fi lhos mais jovens e potencial para aumentar a

família.

Novamente, neste aspecto, temos de considerar que os dados analisados

referem-se ao ano de 2000 e, portanto, os seis anos de diferença, até o presente

momento desta análise, devem ser considerados. De modo generalizado, pode-

se considerar que os responsáveis estariam, em média, abaixo de 36 anos.

Assim, mesmo considerando-se a possibilidade de que grande parte dos

responsáveis abaixo de 30 anos ainda não tenha fi lhos ou, caso os tenha,

estes últimos não teriam idades muito elevadas dentro do grupo etário de 0

a 14 anos, existe um potencial para que isto ocorra nos próximos anos.

Optou-se por fazer um recorte adicional pelos anos de estudo, pelo fato

de que os fi lhos de responsáveis com escolaridade mais elevada tendem tam-

bém a apresentar maior escolaridade. Assim, crianças fi lhas de pais menos

escolarizados podem enfrentar difi culdades de acesso à escola, tornando-se

um público-alvo mais importante para as ações de inclusão.

Além disso, como lembra Neri:

Quando olhamos para as faixas de educação, observamos um maior acesso digital nos domicílios que possuem chefes com alta escolaridade, onde 50,12% das pessoas que tem acesso a microcomputador possuem mais de 12 anos de estudo e 35,12% possuem de 8 a 11 anos de estudo. Importante observar que essa faixa de educação (de 8 a 11 anos de estudo) foi aquela que mais recebeu microcomputador como forma de doação (NERI, 2003, p.58).

Os anos de estudo costumam apresentar uma variação similar à renda,

ou seja, quanto mais anos de estudo, maior a renda, e vice-versa. Deste modo,

não foi feita uma seleção da variável renda para a análise, pois o recorte pela

baixa escolaridade por extensão também geraria uma seleção pela renda.

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Em resumo, para a seleção das áreas prioritárias, buscaram-se áreas que apresentassem o seguinte perfi l:

• % elevado de população de 0 a 14 anos com menores acessos (comparativamente às outras áreas) a telefones fi xos e computadores em seus domicílios;

• responsáveis pelos domicílios abaixo de 30 anos, indicando aproximadamente a etapa de formação da família no ciclo vital;

• responsáveis pelos domicílios com poucos anos de estudo (menos de quatro anos).

Assim, as variáveis acima destacadas referem-se a aspectos socio-econômicos e demográfi cos, no caso o ciclo vital, sendo importante a análise conjunta destes elementos para a elaboração de um planejamento de serviços, e não apenas o fator renda. Isto se explica pela possível existência de locais onde não haja renda para adquirir um serviço, mas nos quais, em função da etapa do ciclo vital das famílias ali presentes, a demanda pelo serviço não seja grande, ou tão urgente. O caso de regiões periféricas de baixa renda e com população mais envelhecida talvez seja um exemplo.

Foi realizada uma análise de correlação destas variáveis selecionadas. Como resultado obteve-se a seguinte matriz:

Observa-se, pela matriz, que duas das variáveis selecionadas são inversamente proporcionais – o percentual de responsáveis com menos de 30 anos e a presença de fi lhos entre 0 e 14 anos, no domicílio, com telefone e computador. Isto é coerente com a realidade, dado que, nas fases mais iniciais de seu ciclo vital, as pessoas tendem a apresentar menor quantidade de fi lhos e também menor renda, o que difi cultaria o acesso a estes bens.

Realizou-se uma análise de cluster, a fi m de agrupar as áreas que apre-sentassem maiores semelhanças, entre si, das variáveis selecionadas. Para a elaboração dos clusters, foi utilizada uma técnica estatística que calcula o cluster baseado na maximização da variância dos dados entre clusters e na minimização da variância intraclusters.

Este procedimento estatístico foi realizado por uma funcionalidade do software SPSS, chamada Kmeans. Esta funcionalidade exige, como entrada,

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um número fi xo de clusters, ou seja, que seja dada a quantidade de grupos que se pretende criar.

Para a defi nição destes intervalos realizou-se, para fi ns exploratórios, uma análise de cluster de tipo hierárquico, cujos resultados são as distâncias registradas entre as observações, em cada etapa do agrupamento. A partir desta informação, é possível avaliar os “melhores” cortes, ou o número de grupos a utilizar. Deste modo, foram defi nidos seis clusters.

