1B – BECKER – Teoria Geral do Direito Tributário

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3 1. Manicômio jurídico-tributário Durante muitos séculos, os tributos foram manipulados por príncipes e assembleias sem qualquer conhecimento cien- tífico sobre estas questões, simplesmente porque a Ciência das Finanças Públicas ainda não havia surgido. Em épocas mais próximas, no século XVIII, já se pode considerar existente um núcleo de princípios sobre as finanças públicas. Porém esses princípios eram de natureza econômica e a ordenação jurídica das finanças públicas continuava rudimentar até o fim do sé- culo XVII. 1 No século XIX, os estudiosos dedicaram mais atenção ao fenômeno jurídico da tributação. 2 Contudo, ao terminar esse século, a Ciência das Finanças Públicas e o Direito Tributário ainda permaneciam rudimentares. LUIGI EINAUDI, queixava-se: “Me dejaba um sabor amargo aquel ir cogiendo flor a flor en los campos más diversos de la Economia política (traslación de los impuestos), del Derecho (leyes tributarias), de la Histo- ria (precedentes de las instituciones tributarias actuales) y de la Legislación comparada (income tax, Eikommensteuer y otras maravillas análogas que sólo se ven en el extranjero), como se observa en una sinopsis anterior de mis lecciones, hecha también con suma diligencia por el ilustre doctor CESARE JARACH (Casale, 1907). Tenia la sensación de que aquello no era una construcción científica, sino un batiborrillo incoherente, una especie de diccionario de doctrinas y hechos unidos por un hilo sumamente 1. F. Sáinz de Bujanda, Hacienda y Derecho, vol. I, Madrid, 1955, p. 450. 2. Idem, ibidem.

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  • 31. Manicmio jurdico-tributrio

    Durante muitos sculos, os tributos foram manipulados por prncipes e assembleias sem qualquer conhecimento cien-tfico sobre estas questes, simplesmente porque a Cincia das Finanas Pblicas ainda no havia surgido. Em pocas mais prximas, no sculo XVIII, j se pode considerar existente um ncleo de princpios sobre as finanas pblicas. Porm esses princpios eram de natureza econmica e a ordenao jurdica das finanas pblicas continuava rudimentar at o fim do s-culo XVII.1

    No sculo XIX, os estudiosos dedicaram mais ateno ao fenmeno jurdico da tributao.2 Contudo, ao terminar esse sculo, a Cincia das Finanas Pblicas e o Direito Tributrio ainda permaneciam rudimentares. LUIGI EINAUDI, queixava-se:

    Me dejaba um sabor amargo aquel ir cogiendo flor a flor en los campos ms diversos de la Economia poltica (traslacin de los impuestos), del Derecho (leyes tributarias), de la Histo-ria (precedentes de las instituciones tributarias actuales) y de la Legislacin comparada (income tax, Eikommensteuer y otras maravillas anlogas que slo se ven en el extranjero), como se observa en una sinopsis anterior de mis lecciones, hecha tambin con suma diligencia por el ilustre doctor CESARE JARACH (Casale, 1907). Tenia la sensacin de que aquello no era una construccin cientfica, sino un batiborrillo incoherente, una especie de diccionario de doctrinas y hechos unidos por un hilo sumamente

    1. F. Sinz de Bujanda, Hacienda y Derecho, vol. I, Madrid, 1955, p. 450. 2. Idem, ibidem.

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    sutil y tenue, consistente nada ms en referir todas esas doctrinas y todos esos hechos a los ingresos y gastos del estado.3

    Com o decorrer dos anos, a confuso doutrinria foi fican-do cada vez pior, a tal ponto que, 45 anos depois, em 1959, o mesmo LUIGI EINAUDI (porm, agora, com a experincia de Pro-fessor, Reitor de Universidade, Ministro da Fazenda do Estado, Senador e Presidente da Repblica Italiana) declara: Os dou-trinadores so uma das sete pragas do Egito e, na escala da perniciosidade pblica, somente esto abaixo daquela outra pestilncia que em lngua italiana se diz periti e mais conhecida na linguagem internacional genebrina sob o nome de esperti.4

    Com a finalidade de alcanar o estado de graa antidou-trinarista, fechei, enquanto escrevo e tambm algum tempo antes de iniciar a escrever, todos os livros de Cincia financei-ra, evitando de consult-los para citaes e referncias, exceto quando precisei recordar algum nome a titulo de honra.5

    Em 1955, F. SINZ DE BUJANDA, o atual Professor Catedr-tico da Faculdade de Direito da Universidade de Madrid, pro-cedeu ao magnfico e exaustivo levantamento, no espao e no tempo, do Direito Tributrio, e concluiu que el pavoroso des-concierto que hoje domina o Direito Tributrio devido, em grande parte, falta de distino entre o Direito Tributrio e a Cincia das Finanas Pblicas.6 A. D. GIANNINI e ANTONIO BERLIRI manifestam, em 1956-57, concluso anloga.7

    3. L. Einaudi, Princpios de Hacienda Pblica. Madrid, 1955 (trad. da ed. italiana, 1940), p. 440. Essa observao de Einaudi surgiu pela primeira vez na 2 edio de 1914 do Corso di Scienza delle Finanze, editado em colabora-o com A. Necco.4. Idem, Miti e Paradossi della Giustizia Tributaria. Torino, 1959, p. 4. 5. Idem, ibidem, p. 7. 6. F. Sinz de Bujanda, Haciend y Derecho, vol. I, Madrid, 1955, p. 450.7. A. D. Giannini (Professor Catedrtico da Universidade de Bari). I Concet-ti Fondamentali di Diritto Tributrio. Torino, 1956, pp. 7-15; A. Berliri (Pro-fessor da Universidade de Bologna), Principi di Diritto Tributrio, vol. II (tomo I), Milano, 1957, pp. 116, 118.

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    Alm da infeliz mancebia do Direito Tributrio com a Cincia das Finanas Pblicas que o desviriliza pois exaure toda a juridicidade da regra jurdica tributria sucede que a maior parte das obras tributrias que pretendem ser jurdicas, quando no padecem daquela hibridez, simples coletneas de leis fiscais singelamente comentadas base de acrdos contraditrios e pauprrimos de argumentao cientificamen-te jurdica, cuja utilizao prtica est condicionada curta vigncia da lei fiscal, por natureza a mais mutvel das leis. O consulente sente-se orientado mais pela quantidade fsica e autoridade hierrquica dos acrdos que pela anlise verda-deiramente jurdica do problema. A adio dos acrdos de-termina a soma dos dinheiros para a satisfao do dbito fiscal e a Cincia Jurdica Tributria converte-se numa operao aritmtica de nvel primrio.

    A propsito, observa ENRICO ALLORIO, no ano de 1959: Embora nossa literatura jurdica inclua, agora, trabalhos egrgios de Direito Financeiro, entretanto aquele ramo do Direito ainda no se libertou inteiramente da vexatria hipo-teca de um mtodo emprico (seria mais apropriado dizer: de um vcio) que ainda domina em inumerveis obras de carter mediocremente comentarstico, puras e simples coletneas ocasionais, que podem fornecer, talvez ao prtico, um til sub-sdio informativo, mas no serviro de base para uma interpre-tao verdadeiramente racional sustentada por fundamento objetivo.8

    Tambm em Portugal, reina a mesma patologia tributria. Em 1953, Pedro Soares Martinez, Professor Catedrtico da Faculdade de Direito da Univer-sidade de Lisboa, reconhece que o Direito Tributrio se reduz a uma des-graciosa e contraditria combinao de princpios velhos e de preceitos prticos; no seu livro Estudos de Direito Financeiro Da personalidade tributria, vol. I, Lisboa, 1953, p. 33.8. Enrico Aliario (Professor Catedrtico da Universidade Catlica de Milano), no prefcio que escreveu ao livro de E. Antonini, Studi di Diritto Tributrio. Milano, 1959.

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    Por outro lado, a maioria dos especializados em Cincia das Finanas Pblicas, quando decidem invadir o campo do Direito Tributrio, confundem o momento da criao da lei tributria com o momento de sua interpretao, de modo que acabamos muchas veces por malentendernos mucho ms que si, mudos, procursemos adivinarnos.9

    Por isto no estranhvel que, ainda no recente ano de 1959, LELLO GANGEMI, Professor Catedrtico da Universidade de Npoles, analisando o sistema tributrio italiano, escolheu para seu trabalho um ttulo que diz tudo: Manicmio tribut-rio italiano.10 O estudo do sistema tributrio italiano atual deu a LELLO GANGEMI a seguinte viso: a infelicssima situao do nosso ordenamento tributrio: um caos de leis contraditrias e em anttese aos mais elementares princpios de racionalida-de, justia e socialidade.11

    Em outubro de 1961, JAIMME GARCIA AOVEROS, Professor Catedrtico da Faculdade de Direito da Universidade de Sevilla, tambm demonstra que a presente situao jurdico-tributria de confuso total e orgia. A segurana jurdica perdeu-se dentro da maraa legislativa e, hoje um impulso fantico caracteriza a proliferao das leis tributrias, nunca se saben-do asta qu punto se trata de buena f o de farisesmo.12

    No Brasil, como em qualquer outro pas, ocorre o mesmo fenmeno patolgico-tributrio. E mais testemunhas so des-necessrias, porque todos os juristas que vivem a poca atual se refletirem sem orgulho e preconceito dar-se-o conta que circulam nos corredores dum manicmio jurdico-tributrio.

    9. A expresso de J. Ortega y Gasset, La Rebelin de las Masas, in Obras Completas, 4 ed., vol. IV. Madrid, 1957, p. 114.10. L. Gangemi. Studi in Memoria di Benvenuto Griziotti. Milano, 1959, pp. 127-194.11. Idem, ibidem, p. 131.12. J. G. Aoveros, Desarrollo econmico y ordenamiento jurdico, Revis-ta de Derecho Financiero y de Hacienda Pblica, Madrid, dezembro 1961, vol. XI, n 44, pp. 1.223-26, 1.231-33.

