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1 OS CAMINHOS DA ARTE E TECNOLOGIA NO BRASIL
Este captulo aborda as influncias interdisciplinares de diversas teorias na
arte do Brasil, expondo quais correntes tericas orientaram os artistas brasileiros, a
partir dos anos 1950, em direo arte e tecnologia. A pintura e a poesia concreta
tm como antecedente o pensamento matemtico, que resultou nos primeiros
experimentos em tecnologia, representados pela tecnologia mecnica da arte
cintica de Abraham Palatnik e pela tecnologia da informtica da computer art1 de
Waldemar Cordeiro.
No Brasil a Computer Art encontra antecedentes metodolgicos daArte Concreta, que apareceu no fim da dcada de 40 e teve seumaior desenvolvimento, atingindo o apogeu, na dcada 50/60. A arteconcreta foi no Brasil a nica que utilizou mtodos digitais para acriao. Coincidindo com o perodo que apresentou o maior ndice deindustrializao, a arte concreta no Brasil, principalmente nas reasurbanas, forneceu algoritmos largamente utilizados para
comunicao atravs de meios industriais de produo. A arteconcreta visual influi decisivamente sobre a vanguarda na poesia, namsica e na programao visual. (CORDEIRO, 1971, p. 4).
A partir dos anos 60, podemos destacar as primeiras experincias de uma
arte participativa e polissensorial, que privilegiavam a entrada do espectador na
obra, realizadas por Hlio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape. O texto busca mapear
as influncias e os principais colaboradores para a difuso e produo da arte e
tecnologia no Brasil2.
1Computer art arte computacional. Precursor no Brasil, Waldemar Cordeiro.2 Este captulo teve como base o texto Parmetros para o entendimento das mdias emergentes e aformao de um pblico especializado no Brasil (GUASQUE ARAUJO; GUADAGNINI;FACHINELLO, 2007), publicado no 6 Encontro de Arte e Tecnologia.
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1.1 Trajetria da arte e tecnologia no Brasil
A partir da dcada de 50, comea a se esboar no Brasil uma vertente
tecnolgica na arte. A seguir apresentam-se os principais eventos que contriburam,
dcada a dcada, para o desenvolvimento da arte e tecnologia no pas.
1.1.1 Anos 50 As primeiras influncias para uma arte tecnolgica
A criao da Bienal de So Paulo teve o objetivo de mudar a mentalidade
reinante no Brasil de uma arte figurativa e atuou como um projeto pedaggico para
auxiliar o pblico a se familiarizar com a arte moderna, principalmente com as
linguagens do abstracionismo e do cubismo. A partir da dcada de 50, a arte
abstrata tornou-se uma tendncia na arte brasileira. A crtica associava o
desenvolvimento da arte abstrata modernizao acelerada do pas nessa poca.
A exposio de Max Bill, no Museu de Arte de So Paulo, em 1950, foi umaforte influncia para os artistas e para o concretismo no pas, principalmente para o
grupo de artistas paulistas.
A arte concreta mostrou evidentes diferenas entre as vanguardas paulista e
carioca. Mrio Pedrosa, com seu interesse pela Gestalt e pela abstrao, foi o
mentor da vanguarda carioca. Ele sempre exorcizou a frieza da mquina e o esprito
analtico da cincia. Isso pode ser visto na descrio feita sobre o trabalho de
Alexander Calder, artista que ele admirava, porque via nele um sonhador de olhosabertos que conseguiu coordenar as imagens etreas sob precisos clculos
matemticos (PEDROSA apud ARANTES, Otlia, 2004, p. 65).
Calder, diz Pedrosa, brinca com a modernidade e, com humor, desmonta
as finalidades da mquina (PEDROSA apud ARANTES, Otlia, 2004, p. 55).
