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Da Contextualização do Conceito de Meio Ambiente do Trabalho // 3

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Da Contextualização do Conceito de Meio Ambiente do Trabalho // 5

TEMAS JURÍDICOS ATUAIS

Volume III

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Da Contextualização do Conceito de Meio Ambiente do Trabalho // 7

Carlos Alexandre Moraes

Jose Francisco de Assis Dias (Organizadores)

AUTORES:

Aline Aparecida Sales Ariane Prado Silva

Daniela Menengoti Gonçalves Ribeiro Franscieli Alini Bortolasci

Jéssica Ferreira Goulart Coelho Leda Maria Messias da Silva Leonardo da Silva Oliveira

Marllon Beraldo Milaine Akahoshi Novaes

Thomaz Jefferson Carvalho Wesley Macedo de Sousa

TEMAS JURÍDICOS ATUAIS

Volume III

Primeira Edição E-book

Editora Vivens O conhecimento a serviço da Vida!

Maringá – PR – 2015

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Copyright 2015 by Carlos Alexandre Moraes / Jose Francisco de Assis Dias

EDITOR: Daniela Valentini

CONSELHO EDITORIAL:

Prof. Dr. Celso Hiroshi Iocohama - UNIPAR Prof. Dr. Ivan Dias da Motta - UNICESUMAR

Prof. Dr. Lorella Congiunti – PUU - Roma REVISÃO ORTOGRÁFICA:

Prof. Antonio Eduardo Gabriel CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:

Bruno Macedo da Silva Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi Bibliotecária CRB/9-1610

Todos os direitos reservados com exclusividade para o território nacional. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou

transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem

permissão escrita da Editora. Editora Vivens, O conhecimento a serviço da Vida!

Rua Pedro Lodi, nº 566 – Jardim Coopagro Toledo – PR – CEP: 85903-510; Fone: (45) 3056-5596

http://www.vivens.com.br; e-mail: [email protected]

Temas jurídicos atuais, volume III. / organizadores

T278 Carlos Alexandre Moraes, José Francisco de

Assis Dias; autores, Aline Aparecida Sales ...

[et al]. – 1. ed. – Maringá, PR: Vivens, 2015.

000 p.; 14x21 cm.

Modo de Acesso: World Wide Web:

<http://www.vivens.com.br>

ISBN: 978-85-8401-050-9

1. Direito empresarial. 2. Direito comercial. 3.

Direitos humanos. 4. Direito do trabalho. 5.

Direito penal.

CDD 22. ed. 340

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.............................................................. I - A EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI) QUANTO A SUA TITULARIDADE POR PESSOA JURÍDICA E A NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO LEGAL Franscieli Alini Bortolasci Wesley Macedo de Sousa...................................................

II - AS CONTRIBUIÇÕES DE JACQUES MARITAIN PARA A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Leonardo da Silva Oliveira Daniela Menengoti Ribeiro................................................. III - ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE LABORAL Jéssica Ferreira Goulart Coelho.......................................... IV - DUMPING SOCIAL E DIGNIDADE DO TRABALHADOR NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO: PROPOSTAS PARA A REDUÇÃO DA PRECARIZAÇÃO Leda Maria Messias da Silva Milaine Akahoshi Novaes.................................................... V - ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL VIRTUAL: POSSIBILIDADE JURÍDICA E/OU NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO Ariane Prado Silva Thomaz Jefferson Carvalho.................................................

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VI - O DIREITO DO EXECUTADO AO TRABALHO E AO ESTUDO, FATORES NECESSÁRIOS À RESSOCIALIZAÇÃO Aline Aparecida Sales Marllon Beraldo...................................................................

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APRESENTAÇÃO

A presente obra é o Terceiro Volume de uma série coletânea de “temas jurídicos atuais”, nascida da iniciativa empreendedora dos organizadores, pretendendo valorizar a produção científica dos formandos em Direito, na Unicesumar; levando ao grande público o resultado de seus trabalhos apresentados como conclusão do curso de bacharelado.

Neste Terceiro Volume, são contemplados os seguintes temas: - no primeiro capítulo, “A empresa individual de responsabilidade limitada (eireli) quanto a sua titularidade por pessoa jurídica e a necessidade de adequação legal”, de Franscieli Alini Bortolasci e Wesley Macedo de Sousa;

- no segundo capítulo, “As contribuições de Jacques Maritain para a declaração universal dos direitos humanos”, de Leonardo da Silva Oliveira e Daniela Menengoti Ribeiro; - no terceiro capítulo, “Assédio moral no ambiente laboral”, de Jéssica Ferreira Goulart Coelho; - no quarto capítulo, “Dumping social e dignidade do trabalhador no meio ambiente de trabalho: propostas para a redução da precarização”, de Leda Maria Messias da Silva e Milaine Akahoshi Novaes; - no quinto capítulo, “Estabelecimento empresarial virtual: possibilidade jurídica e/ou necessidade de regulamentação”, de Ariane Prado Silva e Thomaz Jefferson Carvalho; - no sexto capítulo, “O direito do executado ao trabalho e ao estudo, fatores necessários à ressocialização”, de Aline Aparecida Sales e Marllon Beraldo.

Boa leitura!

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- I -

A EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI) QUANTO A SUA TITULARIDADE

POR PESSOA JURÍDICA E A NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO LEGAL

Franscieli Alini Bortolasci*

Wesley Macedo de Sousa**

1.1 INTRODUÇÃO A pesquisa consiste em uma análise sobre a

pessoa amparada pela lei que poderá ser o titular da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI). Diante das controvérsias doutrinárias a respeito

* Bacharel em Direito pelo UniCesumar – Centro Universitário Cesumar. Orientanda do Prof. Me. Wesley Macedo de Sousa. ** Possui graduação em Direito - Fafich/UNIRG (2001); Pós-Graduação &quot;lato sensu&quot; em Direito Tributário - UniCesumar / OAB/Maringá (núcleo jurídico da PUC/SP) (2004); Pós-Graduação &quot;lato sensu&quot; em Direito Civil e Processual Civil - Faculdades Maringá / Instituto Paranaense de Ensino (2005); Mestrado em Ciências Jurídicas - UniCesumar (2013); Pós-Graduação &quot;lato sensu&quot; em Direito Empresarial - Universidade Estácio de Sá (em andamento); Professor de Direito Empresarial na UniCesumar (Maringá); Professor de Operações Societárias no curso de Pós-graduação em Direito Empresarial na UniCesumar (Maringá); Professor de Processo Administrativo Tributário no curso de Pós-graduação em Gestão Contábil e Planejamento Tributário da Faculdade Cidade Verde - FCV; ex-Professor de Responsabilidade Civil e Controle Judicial da Administração Púbica na Faculdade Norte Paranaense (UNINORTE); Advogado militante, atuando principalmente com Direito Tributário, Direito Aduaneiro e Direito Empresarial.

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de tal assunto, surge a problemática sobre a legitimidade da pessoa jurídica em compor tal instituto.

Advinda da Lei nº 12.441 de julho de 2011 a EIRELI permitiu que uma nova modalidade de pessoa jurídica fosse constituída no ordenamento jurídico brasileiro. A mesma apresentou-se com a finalidade de permitir que uma pessoa pudesse constituir empresa sem que para isso constituísse sociedade, ou mesmo utilizasse um “sócio de fachada” para exercer o direito de constituir empresa e ainda limitar sua responsabilidade.

Há muito se discutia sobre a inserção da EIRELI no ordenamento pátrio, tendo em vista que a mesma tem o papel de contribuir com desenvolvimento econômico do país, e há muito tempo já era utilizado em diversos outros países.

A Lei que incluiu a EIRELI no Código Civil, sofre atualmente muitas críticas quanto à omissão em seu caput a respeito do tipo de pessoa que será titular da EIRELI. Ou seja, o texto legal não aponta e também não proíbe o tipo de pessoa que pode constituir a EIRELI, motivo pela qual, a doutrina diverge entre as razões de que somente a pessoa natural poderá figurar como titular desta, como também abre margem para a interpretação de que a pessoa jurídica também poderá constituí-la, tendo em vista que a mesma não encontra defesa em lei, e que para tanto, está livre para figurar como sua titular.

Diante da omissão legal, e da insistente proibição da constituição de EIRELI por pessoa jurídica na doutrina, discute-se a necessidade de adequação para o dispositivo legal, a fim de dirimir controvérsias doutrinárias, bem como definir claramente as características da EIRELI.

Para buscar respostas ao problema indicado, a pesquisa tem caráter bibliográfico e os dados são qualitativos que demonstram quais perspectivas estão relacionadas com o assunto, e quais fatores indicam a necessidade de adequação do texto legal.

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1.2 ORIGENS DA EIRELI NO DIREITO COMPARADO

O Instituto da Empresa Individual de

Responsabilidade Limitada é conhecido pela abreviação de “EIRELI”, tendo sido introduzido no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 2011. Acerca deste instituto muito se discute sobre seus primeiros registros.

Encontram-se relatos que as primeiras propostas surgiram no início do século XX. De acordo com o Prof. José Maria Rocha Filho, por obra do jurista austríaco Oskar Pisco, em 1926 a figura da EIRELI foi inserida no Principado de Liechtenstein, com o intuito de atender as necessidades dos pequenos e médios empresários1.

Em 25 de agosto de 1986, por meio do Decreto-Lei n.º 248/86 foi criada em Portugal o Estabelecimento Mercantil de Responsabilidade Limitada, sendo que, tal instituto é análogo à EIRELI brasileira. Da sua criação se discutia os riscos sobre a limitação de tal responsabilidade, principalmente quanto a terceiros:

[...] vem sendo defendida há várias décadas por importante sector da doutrina a limitação da responsabilidade do comerciante em nome individual pelas dívidas contraídas na exploração da sua empresa. Contra essa solução tem sido, porém, invocados vários argumentos. Assim, observa-se que a concessão desse favor colocaria terceiros (credores comerciais e particulares do comerciante) sob a ameaça de graves prejuízos. Aduz-se depois que a responsabilidade ilimitada patrimonial do comerciante é o factor que melhor o pode ajudar a obter o crédito de que necessita. Pondera-se ainda ser justo que quem detém o domínio efectivo de uma empresa responda com todo o seu

1 ROCHA FILHO, José Maria. Em defesa da empresa individual de responsabilidade limitada. In: Atualidades Jurídicas/coord. Osmar Brina Corrêa Lima. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 169.

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património pelas dívidas contraídas na respectiva exploração2. (sic)

Para evitar tal risco, o art. 3º do Decreto-Lei n.º

248/86, instituiu que o capital não inferior a 5000 euros deveria ser integralizado no momento que em o registro do estabelecimento fosse requerido3.

A exemplo de Portugal, o assunto foi incorporado na União Europeia há mais de 20 (vinte) anos, como é o caso da Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, e Reino Unido. Esses países pertencem à Comunidade Econômica Europeia (CEE), e cada qual introduziu em seu ordenamento jurídico as sociedades de responsabilidade limitada com um único sócio à sua maneira. Diante disso, o Conselho da CEE considerando necessário torná-las equivalentes, emitiu a Segunda Directiva 89/667/CEE do Conselho da Comunidade Econômica Europeia, de 21 de dezembro de 1989, a fim de proteger os interesses tanto dos sócios como de terceiros4.

Na América Latina temos como exemplo o Chile (Lei nº 19.857 de 2003)5, e Paraguai (Lei nº 1.034 de

2 PORTUGAL. Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa. DL n.º 248/86, de 25 de Agosto. Disponível em: <http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=678&tabela=leis>. Acesso em 31 ago. 2014. 3 Ibidem. 4 UNIÃO EUROPEIA. Décima segunda Directiva 89/667/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989. Conselho das Comunidades Europeias. Bruxelas, 21 de dezembro de 1989. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31989L0667:PT:HTML>. Acesso em 31 ago. 2014. 5 CHILE. Lei nº 19.857/2003. Autoriza o Estabelecimento de Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada. Santiago, 24 de janeiro de 2003. Disponível em: <http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=207588>. Acesso em 20 set. 2014.

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1983)6, que apresentam em seu texto a premissa de que a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural, que é titular do capital social. 1.3 INTRODUÇÃO DA EIRELI NO DIREITO BRASILEIRO

Em 1947 foi apresentado pelo Deputado Freitas e

Castro o Projeto nº 201 que previa a permissão à constituição de empresas individuais de responsabilidade limitada7, com a seguinte justificação:

Nota-se em nosso direito uma falha que, aliás, é da legislação da quase totalidade dos países civilizados. Não temos uma lei que permita a criação de empresas individuais de responsabilidade limitada. O mesmo princípio e as mesmas razões que justificam a limitação da responsabilidade individual em diversos tipos de sociedade, só aplicam a essas empresas. Duas pessoas podem tentar um empreendimento sem arriscar a totalidade do seu patrimônio; fazer uma delas isoladamente não o pode.

A distinção cada vez mais nítida que se faz entre o

patrimônio da empresa e o patrimônio particular dos seus

6 PARAGUAI. Lei nº1.034/1983. Capítulo II. Da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Congresso Nacional. Assunção, 16 de dezembro de 1983. Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/spanish/mesicic3_pry_ley1034.pdf>. Acesso em 20 set. 2014. 7 BRASIL. Projeto de Lei 201/1947. Permite a constituição de empresas individuais de responsabilidade limitada. Câmara dos Deputados. Brasília. DF, 22 de maio de 1947. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=173047>. Acesso em 06 ago. 2014.

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proprietários cabalmente demonstram a sem razão dessa restrição.

[...] O pior é que facilmente se burlam as disposições legais. Inúmeras “sociedades" existem apenas na forma exterior, pois realmente se compõem de um único indivíduo. [...] Na realidade as empresas individuais existem, embora de formação contrária à Lei8.

Contudo, os pareceres contrários da Comissão de

Constituição e Justiça e da Comissão Econômica da Indústria e Comercio, fizeram com que o projeto não vingasse.

Somente em 2009, por intermédio do Deputado Federal Marcos Montes, foi apresentado o Projeto de Lei 4.605/2009 com a seguinte redação para o caput do art. 985-A:

Art. 985-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural, que é o titular da totalidade do capital social e que somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade9.

8 BRASIL. Estados Unidos do Brasil, Diário do Congresso Nacional. Ano II, nّº 78, Capital Federal, 23 de maio de 1947. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23MAI1947.pdf#page=25>. Acesso em 06 ago. 2014. 9 BRASIL. Projeto de Lei n.º 4.605-A de 10 de janeiro de 2009. Acrescenta um novo artigo 985-A à Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Câmara dos deputados. Brasília, DF, 5 de agosto de 2009. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=99F14BCAFA0149B098707C7A932D3E46.node2?codteor=633053&filename=Avulso+-PL+4605/2009>. Acesso em 06 ago. 2014.

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A justificativa para o projeto baseou-se nas

palavras do Prof. Guilherme Duque Estrada de Morais que defendia a exploração da atividade econômica por empresário individual, sem colocar em risco seus bens pessoais e assim acabar com as “sociedades-faz-de-conta”. Por fim, acreditou que o Estado teria um grande aumento na arrecadação da qual traria vantagens para a economia, pois haveria a formalização e organização de um segmento importante dos negócios, responsável pela maior parcela que gera empregos no país10.

O projeto então passou pelo trâmite legislativo e sofreu várias alterações. Em uma das emendas a Comissão de Desenvolvimento econômico, indústria e comercio, propôs o seguinte texto para o §5º:

[...] poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada, constituída para a prestação de serviços intelectuais de natureza científica, literária, jornalística, artística ou cultural, a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional11.

De outro lado, a Comissão de Constituição e

Justiça, e de Cidadania, também apresentou suas propostas. A proposta apresentada alterou substancialmente o artigo que delimitava a composição da EIRELI, de forma que, a expressão “pessoa natural” foi retirada do texto, deixando ampla a interpretação quanto a

10 Ibidem. 11 BRASIL. Comissão de desenvolvimento econômico, indústria e comércio. Parecer à emenda apresentada ao substitutivo do relator aos projetos de lei n.º 4.605, de 2009, e nº 4.953, de 2009. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=666861&filename=Tramitacao-PL+4605/2009> Acesso em 06 ago. 2014.

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composição da EIRELI, tendo como pressuposto o seguinte:

Art. 980-A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País12.

Tal redação se perdurou até a promulgação da Lei

12.441/11, e hoje encontra-se no Código Civil, Título I-A denominado DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. Além de tal acréscimo, o art. 44 do C.C que previa as seguintes pessoas de direito privados: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações; IV – as organizações religiosas; e V – os partidos políticos; passou a contar com mais um inciso, qual seja, incluiu em seu rol as Empresas individuais de responsabilidade limitada, fazendo remissão para os artigos 980-A e 1.033, parágrafo único deste mesmo códex13.

12 BRASIL. Comissão de constituição e justiça e de cidadania. Projeto de lei nº 4.605, de 2009. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=793401&filename=Tramitacao-PL+4605/2009>. Acesso em 06 ago. 2014. 13 BRASIL. Código civil, 2002. Código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 06 ago. 2014.

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1.4 CONTROVÉRSIAS DOUTRINÁRIAS QUANTO À NATUREZA JURÍDICA DA EIRELI

Com o advento da Lei nº 12.441 de julho de 2011 a

EIRELI passou a compor o rol das Pessoas Jurídicas de Direito Privado, com previsão no inciso VI do art. 44 do Código Civil14.

Muito se discute quanto à sua natureza jurídica. Por se tratar de um novo instituto que possui características próprias, parte da doutrina entende que a EIRELI é um atributo imputado à pessoa natural na qualidade de empresária, enquanto que, para outros, trata-se de um novo tipo societário. Entre essa discussão ainda há uma terceira corrente doutrinária que defende a natureza jurídica sui generis do respectivo instituto.

Gladston Mamede considera a pessoa natural o titular da EIRELI, conforme segue:

Especialmente, a empresa individual de responsabilidade limitada é constituída por uma única pessoa que será a titular da totalidade do capital registrado (artigo 980-A do Código Civil). Essa única pessoa será um ser humano. [...] Apesar das dúvidas que surgiram em face da interpretação literal do dispositivo, a interpretação sistemática, bem como a mens legislatoris (a intenção do legislador) atestam que a figura foi criada para albergar a titularidade do capital por pessoa natural exclusivamente15.

Contudo, cumpre destacar que a EIRELI não se

confunde com o denominado empresário individual previsto no art. 966 do Código Civil, visto que este não se trata de pessoa jurídica.

Rubens Edmundo Requião deixa evidente essa distinção quando explica que, à pessoa titular da EIRELI é

14 Ibidem. 15 MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 23.

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imputado um novo atributo, qualificado pela responsabilidade limitada ao capital que destacar para sua atividade, enquanto que, o empresário individual sofre responsabilidade ilimitada pelas suas obrigações16.

Em contrapartida, Fabio Ulhoa Coelho considera que a EIRELI se trata de sociedade unipessoal, quando assim a defende em sua obra:

Juridicamente, a “empresa individual de responsabilidade limitada” (EIRELI) não é um empresário individual. Trata-se da denominação que a lei brasileira adotou para introduzir, entre nós, a figura da sociedade limitada unipessoal, isto é, a sociedade limitada constituída por apenas um sócio17.

As sociedades unipessoais estão previstas em

nosso ordenamento, mas se constituem de forma esporádica e temporária. Com previsão no art. 1.033, IV do Código Civil18 e 206, I, d, da Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações)19, vê-se que as mesmas não nascem unipessoais tampouco podem permanecer desta forma, por isso, há aqueles que defendem que a EIRELI introduziu uma nova modalidade societária.

Todavia, mesmo sendo intenção do legislador criar um novo tipo societário, qual seja a unipessoal, o próprio

16 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 31 ed. rev. e atual por Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2012. 17 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 43. 18 BRASIL. Código Civil. art. 1.033 - Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: [...] IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; 19 BRASIL. Lei 6.404/1976. art. 206 - Dissolve-se a companhia: I - de pleno direito: [...] d) pela existência de 1 (um) único acionista, verificada em assembleia-geral ordinária, se o mínimo de 2 (dois) não for reconstituído até à do ano seguinte, ressalvado o disposto no artigo 251;

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art. 981 do Código Civil20 prevê como requisito para a existência de uma sociedade, a pluralidade de pessoas, estando assim, proibido a criação de sociedade unipessoal em nosso ordenamento jurídico. Ainda assim, a Lei 12.441/2011, criou a EIRELI como uma nova espécie de pessoa jurídica inserindo-a ao rol do art. 44 do Código Civil, e não como um novo tipo societário. Tanto é que, os tipos societários existentes em nosso ordenamento estão previstos a partir do título II do Código Civil, enquanto que, a EIRELI distintamente separada deste, está prevista no Título I-A deste mesmo codex, declinando, portanto, a tese de que a EIRELI seja um novo tipo societário21.

Marcelo Bertoldi e Marcia Carla Pereira Ribeiro não entendem que a EIRELI tenha natureza jurídica de sociedade ou de empresário individual, “[...] tendo em vista a ausência de pluralidade de pessoas, ou seja, a EIRELI não se trata de uma sociedade unipessoal, mas sim de um novo ente distinto da sociedade empresária e da pessoa do empresário”.22

Diante da problemática, sobre o titular da EIRELI ser um empresário individual ou sócio unipessoal, uma terceira corrente doutrinária representada por Nadialice Francischini de Souza, defende que esse instituto tem

20 BRASIL. Código Civil. art. 981 - Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. 21 BRASIL. Código civil, 2002. Código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 06 ago. 2014. 22 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial: teoria geral do direito comercial, direito societário, títulos de crédito, falência e recuperação empresarial, contratos mercantis. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 66.

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natureza jurídica sui generis, que significa “seu próprio gênero”.23

Concernente com tal ideia, Paulo Leonardo Vilela Cardoso assim leciona:

Com a sanção presidencial em julho de 2011, a Lei 12.441/2011 fez surgir um novo sujeito de direito, uma pessoa jurídica intitulada como “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”, com o fim precípuo de desenvolver a mesma atividade do Empresário e das Sociedades Empresárias, porém com duas características bem forte: a blindagem patrimonial por meio da responsabilidade limitada do empreendedor, e a possibilidade de sua constituição por aqueles que desenvolvem atividade intelectual. Assim, após o surgimento da EIRELI, o sistema comercial passou a ser reconhecido por três figuras distintas e aptas a exercer empresa: o Empresário, as Sociedades Empresárias e a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada24.

De acordo com Nadialice Francischini de Souza, a

partir da criação de uma EIRELI, nasce uma pessoa jurídica, da qual terá capacidade para contrair direitos e deveres que serão distintos da pessoa que a compõe25.

23 SOUZA, Nadialice Francischini de. Natureza jurídica “sui generis” do membro da EIRELI. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7322/A-natureza-juridica-sui-generis-do-membro-da-EIRELI>. Acesso em 15 abr. 2014. 24 CARDOSO, Paulo Leonardo. Vilela. A empresa Individual de Responsabilidade Limitada no novo Código Comercial. COELHO, Fábio Ulhoa; LIMA, Tiago Asfor Rocha; NUNES, Marcelo Guedes (Coord.). Reflexões sobre o projeto de código comercial. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 532. 25 SOUZA, Nadialice Francischini de. Natureza jurídica “sui generis” do membro da EIRELI. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7322/A-natureza-juridica-sui-generis-do-membro-da-EIRELI>. Acesso em 15 abr. 2014.

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A empresa individual... // 25

Sendo a EIRELI distinta da figura de empresário

individual e não sendo esta um novo tipo societário, conclui-se que sua natureza é única, ou seja, dentre outros sinônimos, sem semelhança com outro.

Resta inequívoca, que o modo como a EIRELI fora introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, atribuiu-lhe uma característica própria, de modo que, não poderá ser confundido com outro instituto, embora aparentemente equivalentes. Portanto, é inarredável a conclusão que sua natureza jurídica é “sui generis”. 1.5 POSSIBILIDADE DE PESSOA JURÍDICA COMPOR A EIRELI

Outro ponto importante, passível de discussão, diz

respeito à pessoa que compõe a EIRELLI. O art. 980-A do Código Civil expressamente prevê,

“a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.”26 contudo não especifica se tal pessoa é tão somente a natural, sendo assim, é possível presumir que há a possibilidade de pessoa jurídica compor tal instituto.

O §2º deste mesmo dispositivo traz a seguinte redação: “A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade27”. Nota-se que tal previsão remete apenas à pessoa natural que irá compor a EIRELI, estando a mesma proibida de integrar uma nova EIRELI simultaneamente, mas observa-se que não há remissão à pessoa jurídica, como se à ela não houvesse impedimento para tais circunstâncias, ainda

26 BRASIL. Código civil, 2002. Código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 06 ago. 2014. 27 Ibidem.

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assim a expressão “pessoa natural” é utilizada pela primeira vez, e apenas para apontar uma limitação específica.

Contudo, parte da doutrina considera veementemente a pessoa física como a única pessoa capaz de compor a EIRELI, estando a pessoa jurídica proibida, mesmo sem a previsão de tal proibição. Tal defesa está de acordo com ensinamento de Gladston Mamede:

Essencialmente, a empresa individual de responsabilidade limitada é constituída por uma única pessoa que será a titular da totalidade do capital registrado (artigo 980-A do Código Civil). Essa única pessoa será um ser humano. Não desconheço a existência daqueles que, fundados numa interpretação literal do dispositivo, pretendem que também pessoas jurídicas (associações, sociedades ou fundações) poderiam constituir tais empresas. Contudo, o legislador encartou a figura do Título I do Livro de Direito da Empresa do Código Civil, t’título esse que é dedicado ao empresário, inequivocamente uma pessoa natural [...]. Apesar das dúvidas que surgiram em face da interpretação literal do dispositivo, a interpretação sistemática, bem como a mens legislatoris (a intenção do legislador) atestam que a figura foi criada para albergar a titularidade do capital da pessoa natural exclusivamente.28

Tal entendimento estende-se às instruções

normativas expedidas pelo Departamento Nacional de Registro de Comércio – DNRC, que é o órgão responsável por designar orientações as Juntas Comerciais.

Primeiramente, em novembro de 2011, por meio da instrução normativa 116, o respectivo Departamento

28 MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 23.

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previu a possibilidade de constituição de EIRELI por pessoa jurídica, a “contrário sensu”:

Art. 5º Observado o princípio da veracidade: III. [...] d) na empresa individual de responsabilidade limitada deverá ser seguida da expressão “EIRELI”, podendo conter o nome do titular, “quando este for pessoa física” (grifo nosso) 29.

Todavia, também em 2011, o DNRC expediu a

Instrução Normativa (IN) 117, contrariando o disposto anteriormente, afirmando de forma categórica: “1.2.11 – Impedimento para ser titular. Não pode ser titular de EIRELI a pessoa jurídica, bem assim a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por lei especial” 30.

Assim também entende Marcelo Bertoldi e Marcia Carla Pereira Ribeiro ao afirmar que a pessoa descrita no caput do art. 980-A se refere tão somente à pessoa natural, tendo em vista suas características intrínsecas, e valem-se da IN DNRC 117 para reforçar a tese de que a pessoa jurídica está impedida de compor a EIRELI31.

29 DNRC – Departamento Nacional de Registro do Comércio. Instrução Normativa DNRC Nº 116, de 22 de novembro de 2011. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/in-dnrc-116-2011.htm>. Acesso em 15 abr. 2014. 30 DNRC – Departamento Nacional de Registro do Comércio. Instrução Normativa DNRC Nº 117, de 22 de novembro de 2011. Disponível em: <http://www.jucepa.pa.gov.br/downloads/IN_117_2011.pdf>. Acesso em 22 set. 2014. 31 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial: teoria geral do direito comercial, direito societário, títulos de crédito, falência e recuperação empresarial, contratos mercantis. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

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Há de ressaltar, que tal órgão não possui competência para legislar, e para tanto não deve ser utilizado como parâmetro para definir o tipo de pessoa descrito em lei, principalmente quando esta não a delimita.

Em contrapartida, e em respeito a dispositivos legais inexistentes, Paulo Leonardo Vilela Cardoso interpreta a expressão “constituída por uma única pessoa [...]”, de forma ampla, conforme seu entendimento:

[...] a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada foi reconhecida como uma nova pessoa jurídica, e incluída no indicado art. 44 do Código Civil, especialmente em seu inciso VI. Expressamente criada para exercer atividade econômica lucrativa, a EIRELI tem como fator diferenciador a possibilidade de ser constituída por uma única pessoa, seja natural ou jurídica, com direito à proteção patrimonial do empreendedor mediante a limitação da responsabilidade32.

Posto isto, ressalte-se que, embora parte

majoritária da doutrina defende que a EIRELI será composta somente por pessoa natural, é possível verificar nas sucessivas alterações do art. 980-A até a sua promulgação, a clara intenção em retirar a expressão “pessoa natural” do seu caput. Desta omissão entende-se que a pessoa jurídica não está impedida de compor a EIRELI, tendo em vista que a mesma não foi proibida, ou mesmo não foi restringida à pessoa natural.

Tal acepção jurídica não poderia ser encarada como uma aberração, pois de acordo com Paulo Leonardo Vilela Cardoso no direito comparado temos como exemplo a sociedade unipessoal composta por pessoas naturais ou

32 CARDOSO, Paulo Leonardo. Vilela. A empresa Individual de Responsabilidade Limitada no novo Código Comercial. COELHO, Fábio Ulhoa; LIMA, Tiago Asfor Rocha; NUNES, Marcelo Guedes (Coord.). Reflexões sobre o projeto de código comercial. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 535.

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A empresa individual... // 29

jurídicas legalmente aceito em Portugal, assim como também é admitido na Itália, portanto não seria algo inédito33.

Ademais, proibir aquilo que não é defeso em lei, fere o princípio da liberdade e da legalidade, qual seja, “ninguém é obrigado a fazer, ou deixar de fazer, senão em virtude de lei”. Assim é o entendimento da juíza Gisele Guida de Faria, que em virtude do processo ainda permanecer de forma física, não fora encontrada seu registro eletrônico, portanto, buscou-se em fonte secundária a decisão que se encontra na 9ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro apud Leonardo Pessoa:

Trata-se de mandado de segurança preventivo impetrado por PURPOSE BRAZIL LLC e PURPOSE CAMPAINGS BRASIL LTDA, com o escopo de obter, liminarmente, decisão que determine que a autoridade impetrada, PRESIDENTE DA JUCERJA, se abstenha de rejeitar o arquivamento de ato societário de transformação da 2ª Impetrante em EIRELI, seguido da concentração definitiva das quotas desta, na pessoa da 1ª Impetrante, ou, alternativamente, que mantenha a singularidade acionária da 2ª Impetrante até decisão final do presente mandamus, sem qualquer risco de dissolução e/ou efeito jurídico semelhante/similar, ou mesmo situação de irregularidade, com a perda da responsabilidade limitada até o limite das quotas subscritas e integralizadas. Afirma que, apesar do artigo 980-A do CC, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.441/11, não prever qualquer impedimento para a constituição de uma EIRELI, cujo único sócio é pessoa jurídica, o Departamento Nacional de Registro do Comercio – DNRC, publicou a Instrução Normativa nº 117/11, vedando, expressamente, em seu item 1.2.11 a titularidade da EIRELI por pessoa jurídica. Aduz, ainda que, por

33 CARDOSO, Paulo Leonardo Vilela. O empresário de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 2012.

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estar a Autoridade Impetrada subordinada ao DNRC e tecnicamente vinculada às normas por ele baixadas, há fundado risco de rejeição do arquivamento da transformação da 2ª Impetrante em EIRELI, em razão da totalidade de suas quotas pertencerem a 1ª Impetrante que é pessoa jurídica. Da análise dos documentos juntados com a exordial, temos que merece ser deferido, liminarmente, o pedido formulado no item ´b´ de fls. 24, posto que presentes os necessários requisitos legais. O periculum in mora afigura-se inquestionável, na medida em que o dia 18.03.2012 é a data do término do prazo de manutenção regular da singularidade acionária da 2ª Impetrante, a partir de quando, se não aceito seu registro de transformação em EIRELI, deverá restabelecer a pluralidade acionária, sob pena de incorrer nas sanções previstas no artigo 1.033 do CC. O fumus boni iuris, por sua vez, também encontra-se evidenciado nos autos. Isto porque, da simples leitura das normas sob comento, verifica-se que há clara violação ao princípio segundo o qual onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir´. Com efeito, o item 1.2.11, da Instrução Normativa nº 117/11, do DNRC, trouxe expressa restrição não prevista no artigo 980-A do CC, com a redação introduzida pela Lei nº 12.441/11. Vejamos. Prevê o item 1.2.11 da IN nº 117/11 do DNRC: ´1.2.11 – IMPEDIMENTO PARA SER TITULAR Não pode ser titular de EIRELI a pessoa jurídica, bem assim a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por lei especial´. – grifo nosso. Por sua vez, dispõe o artigo 980-A do CC: ´Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado (…)´ – grifo nosso. § 2º

[...] Decorrendo, pois, do princípio constitucional da legalidade a máxima de que ´ninguém é obrigado a fazer, ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei´, não cabia ao DNRC normatizar a matéria inserindo proibição não prevista na lei, que lhe é

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hierarquicamente superior, a qual se propôs a regulamentar. A opção do legislador, em não proibir a constituição da EIRELI por pessoa jurídica, fica ainda mais clara quando se verifica que o texto original do Projeto de Lei nº 4.605/09, que culminou na Lei nº 12.441/11, dispunha expressamente que a EIRELI somente poderia ser constituída por uma pessoa natural, ou seja, espécie do gênero, pessoa, que também abrange a espécie pessoa jurídica. Tendo havido supressão do termo ´natural´ do texto final da lei, pode-se concluir que o legislador pretendeu com tal ato, permitir/não proibir a constituição da EIRELI por qualquer pessoa, seja ela da espécie natural, seja ela da espécie jurídica. Diante do acima exposto, DEFIRO a liminar pretendida, determinando que a Autoridade Impetrada, mantenha a singularidade acionária da 2ª Impetrante até decisão final do presente processo, sem qualquer risco de dissolução e/ou efeito jurídico semelhante/similar, ou mesmo situação de irregularidade, com a perda da responsabilidade limitada até o limite das quotas subscritas e integralizadas, sob pena de multa única de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Intime-se para cumprimento e requisitem-se as informações. Publique-se (omissis)34.