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    No debe extraar, por otra parte, la preponderancia de esa opinn confusa y ridcula sobre el derecho, porque una de las mximas desdichas del tiempo es que, al topar las gentes de Occidente con los terribles conflictos pblicos del presente, se han encontrado pertrechados con un utillaje arcaico y tor-psimo de nociones sobre lo que es sociedad, colectividad, in-divduo, usos, ley, justicia, revolucin, etc. Buena parte del azoramiento actual proviene de la incongruencia entre la per-feccn de nuestras ideas sobre los fenmenos fsicos y el re-traso escandaloso de las ciencias morales. El ministro, el profesor, el fsico ilustre y el novelista, suelen tener de esas cosas conceptos dignos de un barbero suburbano.13

    E a mais confusa e ridcula das mentalidades pseudojur-dicas a que predomina no Direito Tributrio; neste campo h burrices que, de to humildes, chegam a ser pureza e tm algo de franciscano. Outras h, porm, to vigorosas e entusi-sticas, que conseguem imobilizar por completo o nosso esp-rito para a contemplao do espetculo.14

    2. Efeitos da demncia

    Frequentemente, a balbrdia que acabou de ser apontada, conduz o legislador, a autoridade administrativa, o juiz e o advogado ao estado de exasperao angustiante do qual resul-ta a teraputica e a cirurgia do desespero: o cocktail de antibi-ticos ou a castrao. Receita-se o remdio ou amputa-se o membro, embora se continue a ignorar a doena. D-se uma soluo sem se saber qual era o problema.

    Muitos juristas, deplora GILBERTO DE ULHOA CANTO, se obstinam em assimilar o novo ramo da rvore jurdica a outros mais

    13. J. Ortega y Gasset, La Rebelin de las Masas, in Obras Completas, 4 ed., vol. IV, Madrid, 1957, p. 118.14. Anibal Machado, Cadernos de Joo. Rio de Janeiro de Janeiro, 1957, p. 150, referindo-se burrice em geral.

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    provectos, como o Direito Civil, o Comercial ou o Administrativo, enquanto que uns tantos o imaginam solto no espao, como o tmulo de Maom, comandado apenas pelas arbitrrias con-venincias do errio pblico. Mais adiante diz o mesmo autor: Conflitos de competncia impositiva so deslindados em ju-zo, de modo que no convencem a vencedores nem a vencidos nos pleitos em que se suscitam; incoerncias e erros incompre-ensveis constituem a moldura do tratamento de questes fundamentais, como a distino entre impostos e taxas. E isso tudo acontece diariamente, para estarrecimento dos especia-listas, que nunca podem antecipar em que medidas coincidiro a certeza cientfica do que afirmam, e a certeza pragmtica do que os tribunais decidem.15

    Pode-se formular novamente a desencantada concluso de GUICCIARDINI: no creo que puedan ser tan malas las sentencias de los Turcos, que se expiden inmediatamente y casi al acaso... y se auspiciase el xito del rabelaisiano juez Brid oye, que decidia las litis consultando, no las leyes, sino los dados.16

    Muito a propsito das modernas questes litigiosas tribu-trias interessante lembrar que, na Antiguidade, o critrio da sorte foi adotado, frequentemente, como elemento de deci-so a fim de se obter, a todo o custo, a certeza jurdica que no se atingia de outro modo.17

    So os socilogos e os economistas os especializados na acelerao da Histria. Eles traduzem, imediatamente, o ritmo da evoluo do homem. Mas esta evoluo se introduz no Di-reito somente depois duma mise en forme subordinada funo

    15. Gilberto de Ulhoa Canto, no prefcio (pp. 9-10) que escreveu para o livro de Amilcar de Arajo Falco, Direito Tributrio brasileiro (Aspectos concretos). Rio de Janeiro, 1960.16. L. Oate, La Certeza del Derecho, trad. esp. Buenos Aires, 1953, pp. 99 e 104 (ed. original italiana, Roma, 1942).17. Idem, ibidem, p. 104; Cf. a respeito A. Biscardi, Il Dogma della Co-liicione alla Lace del Diritto Romano, 1935, p. 159 e ss., apud L. Oate, op. loco cit.

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    moderadora, coordenadora e retificadora do mtodo jurdico.18 Noutras palavras, aquela evoluo s emerge no mundo jur-dico depois de transfigurada pela atividade jurdica do ho-mem que moldando, retificando e coordenando os dados sociais e econmicos constri um instrumento de ao social praticvel: a regra jurdica (o Direito Positivo).19

    No Brasil, desde 1926 at 1955, portanto em 29 anos, cerca de cem leis, decretos-leis e regulamentos alteraram a legislao do imposto de renda.20 E depois de 1955, mais uma vintena de leis e decretos continuaram a alterar a referida legislao. Quando o Direito modificado com frequncia le juriste a le sentiment quon les livre alors limprvu et au hasard. Il ne se trompe pas.21

    Se fossem integralmente aplicadas as leis tributrias, todos os contribuintes seriam passveis de sanes, inclusive de crcere e isto no tanto em virtude da fraude, mas princi-palmente pela desorientao que o caos da legislao tribut-ria provoca no contribuinte.22 To defeituosas costumam ser as leis tributrias que o contribuinte nunca est seguro das obrigaes a cumprir e necessita manter uma dispendiosa equipe de tcnicos especializados, para simplesmente saber quais as exigncias do Fisco.23

    En rigor, diz FERNANDO SINZ DE BUJANDA, no se acierta bien a comprender por qu la accin administrativa ha de ser

    18. R. Savatier, Les Mtamorphoses Economiques et Sociales du Droit Civil dAujourdhui, 2 ed. Paris, 1952, pp. 12-14; e na 2 srie das Mtamorphoses, Paris, 1959, dedicada ao Luniversalisme renouvel des disciplines juridiques, pp.71-73.19. Ver ns. 21, 23, 26-28.20. Aliomar Baleeiro, Introduo Cincia das Finanas, 1 ed. Rio de Ja-neiro, 1955, p. 431.21. R. Savatier, op. loco cit.22. R. Liguori, La Riforma Tributaria. Padova, 1951, p. 11.23. Soares Martinez, Estudos de Direito Financeiro Da personalidade tributria, vol. I. Lisboa, 1953, p. 35.

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    ms rpida cuando se desenvuelve a espldas de la ley qu cuando se ajusta a sus mandatos sin contar con que, en la prctica, la liberacin de las trabas legales no se traduce casi nunca en una mayor rapidez de gestin ; no se adivina, tam-poco, por qu una decisin ultrarrpida, pero mal orientada, h de ser mejor qu otra revestida de mayores garantias de acierto, aunque hay de adoptarse con algo ms de parsimonia; no se concibe, por fin, cmo al considerar lo qu conviene a la vida econmica del pas se prescinde de algo qu es, sia duda, tanto o ms importante qu l rapidez: la seguridad (Hacien-da y Derecho, vol. II, Madrid, 1962, p. 166).

    A finalidade de um bom ordenamento tributrio no a de fazer pagar o imposto com o mximo rendimento para o Estado e com o mnimo incmodo para os contribuintes. Um imposto no moderno, no participa dos tempos novos e nem da moda mundial, se no engendrado de modo a fazer o contribuinte preencher grandes formulrios; a faz-lo correr, a cada momento, o risco de pagar alguma multa, tornando-lhe a vida infeliz com minuciosos aborrecimentos e com a privao da comodidade que no faz mal a ningum e que ele procurou atravs de uma longa experincia.

    E conclui LUIGI EINAUDI: A finalidade do imposto no a de buscar fundos para o errio, mas a de provocar repugnncia ao contribuinte.24

    As leis devem ser modificadas a fim de que os novos pro-blemas sociais e econmicos que proliferam vertiginosamente na acelerao da Histria recebam as respectivas solues pela criao de novas leis. O instrumental jurdico que se toma an-tiquado deve ser imediatamente substitudo e so as regras jurdicas tributrias as que mais rapidamente envelhecem, de tal modo que hoje se assiste caducidade precoce de um Di-reito Tributrio recm-nascido.25

    24. Luigi Einaudi, Mito e Paradossi della Giustizia Tributaria. Torino, 1959, p. 13.25. Caducidade precoce do Direito Tributrio e necessidade de sua meta-morfose jurdica, ver n 127.

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    A regra jurdica um instrumento, e a sua criao, uma Arte.26 Hoje, ou o Estado quebra o instrumental jurdico que se tomou impraticvel, ou este instrumental obsoleto que fere as mos do Estado. Para fugir a esta alternativa, o Estado cons-tri, atabalhoadamente, quantidade enorme de novas leis de to pssima qualidade que revela ignorncia de troglodita na arte de criar o instrumento apropriado. Em construo de regras jurdicas tributrias, apenas se comeou a sair da idade da pedra lascada... O sofrimento dos contribuintes no tanto pela amputao em sua economia; o tipo de instrumento cirr-gico que os faz soltar berros pr-histricos.