O concretismo em So Paulo era representado pelo grupo Ruptura, do qual
faziam parte os artistas Waldemar Cordeiro, Lothar Charoux, Geraldo de Barros,
Luiz Sacilotto, Kazmer Fjer, Anatol Wladyslaw e Leopoldo Haar, que desde a
dcada anterior realizavam experincias com a abstrao, tendo abandonado a
representao da realidade em suas obras (MAC NA WEB, 2007). O grupo de
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artistas plsticos tinha contato com o grupo de poetas concretos, representados por
Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Dcio Pignatari. Os poetas concretos
lanaram a revista Noigandres, em 1952, fazendo da poesia concreta o primeiro
movimento literrio no Brasil que esteve na vanguarda internacional. A revista
Noigandres n 3 tinha como subttulo Arte Concreta e foi lanada na Exposio
Nacional de Arte Concreta, em 1956, no Museu de Arte Moderna, em So Paulo,
exposio que foi organizada conjuntamente pelo grupo de artistas e poetas
concretos. Foi o primeiro encontro de artes de vanguarda realizado no pas, tanto
para as artes visuais como para a poesia concreta. Participaram da exposio
tambm os artistas cariocas do grupo Frente (1954), como Lygia Pape, Lygia Clark,
Hlio Oiticica, Franz Weissman e Elisa Martins da Silveira, entre outros que eramliderados por Ivan Serpa, e tambm os poetas Ferreira Gullar e Ronaldo Azeredo. A
exposio foi levada, no ano seguinte, para o saguo do Ministrio da Educao e
Cultura do Rio de Janeiro (MEC-RJ).
A Exposio Nacional de Arte Concreta reuniu a arte concreta praticada no
Brasil e explicitou tambm divergncias entre grupos e tendncias. A investigao
do grupo paulista, centrada no conceito de pura visualidade da forma, se opunha ao
grupo carioca progressivamente, que tinha uma articulao forte entre arte e vida articulao esta que afasta a considerao da obra como mquina ou objeto e
que dava maior nfase na intuio como requisito fundamental do trabalho artstico.
Dessa exposio decorreria uma srie de polmicas entre os grupos paulista
e carioca, principalmente entre Waldemar Cordeiro e Ferreira Gullar, que levariam
ciso desses grupos e fundao do Grupo Neoconcreto no Rio de Janeiro (1959)3.
A experincia neoconcreta delineada pelas vertentes de Hlio Oiticica, Lygia
Clark e Lygia Pape decisiva para que se compreenda o novo campo de ao daprtica artstica. Foi nesse esprito que Ferreira Gullar, no Manifesto Neoconcreto,
mostrou a participao cada vez mais ativa do espectador e o carter vivencial da
obra de arte desses artistas:
3 Segundo MAC na Web (2007), Em 1956/57 [Lygia Clark] participou da I Exposio Nacional deArte Concreta, mostra que reuniu artistas concretos de So Paulo e do Rio de Janeiro. Na ocasio,ficou evidenciado que as obras de Clark estavam rompendo com os padres da arte moderna,
levando as discusses para o plano da fenomenologia. Suas obras, assim como as de Hlio Oiticica,geraram novas teorias que separaram os concretos cariocas dos paulistas, levando Ferreira Gullar adesenvolver a Teoria do No-Objeto, e o Manifesto Neoconcreto, que foi mostrado ao pblico em1959, na I Exposio de Arte Neoconcreta, no MAM-RJ.
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No concebemos a obra de arte nem como mquina nem comoobjeto, mas como um quasi-corpus, isto , um ser cuja realidadeno se esgota nas relaes exteriores de seus elementos: um serque, decomponvel em partes pela anlise, s se d plenamente abordagem direta, fenomenolgica. (GULLAR apud ARANTES,Priscila, 2005, p. 119).
A pura visualidade da forma e a aproximao da obra mquina e ao objeto
dos paulistas mostravam na poesia concreta o carter pansemitico,
intersemitico, que estava mais relacionado com a msica e as artes plsticas do
que com o restante da literatura.
Os poetas concretos eram familiarizados com a Teoria da Informao, a
Teoria dos Signos, a Semiologia e a Semitica. So de Dcio Pignatari asprimeiras tradues de Marshall McLuhan para o portugus, entre elas O meio a
mensagem, e foi Haroldo de Campos quem teve a oportunidade de ter participado
de uma mesa-redonda composta, entre outros, de Buckminster Fuller e do prprio
Marshall McLuhan sobre a condio do escritor na era eletrnica, que ocorreu em
1966, em Nova York.