Embora a decisão da Magistrada tenha sido

anulada em sede de recurso, pois o Tribunal entendeu que a competência para processar e julgar o mandado de segurança é da Justiça Federal, percebe-se que o mérito analisado pela magistrada não fora contestado, tão pouco declinado. Segue decisão do Agravo de Instrumento:

34 PESSOA, Leonardo. Pessoa jurídica pode constituir empresa individual (EIRELI), de 12 março de 2012. Disponível em: <http://leonardopessoa.adv.br/novo/2012/03/pessoa-juridica-pode-constituir-empresa-individual-eireli/> Acesso em 29 ago. 2014.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. Mandado de segurança preventivo. JUCERJA. Arquivamento de operação de transformação de sociedade empresária, para constituição de EIRELI –Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. A Junta Comercial efetua o registro e o seu cancelamento por delegação federal, sendo, portanto, da competência da Justiça Federal para processar e julgar o mandado de segurança (CR/88, art. 109, VIII). O registro público de empresas mercantis é exercido, em todo o território nacional, por órgãos federais e estaduais, de maneira uniforme e interdependente (Lei nº 8.934/94, artigos 1º e 3º, e CC, artigos 1.150 e seguintes). Incompetência da Justiça Estadual. Jurisprudência dominante. Interlocutória que se anula. Agravo a que se dá provimento. (TJRJ - 2ª C.Cível - AI - 0016183-27.2012.8.19.0000 - Rel.: Des. Jessé Torres - monocromática - J. 24.04.2012)35.

Nota-se que o mérito foi discutido com êxito e com clara observância aos dispositivos legais pela Magistrada que reforçou sua posição sobre o DNRC que não possui competência legislativa, bem como a ofensa aos princípios da liberdade e da legalidade ao proibir a constituição de EIRELI por pessoa jurídica.

Recentemente o Juiz Federal José Henrique

Prescendo concedeu o pedido liminar impetrado através de Mandado de Segurança pela American Cap Gestora de Varejos LTDA, pessoa jurídica de direito privado, contra o presidente da junta comercial do Estado de São Paulo e o Diretor do DNRC, por terem negado o pedido de alteração contratual da impetrante para o tipo societário EIRELI, com base na IN nº 117/2011. A decisão foi proferida em

35 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento nº 0016183-27.2012.8.19.0000, da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Rel.: Des. Jessé Torres. Decisão monocromática. Rio de Janeiro, RJ, 24 de abril de 2012.

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dezembro de 2014, encontra-se em trâmite na 22ª Vara Federal de São Paulo,

Cuida-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, para que este Juízo determine o imediato arquivamento e registro da alteração contratual da impetrante para o tipo societário EIRELI. Aduz, em síntese, a ilegalidade da decisão da autoridade impetrada que indeferiu o seu pedido de alteração contratual para o tipo societário Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI, sob o fundamento de que a pessoa jurídica não pode ser titular de EIRELI, nos termos da Instrução Normativa n.º 117/2001, do Departamento de Registro Empresarial e Integração - DNRC. Alega, entretanto, que o DNRC extrapolou sua competência regulamentar com a restrição da titularidade da EIRELI para pessoas jurídicas, uma vez que tal limitação não foi imposta no art. 980-A, do Código de Processo Civil, motivo pelo qual busca o Poder Judiciário para resguardo de seu direito. Acosta aos autos os documentos de fls. 20/33 É o relatório. Decido. Dispõe o inciso III do artigo 7.º da Lei n.º 12.016/2009, que o juiz, ao despachar a petição inicial, ordenará que se suspenda a eficácia do ato que deu motivo ao pedido quando for relevante o fundamento do ato impugnado e puder resultar na ineficácia da medida, caso seja deferida ao final, devendo esses pressupostos estar presentes cumulativamente. Compulsando os autos, constato que o impetrante efetivamente requereu a alteração de sua situação cadastral junto à JUCESP, de sociedade limitada para EIRELI, conforme se extrai dos documentos de fls. 27/30. Entretanto, a autoridade impetrada indeferiu o pedido do impetrante, sob o fundamento de que a pessoa jurídica não pode ser titular de EIRELI, nos termos da Instrução Normativa n.º 117/2001, do Departamento de Registro Empresarial e Integração - DNRC.Com efeito, o art. 980-A, do Código Civil dispõe: Art. 980-A. A empresa individual de

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responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão EIRELI após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) 4º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) Por sua vez, a Instrução Normativa n.º 117/2011, do Departamento Nacional de Registro do Comércio - DNRC estabeleceu que o titular de EIRELI somente pode ser pessoa natural, brasileiro ou estrangeiro residente no país ou no exterior. A partir da análise dos dispositivos legais supracitados, conclui-se que, diversamente da Instrução Normativa n.º 117/2011, a Lei n.º 12441/2001, instituidora da figura da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI não trouxe qualquer distinção entre pessoa física e pessoa jurídica para constituição do atinente tipo societário, sendo que a única restrição é que a pessoa física figure em apenas uma empresa dessa

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modalidade. Notadamente, a instrução normativa somente se presta a regulamentar a lei ordinária hierarquicamente superior, não podendo inovar no ordenamento jurídico e estabelecer restrições não previstas em lei, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da legalidade. Assim, é certo que a Instrução Normativa n.º 117/2011, do DNRC extrapolou os limites legais, ao interpretar restritivamente o art. 980- A do Código Civil, que se refere a uma única pessoa titular da totalidade do capital social, sem qualquer limitação à pessoa jurídica. Nesse sentido colaciono os julgados a seguir: Processo APELREEX 08028268020134058100 APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Relator(a) Desembargador Federal Manoel Erhardt Sigla do órgão TRF5 Órgão julgador Primeira Turma Decisão UNÂNIME Descrição PJe Ementa ADMINISTRATIVO. ARQUIVAMENTO DE ATOS NA JUNTA COMERCIAL EIRELI. PESSOA JURÍDICA. ILEGALIDADE DA INSTRUÇÃO NORMATIVA 117/11, DO DNRC, AO INTERPRETAR RESTRITIVAMENTE O ART. 980-A DO CÓDIGO CIVIL, QUE SE REFERE A UMA ÚNICA PESSOA JURÍDICA TITULAR DA TOTALIDADE DO CAPITAL SOCIAL, SEM DISTINGUIR PESSOA FÍSICA DE PESSOA JURÍDICA. ADOÇÃO DA TÉCNICA DE JULGAMENTO PER RELATIONEM. 1. Apelação contra sentença que, confirmando a tutela antecipada, concedeu a segurança para reiterar a determinação à autoridade impetrada que proceda ao arquivamento da documentação referente ao registro do ato de constituição do Hospital da mulher e da Criança Unimediana - objeto do processo JUCEC nº 13/098757-3, acatando a singularidade acionária da demandante. 2. A intenção do legislador ordinário, no processo legislativo que deu origem à Lei 11.441/2011, era de possibilitar tanto a pessoa natural (física) quanto a jurídica de constituir uma empresa individual de responsabilidade limitada, eis que suprimiu o termo natural do texto final da lei. O legislador pretendeu com tal ato, permitir, e não proibir, a constituição da EIRELI por qualquer

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pessoa, seja ela natural ou jurídica. 3. O Departamento Nacional de Registro e Comércio (DNRC), de fato, extrapolou a sua competência quando publicou, em 22 de novembro de 2011, a Instrução Normativa nº 117, vedando, em seu item, 1.2.11, a possibilidade de pessoa jurídica ser titular de Eireli, uma vez que institui restrições à utilização do novel instituto que a lei não determina, em clara afronta ao princípio constitucional da legalidade, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer, ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei. Assim, não cabia ao DNRC normatizar a matéria inserindo proibição não prevista na lei, que lhe é hierarquicamente superior, a qual se propôs a regulamentar. Precedente. 4. Remessa oficial improvida. Data da Decisão 15/05/2014Processo AG 08002033020124050000 AG - Agravo de Instrumento - Relator(a) Desembargador Federal Lazaro Guimarães Sigla do órgão TRF5 Órgão julgador Primeira Turma Decisão UNÂNIME Descrição PJe Ementa Civil. Limitação instituída pela Instrução Normativa 117/11, do DNRC, que extrapola os limites legais, ao interpretar restritivamente o art. 980-A do Código Civil, que se refere a uma única pessoa titular da totalidade do capital social, sem distribuir (rectius distinguir) pessoa física de pessoa jurídica. Criação de EIRELI por pessoa jurídica. Agravo provido. Data da Decisão 06/11/2012Desta feita, entendo pela ilegalidade do ato da autoridade impetrada que indeferiu o pedido do impetrante de alteração contratual para o tipo societário Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI. Dessa forma, DEFIRO A LIMINAR, para o fim de autorizar o arquivamento e registro da alteração contratual da impetrante para o tipo societário EIRELI, se somente em razão do fato da impetrante ser pessoa jurídica estiver sendo negado. Notifiquem-se as autoridades impetradas para prestarem as informações no prazo legal. Em seguida, dê-se vista ao representante judicial da pessoa jurídica

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interessada, nos termos do art. 7º, inciso II, da Lei n.º 12.016/2009, bem como ao digno representante do Ministério Público Federal, vindo os autos, a seguir, conclusos para sentença. Publique-se. Intime-se. Oficie-se. São Paulo, JOSÉ HENRIQUE PRESCENDO Juiz Federal. 36

Conclui-se que não existe na legislação pátria

argumentos que impeçam a criação da EIRELI por pessoa jurídica. Para que isso ocorra deveria haver previsão legal impedindo tal ato, ou mesmo a definição de que para tal instituto somente a pessoa natural estaria apta para constituí-la. 1.5.1 Cenário atual

Conforme visto em outro momento, a parte final do

art. 980-A do Código Civil exige que o capital de 100 vezes o salário mínimo vigente no país deve estar “devidamente integralizado”, portanto, caso a integralização não seja feita nesse mínimo não existirá a EIRELI37.

Embora outros países tenham adotado medidas assecuratórias como está a fim de dar segurança à terceiros que se relacionam com a empresa, o autor Paulo de Tarso Domingues assevera que por esse motivo a EIRELI tornou-se uma figura pouco atrativa:

Por outro lado, esse regime – atendendo também ao valor relativamente elevado estabelecido na lei – fará, assim nos parece, com que essa nova figura se apresente como muito pouco atrativa para os agentes

36 BRASIL. 22ª Vara Federal de São Paulo. Mandado de Segurança. Processo n.º 00174394720144036100. Disponível em: http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/. Acesso em 08 dez. 2014. 37 BRASIL. Código civil, 2002. Código civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 06 ago. 2014.

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econômicos, até porque exigência semelhante não é efetuada para a constituição doutras sociedades comerciais (nomeadamente para sociedades limitadas), o que poderá conduzir ao insucesso da mesma na práxis mercantil brasileira. O futuro dirá...38.

Ora, para que um novo instituto possa atender as

necessidades de determinado setor, e que àqueles institutos não adequados sejam substituídos, é necessário que o mesmo seja mais benéfico, ou que não apresente características que impeça tal migração, pois assim, o mesmo torna-se ineficiente.

Com o advento da EIRELI, esperava-se que uma grande parte das sociedades empresárias afastasse o “sócio de fachada” e migrasse para esse novo instituto, bem como, os Empresários Individuais teriam interesse em constituir a EIRELI, pois teriam o benefício de limitar sua responsabilidade. Logo, havendo essa substituição e/ou preferência pela EIRELI a sua taxa de crescimento seria progressiva e significativa, enquanto que haveria a diminuição, também significativa, do número de sociedades empresárias de responsabilidade limitada e empresários individuais.

Tal ideia reflete-se nos dados apresentados pela Junta Comercial do Paraná. No que diz respeito às constituições de novas empresas e filiais de Empresário, EIRELI e Sociedade empresária o quadro atual não corresponde ao esperado, ou seja, entre os meses de Janeiro à Agosto de 2013 com o mesmo período em 2014, o número entre esses institutos permaneceram estáveis, e a constituição por EIRELI pouco expressiva em face do

38 DOMINGUES, Paulo de Tarso. A “surpreendente” EIRELI (breves notas em torno da responsabilidade pessoal e empresarial). KUYVEN, Luiz Fernando Martins (Coord.). Temas essenciais de direito empresarial: estudos em homenagem a Modesto Carvalhosa. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 974.

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Empresário e da Sociedade empresária, como se vê a seguir: Figura 1 – Constituições de Empresas e Filiais39

39 GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Junta Comercial do Paraná Relatórios Estatísticos. Constituições e extinções de empresas e filiais. Disponível em: <http://www.juntacomercial.pr.gov.br/arquivos/File/2014/Relatorios_Mensais/const_ext_agosto_2014.pdf> Acesso em 29 set. 2014.

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Comparando os números de empresários individuais, sociedades empresárias e EIRELI`s, verifica-se que não houve uma redução significativa dos primeiros. Em contrapartida, a EIRELI que seria o instituto mais seguro e ideal para atender as necessidades dos empreendedores individuais não houve um número expressivo em relação ao seu crescimento.

Por obvio, sabendo-se que o valor da integralização do capital social é relativamente elevado, enquanto há a opção de constituir outro tipo societário sem a exigência de integralizar o valor do capital - sociedade empresária de responsabilidade limitada – esta, por sua vez, torna-se mais atrativa, motivo pela qual, a tendência é optar por tal modalidade empresarial ao invés da EIRELI, mesmo que seja necessário utilizar um artifício muito explorado durante décadas, qual seja, a figura do “sócio-faz-de-conta”.

1.5.2 A titularidade de EIRELI por pessoa jurídica como alternativa para torná-la atraente

Sabe-se que o intuito de permitir a criação da

EIRELI consistia em reduzir os problemas até então identificados nas sociedades empresárias de responsabilidade limitada que utilizavam a figura do “sócio de fachada”, e na responsabilidade ilimitada imputada aos empresários individuais. Com a promulgação da mesma vislumbrava-se um grande avanço para a economia brasileira dando ao empreendedor individual uma nova possibilidade de desempenhar sua função individualmente com o benefício de ter a sua responsabilidade limitada. Contudo, o interesse por tal instituto esbarra na exigência de integralização do capital social no montante de 100 (cem) vezes o salário-mínimo vigente, o que torna esse instituto menos atrativo.

Paulo Leonardo Vilela Cardoso exemplifica de forma clara como uma sociedade empresária já titular de determinado objeto poderia criar uma EIRELI:

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Exemplo de fácil verificação é um posto de combustíveis, exercido por uma determinada sociedade empresária, “Posto de Combustíveis Ubatuba Ltda.”, sociedade está formada pelos sócios João Silva e Maria Silva. Esta sociedade quer montar uma pequena lanchonete no interior da loja principal e lá vender lanches e refrigerantes, mediante contabilidade e funcionários diferenciados, já que se trata de objetos distintos. [...] poderá a empresa individual constituir uma menor, para exercer a atividade pretendida, denominando-a Uberaba Conveniências e Lanches EIRELI, tendo como única empreendedora a sociedade Uberaba Supermercados Ltda40.

Tal medida permitiria uma melhor organização dos

negócios, bem como facilitaria a escritura contábil da empresa, sendo possível utilizar tal modelo para vários outros ramos de negócios.

Tendo em vista o cenário atual e sabendo que a pessoa jurídica não está impedida de ser titular da EIRELI, vê-se como uma alternativa para solidificar tal instituto oportunizar a promoção de sua constituição por pessoa jurídica. Dessa forma, diminuiria a dificuldade existente para integralizar o valor exigido do capital mínimo, e manteriam seguros os negócios realizados com terceiros.

1.5.3 Necessidade de adequação do texto legal

Conforme discutido, acerca das controvérsias

doutrinárias quanto à natureza jurídica da EIRELI, Fabio Ulhoa Coelho defende a necessidade de adequação das disposições disciplinadas na Lei 12.441/2011:

Oportunamente, o legislador deverá corrigir as imperfeições técnicas (graves, algumas) e aprimorar a

40 CARDOSO, Paulo Leonardo Vilela. O empresário de responsabilidade limitada. São Paulo: Saraiva, 2012. p.96.

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disciplina do tema, tratando, de um lado, do empresário individual com responsabilidade limitada (em que bens e obrigações afetos ä atividade empresarial constituem um patrimônio de afetação), e de outro, a sociedade limitada unipessoal (que, a rigor, não tem nenhuma especificidade em relação à limitada pluripessoal). Enquanto correção e aprimoramento não vêm, cabe à doutrina e à jurisprudência procurar sistematizar as imperfeitas disposições legais sobre a EIRELI – e a melhor forma de proceder a esta sistematização consiste em considera-la como sendo, simplesmente, a (infeliz) designação dada pela lei brasileira à sociedade limitada unipessoal.41

Fabio Ulhoa Coelho defende veementemente a

necessidade de adequação do instituto da EIRELI, tendo em vista que, a designação dada à mesma consiste em uma atividade econômica e não se refere ao sujeito que a explora, uma vez que usa a terminologia “Empresa” ao invés de Empresário ou sócio. As infelicidades e imprecisões técnicas como assim destacam, também são evidentes quando a legislação diferencia a EIRELI de sociedades, disciplinando Título próprio e a enquadrando como pessoa jurídica de direito privado, contudo valeu-se de conceitos exclusivamente do direito societário, como capital social, denominação social e quotas, além de referir-se à EIRELI como uma “modalidade societária” no art. 980-A, § 3º do Código Civil. Para o autor, duas alternativas se colocam: considerar a EIRELI como uma espécie de pessoa jurídica diferente da sociedade, ou entende-la como uma sociedade limitada unipessoal e toma-la como a designação dada pela lei brasileira42.

41 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 44. 42 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direitos de empresas - volume 2 - (sociedades). 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

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No que diz respeito à adequação o texto legal,

Paulo Leonardo Vilela Cardoso, entende que: Se a intenção fosse limitar a constituição de EIRELI apenas por pessoa natural teria dito isso no caput do próprio artigo, que teria, por consequência, a seguinte redação: “Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural, que é o titular da totalidade do capital social” 43.

Em síntese, Fabio Ulhoa Coelho defende a

adequação da EIRELI para que a mesma seja considerada como Sociedade Unipessoal44, enquanto que, Paulo Leonardo Vilela Cardoso, defende a natureza sui generis da EIRELI, bem como a considera uma espécie de pessoa jurídica. Para este, a falta da expressão “pessoa natural” reflete a intenção do legislador em admitir a composição da EIRELI por pessoa jurídica, uma vez que o mesmo não a limitou somente à pessoa natural45.

Para tanto, muitos doutrinadores não poupam justificativas que delimitam o titular da EIRELI apenas à pessoa natural. Mas, desta forma, estão criando regras não defesas em lei.

Portanto, com a finalidade de dirimir tais controvérsias, e para tornar a EIRELI mais atrativa, seria

43 CARDOSO, Paulo Leonardo. Vilela. A empresa Individual de Responsabilidade Limitada no novo Código Comercial. COELHO, Fábio Ulhoa; LIMA, Tiago Asfor Rocha; NUNES, Marcelo Guedes (Coord.). Reflexões sobre o projeto de código comercial. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 536. 44 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direitos de empresas - volume 2 - (sociedades). 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 45 CARDOSO, Paulo Leonardo. Vilela. A empresa Individual de Responsabilidade Limitada no novo Código Comercial. COELHO, Fábio Ulhoa; LIMA, Tiago Asfor Rocha; NUNES, Marcelo Guedes (Coord.). Reflexões sobre o projeto de código comercial. São Paulo: Saraiva, 2013.

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necessário e conveniente, a adequação do art. 980-A caput com a seguinte redação: “A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa, natural ou jurídica, titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”.

1.6 O PROJETO DE LEI 6698/2013 E A FLEXIBILIZAÇÃO DA EIRELI

No final do ano de 2013 o Senador Paulo Bauer

apresentou o projeto de Lei 6698/2013 que visa flexibilizar a EIRELI e criar a figura da Sociedade Limitada Unipessoal46.

O projeto encontra-se em tramitação e atualmente conta com a aprovação da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Industria e Comercio, e aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

O projeto prevê a constituição da EIRELI por pessoa física, com a seguinte redação:

O Congresso Nacional decreta: Art. 1º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa natural, titular da totalidade do capital.

46 BRASIL. Projeto de Lei 6698/2013. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para aperfeiçoar a disciplina da empresa individual de responsabilidade limitada e para permitir a constituição de sociedade limitada unipessoal. Câmara dos Deputados. Brasília. DF, 05 de novembro de 2013. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=5C060C500487600E7F42C74DB2235974.proposicoesWeb2?codteor=1175848&filename=PL+6698/2013>. Acesso em 29 set. 2014.

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§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão “Eireli” após a firma ou a denominação da empresa individual de responsabilidade limitada. § 2º A pessoa natural poderá constituir mais de 1 (uma) empresa individual de responsabilidade limitada. § 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de modalidade societária em um único sócio, independentemente das razões que motivaram a concentração47.

As principais diferenças consistem na previsão de

que a EIRELI será constituída por uma única pessoa natural, de forma que não permite a sua constituição por pessoa jurídica, além de não prever a limitação de um capital social mínimo integralizado, termo que também foi alterado para apenas “capital”, tendo em vista que não se trata de sociedade.

Entre outros aspectos o projeto propõe a criação dos artigos 1.087-A à 1.087-F que irá compor a Seção IX do Código Civil e tratará “Da Sociedade Limitada Unipessoal”, tanto por pessoa física como por pessoa jurídica:

Art. 1.087-A. A sociedade limitada unipessoal, empresária ou simples, pode ser constituída, mediante ato unilateral, por sócio único, pessoa natural ou jurídica, titular da totalidade do capital social48.

47 Ibidem. 48 BRASIL. Projeto de Lei 6698/2013. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para aperfeiçoar a disciplina da empresa individual de responsabilidade limitada e para permitir a constituição de sociedade limitada unipessoal. Câmara dos Deputados. Brasília. DF, 05 de novembro de 2013. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=5C060C500487600E7F42C74DB2235974.propos

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Quanto à sociedade unipessoal, a proposta

consiste na criação desta por meio de um único sócio, podendo este ser pessoa natural ou jurídica. Neste caso, o termo utilizado é o “capital social”, tendo em vista que a sua natureza jurídica é de sociedade empresária.

Em que pese o projeto abarcar uma série de modificações que certamente incentivará a criação de EIRELI`s, principalmente pelo fato da não obrigação da integralização de um capital mínimo, para esse instituto não será possível a sua constituição por pessoa jurídica, previsão que não encontra na legislação atualmente.

No que diz respeito à sociedade unipessoal haverá um grande avanço para a economia nacional, pelo fato de permitir a sua constituição por uma única pessoa tanto física como jurídica, permitindo que haja uma melhor organização dos negócios, e que haja uma diversificação dos tipos societários. Contudo, o projeto esbarra na definição de sociedade prevista no próprio Código Civil, qual seja o agrupamento de pessoas, motivo pela qual não é permitido a constituição de sociedade unipessoal no ordenamento jurídico pátrio.

As propostas, sem dúvidas, se apresentam de uma forma mais clara e flexível para aqueles que pretendem desempenhar sua atividade empreendedora sozinho. Resta saber quais os possíveis entraves que a proposta poderá encontrar, bem como se os resultados serão positivos.

icoesWeb2?codteor=1175848&filename=PL+6698/2013>. Acesso em 29 set. 2014.

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A empresa individual... // 47

1.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A EIRELI foi inserida no ordenamento jurídico no

ano de 2011. Dentre as principais características deste instituto está a sua titularidade por uma única pessoa e a integralização de 100 (cem) salários mínimos do capital social. Seu propósito era acabar com os “sócios de fachada” e estimular o empreendedor individual no desempenho de uma atividade econômica com a limitação de sua responsabilidade.

Encontra-se na doutrina uma grande discussão acerca da natureza jurídica da EIRELI, que discute se a mesma trata de um empresário individual, ou de sociedade empresária. Contudo, verificou-se que, a EIRELI possui características próprias das quais se diferenciam dessas naturezas, motivo pela qual, sua natureza é considerada “sui generis”, ou seja, possui seu próprio gênero, de modo que não é possível confundi-la com outro instituto.

Outro grande ponto de discussão é a possibilidade de pessoa jurídica constituir EIRELI. Essa possibilidade é baseada na omissão do caput do art. 980-A do Código Civil, que não restringiu a titularidade somente para um tipo de pessoa. Vedação esta que é encontrada na doutrina e mesmo na Instrução Normativa 117 do Departamento Nacional de Registro e Comercio – DNRC que proíbem a constituição de EIRELI por pessoa jurídica. Todavia, o DNRC não possui capacidade para legislar, portanto, não cabe a ele expedir Instruções Normativas proibindo disposição não defesa em lei. Tal disposição fere o princípio da liberdade e da legalidade, qual seja, “ninguém é obrigado a fazer, ou deixar de fazer, senão em virtude de lei”.

Após 3 (três) anos, a EIRELI mostrou-se pouco atrativa. O baixo crescimento desse instituto é justificado pelo valor relativamente alto do capital social a ser integralizado, de modo que, a sociedade empresária de responsabilidade limitada mostra-se como melhor opção

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para o indivíduo que queira exercer uma atividade econômica tendo em vista a não exigência de integralização do capital social, mesmo que para isso seja necessário utilizar a figura do “sócio de fachada”.

Diante deste cenário, a constituição de EIRELI por pessoa jurídica se mostra como uma alternativa para tornar este instituto mais atraente, tendo em vista que a probabilidade de a mesma possuir estrutura suficiente para atender ao requisito da integralização do capital, é maior.

Em suma, verifica-se a necessidade de adequação do texto legal para que seja reconhecido claramente o direito de a pessoa jurídica ser titular da EIRELI, tendo em vista as barreiras encontradas tanto na doutrina quanto pelo DNRC.

Tal adequação consiste em incluir no caput do artigo 980-A do Código Civil a pessoa natural e jurídica que poderão constituir EIRELI, atendendo desta forma uma necessidade daqueles que querem exercer individualmente uma categoria econômica.

Espera-se que a EIRELI seja discutida e analisada sob a ótica de sua eficiência, para que a partir disso as reais necessidades sejam alcançadas. Para tanto, o projeto de Lei 6.698/2013 poderá trazer um grande avanço para a solução dos problemas encontrados pela EIRELI, qual seja: delimita a sua criação por pessoa natural, e elimina a exigência da integralização de um capital mínimo. Prevê também a possibilidade de criar a sociedade unipessoal tanto por pessoa natural como por pessoa jurídica, não sendo necessária a integralização do capital social. Da análise destas propostas vê-se com esperança o aumento da EIRELI, bem como o interesse pelas sociedades unipessoais, resta saber se para esta última haverá contradição com o próprio ordenamento jurídico brasileiro que proíbe a criação de sociedade unipessoal.

Por fim, resta esperar os próximos desfechos quanto ao projeto de Lei 6.698/2013, contudo, não se pode

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A empresa individual... // 49

“cruzar os braços” quanto às imposições por àqueles que não possuem capacidade legislativa e que impedem a constituição da EIRELI por pessoa jurídica. Deve-se assegurar a todos os princípios da liberdade e da legalidade, bem como favorecer meios que impulsionam a economia, mesmo que para isso a luta seja em prol da adequação do texto legal previsto na Lei 12.441/11. 1.8 REFERÊNCIAS

BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial: teoria geral do direito comercial, direito societário, títulos de crédito, falência e recuperação empresarial, contratos mercantis. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

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_____. Comissão de desenvolvimento econômico, indústria e comércio. Parecer à emenda apresentada ao substitutivo do relator aos projetos de lei n.º 4.605, de 2009, e nº 4.953, de 2009. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=666861&filename=Tramitacao-PL+4605/2009> Acesso em 06 ago. 2014.

_____. Comissão de constituição e justiça e de cidadania. Projeto de lei nº 4.605, de 2009. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=793401&filename=Tramitacao-PL+4605/2009>. Acesso em 06 ago. 2014.

_____. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento nº 0016183-27.2012.8.19.0000, da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Rel.: Des. Jessé Torres. Decisão monocromática. Rio de Janeiro, RJ, 24 de abril de 2012.

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A empresa individual... // 53

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- II -

AS CONTRIBUIÇÕES DE JACQUES MARITAIN PARA A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS

DIREITOS HUMANOS

Leonardo da Silva Oliveira* Daniela Menengoti Ribeiro**

Conhecer a nossa própria miséria não é tão desanimador. Conhecemo-la sob o olhar misericordioso de Deus. Temos a longa experiência do nosso nada. Toda a nossa esperança está em Deus; em tudo é bom depender dele só. Conhecemos a nossa miséria, e não podemos dar, a nós mesmos, pretexto à desilusão. Mas ao amadurecer, o coração aprende a ver a miséria dos homens com a mesma benevolência com que vê a sua; chega a saber que eles são como nós, sob o olhar paterno e compassivo de Deus.1

* Bacharel em Direito pela UniCesumar – Centro Universitário Cesumar. ** Orientadora. Professora do Programa de Mestrado em Ciências Jurídicas e Coordenadora da Pós-graduação Lato Sensu em Direito da UniCesumar. Doutora em Direito-Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestre em Direito-Relações Internacionais, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC. Bacharel em Direito pela UniCesumar. Advogada. 1 MARITAIN, Jacques. Diário de Raissa. Rio de Janeiro: Agir, 1966, p. 133. Disponível em http://oreacionario2011.blogspot.com.br/2014/01/conhecer-nossa-propria-miseria-nao-e.html

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2.1 INTRODUÇÃO Na atualidade a discussão sobre os direitos

humanos tem suscitado cada vez mais a atenção dos operadores do direito, na medida em que tais direitos foram ao longo dos anos, especialmente depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial, tomados como fundamentais e paulatinamente incorporados nas constituições de diversos Estados.

Uma vez que essa discussão abrange teorias, diversos pontos de vista e também precisa ser proposta de forma global, principalmente no que tange aos problemas e conflitos internacionais, tratando o aspecto econômico, político e social, faz-se necessário percorrer um caminho que contemple aquilo que é comum à maioria dos Estados. E naquilo que for relativo e limitado à particularidade de cada povo, garantir a proteção da pessoa humana e dos seus direitos às necessidades básicas para uma vida digna.

Embora seja longa a trajetória da construção de uma linha de pensamento comum, as declarações clássicas de direitos do homem foram elaboradas a partir do século XVIII, com um enfoque nos direitos individuais do homem. O contexto de crise e mudanças econômicas fez com que elas trouxessem consigo um caráter revolucionário, produzindo efeitos no pensamento político até primeira metade do século XIX. Além disso, as consequências da Revolução Industrial trouxeram à tona diversos questionamentos à dignidade humana, marcadamente derivados das condições de vida dos operários industriais nos meados do século XIX.

O ideal de felicidade e realização humana prometidos pela Revolução Industrial, não se concretizou. Ao contrário, suscitou problemas que só cresceram com o desenvolvimento econômico e as novas necessidades advindas da mudança de paradigma no meio urbano.

Assim, a luta pelos direitos e a dignidade do homem teve um recuo, vindo a ser suscitada com a

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Segunda Guerra, pois a destruição, a crise e o desemprego que se sucederam chamou a atenção dos Estados para a necessidade de se buscar uma solução que contemplasse a paz mundial e a dignidade do ser humano. O fato mais importante nessa caminhada veio alguns anos mais tarde, com a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Esse documento foi de grande importância no contexto do pós-guerra, fragmentado e marcado pela perda dos valores humanos e a busca de um referencial ético e humano que pudesse dar sentido à reconstrução econômica, social, política e principalmente antropológica que estavam abalados após a Segunda Grande Guerra.

A elaboração desta carta contou com a contribuição de vários pensadores, escritores e filósofos. Apesar da grande relevância de tais pensadores, vamos nos ater no presente trabalho às contribuições de Jacques Maritain, por um motivo bem particular: o filósofo traz à discussão o conceito de humanismo integral, por entender que o contexto pelo qual passava o homem do pós-guerra era traduzido na desfragmentação do indivíduo. Dessa forma se fazia necessário considerar o homem em sua integralidade, em todos os seus aspectos, político, social, econômico, antropológico, etc.

O presente artigo trará, dessa forma, num primeiro momento a apresentação de Jacques Maritain e sua trajetória na linha dos direitos humanos. Em seguida uma contextualização histórica dos fatos principais que levaram à elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos. E por fim as contribuições do filósofo como um dos protagonistas da declaração e como essas ideias se desenvolveram ao longo dos anos na elaboração das demais constituições dos Estados.

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2.2 A TRAJETÓRIA E PENSAMENTO DO FILÓSOFO CRISTÃO JACQUES MARITAIN

Jacques Aimé Henri Maritain nasceu em Paris em

1882, num ambiente familiar protestante, com tradições da filosofia positivista. Seu pai se chamava Paul Maritain e era advogado. Sua mãe, Geneviève Favre, era filha de Jules Favre, político francês e fundador da Terceira República Francesa.2

Maritain fez o estudo secundário no famoso Liceu Henri IV, e mais tarde Filosofia na Sourbone, cenário de certo positivismo ateu. Fez os estudos de biologia na Heidelberg, onde conheceu Raissa Oumansoff, uma imigrante judia cheia de intensa inquietude pela verdade, por quem se apaixonou e com quem mais tarde se casou. Como alunos os dois ficaram decepcionados com a aridez da vida intelectual francesa na Sourbone, abstrata e distanciada das realidades da vida. Por este motivo Maritain, pouco antes de sua morte, conta que ele e Raissa planejam um radical pacto de amor, ou seja, dentro de algumas semanas, se eles não encontrassem alguma razão para à vida, iriam se matar.3

Desse pacto de amor, como escreve Lafayette Pozzoli, “resultou uma rara simbiose espiritual e intelectual”4 que contemplava as discussões conjuntas dos escritos filosóficos de Maritain e as poesias e ensaios de Raissa. A presença dela em sua vida é considerada determinante, pois além de companheira, o ajudou em sua busca pelos ideais humanistas.

Nesse momento de suas vidas, eles conhecem o poeta Charles Péguy, que os aconselha a seguir cursos

2 POZZOLI, Lafayette. Maritain e o Direito. São Paulo: Loyola, 2001, p. 58. 3 BENVENUTO, Jayme et al. Direitos Humanos – Debates Contemporâneos. Recife: Ed do Autor, 2009, p 9. 4 POZZOLI, Lafayette. Maritain e o Direito. São Paulo: Loyola, 2001, p. 58.

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com Henri Bergson, que ensinava na Sourbone. Logo depois, conhecem Leon Bloy, que introduz o jovem casal ao catolicismo e posteriormente se torna seu padrinho de batismo.

Mais tarde Raissa vem a adoecer e nessa ocasião seu conselheiro espiritual, o monge dominicano Humbert Clérissac, apresenta a ela a obra de Santo Tomás de Aquino. Raissa e Maritain se encantam com a obra, acreditando encontrar nela a resposta para a busca de sentido que procuravam. E se afastam das ideias de Bergson. Seis anos depois, Maritain estava ensinando como Professor Assistente de filosofia moderna no Institut Catholique de Paris.