    La abundancia de las leyes... No es ms que un alivio para la ignorancia de los ministros, quienes, no sabiendo penetrar en la razn ntima de las cosas, quisieran encon-trar para cada caso una ley expresa, y son como un cami-nante que marcha en tinieblas y no teniendo ninguna idea del camino que recorre, mira a cada paso dnde debe poner el pie.27

    Para consolo de todos bom recordar uma confisso de F. CARNELUTTI: la verdad que el nmero de las leyes ha llegado a ser tal, que no es posible siquiera alos expertos conocerlas todas. Los ms consumados entre nosotros ignoran una gran parte de las disposiciones legislativas que nos gobiernan. Esto quiere decir que, en una buena parte, las mquinas legislativas no actan o actan mal.28

    26. Ver ns. 19-20. 27. P. M. Daria, apud, L. Oate, La Certeza del Derecho, trad. esp. Buenos Aires, 1953, p. 103. Em sentido anlogo: J. G. Aoveros, Desarrollo eco-nmico y ordenamiento jurdico, in Revista de Derecho Financiero y de Hacienda Pblica, vol. XI, Madrid, dezembro 1961, n 44, pp. 1.223-26, 1.231-33.28. F. Carnelutti, apud, L. Oate, La Certeza del Derecho, trad. esp., Bue-nos Aires, 1953, p. 103. Em sentido anlogo: R. Savatier, Les Mtamorpho-ses Economiques et Sociales du Droit Priv dAujourdhui, 2 srie, Paris, 1959, dedicada a Luniversalisme renauvel des disciplines juridiques, pp. 63-64.

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    3. Sistema dos fundamentos bvios

    O Direito Tributrio est em desgraa29 e a razo deve buscar-se no na superestrutura mas precisamente naqueles seus fundamentos que costumam ser aceitos como demasiado bvios para merecerem a anlise crtica.30

    Esclarecer explicitar as premissas. O conflito entre as teorias jurdicas do Direito Tributrio tem sua principal origem naquilo que se presume conhecido porque se supe bvio. De modo que de premissas iguais em sua aparncia (a obviedade confere uma identidade falsa s premissas) deduzem-se conclu-ses diferentes porque cada contendedor atribuiu um diferente conceito s premissas bvias. Esta dualidade de concluses deixa ambos os contendedores surpresos e perplexos (pois par-tiram das mesmas premissas bvias), sem que um possa convencer o outro da veracidade de sua respectiva concluso.31

    29. Na verdade, o jurista ou o financista que, atualmente, analisar o sistema do Direito Tributrio de qualquer pas, sentir a esquisita impresso de in-gressar num Manicmio Tributrio; ver ns. 1-2.30. O que em 1936, J. M. Keynes escreveu no prefcio de seu clebre livro: The General Theory of Employment, Interest and Money, sobre as doutrinas ortodoxas em Economia Poltica e Finanas Pblicas, aplica-se, hoje, s doutrinas do Direito Tributrio: (...) porque si la economia ortodoxa est en desgracia, la razn debe buscarse no en la superstructura, que ha sido ela-borada con gran cuidado por lo que respecta a su consistencia lgica, sino en la falta de claridad y generalidad de sus premisas. Por tal motivo no podr cumplir mi deseo de persuadir a los economistas que estudien otra vez, con intencin crtica, algunos de los supuestos bsicos de la teoria, ms que, por medio de argumentos sumamente abstractos, asi como valindome a menu-do de la controversia. Quisiera abreviar sta; pero he creido importante no slo explicar mi propio punto de vista, sino tambin mostrar en que aspectos se aparta de la teora habitual. Supongo que quienes se aferran demasiado a lo que llamar la teoria clsica, vacilarn entre la creencia de que estoy completamente equivocado y la de que no estoy dciendo nada nuevo (Mxico, 1958, Fondo de Cultura Econmica, p. 7).31. Ver, a este respeito, as agudas e interessantes observaes de N. Bobbio, Teoria della Scienza Giuridica, Torino, 1950, pp. 200-36, principalmente

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    Nesta perigosa atitude mental, incorrem muitos daqueles que pem o fundamento do tributo (e consequentemente do Direito Tributrio) na soberania do Estado e cujo raciocnio em sntese este: o Estado tem necessidade de meios financei-ros para custear suas atividades e com tal finalidade (a surge o problema da natureza da tributao extrafiscal) tributa e tributa (inclusive extra fiscalmente) porque soberano; destas premissas se conclui, obviamente, que o tributo uma obriga-o ex lege.

    Nesta inadvertncia esterelizante incorreu, infelizmente, A. D. GIANNINI, desde 1937 at 195632 e muitos dos autores por ele ali referidos.

    Diz A. D. GIANNINI: Lidea fondamentale, espressa nel la definizione, che limposta ha per unico fondamento giuridico il potere dello Stato, fu posta pi specialmente in evdenza, come carattere distintivo dellistituto (la generica affermazione che lobbligo dellimposta ha la sua base nefla soggezione allo Stato un antico assioma della dottrina del diritto pubblico.33

    Note-se que o grifo em nico e distintivo do prprio A. D. GIANNINI que, lamentavelmente, em 1937 incorreu na inadvertncia de aceitar como coisa bvia aquele nico funda-mento e que ainda em 1956 no achou necessrio o reexame das premissas.

    A atitude mental de A. D. GIANNINI em aceitar o referido fundamento como coisa bvia, transparece na sua exposio:

    pp. 220-30. Compare-se em sentido anlogo, porm dirigido s Finanas Pblicas, Earl R. Rolph, Teoria de economia fiscal, Madrid, 1958 (trad. do The Theory of Fiscal Economies, California, 1954), pp. 7-12.32. A. D. Giannini, Il Rapporto Giuridico dimposta. Milano, 1937, n 1, espe-cialmente nota 1, p. 1; I Concetti Fondamentali di Diritto Tributrio, Torino, 1956, n 27.33. A. D. Giannini, I Concetti Fondamentali di Diritto Tributrio, Torino, 1956, p. 71, nota 1; exatamente igual em 1937, Il Rapporto Giuridico dimposta, Milano, 1937, p. 1, nota 1.

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    antico assioma; senza dubbio la ragione prima dell-imposizione; queste premesse, della cui esatezza nessun giurista potrebbe dubitare, pongono in evidenza come gli ele-menti indicati nella definizione siano i soli rilevanti per la de-terminazione del concetto giuridico dimposta.34

    Ora, partindo daquele nico fondamento giuridico aceito como bvio, A. D. GIANNINI fatalmente acabaria incor-rendo em concluses dogmticas como esta perch anche al pi iniquo o antieconomico del tributi non si potrebbe negare il carattere giuridico dimposta, quando avesse la sua base nella potest dimpero dello Stato e lo scopo di procurare ad esso umentrata.35

    Com efeito, a primeira parte desta concluso de A. D. GIANNINI insustentvel perante a Constituio italiana de 1947 que dispe em seu Art. 53: Tutti sono tenuti a concorrere alle spese pubbliche in ragione della loro capacit contributiva. Il sistema tributrio informato a criteri di progressivit. E a ltima parte da concluso daquele autor (lo scopo di procura-re ad esso umentrata) incapaz de explicar a natureza jurdi-ca tributria do tributo extrafiscal.

    Aqueles que fundamentam o tributo na soberania do Estado esto certos, mas (embora o fundamento no seja erra-do) eles constroem a teoria jurdica do tributo apenas sobre um fragmento das bases jurdicas integrais (note-se que no se est fazendo referncia causa-impositionis tica ou ao Direito Tributrio natural); eles edificam todo o Direito Tribu-trio sobre um fundamento considerado bvio que, como ser demonstrado, nada tem de bvio.

    Construir o Direito Tributrio sobre a obviedade deste fundamento fatalmente levar o artfice perplexidade de

    34. Idem, Il Rapporto Giuridico dimposta, Milano, 1937, n 1 e I Concetti Fondamentali di Diritto Tributrio, Torino, 1956, n 27.35. Idem, ibidem, p. 4, e repetido sem modificaes em I Concetti Fondamen-tali di Diritto Tributrio, Torino, 1956, p. 73.

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    muros intransponveis ou a levitaes msticas; ultrapassveis aqueles e atingveis estas, somente graas onipotncia de afirmaes dogmticas ou mediante explicaes que se fundam numa misteriosa e sacrossanta autonomia do Direito Tributrio; (autonomia que, ou lanada como coisa bvia, ou expli-cada confusa e supersticiosamente).36

    Certas teorias mostram-se facilmente inteligveis e simples precisamente porque so edificadas sobre apenas um fragmen-to das bases integrais; e, quando destrudas pela anlise, resta sempre um truncamento de coluna indestrutvel (aquele frag-mento) a lanar entre as runas a sua sombra enigmtica de meia-verdade.

    En matire de thorie juridique, il nest pas de Roma locuta est. Les Romains nont pas tout dcouvert, et ce quls ont dcouvert nest pas toujours la vrit pure et parfaite, mme si lon tient compte du monde limit, techniquement primitif, dont ils avaient lexprience. Apres eux, comme aprs leurs successeurs du moyen ge et des temps modernes, il reste place pour un effort critique personnel dlucidation de points obscurs ou mme de remisse en question de con-cepts reus.37

    Com profunda gratido, temos sempre presente o inesti-mvel auxlio dos mestres. Se, por desventura, parecermos originais, isto sucedeu no visando a glria de contradiz-los mas por simples decorrncia daquele mesmo princpio de absoluta honestidade intelectual que tambm aos mestres conferiu originalidade e que no-lo transmitiram, ensinando-nos a evitar a cmoda docilidade servil.

    El que descubre una nueva verdad cientfica tuvo antes que triturar casi todo lo que habia aprendido y llega a esa nueva

    36. Ortega y Gasset, Los lugares comunes son los tranvias del transporte intelectual, La Rebelin de las Masas, in Obras Completas, 4 ed., vol. IV. Madrid, 1957, p. 237.37. Jean Dabin, Une Nouvelle Dfinition du Droit Rel, Paris, 1961 (sepa-rata do n 1 de 1962 da Revue Trimestrille de Droit Civil, Paris, Srey), p. 43.

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    verdad con las manos sangrientas por haber yugulado innu-merables lugares comunes.38

    4. Objetivo do livro

    Como todo o Direito Positivo, o Direito Tributrio tem natureza instrumental39 e manej-lo Cincia40 que requer sensibilidade especfica: atitude mental jurdica.