O grupo de poetas paulistas cultivava a matemtica da composio, e foram
considerados, em comparao com o grupo do Rio, muito cerebrais, pois seguiam
a Geometria do Esprito, de Mallarm, e a matemtica inspirada de Pound.
Os poetas concretos desenvolveram poemas de cunho matemtico, em que
exploraram a frmula n-fatorial de Haroldo de Campos em lea 1 e lea 24, nos
livros-objetos como a coleo Caixa Preta5 e os Poembiles6, que surgiram da
colaborao entre Julio Plaza e Augusto de Campos, e que exploraram as
imbricaes entre os signos visual e semntico.
Esses poemas j envolviam o leitor na criao da potica da obra, permitindoao leitor-intrprete diversas leituras. Haroldo de Campos, antecipando as idias de
abertura esttica, escreveu em 1955 o artigo A Obra de Arte Aberta, cinco anos
antes de Umberto Eco escrever a sua Teoria da Obra Aberta.
4 Alea 1 Variaes Semnticas o jogo combinatrio, inspirado nas formas computacionais decodificao e descodificao de mensagens, permitiu destruir a cristalizao semntica contida nosenunciados e abrir os signos ao seu potencial significante indeterminado.5 Caixa Preta (1975), colees de poemas-objetos em colaborao com o artista plstico e designerJulio Plaza.6 Poembiles (1974), objetos-poemas tridimensionais que se moviam manipulao, comodobraduras.
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Outro expoente da arte que envolveu a tecnologia da mquina em suas obras
foi Abraham Palatnik, que desde os anos 1940 desenvolvia mecanismos de
experimentao com luz artificial e movimento, que esto entre as primeiras
experincias de arte cintica. Em 1951, ele exibiu na Bienal de So Paulo seuAzul e
Roxo em Primeiro Movimento.
Palatnik, com seus aparelhos cinecromticos, no apenas se antecipa
vertente construtiva, que eclode com os grupos Ruptura (So Paulo, 1952) e Frente
(Rio de Janeiro, 1954), para se consolidar com o concretismo (1956) e o
neoconcretismo (1959), como funda a vertente tecnolgica da arte brasileira.
Os aparelhos cinecromticos estariam mais prximos da pintura e docinema. Os objetos cinticos, da escultura e do desenho. Nosaparelhos, a engrenagem mecnica invisvel, reforando asensao de animao pictrica. Nos objetos, a mecnica ganhavisibilidade, integra o campo visual, sendo parte do significadoesttico da obra. Nos aparelhos a metamorfose contnua de formas ecores provoca efeitos de cinestesia; nos objetos, o movimentoprovoca encantamento. Aparelhos e objetos so mquinas e foramconstrudos com o mesmo rigor e esprito lgico, mas os primeirossugerem maior ordenao e controle. Os objetos parecem maisespontneos, como se neles o acaso interviesse. Como se fossembrinquedos e no mquinas. certo que os objetos cinticos semovimentam com a ajuda de motores ou eletroms, mas o espritoque os anima o do mbile, que tambm mquina, mas acionadapor uma fonte de energia natural que lhe confere frescor, leveza elirismo. (MORAIS apud OSORIO, 2004, p. 170).
Mrio Pedrosa, ao comentar o trabalho de Palatnik, mostra-se partidrio de
uma arte que se utilize dos clculos matemticos e da geometria, e que se inspire
nas ltimas tendncias da cincia, mas nunca em uma arte ou esttica tecnolgica,
como propunha Max Bense7. Os artistas revolucionrios de nossos dias ou sero
inventores, ou no sero (PEDROSA apud ARANTES, Otlia, 2004, p. 67).