Em 1933, o filósofo se tornou professor do Instituto Pontifício de Estudos Medievais da universidade de Toronto. Ensinou também nas universidades de Columbia, Princeton e Chicago.

Maritain morreu em 1973 tendo sido enterrado com sua esposa Raissa em Kolbsheim.

O caminho de construção do humanismo de Jacques Maritain é marcado por uma experiência pessoal, de cunho religioso e filosófico, ao mesmo tempo em que carrega sua preocupação com a busca da verdade. Por isso, Maritain encontrou inspiração no pensamento de Santo Tomás de Aquino5, que apresentava a concepção de que o ser humano é formado por matéria e espírito, numa unicidade, numa comunhão de ambos. O princípio fundamental do Tomismo6 é a primazia da pessoa humana, como sendo elemento mais perfeito da criação. É nesse eixo que se desenvolve o tomismo e possibilita a

5 Tomás de Aquino (1225 – 1274) é considerado o maior organizador do cristianismo dentro do pensamento filosófico. 6 Tomismo é a filosofia escolástica de Santo Tomás de Aquino, que se caracteriza sobretudo o aristotelismo com o cristianismo. Procura assim, integrar o pensamento de Aristóteles e de Platão com os ensinamentos Bíblicos, construindo, assim, a filosofia do ser, inspirada na fé.

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compreensão da pessoa humana como um todo, sendo inseparável qualquer de suas dimensões.

Ainda nos primeiros anos de suas reflexões filosóficas, Maritain segue impulsionado pela sua influência com os círculos internos da Ação Francesa. Seu pensamento se consolidou no seio do espírito positivista da Sorbone, principalmente após seu encontro com a filosofia de Bergson, conforme afirma Ferdinand Azevedo7.

A partir do momento em que Maritain introduz seu conhecimento no tomismo e posteriormente no aristotelismo, sua vida passa a tomar outro rumo. Como filósofo da escola tomista, atualiza o pensamento de Santo Tomás de Aquino e passa a defender os principais aspectos metafísicos de sua doutrina, conseguindo adequá-la de forma brilhante à realidade do seu tempo. Assim entende Maritain:

Diante dos sistemas de moral que degradam o ser humano ou que o divinizam, a filosofia tomista sustenta que a natureza humana pela própria natureza de sua dignidade está ordenada a um fim último, distinto de si mesma e que este fim supremo é Deus.8

Maritain entende que “propor somente o humano ao ser humano seria como traí-lo e desejar sua infelicidade, porquanto pelo seu essencial, que é o espírito, o ser humano é solicitado para algo melhor do que uma vida puramente humana”.9 Para ele é inequívoca a ideia de que o ser humano é capaz de chegar ao conhecimento da verdade, que passa pela experiência da fé.

O interesse pelos assuntos sociais teve o acompanhamento do padre dominicano Reginald Garrigou-Lagrange, tomista neoescolástico e que pertencia a um grupo radical e fascista chamado “Action

7 BENVENUTO, Jayme et. Direitos Humanos – Debates Contemporâneos. Recife: Ed do Autor, 2009, p 9. 8 POZZOLI, Lafayette. Maritain e o Direito. São Paulo: Loyola, 2001, p. 59. 9 Ibidem, p. 63.

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Française”. Esse grupo buscava ser uma opção para resolver os problemas do pós-guerra na França. Contudo, Maritain não ficou muito tempo ligado a esse movimento. Depois de afastar-se dele, escreveu seu livro intitulado “Primauté du Spirituel”, publicado em 1927. Nele, conforme escreve Ferdinand Azevedo, Maritain faz uma distinção entre o temporal e o espiritual a partir do relato bíblico contido no Evangelho de Mateus, 22,15: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Partindo dessa ideia bíblica, Maritain, faz uma reflexão sobre a relação entre política e cristianismo, como forma de superar a crise atual10.

A citação bíblica “Dai a César o que é de César” significa cumprir com as obrigações da sociedade; tem a ver com o cumprimento da lei e da política, no plano temporal. “Dar a Deus o que é de Deus”, significa respeitar o ser humano enquanto tal, como Deus o criou, com dignidade e respeito, no plano espiritual e material. O homem não é apenas matéria, ele tem um espírito, ideia central do pensamento de Santo Tomás. Dar acento ao aspecto político e econômico não é o problema para Maritain. O problema é ignorar o elemento humano, sua dimensão espiritual, social, cultural e antropológica da pessoa humana. O objeto de sua filosofia era propor condições para a realização plena da pessoa11, pois homem é uma totalidade não se pode fragmentá-lo.

De acordo com o professor Frei Carlos Josphat, Maritain soube fazer uma perfeita distinção entre o temporal e o espiritual, valorizando a inteligência e a fé, exaltando a autonomia de uma e de outra, para realizar a harmonia através de uma sabedoria humana e evangélica. E tais ideias estiveram explicitamente presentes alguns

10 BENVENUTO, Jayme et al. Direitos Humanos – Debates Contemporâneos. Recife: Ed do Autor, 2009, p 10. 11 POZZOLI, Lafayette. Idem, p. 62.

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anos mais tarde na encíclica Fé e Razão do Papa João Paulo II, como veremos mais adiante12.

Em 1934 Maritain deu seis palestras na Universidade de Santander na Espanha. Essas palestras foram juntadas a uma coleção de seus principais artigos e publicadas no jornal L’Espirit de Emmanuel Mounier. Em 1936 esses artigos juntos foram publicados em uma obra intitulada “Humanismo integral: uma visão nova da ordem cristã”, o qual foi considerado uma de suas mais importantes obras.13 É uma obra fundamental e trata da moral social e política, constituindo-se numa preparação para sua nova fase intelectual integrada com seus princípios cristãos.

A publicação de Humanismo integral causou impacto em diversos segmentos da sociedade da época. Como afirma Lafayette Pozzoli:

A obra inflamou também as mentes e os corações de muitos católicos que descobriram uma nova forma de exercer seu cristianismo no coração dos angustiantes problemas apresentados pela realidade da época.14

Evidentemente, houve os que se opunham às ideias políticas de Maritain, principalmente entre a ala conservadora do catolicismo.

Maritain faz uma distinção entre Igreja e Estado, como duas instituições de finalidades distintas, porém com objetivos comuns que é a promoção do ser humano e da sociedade. Tal distinção é necessária para ele, pois não seria mais possível um Estado cristão. Nesse sentido, faz alusão à frase bíblica que já citamos “Dai a César o que é

12 ENTREVISTA publicada no portal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. http://www.pucminas.br/destaques/index_interna.php?pagina=309. Acesso em 03/10/2014, 11:39h. 13 BENVENUTO, Jayme et al. Direitos Humanos – Debates Contemporâneos. Recife: Ed do Autor, 2009, p 10. 14 POZZOLI, Lafayette. Maritain e o Direito. São Paulo: Loyola, 2001, p 64.

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de César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Ou seja, é uma interpretação que distingue os papéis do Estado e do cristianismo. Longe de parecer duas esferas antagônicas, elas estão apenas especificadas. Porém é preciso haver a integração entre ambas já que não é possível fragmentar o ser humano, ora como ser político e econômico, ora como pessoa espiritual, dotada de personalidade, direitos e dignidade. É uma nova maneira de conceber os rumos da sociedade, que deve caminhar para um humanismo cristão. Apesar das inúmeras críticas, principalmente no meio teológico católico tradicionalista, Maritain continuou com suas palestras e aulas defendendo esta nova ideia.

Em 1941, Maritain escreveu “Noite de agonia em França”, mesmo período em que participou da criação da Universidade Livre França em Nova York. Publicou esse e também outro: “Cristianismo e Democracia”, 1942, clandestinamente, já que o contexto atual não lhe permitia a divulgação de suas ideias abertamente.

Seu pensamento foi de grande influência na América Latina e nas democracias cristãs da época. Contudo, Maritain entendia a democracia muito mais do que meramente um sistema de governo pela maioria, deveria ser visto como uma maneira humana de viver. Baseado no pensamento de Alexis de Tocqueville15, Maritain acreditava que a democracia era muito vulnerável frente ao materialismo e dessa maneira havia a necessidade de fundamentá-la em valores espirituais.

Uma democracia que negligencia o plano espiritual torna-se deficiente, viciada e cai no materialismo. Por isso, Maritain defende que essa base da democracia precisa ser a igualdade e a liberdade, valores cristãos que não podem ser desvinculados do elemento humano. Assim, a democracia deveria estar fundada no plano espiritual do

15 Alexis de Tocqueville (1805-1859): pensador político, historiador e escritor francês que se destacou por suas análises sobre Revolução Francesa.

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homem, que, por sua vez, encontra sua inspiração no cristianismo.

Em sua obra, “O crepúsculo da civilização”, escrito no início da Segunda Guerra Mundial, Maritain traz uma teoria diante das democracias dos séculos XIX e XX. Para ele falta espiritualidade nessas democracias que com as ditaduras totalitárias tomavam como lema a força e a astúcia16. Porém, tais regimes estavam fadados a cair se não descobrissem o princípio vital de uma sociedade que é a justiça e o amor, cuja fonte é divina. Ora, esses valores estão na base do cristianismo, embora nem sempre a própria Igreja Católica tenha defendido tais ideias da mesma maneira que ele apresentava.

Contudo, já na atualidade, o Papa João Paulo II menciona explicitamente a relevância filosófica e teológica do pensamento maritaniano em um dos documentos de maior importância no campo da filosofia e da fé:

A prova da fecundidade de tal relação é oferecida pela própria vida de grandes teólogos cristãos que se distinguiram também como grandes filósofos, deixando escritos de tamanho valor especulativo que justificam ser colocados ao lado dos grandes mestres da filosofia antiga. (...) A relação entre a filosofia e a palavra de Deus manifesta-se fecunda também na investigação corajosa realizada por pensadores mais recentes, de entre os quais me apraz mencionar, no âmbito ocidental, personagens como John Henry Newman, Antônio Rosmini, Jacques Maritain, Étienne Gilson, Edith Stein e, no âmbito oriental, estudiosos como a estatura de Vladimir S. Solov´ev, Pavel A. Florenskij, Petr J. Caadaev, Vladimir N. Losskij.17

16 BENVENUTO, Jayme et al. Direitos Humanos – Debates Contemporâneos. Recife: Ed do Autor, 2009, p 12. 17 PAULO II, Papa João. Fides et Ratio. 5. ed São Paulo: Paulinas, 2001, p 98

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Uma vez que a encíclica é uma busca demonstrar

a capacidade humana de conhecer a verdade e de estabelecer uma relação intrínseca entre a fé e a razão, o Papa ainda coloca tais pensadores como base para qualquer estudo sobre filosofia em ralação com a fé: “Uma coisa é certa: a consideração do itinerário espiritual desses mestres não poderá deixar de contribuir para o avanço da verdade e na utilização dos resultados conseguidos para o serviço do homem”.18

Nesse sentido, podemos perceber que aos poucos Maritain foi construindo na base do seu pensamento os pilares para a defesa dos direitos humanos como forma de implantar aquilo que ele chama de nova ordem cristã, traduzida no humanismo integral.

2.3 O HUMANISMO INTEGRAL DE MARITAIN

Para se compreender o humanismo integral de

Maritain se faz necessário ter claro a definição de pessoa humana. Os humanistas viam a pessoa humana como ser dotado de espírito e matéria. Por se distinguir dos demais seres pela sua natureza humana, tem como meta a realização de uma vida plena e em harmonia em todos os sentidos. O humanismo transcende a pessoa humana. A pessoa está no mundo e é nele que ela desenvolve a sua natureza e a sua essência humana, interagindo com o mundo, transformando-o pelo seu trabalho. Quanto mais realizar esse processo, mais humana a pessoa se torna e se completa em suas várias dimensões.

Nessa perspectiva humanista, o espaço onde a pessoa desenvolve sua humanidade é a sociedade, pois é próprio a ela socializar-se. Porém nesse encontro com as condições sociais que o ser humano vive, ele começa a se questionar sobre a realidade e percebe que a sua história nem sempre entra em harmonia com o mundo, por

18 Ibidem, p 99.

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diversos fatores os quais ele precisa vencer. Isso limita sua liberdade e ele tende a buscá-la incansavelmente pela vida toda.19

O humanismo reconhece essa luta que o ser humano trava para alcançar a sua realização em harmonia com seus semelhantes e procura fazer uma leitura dessa realidade social para, então, encontrar o verdadeiro sentido da existência. Dessa forma, é preciso assumir uma postura crítica frente a tudo o que impede o ser humano de chegar a essa realização integral no contexto da sociedade moderna em constante transformação.

Assim expressa Lafayette Pozzoli: O humanismo integral, assim como concebido por Maritain, orienta-se, pois, para uma realização espaço-temporal, numa perspectiva evangélica em que a ordem espiritual possibilita ao ser humano tornar-se sempre mais humano quanto menos se adorar e se colocar como centro de tudo.20

Partido de uma visão sociopolítica, de acordo com

Francisco Borba Ribeiro Neto, pode-se sintetizar o humanismo integral de Maritain em cinco pontos principais21:

Primeiro, que a pessoa humana tem prioridade sobre as coisas e sobre os processos sociais. Significa uma crítica ao capitalismo e suas regras.

Um outro ponto é que a pessoa é um todo, ela não pode ser reduzida às suas várias dimensões. Ao mesmo tempo em que o indivíduo é tomado como um todo, em suas várias dimensões, ele não pode ser reduzido a elas, pois entre todas, a que tem maior valor é a dimensão

19 POZZOLI, Lafayette. Maritain e o Direito. São Paulo: Loyola, 2001, p 71. 20 Ibidem, p. 75. 21 RIBEIRO NETO, Francisco Borba. Humanismo integral, pensamento católico e os desafios da sociedade brasileira. Texto seminário PUC-SP, 2012.

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religiosa, pois resgata a relação do homem com o Sagrado.

O principal objetivo de todas essas ações que acontecem na vida social é a construção do bem comum, que se reflete na total realização de cada pessoa.

Em quarto lugar, a dimensão ética, enquanto manifestação da liberdade da pessoa. Ela está presente nas esferas da vida e é importante para a construção do bem comum.

Por último, o principal protagonista das ações da vida social e na construção da justiça social são as pessoas e não o Estado. Este é responsável por garantir a possibilidade dessa ação.

Para se chegar a esse ideal proposto, implica-se transformações radicais, de cunho substancial, de forma a se implantar novas estruturas sociais e políticas, de um regime novo na vida do homem. Para Maritain essa mudança atinge as estruturas do capitalismo e abre espaço para uma progressão na mentalidade humana, onde tem espaço o amor e uma escalada das fontes interiores da alma, que contemple na realidade concreta do mundo a realidade das coisas espirituais. Pozzoli fala dessa transformação nas estruturas da sociedade como uma mudança também interior do ser humano: “Desaparecer o homem velho e dar lugar ao homem novo”22, uma consequência da adesão dos ensinamentos cristãos, que Maritain defende. Não se trata de um aniquilamento do ser humano para dar lugar à ação divina, mas de um enraizamento em Deus, de forma a

22 POZZOLI, Lafayette. Maritain e o Direito. São Paulo: Loyola, 2001, p 63. Pozzoli faz alusão à ideia bíblica, registrada no Evangelho de Mateus, 9,17. Essa mudança transcendental do ser humano é necessária para se chegar ao humanismo que apresenta Maritain: “Tal mudança não é movimento de fora para dentro, mas de dentro para fora, uma transformação como obra de Deus no coração do homem, é isso que o cristianismo defende”.

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encontrar o verdadeiro sentido para sua vida, num plano espiritual vertical, que transforma sua vida no plano horizontal.

2.4 CONTEXTO HISTÓRICO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS23

A Segunda Guerra Mundial aconteceu entre os

anos 1939 e 1945, envolvendo grande parte das nações do mundo – inclusive as maiores potências – que dividiam-se em dois grandes grupos opostos: Aliados e Eixo. Essa é considerada a guerra mais ampla da história, tendo mais de 100 milhões de militares em combate. Os principais Estados envolvidos empenharam toda sua capacidade econômica, industrial e científica em favor da guerra, sem distinção de recursos civis e militares.

O conflito foi marcado por um número significativo de ataques a civis, onde se incluem o principal que foi o Holocausto Nazista, no qual, pela primeira vez na história, armas nucleares foram utilizadas em combate. Este foi o conflito mais letal que a humanidade já tinha visto, resultando em mais de 50 milhões de mortes.

Em geral, os historiadores consideram o marco inicial da guerra a invasão da Polônia pela Alemanha, em 1° de setembro de 1939 e as subsequentes declarações de guerra contra a Alemanha pela França e pela maioria dos países do Império Britânico. Mesmo muitos daqueles que não se envolveram inicialmente, acabaram aderindo ao conflito, em razão de eventos como a invasão da União Soviética pelos alemães e os ataques japoneses contra a base onde estavam as forças dos Estados Unidos no Pacífico em Pearl Harbor e em colônias ultramarítimas

23 CONTEXTO e fatos que envolveram a Segunda Guerra Mundial. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_Mundial. Acesso em 21/10/14, 12:00 h.

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britânicas o que levou os Estados Unidos a revidar contra o Japão.

O fim da guerra teve como vitoriosos os Aliados em 1945, alterando de forma marcante o cenário político e a estrutura social mundial. Enquanto a Organização das Nações Unidas era estabelecida para estimular a cooperação global e evitar futuros conflitos, a União Soviética e os Estados Unidos emergiram como superpotências rivais, preparando o terreno para uma Guerra Fria que continuaria pelos próximos quarenta e seis anos.

Com isso, a aceitação do princípio de autodeterminação acelerou movimentos de descolonização na Ásia e na África, enquanto a Europa ocidental dava início a um movimento de recuperação econômica e integração política.

Após a Primeira Grande Guerra, o cenário mundial ficou dividido entre vencidos e vencedores. As potências que saíram vitoriosas criaram a Liga das Nações, em 191924. Nesse período a preocupação por assuntos internos de outras nações no tocante a questões humanitárias começaram a surgir na pauta de discussões. Diante das nações já constituídas não seria muito fácil interferir. Porém, para o reconhecimento de novos países, haveria de se ter em conta o “respeito aos direitos das camadas menos favorecidas”25.

O contexto que se seguiu após a Segunda Guerra Mundial já considerava a defesa das minorias como algo de relevante importância. Os países vencedores que

24 BENVENUTO, Jayme et al. Direitos Humanos – Debates Contemporâneos. Recife: Ed do Autor, 2009, p 12. Também conhecida como Sociedade das Nações, foi uma organização internacional, idealizada em Versalhes, subúrbios de Paris, onde as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para negociar um acordo de paz. 25 Ibidem, p 12. Esse acordo provou ser um dos primeiros passos para a criação da ONU (Organização das Nações Unidas).

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formaram o conselho de segurança da Organização das Nações Unidas. Em 1941, o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, definiu a preocupação com as minorias, que até então não havia alcançado os objetivos levantados após a Primeira Grande Guerra, na Liga das Nações. Nem tampouco avançado na discussão acerca dos direitos humanos, de forma que esses direitos fossem respeitados em todos os lugares por todas as nações.

A Carta do Atlântico, de agosto de 1941, negociada pelo primeiro-ministro britânico Winston Churchill e pelo presidente dos Estados Unidos Franklin Rosevelt em alto mar, estabeleceu uma visão Pós-Segunda Guerra Mundial, apesar dos Estados Unidos ainda não estarem na guerra26. Entre os oito pontos listados, o terceiro era: “As pessoas têm direito à auto-determinação”. O resultado foi que no ano seguinte vinte e seis nações assinaram o conteúdo da Carta do Atlântico e também aceitaram lutar contra as potências do Eixo. Assim, este termo “Nações Unidas” é atribuído a Roosevelt, demonstrando a busca norte-americana de criar uma política de cooperação entre os países27.

A preocupação em falar em direitos humanos no plano internacional após a Segunda Guerra Mundial é uma resposta às atrocidades e aos horrores cometidos pelo nazismo28 e ainda uma tentativa de afastar a experiência totalitária desse período, afirmando-se o valor da personalidade intrínseca a todo ser humano.29 Pode-se

26 LIMA, Oliveira. História da Civilização. 12 ed.São Paulo: Melhoramentos, 1962, p 490. 27 Ibidem, p 502. 28 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 176. 29 COSTA, Helena Regina Lobo da. A dignidade Humana: teorias de prevenção geral positiva. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p. 29. Para Helena Lobo, essa relação tem grande influência kantiana, por meio de formulações metafísicas, teológicas ou da ética de valores.

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dizer que esse período foi marcado por um desencantamento da pessoa humana como fruto do extermínio dos onze milhões de pessoas na Era Hitler.

Para Helena Regina Lobo da Costa essa singularidade do ser humano encontra suas raízes no cristianismo, na medida em que ele foi “criado à imagem e semelhança de Deus, da dignidade universal dos filhos e da inexistência de povo escolhido”.30

Nessa ótica, Flávia Piovesan entende que a partir do momento em que os seres humanos são tomados como supérfluos e descartáveis, quando a destruição vem como fruto das medidas e atividades internacionais, jogando ao chão a dignidade individual dos seres, então nesse momento se faz necessário mais do que qualquer outra medida a reconstrução dos direitos humanos, como um paradigma ético capaz de recuperar a lógica da razão perdida. Afirma Flávia: “Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria significar sua reconstrução”.31

2.5 O PENSAMENTO MARITANISTA E OS DIREITOS HUMANOS

Maritain cria o conceito de humanismo integral e o

desenvolve no clímax da Segunda Guerra, mas foi apenas alguns anos depois que ele condensou os ideais expressos nessa teoria na defesa dos direitos humanos. Parece haver influenciado nisso o contato com os

30 Ibidem, p. 21. Apesar dessa igualdade universal dos filhos de Deus ser proclamada na fase amadurecida do cristianismo, no início ela só valia efetivamente no plano sobrenatural, pois o cristianismo admitiu por muitos séculos a legitimidade da escravidão, a submissão doméstica da mulher ao homem e a inferioridade dos indígenas, lembra a autora. 31 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 176.

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ensinamentos do Papa Pio XII32, que defendia o ensino cristão como caminho para a concretização dos direitos humanos e dignidade à personalidade humana.

Ao analisar os governos e suas políticas, Maritain chegou à conclusão de que eles, sob a máscara de defender os direitos dos indivíduos, desenvolvem políticas que escravizam e aniquilam a pessoa. Para explicar essa ideia, faz uma distinção entre o indivíduo e a pessoa33. Não são a mesma coisa. Quando se defende apenas as necessidades econômicas e materiais, estamos nos referindo ao indivíduo. Maritain entende que é preciso considerar os demais aspectos da pessoa: sua dimensão espiritual, cultural, psicológica e antropológica. Ele entende que somente uma democracia personalista e participativa pode responder às exigências da sociedade.34

Essa diferença entre pessoa e indivíduo foi de modo particular percebida por Maritain nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, quando os governos totalitários tratavam os cidadãos apenas como coletividade, sujeitos às normas do Estado e com alguns direitos. Mas era negligenciada a dignidade inerente a eles enquanto pessoa humana.

Para Maritain, a pessoa só é completa quando pode desenvolver todas as suas dimensões e ser agente de direitos humanos. Por isso não se pode falar em garantir nas constituições apenas um aspecto do ser humano. Ele é uma unidade, não se pode fragmentá-lo.

Nesse sentido, no humanismo integral, dar uma resposta à condição humana é abordá-la a partir de uma visão ética em todo e qualquer processo de transformação social, que contemple uma antropologia integral, capaz de promover a dignidade humana e seu espírito novo cristão.

32 BENVENUTO, Jayme et al. Direitos Humanos – Debates Contemporâneos. Recife: Ed do Autor, 2009, p 14. 33 Ibidem, p 15. 34 POZZOLI, Lafayette. Maritain e o Direito. São Paulo: Loyola, 2001, p 60.

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Por isso houve o confronto com a ala conservadora

do catolicismo, pois para Maritain o cristianismo não poderia ser meramente uma instituição fundamentada em princípios normativos onde a ética cristã se confundia com a ética burguesa. Isso evidentemente mexia na estrutura confortável de algumas alas da igreja. Foi somente aos poucos que essa nova visão cristã do humanismo integral foi criando corpo no meio eclesiástico, de modo especial com a abertura da Igreja para as questões sociais contemporâneas.

Posteriormente, confirmando sua influência no pensamento católico e cristão, Maritain foi escolhido pelo papa Paulo VI para representar os intelectuais em um dos maiores e mais importantes acontecimentos para o catolicismo, o Concílio Vaticano II35. O mesmo concílio reafirmou a necessidade da ordem social e o seu progresso “deixarem prevalecer o bem dos homens, de forma que a ordem das coisas esteja subordinada à ordem dos homens e não o contrário”36.

O conceito de “doutrina social da igreja” do catolicismo adotou mais tarde essa linha de pensamento de Maritain e aos poucos foi percebendo que não podia mais ser defensora de valores morais que não correspondiam nem mesmo à própria natureza do cristianismo. Por isso surgiu no meio católico de um lado aqueles que se apegavam à tradição e de outro os que

35 O Concílio Vaticano II foi convocado no dia 25 de Dezembro de 1961 pelo Papa João XXIII. Este mesmo Papa inaugurou-o, a ritmo extraordinário, no dia 11 de outubro de 1962. O Concílio, realizado em 4 sessões, só terminou no dia 8 de dezembro de 1965, já sob o papado de Paulo VI. Este concílio significou um enorme passo na vida eclesial da Igreja católica no mundo inteiro, trazendo reformas disciplinares, pastorais e principalmente litúrgicas. 36 DIAS, José Francisco de Assis. Direitos Humanos, fundamentação onto-teleológica dos direitos humanos. Maringá: Unicorpore, 2005, p 308-309.

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defendiam uma Igreja mais horizontal, voltada para as realidades sociais da sociedade, posteriormente levada adiante pela Teologia da Libertação.

A ala tradicional dos pensadores católicos, evidentemente, ofereceu resistência por muito tempo, como já afirmado, justamente porque o humanismo integral apresentava uma nova maneira de conceber a pessoa, a partir dos ideais do cristianismo primitivo. Enquanto a influência de Maritain acontecia apenas no plano religioso e metafísico, todo mundo aceitava sem reservas. Porém, quando começa a tocar os problemas políticos como meio inevitável de resolver o problema humano, a realidade mudou.37

Ainda assim, seu pensamento se incorporou de tal maneira que o Papa Paulo VI faz referência a ele de forma incisiva:

É necessário promover um humanismo total. Que vem a ser ele senão o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens? Poderia aparentemente triunfar um humanismo limitado, fechado aos valores do espírito e a Deus, mas sem Deus só a pode organizar contra o homem. Humanismo exclusivo é humanismo desumano. Não há, portanto, verdadeiro humanismo, senão o aberto ao absoluto, reconhecendo uma vocação que exprime a ideia exata do que é a vida humana.38

Maritain ao defender a ideia de humanismo

integral, reafirma também a distinção entre a esfera temporal e a espiritual. De forma que se mantém o papel do Estado e também se garante a dignidade natural do ser humano. Para ele não há contradição com a doutrina cristã. É o que alguns anos mais tarde vai ser afirmado pelo Papa João Paulo II na Encíclica Fides et Ratio:

37 POZZOLI, Lafayette. Maritain e o Direito. São Paulo: Loyola, 2001, p 58. 38 PAULO VI, Papa. Populorum Progressio. 14 ed. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 35.

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A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de conhecer a ele, para que, conhecendo-o e amando-o, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio.39

A encíclica é uma das mais importantes vozes da

Igreja sobre a harmonia presente entre a fé e a razão. É perfeitamente possível e necessário o diálogo e cooperação entre a ciência e a fé, pois foi Deus quem plantou no homem o entendimento e capacidade para continuar a obra da Criação, mas também dotou-lhe de fé e espiritualidade, virtudes importantes para colocar o conhecimento e a tecnologia num plano horizontal, em favor da promoção da vida e da dignidade humana.

2.6 A INFLUÊNCIA DE JACQUES MARITAIN NA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

O contexto que deu ensejo, como já dito, e

preparou a Declaração dos Direitos do Homem foi do pós-guerra. Ou seja, uma tentativa de resgatar a dignidade e o valor da pessoa o através dos direitos humanos, redigidos

39 PAULO II, Papa João. Fides et Ratio. 5. ed São Paulo: Paulinas, 2001, p 5. Essa citação, que está no preâmbulo da encíclica, expressa a síntese do seu conteúdo central: a questão da verdade. João Paulo II defendia essa capacidade humana de chegar à verdade, estabelecendo a perfeita unidade entre o conhecimento racional e a fé. Essa unidade está no cerne da pessoa humana, uma vez que o mesmo Deus que criou o ser humano lhe deu conhecimento e sabedoria para construir o mundo e ao mesmo tempo a fé para jamais afastar-se do Criador.

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num documento para não ser mais esquecido ou distorcido.

A tentativa frustrada de se redigir uma declaração geral dos direitos dos grupos com o véu de uma autodeterminação nacional40, logo após a Primeira Guerra Mundial, demonstrou que ainda não havia convergência dos interesses humanitários entre as grandes potências.

Alguns anos mais tarde, a crise e o desemprego no período de paz entre as duas guerras significaram também uma crise na reflexão sobre a declaração dos direitos do homem. Mas acima de tudo, havia ainda disseminado o rastro das duas confrontações ideológicas no que tange os direitos humanos, ao longo da história: de um lado a ideia de que se alcança os direitos humanos com a garantia dos direitos individuais inatos e de um preconceito contra uma autoridade central poderosa e contra a intervenção do governo. Já a outra visão, defendia princípios marxistas e a premissa de um governo central poderoso, dirigido por um único partido41.

Tudo isso foi o cenário onde se ergueu a Segunda Grande Guerra. E foi neste ambiente que se tornou ainda mais clara a urgente consolidação dos direitos humanos. Como defende Flávia Piovesan: “a verdadeira consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos surge em decorrência da Segunda Guerra Mundial”42.

E ainda nas palavras de Thomas Buergenthal: O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra. Seu desenvolvimento

40 CROCE, Benedetto; E.H. Carr; ARON, Raymond. Declarações de Direitos. 2. ed. Brasília: Senado Federal, 2002, p 11. 41 Ibidem, p 12. 42 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 175.

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pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse.43

Em 1947 foi enviado um memorando e questionário

para os pensadores e escritores das Nações que integravam a Unesco. Esse memorando tinha o objetivo de saber o que eles pensavam a respeito dos direitos humanos e como deveriam ser aplicados de maneira a abranger todas as nações. Entre eles estavam Mahatma Ghandi, Jacques Maritain, E. H. Carr, Salvador de Madariaga, John Lewis, Harold Laski, Benedetto Croce, Teilhard de Chardin e Aldous Huxley.

Jacques Maritain já era conhecido nessa época, tanto por sua filosofia política, quanto por sua preocupação social cristã. Dessa maneira, sua contribuição à redação da Declaração Universal dos Direitos do Homem foi de grande importância e é responsável por parte da elaboração de diversas constituições entre as nações até os dias atuais.

As contribuições de Maritain foram em trazer à discussão da elaboração da Declaração o conceito de humanismo integral, criado e desenvolvido por ele mesmo desde alguns anos antes, após o contato com o Tomismo e com a filosofia de Aristóteles.

Todos os mentores da carta, evidentemente, estavam pensando numa declaração que não ignorasse os horrores praticados durante a guerra. Porém havia uma certa tendência a pensar isso apenas a partir dos aspectos econômico e político, haja vista a destruição sofrida por diversos países e necessidade de reconstrução. Contudo, o que Maritain quer lembrar é que se não se levar em conta

43 PIOVESAN, Flávia, apud. BUERGENTHAL, Thomas. Internacional human rights, Minnesota: West Publishing, 1988, p. 17.

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a primazia da pessoa humana sobre as demais esferas e decisões políticas, então não se recuperará a dignidade, a ética e o valor do indivíduo, violados com as atrocidades da guerra.

O ser humano é constituído de diversas dimensões, que basicamente se resumem a três: material, biológica e espiritual, constituindo-se num todo que é como ele se expressa no mundo. Dessa forma, qualquer agressão a uma dessas dimensões significa uma lesão à dignidade humana. Para desenvolver essas dimensões o ser humano precisa gozar da liberdade que lhe e própria enquanto pessoa, na qual ele é senhor de si mesmo e dos seus atos. Assim expressa o art. I da Declaração Universal do s Direitos Humanos: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”44

A busca pela paz, o bem comum e o desenvolvimento dos Estados não podem estar conflitantes com a plena realização de cada pessoa. De igual modo esse desenvolvimento parte de um referencial ético, que é alcançado quando não o Estado, mas as organizações e as pessoas têm o papel principal de protagonista nessa construção.

Nisso, se a nova declaração de direitos humanos considerar apenas o aspecto econômico, com o intuito de reerguer a sociedade mundial, então estar-se-á mascarando a defesa dos direitos do homem e construindo uma carta incompleta. Para ele só é possível falar de dignidade humana quando se toma o elemento homem como um todo. É preciso reconstruir esse conceito, acentuando o primado do homem sobre as coisas, ideal da filosofia tomista, colocando ele no centro das preocupações políticas e econômicas.

Assim expressa Lafayette:

44 POZZOLI, Lafayette. Maritain e o Direito. São Paulo: Loyola, 2001, p 184.

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O novo ser humano compreenderá também que é em vão afirmar a dignidade e a vocação da pessoa humana se não se trabalha em transformar condições que a oprimem e em fazer de modo que ela possa dignamente comer seu pão.45

A Declaração proposta precisa ser um caminho

para se buscar a garantia dos direitos do homem. Assim expressava o memorando para a declaração:

A declaração deve ser suficientemente precisa como para ter um verdadeiro significado de inspiração que há de levá-la à prática, mas também suficientemente geral e flexível como para ser aplicável a todos os homens e poder ser modificada com a finalidade de que se ajuste aos povos que se encontram em diferentes fases de desenvolvimento social e político, sem deixar, não obstante, de ter significação para eles e para suas aspirações.46

É então aprovada pela Assembleia Geral da ONU, no dia 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não houve qualquer questionamento ou reserva feita pelos Estados aos princípios da Declaração, nem ainda algum voto contrário às suas disposições, o que conferiu a ela importância e significado de um código e referencial comum de ação internacional. É a consolidação de uma ética universal, destinada a ser orientadora das ações no âmbito internacional.