    Este livro tem por finalidade desenvolver os dotes jurdi-cos do leitor, de modo a conferir-lhe aquela sensibilidade espe-cfica: a atitude mental jurdica tributria que lhe ser til para manejar em qualquer tempo e lugar o Direito Tributrio.

    Por isso, esta Teoria Geral do Direito Tributrio no se refere a um ordenamento jurdico determinado (ex.: brasileiro ou italiano ou hispnico), mas estuda o fenmeno jurdico tri-butrio en soi, degag des contingences de temps et de lieu.41

    A falta da supra indicada sensibilidade especfica (atitude mental jurdica) em manejar o instrumento delicado que Direito Positivo, em especial o Direito Tributrio, tem no passado e no presente produzido cacofonias doutrinrias que dilaceram os tmpanos do jurista.

    No passado, chegou-se ao extremo de considerar o Direito Tributrio como um Direito excepcional,42 e, no faz muito

    38. Ortega y Gasset, La Rebelin de las Masas, in Obras Completas, 4 ed., vol. IV. Madrid, 1957, p. 255. 39. Ver n 19. 40. Ver ns. 16, 20.41. J. Haesaert, Thorie Gnrale du Droit. Bruxelles, 1948, p. 19; F. Soml, luristische Grundlehre, 1927, p. 8.42. As teses hermenuticas in dubio contra fiscum ou in dubio pro fisco e a da interpretao rgida ou restritiva das leis tributrias, originam-se do pressuposto (consciente ou no) de que as leis tributrias so leis de natu-reza excepcional. Para a exposio e crtica destas teses, vide E. Vanoni, Natureza e interpretao das leis tributrias, Rio de Janeiro, 1952 (trad. de Rubens Gomes de Sousa, do original italiano, ed. Padova, 1932), 2-7.

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    tempo, consideraram-no um aparato de leis de natureza apenas formal.43 tranquilizante sabermos que estes dois equvocos j foram esclarecidos.44 Hoje, aquelas teses ecoam esquisita-mente com a sonoridade brbara e rudimentar de cantos guerreiros predatrios.

    No presente, a ausncia da indicada sensibilidade espe-cfica continua a engendrar, com catedrtica gravidade, teses tributrias pseudojurdicas cujo empirismo larvar confrange o jurista.

    Exemplo de carncia de atitude mental jurdica a divul-gadssima tese (aceita como coisa bvia) que afirma ser a hi-ptese de incidncia (fato gerador, fato imponvel, supor-te factcio) sempre um fato econmico. Outro exemplo atual a muito propagada doutrina da interpretao e aplicao do Direito Tributrio segundo a realidade econmica do fenme-no social. Como se demonstrar, ambas teorias tm como resultado a demolio da juridicidade do Direito Tributrio e a gestao de um ser hbrido e teratolgico: o Direito Tribut-rio invertebrado.45

    Outro exemplo atualssimo e da mais fundamental impor-tncia, que desde h muito tempo continua, cada vez mais, a

    43. V. E. Orlando, Studi giurdici sul governo parlamentario, in Archivio Giuridico, vol. XXXVI, 1986, p. 553 e ss.; E. Lolini, La norma di Diritto Tributrio nello Stato Moderno, Rivista di Diritto Pubblico, 1912, I, p. 466 e ss., e, LAttivit Finanziaria nella Dottrina e nella Realt, Roma, 1920, p. 427 e ss.; Otto Mayer, Deutsches Verwaltungsrecht, 3 ed., vol. I, Mnchen, 1924, vol. I, p. 104 e ss.44. E. Vanoni, Natureza e interpretao das leis tributrias, Rio de Janeiro, 1952 (trad. de Rubens Gomes de Sousa, do original italiano, ed. Padova, 1932), 20-22; Amilcar de Arajo Falco, Introduo ao Direito Tributrio, Rio de Janeiro, 1959, pp. 47-52.45. Para a refutao da doutrina que afirma ser a hiptese de incidncia sempre um fato econmico, ver ns. 87, 89, 184. Para a refutao da doutrina da interpretao e aplicao das leis tribu-trias segundo a realidade econmica do fenmeno social, ver ns. 32-36.

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    merecer especial ateno dos estudiosos de todos os pases, o problema da natureza jurdica do oramento pblico.46

    Como se ver, a lei oramentria justamente aquela lei que apresenta o maior grau de positividade,47 pois mediante a incidncia da regra jurdica especfica (a lei que aprova o oramento), juridiciza-se o oramento, transfigurando-se na prpria relao jurdica constitucional do Estado que uma perptua (continuada) reafirmao da prpria existncia.48

    Creio de acertar no ponto certo, diz A. D. GIANNINI, ob-servando que aquela faixa de mistrio que tem circundado at agora o Tributrio, pela escassa considerao a ela dedicada pelos juristas, induziu a fantasi-lo de uma particular natureza, que o colocaria em uma zona apartada, quase que inacessvel aos princpios gerais e comum dogmtica jurdica. No ser fcil alcanar progressos na elaborao do Direito Tributrio, se primeiro no se desentulhar o terreno destas tenazes supers-ties.49

    Escrevendo em 1959, o Professor da Universidade de Bari, BENEDETTO COCIVERA, lamenta que o Direito Tributrio ainda parea uma Cinderela.50

    Realmente, sempre que a juridicidade do Direito Tribu-trio desvirtuada, ele veste-se de andrajos jurdicos e como

    46. Sobre o problema na Espanha, vide o excelente e judicioso estudo de F. Sinz de Bujanda, Revista de Derecho Financiero y de Hacienda Pblica, Madrid, 1958, n 29, pp. 235-66, publicado tambm no seu Hacienda y Dere-cho, vol. II. Madrid, 1962, p. 141 e ss. Para a anlise deste interessante caso espanhol e do brasileiro, sob o ngulo da Teoria Geral do Direito Tributrio, ver nossos ns. 61-63,28. Sobre a natureza jurdica do oramento pblico, ver nossos ns. 64-68.47. A expresso de Giorgio Del Vecchio que a usou, no para definir a lei oramentria, mas para definir o Estado; in Teoria do Estado, So Paulo, 1951, trad., p. 160.48. Ver ns. 64-68.49. A. D. Giannini, I Concetti Fondamentali di Diritto Tributario, Torino, 1956, p. 18 (grifou-se). 50. B. Cocivera, Principi di Diritto Tributario, vol. I. Milano, 1959, p. 13.

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    Cinderela envolta num halo de mistrio e superstio foge ao Palcio da Justia, quando a despesa ultrapassa a Receita, na meia-noite dos oramentos deficitrios.

    No se condena o deficit no oramento pblico. Ele ex-celente teraputica quando provocado, consciente e inteligen-temente, pela Poltica Fiscal, em determinadas conjunturas econmicas e mediante a utilizao de instrumental jurdico adequado.

    Entretanto, o deficit oramentrio ainda costuma surgir no por obra de instrumental jurdico apropriado mas como acidente ou calamidade pblica destruidora do instrumental jurdico clssico, porm obsoleto. Por isto o oramento defici-trio estabelece uma escurido pnica dentro da qual a Cinde-rela do Direito Positivo sente desnudar-se do Jurdico.51

    5. Plano do livro

    Para atingir o j apontado objetivo deste livro,52 ado-tou-se o plano adiante indicado e que resultou da seguinte experincia:

    Para se compreender integralmente o Direito Tributrio indispensvel que antes se tenha analisado a natureza jur-dica do oramento pblico. Por sua vez, o estudo da natureza jurdica do oramento pblico pressupe a investigao da embriogenia do Estado.

    Il faut admettre, en effet, que leffort en vue de dfinir lEtat na pas sa fin en lui-mme, car sa dfinition, loin dtre un fin, est un point de dpart. Cest elle que est la base de lagencement juridique lemprise duquel est soumise toute

    51. Sobre o princpio do equilbrio econmico-social do oramento pblico (em substituio ao do equilbrio financeiro-contbil) e o da periodicidade cclica (em lugar da anual) e a consequente metamorfose jurdica do ora-mento pblico, ver ns. 61-63.52. Ver n 4.

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    notre vie sociale. Or, nous ne comprendrons ni le pourquoi, ni le comment de ce formidable appareil rgulateur de la vie commune, ni son objet, ni sa igitimit, si naus ignorons ce quest lEtat.53

    Pretender falar cientificamente sobre a Teoria Geral do Direito Tributrio, sem o acurado e refletido exame da em-briogenia do Estado e da natureza jurdica do oramento pblico, enveredar pelo cmodo sistema dos fundamentos bvios, com a consequente esteira de erros, contradies e ambiguidades.54 Los hombres propenden a descubrir lo que llaman el lado prctico de las cuestiones y no aciertan, por lo general, a comprender que lo ms prctico, en materia de impuestos, consiste precisamente en elaborar una teoria jur-dica de la imposicin.55

    Porm, como no prefcio de seu clebre livro, J. M. KEYNES concluiu com toda a razo que a dificuldade no reside no compreender as ideias novas, mas no abandonar as antigas,56 adotou-se o seguinte plano para a investigao e anlise da Teoria Geral do Direito Tributrio:

    Primeira Parte Introduz o leitor no mundo jurdico-tributrio.

    Segunda Parte Reeduca a atitude mental jurdica tributria.

    Terceira Parte Estuda os fundamentos jurdicos do Direito Tributrio, mediante a investigao e anlise da embriogenia do Estado e da natureza do oramento pblico.

    53. G. Burdeau, Trait de Science Politique, vol. II. Paris, 1949, LEtat, p. 130 (grifou-se).54. Ver n 3.55. Fernando Sinz de Bujanda, Hacienda y Derecho, vol. II, Madrid, 1962, p. 477 (grifou-se).56. J. M. Keynes, The General Theory of Employment Interest, and Money, ed. 1936, parte final do prefcio; no mesmo sentido, A. Angelopoulos Planisme et Progrs Social, Paris, 1953, pp. 36-37.