7 A Esttica Racional de Bense se apia no estudo analtico da prpria estrutura da obra, em suafuno metalingstica. A arte, principalmente a arte moderna, no pode ser definida em termos depropores, simetrias ou harmonias como a arte clssica, mas sim enfatiza o contraste, a evaso da
norma, constata Bense. O processo esttico tende a uma direo contrria ao mundo fsico. Ambosso, por princpio, distintos, j que o mundo da Fsica um mundo dado, enquanto o mundo daEsttica um mundo construdo. Faz falta, segundo a convico de Bense, uma teoria que possaavaliar objetivamente esse campo e oferecer uma programao do belo.
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A utilizao dos recursos tecnocientficos s se justifica para Pedrosa na
medida em que podem proporcionar uma maior liberdade (PEDROSA apud
ARANTES, Otlia, 2004, p. 67).
Palatnik introduz em suas obras a tecnologia da mquina mecnica utilizando
motores, mquinas e eletroms, e criando assim seus aparelhos cinecromticos e
objetos cinticos.
1.1.2 Anos 60 O nascimento da arte computacional
Waldemar Cordeiro, em 1968, realizou em conjunto com o fsico e
matemtico Giorgio Moscati8, na Faculdade de Fsica da Universidade de So Paulo
(USP), as primeiras tentativas de uma arte computacional no Brasil.
Nessa poca, comeavam a florescer, sobretudo na Europa, as chamadas
estticas informacionais, que visavam construir modelos matemticos rigorosos,
capazes de avaliar, isto , quantificar a informao esttica contida num objeto
dotado de qualidades artsticas. Essa tendncia, que tinha em Abraham Moles e em
Max Bense os seus expoentes mais conhecidos, visava aplicar produo artstica
princpios formulados na confluncia da Teoria da Informao com a Ciberntica. As
estticas informacionais visavam tornar objetiva, racional, cientfica a apreciao do
objeto artstico, com base na sua carga informativa, ou seja, na sua taxa de
originalidade, e no de redundncia. Para elas, uma composio plstica ou musical
no poderia mais ser avaliada com base em conceitos vagos e psicologizantes, tais
como expresso, emoo, inspirao, mas sim na percepo de qualidades
estticas mais abstratas, tais como a novidade, a configurao e a estrutura
(GIANETTI, 2002, p. 37).
8 Inicialmente fiquei relutante pois temia que Cordeiro tivesse idias preconcebidas e quisesseapenas usar o computador como um novo conversor grfico que estava entrando na moda.Rapidamente verifiquei que esta no era sua inteno. Desejava sim estudar as possibilidades destenovo instrumento em Artes e percebera que era necessrio conhec-lo em profundidade, o que s
seria possvel atravs de discusses com quem tivesse familiaridade e amplos conhecimentos nocampo da computao. (MOSCATI apud ARTENICA, 1993).
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O primeiro experimento em uma arte computacional realizado por Waldemar
Cordeiro produziu a srie Beab, tambm conhecida como Contedo Informativo de
Trs Consoantes e Trs Vogais Tratadas por Computador, nome este derivado do
fato de que as imagens foram produzidas aplicando-se as probabilidades estatsticas
de ocorrncia de determinadas letras na lngua portuguesa. Os trabalhos seguintes
Derivadas de uma Imagem, Retrato de Fabiana e A Mulher que No B.B.
foram produzidos transformando o conjunto de retculas de imagens fotogrficas
preexistentes em valores numricos tcnica que depois seria chamada de
digitalizao e, em seguida, atribuindo a cada um desses valores numricos uma
letra equivalente, para permitir imprimir a imagem numa impressora de texto. Em
alguns casos, como em Derivadas de uma Imagem, h ainda certa distoro daimagem, produzida pela aplicao de certa taxa de perturbao randmica (ITA
CULTURAL, 2007a).