Nos anos seguintes percebeu-se que a defesa dos direitos humanos passou a ocupar espaço central na agenda de várias instituições internacionais. Afasta-se com isso a ideia de que o Estado poderia, em pleno fim do

45 Ibidem, p 63. 46 CROCE, Benedetto; E.H. Carr; ARON, Raymond. Declarações de Direitos. 2. ed. Brasília: Senado Federal, 2002, p 14.

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século XX, tratar de seus cidadãos da forma que quiser, não sofrendo responsabilização na esfera internacional.

Para Flávia Piovesan, no momento em que se afirmar a prioridade da pessoa humana, “os sistemas de proteção de direitos humanos se complementam”47, possibilitando uma maior efetividade e concretude aos direitos proclamados na Declaração. A convergência de intenção das várias nações que aos poucos foram inserindo em suas constituições a defesa dos direitos humanos confirma o que já dissemos até o momento sobre essa primazia da pessoa.

A Declaração de 1948 significou o início da consolidação de uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, consagrando valores básicos universais. Seu preâmbulo já traz a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis. Nesse sentido, rompe totalmente a ideia difundida pelo nazismo, que condicionava a garantia dos direitos a uma determinada raça. A Declaração traz, ao contrário, toda a humanidade como portadora de direitos e dignidade, absolutos porque nascidos com a pessoa e divinos, porque implantados no coração humano por Deus. Essa particularidade humana consagra o que Maritain vê como base para a nova ordem, ou seja, o ser humano com sua dignidade respeitada e promovida, atuando no processo de desenvolvimento da sociedade.

Este documento foi de grande importância e influência na cultura ocidental. Os tratados internacionais e as convenções sobre direitos humanos dos anos que se seguiram levaram-no em conta. Como exemplo disso, em 1945-1946, o Tribunal de Nuremberg significou um forte

47 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e Justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006, p 14.

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impulso à internacionalização dos direitos humanos.48 Foi a possibilidade de julgar os crimes cometidos ao longo do nazismo, tanto pelos líderes do partido, quanto pelos oficiais militares. A importância desse tribunal no processo de internacionalização dos direitos humanos está na ideia de limitação à soberania nacional, como reconhece que os indivíduos têm direitos protegidos pelo Direito Internacional.

Nos anos seguintes, vários fatores contribuíram para o fortalecimento do processo de internacionalização dos direitos humanos, tanto os tratados que foram firmados após a Guerra quanto as constituições das diversas nações que passaram a garantir no texto a proteção aos direitos humanos. A ONU se fortaleceu e passou a ter um papel mais incisivo na solução pacífica dos conflitos internacionais.

O Papa João Paulo II fala da importância desse conjunto de direitos conquistados na esfera dos direitos humanos:

O respeito deste vasto conjunto de direitos do homem constitui a condição fundamental para a paz no mundo contemporâneo: quer para a paz no interior de cada país e sociedade, quer para a paz no âmbito das relações internacionais.49

Trata-se de garantir que as conquistas em matéria

de direitos humanos sejam de fato aplicadas. Essa abertura e adesão da Igreja para inserir em seus documentos de doutrina social o compromisso com os direitos humanos, expressa aquilo que Maritain defendeu

48 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p 178. 49 JOÃO PAULO II, Papa. Laborem Exercens. São Paulo: Paulinas, 1981, p 58.

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ao falar de um cristianismo concreto, fundamentado no homem integral.

Pode-se dizer que a Declaração Universal dos Direitos Humanos representa os anseios comuns a todos os povos, concretizados no ideal da busca pela liberdade, pela justiça e pela paz, bem como o desejo de criar em todos os povos um espírito humanitário que não aceita mais a tirania e a opressão como formas legitimadas de governar.

2.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que a participação de Jacques Maritain

na Declaração Universal dos Direitos Humanos foi, sem dúvida, de grande importância. Sua concepção de dignidade humana permitiu reforçar a ideia de interação entre os seres humanos, não apenas a partir de suas semelhanças ou de suas diferenças, mas a partir de um humanismo integral, de uma consciência de pertença de cada um à família humana universal.

A partir do aprofundamento no conceito aristotélico-tomista de pessoa, Maritain desenvolveu a ideia da primazia da pessoa humana e revelou a perfeita compatibilidade entre a inteligência humana e a verdade, ou seja, a pessoa é um ser transcendente, quanto mais ela conhecer a realidade e o mundo, mais ela encontrar-se-á consigo mesma e se aproximará da verdade e do sentido último de sua existência. Da mesma maneira, chega-se à compreensão da perfeita adequação entre liberdade e bem comum, de forma que o conhecimento do sentido de sua existência leva o homem à consciência de sua relação com as demais pessoas e com o mundo. E entende que para realizar-se, precisa estar em harmonia com o corpo social, buscando não somente o seu próprio bem, mas o bem de todos, que também é seu bem. Mas isso só é possível se contempladas as dimensões da pessoa, na sua integralidade, através da garantia dos direitos humanos fundamentais.

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De fato, ao analisar os artigos da Declaração,

percebemos que os anseios de Jacques Maritain foram atendidos nos direitos trazidos por ela. Isso fez com que a Declaração fosse inovadora e contemporânea, tornando-se base para as constituições de diversos Estados nos anos que se sucederam. Em nível de garantias constitucionais, os ideais de pessoa humana também foram contemplados nessas constituições. Porém, na prática, podemos dizer que elas não se efetivam satisfatoriamente, talvez por não expressarem de fato uma integralidade da pessoa humana, sobretudo do aspecto espiritual enquanto fundamental.

É justamente nesse sentido que o pensamento de Maritain foi fundamental para a Declaração Universal dos Direitos Humanos e também para a reflexão sobre a profunda possibilidade de se pensar o ser humano na atualidade, contemplando suas várias dimensões e compreendendo-o enquanto indivíduo social. Encarnado no seu meio, mas também um ser aberto ao transcendente, capaz de encontrar respostas para os questionamentos últimos de sua existência por meio da fé.

Isso não só é possível, como também necessário, na medida em que para se pensar em uma sociedade melhor, que consiga superar os problemas contemporâneos latentes, precisa-se recuperar a primazia da pessoa humana. Faz-se necessário considerar quais são, de fato, as questões fundamentais da pessoa humana nos dias atuais. A resposta passará necessariamente pela espiritualidade, pois a tecnologia e os meios de comunicação tendem a resolver os problemas imediatos, materiais das pessoas, mas isso não lhes traz uma realização completa.

Torna-se, portanto, necessário resgatar o pensamento de Maritain e o integrar às discussões sobre direitos humanos para dar resposta aos anseios da humanidade contemporânea. Suas ideias foram conhecidas após a Declaração Universal dos Direitos

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Humanos e inclusive difundidas na América do Sul, mas de forma sutil. Ainda há muito que atualizar de sua sensibilidade para com a integralidade da pessoa humana e fazer com que realmente a sociedade possa contemplá-la em seu desenvolvimento.

Assim, contemporaneamente, o pensamento de Jacques Maritain é atual, tendo muito a contribuir para o desenvolvimento humano, sobretudo na promoção da justiça, da liberdade e da paz, a partir de uma visão humanista. E mais, há que se acabar com o espírito de opressão e tirania, presentes ainda em muitas realidades, promovendo um maior diálogo e solidariedade entre as nações.

Embora o pensamento de Maritain tenha se difundido de forma ampla, especialmente após a Declaração, podemos dizer que ainda é possível fazer com que seus anseios contribuam mais na luta pelos direitos humanos. É preciso levar sua concepção de humanismo integral para toda e qualquer discussão sobre direitos humanos, especialmente na elaboração de leis, para que estas não se tornem desligadas da realidade da pessoa humana. Da mesma maneira, possibilitar o conhecimento de seu pensamento no meio acadêmico, a fim de promover entre os futuros profissionais uma maior compreensão da pessoa, de modo que contribuam, de fato, no desenvolvimento social e humano do meio em que vivem.

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1.8 REFERÊNCIAS

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- III -

ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE LABORAL

Jéssica Ferreira Goulart Coelho*

3.1 INTRODUÇÃO

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a

busca pela qualidade de vida passou a ser almejada como forma de exteriorização da dignidade da pessoa humana, isto se deu, principalmente, pela previsão no texto constitucional dos Direitos e Garantias Fundamentais concernentes a todo e qualquer ser humano determinante para o que se conhece como Estado Democrático de Direito, nos termos da Carta Magna, mais precisamente em seu Título II Capítulo I, Art. 5º e seus incisos.

Aliado a isto, a Consolidação das Leis trabalhistas trouxe consigo direitos e deveres positivados como forma de tutela à Relação de Trabalho, em resposta ao histórico de desrespeito e exploração do proletariado, tendo em vista as condições subumanas de trabalho, jornadas excessivas, salários insignificantes, bem como a desconsideração da dignidade humana justificada pelo capitalismo desenfreado.

Considerando a positivação dos direitos e deveres trabalhistas, tendo em vista a evolução do Direito ao Trabalho que fora previsto primordialmente na Constituição Federal de 1934, muitas são as obras doutrinárias e artigos que tratam de dois institutos que analisam inicialmente a valorização da pessoa humana, bem como uma possível violação dos direitos e garantias fundamentais previstos constitucionalmente, quais sejam

* Acadêmica do 5° ano do curso de direito do Centro Universitário de Maringá. [email protected]

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Dano e Assédio Moral. Atualmente, a busca por uma boa posição no

mercado de trabalho aumenta consideravelmente o nível de competitividade, e como consequência o nível de exigência requerido pela empresa, aliado a isto aumentada também se torna a ambição do empregador no sentido de que se exige muito além da qualificação profissional para a realização da tarefa, isto se da por meio da utilização de um poder exacerbado, ou seja, o poder de direção do empregador ou mesmo de superiores hierárquicos vem carregado por sentimentos alheios à relação de trabalho, quais sejam, inveja, sentimento de inferioridade, insatisfação com a função desenvolvida, sentimentos estes que são exteriorizados por meio de humilhação, agressão, entre outros, tais sentimentos ensejam o assédio moral, trazendo danos à saúde física e psíquica do trabalhador, desencadeando danos, tendo como principal elemento característico a dor, seja por sofrimentos físicos ou morais propriamente ditos.

3.2. DA RELAÇÃO DE TRABALHO

Conceituar Relação de trabalho é importante ao

passo que se pretende entender a relação existente entre empregado e empregador, sendo assim, preceitua Maria Inês Moura S.

A. da Cunha: “A relação de trabalho é uma espécie de relação jurídica, porque corresponde a um determinado modelo jurídico, e está regulada, normada. Se assim não estivesse, não teria relevância para o direito.”1

Para Alice Monteiro de Barros: “Os contratos de atividade geram uma relação de trabalho, da qual a relação de emprego é uma espécie”.2

1 CUNHA, Maria Inês Moura S.A. Direito do trabalho. 2. ed. São Paulo, Editora Saraiva, 1997, p. 61. 2 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, 6 ed. São Paulo, Editora LTr, 2010, p.220.

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Assédio moral no ambiente laboral // 89

A autora ressalta ainda, ao citar Manuel A.

Domingues de Andrade a respeito de relação de trabalho que:

Tanto a relação de trabalho como a relação de emprego são modalidades de relação jurídica, isto é, de “situação da vida social disciplinada pelo Direito, mediante a atribuição a uma pessoa (em sentido jurídico) de um direito subjetivo e a correspondente imposição a outra de um dever ou uma sujeição.3

Para Maurício Godinho Delgado, relação de

trabalho: tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.) Traduz portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual.4

Para que a perspectiva do assunto abordado,

propriamente dito, seja demonstrada de forma objetiva, faz-se primeiro uma análise do início da relação de trabalho, não sendo esta qualificada, nem remunerada, indo de encontro com os direitos humanos e fundamentais,

3 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, 6 ed. São Paulo, Editora LTr, 2010. Apud DOMINGUES DE ANDRADE, Manuel A. Teoria Geral das relações jurídicas. v.1. Coimbra: Livraria Almeida, 1997, p.2. 4 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo, Editora LTr, 2011, p.275.

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ainda que tais direitos não fossem defendidos constitucionalmente, presumia-se, mas não se respeitava.5

Sergio Pinto Martins traz em sua obra a evolução histórica do trabalho em etapas sucintas, demonstrando desde os tempos em que os filósofos Platão e Aristóteles entendiam que o trabalho tinha sentido pejorativo, ou seja, havia uma análise física e mental, em que aquele que desenvolvia um trabalho por meio de sua força física era julgado pela sociedade diferentemente daquele que exercia um trabalho por meio de seu intelecto, este último era tido como um homem mais digno.6

O autor continua com o intuito de que na escravidão a força física realizada como meio de prover o labor era indigna, sendo estes tratados como coisas, haja vista que desenvolviam um trabalho desonroso, sendo vistos, por sua vez, como indignos aos olhos da sociedade.

Neste sentido, Alice Monteiro de Barros determina a luz do entendimento de Felice Battaglia, “a escravidão explica-se pelas particulares condições econômicas da época e pela falta de um conceito autêntico de liberdade”.7

Para ela o trabalho reduzido ao material, à coisa, possibilitou o surgimento da escravidão, um conjunto de fatores tornavam o ser humano aptos ao trabalho escravo, por exemplo, nascer de mãe escrava, ser prisioneiro de guerra, ter sido condenado em esfera penal, bem como ter descumprido obrigações tributárias ou militares.8

A autora demonstra que na antiguidade clássica houve a existência de duas teorias adversas ao que tange o trabalho, em que pensadores da época traduziam, de um lado, o trabalho como opressor da inteligência humana e

5 MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, 23 ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 6. 6 Ibidem, p 4 e 5. 7 BARROS, Alice Monteiro de, Curso de Direito do Trabalho, São Paulo Editora LTr, 2005, p. 50. 8 Ibidem.

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de outro, como forma de enaltecer a essência do homem, certo é que são dois aspectos diferentes de reconhecer a origem da mão de obra trabalhista, na primeira, os pensadores tinham origens humildes, pertenciam a classes deserdadas, enquanto na segunda pertenciam à classes mais favorecidas.9

Para Maurício Godinho Delgado, o trabalho é livre em sua essência, ele enfatiza que isto, juridicamente falando, tornando-se assim pressuposto histórico-material da origem do trabalho subordinado, bem como da relação empregatícia e porque não dizer da relação de trabalho, sendo esta mais ampla.10

Segundo Sérgio Pinto Martins11, com o passar do tempo e com a evolução da sociedade, bem como, com o advento do feudalismo, o labor desenvolvia-se por meio da servidão, em que os trabalhadores não mais eram escravos, mas sim servos que trabalhavam na lavoura, produziam e entregavam tudo aos Senhores Feudais como forma de garantir proteção militar e política para si e para seus familiares.

Mauricio Godinho Delgado determina que posteriormente, na servidão, bem como na escravidão, a subordinação se dá de modo pessoal e absoluto, ou seja, o tomador de serviço é totalmente detentor da mão de obra, determinando para tanto que:

Em decorrência dessa conexão histórica, material e lógica entre trabalho livre e trabalho subordinado, percebe-se que as relações jurídicas escravistas e servis são incompatíveis com o Direito do trabalho. É

9 BARROS, Alice Monteiro de, Curso de Direito do Trabalho, São Paulo Editora LTr, 2005, p. 50. Apud BATTAGLIA, Felice. Filosofia do Trabalho, São Paulo, Saraiva. 1958, p. 30. Trad.: Luis Washington Vita e Antônio D’Elia. 10 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de direito do trabalho, 8 ed. São Paulo, Editora LTr. 2009, p. 81. 11 MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, 23 ed. São Paulo, Atlas. 2007, p. 4.

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que elas supõem a sujeição pessoal do trabalhador e não a sua subordinação.12

Sendo assim, como outrora enfatizada pelo autor,

a sujeição sobrepõe à subordinação, sendo esta última, requisito determinante para a caracterização da relação de trabalho.13

A transição da época feudal para as corporações de ofícios segundo Alice Monteiro de Barros se deu num momento em que as relações predominantemente autônomas de trabalho foram paulatinamente substituídas por um regime heterônomo, haja vista que, aqueles que habitavam os feudos almejavam necessidades distintas da atual realidade, que era trabalhar em prol do senhor feudal, que se deu da seguinte forma:

(...)Em contrapartida os servos estavam obrigados a pesadas cargas e poderiam ser maltratados ou encarcerados pelo senhor, que desfrutava até mesmo do chamado jus primae noctis, ou seja, o direito à noite de núpcias com a serva da gleba que se casasse. A partir do século X, os habitantes dos feudos, impulsionados por novas necessidades que não podiam ali ser satisfeitas, passaram assim a adquirir mercadorias fora dos feudos, em feiras, mercados as margens dos rios, lagos e mares, locais propícios ao intercâmbio de produtos manufaturados ou naturais, inclusive com os próprios feudos, que forneciam víveres às comunas e em troca recebiam mercadorias e objetos fabricados. Essas comunas eram centros de interesses de artesãos e mercadores e evoluíram para as corporações de ofícios.14

Partindo disto, observada a transição da servidão

12 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de direito do trabalho, 8 ed. São Paulo, Editora LTr, 2009, p. 81. 13 Ibidem. 14 BARROS, Alice Monteiro de, Curso de Direito do Trabalho, São Paulo Editora LTr, 2005, p. 55.

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para a instauração das corporações de ofícios, segundo a Alice Monteiro de Barros, a preocupação dominante nas corporações no Século XII, era manter um padrão de qualidade, ou seja, assegurar a fidelidade das fabricações, bem como a propriedade da mercadoria que era produzida e em seguida vendida.

Há de se enfatizar nesta abordagem da relação de trabalho que as corporações de ofícios consistiam em:

Associações que surgiram na Idade Média, a partir do século XII, para regulamentar o processo produtivo artesanal nas cidades que contavam com mais de 10 mil habitantes. Essas unidades de produção artesanal eram marcadas pela hierarquia (mestres, oficiais e aprendizes) e pelo controle da técnica de produção das mercadorias pelo produtor.15 A partir desta perspectiva será abordado, por

conseguinte, a liberdade do trabalhador através da institucionalização dos Direitos Sociais, segundo Sérgio Pinto Martins16, o surgimento é determinado pela questão social propriamente dita, o autor afirma ainda que a destinação de tais direitos se dê em virtude da proteção dos hipossuficientes, haja vista que há abrangência em outros ramos do direito, quais sejam direito do trabalho, direito coletivo, assistencial e previdenciário. Para Cesarino Jr, o direito é social, pois, sobrepõe o interesse individual, ao passo que incide o coletivo, preconizando assim:

O Direito é social em razão da prevalência do interesse

15 <http://pt.wikipedia.org/wiki/Corpora%C3%A7%C3%B5es_de_of%C3%ADcio> Data do acesso: 17/09/2011. 16 MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, São Paulo, Atlas. 2007. Apud Cesarino Jr (1957, v 1:17 e 35), p. 14.

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coletivo sobre o individual, como apregoado na Revolução Francesa. Para ele o Direito do trabalho seria social por excelência, o mais social dos direitos. Seria um direito reservado à promoção da justiça social.17

Para Amauri Mascaro Nascimento, para alguns

doutrinadores como Radbruch, Otto Von Gierke, Gurvitch, bem como Cesarino Jr., os direitos sociais existem como forma de contemplar o homem, em que é um ser que integra a sociedade, ao passo que este de certa forma deve obrigações para com aquele, haja vista que o homem torna-se hipossuficiente sob à égide da regulamentação jurídica na relação homem e sociedade.

Destarte, o autor determina: direito social é mais amplo que o direito do trabalho, porque compreende todas as disciplinas voltadas para a realização do homem em sua plenitude de ser social e trabalhista (habitação, saúde, proteção da vida, da segurança pública, educação e seguridade social).18

Conforme Sergio Pinto Martins, o histórico dos

Direitos Sociais advém com o início da Revolução Francesa em que o Decreto d’Allarde extinguiu as corporações de ofício, permitindo a liberdade de trabalho, tal fato se deu por força de lei que proibiu o restabelecimento de tais corporações, bem como agrupamentos, coalizões e corporações de cidadãos.19

Observe que o mesmo autor preconiza: A Revolução Francesa de 1848 e sua Constituição reconheceram o primeiro dos direitos econômicos e

17 MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, São Paulo, Atlas;. 2007. Apud Cesarino Jr (1957, v 1:17 e 35), p. 14. 18 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Direito contemporâneo do trabalho, São Paulo, Editora Saraiva, 2011, p. 85.

19 MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, São Paulo, Atlas, 2007, p.5.

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sociais: O Direito ao Trabalho. Foi imposta ao Estado a obrigação de dar meios ao desempregado de ganhar sua subsistência20 A Revolução Industrial acabou transformando o trabalho em emprego. Os trabalhadores, de maneira geral, passaram a trabalhar por salários. Com a mudança, houve uma nova cultura a ser aprendida e uma antiga a ser desconsiderada.21 Destarte, pode-se entender como o advento do

Direito ao Trabalho tornou-se um marco e nos impulsiona a refletir sobre os direitos atuais que tutelam aqueles que fazem parte de uma esfera em âmbito trabalhista. No Brasil, o reconhecimento sofreu mudanças históricas, maiorias provenientes das Constituições promulgadas ao longo dos anos, ou mesmo através de leis.

Vale ressaltar que: A Revolução Industrial foi a principal causa econômica que determinou o surgimento do Direito do trabalho, pois acarretou mudanças significativas no setor produtivo, dando origem à classe de operários, e resultando em uma liberdade econômica sem limites, com a opressão dos mais fracos pelos mais fortes nas relações sociais de emprego. Nesse período a evolução social acabou transformando o trabalho não remunerado em emprego, passando a surgir os assalariados, os capitalistas, e os trabalhadores que de maneira geral passaram a trabalhar por salários em larga escala, do mesmo modo que a manufatura cedeu lugar a fábrica e, mais tarde, à linha de produção. Com o capitalismo, tornou-se necessário aliar o capital à força de trabalho e, assim, o trabalho tornou-se adquiriu um sentido maior que apenas garantir a sobrevivência do trabalhador e de sua família, tornando-se uma necessidade social, um direito e um dever. As transformações sociais e econômicas levaram à criação de legislações específicas, havendo

20 Ibidem. 21 Ibidem.

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paulatinamente uma valorização do trabalho, embora, para isso muitas lutas tenham sido necessárias.22

Amauri Mascaro Nascimento determina em sua

obra23, três aspectos relevantes, primeiramente, as condições de trabalho no período do proletariado, após a Revolução Francesa de 1789, bem como na sociedade industrial da linha de produção.

Se partimos do plano histórico, vamos ver que as primeiras condições do trabalho resultaram de leis na Europa que eram destinadas a proteger o trabalhador contra a exploração do capitalismo da época. Assim é que surgiram as primeiras leis trabalhistas, e seus objetivos são todos claros e conhecidos pelos que estudam direito do trabalho (proibição do trabalho do menor abaixo de uma certa idade, duração limitada do trabalho diário, intervalos para descansos na jornada diária, repousos todas as semanas em um dia para cada semana, depois de um ano concessão de férias com durações variáveis e etc.).

O Autor demonstra que tais condições mudaram

com o decorrer do tempo, contemporaneamente são muito mais extensas, diferentemente do que verificava-se na época do proletariado, já que não eram respeitadas as condições mínimas de trabalho, quais sejam, jornada de trabalho superiores a oito horas, não incidência de intervalos intra jornadas, bem como não havia dia para repouso semanal, sem contar nos baixos salários a que eram submetidos, leva-se em consideração aqui que adotava-se um efeito erga omnes, haja vista que atingia,

22 CAMPOS, Janaina de Oliveira, O Assédio moral nas relações de trabalho com ênfase na responsabilidade civil do empregado em face da inobservância do princípio da dignidade da pessoa humana, Artigo Científico, 2009. 23 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Direito contemporâneo do trabalho, São Paulo, Editora Saraiva, 2011, p. 472

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homens, mulheres, crianças e adolescentes.

Verifica-se assim, que o autor determina que: o individualismo da Revolução Francesa em 1789, também deixou sua marca com os seus postulados da não intervenção do Estado na ordem jurídica trabalhista, o que deixou o empregador livre para impor as condições de trabalho que lhe interessavam.24 Godinho25 demonstra que “o processo de

consolidação do Direito do trabalho nos últimos dois séculos se conheceu algumas fases que tem características distintas entre si.

O Autor aborda que “No que diz respeito ao Direito do trabalho dos principais países capitalistas ocidentais, os autores tendem a construir periodizações que guardam alguns pontos fundamentais em comum, Um desses marcos fundamentais está no “Manifesto Comunista”, de Marx e Engels, em 1848. Outro dos marcos que muitos autores tendem a enfatizar está na Encíclica Católica Rerum Novarum, de 1891. Um terceiro marco usualmente considerado relevante pelos autores reside no processo da Primeira Guerra Mundial e seus desdobramentos, como por exemplo, a formação das OIT – Organização Internacional do Trabalho (1919) e a promulgação da Constituição Alemã de Weimar (1919). É também desse mesmo período a Constituição do México (1917). As duas cartas constitucionais foram, de fato, pioneiras na inserção em texto constitucional de normas nitidamente trabalhistas, ou, pelo menos, pioneiras no processo jurídico fundamental de constitucionalização do Direito do Trabalho, que seria uma das marcas distintivas do século XX.

Aliado a isto, percebe-se o que preconiza

24 Ibidem. 25 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de direito do trabalho, 8 ed. São Paulo, Editora LTr, 2009, p. 93.

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Alessandro Zenni: “O Direito do trabalho enquanto disciplina jurídica resultante de conflitos sociais intensos e busca por melhores condições de existencialidade no âmbito da prestação laboral.”26

Observa ainda o autor que, Na Encíclica Rerum Novarum, enfatiza-se o modelo de sociedade tendo por espeque o primado do trabalho e, com efeito, no sistema capitalista, a exploração da mão-de-obra [...] Não passa em oculto que o próprio modelo constituiu o direito do trabalho, entre outros direitos

sociais, para mantê-lo vigente, figura de um perímetro às injustiças que o mesmo sistema encampa em si.27 Através de uma perspectiva constitucional, por

exemplo, tem-se uma evolução considerável no decorrer do tempo ao que tange os direitos trabalhistas, Sérgio Pinto Martins, começa sua abordagem pela Constituição de 1924, esta tratou de abolir as corporações de ofícios, entretanto, a escravidão não era defesa no corpo legal, a Lei do Ventre Livre, a Lei dos Sexagenários e a Lei Áurea trouxeram a previsão de que os filhos de escravos nasceriam livres, bem como a liberdade daqueles maiores de 60 anos, e a pôr fim a abolição da escravatura respectivamente.28

Por conseguinte a Constituição de 1891 instituiu a liberdade de associação, reunião livremente, sem armas, um salto grande se analisar pela perspectiva dos direitos e garantias fundamentais, hoje previstos em leis, ressaltando que as transformações se davam em

26 ZENNI, Alessandro Severino, (Re)significação dos princípios de direito do trabalho / Alessandro Severino Zenni, Cláudio Rogério Teodoro de Oliveira, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Ed. 2009, p. 55. 27 Ibidem, p.103. 28 MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, 23 ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 9.

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decorrência da Primeira Guerra Mundial, bem como a aparição da OIT (Organização Internacional do Trabalho), a Constituição de 1934 tornou-se a primeira a trazer em seu corpo referência ao Direito do Trabalho, haja vista que abordou a isonomia salarial, a liberdade sindical, jornada de oito horas diárias de trabalho, proteção à mulheres e crianças, bem como repouso semanal e férias remuneradas.29

A Constituição de 1937 delimitou competência aos tribunais do trabalho para versar nas demandas entre empregadores e empregados. Seguindo a esta Constituição elencou-se como em um conjunto de normas tudo o que versava sobre os direitos e deveres trabalhistas, criando-se por meio do Decreto-Lei nº 5.452/43 a CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas.30

Dentre as seguintes Constituições que se deram de forma marcante por um grande acontecimento histórico a última e a atual Constituição, promulgada no ano de 1988, trouxe em seu texto constitucional os direitos trabalhistas como Direitos e garantias fundamentais, são tais direitos que regem da forma abrangente a vida social e garantem a exteriorização da dignidade da pessoa humana.31

A partir disso, conforme preconiza Amauri Mascaro Nascimento ao que tange às condições de trabalho da relação existente entre empregador e empregado.

Designar as condições de trabalho como situação é possível desde que a finalidade do vocábulo tenha o objetivo de nomear a realidade de cada ato ou omissão dentro da situação, porém pode trazer confusão no caso se queira designar com situação o próprio vínculo de emprego como um todo. Numa tentativa de verificar concretamente o que são essas condições, isso nos leva

29 Ibidem, p. 9, 10. 30 Ibidem, p. 10. 31 MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, 23 ed. São Paulo, Atlas, 2007, p.11.

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aos elementos básicos e fundamentais do conhecimento do direito do trabalho. Conhece-se o Direito do Trabalho estudando o que é salário, jornada de trabalho, intervalos, repousos semanais, férias, funções exercidas pelo empregado, obrigações impostas pelo patrão e assim por diante. Claro que não se limita a essa breve referência. Trata-se de um campo muito amplo que todos os autores descrevem e poucos dogmatizam.32 O autor continua sua abordagem, por conseguinte,

quando determina o que segue: Direito tutelar do trabalho, para denominar as condições de trabalho, dá a idéia de que todas as condições de trabalho são tuteladas pelo direito, quando é sabido que algumas condições de trabalho podem resultar do contrato expresso ou tácito sem nenhuma tutela legal específica, como no Brasil (CLT, art. 444), cujo sistema legal permite, respeitadas as normas de proteção ao trabalho [...] Direitos fundamentais do trabalhador são muito mais que condições de trabalho, porque são direitos que se situam num patamar constitucional, e as condições de trabalho localizam-se também abaixo desse patamar. Direitos indisponíveis são aqueles dos quais as partes não podem abrir mão enquanto condições de trabalho; em muitos casos, são também as determinadas pelas próprias partes, como horários de trabalho, que podem ser, observados os limites legais, pelas mesmas fixados e alterados. Cláusulas pétreas, no sentido do direito brasileiro, são os direitos sociais relacionados pela Constituição (CF, art. 6º), mas não os direitos derivados das mesmas.33

Partindo desse ponto, é o que Autor Silvio Romero

Beltrão aborda que os direitos da personalidade, conforme determina Carlos Maluquer Montes “quer-se fazer

32 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Direito contemporâneo do trabalho, São Paulo, Editora Saraiva, 2011, p.468. 33 Ibidem, p. 470 e 471.

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referência a um conjunto de bens que são tão próprios do indivíduo, que chegam a se confundir com ele mesmo e constituem as manifestações da personalidade do próprio sujeito.”34

Partindo desse aspecto, Alessandro Severino Zenni, ao abordar em sua obra sobre as significações, de forma reformulada, dos princípios que norteiam o direito do trabalho, determina com relação ao princípio da dignidade da pessoa humana, que

a riqueza do princípio é significativa ao Direito como um todo, mas de maneira especial, até por ser objeto de estudo, ao Direito do Trabalho, onde toda sorte de discriminações deve ser combatida, a degradação humana no ambiente laboral é medida de rechaço, autonomia seria o ideal ser perseguido, sem embargo de que essa vontade está envolta em limites ao próprio ser que age, direitos personalíssimos merecem consagração máxima de proteção nas relações laborais, e as ações afirmativas dos grupos, sobretudo do Estado, protejam o trabalhador em sua vereda ao bem comum.35 Ante todo o exposto, demonstra-se assim, ao lume

do que preconiza Christiani Marques, que a inserção do trabalho ao longo dos tempos, é de extrema relevância, já que este tem papel de destaque, como criador de valores, enfatiza a autora, haja vista que “nasceu como mercadoria e, com o tempo, foi atraindo maior valor, pois se inseriu no dia-a-dia de cada indivíduo como forma de consciência, de desenvolvimento e de crescimento; é fonte de subsistência.”36

34 BELTRÃO, Silvio Romero, Direitos da personalidade de acordo com o novo Código Civil, São Paulo, Editora Atlas, 2005. p. 24, apud Montes, Carlos Maluquer de. Derecho de La persona u negocio jurídico. Barcelona: Bosch, 1993, p. 29. 35 ZENNI, Alessandro Severino, (Re)significação dos princípios de direito do trabalho 36 Ibidem.

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Neste diapasão, a luz do entendimento da referida autora, temos:

O direito ao trabalho é consagrado como expressão da liberdade. Assim dispõe o Texto Constitucional de 1988, no art. 5º, XIII, “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Embora esta norma seja considerada de eficácia contida, sua regulamentação deverá respeitar os Princípios Fundamentais do Estado Democrático.37 Percebe-se assim que, por toda a evolução

aduzida anteriormente, desde à época em que a subordinação era tida como sujeição e não como aquela que realmente de fato é e que caracterizaria a relação de trabalho38, alia-se isto, ao fato de que, o trabalho

deve assegurar à pessoa humana condições para manter dignamente seu trabalho, o que revela respeito à preservação à vida e à liberdade. Portanto a pessoa humana é portadora de valores éticos intocáveis, tais como a liberdade e a dignidade, que exigem vigilância constante.39

3.3 DO PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR

Analisa-se primeiramente, o conceito de

empregador à luz de Amauri Mascaro Nascimento, qual seja:

Será empregador todo ente para quem uma pessoa física prestar, com pessoalidade, serviços

37 MARQUES, Christiani, A proteção ao trabalho penoso, São Paulo, Editora LTr, 2007, p. 33. 38 Ibidem, p. 29. 39 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de direito do trabalho, 8 ed. São Paulo, Editora LTr, 2009, p. 81.

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continuados, subordinados e assalariados [...] independente da estrutura jurídica que tiver.40 Enquanto para Délio Maranhão, em estudo anterior

a obra de NASCIMENTO, a definição de empregador se dá como “empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”.41

A partir do conceito de empregador, passa-se a analisar o poder de direção do deste, que é de suma importância ao tema abordado, conforme determina Sergio Pinto Martins: a forma como o empregador define como serão desenvolvidas as atividades do empregado decorrentes do contrato de trabalho. Compreende ao poder de direção não só o de organizar suas atividades, como também de controlar e disciplinar o trabalho, de acordo com os fins do empreendimento.42

Diante de tal conceito, o Autor divide em três as formas de exercer o poder de direção, quais sejam, poder de organização, poder de controle e poder disciplinar, sendo que encontramos outra divisão na obra de Alice Monteiro de Barros43 como sendo poder diretivo, poder disciplinar e poder de fiscalização, veja-se tais conceitos.