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    Quarta Parte Investiga e analisa a estrutura lgica e a atu-ao dinmica da regra jurdica tributria.

    Quinta Parte Investiga e analisa a metamorfose jurdica do Direito Tributrio.

    6. Conceituao do Direito

    A Justia nada tem de haver com a Teoria Geral do Direi-to, mas precisamente o objeto da Filosofia do Direito.57 Cada Estado professa uma diferente Filosofia do Direito; entretanto, embora a respectiva organizao seja estatal ou de ladres, ou seja, como tem acontecido em todos os tempos, um organis-mo estatal governado por ladres, o instrumento que eles criarem ser sempre jurdico: a regra jurdica.58

    Antes de o leitor iniciar a sua prpria crtica sobre a con-ceituao do Direito feita no final desta exposio, ser til que reflita na sbia observao de GILBERTO DE ULHOA CANTO sobre o calvrio das definies: Logo que ouvimos uma definio procuramos ver no que deficiente, no que incompleta e entramos numa ginstica dialtica, que no constri, no pro-duz os resultados que corresponderiam logicamente ao esfor-o despendido.59

    57. N. Bobbio, Studi sulta Teora Generale del Diritto, Torino, 1955, pp. 8, 79-85; para um maior desenvolvimento da distino entre Filosofia do Direito e Teora Geral do Direito, ver seus referidos Studi pp. 27-52 e sua Teoria della Scienza Giuridica, Torino, 1950, pp. 341. Tambm no sentido de que a Justi-a nada tem de haver com a Teoria Geral do Direito, ver: E. Weil, Philosophie Politique, Paris, 1956, pp. 84-85; Henri de Page, LObligation Abstraite en Droit Interne et en Droit Compar, Bruxelles, 1957, pp. 229, 236-37. Validade e justia da regra jurdica, ver nosso n 25.58. N. Bobbio, Studi sulla Teora Generale del Diritto, Torino, 1955, pp. 8, 79-85.59. Gilberto de Ulhoa Canto, Curso de Direito Financeiro, Rio de Janeiro, 1958 (obra coletiva publicada pelo Instituto Brasileiro de Direito Financei-ro), p. 99.

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    A atitude do crtico que tem interesse no progresso da Cincia do Direito, pondera N. BOBBIO, no a de buscar apoio para o triunfo das prprias ideias e ideologias, mas o crtico deve, antes de tudo, compreender a obra e depois livr-la dos erros a fim de purific-la e, com isto, continuar a tarefa de purificao da Cincia Jurdica. Caso contrrio a anarquia das doutrinas jurdicas aumentar e tais crticos sero simples tiranetes prepotentes e faciosos, cada um dos quais predica e impe a trs ou quatro ouvintes as suas prprias e pequenas descobertas.60

    Finalmente, no deve o leitor estranhar que esta Teoria Geral do Direito Tributrio estruture suas concluses, fazendo-as decorrer de premissas fornecidas por mltiplos autores das mais diversas ideologias. incrvel quo difcil convencer um estudioso, seguidor de um determinado mtodo de trabalho, que outros estudiosos, seguidores de outros mtodos, no so inimigos para exterminar, mas quase sempre aliados com os quais seria muito vantajoso procurar um acordo para se auxi-liarem reciprocamente.61

    Tendo-se sempre presente o que acima foi dito, a concei-tuao do direito a seguinte:

    Momento pr-jurdico: O fim do Direito no atingir a verdade (a realidade); a busca da verdade (a realidade) o ob-jeto das cincias. A Cincia faz a colheita e a anlise dos fatos (a realidade) fsicos, biolgicos, psicolgicos, econmicos, fi-nanceiros, sociais e morais.62

    Momento jurdico: Com o auxlio ou contra aqueles fatos colhidos e analisados pelas cincias pr-jurdicas,63 o Estado age, utilizando como instrumento o Direito.64

    60. N. Bobbio, Studi sulla Teora Generale del Diritto, Torino, 1955, p. 106.61. Idem, ibidem, p. 131.62. Ver n 17.63. Ver ns. 22-23.64. Ver n 19.

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    O Estado age a fim de proteger e desenvolver o bem comum (autntico ou falso).65

    O ordenamento jurdico (as regras jurdicas) um instru-mento criado pelo Estado.66 O Estado a nica fonte do Direito.67

    Criar este instrumento (as regras jurdicas) genuna Arte68 e utiliz-lo verdadeira Cincia.69

    A atividade do jurista consiste precisamente:

    a) em analisar o fenmeno da criao do instrumento (regra jurdica), a fim de orientar o criador (Estado) sobre a arte de constru-lo e torn-lo praticvel.70

    b) em analisar a consistncia do instrumento (regra jurdica) e o fenmeno de sua atuao. Isto significa: investigar a estrutura lgica da regra jurdica; constatar a sua atuao dinmica e esclarecer os efeitos jurdicos resultantes desta atuao.71

    A Cincia do momento jurdico a Teoria Geral do Direito.72

    Momento post-jurdico: A atividade desenvolvida neste terceiro momento de natureza essencialmente filosfica e consiste no trabalho desenvolvido pelo filsofo para responder as seguintes perguntas:

    O bem comum de um determinado Estado autntico ou falso?

    O que a Justia?

    65. Ver n 49.66. Ao se utilizar a expresso Estado, no h referncia exclusiva ao tipo de sociedade chamada Estado de Direito, ver ns. 46-48.67. Ver n 59. 68. Ver n 20. 69. Ver n 20.70. Ver ns. 16, 20, 21, 22, 46-60.71. Ver ns. 16, 81-100.72. Ver n 16.

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    O instrumento (determinada regra jurdica) justo ou injusto?73

    A Cincia do momento post-jurdico (que procura respon-der estas perguntas) a Filosofia do Direito.74

    7. Cincia das Finanas Pblicas e Direito Tributrio

    Alguns poucos doutrinadores ainda continuam a negar a possibilidade lgica ou a oportunidade prtica de separar o Direito Tributrio da Cincia das Finanas Pblicas.75 Entre-tanto, hoje, tanto juristas quanto financistas esto de pleno acordo em recomendar a rigorosa e ntida separao entre a agncia das Finanas Pblicas e o Direito Tributrio, quer no estudo cientfico, quer na exposio didtica.76

    73. No confundir a validade e a justia da regra jurdica, ver n 25.74. Ver a bibliografia citada na nota 1, supra.75. B. Griziotti, Studi di Scienza delle Finanze e Diritto Finanziario, vol. II, Milano, 1956, p. 123; Rivista di Diritto Finanziario e Scienza delle Finan-ze, 1954, n 2, parte primeira, p. 134 e ss.; Rivista di Diritto Finanziario e Scienza delle Finanze, 1942, parte primeira, p. 201 e ss.; M. Pugliese, Pres-supposti teorci e metodologici di un corso di Diritto Finanziario e Scienza delle Finanze, Studi Senesi, 1936, p. 1; G. Zingali, Linsegnamento univer-sitario della Scienza delle Finanze, Rivista Pubblica Contemporanea, Bari, 1950, p. 425 e ss.76. Ver principalmente: Fernando Sinz de Bujanda, Hacienda y Derecho, vol. II, Madrid, 1962, pp. 47-137; Rubens Gomes de Sousa, Revista Forense, Rio de Janeiro, 1956, vol. 165, pp. 401-06; e Romanelli-Grimaldi Metodologa del Derecho Financiero, Revista de Derecho Financiero y de Hacienda P-blica, Madrid, junho de 1961, vol. XI, fasc. 42, pp. 731-80. importante lembrar que a separao didtica entre Direito Tributrio e Cincia das Finanas foi uma das recomendaes aprovadas nas Primeiras Jornadas Latino-americanas de Direito Tributrio, realizadas em Montevideo, 1956; os signatrios desta recomendao foram: Rubens Gomes de Sousa, Amilcar de Arajo Falco, Giuliani Fonrouge, Peirano Facio, Garca Belsun-ce, E. F. Zavala, Giampietro Borras (Ver: Aliomar Baleeiro, Introduo Cincia das Finanas, 2 ed., vol. I, Rio de Janeiro, 1958, nota 4, pp. 56-57). Tambm no mesmo sentido da referida separao entre Direito Tribu-trio e Cincia das Finanas, ver: Amilcar de Arajo Falco, Introduo ao

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    O ensino da Cincia das Finanas Pblicas e do Direito Tri-butrio reunidos em nica ctedra uma situao emprica que perdura h quase um sculo ressalta ROMANELLI-GRIMALDI pois se originou no ano acadmico de 1886-1887 quando a lei de or-ganizao universitria criou a ctedra Cincia das Finanas e Direito Financeiro. O Professor Catedrtico da Universidade de Npoles demonstra que esta unio didtica representa uma cristalizao injustificada de posies cientficas definitivamen-te superadas e que provocou uma irracional deformao nos