Aqui no Brasil, embora o primeiro trabalho com computador de nossaautoria, em colaborao com o prof. Moscati, tenha sido realizadoem 1968, esta a primeira mostra de arte com computador(Computer Plotter Art 1969). , tambm, a primeira da AmricaLatina. A arte computadorizada, enquanto metodologia, se identifica,
em ltima anlise, com as tendncias da arte contemporneachamadas, genericamente construtivas e que visam quantificao e digitalizao dos elementos da obra de arte. Naarte digital (dgito = nmero) a mensagem processadanumericamente, alcanando um grau superior de preciso. Exemploshistricos de arte digital so Seurat, o cubismo analtico, osuprematismo, o neo-plasticismo, todo o construtivismo e a arteconcreta. Na arte digital a grandeza fsica representada por umnmero, em termos estatsticos probabilsticos que no excluem orecurso acaso. Atualmente, nas condies gerais da segundarevoluo industrial, os processos de programao e digitalizaoso bem mais sofisticados e pressupem a utilizao de
instrumentos mais eficazes, como o computador. (CORDEIRO apudBELLUZZO; AMARAL; RESTAGNY; PIGNATARI, 1986 [1969], p.145-146).
Em 1971, Waldemar Cordeiro organiza na Fundao Armando lvares
Penteado (FAAP), em So Paulo, a primeira grande exposio e conferncia sobre
arte e tecnologia, o evento Artenica, para o qual convidou as mais proeminentes
personalidades do mundo artstico e da crtica especializada. Artenica foi um
evento pioneiro, e no apenas no mbito do Brasil, por reunir muitas das
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inteligncias que estavam naquele momento pensando as mudanas radicais que
estavam ocorrendo nas artes.
Sua morte prematura, em julho de 1973, levou a um hiato nas pesquisas de
arte computacional no Brasil, s retomadas quase dez anos depois por Julio Plaza,
artista e professor da USP9, e pelos poetas concretos Haroldo e Augusto de
Campos, com os recursos do videotexto (MAC NA WEB, 2007).
1.1.3 Anos 70 Espaos de experimentao tecnolgica
Walter Zanini, em Primeiro tempos da arte/tecnologia no Brasil, justifica a
acanhada produo em arte e tecnologia pela dificuldade de se estabelecer um
espao de experimentao tecnolgica aberto aos artistas brasileiros. O
florescimento da produo em arte e tecnologia iniciou-se a partir dos anos 1970,
com o aparelhamento de alguns espaos experimentais, impulsionado pela crise dos
suportes tradicionais (ZANINI, 1997). O conceito nascente de obras participativasque s se completam ao serem manipuladas era explorado, j desde os anos 40 e
50, nas obras de Mary Vieira e de Lygia Clark, que convidavam o participante a
interagir; e a ruptura da concepo de uma arte objetual era presente nas
manifestaes de Hlio Oiticica e de Lygia Clark, que se orientavam para uma arte
processual.
As exposies internacionais, como a Bienal, mantinham os artistas
informados sobre as pesquisas mais relevantes e traziam alguns exemplos em arte
e tecnologia. Mesmo com o boicote das participaes internacionais, devido
presena dos militares no poder, a IX Bienal, de 1969, abriu timidamente uma seo
chamada Arte/Tecnologia.
A VI Jovem Arte Contempornea da USP, no Parque Ibirapuera, foi
caracterizada pelas performances conduzidas por artistas que valorizavam
prioritariamente o processo em relao s questes formais. As experincias
comportamentais inflamaram as pesquisas com o uso experimental do Super 8 e do
9 Atuou tambm como docente na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na FundaoArmando lvares Penteado (FAAP).
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16 mm, desenvolvendo uma linguagem que Hlio Oiticica denominou de Quase-
cinema. Essas manifestaes foram mostradas na Expo-projeo, organizada por
Aracy Amaral em 1973, em So Paulo.
Na Bienal de 1973, as articulaes internacionais ficaram a cargo de Vilm
Flusser, que trouxe Fred Forest. Na edio seguinte, de 1975, Fred Forest preparou
uma ao miditica no MAC, a Bienal dos anos 2000, parodiando o evento da XIII
Bienal. Somente nas Bienais de 1975 e de 1977, a participao da videoarte obteve
xito com a presena de Nam June Paik, com Jardim de TV, Vito Acconci, Richard
Serra e Bruce Nauman, entre outros.