O Mapa 4 mostra a priorização das áreas de ponderação segundo o agrupamento por cluster. Sua leitura indica que as áreas mais prioritárias para provimento de serviços de telefone fi xo e computador, segundo os critérios descritos anteriormente, seriam: 16, 31 e 32. São áreas que apresentam maior homogeneidade entre si, e esta homogeneidade dá-se, segundo o recorte adotado, pela maior necessidade de acesso aos serviços de telefonia fi xa e internet. O segundo grupo prioritário para oferecer serviços de telefonia fi xa e informática corresponderia, basicamente, à região sudoeste de Campinas.

Mapa 4 Priorização das áreas de ponderação

Campinas, 2000

Fonte: IBGE, Censo demográfi co 2000.

Com base nestas análises, torna-se possível fazer um planejamento mais preciso das áreas que mais precisariam dos serviços aqui estudados. Além disso, podem-se agregar outras informações aos resultados aqui alcançados, como, por exemplo, a distribuição de escolas ou outros equipamentos públicos

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localizados nas áreas-alvo, a fi m de melhor indicar a localização de pontos de acesso comunitários.

O sistema viário da cidade e as informações sobre transportes públicos também podem contribuir para indicar localizações de fácil acesso, para que haja uma otimização na oferta de serviços, quando feita de modo comunitário. Em suma, o exemplo de análise aqui realizado representa apenas uma etapa inicial de defi nição de áreas no espaço intra-urbano, dando abertura para que as análises sejam aprofundadas tanto em escala geográfi ca como na seleção das variáveis de interesse.

Demandas sociais por saúde pública em Campinas: possibilidades e desafi os de análise intra-urbana

Conforme já apresentado, para cada política social, o público-alvo varia em termos de volume, ritmo de crescimento, composição etária, ciclo vital e distribuição espacial pelo território. Deste modo, no caso das demandas sociais por saúde, é preciso levar em conta os diferenciais entre as regiões com população mais rejuvenescida, com população mais envelhecida, com grande número de mulheres em idade reprodutiva, com grande número de crianças menores de 4 anos, entre outras.

Segundo Jannuzzi e Pasquali (1998, p. 2.871), exemplos de perfi s de-mográfi cos para as políticas sociais na área da saúde seriam:

Política setorial Público-alvo

Combate à mortalidade infantil 0 a 1 ano/0 a 4 anos

Materno-infantil Mulheres em idade reprodutiva

Ocupacional População ativa de 65 anos ou mais

População idosa População de 65 anos ou mais

Ao pensarmos a respeito do acesso aos serviços de atenção básica à saúde, por meio do atendimento oferecido pelos centros de Saúde (CSs), uma primeira questão que se coloca é sobre a oportunidade física de acesso aos mesmos. E, mais importante ainda, além de olhar-se apenas para a localização física dos CSs, é importante avaliar o tipo e qualidade dos serviços por eles oferecidos. Assim, a distribuição e as condições dos serviços prestados pelos CSs seria eqüitativa? Ela refl etiria desigualdades?

Em relação à localização dos CSs em Campinas,8 há uma boa distribuição geográfi ca dos equipamentos, havendo CSs em todas as regiões, mesmo na

8 Destaca-se a organização de informações da Secretaria Municipal de Saúde Campinas (SMSC), seus esforços na coleta e disseminação de dados, havendo mesmo uma Coordenadoria de Informação e Informática, voltada para o georeferenciamento dos dados. Para maiores informações sobre os dados disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, consultar http://antigo.campinas.sp.gov.br/saude/.

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região sul/sudoeste da cidade, caracterizadas pelas piores condições socio-econômicas. Sem desconsiderar a grande importância de uma avaliação da existência de diferenciais qualitativos nos serviços oferecidos pelos CSs, a atual fase desta pesquisa ainda não nos permite tratar desta questão.

Em Campinas, há 48 CSs, os quais têm território e população bem defi nidos. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Campinas (SMSC), dimensiona-se um CS para aproximadamente cada 20 mil habitantes, com equipes multiprofi ssionais envolvendo médicos nas especialidades básicas (clínicos, pediatras, gineco-obstetras), enfermeiros (com responsabilidades voltadas para as áreas da mulher, criança e adultos), dentistas, auxiliares de enfermagem e auxiliares de consultório dentário. Profi ssionais de apoio completam essas equipes.