    Direito Tributrio, Rio de Janeiro, 1959, p. 15, n 5; Ruy Barbosa Nogueira, Problemtica do Direito Tributrio no Brasil, Revista Fiscal e de Legislao de Fazenda, Rio de Janeiro, 1961, n 1, pp. 1-2; Soares Martinez, Estudos de Direito Financeiro Da personalidade tributria, vol. I, Lisboa, 1953, p. 114. Dino Jarach, Curso Superior de Derecho Tributario, vol. I, Buenos Aires, 1957, pp. 5-6. A. D. Giannini, Istituzioni di Diritto Tributario, 7 ed., vol. I, Milano, 1956, n 5, pp. 68; e I Concetti Fondamentali di Diritto Tributrio, Torino, 1956, n 4, pp. 7-15; A. Berliri, Principi di Diritto Tributrio, vol. I, Milano, 1952, pp. 15-16; G. Zanobini, Corso di Diritto Administrativo, 4 ed., vol. IV, Milano, 1955, p. 334; B. Cocivera, Principi di Diritto Tributario, vol. I, Milano, 1959, p. 8 e ss., DAmati, Il Discorso sul Metodo nel Diritto Finanziario, separata de JUS, Milano, 1958; Udina, Il Diritto lnternazionale Tributrio, Padova, 1949, p. 33; Luigi Einaudi, In difesa della Scienza delle Finanze, in La Reforma Sociale, 1934; DAlessio, Corso di Diritto Finanziario, Napoli, 1938, p. 8; G. Tesoro, Principi di Diritto Tributrio, Bari, 1938, pp. 8 e 9; A. DAngelillo, Le Frodi Fiscali, vol. II, Milano, 1952, pp. 350-3; Victor Uckmar, La Tassazione degli Stranieri in Italia, Padova, 1955, p. 9; Aster Rotondi, Archivio Finan-ziario, vol. II, 1951, pp. 465-66; L. Gangemi, Elementi di Scienza delle Finan-ze, vol. I, Napoli, 1948, p. 8, nota 1; E. DAlbergo, Economia della Finanza Pubblica, vol. I, Bologna, 1952, pp. 19-46; C. Cosciani, Principi di Scienza delle Finanze, Torino, 1953, pp. 6-11; C. Arena, Rivista di Diritto Finanziario e Scienza delle Finanze, 1940, n 1, primeira parte, p. 3 e ss. e p. 142 e ss.; Gustavo Del Vecchio, Lezioni di Economia Poltica Introduzione alla Finan-za, Padova, 1954, p. 10; G. Ingrosso, Diritto Finanziario, Napoli, 1956, pp. 10-16; J. M. de Jaime Rodriguez, Revista de Economia Poltica, Madrid, 1959, X (1), pp. 122-29, resumo in Cuadernos Bibliogrficos de Hacienda Pblica, Bilbao, 1959, n 6, p. 323; Fritz Neumark (Professor da Universidade de Frankfurt) e Gnther Schmlders (Professor da Universidade de Colnia), apud Fernando Sinz de Bujanda, Hacienda y Derecho, Madrid, 1962, vol. II, p. 84.

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    mtodos de trabalho de cada Cincia, cujo resultado foi a confuso e o retrocesso nas investigaes de ambas cincias.77

    El Derecho Tributrio, observa DINO JARACH, se ensea en las Facultades de Derecho y de Ciencias Econmicas, pero en ambas de manera distinta y en forma que podramos considerar casi paradgica. En las Facultades de Derecho, que por su des-tino natural deberian formar juristas, la materia financiera se ha enseado, tradicionalmente, en un curso de Finanzas donde, por la particular formacin mental de los docentes, se aprendia todo, menos el aspecto jurdico de las finanzas pblicas.78

    FERNANDO SINZ DE BUJANDA, Professor Catedrtico da Faculdade de Direito da Universidade de Madrid, denuncia esta hbrida e irracional mancebia didtica:

    A lo largo de muchos decenios, ha debido conformarse con ser un apndice, a veces incmodo, y casi siempre incom-prendido, de ctedras consagradas e la exposicin de materias fronterizas. En los aos en que la savia universitaria robustecia el cuerpo cientfico del Derecho Civil y del Mercantil, del Penal y del Procesal, del Administrativo y del Poltico, la pobre legis-lacin de Hacienda fue objeto de exposiciones jurdicas super-ficiales, y siempre fragmentarias, por parte de quienes, por vo-cacin y temperamento, dedicaban su esfuerzo a otro gnero de investigaciones, y alcanzaban en ellas, en no pocas ocasiones, amplia y merecida gloria.

    La vitalidad creciente de la legislacin financiera y tribu-taria demanda ya, sin embargo, com fuerza incontenible, una renovacin profunda en los mtodos universitarios de investi-gacin y de exposicin de las materias hacendistcas.79

    77. Romanelli-Grimaldi, Metodologia del Derecho Financiero, Revista de Derecho Financiero y de Hacienda Pblica, Madrid, junho de 1961, vol. XI, fasc. 42, especialmente pp. 736-737, 774, 780.78. Dino Jarach, Curso Superior de Derecho Tributrio, vol. I, Buenos Aires, 1957, p. 5 (grifou-se).79. Fernando Sinz de Bujanda, Hacienda y Derecho. vol. II, Madrid, 1962, pp. 28, 47-137

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    E conclui:

    La enseanza seguir adoleciendo inevitablemente de la misma laguna si el profesorado universitario no se decide definitivamente a reconocer sus limitaciones y a confesar su incapacidad para ahondar simultneamente en el estudio de la Economia financiera y del Derecho financiero. Si ese reco-nocimiento se produce, se habr dado un paso importante para que el Poder pblico se decida a organizar sobre nuevas bases las ctedras de Hacienda pblica.80

    Vrias universidades da Alemanha, h quinze anos, com-preenderam a necessidade da separao didtica e cientfica entre o Direito Tributrio e a Cincia das Finanas Pblicas e, em consequncia, j criaram ctedras consagradas exclusiva-mente ao ensino do Direito Tributrio.81

    O problema da separao rigorosa entre a Cincia das Finanas e o Direito Tributrio de importncia vital, pois o conbio do Direito Tributrio com a Cincia das Finanas (como o festejado por BENVENUTO GRIZIOTTI e seus discpulos), provoca a gestao de um ser hbrido e teratolgico: o Direito Tributrio invertebrado.82

    Exatamente observa A. D. GIANNINI que os filiados dou-trina de GRIZIOTTI partem de uma premissa exata: a Cincia das Finanas, a Poltica e o Direito Tributrio trabalham sobre a mesma matria; entretanto o erro est em que eles, partindo de uma premissa exata, deduzem uma concluso arbitrria porque no se pode e nem jamais se pensou numa classificao das cincias, segundo o objeto material ao qual se referem.83

    Por um princpio de estrema coerenza como gostam de dizer os discpulos de GRIZIOTTI eles deveriam lutar para

    80. Idem, ibidem, pp. 130-31.81. Idem, ibidem, pp. 86-90. 82. Ver ns. 26, 29.83. A. D. Giannini, I Concetti Fondamentali di Diritto Tributrio, Torino, 1956, p. 11.

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    reunirem numa nica Cincia (caso fossem mdicos) a anato-mia, a fisiologia, a patologia, a psicologia e a tica, porque todas elas tm o mesmo objeto: o homem. Ou, ficando dentro do Direito, deveriam reunir a Economia com o Direito Agrrio; a Merceologia com a Economia Poltica e com o Direito Comer-cial; a Hidrulica com o Direito das guas, etc.84

    A fim de que o Estado tenha um instrumento (o Direito Tributrio) eficiente de ao, importantssimo e indispens-vel do auxlio da Cincia das Finanas Pblicas para se conhe-cerem (ela d a Cincia conhecimento dos fatos sociais) os fenmenos financeiros.85 Alis, os conceitos e princpios que estruturam a Cincia das Finanas Pblicas nem poderiam jamais serem concebidos se eles no fornecessem indicaes para uma ao poltica. Toda a Cincia Social prope, ainda que inconscientemente, uma ao poltica; as cincias sociais trabalham na investigao e anlise dos dados sociais com o auxlio dos quais ou contra os quais o Estado age.86

    Entretanto, a atividade do jurista consiste precisamente:

    a) em analisar o fenmeno da criao de um instrumento (ex.: regra jurdica tributria) de ao social, a fim de orientar o criador (o Estado) sobre a Arte de moldar aquele dado constatado ou previsto pelas cincias sociais, ao melhor rendimento humano, porque a regra jurdica somente exis-te (como jurdica) na medida de sua praticabilidade;87

    b) em analisar a consistncia daquele instrumento (regra jurdica) e o fenmeno de sua atuao, isto , investigar a estrutura

    84. Idem, ibidem, p. 12.85. Ver ns. 6, 23.86. E. Weil, Philosophie Politique, Paris, 1956, p. 13; Fernando Sinz de Bu-janda, Hacienda y Derecho, vol. II. Madrid, 1962, En torno a la naturaleza de la actividad financiera, pp. 5-24; Derecho Financiero y Poltica Fiscal, pp. 27-44.87. Ver ns. 16, 20, 21, 22, 46-60.

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    lgica da regra jurdica, constatar a sua atuao dinmica e esclarecer os efeitos jurdicos resultantes desta atuao.88

    Na anlise da metamorfose do oramento pblico e do Direito Tributrio encontram-se os melhores exemplos do oferecimento pela Economia Poltica, Cincia das Finanas Pblicas e Poltica Fiscal, dos dados indispensveis ao tra-balho construtivo do jurista.89 Porm, na tremenda balbrdia, ambiguidade e contradio do Direito Tributrio,90 encontra--se o melhor exemplo dos malefcios resultantes da falta de uma ntida e radical distino entre a Cincia das Finanas Pblicas e o Direito Tributrio. precisamente esta falta de distino cientfica e didtica que provoca a perda da funda-mentalssima atitude mental jurdica, sem a qual no h Di-reito, nem h jurista.91

    Testemunhando a necessidade de haver, nas Faculdades de Direito, a separao didtica e o ensino muito mais desen-volvido do Direito Tributrio, o preclaro mestre e experiente advogado Rubens Gomes de Sousa presta magnfico depoi-mento no seu estudo O Ensino do Direito Tributrio nos cursos jurdicos, do qual transcrevem-se estas sugestivas observa-es: A verdadeira misso do advogado, a que lhe permite contribuir para uma sociedade mais pacfica, onde as ativida-des produtivas melhor se desenvolvam e frutifiquem, muito mais de orientao e preveno que de defesa ou ataque. A barra do tribunal deve ser para o advogado o que a sala de operaes para o mdico: o ltimo reduto de seus esforos, no o panorama normal de suas atividades.