Para Sérgio Pinto Martins, o poder de organização se da pelo fato de que:

O empregador tem todo o direito de organizar seu empreendimento, decorrente até mesmo do direito de propriedade. Estabelecerá qual a atividade que será

40 MARQUES, Christiani, A proteção ao trabalho penoso, São Paulo, Editora LTr. 2007, p. 33. 41 MARANHÃO, Délio, Direito do Trabalho, 14 ed. Rio de Janeiro, Editora Fundação Getulio Vargas, 1987, p. 65. 42 MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, São Paulo, Atlas, 2007, p. 193. 43 BARROS, Alice monteiro de, Curso de direito do trabalho, 7 ed. São Paulo, Editora LTr, 2011, p. 459.

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desenvolvida: agrícola, comercial, industrial, de serviços etc [...] O empregador determinará o número de funcionários de que precisa, os cargos, funções, local e horário de trabalho etc. Dentro do poder de organização encontraremos a possibilidade de o empregador regulamentar o trabalho, elaborando o regulamento de empresa.44

Já o poder de controle, observado por excelência o

que preceitua o Art. 5º, x, da Constituição Federal, consiste em:

o direito de fiscalizar e controlar as atividades de seus empregadores. Os empregados poderão ser revistados ao final do expediente, a revista do empregado é uma forma de salvaguarda do patrimônio da empresa.45

Enquanto o poder disciplinar é aquele que,

segundo o autor, baseia-se em quatro teorias, “a teoria negativista esclarece que o empregador não pode punir o empregado, pois o direito de punir é pertinente ao Estado, que detém o direito privativo inerente ao ius puniendi.46

Para o autor, pela perspectiva civilista ou

contratualista: o poder disciplinar decorre do contrato de trabalho. As sanções disciplinares estariam equiparadas às sanções civis, como se fossem clausulas penais. Entretanto, as sanções civis dizem respeito a indenização uma pessoa pelo prejuízo causado por outra, ou seja, restabelecer a situação patrimonial da pessoa atingida.47

Enquanto na teoria penalista

44 MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, São Paulo, Atlas, 2007, p. 193. 45 Ibidem. 46 Ibidem. 47 Ibidem.

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as penas têm o mesmo objetivo: assegurar a ordem na sociedade. A diferença seria que a pena prevista no Código Penal visa assegurar a repressão em relação a todo indivíduo que cometer um crime.48

Finaliza assim, com a teoria administrativa, o autor

determina que esta consista no fato de o empregador administrar a empresa como bem entender, devendo observar, é claro, de maneira adequada a legislação pertinente aos atos praticados.49

Ressalta-se, entretanto, no presente contexto o que preconiza Alice Monteiro de Barros, para esta o poder de direção do empregador, divide-se em poder diretivo, poder disciplinar e poder de fiscalização, sendo que o primeiro depende do segundo, haja vista que alguns autores, determinam que ambos formam o poder regulamentar, ao passo que serve como forma de manifestação da autonomia empresarial que decorre do poder de legislar da empresa.50

A autora finaliza o assunto, demonstrando que o poder de fiscalização se dá pelo simples fato da faculdade de exercer o poder diretivo, sendo este conceituado em sua obra através do entendimento de Augusto Venturini, em sendo como: “A faculdade que assiste ao chefe de ditar as normas de caráter prevalentemente técnico”.51

A autora leva em consideração a revista exercida pelo empregador em seus empregados, determinando para tanto o que segue:

a nosso ver, a revista se justifica, não quando traduza um comodismo do empregador para defender o seu

48 Ibidem. 49 Ibidem. 50 BARROS, Alice monteiro de, Curso de direito do trabalho, 7 ed. São Paulo, Editora LTr, 2011, p.459. 51 Ibidem, p.460.

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patrimônio, mas quando constitua o último recurso para satisfazer o interesse empresarial.52

Sendo assim, o poder do empregador deve ser

regido pelo princípio da proporcionalidade, ao passo que, conforme determina a autora, observado o art. 5º, § 1º, da nossa Constituição Federal, o qual define os direitos e garantias fundamentais em sua aplicação imediata, haja vista que tornam-se oponíveis também nas relações privadas, incluindo a de emprego, em sua obra, esta entende que será aplicada em juízo a proporcionalidade, bem como a razoabilidade para dar aplicação imediata ao texto constitucional, caso o poder de direção do empregador seja extrapolado.53 3.4 DA SUBORDINAÇÃO DO EMPREGADO

Para Délio Maranhão, empregado constitui, tal

como define a CLT: “é toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste, mediante salário”.54

Conforme preceitua o conceito de empregador, Amauri Mascaro Nascimento determina que entende-se “que não é fácil definir empregado por se tratar de questão de caso concreto, a ser equacionada pelas decisões judiciais.55 Entretanto, conforme pode-se observar, presente está no art. 2º e 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas, elementos que são indispensáveis para sua caracterização, passando a concluir que “considera-se empregado, toda pessoa física que prestar serviços de

52 Ibidem, p.464. 53 Ibidem, p.477. 54 MARANHÃO, Délio, Direito do Trabalho, 14 ed. Rio de Janeiro, Editora Fundação Getulio Vargas, 1987.p.49 55 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações e coletivas do trabalho, 25 ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2010. p. 635.

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natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.56

Para Sérgio Pinto Martins, ao que tange a subordinação como forma de caracterizar a dependência, este esclarece que o empregado está sob subordinação do empregador, ou seja, sujeita-se às ordens de trabalho. O reverso da subordinação seria o poder de direção do empregador[...]dirigindo a atividade do empregado. O poder de direção, assim como a subordinação, são decorrentes do contrato de trabalho.57

Para Alice Monteiro de Barros,

a obrigação de trabalhar assumida pelo empregado ao celebrar o contrato vem acompanhada do dever de obediência às instruções do empregador, o qual é uma característica manifesta da subordinação jurídica do empregado.58

Seguindo, a autora aborda, porquanto, os limites do

dever de obediência ao que tange o poder de direção do empregador, este “diz respeito às ordens lícitas emanadas de quem esteja legitimado a fazê-lo, não contrárias à saúde, à vida ou à dignidade do trabalhador.”59

A autora enfatiza os direitos assegurados ao empregado ao que se refere à liberdade deste ao passo que são garantidos constitucionalmente, não podendo, de forma alguma, sofrer privação por conta do poder diretivo, esta determina que o Art. 5º, mais precisamente em seus incisos IV, VI, VIII, XVII, bem como no Art. 8º, assegurando a liberdade ao pensamento, a crença religiosa, a convicção filosófica ou política e de associação sindical.

56 Ibidem. 57 MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, 23 ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 193. 58 BARROS, Alice monteiro de, Curso de direito do trabalho, 7 ed. São Paulo, Editora LTr, 2011, p. 483. 59 Ibidem.

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Tais direitos são “direitos da personalidade, cuja inviolabilidade é assegurada em preceito constitucional, no título dos direitos e garantias fundamentais.”60

A autora destaca, por conseguinte, o dever de diligência e o dever de fidelidade como englobados na esfera da subordinação do empregado, haja vis que o primeiro se trata da obrigação de trabalho no momento em que o mesmo aceita a função proposta61, enquanto o segundo consiste em uma forma de cumprir a obrigação de fazer através de uma exteriorização de manifestações positivas.62

Neste mesmo enfoque, Irany Ferrari, destaca ao que tange a subordinação do empregado o limite do poder diretivo do empregador, no sentido de que cabe apenas a este último, a direção do contrato de trabalho, sem que este insurja na esfera íntima, individual ou mesmo psicológica do empregado, haja vista que este dificultará de forma impeditiva a realização do contrato de trabalho por parte do obreiro.63

3.5 DO ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

Ernesto Lippmann entende por Assédio moral: a exposição do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante sua jornada de trabalho no exercício de suas funções. Surge quando é imposta uma situação vexatória ao empregado, para que ele peça demissão. Caracteriza-se pela discriminação, quando um empregado, ou um grupo de empregador, é colocado em situação pior que

60 Ibidem, p. 484. 61 Ibidem, p. 486. 62 Ibidem, p. 487. 63 FERRARI, Irany, Dano Moral, Múltiplos aspectos nas relações de trabalho, São Paulo, Editora LTr., 2005, p.423,424.

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a de outros.64

Alice Monteiro de Barros65 determina que Assédio

Moral “está diretamente vinculado à nossa estrutura emocional-sentimental, conhecida popularmente como caráter.”

Para a autora, o termo é recente no mundo jurídico, ao passo que fora utilizado pela primeira vez na esfera psicológica. Conhecido também como mobbing na Itália, na Alemanha, e na Escandinávia, bem como, em uma esfera diferente, entretanto com o mesmo contexto, o Bulling, como é conhecido em países como a Inglaterra, significa “Ações de violência, coerções e exclusões ocorridas no espaço escolar”66, ao passo que no Brasil este torna-se conhecido como terror psicológico ou assédio moral, sendo estes atos, aqueles intentados contra a dignidade humana, que se fazem presente inicialmente em ambientes como família, escola, tendo como fundamento ciúme, inveja e rivalidade.67

Alice Monteiro de Barros, em sua obra mais recente, segue, determinando que, para muitos doutrinadores, define-se Assédio Moral como

a situação em que uma pessoa ou um grupo de pessoas exercem uma violência psicológica extrema, de forma sistemática e freqüente (em média uma vez por semana) e durante um tempo prolongado (em torno de 6 meses) sobre outra pessoa, com quem mantêm uma relação assimétrica de poder no local de trabalho, com o objetivo de destruir as redes de comunicação da vítima, destruir

64 LIPPMANN, Ernesto, Assédio sexual nas relações de trabalho, 2 ed. São Paulo, Editora LTr., 2004, p. 36. 65 BARROS, Alice monteiro de, Curso de direito do trabalho, 7 ed. São Paulo, Editora LTr, 2011, p. 732. 66 TANAKA, Catarina Satiko, Assédio Moral nas relações de trabalho. Maringá, Editora Massoni, 2006, p. 15. 67 BARROS, Alice monteiro de, Curso de direito do trabalho, 7 ed. São Paulo, Editora LTr, 2011, p. 732.

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a reputação, perturbar o exercício de seus trabalhos e conseguir, finalmente, que essa pessoa acabe deixando o emprego.68

Verifica-se sob a ótica de Catarina Satiko Tanaka,

que Assédio Moral no ambiente trabalhista “é a submissão do trabalhadores a situações humilhantes, constrangedoras e abusivas (gesto, palavra, comportamento, atitude), repetitivas e prolongadas durante o exercício de suas funções.”69

Segundo Irany Ferrari: a matéria do Assédio moral encontra-se no mundo jurídico, principalmente na seara das relações laborais, em face da modalidade do dano moral, encontradas no seu seio, como assédio moral, assédio sexual, revistas em empregados, monitoramentos eletrônicos e outras formas que vão surgindo na medida em que avança o processo da globalização e das relações de trabalho.70 Neste sentido, o autor determina que o assédio

moral seja um mal que surgiu com o próprio trabalho, sendo que torna-se um problema social, ao passo que a competitividade desenfreada aumenta quando da regulamentação das leis trabalhistas, haja vista que há uma busca veemente por melhores condições de trabalho.71

Seguindo esta mesma linha de raciocínio, Ernesto Lippmann determina que o assédio se configure de maneira que diminua a produtividade do estabelecimento, gerando consequentemente maior rotatividade de empregados, pois mesmo não sofrendo assédio

68 Ibidem, p.732-733. 69 TANAKA, Catarina Satiko, Assédio Moral nas relações de trabalho, Maringá, Editora Massoni, 2006, p. 11. 70 FERRARI, Irany, Dano Moral, Múltiplos aspectos nas relações de trabalho, São Paulo, Editora LTr., 2005, p. 15. 71 Ibidem, p. 82.

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diretamente, os demais funcionários acabam por buscar novas perspectivas de emprego, em ambientes mais dignos para desenvolver o labor.72

Segundo Catarina Satiko Tanaka, o que ocorre são condutas negativas, bem como condutas desumanas e aéticas, em que os superiores ou colegas desestabilizam o ambiente laboral da vítima. Entretanto, é necessário haver uma cautela quanto à incidência do assédio moral no ambiente laboral, haja vista que alguns comportamentos e/ou situações não configuram como tal, ressalta a autora, quais sejam, o estresse por sobrecarga para aumentar a eficiência da tarefa e da produtividade, nota-se que aqui não incide atitude maldosa, as más condições de trabalho, tais como, má iluminação ou más instalações, calúnia, difamação e injúria, tais conceitos, costumam ser confundidos, devendo preponderar que, sim, são crimes contra à honra.73

Para todas as possibilidades acima de não configuração do Assédio Moral, a autora determina que existam aquelas que se munidas de sentimentos ocultos, configuram sim a incidência deste, veja-se assim que se há o estresse por sobrecarga para aumentar a eficiência da tarefa e da produtividade, entretanto se existir uma intencionalidade (consciente ou inconsciente), ou seja, que esteja ensejada de maldade há o Assédio Moral.74

Se as más condições de trabalho forem experimentadas por um único funcionário, pura e simplesmente com o intuito de desmerecê-lo, há o Assédio Moral.75 Caso, o superior hierárquico, utilize-se de sua superioridade para constranger o subordinado, há o dano

72 LIPPMANN, Ernersto, Assédio sexual nas relações de trabalho, 2 ed. São Paulo, Editora LTr., 2004, p. 29. 73 TANAKA, Catarina Satiko, Assédio Moral nas relações de trabalho, Maringá, Editora Massoni, 2006, p. 11. 74 Ibidem, p. 12. 75 Ibidem.

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moral.76 Comprovar que houve o assédio, e os atos que seguem, é sempre uma tarefa difícil, especialmente quando o assunto é tratado sob o manto de silêncio dentro da empresa. A situação mais comum é que após assédio ser rejeitado, sejam tomadas medidas de retaliação contra o assediado. O assediante passa a ter atitudes que humilham, prejudicam e intimidam o assediado, como colocá-lo de escanteio, fazer críticas constantes e em público, discriminação na hora do pagamento de prêmios ou bônus, além do comportamento do assediado, que passa a evitar situações que o coloquem a sós com o assediante.77

Catarina Tanaka determina como procedimentos

de assédio o conjunto de sentimentos ocorridos no assédio, quais sejam, não aceitação das diferenças individuais, tais como, cor, credo, raça, orientação sexual, idade, dentre outras, através de sentimentos alheios a relação de trabalho, como inveja, ciúme, rivalidade, medo, tais sentimentos configuram-se do agressor para com a vítima.78

Para Irany Ferrari, citando Euler de Oliveira Ferreira, a relação assediado e assediador apresentam alguns termos, quais sejam, humilhação, gestos repetitivos, relação hierárquica dentre outros, apresenta o seu conceito como sendo uma forma de humilhação, desprezo ou inação realizado em local de trabalho em que um superior hierárquico, ou não, faz repetidamente, contra outro colega de trabalho, com o objetivo de humilhar e destruir sua auto-estima , levando-o a tomar atitudes extremas como demitir-se ou, até mesmo, levá-lo a tentar

76 Ibidem, p. 13. 77 LIPPMANN, Ernersto, Assédio sexual nas relações de trabalho, 2 ed. São Paulo, Editora LTr., 2004, p. 31. 78 TANAKA, Catarina Satiko, Assédio Moral nas relações de trabalho, Maringá, Editora Massoni, 2006, p. 16-17.

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ou cometer suicídio.79

Cláudio Armando Couce de Menezes é mencionado na obra de Irany Ferrari em trabalho relacionado com o assédio moral e seus efeitos jurídicos, neste sentido passa-se a analisar as hipóteses que acabam por resultar na sua caracterização, quais sejam, o assédio decorrente da estabilidade, quando o empregador goza de uma garantia em face de sua demissão, nesses casos há provocação, serviços superiores às forças do trabalhador, serviços vexatórios ou mesmo diferentes daqueles emanados de sua função, despedida de forma humilhante, qualificadas por gavetas esvaziadas, pertences pessoais deixados à porta, ou mesmo circular interna, bem como repreensão pública, ameaças constantes, seu trabalho posto à prova a todo momento pelo superior hierárquico, agressões verbais, comentários maldosos, de cunho sexual, racial ou social.80

Evidentemente, que o elenco das hipóteses sublinhadas não esgotam as causas que podem dar ensejo ao assédio moral [...] Convém ressaltar, também, que o empregado que vier a sofrer assédio moral poderá não só pleitear em juízo trabalhista as verbas rescisórias decorrentes do contrato de trabalhos sob o fundamento de descumprimento de deveres legais e contratuais (art. 483, alíneas a, b e d, da CLT), como também postular a indenização por dano moral.81

Sendo assim, conforme preconiza Ernesto

Lippmann a empresa tem o direito de exigir produtividade dos seus empregados. Assim, metas de produção ou vendas, desde que razoáveis dentro do contexto econômico, não

79 FERRARI, Irany, Dano Moral, Múltiplos aspectos nas relações de trabalho, São Paulo, Editora LTr., 2005, p. 84. 80 Ibidem, p.84,85. 81 Ibidem, p. 85, 86.

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são fatores geradores de assédio, mas antes o exercício normal da atividade empresarial. Não tipificam o assédio moral as reprimidas normas dos chefes, a exigência de produtividade e o controle sobre os empregados, desde que este poder disciplinar do empregador seja exercido de maneira adequada, visando ao correto encaminhamento da atividade produtiva, não sendo, porém, admissível a arbitrariedade, discriminação e violação dos direitos da personalidade do empregado.82

O que efetivamente irá caracterizar o assédio moral

é a sobrecarga constante de labor que acarrete prejuízos à saúde do obreiro, seja física ou psiquicamente, não há como fazer uma distinção pontual sobre aquilo que definitivamente defina o assédio moral, os casos deverão ser analisados na esfera do judiciário, levando em consideração principalmente:

o desvio habitual do poder disciplinar do empregador, de modo a caracterizar humilhação e discriminação; que sejam trazidos elementos em juízo comprovando que empregador foi exposto a uma situação de vergonha, que gerou constrangimento e sofrimento íntimo; no caso do assédio pela sobrecarga de trabalho, o caracteriza, sobretudo a jornada intensa, combinada com intensa pressão por resultados, ou metas.

3.6 CONSEQUÊNCIAS DO DANO MORAL DECORRENTE DO ASSÉDIO

Para uma abordagem mais especifica ao que tange

os danos causados pelo assédio moral no ambiente laboral, vale destacar o conceito de Dano Moral, segundo Yussef Said Cahali, citando Pontes de Miranda determina: “Dano não patrimonial é o que é, só atingindo o devedor,

82 LIPPMANN, Ernesto, Assédio sexual nas relações de trabalho, 2 ed. São Paulo, Editora LTr., 2004, p.41,42.

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como ser humano, não lhe atinge o patrimônio.”83

Para Jovi Vieira Barboza, abordando a obra de Rizzatto Nunes, Dano Moral é

aquele que afeta a paz interior da pessoa lesada; atinge seu sentimento, o decoro, o ego, a honra, enfim, tudo aquilo que não tem valor econômico, mas causa dor e sofrimento. E, pois, a dor física e/ou psicológica sentida pelo indivíduo.84 Segundo José Affonso Dellegrave Neto,

complementa indiretamente o entendimento de Chali apud Pontes de Miranda, haja vista que sua linha de raciocínio determina que dano moral registra-se como “uma primeira fase negatória do dano extrapatrimonial.”85

Dano moral para Luiz Salem Varella86 consiste “na penosa sensação da ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano”.

Buscando no berço da antiguidade, as questões relativas aos danos morais, de forma sucinta veja-se que Américo Luís Martins da Silva87 aborda em sua obra a evolução histórica destes, haja vista que já tinham previsão nos Códigos de U-Nammu, Manu e Hamurabi,

83 CAHALI, Yussef Said, Dano Moral, 3. ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 21. 84 BARBOZA, Jovi Vieira, Dano Moral o problema do quantum debeatur nas indenizações por dano moral. Curitiba, Editora Juruá, 2006, p. 132 e 133. Apud. NUNES, Rizzatto, Curso de Direito do Consumidor, p. 306. 85 DELLEGRAVE NETO, José Affonso, Responsabilidade civil no direito do trabalho, São Paulo, Editora LTr, 2008, p 145. 86 VARELLA, Luiz Sallem, Danos Morais na justiça do trabalho: doutrina e jurisprudência, São Paulo, CD Editora, 2000, p. 11. 87 SILVA, Américo Luis Martins da, O Dano Moral e a sua Reparação Civil, 1 ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 65.

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segundo este “Muito antes do Direito Romano tratar do dano e de sua reparação, na Suméria, na Babilônia (situada na Mesopotâmia) e na Índia já havia codificações de leis regulamentando, mesmo que de maneira incipiente, este assunto”. O autor aborda, por conseguinte, que o Código de Ur-Nammu, sem sombra de dúvidas trata-se, ao longo da história da civilização humana, a forma codificada mais antiga a respeito dos danos morais, haja vista que, já previam o princípio da reparabilidade.88

Anteriormente ao Código de Hamurabi, os povos primitivos adotavam o preceito tido como “dente por dente e olho por olho”, haja vista que era o melhor modo de haver a reparação de um dano, pois naquele tempo, este meio adotado era a maneira de reduzir eficazmente a dor experimentada pela vítima.89

O autor enfatiza que o Código de Ur-Nammu, assemelha-se em certo aspecto à chamada Lei das XII Tábuas, dos antigos romanos, haja vista que em ambos a reparação pelo dano moral experimentado tem-se principalmente pelas dores físicas emanadas dos danos causados por quem cometesse ato contra tal codificação.90

O Código de Manu, ou mesmo Manava-Dhrama-Sastra, é abordado pelo autor como a codificação mais antiga que surgiu na Índia. A figura de Manu, homem que promove àquela época uma espécie de sistematização social e religiosa, tem influência na vida social e religiosa da Índia, onde o Hinduísmo é tido como religião, tal codificação destaca-se pelo fato de que a palavra proferida, bem como as cláusulas de um contrato tinham força sagrada e o inadimplemento de qualquer uma delas, acarretava em inadimplemento, prevendo para tanto além do pagamento da indenização, para arcar com os prejuízos materiais, também à sujeição à pena de desterro,

88 Ibidem. 89 Ibidem. 90 Ibidem, p. 66.

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ou seja, expatriação, deportação, degredo ou exílio.91

Já o Código de Hamurabi, tendo este como origem nos hábitos e costumes da civilização Babilônica através do Rei da Babilônia, Hamurabi, no século XXIII a.C, não preceitua regras gerais, mas sim princípios amplos aplicados a casos especiais, que se insurgem, justamente por conta dos hábitos e costumes de um povo, dentre eles, o destacado pelo autor como “o forte não prejudicará o fraco”.92

O que tempos depois não aplicar-se-ia às relações como um todo no Brasil, em decorrência do Código Civil Brasileiro de 191693, era previsto no Código de Hamurabi, como o “olho por olho”, ou seja, a vingança, já preconizada no Código de Ur-Nammu, em que

se vier a quebrar o membro de um homem livre, sofrerá, também, a ruptura de um membro”94, ou mesmo, “se um homem livre fizer saltar o dente de um homem igualmente livre, se lhe arrancará também um dente.95 O Código Civil, apesar de regular com muita timidez a matéria relacionada à reparação do dano moral e excluí-la em alguns casos, a nosso ver, de um modo geral, não chega a existir em seu texto óbice decisivo à sua aceitação. Tanto é que a reparação do dano moral, conforme previsto no art. 1543, é cabível até para as coisas que compõem um quarto, uma sala, um escritório, bem como para obras de arte, árvores ou qualquer outro objeto a que se ligue a afeição de uma pessoa.96

Nota-se assim, que os danos de que trata o referido

91 Ibidem, p. 67. 92 Ibidem, p. 68. 93 Ibidem, p. 156. 94 Ibidem, p. 70. 95 Ibidem, p. 70. 96 Ibidem, p. 185.

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art. 1543 do Código Civil de 1916, são os danos de afeição, constituindo para tanto danos espirituais ou morais, que se violados, tornam-se restituíveis em dinheiro, consistindo, aos olhos do autor como reparação do dano moral.97

A negação da reparabilidade dos danos morais em tais casos certamente parece injusta e põe em dúvida a legitimação de tal texto, legitimação esta que deve ser considerada em relação ao atendimento das expectativas e anseios da sociedade”98 A respeito da lesão corporal, da qual resulta a incapacidade laboral, o código civil de 1916 já previa indenização por lucros cessantes, despesas com tratamento, pensão correspondente ao salário.99

Irany Ferrari100 demonstra a incidência da

reparação do dano contida tempos depois no Código Civil de 2002, mais precisamente em seus arts. 186 e 187, bem como no art. 927, sendo que o autor cita também o art. 1ª, III e IV; 5ª, V, da Constituição Federal, e ainda o art. 8º da consolidação das leis trabalhistas para fundamentar a aplicação do dano moral ao direito do trabalho.

Para Irany Ferrari: A constituição de 1988 em seus primeiros artigos estabelece entre os princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Com efeito, no art. 5º, V, está disposto que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral e à imagem” e no inciso X, do mesmo artigo, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano

97 Ibidem. 98 Ibidem, p. 187. 99 Ibidem, p. 188. 100 FERRARI, Irany, Dano Moral, Múltiplos aspectos nas relações de trabalho, São Paulo, Editora LTr, 2005, p. 16,17.

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material ou moral decorrente de sua violação.101 Preconiza o autor que, o código civil atual acaba

por estabelecer diretrizes necessárias ao cumprimento efetivo do texto constitucional, haja vista a possibilidade da reparação do dano exclusivamente moral, ainda que não incida no caso concreto danos materiais.102

A responsabilidade de reparar o dano, encontra, mais precisamente, na esfera responsabilidade civil, entretanto, o autor determina que muitos doutrinadores defendem a tese de que tal matéria alcança o máximo de desenvolvimento na esfera do Direito do Trabalho, citando Pinho Pedreira, sob à égide de Horácio de La Fuente, encontra-se o posicionamento de que:

O direito do trabalho aparece, assim, como o ramo jurídico em cujo seio o estudo do dano moral deveria alcançar o máximo desenvolvimento, já que, como se disse, nesse direito a proteção da personalidade adquire especial dimensão, tanto por sua primordial importância – dado o caráter pessoal e duradouro da relação – como por ter sido objeto de uma garantia jurídica especial.103 Irany Ferrari ao lume de Pinho Pedreira aborda a

questão, com o seguinte pensamento de Vasques Vialard: Se em algum âmbito de Direito o conceito de “dano moral” pode ter alguma aplicação é, precisamente, no do trabalho. A razão da “subordinação” a que está sujeito o trabalhador na satisfação do seu débito leva a que a atuação da outra parte, que dirige essa atividade humana, possa menoscabar a faculdade de atuar que

101 Ibidem, p.13. 102 Ibidem, p. 14. 103 FERRARI, Irany, Dano Moral, Múltiplos aspectos nas relações de trabalho, São Paulo, Editora LTr, 2005, p. 14. Apud. Luiz de Pinho Pedreira da Silva. Ensaios de Direito do Trabalho, 1998, São Paulo, Editora LTr, 1998, p 52.

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diminui ou até frustra totalmente a satisfação de um interesse não patrimonial.104 Nesta mesma linha de raciocínio, passa-se a

observar o que preconiza Christiani Marques ao que tange às consequências do trabalho penoso, ao lume dos danos físicos e psíquicos experimentados na esfera laboral:

o trabalho, nas condições atuais, é a forma pela qual se consegue independência e êxito, de modo que poderão surgir conflitos relacionados com essa conquista, pois há uma relação direta entre o mundo do labor e os fenômenos mentais e físicos. As experiências de vida com exigências compulsórias, no trabalho, afetam a valorização da dignidade humana porque os trabalhadores, de forma consciente ou inconsciente, preferem manter o prestígio, poder e autoconfiança a possuir sentimento de ansiedade e perdas.105 Segundo a autora, o trabalho pode ser ou não rico

para a saúde, quando é rico, percebe-se a elevação da autoestima do empregado, caracterizada pela incidência de renovação das energias e desafios, percebe-se o prazer e o orgulho manifestado pelo ambiente laboral, quando não é rico, percebe-se a incidência de distúrbios psicossociais, sejam individuais ou coletivos, causando desgaste e sofrimento, bem como a sensação de ser prisioneiro, haja vista procedimento ou regulamento rigoroso percebe-se a partir disso que as limitações impostas pela hierarquização corroboram para isso.106

Conforme preconiza a autora, a saúde do trabalhador vem sendo objeto de estudo há tempos, esta refletiu consideravelmente nas lutas operárias que tinham como principal objetivo a proteção do direito à vida, a

104 Ibidem. 105 MARQUES, Christiani, A proteção ao trabalho penoso, São Paulo, Editora LTr, 2007, p. 87. 106 Ibidem, p. 87,88.

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integridade e a conquista da liberdade de organização do trabalho, a autora enfatiza ainda que além de todas as transformações ocorridas durante a evolução econômica por meio da evolução laboral, novas teorias surgiram ensejadas por estudos e práticas psicológicas no ambiente laboral, haja vista que passa-se a dar mais importância à saúde mental no labor, como forma de otimização tanto da produção, como do lucro, entretanto valoriza-se primordialmente, de forma harmônica, o bem-estar, a satisfação, bem como a motivação do trabalhador, com o intuito de que os objetivos econômicos deste sobreponham as doenças ou acidentes do trabalho, que iniciaram-se quando as variações psicológicas e fisiológicas humanas eram desconsideradas na esfera laboral.

3.7 DEMANDAS JUDICIAIS DECORRENTES DO ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE LABORAL

Para tratar deste meio de relacionamento que se

dá entre subordinado e detentor da mão de obra, importante ressaltar a competência da justiça do trabalho para processar e julgar as demandas decorrentes dos danos causados pelo assédio moral no ambiente laboral, sendo assim observa-se em nosso ordenamento jurídico o art. 114, presente em nossa Constituição Federal, que determina:

a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e também outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. O dispositivo menciona em seu texto que passível

de discussão em juízo são as lides que decorrem de uma

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relação de trabalho, após uma análise doutrinária ao que tange o tema em questão, passa-se a analisar, por conseguinte os julgados dos Tribunais do território nacional. Verifica-se assim, o que entende o Tribunal do Trabalho da 9ª Região, no Estado do Paraná em recente decisão proferida:

TRT-PR-02-09-2011 DANO MORAL. NECESSIDADE DE PREJUÍZOS IRREPARÁVEIS AO RECLAMANTE. NÃO OCORRÊNCIA. Para a indenização por dano moral é necessário seja comprovada a existência de prejuízos irreparáveis ao Reclamante no tocante a sua honra, dignidade e boa fama, em relação ao âmbito social. No caso, não foi demonstrado, de forma objetiva, o abalo sofrido pelo Autor, sendo que a inicial apenas relata situações que poderiam lhe ocasionar dano, sem contudo comprovar a dor suportada. Não ocorreu fato suficiente a ensejar indenização por dano de cunho moral e muito menos para caracterizar assédio moral. TRT-PR-01617-2010-658-09-00-0-ACO-35947-2011 - 4A. TURMA; Relator: LUIZ CELSO NAPP; Publicado no DEJT em 02-09-2011.107

Observa-se assim, que para a caracterização do

dano moral sofrido no âmbito laboral é necessário haver a incidência de um ato ilícito, em que a conduta gere danos irreparáveis ao sujeito passivo da relação, se não há esta incidência não há que se falar em danos sofridos pelo assédio, bem como não há que se falar em indenização, conforme verifica-se na decisão supracitada.

EMENTA: Reparação por Danos Morais - Assédio Moral. O assédio moral tem que ser bem delineado para não corrermos o risco de caracterizar qualquer atitude de um superior, ou de um colega de trabalho - que de alguma forma vai de encontro às

107 TRIBUNAL DO TRABALHO DA 9 REGIÃO - PARANÁ. TRT-PR-01617-2010-658-09-00-0-ACO-35947-2011; Relator: LUIZ CELSO NAPP; Publicado no DEJT em 02-09-2011.

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Assédio moral no ambiente laboral // 123

expectativas e aos sentimentos do trabalhador - como assédio moral. A atitude do superior, ou do colega, para que se configure assédio moral, tem que ser abusiva, vexatória e prolongadas durante a jornada de trabalho, a ponto de causar ao assediado profundo sofrimento, trazendo-lhe um dano psíquico-emocional.108

Sendo assim, percebe-se que as decisões

emanadas de demandas que tenham por ensejo o assédio moral estão consubstanciadas na atitude abusiva do empregador, quando da exorbitante utilização do poder diretivo, excedendo, por conseguinte, o que prevê o contrato de trabalho.

Primordialmente, note-se que a imparcialidade do

poder judiciário se dá profunda análise íntima do ser humano, de modo que se vislumbra que se os requisitos que caracterizam a incidência do assédio moral não estiverem evidenciados, as demandas não têm provimento perante os órgãos julgadores competentes em questão. 3.8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar as relações de trabalho propriamente

ditas, é analisar os relacionamentos existentes entre o detentor da mão de obra e o obreiro desde a escravidão, passando pela servidão, corporações de ofícios, Revolução Industrial até os tempos atuais, as mudanças nos relacionamentos existentes, se deram através da valorização da dignidade da pessoa humana, bem como sua exteriorização no meio social.

108 TRIBUNAL DO TRABALHO DA 3 REGIÃO – MINAS GERAIS. RO 0000956-55.2010.5.03.0002, publicado em 24-11-2010 - DEJT - Página: 118, Relatora: Maria Lúcia Cardoso de Magalhães.

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Desde a Revolução Industrial, iniciada na Europa, expandida pelo mundo e refletida no Brasil, os meios de prestação de serviço passaram por uma nova perspectiva, a produção em sua forma industrializada e não mais artesanal, cresceu alarmantemente, expandindo-se pelos centros urbanos, necessitando para tanto de mão de obra para que o processo de industrialização tivesse continuidade, a remuneração do serviço, ou seja, a realização do trabalho em troca de salário é tida como fruto do surgimento do capitalismo, enquanto o progresso acarretado pelo processo de industrialização alterou o quadro econômico e social nos grandes centros.

O avanço gradativo das relações de trabalho se deu através da ruptura realizada pela Revolução Industrial, haja vista que o processo de fabricação de produtos consumidos pelo homem alterou o meio social existente à época, a produção em série e o surgimento das fábricas deu início ao trabalho assalariado, sendo esta uma das principais características desta transformação, alterando para sempre a economia bem como, por consequência, as relações trabalhistas.

Destaca-se assim, a obrigatoriedade do trabalhador seguir as regras das fábricas, bem como as condições de trabalho impostas pelo patrão, quais sejam tarefas repetitivas, horas excessivas de trabalho, condições insalubres para desenvolver o labor, bem como salários baixos como forma de remuneração pelo serviço prestado.