As exposies Prospectiva 74 e Poticas Visuais de 1977, ambas no MAC-
USP, reuniram exploraes com novas tecnologias como xerox, serigrafias, offset,postais, grficos, fotografias e diapositivos.
Em 1976, o MAC-USP adquiriu o equipamento Portapak, da Sony, que
viabilizou a realizao de vrios projetos de artistas como Regina Silveira, Julio
Plaza, Carmela Gross, Gabriel Borba, Marcelo Nietsche e Gasto de Magalhes.
Em 1978, ocorreu o I Encontro Internacional de Vdeo-arte, sediado no Museu
de Imagem e Som de So Paulo, que tinha o intuito de reunir apresentaes de arte
e tecnologia que discutissem a interatividade e as telecomunicaes (ZANINI, 1997,p. 233-242).
Ainda no final dos anos 70, artistas como Rafael Frana, Mrio Ramiro,
Walter Silveira, Artur Matuck, Diana Domingues, Jos Wagner Garcia e Marco do
Valle iniciaram pesquisas que faziam da arte e tecnologia a via principal de
construo de suas linguagens e poticas (BOUSSO, 1997 apud ITA CULTURAL,
2006e).
1.1.4 Anos 80 Videoarte, Holografia, Arte e Telecomunicaes
Na dcada de 80, a produo videogrfica contava com alguns egressos dos
cursos de comunicao da USP que parodiavam a produo de massa da TV, como
Tadeu Jungle e Walter Silveira, alm de outros como Pedro Vieira e os integrantes
do Olhar Eletrnico Fernando Meirelles, Jos Roberto Salatini, Paulo Morelli,
Marcelo Machado, Marcelo Tas e Renato Barbieri, tendo os dois ltimos aderido ao
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grupo posteriormente. Coube a Arlindo Machado o desenvolvimento de um olhar
crtico sobre essa produo.
Em outubro de 1980, aconteceu a primeira mostra de Holografia no Brasil, na
Fundao Bienal de So Paulo, cabendo ao artista plstico Jos Wagner Garcia a
realizao da primeira mostra individual no MIS paulista, dois anos depois. Eduardo
Kac, Fernando Catta Preta, Moyss Baumstein, Julio Plaza e Dcio Pignatari so
alguns entre os artistas brasileiros que se dedicaram holografia (MORAIS, 1991, p.
83). No Rio de Janeiro, Eduardo Kac produziu diversos poemas hologrficos entre
1983 e 1993.
A XVI Bienal de So Paulo, de 1981, montou uma sala especial de mbito
internacional sobre arte postal, com curadoria de Jlio Plaza e apresentao deWalter Zanini (MORAIS, 1991, p. 83).
A partir dos anos 80 surgiram tambm as primeiras experincias em arte e
telecomunicaes no Brasil. Julio Plaza organizou, em 1982, no MIS de So Paulo,
a mostra Arte pelo telefone: videotexto. Plaza juntou-se a quatro artistas plsticos
Carmela Gross, Leon Ferrari, Mrio Ramiro e Roberto Sandoval e a cinco poetas
para experimentarem a sensibilidade do novo meio. Em 1983, na Bienal de So
Paulo, Plaza voltou a promover o videotexto, reunindo 35 artistas. Em 1985,organizou uma exposio de arte e tecnologia para o Museu de Arte
Contempornea da USP com vrias sees: Arte-computador, Holografia,
Microficha, Vdeo-Arte, Videotexto, Heliografia e Xrox (MORAIS, 1991, p. 137).