    Entretanto, chamado a exercer em matria fiscal essa atividade construtiva e, de certa forma, bem mais difcil que

    88. Ver ns. 16, 81-100.89. Ver ns. 61-63, 127.90. Ver ns. 1-2.91. Ver ns. 10-15.

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    a simples tcnica forense, o advogado, que no possui aquela familiaridade do assunto, aquela espcie de sexto sentido que s se adquire vivendo com a matria desde os bancos da es-cola, sentir-se- postergado a um segundo plano, vegetando na sombra dos especialistas e dos tcnicos que proliferam margem do regulamento da ordem, restrito prtica foren-se, e que se arrogam s funes de orientadores e de consulto-res. Confrontando com esses peritos, as mais das vezes im-provisados, sem competncia tcnica ou responsabilidade profissional, o advogado, hesitante em face de questes para ele estranhas e misteriosas, tolhido pela conscincia da inade-quao do seu preparo e da honorabilidade do seu ttulo, re-signa-se absteno e ao silncio; e muitas vezes recebe afinal, das mos do perito, o caso irremediavelmente comprometi-do, para ento arcar sozinho com o peso do fracasso.

    Deste libelo contra os que fazem ao advogado concorrn-cia desleal no campo tributrio, cumpre excluir, para coloc-los em posio honrosa, os bacharis em cincias econmicas e contbeis. A estes toca, por fora do atual estado de coisas, uma responsabilidade mais pesada que a que lhes compete. Tambm eles fazem concorrncia profissional ao advogado, mas no deslealmente, nem por vontade prpria, seno pela deficincia em que se encontram os prprios advogados para tomarem a sua parte do encargo comum e com eles trabalharem em cola-borao, cada qual no seu campo prprio de atribuies e de responsabilidade.92

    8. Direito Financeiro e Direito Administrativo

    O Direito Tributrio disciplina com autonomia didtica,93 porm no o Direito Financeiro, porque os ins-

    92. Rubens Gomes de Sousa, Revista Forense, Rio de Janeiro, 1956, pp. 405-6.

    93. A expresso autonomia equvoca e perturbadora como se demonstra no n 9; onde tambm se d o conceito de autonomia didtica.

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    titutos, categorias e regras jurdicas que comporiam o Di-reito Financeiro continuam conservando, cada uma delas, a sua prpria natureza jurdica original, verbi gratia: de Direito Administrativo, de Direito Constitucional, etc. As regras jurdicas que, no suposto Direito Financeiro revestem-se de uma especificidade que permite reuni-las em um gru-po ou concatenao lgica, so justamente aquelas que estru-turam o Direito Tributrio como disciplina com autonomia didtica.94

    O Direito Financeiro, como ramo de Direito com nature-za especfica, no existe e sua autonomia, ainda que para fins didticos, sumamente prejudicial, pois confundir o estudo cientfico das regras jurdicas que o comporiam, convertendo-o num cocktail.

    Por outro lado, alguns como A. D. GIANNINI e G. ZANOBINI ressaltando a autonomia apenas didtica do Direito Tribu-trio, para consider-la um ramo do Direito Administrativo do qual deve ser destacado, para fins didticos e de trabalho cien-tfico,95 esquecem-se que tambm o Direito Administrativo goza de uma autonomia apenas didtica.96

    94. Muitos autores entendem que a autonomia do Direito Tributrio seria tambm jurdica. Entretanto no oferecem uma explicao convincente do que seria esta autonomia jurdica. Alis, tal explicao jamais poderia ser convincente, pelas razes expostas em nosso n 9. No sentido da autonomia jurdica: Amilcar de Arajo Falco, Intro-duo ao Direito Tributrio, Rio de Janeiro, 1959, p. 17 e ss., principalmente p. 20, n 13; H. Garca Belsunce, La Autonomia de Derecho Tributario, Buenos Aires, 1957, principalmente p. 8, infine; D. Jarach, Curso Superior de Derecho Tributario, vol. I, Buenos Aires, 1957, p. 7 e ss., especialmente pp. 11 e 12; B. Cocivera, Principi di Diritto Tributrio, vol. I, Milano, 1959, p. 6; A. Berliri, Principi di Dritto Tributario, vol. I, Milano, 1952, p. 3 e ss., especialmente p. 6.95. A. D. Giannini, Istituzioni di Diritto Tributrio, 7 ed., Milano, 1956, p. 5, e, principalmente, I Concetti Fondamentali di Diritto Tributrio, Torino, 1956, pp. 15-20; no mesmo sentido, G. Zanobini, Corso di Diritto Amministrativo, 4 ed., vol. IV, Milano, 1955, pp. 333-335.96. Ver n 9.

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    9. Autonomia de qualquer ramo do Direito problema falso

    A autonomia do Direito Tributrio um problema falso97 e falsa a autonomia de qualquer outro ramo do Direito Positivo.

    O vocbulo autonomia no prprio do mundo jurdico. O jurista moderno usa e abusa da palavra autonomia, em-pregando-a nos significados mais disparatados, de modo que ela se converteu numa expresso equvoca e perturbadora, sugerindo zonas apartadas e inacessveis Teoria Geral do Direito e atribuindo virtualidades misteriosas quilo que considerado autnomo.98

    Muitos estudiosos do Direito Tributrio utilizam a palavra autonomia como fundamento e explicao bvia de toda e qualquer doutrina tributria pseudojurdica; e assim fazendo, propagam a demncia tributria e cometem, com catedrtica gravidade, erros jurdicos de um empirismo larvar.99

    Na moderna Teoria Geral do Direito, a expresso auto-nomia uma daquelas que exige prvia anlise etimolgica. Como vocbulo de origem filosfica, transitado na Cincia e doutrina poltica, e depois introduzido na doutrina jurdica, assumiu, nesta ltima, inmeras significaes, muitas das quais contraditrias.100

    Autonomia palavra gasta pela eroso das cincias so-ciais, que dever ser evitada, pois em lugar de conferir limpidez

    97. Rubens Gomes de Sousa, Curso de Direito Financeiro. Rio de Janeiro, 1958 (obra coletiva publicada pelo Instituto Brasileiro de Direito Financei-ro), pp. 64-65, 69.98. Francesco Calasso, Enciclopedia del Diritto, vol. IV, Milano, 1959, verbe-te autonomia, pp. 349, 354, n 7, 335, n 8 in fine; Massimo Severo Gianni-ni, Enciclopedia del Diritto, vol. cit., p. 356, n 1; Achille Donato Giannini, I Concetti Fondamentali di Diritto Tributario, Torino, 1956, pp. 15-20.99. Sobre o manicmio jurdico tributrio, ver ns. 1-2. Sobre o sistema dos fundamentos bvios, ver n 3.100. Massimo Severo Giannini, in Enciclopedia del Diritto, vol. IV. Milano, 1959, verbete autonomia, p. 356, n 1.

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    e pureza ideia, veste-a com andrajos dissimuladores. O juris-ta s ficar imune s contaminaes quando tiver bem ntida a histria da penetrao do vocbulo autonomia no mundo jurdico, porque este o nico modo de reduzir os abusos e riscos de uma expresso que no tendo nascido no mundo jurdico, todavia foi incumbida de vestir um dos mais altos princpios da fenomenologia jurdica.101

    O verdadeiro e genuno sentido da expresso autonomia o poder (capacidade de agir) de o ser social impor uma dis-ciplina aos indivduos (que o esto, continuamente, criando) e a si prprio numa autolimitao. Este o genuno contedo jurdico da expresso autonomia conforme demonstra FRAN-CESCO CALASSO, Professor de Histria do Direito na Universida-de de Roma, em belssima exposio, concluindo que a expres-so autonomia concebida no seu verdadeiro sentido jurdico o mais fundamental princpio da fenomenologia do Direito porque designa a capacidade de criar o Direito Positivo.102

    Por isso o Direito Tributrio pode ou no pode fazer certas coisas (no porque um ramo autnomo do Direito), mas, pura e simplesmente, porque Direito Positivo. Para que o Direito Tri-butrio possa criar princpios e conceitos prprios e especficos, no necessrio recorrer a uma autonomia, basta continuar a ser o que sempre foi: jurdico, pois a criao e incidncia de toda e qualquer regra jurdica necessariamente deforma a realidade (esta realidade pode ser fato econmico ou fato jurdico) e impe um determinismo artificial conduta humana.103 Talvez fosse melhor dizer o que deveria ter sido, pois uma forte corrente doutrinria

    101. Francesco Calasso, Enciclopedia del Diritto, vol. IV. Milano, 1959, ver-bete autonomia, p. 355, n 8 infine.102. Francesco Calasso, Enciclopedia del Diritto, vol. IV. Milano, 1959, ver-bete autonomia, p. 355, n 8 in fine, combinado com o n 7, pp. 353-54. Poder (capacidade de agir) do Estado, ver nosso n 54. Fenomenologia da criao do Direito Positivo, ver nosso n 59. Subordinao do Estado s regras jurdicas por ele mesmo criadas, ver nosso n 69.103. Ver n 22.

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    moderna sob a iluso de defender e contribuir para o progresso do Direito Tributrio insiste, precisamente, em destruir o que nele h de jurdico. Em nome da defesa do Direito Tributrio, eles matam o Direito e ficam apenas com o Tributrio.104

    Pela simples razo de no poder existir regra jurdica independente da totalidade do sistema jurdico,105 a autonomia (no sentido de independncia relativa) de qualquer ramo do Direito Positivo sempre e unicamente didtica para, investi-gando-se os efeitos jurdicos resultantes da incidncia de deter-minado nmero de regras jurdicas, descobrir a concatenao lgica que as rene num grupo orgnico e que une este grupo totalidade do sistema jurdico.

    Autonomia didtica pode ter at uma nica regra jur-dica, se e enquanto so investigados os efeitos jurdicos decor-rentes de sua incidncia, para encontrar o fundamento lgico que revelar estar a regra jurdica ligada a este ou aquele gru-po de regras jurdicas.