Todas as formas pelas quais os trabalhadores eram desapreciados ensejaram o surgimento, bem como caracterização do assédio moral, pouco discutido à época, entretanto, exteriorizado por meio de conflitos e resistências às condições desumanas de trabalho à que eram submetidos, acarretando em uma possível violência, hoje consubstanciada pelo assédio moral, o que consequentemente causa prejuízos físicos e psíquicos à saúde do obreiro.

As atitudes invasivas do empregador/assediador

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são caracterizadas por motivos não taxativos, mas sempre alheios à relação de trabalho, aliada a obtenção lucros e benefícios em favor próprio e em desfavor do assediado, que por sua vez possui sentimentos muitas vezes não exteriorizados por necessitar daquele tipo de relação em virtude do seu sustento e de sua família. Vale ressaltar que a figura do assediado possui direitos que devem ser respeitados, direitos civis, trabalhistas, humanos, dentre todos àqueles que tutelam o maior bem jurídico de um cidadão, qual seja, a vida.

A França, pioneira na implantação da pena para o assédio moral corrobora de forma direta para que este seja difundido perante o mundo inteiro, sendo que isto só se deu a partir do século XX, no Brasil, a primeira lei incidente contra o assédio moral foi no Estado de São Paulo, mais precisamente no ano de 2001.

Deste então, outros estados brasileiros adotam tal instituto através de legislação local, bem como entendimentos pacíficos da jurisprudência para versar sobre tal causa, haja vista que no Congresso Nacional tramitam inúmeros projetos de lei sobre o assédio moral, entretanto nada tornou-se concretizado até então.

Analisa-se assim que a legislação pátria é precária para tais casos, cabendo a jurisprudência, ao lume dos entendimentos doutrinários preencher as lacunas existentes em nosso ordenamento jurídico. Cabe também àquele que sofre o assédio moral reagir e defender seus direitos, denunciar o assediador é primeiro passo para tanto, levando a causa até as últimas estâncias do judiciário, se preciso for, como forma de garantia do bem-estar físico e mental, oprimindo assim todos os excessos decorrentes do poder diretivo do empregador.

A jurisprudência trabalhista tem reconhecido as demandas balizadas pelo assédio moral, desde que comprovadas os requisitos abordados no decorrer do presente artigo, com o desígnio de fazer valer os direitos e garantias fundamentais inerentes a todo e qualquer ser

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humano, tendo como fim o respeito e exteriorização da dignidade da pessoa humana, sendo que para tanto, necessário é, urgentemente adotar medidas mais severas por parte do poder legislativo atual. 3.9 REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de, Curso de Direito do Trabalho, 4 ed. São Paulo Editora LTr, 2005.

_______. Curso de Direito do Trabalho, 6 ed. São Paulo, Editora LTr. 2010.

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CAMPOS, Janaina de Oliveira, O Assédio moral nas relações de trabalho com ênfase na responsabilidade civil do empregado em face da inobservância do princípio da dignidade da pessoa humana, Artigo Científico, 2009.

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Assédio moral no ambiente laboral // 127

trabalho, 8 ed. São Paulo, Editora LTr, 2009.

_______. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo, Editora LTr, 2011.

DELLEGRAVE NETO, José Affonso, Responsabilidade civil no direito do trabalho, São Paulo, Editora LTr, 2008.

DOMINGUES DE ANDRADE, Manuel A. Teoria Geral das relações jurídicas. v.1. Coimbra: Livraria Almeida, 1997.

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MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, 23 ed. São Paulo, Atlas, 2007

NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Direito contemporâneo do trabalho, São Paulo, Editora Saraiva. 2011.

TANAKA, Catarina Satiko, Assédio Moral nas relações de trabalho, Maringá, Editora Massoni. 2006.

TRIBUNAL DO TRABALHO DA 9 REGIÃO - PARANÁ. TRT-PR-01617-2010-658-09-00-0-ACO-35947-2011; Relator: LUIZ CELSO NAPP; Publicado no DEJT em 02-09-2011.

TRIBUNAL DO TRABALHO DA 3 REGIÃO – MINAS GERAIS. RO 0000956-55.2010.5.03.0002, publicado em

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128 Temas Jurídicos Atuais: Volume III

24-11-2010 - DEJT - Página: 118, Relatora: Maria Lúcia Cardoso de Magalhães.

SILVA, Américo Luis Martins da, O Dano Moral e a sua Reparação Civil, 1. ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1999.

VARELLA, Luiz Sallem, Danos Morais na justiça do trabalho: doutrina e jurisprudência, São Paulo, CD Editora. 2000.

ZENNI, Alessandro Severino, (Re)significação dos princípios de direito do trabalho / Alessandro Severino Zenni, Cláudio Rogério Teodoro de Oliveira, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Ed. 2009.

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- IV -

DUMPING SOCIAL E DIGNIDADE DO TRABALHADOR NO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO: PROPOSTAS

PARA A REDUÇÃO DA PRECARIZAÇÃO

Leda Maria Messias da Silva* Milaine Akahoshi Novaes**

4.1 INTRODUÇÃO

O meio ambiente do trabalho relaciona-se

diretamente com o cotidiano do ser humano. Este local, onde o trabalhador desempenha suas atividades durante grande parte do dia, deve cumprir requisitos que são profundamente ligados à dignidade da pessoa humana. Porém, em um mundo globalizado os mercados não encontram fronteiras, e nem as grandes empresas. Assim, multinacionais aproveitam a oportunidade de se instalarem em locais onde os direitos trabalhistas básicos não são aplicados, diminuindo os custos de produção, e possibilitando lançar no mercado produtos com preços competitivos. Esta prática passou a ser conhecida com o nome de Dumping Social, que será examinado no presente trabalho.

Inicialmente, este artigo fará uma exposição acerca do meio ambiente de uma maneira ampla, através do conceito legal e doutrinário, para em seguida, tratar do meio ambiente do trabalho. Assim, pretende-se externar a

** Oficial de Justiça Avaliador Federal no Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na Universidade Cândido Mendes, mestranda em Ciências Jurídicas pelo UNICESUMAR – Centro Universitário de Maringá.

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importância para a saúde física e psíquica do trabalhador em executar seus serviços em um local decente.

Neste contexto, será esclarecida a questão do Dumping Social e a repercussão desta prática na vida dos trabalhadores. Também é uma reflexão sobre como o valor do trabalho está sendo desmerecido em razão da busca incessante por lucros, de modo que se esquece que por trás do trabalho existe um ser humano, o qual oferece o seu bem mais precioso: o tempo e sua força de trabalho, ou seja, uma grande parcela da sua vida.

Como se trata de um tema que extrapola as fronteiras dos países, é imprescindível a análise das organizações internacionais e suas atribuições. Desta maneira, a Organização Internacional do Trabalho tem por função promover a justiça social nas relações de trabalho, enquanto que a Organização Mundial do Comércio tem por objetivo supervisionar o comércio internacional.

Após esta análise, passa-se a estudar os principais aspectos dos direitos da personalidade afetados, principalmente a dignidade humana. Justifica-se, o presente artigo, pela necessidade de proteção destes direitos, os quais dizem respeito à integridade física, psíquica e moral das pessoas que desempenham seu labor.

Por fim, apresentar-se-á propostas com o intuito de contribuir de alguma forma para chamar a atenção para este tema tão importante, que envolve o trabalho. A expressão tão comumente usada “o trabalho dignifica o homem” deve ser revista no atual cenário econômico mundial, já que, no caso de Dumping Social, por exemplo, o trabalho acaba por lhe retirar sua dignidade.

O método utilizado foi o dedutivo, de cunho qualitativo, através da pesquisa teórica, utilizando-se dos seguintes instrumentos: bibliografias, compostas por livros, periódicos científicos, documentos disponíveis na internet e análise de casos concretos.

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Dumping Social e Dignidade do Trabalhador... // 131

4.2 O MEIO AMBIENTE: CONCEITO DOUTRINÁRIO E LEGAL

O meio ambiente é definido, por um conceito

bastante amplo, no art. 3º, I da Lei n. 6.938/81, o qual prevê que: “meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Trata-se de uma definição abstrata e que traz um conteúdo jurídico indeterminado, mas que está em harmonia com o art. 225 da Constituição Federal, o qual estatui que “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.

Antunes (2008, p. 9) contribui com o seguinte conceito de meio ambiente:

Meio ambiente compreende o humano como parte de um conjunto de relações econômicas, sociais e políticas que se constroem a partir da apropriação dos bens naturais que, por serem submetidos à influência humana, transformaram-se em recursos essenciais para a vida humana em quaisquer de seus aspectos.

Na definição de Silva (2013, p. 23) “o meio

ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.

A doutrina classifica o meio ambiente em razão do bem a ser tutelado. De acordo com Sanchez (2009, p. 13-14) pode ser dividido em: 1) meio ambiente natural, constituído pela fauna, flora, ar, solo e água; 2) meio ambiente artificial, criado pela ação transformadora dos homens, como as edificações e equipamentos públicos; 3) meio ambiente do trabalho, compreendido como o local onde o ser humano desenvolve suas potencialidades; 4)

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meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, turístico, paisagístico, arqueológico e artístico; e 5) patrimônio genético, entendido como a tutela e preservação da vida em todas as suas formas.

Deste modo, pode-se afirmar que a proteção ao meio ambiente, incluído o do trabalho, é, antes de tudo, uma questão de cidadania (LEITE, 2003, p. 294). Ademais, um meio ambiente equilibrado e sadio faz parte dos direitos fundamentais da pessoa humana. Neste sentido, explica Silva (2013, p. 61):

Temos dito que o combate aos sistemas de degradação do meio ambiente convertera-se numa preocupação de todos. A proteção ambiental, abrangendo a preservação da Natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, visa a tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana.

Da mesma maneira é a colocação de Benhossi e

Fachin (2013, p. 244): Todos são iguais no sentido de ter os mesmos direitos, de usufruir das benesses do meio ambiente, não podendo haver preferências ou distinções em função de poder econômico ou força política. O meio ambiente está para servir todos, sendo ele considerado um direito fundamental, apregoado no texto constitucional, no artigo 225, que explana muito bem acerca do direito de usufruir e dever de todos de fazer manter este bem preservado e ecologicamente equilibrado.

Assim, o meio ambiente do trabalho está

englobado num conceito maior de meio ambiente, havendo uma correlação entre o Direito Ambiental e o Direito do Trabalho. Ambos objetivam a melhoria da qualidade de vida no ambiente, vez que a agressão a este bem fundamental pode trazer consequências irreversíveis,

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inclusive aos direitos da personalidade do trabalhador, que será tratado mais adiante.

4.3 O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

Para conceituar meio ambiente do trabalho

utilizamos a definição de Fiorillo (2014, p. 66): Constitui meio ambiente do trabalho o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais relacionadas à sua saúde, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos, etc).

Sobre esta temática Silva e Silva Rosa (2013, p.

278) consideram: “a Constituição Federal, quando prevê que todos têm direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, abrange o Meio Ambiente do Trabalho, meio ambiente este que, segundo a Recomendação 193 da Organização Internacional do Trabalho, deve ser decente, ou seja, digno”.

Trata-se, portanto, de proteção à saúde e segurança do trabalhador no meio onde opera suas atividades laborais. São condições mínimas que devem ser observadas pelo empregador, as quais passaram a ser objeto de preocupação do Direito à partir da Revolução Industrial, como bem observado por Martins (2014, p. 711):

Até o início do século XVIII, não havia preocupação com a saúde do trabalhador. Com o advento da Revolução Industrial e de novos processos industriais – a modernização das máquinas -, começaram a surgir doenças ou acidentes decorrentes do trabalho. A partir desse momento, há necessidade de elaboração de normas para melhorar o ambiente de trabalho em seus

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mais diversos aspectos, de modo que o trabalhador não possa ser prejudicado com agentes nocivos à sua saúde. O Direito passou, então, a determinar certas condições mínimas que deveriam ser observadas pelo empregador, inclusive aplicando sanções para tanto e exercendo fiscalização sobre as regras determinadas.

A Constituição Federal faz referência ao meio ambiente do trabalho no art. 200, inciso VIII, ao prever que: “art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”. Também, encontra-se no artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal, como fundamento da ordem econômica e financeira a valorização do trabalho humano, a fim de assegurar a todos uma vida digna, observado o princípio da defesa do meio ambiente.

O meio ambiente do trabalho é o local onde o trabalhador passa boa parte de sua vida, de maneira que há forte ligação entre a qualidade de vida com a qualidade daquele ambiente (SILVA, 2013, p. 23). Neste mesmo sentido Silva e Pereira (2013, p. 26) corroboram: “o ser humano passa a maior parte de sua vida no trabalho, por isso há uma necessidade importante de o Direito, em geral, proteger este ambiente”.

Sobre este tema existe previsão no artigo 4º da Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho (ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 1.254/94). Vejamos:

Todo membro deverá, em consulta com as organizações mais representativas de empregadores e empregados interessados, e considerando as condições e hábitos nacionais, formular e pôr em prática, reexaminando periodicamente, uma política nacional coerente, em matéria de seguridade e saúde dos trabalhadores, e meio ambiente do trabalho. Esta política terá por objetivo prevenir os acidentes e os danos para a saúde, consequentes do trabalho, reduzindo ao mínimo, na

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medida da razoabilidade, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente do trabalho.

Carvalho et al. (2013, p. 90) conclui: “portanto, não

restam dúvidas de que ter um ambiente de trabalho sadio é um direito do empregado, bem como um dever do empregador garantir esse ambiente de trabalho sadio, e de toda a sociedade atentar para esse grave problema”.

Leite (2003, p. 288-289) afirma que se deve superar a concepção tradicional de meio ambiente do trabalho, que é aquela que o define somente sob a perspectiva da medicina, higiene e segurança do trabalho. Para o autor:

A concepção moderna de meio ambiente do trabalho, portanto, está relacionada com os direitos humanos, notadamente o direito à vida, à segurança e à saúde. Esses direitos, na verdade, constituem corolários dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da cidadania.

Desta forma, verifica-se que a proteção do meio

ambiente do trabalho visa à proteção do próprio trabalhador, abrangendo sua integridade física, psíquica e moral, pois ele não pode ser visto como mero fator de produção e substituível. Outrossim, trata-se de um ser humano de caráter único, o qual deve ter seus direitos mínimos garantidos e protegidos, tanto no âmbito nacional quanto internacional. 4.4 O DUMPING SOCIAL

O Dumping Social é uma prática utilizada pelas

empresas em decorrência da economia globalizada e da forte concorrência. Busca-se maior lucro em detrimento das garantias dos trabalhadores, diminuindo-se os custos de produção através do desrespeito às normas trabalhistas.

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Manus (2014, p. 113), expressa sua opinião ao afirmar que a globalização não é benéfica para os trabalhadores uma vez que “[...] o capitalismo sempre impõe medidas que preservem e aumentem o lucro, o que importa, sempre, em diminuir os custos da mão de obra e, por consequência, agravar as condições de trabalho”.

Neste sentido Mayorga e Uchoa (2014, p.96-97), salientam:

Os novos mecanismos utilizados pelas empresas à luz de uma economia globalizada deram lugar ao termo conhecido como Dumping Social, que vem a caracterizar as práticas adotadas por algumas empresas multinacionais para obterem maiores benefícios e menores custos de produção a partir do desrespeito aos direitos e garantias trabalhistas, internacionalmente reconhecidos.

Diante do atual cenário, de uma economia

globalizada, grandes empresas multinacionais buscam se instalar em países onde possam ter mais lucros em detrimento dos direitos trabalhistas. Foi neste contexto que começou-se a utilizar o termo “Dumping Social”.

A definição de Dumping Social originou-se do conceito de Dumping (BARZOTTO, 2007, p. 57). Este último instituto é uma prática desleal de comércio internacional, o qual, segundo a autora, “[...] ocorre quando o preço e a exportação de um produto é inferior àquele normalmente praticado: quer dizer, quando uma empresa vende um produto no mercado estrangeiro por menos do que seu custo de produção, ou o preço que pratica em seu mercado local ou doméstico”. Já o Dumping Social, também diz respeito a baixos preços, porém, estes são obtidos em decorrência da violação de direitos trabalhistas.

Para Souto Maior, Mendes e Severo (2014, p. 22): O “dumping social”, assim identificado como a prática reincidente, reiterada, de descumprimento da legislação

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trabalhista, como forma de possibilitar a majoração do lucro e de levar vantagem sobre a concorrência, ainda que tal objetivo não seja atingido, deve repercutir juridicamente, pois causa grave desajuste em todo o modo de produção, com sérios prejuízos para os trabalhadores e para a sociedade em geral.

A respeito do tema, Grieco (2001, p. 24) salienta

que este instituto está “[...] relacionado a menores custos da produção, como consequência de baixos salários e menos proteção social concedida a trabalhadores menores ou semi-escravos”. Por sua vez, Di Sena Júnior (2008, p. 94) colabora com a seguinte definição de Dumping Social:

A ideia parte do princípio de que alguns produtos são baratos devido à utilização de mão-de-obra escrava ou infantil, aos salários irrisórios, por negarem direitos essenciais aos trabalhadores (como o direito de greve, de organização e de negociação coletiva) ou por submeterem-nos a situações precárias de trabalho.

Nascimento (2011) atenta que não é tarefa fácil a

prova de que a empresa se utiliza desta prática, e considera dois aspectos:

Primeiro [...] é preciso demonstrar que uma empresa praticou dumping social com a finalidade de rejeitar o sistema jurídico vigente ou de utilizá-lo de modo abusivo, o que nem sempre é muito fácil. Em segundo lugar é preciso realçar que o dumping social não é um fenômeno originariamente interno a um país. A sua aplicabilidade exige, quase sempre, uma relação entre o que se faz em mais de um país. Sem citar exemplos correntes de todos conhecidos, a economia de um país pode revitalizar-se com o dumping social, o que é indesejável na medida em que sejam sacrificados os direitos do trabalhador.

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Becerra (2011, p. 232) sustenta que “no caso de Dumping Social, contudo, o que se negocia é a dignidade do ser humano, pois o homem passa a ser visto como uma mercadoria a serviço dos interesses comerciais das grandes transnacionais”. Transgride-se, desta forma, um direito fundamental do trabalhador, que é o direito ao meio ambiente do trabalho sadio. Como já dito, o homem passa a maior parte da sua vida no trabalho, de modo que uma vez prejudicado em seu labor, prejudica-se a sua própria dignidade.

Neste contexto, o Ministério Público do Trabalho ajuizou Ação Civil Pública nº 0000798-13.2013.5.05.0463 contra a empresa Itabuna Textil S/A, mais conhecida pelo seu nome de fantasia Trifil. A senteça, de 27 de maio de 2014, condenou a empresa ao pagamento de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) por danos morais coletivos em razão da prática do Dumping Social1. Segundo consta da decisão, desde 2005 o Ministério Público do Trabalho vinha constatando diversas irregularidades, ou seja, o descumprimento da legislação trabalhista, em especial no que tange às normas de saúde, segurança e medicina do trabalho. A partir de então, foi firmado Termo de Ajuste de Conduta, porém, a empresa referida continuou descumprindo as normas trabalhistas. Fato constatado no transcorrer dos anos, nas diversas fiscalizações no local, em que em todas as ocasiões foram constatadas a violação das disposições legais no que tange à proteção do trabalhador. Assim, a sentença expõe que a empresa optou de forma consciente e deliberada a priorizar o lucro em detrimento de um meio ambiente do trabalho hígido e seguro. Segundo o Juiz do Trabalho João Batista Sales Souza: “a conduta da empresa corresponde,

1 Sentença disponível em: <https://pje.trt5.jus.br/consultaprocessual/pages/consultas/DetalhaProcesso.seam?p_num_pje=13780&p_grau_pje=1&popup=0&cid=745>

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sob o ponto de vista econômico, a algo que se convencionou denominar de Dumping Social”.

De fato, o Dumping Social é uma prática consciente e reiterada de infração aos direitos sociais dos trabalhadores internacionalmente reconhecidos, que gera um dano a toda sociedade, pois além do aspecto laboral, configura-se uma concorrência desleal perante as empresas cumpridoras da lei. Trata-se da busca predatória por lucros, explorando pessoas em condições vulneráveis em total prejuízo à dignidade do ser humano.

4.5 O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

Diante da conjuntura política e econômica mundial,

tem ganhado força o papel das Organizações Internacionais para a resolução de problemas globais. Assim, será estudado neste tópico a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial do Comércio (OMS) pois se trata de matéria que diz respeito tanto à esfera trabalhista quanto à concorrência desleal.

4.5.1 A Organização Internacional do Trabalho - OIT

A OIT é uma agência das Nações Unidas, que foi

criada em 1919 pelo Tratado de Versalhes. Possui sede em Genebra, na Suiça, e nasceu com o objetivo de promover a paz mundial atrelada à justiça social.

Sobre a origem desta Organização, Souto Maior, Mendes e Severo (2014, p. 23) relatam:

Das pressões internacionais surgiram normas protetivas, não só dos trabalhadores, mas especialmente do comércio internacional, no entanto, com grande pressão para que estas normas fossem integradas às legislações internas de cada país. Essas preocupações ecoaram fortemente no Tratado de Versalhes, que em 1919 deu origem à OIT.

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Desta forma, a OIT influencia na elaboração de

legislações trabalhistas e na adoção de políticas sociais e econômicas. Outrossim, tem por objetivo promover o trabalho decente e produtivo (OIT, 2015):

O Trabalho Decente, conceito formalizado pela OIT em 1999, sintetiza a sua missão histórica de promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.

Verifica-se através desta concepção, que se busca

promover o bem estar e garantir uma vida digna aos trabalhadores. Conforme Alves (2010, p. 337) , “a definição de trabalho decente está relacionada, em sua essência, à afirmação da dignidade da pessoa humana do trabalhador”.

Mayorga e Uchoa (2014, p. 101) explanam que “[...] a OIT desponta como a principal instituição encarregada das questões trabalhistas, visando o desempenho de uma função integral na busca da justiça social e, sobretudo, da qualidade de vida através de uma vida digna”.

As normas internacionais do trabalho são geradas a partir das convenções e recomendações elaboradas pela OIT. As primeiras, após serem ratificadas por um país, passam a integrar seu ordenamento jurídico. Por sua vez, as recomendações não estão sujeitas à ratificação, apenas sugerem diretrizes, possuindo caráter complementar, integrativo e interpretativo em relação às convenções (BARZOTTO, 2007, p. 88-89).

De acordo com Martins (2001, p. 74): normalmente, as convenções da OIT acabam estabelecendo um mínimo a ser observado pelos países

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que as ratificarem. Outras vezes são estabelecidas convenções que fixam princípios. É, porém, impossível estabelecer uniformidade de orientação internacional para os vários países, em razão da diversidade de questões culturais, históricas, geográficas, de desenvolvimento, daí por que a orientação do que seria o mínimo ou dos princípios básicos a observar.

As Convenções da OIT também não preveem

aplicação de sanção em caso de descumprimento das obrigações nelas contidas. Di Sena Júnior (2008, p. 187-188) dispõe que “a maior crítica feita à OIT é que ela não dispõe de instrumentos coercitivos para fazer valer suas próprias decisões. Em virtude dessa circunstância, propugna-se pela vinculação de padrões trabalhistas à seara comercial multilateral”. E complementa: “De fato, a OMC é uma das poucas organizações internacionais com capacidade de coagir os Membros a cumprirem suas decisões”.

Por conseguinte, em razão de não existir sanções no âmbito da OIT, em caso de inobservância das obrigações internacionais, aplica-se uma advertência por parte da Conferência aos respectivos Estados-membros, que se caracteriza mais por ser uma sanção de ordem moral do que efetivamente jurídica (MORENA, 2014).

Desse modo, a OIT tem a função de harmonizar as relações de trabalho, com o estabelecimento de normas internacionais, e assim promover a justiça social e o respeito aos direitos humanos, tal como a dignidade da pessoa humana no desempenho de seu labor. Lamentável, que não imponha, medidas coercitivas pelo não cumprimento de suas normas, principalmente, em questões de “dumping social”, que tanto pode contribuir para a dignidade humana.

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4.5.2 A Organização Mundial do Comércio (OMC) e a cláusula social

No dia 15 de abril de 1994, 117 representantes de

países assinavam em Marraqueche, Marrocos, a Ata Final da Rodada do Uruguai, criando, assim, a OMC em substituição ao GATT – General Agreement on Tariffs and Trade - Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (ALMEIDA, 1999, p. 215). Desta maneira, de 1947 até 1994, o GATT funcionou com o papel de conduzir as negociações relativas ao intercâmbio intenacional de mercadorias.

Conforme noticia Di Sena Júnior (2008, p. 42-43): Ao longo de sua existência como organização, o GATT promoveu oito rodadas, durante as quais o comércio internacional foi paulatinamente desgravado. Com a constituição da OMC durante a Rodada do Uruguai, as matérias antes tratadas no âmbito do GATT adquiriram maior organicidade e estabilidade, uma vez que a disciplina do comércio internacional passou a ser da competência de uma organização internacional formalmente constituída, com regras próprias, princípios específicos e pessoal permanente.

Verifica-se que a OMC sucedeu o GATT a fim de

ser um organismo mais sólido e eficaz. Acerca desta temática, Thorstensen (1999, p. 41) considera:

A OMC pretende ser a coluna mestra do novo sistema internacional do comércio, que se pretende mais integrado, mais viável e mais duradouro, fornecendo suas bases institucionais e legais. A estrutura legal da OMC engloba as regras estabelecidas pelo antigo GATT, mais modificações efetuadas ao longo dos anos, os resultados das negociações passadas de liberalização do comércio, além de todos os resultados da Rodada do Uruguai.

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Grieco (2001, p. 106), destaca que um dos papéis

fundamentais da OMC é “[...] a solução de disputas internacionais, pelo estabelecimento de processos merecedores de consenso e capazes de evitar imposições de grandes países ou blocos econômicos”.

Dentre diversas matérias, a OMC regula medidas antidumping (DI SENA JÚNIOR, 2008, p. 85), coibindo a situação em que “[...] a empresa exportadora pretensamente venderia seus produtos no mercado externo por preço inferior ao praticado internamente para, após eliminar os concorrente e conquistar o mercado, elevar unilateralmente os preços e auferir lucros monopolistas”. Contudo, não se pode incluir nesta regulamentação o Dumping Social (BARZOTTO, 2007, p. 58) pois, conforme já mencionado, são institutos diferentes, e não há qualquer menção a seu respeito no Acordo Antidumping da Rodada do Uruguai (AARU).

Di Sena Júnior (2008, p. 97), ensina que foi da discussão sobre Dumping Social, que se originou o conceito de cláusula social ou padrões trabalhistas, isto é, a inclusão de normas de proteção do trabalhador em tratados internacionais. Assim, a fim de coibir esta prática existente em diversos países, fala-se na inclusão no âmbito da OMC de uma cláusula social, a qual tem por objetivo a: “[...] regulamentação e suspensão de quaisquer vantagens, benefícios e concessões [...] feitos às importações, provenientes de nações com padrões trabalhistas de caráter servil, utilização de trabalho infantil ou semi-escravidão” (GRIECO, 2001, p. 24).

Contudo, não há consenso entre os países quanto à adoção desta cláusula. É o que explica Mayorga e Uchoa (2014, p. 108):

A proposta é liderada pelos países desenvolvidos que denunciam a prática de Dumping Social em países em desenvolvimento nos quais as empresas se instalam por conta da pouca ou ineficaz regulamentação em matéria

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de proteção ao trabalhador, auferindo vantagens no comércio mundial.

Grieco (2001, p. 24), aponta que desde a criação

da OMC iniciou-se o debate acerca da cláusula social, sendo que Estados Unidos e França lideram a defesa pela sua implantação. Segundo o autor, na primeira conferência da OMC ocorrida em dezembro de 1996, em Cingapura, os países asiáticos, principalmente Índia e Paquistão, reagiram incisivamente contra a sua implantação.

O receio é de que a exigência de padrões trabalhistas, com a imposição de sanção comercial, levaria ao protecionismo, favorecendo os países desenvolvidos. Esta é a opinião de Grieco (2001, p. 24):

A cláusula social [...] na prática, pela sua feição impositiva e arbitrária poderá levar a formas de protecionismo, uma vez que o método de aferimento penderá, inclusive, para o alto custo econômico e social de mão-de-obra dos países industrializados.

A respeito do assunto, Barzotto (2007, p. 149) faz

a seguinte análise: [...] se padrões trabalhistas ou “cláusulas sociais” fossem elaborados pela OMC, para serem aplicados no comércio internacional, o processo de normatização trabalhista não contemplaria a participação de todos os sujeitos (Estados, empregados e empregadores) interessados, o que geraria um “deficit” democrático desde o momento de confecção da norma que, num momento ulterior, poderia originar sanções ao país descumpridor.

Di Sena Júnior (2008, p. 187), esclarece,

outrossim, que os países em desenvolvimento não são contra a adoção de padrões trabalhistas mais elevados. Apenas discordam da maneira que se propõe que isto seja feito, de forma que a aplicação de sanções comerciais ao

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invés de melhorar a situação dos trabalhadores, poderiam prejudicá-los mais, levando-os ao desemprego e à miséria. Assim, uma vez punidos com sanções comerciais, os países teriam seu ciclo produtivo interrompido, e desta forma não teriam condições econômicas de realizar uma reforma para se adequar às condições de uma concorrência leal. É o que explica Barzotto (2007, p. 58-59):

Se sanções comerciais forem relacionadas a descumprimento de legislação laboral mínima, em tratados internacionais, e se um Estado for excluído do comércio internacional até que passe a atender essas condições de trabalho mínimas, ficaria sem os benefícios gerados pelo processo econômico comercial [...]. Teme-se que consequência de tratar questões sociais como instrumento de sanção, dentro da OMC, piorariam as condições sociais do país penalizado, gerando mais pobreza e exclusão, e não o contrário.

Por outro lado, os países desenvolvidos sentem-se

prejudicados pelos países que não adotam direitos trabalhistas mínimos, e desta forma, conseguem colocar no mercado produtos com preços mais baixos. Di Sena Júnior (2008, p.119), pondera que o argumento favorável mais consistente “[...] é o que identifica os padrões laborais como direitos humanos”.

Neste sentido Alves (2010, p. 329) defende “[...] a necessidade, no universo laboral, do estabelecimento de padrões universais de proteção do trabalho, a serem seguidos e observados por todas as nações do mundo”. Ainda, segundo o autor (ALVES, 2010, p. 335), “A definição e o reconhecimento de um conjunto de padrões mínimos de condições de trabalho, no âmbito global, correspondem à valorização verdadeira do trabalho humano”.

Por fim, Amaral Júnior (2002, p. 317), sintetiza este tema em quatro dimensões principais:

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a) a preocupação com as práticas desleais de comércio; b) a busca de soluções que reduzam os níveis de

desemprego nas economias que sofrem as consequências do processo de globalização;

c) a expansão do desconforto ético e moral com a violação dos direitos humanos;

d) o temor de que tais argumentos favorecerão o protecionismo, afetando as exportações dos países em desenvolvimento.

Em que pese as diferentes posições, difícil é

vislumbrar uma saída para um assunto tão complexo, que envolve a dignidade do trabalhador no seu ambiente de trabalho numa ponta e o interesse de lucro das grandes empresas de âmbito global em outra, sem falar no impacto na economia de diversos países. Ambos os lados possuem fundamentos razoáveis, mas o certo é que a questão mais importante e que deve ser parâmetro para todas as medidas é a proteção do trabalhador.

4.6 O DUMPING SOCIAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS NOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Os direitos da personalidade são direitos subjetivos

de ordem física, psíquica e moral. A Constituição Federal (artigo 5º, inciso V e X) e Código Civil (artigos 11 ao 21) trazem um rol exemplificativo, tais como: o direito à vida, à honra, ao nome, à imagem, ao corpo, à privacidade, dentre outros.

Tratam-se, portanto de direitos fundados na dignidade humana, como bem ilustra Godinho e Guerra (2013, p. 181): “direitos da personalidade, como bem indica sua denominação, são direitos que decorrem da personalidade, preenchendo-a e conformando-a ao primado da dignidade da pessoa humana”.

Bittar (2000, p. 1), define os direitos da personalidade como

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[...] os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos.

Desta forma, após analisar o Dumping Social,

verifica-se que esta prática transgride os direitos da personalidade do trabalhador, na medida em que as empresas, com o intuito de redução de custos, deixam de oferecer um meio ambiente de trabalho sadio e seguro, além de suprimir outros direitos básicos, o que acaba por gerar danos de ordem física, psíquica e moral.

A este respeito Schmidt (2010, p. 469), considera que, pelo contrário, as empresas aumentariam a produtividade e evitariam maiores despesas com rupturas de contrato e acidentes se investissem em melhores salários e melhores condições de trabalho. Veja-se:

Por outro lado, tem sido constatado que o respeito às normas internacionais do trabalho, apesar de trazer aumento de custos para as empresas e governos tem contribuído para o aumento da produtividade e dos resultados econômicos. Maiores salários e melhores condições de trabalho, com liberdade sindical e diálogo social, podem por exemplo, colaborar para um ambiente de trabalho mais harmônico, com trabalhadores mais satisfeitos e saudáveis. O turn-over pode diminuir, o que suaviza os custos com ruptura de contratos e treinamento de pessoal, por exemplo. O controle dos acidentes e doenças do trabalho também engendra menor risco e menores despesas para as empresas.

Assim, os direitos da personalidade são

considerados essenciais à pessoa humana, uma vez que resguardam sua dignidade (GOMES, 2001, p. 148). São direitos que não devem ser esquecidos diante desta nova

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realidade econômica mundial, pois o trabalho faz parte da vida do homem e é por meio dele que o ser humano se projeta na sociedade. Nessa linha, Novak (2011, p. 120) declara: “o sujeito do trabalho, o ser humano, necessita dele para firmar-se inclusive como cidadão participante da sociedade em que vive [...]”.

Neste contexto, Moraes (2012, p. 278), expõe apropriadamente:

O trabalho é peça importante para a sociedade, como meio de crescimento tecnológico, econômico e social, porém é ainda mais importante para cada pessoa individualmente, pois através dele esta descobre seu valor existencial, aprende a noção de respeito através da socialização, mantém o seu sustento, ou seja, o trabalho é essencial para a dignidade do homem, e consequentemente para o exercício de todos os outros direitos advindos da sua condição humana.