Guasque Arajo, baseando-se nos dados publicados em Trilhas de Gilbertto
Prado, diz que os experimentos que envolvem arte e telecomunicaes usando a
televiso de varredura lenta se iniciaram em 14 de outubro de 1986, quando se
estabeleceu a Sky Art Conference entre os grupos do Center for Advanced VisualStudies, coordenado por Otto Piene, e da Escola de Comunicaes e Artes da USP,
coordenado por Jos Wagner Garcia. Depois, o projeto Intercities de 1988, de Artur
Matuck, ligou as cidades de So Paulo e Pittsburgh usando tambm a televiso de
varredura lenta. Integrando-se s cidades de Viena, Lisboa, Boston, Baltimore,
Pittsburgh, Chicago, Vancouver e Los Angeles, participaram So Paulo e Campinas
do evento da celebrao do Dia da Terra atravs de transmisses de varredura lenta
e fax. O Earthday 90 Global Telematic Network & Impromptu, como originalmente foi
nomeado, foi organizado pelo grupo DAX, situado na Universidade Carnegie Mellon
de Pittsburgh. Mais tarde, o projeto Reflux, concebido e coordenado por Artur
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Matuck, que participou da XXI Bienal de So Paulo, em 1991, realizou transmisses
entre localidades diferentes usando fax, televiso de varredura lenta e computadores
(GUASQUE ARAUJO, 2005, p. 37-38).
Eduardo Kac teve presena marcante no cenrio brasileiro de arte e
tecnologia usando a interatividade e os sistemas de telecomunicao junto
telerrobtica desde 1986. Seu projeto Ornitorrinco, que se iniciou em 1989, utiliza a
telepresena como projeto artstico.
importante citar a fundao do Instituto de Pesquisas em Arte e Tecnologia
de So Paulo (Ipat), em 1987, do qual participaram, entre outros, Artur Matuck, Jos
Wagner Garcia, Milton Sogabe, Paulo LaurentIz, Mrio Ramiro, Rafael Frana e
Jlio Plaza, com o intuito de reunir artistas que realizavam trabalhos na rea de artee tecnologia (ARANTES, Priscila, 2005, p. 90; ITA CULTURAL, 2006b).
1.1.5 Anos 90 Experimentaes em meios digitais
A partir dos anos 90, com a introduo da internet no pas, diversos artistaspassaram a explor-la como meio de expresso artstica. A arte na rede d
continuidade a algumas idias e propostas da arte e comunicao dos anos 1980
em um contexto eminentemente digital, como a bidirecionalidade do sistema, a
participao do pblico no trabalho proposto, o desenvolvimento de uma obra em
tempo real, desmaterializao/imaterializao da produo artstica, ubiqidade,
coletividade, simultaneidade, processualidade, compartilhamento, etc. (ARANTES,
Priscila, 2005, p. 98). A arte nas redes inclui propostas de web art, telepresena,teleperformances e teleinterveno; criao coletiva em ambientes colaborativos,
ambientes imersivos multiusurios, poesia digital, etc. Alguns artistas que realizam
trabalhos de arte nas redes a partir de 1990 so Eduardo Kac, Artur Matuck, Diana
Domingues, o grupo Corpos Informticos, Yara Guasque, Kiko Goifman, Lcia Leo,
Giselle Beiguelman, Gilbertto Prado, Silvia Laurentiz, Suzette Venturelli, Tnia
Fraga, Wilton Azevedo e Andr Vallias10.
10 O levantamento de nomes de artistas e categorias dentro da arte e tecnologia apresentado a partirdos anos 90 foi referenciado por uma pesquisa em diversas fontes, entre elas a Enciclopdia de Artee Tecnologia do Ita Cultural, organizada por Arlindo Machado e Silvia Laurentiz; Gilbertto Prado e
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As novas possibilidades dos meios digitais estimularam diversos artistas a
desenvolver trabalhos focando a possibilidade de simulao virtual. A modelagem de
mundos virtuais, mundos de dados constitudos por informaes numricas e
binrias, como a criao de ambientes imersivos de realidade virtual, possibilitou aos
interatores ver, tocar, ouvir e manipular objetos que no existem, ou percorrer
espaos sem lugares em companhia de pessoas que esto em outros locais
(ARANTES, Priscila, 2005, p. 112). Alguns artistas que desenvolveram ambientes
imersivos de realidade virtual no Brasil so Daniela Kutschat, Rejane Cantoni e
Diana Domingues.