A SMSC destaca-se, ainda, pelo trabalho de compatibilizar os limites territoriais de atendimento dos CSs com os setores censitários do IBGE, ou seja, na defi nição dos territórios, o desenho dos setores censitários é levado em conta. Este esforço é de enorme importância, pois facilita muito a elabo-ração de pesquisas na área de saúde que utilizem também os dados do censo demográfi co.

A partir das informações sobre estrutura etária da população segundo o Censo de 2000, por setor censitário, a SMSC disponibilizou pirâmides etárias para cada área de atendimento dos CSs.9 Assim, é possível elaborar traba-lhos que localizem demandas específi cas para os CSs conforme as diferentes composições etárias de suas áreas de atendimento. Os CSs localizados nos distritos a sul e sudoeste (áreas mais pobres e com piores condições de infra-estrutura dos domicílios) apresentam população bem mais rejuvenescida do que aqueles localizados nos distritos a norte e leste.

A análise sociodemográfi ca de Campinas já revelou que, nestas áreas mais rejuvenescidas, há uma predominância de famílias do tipo “casal com fi lhos”. A grande proporção de responsáveis abaixo de 30 anos, também presente, indica que as famílias destas áreas têm uma maior participação de fi lhos ainda na infância e/ou apresentam tendência para o aumento de suas famílias. Isto se traduz no desenho de políticas de saúde mais voltadas para a saúde materno/infantil.

Em contrapartida, as pirâmides dos CSs localizados mais ao centro da cidade, apresentam características de população mais envelhecida, devido à ocupação mais antiga desta região no processo de urbanização da cidade e, também, pela alta proporção de idosos ali residente (CUNHA; OLIVEIRA, 2001; AZEVEDO, 2005). Além disso, estas áreas apresentam as maiores proporções de domicílios unipessoais, ainda que, em alguns pontos, estes

9 Disponível em <http://antigo.campinas.sp.gov.br/saude/>. Acesso em 2006.

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domicílios sejam ocupados por responsáveis abaixo de 30 anos, revelando

a tendência mundial de maior diversidade nos arranjos familiares, com

jovens morando sozinhos. De qualquer modo, confi guram-se, assim, áreas

com baixo volume populacional e pouca tendência de crescimento em curto

prazo. Assim, são áreas que demandam por maior assistência de saúde

aos idosos.

Ressalta-se que apenas a análise destes dados, referente à estrutura

etária, já é de grande importância para o planejamento de políticas sociais

diferenciadas, conforme os perfi s de demanda de cada área. A incorporação de

outras informações a respeito dos nascidos vivos e do perfi l da mortalidade,

por área de atendimento dos CSs, contribui muito para o melhor recorte das

políticas públicas. Verifi car onde ocorrem e quais os tipos de doenças ou agra-

vos de saúde, relacionando-os com diferentes perfi s sociodemográfi cos, para a

elaboração ações políticas imediatas e prognósticos de ocorrências, resultariam

em otimização dos recursos e em maior efi cácia dos programas.

Considerações fi nais

As informações a respeito do perfi l socioeconômico da população e a

distribuição dos equipamentos públicos com centros de saúde ou acesso a

serviços como telefonia, permite que se detectem diferentes demandas so-

ciais. Acredita-se, portanto, que o território seja um elemento importante

no desenho de políticas públicas voltadas para promover maior eqüidade,

qualidade, efetividade e humanização. Assim, propostas que levem em conta

o território possibilitariam:• identifi car espacialmente carências/demandas sociais;

• examinar perfi s sociodemográfi cos e suas tendências, possibilitando um balanço entre a oferta e a demanda pelos serviços;

• mudar as agendas políticas para que as demanda sociais oriente a oferta de serviços.

A consideração de todos os aspetos da dinâmica demográfi ca anterior-

mente mencionados, dentro do atual estágio que o Brasil ocupa na transição

demográfi ca, caracterizado por desaceleramento do crescimento populacional,

aumento da população em idade ativa e alto grau de urbanização, é essencial

para uma maior racionalidade nas análises de políticas sociais, oferecendo

elementos para prognósticos que permitam vislumbrar oportunidades de ação.

Porém ainda há enormes difi culdades para incorporação destes elementos no

modus operandi das políticas sociais. Assim, pretende-se que este trabalho

contribua para refl exões sobre as possibilidades e importância da análise intra-

urbana dos perfi s sociodemográfi cos, no âmbito de políticas sociais.

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513SIMONE J.S. DE AZEVEDO

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