Portanto, o ser humano só se realiza de maneira

plena quando “[...] além de respeitados seus direitos da personalidade (dimensão individual), consegue inserir-se de fato em sua comunidade, garantindo a si e à sua família uma existência digna (dimensão social)”. (MIRAGLIA, 2010, p. 105).

Manus (2014, p. 47), contribui com o seguinte entendimento:

O respeito à dignidade de cada pessoa significa não macular os atributos de sua personalidade, como a vida privada, a imagem, a honra, a intimidade. Significa, além de assegurar o exercício dos direitos sociais, o direito ao trabalho, ao lazer e demais garantias sociais, respeitar os valores éticos e morais, que são inerentes a todo cidadão.

Perante as práticas lesivas ao valor social do

trabalho e aos princípios da livre concorrência, situa-se a violação da dignidade do ser humano. Depois de tanta

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evolução tecnológica, a maior conquista para a humanidade seria o homem poder desempenhar seu labor em um ambiente sadio e equilibrado, e com todos os direitos já previstos em diversos diplomas nacionais e internacionais sendo plenamente garantidos e aplicados.

4.7 PROPOSTAS

Diante dos problemas sociais acima estudados e

tendo em vista a dificuldade de resolução desta situação por parte dos governos, a responsabilidade social deve ser cobrada das empresas, também, por toda a sociedade. Assim como existe uma crescente preocupação do consumidor e das empresas em prol da sustentabilidade e da natureza (como sacolas plásticas biodegradáveis ou venda de produtos vinculados à plantação de árvores), destacar-se-á no mercado a corporação que adotar plenamente valores sociais ao longo da sua cadeia produtiva.

Outra mudança de hábito da sociedade de fácil constatação é que, atualmente, os consumidores tem preferência em adquirir produtos com melhor desempenho energético, ou seja, certificado pelo Selo Procel de Eficiência Energética. Logo, entende-se necessário e urgente haver um trabalho de conscientização das pessoas para consumirem, por exemplo, marcas de roupas que não se utilizam de mão-de-obra escrava ou infantil na sua linha de produção. E além do mais, isto pode ser um diferencial no mercado para as empresas, como estratégia de marketing, atrelar a sua marca com o pleno respeito à dignidade de seus trabalhadores.

Entende-se que um trabalho de divulgação e conscientização para que os consumidores prefiram produtos das empresas que possuam a norma internacional SA 8000 (Social Accountability 8000) possa ser um estímulo a um mercado mais justo. Mas o que é a SA 8000? É uma norma internacional desenvolvida pela

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Social Accountability International (SAI), organização não-governamental, que certifica as empresas que garantam direitos básicos dos trabalhadores (PEREIRA; CRUZ, 2007).

Desta maneira, trata-se de uma ferramenta de responsabilidade social empresarial, baseada na Declaração dos Direitos Humanos e nas convenções da OIT, buscando proteger os direitos humanos básicos dos trabalhadores. Possui nove requisitos que devem ser cumpridos, os quais dizem respeito ao trabalho infatil; ao trabalho forçado; ao meio ambiente de trabalho seguro e saudável; à liberdade de associação e ao direito à negociação coletiva; à discriminação; à práticas disciplinares; à jornada de trabalho; à remuneração; e à adoção de um Sistema de Gestão (SOCIAL ACCOUNTABILITY INTERNATIONAL, 2014).

Trata-se de despertar para uma nova consciência e não é uma tarefa fácil. Pode ser que um consumidor mais crítico e responsável seja um novo nicho de mercado, no qual as empresas procurem ser transparentes no seu processo de produção (inclusive se responsabilizando pelo modo de produção das empresas terceirizadas), para que as pessoas saibam as origens daquele produto adquirido, e quem sabe, assim, possamos viver num mundo onde a sustentabilidade social entre na moda! A única certeza que se tem é que os trabalhadores não podem mais continuar sendo vítimas deste “moderno” sistema de exploração.

Se os Sindicatos fossem fortalecidos com novos modelos sindicais que lhes atribuíssem mais legitimidade, também seria uma forma de evitar tantos desrespeitos aos direitos trabalhistas. O próprio Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho, que, também, poderiam dar a sua contribuição, sempre atentos às empresas que praticam “dumping social”.

Não se pode deixar de insistir, também, no fortalecimento da OIT, que ainda mais apropriada que a OMC, poderia aplicar sanções, mas com aviso prévio, estabelecendo um prazo para que os Países que

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estiverem no rol daqueles que praticam o “dumping social”, possam reorganizar seu sistema de produção, especialmente, os considerados emergentes, aplicando espécie de termo de ajuste de conduta, antes da sanção. Estas medidas, são propostas possíveis e poderiam ter eficácia para evitar desrespeitos aos direitos fundamentais dos trabalhadores, no tocante ao tema em questão.

4.8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação de trabalho faz parte da vida das

pessoas, as quais dedicam suas horas mais úteis ao trabalho. Foi constatado na primeira seção deste artigo que, em todas as áreas, o meio ambiente deve ser harmônico e equilibrado. Da mesma maneira, o local onde se desempenham as atividades laborais também devem ser adequado, sadio, decente.

Neste contexto, analisou-se que a prática do Dumping Social coloca os trabalhadores em situações extremas, seja com salários baixos, com longas jornadas de trabalho, utilizando-se de mão-de-obra infantil, em lugares insalubres, perigosos, sem qualquer proteção e garantias trabalhistas, sem falar nos abusos psicológicos.

Foi exposto que se trata de um fenômeno mundial, pois, através da globalização, as multinacionais passaram a instalar suas fábricas em países pobres ou em desenvolvimento, nos quais conseguem se utilizar desta manobra. Assim, analisou-se a função da Organização Internacional do Trabalho, que, apesar de regular as relações de trabalho, influenciando as nações a adotarem legislações protetivas ao trabalhador e promovendo a justiça social, não dispõe de um Tribunal ou meios de coerção para fazer cumprir suas determinações, as quais possuem mais um valor moral, que efetivo. Quanto à Organização Mundial do Comércio e a proposta de implantação de uma cláusula social em seu âmbito, já que esta organização dispõe de poder coercitivo no cenário

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global, verificou-se que, a proposta de cláusula social visa a combater o Dumping Social com a imposição de uma sanção comercial, porém, não há consenso entre os países.

Os direitos da personalidade dos trabalhadores são afetados, sobretudo no que tange a sua dignidade. Por fim, propõe-se eleger a responsabilidade social como valor a ser adotado por todos, pelas grandes empresas e pela sociedade que consomem seus produtos, aliando-se um consumidor consciente como agente transformador da sociedade a empresas que adotem verdadeiramente os valores sociais e um modelo de transparência em todas as suas etapas de produção, sem dispensar, concomitantemente, as ações dos Sindicatos, renovados por um modelo que se traduza em maior legitimidade e representatividade para contribuir fiscalizando e orientando as empresas que praticam o “dumping social, bem como o Ministério Público do Trabalho, dentre outros órgãos fiscalizadores, como o Ministério do Trabalho. Ademais, com a possibilidade de aplicar sanções pelo descumprimento das normas internacionais, a OIT, com razoabilidade, sempre concedendo um período para o País se organizar, uma espécie de termo de ajuste de conduta, mas internacional. Assim, com algumas medidas colocadas em prática, poder-se-ia vencer a inação diante de graves casos de “dumping social”, a fim de garantir a dignidade do trabalhador.

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- V -

ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL VIRTUAL: POSSIBILIDADE JURÍDICA E/OU NECESSIDADE DE

REGULAMENTAÇÃO

Ariane Prado Silva* Thomaz Jefferson Carvalho**

5.1 INTRODUÇÃO

Ao longo do tempo a sociedade sofreu, e ainda

sofre transformações de inúmeras dimensões. Dentre elas, a tecnologia tem ganhado destaque, já que, dada sua praticidade e celeridade, tem ocupado e otimizado os espaços e as relações pessoais e jurídicas. Mais especificamente, a internet, tem ganhado tamanha dimensão nessas relações de forma a modificar antigos costumes e atitudes.

Hoje se convive com estabelecimentos, exclusivamente virtuais, e que são capazes de satisfazer nossas necessidades quase que da mesma forma que um ambiente físico.

Com o atual avanço da tecnologia, as relações jurídicas podem ser virtuais, passíveis de mesma

* Acadêmica do Curso de Direito do UNICESUMAR – Centro Universitário Cesumar, Maringá-PR. Endereço eletrônico: [email protected]. ** Professor orientador. Mestre em Ciências Jurídicas pelo UNICESUMAR. Pós graduando lato sensu em Direito do Trabalho pela Universidade Castelo Branco, em Metodologia do Ensino Superior pela UNOPAR. Professor universitário nas cadeiras de Direito Empresarial e Direito Constitucional. Advogado e Presidente da Comissão de Direito Eletrônico da OAB/Maringá.

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validação que as físicas. Nesse sentido, temos no âmbito jurídico o surgimento de novas demandas, que requerem novas soluções, novas práticas e novas características.

O estabelecimento virtual surge como um novo canal de vendas por meio do qual se concretiza o comércio eletrônico, ou seja, a compra e venda de produtos realizada no âmbito da internet.

Justamente por se tratar de uma nova realidade é que as Ciências Jurídicas buscam regulamentar e validar os atos e consequências decorrentes do âmbito virtual. Nessa perspectiva é que se busca angariar conceitos, natureza jurídica e características desses institutos.

Por isso, ao longo do presente trabalho, buscar-se-á ponderar os conceitos tradicionais do estabelecimento físico junto ao estabelecimento virtual, a fim de se consagrar segurança jurídica às relações interpessoais.

Ademais, apresentar-se-á o posicionamento dos doutrinadores, bem como a exposição de motivos para a criação de uma legislação específica, haja vista o ambiente virtual e suas derivações apresentarem certas peculiaridades e que merecem a atenção do operador do Direito sendo certo que a disciplina do Código Civil é razoavelmente suficiente para atender as demandas eletrônicas.

5.2 CONCEITO DE ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

O direito empresarial passou por inúmeras

transformações até chegar à configuração que se tem hoje. Sabe-se que seu surgimento se deu desde as primeiras negociações quando do surgimento do escambo ou da troca. As pessoas precisavam circular suas produções e por esses meios, ainda que primitivos, faziam suas negociações.

Posteriormente, as negociações passaram a ser com objetos de valor e pedras preciosas e ainda mais a frente passou para a fase monetária, com moeda corrente.

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Atualmente vigora o princípio da especialização, segundo o qual o sujeito torna-se especialista em determinado produto ou serviço.

Deste modo, verifica-se que, no Brasil, era conhecido como direito comercial já que regulava a relação entre comerciantes, de maneira que sua legislação se encontrava no Código Comercial de 1850. Atualmente o Código Civil de 2002, em seu Livro II, da parte especial, revogou os artigos 1º ao 456 do Código Comercial.

O direito civil e direito comercial são matérias distintas, de maneira que cada uma merece ser estudada de modo separado, mas que estão entrelaçadas e relacionadas a todo tempo, afinal, os dois regulam as relações jurídicas na ordem privada.

Para Alfredo de Assis Gonçalves Neto: Não é o direito comercial ou empresarial, portanto, um direito estático, destinado a regular as relações jurídicas que envolvem um determinado setor da economia [...]. É, ao contrário, um direito dinâmico tutelando situações jurídicas derivadas de um sistema econômico que se modifica ao longo da evolução da própria economia.1

Nessa perspectiva, a questão do ponto comercial

se torna relevante, isto porque trata da localização física ou o lugar do comércio, que abrange os bens corpóreos (aqueles que se caracterizam por ocupar espaço no mundo exterior) e os bens incorpóreos (coisas imateriais, resultado da elaboração abstrata do ser humano).2

No Código Civil em seu artigo 1.142, “considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para

1 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1195 do Código Civil / Alfredo de Assis Gonçalves Neto. 4. ed., rev., atual. eampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 39. 2 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, 1 volume/ 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 333/ 334, passim.

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exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.3

A doutrina desenvolve seu entendimento nesse sentido, ao considerar o estabelecimento como uma organização de diversos fatores, sejam eles materiais ou imateriais (a título de exemplo: capital, mão-de-obra, matéria-prima, organização e disposição dos bens, estoque, mercadoria, mobiliário, registro do nome, tecnologias, ponto, dentre outros), a fim de que se possa cumprir o objeto/ contrato social e em contrapartida possibilitar retorno financeiro ao empresário que se propôs a atuar naquele tipo de atividade, oferecendo bens e serviços aos consumidores.

Para Fabio Ulhoa Coelho, estabelecimento empresarial “é o conjunto de bens reunidos pelo empresário para a exploração de uma atividade econômica”.4

Rubens Requião assevera ao analisar o conceito de estabelecimento:

Compõe-se o estabelecimento comercial de elementos corpóreos e incorpóreos, que o empresário comercial une para o exercício de sua atividade. Na categoria dos bens, por outro lado, é classificado como bem móvel. Não é consumível nem fungível, apesar da fungibilidade de muitos elementos que o integram. Sendo objeto de direito constitui propriedade do empresário ou da sociedade empresária, que é o seu dono, sujeito do direito.5

3 BRASIL. Código Civil de 2002. VadeMecum Saraiva/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 17. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014. 4 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa/ 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014. p. 165. 5 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, 1 volume/ 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 326

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Note-se que os bens devem estar organizados e

em funcionamento e devem possuir valor econômico superior aos bens isoladamente. Além disso, são figuras distintas o empresário, que é o sujeito de direito e a empresa que é a atividade econômica explorada.6

No que tange a sua natureza jurídica, de acordo com Waldo Fazzio Júnior,

Se a unidade complexa de coisas destina-se a um fim conforme a vontade do legislador, estamos diante de uma universalidade de direito (universitas juris). No entanto, se a destinação é determinada pela vontade de seu dono, trata-se de uma universalidade de fato ( universitasrerum ou universitasfacti).7

Nesse sentido, o estabelecimento é uma

universalidade de fato, haja vistanão ser sujeito de direito e sim uma coisa. Em outras palavras vale dizer que o estabelecimento não integra os polos passivos ou ativos de uma relação jurídica, constitui-se apenas de bens materiais e imateriais. Além disso, esse conjunto de bens é organizado por vontade do empresário para que possa exercer sua atividade.

Ademais, apresenta características próprias de forma a constituir um complexo de bens organizados para o exercício da atividade. Trata-se de uma parte integrante do patrimônio da sociedade e não um bem isolado.

Em suma, trata-se o estabelecimento empresarial de uma conjuntura ou agrupamento organizado de elementos materiais e imateriais que possibilitam ao empresário exercer uma atividade de modo a auferir lucro.

6 COELHO, Fabio Ulhoa, op cit., p. 167. 7 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 15 ed. – São Paulo: Atlas, 2014.p. 68.

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5.2.1 conceito de estabelecimento virtual Os avanços tecnológicos propiciados pelo

desenvolvimento e aprimoramento do computador possibilitaram a criação de uma rede mundial que interliga vários computadores e possibilita a comunicação entre as pessoas mesmo que elas não estejam num mesmo espaço físico.

Temos então: A denominada Internet – “International Net” – ou, no vernáculo, rede internacional, que nada mais é que a interligação de vários computadores em várias redes ligadas internacionalmente, as quais permitem a comunicação entre pessoas e a livre circulação de informações de qualquer espécie [...].8

O acesso de milhões de pessoas a rede de

computadores possibilitou ao empresário exercer sua atividade empresarial de maneira diferente da tradicional de forma a aumentar seu lucro e diminuir custos vez que poderia realizar um grande número de negócios sem ter de aumentar sua estrutura física e ainda mais, sem aumentar o custo operacional.

Desta forma, dá-se o surgimento do comércio eletrônico de modo que este, por ser um novo canal de vendas, possibilita ao consumidor uma nova maneira de manifestar a sua vontade por meio da transmissão eletrônica de dados, estabelecendo, portanto, o estabelecimento virtual. Em outras palavras, significa dizer que o consumidor/adquirente não mais precisa se deslocar até o estabelecimento físico para que adquira determinado produto ou serviço.

8 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Contrato eletrônico no novo Código Civil e no Código do Consumidor– Barueri, SP: Manole, 2004.p. 12.

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A sociedade moderna se vê diante do comércio

eletrônico, entendido como a venda de produtos (virtuais ou físicos) ou a prestação de serviços em que a oferta e o contrato são feitos por transmissão e receptação eletrônica de dados. O comércio eletrônico realiza-se no ambiente da rede mundial de computadores.9

No que tange ao comércio eletrônico é de se ressaltar que o empresário, ainda que atue exclusivamente no âmbito virtual, seguirá a exploração da atividade econômica reunindo bens tangíveis e intangíveis, de modo que a “imaterialidade ínsita ao estabelecimento virtual não se refere aos bens componentes (que são materiais ou não, como em qualquer estabelecimento), mas à acessibilidade”.10

Assim, a virtualidade decorre da localização do ponto empresarial, que neste caso, está alocado numa página virtual que pode ser acessada por meio da internet.11

Por isso para o estabelecimento virtual, a transmissão de dados é essencial, visto que por meio dela é que é possível a produção de efeitos, tanto no âmbito real quanto jurídico.12

A publicidade torna-se para este instituto como a grande responsável de atrair e difundir seu funcionamento entre o maior número de pessoa sem potência para as

9 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa/ 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.p. 48.v.3 10 Ibidem, p. 50. 11 Tomedi, Guilherme Dorigo. A efetividade da tutela jurisdicional em relação aos estabelecimentos comerciais eletrônicos. Disponível em: <http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/viewFile/796/609> Acesso em: 24 set. 2014. 12 Malosá Junior, Francisco Carlos. A realidade virtual como elemento transformador do estabelecimento empresarial tradicional. Disponível em:< http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/francisco_carlos_malosa_junior.pdf> Acesso em: 24 set. 2014.

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compras.13Além disso, a velocidade com que as informações são repassadas dá poder a este instituto, e acaba por encantar e envolver até os mais conservadores.

Sabe-se que a internet está sendo capaz de, atualmente, modificar diversas práticas comerciais de modo que uma empresa pode atuar brilhantemente no mercado sem, por exemplo, ter um espaço físico, mercadorias em estoque, repositores, dentre outros. Sua praticidade permite que o site possa funcionar todosos dias da semana, sem qualquer limite de horário, contando com apenas um funcionário. 14

No que tange a natureza jurídica, do estabelecimento, seja físico ou virtual, Maria Eugênia Reis Finkelstein, “considera não haver diferenças entre ambos. A peculiaridade de cada um é basicamente a maneira como se tem acesso aos produtos ou serviços.”15

Fabio Ulhoa Coelho partilha da mesma ideia ao afirmar: “O estabelecimento eletrônico, em suma, possui idêntica natureza jurídica que o físico [...]”.16

Deste modo considerando o estabelecimento virtual como o meio pelo qual o empresário exerce sua atividade no ambiente virtual, em conjunto ou não com um estabelecimento físico, temos que tal instituto possui características próprias e que estão sendo incorporadas ao ambiente jurídico gradativamente, de modo que ao longo do tempo se terá uma regulamentação específica

13 Tomedi, Guilherme Dorigo. A efetividade da tutela jurisdicional em relação aos estabelecimentos comerciais eletrônicos, op cit. 14 Tomedi, Guilherme Dorigo. A efetividade da tutela jurisdicional em relação aos estabelecimentos comerciais eletrônicos. Disponível em: <http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/viewFile/796/609> Acesso em: 24 set. 2014. 15 Maria Eugênia Reis FinkelsteinapudTarcisio Teixeira. Curso de direito e processo eletrônico: doutrina, jurisprudência e prática – São Paulo: Saraiva, 2013. p.158. 16 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa/ 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014. p. 50.v.3

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dada sua importância no convívio social e na maneira como as pessoas se relacionam.

Ademais, faz parte do estabelecimento, o aviamento, que nas palavras de Waldo Fazzio Júnior trata-se da “aptidão do estabelecimento para gerar lucros, decorrente da boa organização dos seus elementos integrantes.”17

Nesse sentido, considera-se que o aviamento pode agregar valor ao estabelecimento e na medida em que a página virtual tenha grande acesso ou vultuoso conhecimento por parte dos clientes, percebe-se que isso aumentaria o valor de seu trespasse inclusive.

5.2.2 Proteção jurídica

A internet encurtou distâncias e possibilitou que as

pessoas pudessem estar mais próximas, ainda que em lugares diferentes e nas mais diversas localidades.

O comércio eletrônico surge como nova forma de se comercializar produtos e serviços que até então encontravam obstáculos principalmente de localidade geográfica. A internet tornou possível inovar e ampliar as oportunidades de negócios às pessoas.18

As relações sociais entre os sujeitos estão sendo modificadas considerando que hoje a internet esta presente na maioria das casas e contribui significativamente de forma a aproximar as mais diversas culturas existentes no mundo. A facilidade propiciada pela simples conexão de um computador à rede mundial é capaz de possibilitar ao ser humano estar em diversos

17 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 15 ed. – São Paulo: Atlas, 2014. p. 79. 18 Malosá Junior, Francisco Carlos. A realidade virtual como elemento transformador do estabelecimento empresarial tradicional. Disponível em:< http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/francisco_carlos_malosa_junior.pdf> Acesso em: 24 set. 2014.

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locais, em instantes, sem precisar sair do conforto de sua casa e com um simples click.19

Guilherme DorigoTomedi considera que “uma das características revolucionárias do universo virtual é a capacidade de reduzir consideravelmente a distancia entre aquele que busca um produto, um serviço ou uma informação, e o próprio objeto desejado”.20

Logo, é possível a ambos uma troca de informações mais ágil e com um leque de opções gigantesco.

Sobre a Internet preceitua Sheila Leal: Desse fenômeno, podem derivar duas consequências: o mundo virtual poderá representar um prolongamento da vida real, vinculado às instituições e estruturas sociais, ou poderá constituir-se em um mundo totalmente novo, cuja segregação não será apenas entre os que têm e os que não têm acesso à Rede – exclusão virtual -, mas que criará, paralelamente às instituições do mundo real, outras, baseadas em valores diferentes. 21

Os avanços e anseios sociais fazem com que os

institutos que regulam as relações entre os sujeitos estejam em constante transformação. Ainda que o Direito não consiga alcançar em pé de igualdade todas essas evoluções, faz-se necessário que ao menos esteja preparado para solucionar e regularizar as novas demandas que vão surgindo ao longo do tempo.

19 Tomedi, Guilherme Dorigo. A efetividade da tutela jurisdicional em relação aos estabelecimentos comerciais eletrônicos. Disponível em: <http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/viewFile/796/609> Acesso em: 24 set. 2014. 20 Ibidem. 21 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos eletrônicos: validade jurídica dos contratos via internet – São Paulo: Atlas, 2007.p. 30

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Já que, enquanto instrumento normatizador e

socializante, precisa abranger quaisquer situações que influenciam a vida em sociedade e atender os anseios de quem esteja sob sua jurisdição.

Nesse sentido torna-se imprescindível tratar da proteção dos estabelecimentos virtuais, bem como da formação de um parâmetro legal para que se configure segurança jurídica as relações interpessoais que não estão preocupadas com a existência ou não de leis, elas simplesmente estão acontecendo.22

Trata-se de uma adequação jurídico-social considerando que ao longo do tempo os conceitos e as características dos institutos são modificadas.

Além disso, torna-se imprescindível que as peculiaridades do ambiente virtual sejam incorporadas aos aspectos jurídicos, de modo que não pode ser um instituto alheio ao ordenamento, merecendo ser analisado e revisado.

De forma mais efetiva alguns pontos precisam ser considerados acerca da proteção jurídica, merecendo destaque o nome empresarial, a blindagem dos dados de maneira a dificultar o acesso por terceiros, atenção especial aos pontos virtuais, normas regulamentadoras quanto a publicidade, sanções civis e penais à quebra do sigilo digital e quantas mais bastarem para uma segurança efetiva.23

Francisco Carlos Malosá Junior, discorre acerca da segurança da transmissão dos dados, considerando que:

Faz-se necessário uma gama de recursos, que por objetivo fundamental na troca de informações das quais

22 Tomedi, Guilherme Dorigo. A efetividade da tutela jurisdicional em relação aos estabelecimentos comerciais eletrônicos. Disponível em: <http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/viewFile/796/609> Acesso em: 24 set. 2014. 23 Ibidem.

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muitas são confidenciais, prime pela segurança da transação. A questão da segurança nas transações eletrônicas via internet é tão fundamental como o próprio comércio em si, visto que ela serve de base para que as transações possam ter chance de ocorrer.24

Portanto, o aspecto da segurança nas operações

via internet, também configura-se de extrema importância, pois muitas vezes as informações transmitidas são confidenciais e precisam assegurar confiabilidade entre as partes envolvidas na transmissão, bem como, se necessário, tornar-se meios lícitos de prova.

É notório que atualmente se vive um momento de transição por conta das novas tecnologias que têm surgido tão rapidamente. Também é certo que sem uma legislação apropriada fica difícil aos interpretadores do Direito manterem certa homogeneização em suas decisões. No entanto, enquanto tais normas específicas não são formuladas, entende-se ser cabível aplicar por meio de analogia a legislação pertinente ao estabelecimento físico.25

Fica-se diante de uma insegurança jurídica quando se trata do ambiente virtual, isto porque a legislação vigente não acompanha com a mesma velocidade todas as relações atuais e por isso propicia graves lacunas.

Tal insegurança ainda é reforçada pela liberdade fundamentada conferida aos magistrados para decidirem de acordo com o caso concreto, que ao se depararem com

24 Malosá Junior, Francisco Carlos. A realidade virtual como elemento transformador do estabelecimento empresarial tradicional. Disponível em:< http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/francisco_carlos_malosa_junior.pdf> 25 Tomedi, Guilherme Dorigo. A efetividade da tutela jurisdicional em relação aos estabelecimentos comerciais eletrônicos. Disponível em: <http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/viewFile/796/609> Acesso em: 24 set. 2014.

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casos em que não há lei específica, usem suas convicções para decidirem, ocorrendo, por diversas vezes, decisões judiciais não homogêneas ou conflitantes.26

Considerando a análise de toda complexidade do estabelecimento vê-se que o mesmo merece ser revestido de proteção jurídica para que possa garantir tanto ao empresário quanto a seus credores uma relação justa e de confiança, de modo que os dois exerçam seus papeis e contribuam para o desenvolvimento social e econômico.27

Portanto, ante a todos os benefícios oferecidos por esta nova ferramenta e pela forma como se insere na sociedade se faz necessário a normatização.

5.3 DOMÍNIO DA INTERNET E O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

5.3.1 Conceito de Domínio

Nome de domínio “é a maneira pela qual um site,

seja este comercial ou não, se apresenta para fins de localização dentro da rede mundial de computadores.”28

Fabio Ulhoa Coelho elucida que O nome de domínio de um estabelecimento virtual cumpre duas funções: a de endereço eletrônico, que possibilita a conexão pela internete entre as máquinas do empresário e a do consumidor ou adquirente, e a de título do estabelecimento, que o identifica. Em vista da função de identificação, o nome de domínio (registrado

26 Ibidem. 27 Malosá Junior, Francisco Carlos. A realidade virtual como elemento transformador do estabelecimento empresarial tradicional. Disponível em:< http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/francisco_carlos_malosa_junior.pdf> Acesso em: 24 set. 2014. 28 Cinthia Obladen de Almendra Freitas, Antonio Carlos Efing (Orgs.). Direito e questões tecnológicas: aplicados no desenvolvimento social, p. 160.

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no NIC.br) não pode ter núcleo formado por expressão protegida como marca (registrada no INPI) por outro empresário.29

Note-se, então, que nome de domínio e marca são

institutos distintos. Importante também destacar que o registro do nome de domínio no NIC.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR) não tem a natureza constitutiva revestida pelo registro da marca no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial).30

Mesmo ante as diferenças o nome de domínio cumpre importante papel para o estabelecimento virtual já que é por meio dele que os usuários conseguem identificar o mesmo.

O nome de domínio é regulamentado pelo Comitê Gestor Internet do Brasil (CGI.br), ligado ao Ministério da Ciência e da Tecnologia, de modo que é o responsável por coordenar e integrar as iniciativas e serviços da Internet.31 Em sua resolução n. 1 de 15 de abril de 1998 estabelece as diretrizes para o registro e na resolução n.2 fixa como responsável para efetivação e processamento do registro a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).32

No que se refere ao NIC.br, este foi criado para implementar as decisões e os projetos do CGI.br, sendo considerado o braço executivo do Comitê. Dentre suas atribuições, merecem destaque:

29 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 3 : direito de empresa/ 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.p. 52. 30 Ibidem, p. 53. 31 NIC.BR – Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. Disponível em: <http://www.nic.br/sobre-nic/nicbr.htm> Acesso em: 12 de setembro de 2014. 32 Malosá Junior, Francisco Carlos. A realidade virtual como elemento transformador do estabelecimento empresarial tradicional. Disponível em:< http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/francisco_carlos_malosa_junior.pdf> Acesso em: 24 set. 2014.

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Estabelecimento empresarial virtual... // 173

o registro e manutenção dos nomes de domínios que

usam o <.br> , e a distribuição de números de Sistema Autônomo (ASN) e endereços IPv4 e IPv6 no País, por meio do Registro.br;

o tratamento e resposta a incidentes de segurança em computadores envolvendo redes conectadas à Internet no Brasil, atividades do CERT.br;

promover estudos e recomendar procedimentos, normas e padrões técnicos e operacionais, para a segurança das redes e serviços de Internet, bem assim para a sua crescente e adequada utilização pela sociedade.33

Quando da sua formação, o registro do núcleo do

nome de domínio precisa respeitar alguns requisitos básicos. O nome do estabelecimento virtual deverá apresentar um protocolo DNS (Domain Name System) seguido de dois TLDs (Top Level Domains). O de primeiro nível é quanto a natureza à atividade exercida por seu titular (no caso de atividade empresarial, “.com”), o de segundo nível é quanto ao país de origem ( no Brasil, “.br”).34

Para que o estabelecimento virtual possa atuar na rede a parte interessada deverá fazer o registro da inscrição na Junta Comercial que por sua vez fará uma busca para evitar a inscrição de razões sociais idênticas que posteriormente possam gerar conflitos e até mesmo confusão nos consumidores ou pessoas que acessam a página.35

33 NIC.BR – Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. Disponível em: <http://www.nic.br/sobre-nic/nicbr.htm>Acesso em: 12 de setembro de 2014. 34 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 3 : direito de empresa/ 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014. p. 52. 35 Balan Júnior, Osvaldo. Estabelecimento virtual, uma nova fonte de estudos. Disponível em:

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Em suma, tem-se no nome de domínio a exposição do estabelecimento virtual perante os usuários do ambiente virtual, possibilitando que os mesmos possam identificar os mais diversos estabelecimentos e com isso, possam realizar suas compras. 5.3.2 Do domínio e o direito de propriedade

No que tange a importância social da Internet e as

modificações que ela propicia ao longo do tempo é notório que por sua efetivação no Brasil ser recente, não há que se falar em doutrina ou legislação consolidada, sendo certo que isso deverá ocorrer ao longo dos próximos anos.

Entretanto, há de se destacar que algumas regras já estão em vigência e que merecem atenção, até que outras venham e as substituam ou as ratifiquem. É de se registrar que boa parte das regras ainda se encontram no âmbito administrativo.

Quando se fala em marca, há uma consolidação por parte da doutrina e da legislação, de modo que é entendida como “sinais visualmente perceptíveis (símbolos, figuras, nomes, emblemas etc.) utilizados para fins distintivos. Destinam-se a individualizar os produtos ou os serviços de uma empresa. Sua função é identificadora e informativa”.36

A propriedade das marcas é protegida pelaConstituição Federal, em seu art. 5º, XXIX e pela Lei infraconstitucional nº 9.279, de 14 de maio de 1996, responsável por regular a aquisição dos direitos de propriedade.37

<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/28659-28677-1-PB.pdf> Acesso em: 24 de setembro de 2014. 36 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 15 ed. – São Paulo: Atlas, 2014. p. 99. 37 Cinthia Obladen de Almendra Freitas, Antonio Carlos Efing (Orgs.). Direito e questões tecnológicas: aplicados no desenvolvimento social, p. 163.

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O art. 131, da lei supracitada dispõe “A proteção de

que trata esta Lei abrange o uso da marca em papéis, impressos, propaganda e documentos relativos à atividade do titular”.38

Vê-se então que a proteção do nome de domínio se enquadra no que se refere a marca, haja vista a doutrina aceitar que os textos e escritos da internet tem natureza jurídica de documento, bem como ser o nome de domínio, produto da inteligência e articulação de seu autor para formular sinais ou expressões e disponibilizá-las na internet.39

Neste sentido, Sendo os nomes de domínios parte integrante dos documentos digitais, eis que compõem o corpo de representação, indicação, referência e localização das informações postas à disposição na rede, cabe, por dever de lógica, considera-los com natureza jurídica de documento.40

É possível então, que o nome de domínio possa

receber a mesma proteção jurídica da marca, considerando-se suas peculiaridades e distinções.

A Resolução CGI.br/RES/2008/008/P, em seu Art. 1º, determina que um nome de domínio disponível para registro será concedido ao primeiro requerente que satisfizer, quando do requerimento, as exigências para o

38 BRASIL. Lei n. 9.279 de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Brasília, 14 de maio de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm> Acesso em: 08 de outubro de 2014. 39 Cinthia Obladen de Almendra Freitas, Antonio Carlos Efing (Orgs.), op cit., loc cit. 40 Ibidem, p. 164.

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registro do mesmo, conforme as condições descritas nesta Resolução.41 Nesta perspectiva,

O registro de domínios, nas categorias sob o .br, está disponível para pessoas físicas (CPF) e jurídicas (CNPJ) legalmente representadas ou estabelecidas no Brasil com cadastro regular junto ao Ministério da Fazenda. As condições para a prestação do serviço são baseadas na regulamentação vigente e regidas pelo Contrato. Além disso, o registro de um domínio não é permitido se houver domínio equivalente pertencente a outro titular.42

Neste contexto cumpre registrar que quando a

pessoa física ou jurídica adquire um domínio deve ser encaminhado a FAPESP comprovantes constitutivos, como contrato social ou estatuto, devidamente registrados. Dessa forma, a propriedade do nome de domínio será dada aquela pessoa que primeiramente assim o requerer, respeitando-se registros já preexistentes, a fim de que não haja confusão entre registros.

5.3.3 Marco civil e a legislação vigente

O ano de 2014, sem dúvidas, é de extrema

importância no âmbito do direito pátrio, mais especificamente no que tange ao direito eletrônico, haja vista consolidar, por meio da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, ou seja, o marco civil na internet.