A utilizao dos recursos eletrnicos (analgicos) e digitais abordou tambm
o conceito de instalao, gerando as videoinstalaes, as instalaes multimdia eas instalaes interativas. As videoinstalaes criam espaos para a interiorizao
do corpo humano e acrescentam, em relao s instalaes, a possibilidade de
conviver com dados materiais e imateriais/eletrnicos ao mesmo tempo. J as
instalaes interativas permitem um dilogo entre o homem e a mquina, em que os
sinais enviados pelo corpo do interator como sopro, voz, tato, deslocamento
corporal so recebidos e transformados pelo computador, em tempo real, em
paradigmas computacionais (DOMINGUES, 2002, p. 160). Alguns exemplos deartistas no Brasil que desenvolveram videoinstalaes e instalaes interativas so
Kiko Goifman, Lucas Bambozzi, Ktia Maciel, Raquel Kogan, Diana Domingues,
Gilbertto Prado, Equipe Interdisciplinar SCIArts, Giselle Beiguelman, Andr Parente,
Simone Michelin, Tnia Fraga e Mrio Ramiro.
Experincias em robtica foram desenvolvidas por Diana Domingues, com
Insn(h)ak(r)es (2000), e por Eduardo Kac, com RC Robot(1986), Rara Avis (1996),
A-positive (1997) e Darker Than Night(1999).Outros artistas como Ricardo Barreto e Aychele Szot (ps-humano), Jos
Wagner Garcia (1989-1990), Diana Domingues (2002), Artemis Moroni (2000),
Wilson Sukorski (1983, XVI Bienal) desenvolveram experincias em vida artificial,
um campo de pesquisa dedicado criao de organismos sintticos semelhantes
aos organismos vivos em ambientes no-orgnicos, isto , maqunicos.
projeto wAwRwT (http://www.cap.eca.usp.br/wawrwt/artistas.html); as edies anteriores do PrmioSergio Motta de Arte e Tecnologia (http://www.premiosergiomotta.org.br/); e Priscila Arantes, em seulivroArte e mdia: perspectivas da esttica digital; alm da pesquisa individual de artistas.
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Eduardo Kac, com seus projetos Genesis (1999), GFP Bunny(2000) e Eighth
Day(2002), passou a atuar tambm em arte transgnica, uma interseco do campo
da biologia com o campo da arte, potencializando a emergncia de um novo
segmento esttico, no qual a manipulao da natureza serve de ponto de partida
para a criao artstica.
O panorama atual da arte e tecnologia no Brasil se compe de diversas
exposies e eventos que esto, desde o final dos anos 90, sendo organizados e
patrocinados por instituies cujas iniciativas so focadas na divulgao, formao
de pblico e incentivo da produo em arte e tecnologia. Em So Paulo, pode-se
citar os exemplos do VideoBrasil, criado em 1991, e seu Festival de Arte Eletrnica,
criado em 1994, o Festival Internacional de Linguagem Eletrnica (FILE), criado em2000, o Italab, o Cibercultura, as exposies e simpsios como Emoo Art.ficial,
promovidos pelo Instituto Ita Cultural, e o Prmio Cultural Sergio Motta de
Tecnologia, criado em 2000; no Rio de Janeiro, a revista eletrnica Canal
Contemporneo, FILE Rio e o Centro Cultural Oifuturo, criados em 2005.
A grande concentrao dos eventos e de ncleos de pesquisa encontra-se
ainda no eixo RioSo Paulo. O Programa de Ps-Graduao em Comunicao e
Semitica da PUC-SP contribui com inmeras dissertaes e teses em arte etecnologia. Novos ncleos de pesquisa surgem tambm em universidades de outros
Estados do Brasil, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paran, Braslia, no
Distrito Federal, Bahia e Minas Gerais, e podem rapidamente transformar esse
cenrio.
1.2 Grfico Cronolgico da Arte e Tecnologia no Brasil
A prxima pgina contm um grfico cronolgico, partindo dos anos 50 at os
dias atuais, sintetizando os principais eventos, coletados durante o processo de
pesquisa, que contriburam para a formao de uma vertente tecnolgica no Brasil.