    Com a evoluo do Direito e o aperfeioamento da Cincia jurdica, torna-se cada vez mais difcil apontar um fundamen-to seguro que ainda possa sustentar a sacrossanta diviso do Direito Positivo em: pblico e privado.106 Os modernos juristas

    104. Ver n 36. 105. Ver n 31. 106. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro, 1954, vol. I, 21, n 1; R. Savatier, Les Mtamorphoses Economiques et Sociales du Droit Priv dAujourdhui, 2 srie, Paris, 1959 Luniversalisme renouvel des disciplines juridiques, p. 43, n 25 e pp. 62-65; ver tambm do mesmo autor: Du Droit Priv du Droit Public, 2 ed., 1950; G. Scelle, Le droit public et la thorie de lEtat, na obra coletiva Introduction lEtude du Droit, vol. I, Paris, 1951, pp. 23-28; N. Bobbio, Diritto e Stato nel Pensiero di Emanuele Kant, Tori-no, 1957, pp. 137-38; Kelsen, Teoria General del Estado, Madrid, 1934, pp. 105-6 e tambm posteriormente, Teoria General del Derecho y del Estado, 2 ed. da traduo, Mxico, 1958 (ed. original Berkeley, 1944), pp. 239-46; Rivero, Droit public et droit priv: conqute ou statu quo, in Chroniques Dalloz, 1947, p. 45; Eisenman, Droit public, droit priv, in Revue du Droit Public, 1952, p. 903; Chevrier, Remarques sur lintroduction et les vicissitudes de la distinction du jus privatum e du jus publicum dans les oeuvres des anciens juristes fran-ais, in Archives de la Philosophie du Droit, 1952.

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    esto chegando concluso de que at a clssica distino entre Direito Pblico e Direito Privado repousa numa simples autonomia para fins meramente didticos baseada em crit-rio meramente histrico cujo artificialismo e falta de lgica so denunciados pelo progresso da Cincia jurdica.107

    J em 1925, KELSEN demonstrara o artificialismo e o sub-jetivismo da diviso do Direito em pblico e privado:

    Esta irrupcin de la Poltica en la Teoria del Derecho, hllase favorecida por una funestsima distincin que constituye ya hoy uno de los principios ms fundamentales de la moderna ciencia jurdica. Se trata de la distincin entre Derecho pblico y privado. Si bien esta anttesis constituye la mdula de toda la sistemtica terico-jurdica, es sencillamente imposible deter-minar con cierta fijeza lo que quiere decirse en concreto cuando se distingue entre el Derecho pblico y el privado. Ciertamente, cabe sealar determinados dominios jurdicos, cualificados por su especial contenido, que se contraponen convencionalmente en calidad de Derecho pblico al Derecho privado. Asi, en el Derecho pblico se incluyen el Derecho poltico, el administra-tivo, el procesal, el penal, el internacional y el cannico (este ltimo slo en tanto que se refiere predominantemente a los anteriores dominios); todo el restante Derecho es Derecho pri-vado. Pero si se pregunta por el fundamento de esta divisin, se entra de lleno en un caos de opiniones contradictorias.

    Por de pronto, no hay seguridad en el objeto de la divisin: la cualidad de pblico y privado se atribuye indistintamente al

    107. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro, 1954, vol. I, 21, n 1; N. Bobbio, Diritto e Stato nel Pensiero di Emanuele Kant, Torino, 1957, pp. 137-138; Kelsen, Teora General del Estado, Madrid, 1934, pp. 105-106 e tambm posteriormente em Teora General del Derecho y del Estado, 2 ed. da traduo, Mxico, 1958 (ed. original Berkeley, 1944), pp. 239-246; R. Savatier, Les Mtamorphoses Economiques et sociales du Droit Priv dAujourdhui, 2 srie, Paris, 1959 Luniversalisme renouvel des disciplines juridiques, pp. 63-64; G. Scelle, Le droit public et la thorie de lEtat, na obra coletiva Introduction lEtude du Droit, Paris, 1951, vol. I, pp. 23-28.

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    Derecho objetivo, a las normas, al derecho subjetivo, a las fa-cultades y deberes que constituyen la relacin jurdica. Si se reduce el derecho subjetivo al objetivo, una divisin del prime-ro tiene que ser, al propio tiempo, una divisin del ltimo. Adase a esto que, con la dualidad del objeto de la divisin, va unida una anttesis de los criterios con arreglo a los cuales se lleva a cabo. De stos podriamos escoger ms de una doce-na. Para dividir el Derecho en pblico y privado se recurre por los diversos tratadistas a los criterios ms variados y aun opues-tos; no es raro encontrar en un mismo escritor esta diversidad u oposicin de criterios.108

    E em 1944, KELSEN novamente faz a anlise crtica das te-orias que ainda pretendem sustentar aquela diviso, e conclui:

    Consecuentemente, la distincin entre derecho privado y derecho pblico, cambia de significado segn que lo que se pretenda distinguir del derecho privado sea el derecho penal o el derecho administrativo. La distincin es inutilizable como fundamento comn para una sistematizacin general del derecho.109

    Tanto relativa e mutvel a distino entre direito pri-vado e pblico, conclui em 1957 NORBERTO BOBBIO, que, em ltima anlise, se ns adotamos em lugar dos referidos critrios (ratione personae e ratione materiae) um terceiro critrio de distino, como o da fonte, a distino entre direito privado e direito pblico, assim como elaborado pelo jurista moderno que se baseia sobre um ordenamento positivo, no h mais alguma razo de subsistir.110

    Portanto, pode-se bem compreender quo pouca impor-tncia deve-se atribuir a uma distino como aquela entre

    108. Kelsen, Teora General del Estado, Madrid, 1934, pp. 105-6 (grifou-se). 109. Kelsen, Teora General del Derecho y del Estado, 2 ed. da traduo, Mxico, 1958 (ed. original Berkeley, 1944), p. 246 (grifou-se). Para a anlise dos diversos critrios, ver pp. 239-46.110. N. Bobbio, Diritto e Stato nel Pensiero di Emanuele Kant, Torino, 1957, pp. 137-38.

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    direito privado e pblico, a qual, adotando-se pontos de vista diversos, no apenas se modifica, mas pode at diretamente se desvanecer.111

    Il est, en effet, reconhece R. SAVATIER, dans la nature du progrs des techniques de tendre une spcialisation de plus en plus pousse, en vertu de laquelle lhonnte homme dautrefois, qui runissait en lui l ensemble des connaissances, humaines, appartient un type aujourdhui disparu.

    Car la masse des comaissances et des moyens de les met-tre en oeuvre est aujourdhui trop grande pour pouvoir, dans son ensemble, tre assimile par un seul homme. Les techni-ques se spcialisent donc. Et le droit, parce quil se sert de te-chniques spcialises pour l excution de chacune des tches que le monde social daujourdhui lui assigne, est oblig de se spcialiser lui-mme.

    Dans le droit antique, les juristes taient universels. Et lon peut presque en dire autant soit des juristes du Moyen ge, soit des juristes humanistes de la Renaissance. Cependant, avec lapparition des socits modernes sesquissait dj la dis-tinction gnrale du droit public et du droit priv. Tandis que Bodin, dans son Trait de la Rpublique, se consacrait au premier, le grand ouvrage de Domat sur les Lois civiles for-mulait systmatiquement, ds ses premires pages, la distinc-tion, dj classique, du droit public et du droit priv, auquel il sattachait principalement.

    Mais qutait cette premire et lmenfaire spcialisation suprs de celles que le progrs des techniques impose du Droit daujourdhui?112

    Depois daquela primeira autonomia didtica que dividiu o Direito em Pblico e Privado, surgiram e continuam a se

    111. Idem, ibidem, p. 138.112. R. Savatier, Luniversalisme renouvel des disciplines juridiques, Les Mtamorphoses Economiques et Sociales du Droit Prive dAujourdhui, 2 srie, Paris, 1959, pp. 63-64.

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    impor outras e novas divises com finalidade dedicada: Direi-to Comercial, Processual, Penal, Constitucional, Internacional, Administrativo, Martimo, Industrial, Societrio, Trabalhista, Rural, Tributrio, etc.

    De tal modo sentida a necessidade racional destes novos ramos do Direito que cest un vritable clatement de lenseignement du droit que nous assistons maintenant. La spcialisation des techniques sy multiplie depuis laurore du XX Sicle. Des chaires nouvelles simposent sous lempire de cette spcialisation. Des livres nouveaux et spcialiss accom-pagnent, suivent ou devancent la cration de ces chaires.113

    A evoluo econmica e social da humanidade dentro do ritmo vertiginoso da acelerao da Histria, quebrou todos os ramos clssicos do Direito, de modo que uma das grandes ta-refas do jurista contemporneo estabelecer a nova e racional diviso (autonomia) didtica do Direito.114

    113. R. Savatier, op. cit., p. 64; G. Scelle, Le droit public et la thorie de lEtat, na obra coletiva Introduction lEtude du Droit, vol. I, Paris, 1951, p. 28.114. Para o exame da acelerao da Histria e seu reflexo nas metamorfoses do Direito Positivo, ver R. Savatier, Les Mtamorphoses Economiques et So-ciales du Droit Civil dAujourdhui, 2 ed., Paris, 1952, especialmente pp. 5-18; a segunda srie das Mtamorphoses, Paris, 1959, dedicada ao Universalisme renouvel des disciplines juridiques e a terceira srie das Mtamorphoses, Paris, 1959, consagrada ao Approfondissement dun droit renouvel; A. Marchal, Les rapports du droit et de lconomie politique, na obra coletiva Introduction lEtude du Droit, vol. II, Paris, 1953, pp. 236-37. Sobre o reflexo da acelerao da Histria na economia, ver A. Angelopoulos, Planisme et Progres Social, Paris, 1953, pp. 28-31.