Tem-se a exposição de seus motivos:

41 Comitê Gestor da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.cgi.br/resolucoes/documento/2008/008> Acesso em: 22 de setembro de 2014. 42 NIC.BR – Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. CNPJ: 05.506.560/0001-36. Disponível em: <http://registro.br/dominio/regras.html> Acesso em: 17 setembro de 2014.

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Estabelecimento empresarial virtual... // 177

A iniciativa partiu da percepção de que o processo de expansão do uso da Internet por empresas, governos, organizações da sociedade civil e por um crescente número de pessoas colocou novas questões e desafios relativos à proteção dos direitos civis e políticos dos cidadãos. Nesse contexto, era crucial o estabelecimento de condições mínimas e essenciais não só para que o futuro da Internet seguisse baseado em seu uso livre e aberto, mas que permitissem também a inovação contínua, o desenvolvimento econômico e político e a emergência de uma sociedade culturalmente vibrante.43

Tem-se o marco civil na internet como um

instrumento normativo que abrange os princípios implícitos no ordenamento jurídico pátrio com relação à matéria. Tal instrumento abrange garantias fundamentais como liberdade de expressão, comunicação, manifestação de pensamento, proteção da privacidade, proteção aos dados pessoais na forma da lei, preservação, garantia da neutralidade, estabilidade, segurança e funcionalidade da rede.44

O que se tem, hodiernamente, são os pequenos passos, que o Direito procura dar, de modo a regulamentar a Internet no Brasil.

Desta forma, como se vive uma fase de transição, somente daqui a algum tempo se dará conta se a legislação caminha de forma correta e consegue atender as necessidades da sociedade em geral, que neste caso em especial, contribuiu diretamente para que o projeto de

43 CGI.br e o Marco Civil da Internet. PUBLICADO EM: 17 DE MARÇO DE 2013 POR CGI.br. Disponível em: <http://www.cgi.br/publicacao/o-cgi-br-e-o-marco-civil-da-internet/91> Acesso em17/09/2014. 44 Fonseca, Flávia Regina Nápoles. Marco civil na internet e a virtualização da empresa. Disponível em:<http://www.mcampos.br/posgraduacao/mestrado/dissertacoes/2011/flaviareginanapolesfonsecamarcocivilnainternet.pdf>Acesso em: 30 set. 2014

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Lei surgisse, opinando e expondo seus reais anseios, por meio de um blog posto a disposição na internet, para que os populares pudessem oferecer sugestões de quais temas e direitos serem abordados pela lei.45

O que não se pode negar é que de uma forma ou de outra, as relações virtuais já acontecem de fato e que precisam de regulamentação, nesse sentido o marco civil surge como forma de estabelecer código de conduta, elencando princípios éticos, direitos e deveres de usuários e provedores. 5.4 TRESPASSE DO ESTABELECIMENTO VIRTUAL

5.4.1 Conceito de trespasse

No que tange ao conceito tradicional de trespasse

preceitua Fabio Ulhoa Coelho que se tratada “venda do complexo de bens corpóreos e incorpóreos, envolvidos com a exploração de uma atividade empresarial”.46

Consiste, então, na mudança de titular do estabelecimento empresarial, sendo um instituto diferente da cessão de quotas.

Para Paulo Roberto Bastos Pedro: O estabelecimento empresarial, ou seja, o conjunto de bens que o empresário organiza para o exercício de sua atividade, poderá ser objeto de alienação, pois, como já visto, constitui uma universalidade de fato, podendo ser objeto unitário de direitos e negócios jurídicos (art. 1143 do CC/2002), sendo que o nome dado ao contrato de alienação do estabelecimento empresarial denomina-se “trespasse”.47

45 CGI.br e o Marco Civil da Internet, op cit. 46 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa/ 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014. p. 185. 47 PEDRO, Paulo Roberto Bastos. Curso de direito empresarial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 84 e 85.

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Elucida Marcelo Bertoldi: “o trespasse é a operação

pela qual um empresário vende a outro o seu estabelecimento empresarial, ficando este responsável pela condução dos negócios a partir de então”.48

Algumas considerações são importantes acerca dos débitos quando da venda do estabelecimento. Atualmente, se encontra regulamentado no Código Civil em seus artigos 1.142 a 1.149.

No que tange aos débitos anteriores, estes ficam sob a responsabilidade do adquirente, sendo que, no prazo de um ano, o devedor primitivo mantem solidariamente sua responsabilidade. Para os créditos vencidos o prazo de um ano é contado a partir da publicação do contrato e para os créditos vincendos, a partir da data do vencimento.49

Quando se trata de débitos de natureza trabalhista e tributária, a responsabilidade é desde logo assumida pelo adquirente. A publicação do trespasse torna eficaz a cessão dos créditos.50

Para que o alienante do estabelecimento possa fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência, é preciso que haja autorização expressa, caso contrário tal concorrência fica vedada.51

48 BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de direito comercial . 8. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 114. 49 BRASIL. Código Civil de 2002. VadeMecum Saraiva/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 17. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014. 50 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 15 ed. – São Paulo: Atlas, 2014, p. 81. 51 BRASIL. Código Civil de 2002. VadeMecum Saraiva/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 17. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.

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O contrato que versa sobre a alienação do estabelecimento, só produzirá efeitos perante terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e da publicação na imprensa oficial.52

A transferência, no âmbito fiscal, ocorre quando o contribuinte do ICMS transfere seu estabelecimento a outrem. Pode acontecer também nos casos de sucessão, isso quando o titular da firma individual falece, ou então quando da fusão e incorporação de estabelecimentos.53

Assim, no que tange ao estabelecimento físico o Diploma Civilista aborda diversas regras. Note-se que algumas são aplicáveis ao estabelecimento virtual guardada as similitudes entre os dois estabelecimentos. Dentre elas, destaque-se a importância do registro do contrato da venda no órgão competente bem como a responsabilidade do adquirente no que se refere aos débitos anteriores.

Entretanto, naquilo que os estabelecimentos divergem o trespasse do estabelecimento virtual há de ser específico.

5.4.2 Possibilidade jurídica do trespasse

O estabelecimento virtual pode ser visto de duas

formas, como meio exclusivo de colocar os produtos e serviços no mercado ou como complemento do estabelecimento físico para ampliar seu campo de atuação.

Nas lições de Tarcísio Teixeira o primeiro trata-se do estabelecimento empresarial digital originário, que por si só, pode constituir o fundo de comércio. O segundo é o chamado estabelecimento empresarial digital derivado,

52 Ibidem. 53 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 15 ed. – São Paulo: Atlas, 2014. p. 82.

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que agrega valor ao fundo de comércio do estabelecimento físico.54

Vê-se então que existe a possibilidade duas modalidades de estabelecimento virtual. Uma que se comporta como se estabelecimento físico fosse, com a única diferença de ser virtual e outra como extensão do estabelecimento físico, que, então, precisa ser tratada com mais afinco já que pode haver confusão ou repetição de nomes de domínio, o que por consequência, poderia induzir os clientes em erro.

No primeiro caso, além do estabelecimento virtual completo, apenas seu nome de domínio, bem como sua marca são passíveis de trespasse, não sendo necessário que se venda os equipamentos que lhe dão suporte. O segundo caso é que intriga e coloca em discussão a legislação vigente já que nesta ocasião, a venda somente do nome de domínio sem a venda do estabelecimento físico pode causar insegurança jurídica e induzir a clientela a erro.55

Neste sentido, assevera Tarcísio Teixeira: A notoriedade daquele endereço virtual e a confiabilidade dos consumidores, provavelmente, estão associadas a determinado título do estabelecimento físico (com todo o seu complexo estrutural físico: várias unidades, estoques etc.) ou marca de produto ou de serviço renomados, o que dá credibilidade às compras efetuadas naquele site.56

Portanto, antes de aplicar qualquer dispositivo legal

se faz necessário entender de que tipo de estabelecimento

54 TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico: doutrina, jurisprudência e prática – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 161 55 Ibidem. 56 Ibidem.

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182 Temas Jurídicos Atuais: Volume III

se trata, considerando que de certa forma, a legislação atual é insuficiente para tratar de tal disciplina. 5.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos conceitos expostos, considerando o

que dispõe o art. 1.142, CC, conclui-se queé perfeitamente possível um estabelecimento virtual existir, sem que necessariamente tenha um espaço físico ou estoque de mercadorias.

Isto porque, quando um indivíduo se propõe a manter um estabelecimento virtual e por meio dele realizar seu negócio, precisa organizar de maneira adequada a forma como vai fazê-lo. Deste modo atende ao requisito de complexo de bens organizados.

Tal estabelecimento é tão possível se houver a consideração de um site que venda downloads ou programas para computador, tão somente. Note-se que não há qualquer tipo de material físico, apenas venda de uma ideia ou de um softwareque sequer pode ser considerando palpável, ficando apenas no mundo das ideias, mas que tem total aplicação prática.

Tudo isso é possível graças a internet, que nesse aspecto tem conseguido otimizar as relações, tornando-as cada vez mais céleres e eficazes.

Vale ressaltar que embora a internet traga consigo aspectos negativos, que não é o foco deste trabalho, não se pode negar que ela está mudando completamente o mundo físico. Arrisca-se dizer que num futuro, tão próximo, tudo quanto envolva a atividade humana poderá ser acessada com apenas um click.

Basta que, a fim de diminuir as consequências negativas, desde logo se eduque e se conscientize a sociedade para que saiba usufruir de tal benesse, deixando o menos desgaste ou degradação possíveis.

Conclui- se ainda que o ordenamento pátrio conta com uma legislação ainda falha, que em alguns pontos é capaz de suprimir as necessidades jurídicas, mas em

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outros não consegue abranger as peculiaridades que o ambiente virtual apresenta.

Nesse sentido, é preciso que uma legislação específica seja feita para garantir efetiva segurança jurídica aos indivíduos quando das suas relações interpessoais.

Além do mais, considerando o período de transição em que se vive, é de extrema importância adequar o direito à sociedade, porque é por meio das ciências jurídicas que as negociações são reguladas e até mesmo o modo como elas acontecem.

Quanto as possíveis fraudes que possam vir a existir, tal assunto merece ser abordado num outro momento. Neste, o que se busca é realmente mostrar os benefícios e praticidades do ambiente virtual.

Em suma, ultima-se que os institutos vão alterando seus conceitos e as novas tecnologias dão surgimento a objetos até então inexistentes ou até mesmo readéquam os já existentes. Logo, vislumbra-se que ao longo do tempo a ciência jurídica será capaz de acompanhar o desenvolvimento social, talvez não com a mesma agilidade, mas buscando aperfeiçoar-se.

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5.6 REFERÊNCIAS

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BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de direito comercial/ Marcelo M. Bertoldi, Marcia Carla Pereira Ribeiro. – 8. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

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COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa/ 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.v.1

_____. Curso de direito comercial: direito de empresa/ 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.v. 3

Comitê Gestor da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.cgi.br/resolucoes/documento/2008/008> Acesso em: 22 de setembro de 2014.

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Comitê Gestor da Internet no Brasil e o Marco Civil da Internet. Publicado em: 17 de março de 2013 por CGI.br. Disponível em: <http://www.cgi.br/publicacao/o-cgi-br-e-o-marco-civil-da-internet/91>Acesso em 17/09/2014.

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 15 ed. – São Paulo: Atlas, 2014.

FONSECA, Flávia Regina Nápoles. Marco civil na internet e a virtualização da empresa.Disponível em: <http://www.mcampos.br/posgraduacao/mestrado/dissertacoes/2011/flaviareginanapolesfonsecamarcocivilnainternet.pdf>. Acesso em: 13 de outubro de 2014.

FREITAS, Cinthia Obladen de Almendra (Org.). Direito e questões tecnológicas: aplicados no desenvolvimento social. Cinthia Obladen de Almendra Freitas, Antônio Carlos Efing (Orgs.). Curitiba: Juruá, 2008.

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LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos eletrônicos: validade jurídica dos contratos via internet / Sheila do Rocio Cercal Santos Leal. – São Paulo: Atlas, 2007.

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186 Temas Jurídicos Atuais: Volume III

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- VI -

O DIREITO DO EXECUTADO AO TRABALHO E AO ESTUDO, FATORES NECESSÁRIOS À

RESSOCIALIZAÇÃO

Aline Aparecida Sales* Marllon Beraldo**

6.1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho se propõe a analisar os meios

necessários a ressocialização do executado, mais especificamente o trabalho e o estudo. E que tanto o trabalho como o estudo são direitos do executado e devem ser efetivados.

Os direitos mencionados, quais sejam, direito ao trabalho e ao estudo se encontram presentes na Lei de Execução Penal, porém o trabalho do executado é estabelecido na mesma lei como dever do executado, diante desta dicotomia, os doutrinadores ressaltam o trabalho do executado como um direito, tendo em vista os diversos benefícios que traz, como a remição da pena e a ressocialização do executado.

Para a realização de uma pesquisa, que tem como foco demonstrar os fatores necessários a ressocialização do executado, foi imperioso à realização de um levantamento histórico, do início da pena de prisão, bem como de suas principais escolas e doutrinadores.

* A orientanda é aluna do 5º do Curso de Direito Matutino, da Unicesumar Centro Universitário de Maringá, com RA: 107447-2. ** O orientador é professor do Curso de Direito da Unicesumar Centro Universitário de Maringá, da disciplina de Tópicos Especiais I, tendo como titulação mestrado.

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No presente trabalho, também foi abordado às consequências do trabalho e estudo do executado, que seria a remição da pena, que é a possibilidade do executado remir parte de sua pena através do trabalho ou do estudo, ou no caso de serem compatíveis os horários, com ambos conjuntamente.

A remição do executado com o trabalho se da na seguinte proporção, para á cada três dias de trabalho do executado, será abatido um dia de pena a cumprir, não podendo sua jornada ser inferior a seis horas ou superior a oito horas.

Já remição da pena pelo estudo, ocorre da seguinte forma, a cada doze horas de estudos, o executado irá remir um dia de sua pena a cumprir, porém essas doze horas devem ser divididas no mínimo em três dias.

Em que pese à importância da execução da pena, para efetivação do Ius Puniendi do Estado, pesquisas na área da Execução Penal são raras, até mesmo no que tange a livros, razão pela qual está pesquisa se torna relevante, tendo em vista que trata de como efetivar a ressocialização do executado, e se isso está ocorrendo no Brasil.

Ao entrar no tema da efetivação da ressocialização do executado, não tem como fugir do campo das políticas públicas, como se verificará ao longo de toda esta pesquisa, previsão legislativa tem o que falta é meios de colocá-la em prática.

O sistema carcerário brasileiro está esquecido, basta para a mídia, e até mesmo para a sociedade colocar o delinquente dentro da prisão, o que ele faz lá dentro pouco importa. Esta visão é muito superficial do problema, pois à sociedade não consegue enxergar que por mais tempo que este indivíduo fique recluso, um dia ele vai sair, com seu estado psicológico totalmente abalado, tendo em vista a ausência de atividade, qual seja trabalho ou estudo.

Não precisa ser nenhum especialista em psicologia humana, para saber que este indivíduo irá sair com todas as suas funções psíquicas abaladas, em outras

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palavras, vai sair da prisão pior que entrou, agindo como um verdadeiro animal, pois é impossível manter ou recuperar a humanidade, no atual estado do sistema carcerário brasileiro.

Sem contar que a presente pesquisa não tem como fim específico trabalhar a dignidade do executado, analisando a efetivação de todos os seus direitos, pois caso este fosse o tema, se constataria um grande impasse, pois o estado das penitenciárias brasileiras não tem nenhum resquício de direitos humanos, o que impera dentro de seus muros é a lei do mais forte. Pode-se chegar a triste conclusão, que as penitenciarias brasileiras são controladas pelas facções criminosas, que tem a decisão final de quem vive ou morre, fora o estado precário de higiene.

Diante de tudo o que foi exposto, se verifica a importância de falar de um tema como a ressocialização do executado, que é um dos fins da execução penal, previsto expressamente na Lei de Execução Penal, devendo desta forma ser imperioso colocá-la em prática. 6.2 CONTEXTO HISTÓRICO

Desde os primórdios já existia a pena, porém em

um aspecto vingativo, em uma contra resposta ao mal que agente causou. As penas eram dirigidas sobre a pessoa infratora, ou seja, era de ordem física, seja através de castigos, açoites ou pena de morte.

Neste cenário nasce a pena de prisão, sendo praticamente impossível delimitar seu marco inicial, é de grande valia mencionar as palavras de Bitencourt (2013)1, que prescreve:

1 BITENCOURT, Roberto apud VALOIS, Luís Carlos. Conflito entre ressocialização e o princípio da legalidade na execução penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 21.

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[...] quem quer que se proponha a aprofundar-se na história da pena de prisão corre o risco de equivocar-se a cada passo. As contradições que se apresentam são dificilmente evitadas, uma vez que o campo se encontra cheio de espinhos.

Em razão disso, têm-se uma grande carência de

autores que escrevem com precisão acerca do início da pena de prisão, tendo em vista que os dados existentes não trazem informações suficientes2.

No século XVIII começam a se manifestar os primeiros reformadores da pena prisão, com o fim de tornar a pena de prisão mais humana, são exemplos destes John Howard, Becaria e Bentham3.

E foram destes pensadores, sobretudo Becaria e Bentham que surgiu o ideal da ressocialização através da pena prisão, ou seja, a pena de prisão devido a toda a sua crueldade com o executado teve de ser justificada pelo seu caráter ressocializador. Neste sentido é de grande valia mencionar as palavras de Beccaria (2013)4, a este respeito, dizendo:

Se a prisão é apenas um meio de deter um cidadão até que ele seja julgado culpado, como esse meio é aflitivo e cruel, deve-se, tanto quanto possível, suavizar-lhe o rigor e a duração. Um cidadão detido só deve ficar na prisão o tempo necessário para a instrução do processo; e os mais antigos detidos têm direito de ser julgados em primeiro lugar. O acusado não deve ser encarcerado senão na medida em que for necessário para impedir de fugir ou ocultar as provas do crime. O processo mesmo deve ser conduzido sem protelações. Que contraste hediondo entre a indolência de um juiz e a angústia de um acusado! De um lado, um magistrado insensível, que passa os dias no bem-estar e nos prazeres, e de outro

2 Ibidem, p. 22 3 Ibidem, p. 33. 4 BECCARIA apud VALOIS, Luís Carlos Ibidem, p. 35.

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um infeliz que definha, a chorar no fundo de uma masmorra abominável (2003, p.58).

O ideal da ressocialização foi implantado para se

justificar a pena de prisão, que como se verifica nas palavras de Beccaria a prisão é algo que só prejudica o executado, ao invés de ajudá-lo a se recuperar, por isso se faz crucial na perspectiva do mesmo, justificar a pena de prisão com a recuperação do executado, justificando assim o tempo que este ficava recolhido sob o guarda do Estado.

Há de se mencionar que foi a partir do século XVI que o trabalho do executado passou a integrar o direito penal, porém nesta época o trabalho do executado era visto como uma forma de deixar a pena mais pesada, rigorosa. Só posteriormente passou a visualizar no trabalho umas das formas de se alcançar o ideal ressocializador.

O trabalho sempre foi uma das formas de se organizar a sociedade, principalmente a partir do século XIX, razão pela qual se justifica a ressocialização pelo trabalho, tendo em vista que é uma das formas de se inserir o indivíduo que nunca fez parte da sociedade.

É de grande relevância mencionar que o ideal ressocializador hoje é almejado através do estudo, tendo em vista que é outra categoria que organiza a sociedade.

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6.3 DIREITOS DO EXECUTADO Com a criação da Lei 7.210/84, Lei de Execução

Penal o executado passou a ser expressamente um sujeito de direito, titular de direitos e obrigações, pois antes disso apenas lhe era imposto deveres. No entanto a partir da mencionada lei o executado possui todos os direitos não atingidos pela sentença5.

Tanto o art. 5, XLIX da Constituição Federal, como o art. 38 do Código Penal, vem resguardar os demais direitos do executado não atingidos pela sentença condenatória. Neste sentido é de suma importância mencionar as palavras de Fragoso (2013) 6, que preceitua:

[...] é preciso ultrapassar o entendimento desumano, que tem estado mais ou menos implícito no sistema, de que a perda da liberdade para o preso acarreta necessariamente a supressão de seus direitos fundamentais.

Nestes termos o Estado como titular do poder

punitivo, deve apenas limitar os direitos essenciais ao cumprimento da pena, deixando os demais intactos, tendo em vista que o fato do condenado estar preso, não significa que deixou de ser titular de direitos, portador de dignidade.

No que tange aos direitos do executado, estes se encontram no art. 41 da Lei de Execução Penal, e alguns deles na Constituição Federal. Há de se mencionar que estes direitos também se aplicam ao preso provisório e ao submetido à medida de segurança no que couber7.

5 NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 88. 6 FRAGOSO, Heleno apud NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 102. 7 NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 93.

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É de grande valia analisar especificamente o direito

ao trabalho e ao estudo, objetos de estudo do presente trabalho. 6.3.1 Direito ao trabalho

O trabalho foi reconhecido como uma das formas

de se amenizar as mazelas do cárcere, isso desde Howard, no século XVIII, pois através do trabalho o executado se manteria ocupado, e seria incluso na sociedade8.

O trabalho do executado tem regramento próprio, qual seja, o dado pela Lei de Execução Penal, algumas dessas regras se inspiraram nas Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Reclusos9.

Atualmente o trabalho do executado é remunerado, não podendo ser inferior a ¾ do salário mínimo, porém a prestação de serviços à comunidade não é remunerada, conforme art. 29, caput, da Lei de Execução Penal.

A remuneração do trabalho do executado terá como destino: a indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; assistência à família; pequenas despesas pessoais; ressarcimento ao estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado e a parte restante será destinada para constituição do pecúlio, em caderneta de poupança, que será entregue ao condenado quando posto liberdade, nos termos do art. 29, § 1º da lei 7210/8410.

8 HOWARD apud VALOIS, Luís Carlos. Conflito entre ressocialização e o princípio da legalidade na execução penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 126. 9 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 59. 10 NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 76.

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Há de se mencionar que o art. 28 da lei 7.210/84, estabelece o trabalho do executado como um dever, que tem finalidade educativa e produtiva, mas ao mesmo tempo o art. 41, II da mesma lei o estabelece como direito, porém analisando os benefícios que advém do trabalho do executado como a remição da pena e a ressocialização, o trabalho do executado deve ser encarado como um direito do mesmo, mais do que um dever. Este dever do trabalho prevalece apenas para os condenados em definitivo, para os provisórios não.

Neste sentido se torna relevante mencionar as palavras de Marcão (2013)11, que comenta:

Diante da possibilidade de execução provisória da sentença condenatória que não transitou em julgado para a defesa (art. 2 da Lei de Execução Penal; Súmula 716 do STF), é recomendável que o preso provisório se submeta ao trabalho, exercendo a faculdade legal (art. 31, parágrafo único, da Lei de Execução Penal) e a possibilidade de remição (art. 126 da Lei de Execução Penal).

Verifica-se assim, que o trabalho do preso

provisório é uma faculdade deste, aonde o este decide se quer ou não trabalhar, e caso assim escolha faz jus a benesse, que é a remição da pena, no caso de posterior condenação.

O condenado por crime político e o condenado a pena de prisão simples, não estão obrigados a trabalhar, no caso do condenado a pena de prisão simples apenas se a pena aplicada não exceder a 15 dias, nos termos do art. 6, § 2º da Lei de Contravenções Penais, e art. 200 da Lei de Execução Penal, respectivamente12.

11 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 60. 12 NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 76.

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O executado terá uma jornada de trabalho não

inferior a seis horas, e nem superior a oito horas, com descanso nos domingos e feriados, e no caso dos executados que realizam serviços de manutenção do estabelecimento poderá ser fixado horário especial, de acordo com o art. 33 da Lei de Execução Penal13.

No que tange ao art. 32 da Lei de Execução Penal é mister citar as palavras de Marcão (2013)14, que diz:

De ver, entretanto, que “O disposto no art. 32, § 1º, da Lei de Execução Penal, dirige-se aos responsáveis pela administração do sistema penitenciário, que deverão limitar, tanto quanto possível, o exercício de atividade laborativa artesanal pelos presos, de tal forma que não são proibidas e, sim, limitadas as atividades dessa natureza.

Como bem preceitua o renomado doutrinador, o

trabalho artesanal é limitado, porém não proibido, devendo na falta de outra atividade, ser permitido ao executado a remição da pena por este tipo de atividade, para o fim de resguardar o cumprimento do direito do executado ao trabalho.

A Lei de Execuções Penais divide o trabalho do executado em interno e externo, o primeiro é aquele realizado dentro do ambiente carcerário, há de se mencionar que o preso provisório só poderá realizar trabalhos internos, já o segundo é aquele que ocorre fora do ambiente prisional15.

O trabalho interno deve ser analisado à habilitação, a condição pessoal e necessidades futuras do executado, conforme estabelece o art. 32, caput da Lei de Execução Penal.

13 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 219. 14 Ibidem, p. 61. 15 NUNES, Adeildo. Da execução da penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 77.

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O trabalho externo pode ser exercido pelo executado do regime fechado ou semiaberto, no caso do executado do regime fechado este só poderá em serviços ou obras públicas realizadas por órgãos da administração direta ou indireta, ou entidades privadas, porém com as devidas cautelas contra fuga do executado, segundo o art. 36, caput da Lei de Execução Penal.

Neste sentido é relevante mencionar as palavras de Nunes (2013)16, que preceitua:

O trabalho pode ser desenvolvido dentro ou fora da vida intramuros. É evidente que o detento cumprindo pena em regime fechado só poderá fazê-lo externamente, mediante a vigilância ostensiva e desde que realizado em obras implementadas por órgãos da administração direta ou indireta, e até por entidades privadas, tomadas as devidas providencias no sentido de evitar fugas e indisciplina.

Embora a lei exija que o trabalho externo do

executado do regime fechado seja feito sob a vigilância, muitas vezes o que se verifica na prática é totalmente ao contrário, o executado fica sem qualquer tipo de controle.

No caso de trabalho externo para entidades privadas, cada obra poderá ter até 10% de executados trabalhando, do total de trabalhadores da obra. A remuneração neste caso cabe ao órgão da administração ou a empresa empreiteira. Porém, no caso do trabalho prestado a entidade privada, sempre deverá ter o consentimento expresso do executado, se este concorda ou não em trabalhar17.

O trabalho externo do executado depende da autorização do diretor do presídio, mediante a análise de dois requisitos, um de ordem subjetiva e outra objetiva. A

16 Ibidem, p. 75 17 Ibidem, p. 78.

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este respeito se torna indispensável citar as palavras de Marcão (2013)18, que comenta:

O trabalho externo submete-se à satisfação de dois requisitos básicos. Um subjetivo, qual seja, a disciplina e responsabilidade, que a nosso ver devem ser apuradas em exame criminológico, e outro objetivo, consistente na obrigatoriedade de que tenha o preso cumprindo o mínimo de um sexto de sua pena.

Desta forma, para o executado fazer jus ao trabalho

externo deve cumular estes dois requisitos, o de ordem subjetiva e objetiva, só assim o diretor do estabelecimento poderá conceder ao executado tal direito.

Caso o executado cometa falta grave, ou falte com seu dever de responsabilidade e disciplina será revogado o benefício de trabalho externo, conforme art. 37, § único da Lei de Execução Penal.

Há de se mencionar que segundo o entendimento do STJ, manifestado através do HC 33.4140 – DF19, o executado condenado por crime hediondo ou assemelhado, também pode fazer jus ao benefício de trabalho externo, desde que preenchidos os requisitos de ordem objetiva e subjetiva20. 6.3.2 Direito ao estudo

A Lei de Execução Penal trás o estudo como um

dos direitos do executado, compreendendo a instrução escolar e formação profissional, bem como a existência de

18 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 61. 19 Realizado em 18 de maio de 2004, tendo como Relator o Min. Hamilton Carvalhido, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. 20 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 62.

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uma biblioteca por presídio, com livros instrutivos, recreativos e didáticos.

A este respeito se torna relevante transcrever as palavras de Nunes (2013)21, que preceitua:

Muito embora o ensino de primeiro grau e o profissionalizante seja obrigatório dentro dos presídios, vê-se que a previsão legal não é cumprida, seja por ausência da vontade política, seja até porque os estabelecimentos carcerários estão superlotados e não oferecem condições físicas e materiais para a sua implementação. Se muitas vezes faltam professores, noutras faltam salas de aulas suficientes para oportunizar ao detento a possibilidade de se preparar para uma vida digna ao término da pena.

Como bem mencionado pelo seleto doutrinador, o

ensino de primeiro grau e o profissionalizante é o obrigação por parte do estado, porém o que se percebe é o descaso público com a situação dos presos no Brasil. Se não bastasse não proporcionar o estudo para o cidadão, para evitar que este entrasse para vida do crime, ainda falha na hora de proporcionar estudo para reinseri-lo na sociedade, ou seja, o Estado falha para com os presos duas vezes.

A educação é um direito de todos, inclusive dos executados, e é obrigação do Estado, devendo o mesmo não fazer vistas grossas para cumpri-lo.

Outro benefício que o estudo traz além de manter a ordem e a disciplina dentro dos presídios, é a possibilita da remição da pena, bem como a ressocialização do executado. Porém, como já mencionado, até isso é negado ao executado, o direito de se recuperar, tendo em vista a falta de meios capazes, devido ao descaso público,

21 NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 73.

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afrontando totalmente o estabelecido pelo legislador ordinário na Lei de Execução Penal22. 6.4 REMIÇÃO DA PENA

No ordenamento jurídico pátrio a remição da pena

ocorre de duas formas, seja pelo trabalho, como pelo estudo, ou por ambos conjuntamente, deste que os horários sejam compatíveis.

A remição da pena é definida com maestria por Mirabete (2013)23, que diz:

Trata-se de um meio de abreviar ou extinguir parte da pena. Oferece-se ao preso um estimulo para corrigir-se, abreviando o tempo de cumprimento da sanção para que possa passar ao regime de liberdade condicional ou à liberdade definitiva.

Desta forma, pode-se verificar que a remição da

pena é um direito do executado, que vai além de ter sua pena abreviada, mais sim da oportunidade ao executado de se inserir na sociedade, seja pelo trabalho ou pelo estudo.

Tanto os presos provisórios, como os em definitivo fazem jus a remição da pena, no caso do preso provisório é no caso da execução provisória da pena, aonde este só terá direito a efetiva remição no caso de futura condenação. No caso do internado com medida de segurança, este não tem direito ao instituto da remição da pena24.

O instituto da remição tem como finalidade diminuir o tempo de cumprimento da pena, ou melhor, compensar

22 VALOIS, Luís Carlos. Conflito entre ressocialização e o princípio da legalidade na execução penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 130. 23 MIRABETE, Julio Fabrini apud MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 215. 24 Ibidem, p. 216.

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o tempo da pena, na medida em que os dias remidos serão computados na pena já cumprida, e por causa desta ocasião, os benefícios da execução serão analisados com base no somatório entre a pena já cumprida e os dias remidos. Pode-se citar como benefícios da execução: progressão de regime, livramento condicional e autorização de saída.

No que concerne à declaração dos dias remidos, se torna sucinto transcrever as palavras de Nunes (2013)25, que menciona:

O que é certo se afirmar é que a remição pelo estudo ou pelo trabalho só geram efeitos jurídicos mediante decisão judicial, proferida no âmbito do devido processo de execução. Significa dizer, assim, que enquanto não houver uma decisão judicial reconhecendo o benefício, não há que se falar em remição.

Sendo assim, além de realizar o trabalho ou

estudo, a remição dever ser concedida judicialmente, pelo juiz da Vara de Execução Penal, do local em que o executado esteja recolhido.

Com vistas a proteger o executado que trabalha ou estuda dos infortúnios que possa prejudicá-lo, o art. 126, § 4º da Lei de Execução Penal, estabelece que o sentenciado que ficar impossibilitado de trabalhar ou estudar por acidente, tem o direito à remição assegurado. Porém, se o executado se machucar de propósito com o fim de fazer jus à remição da pena, este cometerá falta grave.

O cometimento pelo executado de falta grave faz com que o mesmo perca até 1/3 dos dias remidos, nos termos do art. 127 da Lei de Execução Penal, sendo mais um fator a influenciar a ordem dentro do estabelecimento prisional. Esta perda dos dias remidos é declarada pelo

25 NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 136.

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juiz da Vara de Execução, e a partir deste momento começa a correr nova contagem para a remição26.

Caso o Estado não possibilite trabalho ou estudo para o executado, muitos doutrinadores defendem que o executado não pode ser prejudicado por incompetência do mesmo, que falha com seu dever para com os executados, e para com toda a sociedade. Porém, é entendimento pacífico do STJ, que não existe no Brasil, a chamada remição ficta, aquela que o executado não trabalha por questões alheias a sua vontade, ou seja, falta de infraestrutura nos presídios, mas mesmo assim faz jus a remição27.

Entretanto a de mencionar que no que diz respeito à doutrina esta se divide, alguns alegam que o executado não tem direito a remição ficta, como Renato Marcão e outros como Luiz Carlos Valois afirma que o executado tem direito.

A de se mencionar o entendimento de Valois (2013)28, nas seguintes palavras:

Em termos de sentimento, e não de direito, onde se insere a questão do merecimento, o preso que trabalha já está se sentindo beneficiado só por trabalhar e poder ocupar seu tempo, sendo a remição uma consequência. E o preso que não trabalha está sentindo violado o seu direito de igualdade dos demais só por não trabalhar, independentemente da remição que lhe é concedida. Por isso, dizer que não se deve conceder remição ao preso que não trabalha, porque se estaria dando direito igual ao que trabalha, é punir duas vezes o preso que

26 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 226. 27 SILVA, José Adaumir Arruda da; SILVA NETO, Arthur Corrêa da. Execução Penal: Novos rumos, novos paradigmas. Manaus: Aufiero, 2012. p. 246. 28 VALOIS, Luiz Carlos. Conflito entre ressocialização e o principio da legalidade na execução penal. 1. Ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p.141.

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não trabalha, negando-lhe o direito ao trabalho e o direito a remição.

Desta forma, em que pese ambas as posições, o

que prevalece no ordenamento jurídico brasileiro é posição do STJ, que é no sentido de negar a remição ficta. 6.4.1 Remição pelo trabalho

O art. 33 da Lei de Execução Penal, estabelece a

remição pelo trabalho, na proporção de a cada 3 dias trabalhados, um dia será remido da pena do condenado. Porém, o condenado deve respeitar a jornada de trabalho que não poderá ser inferior a 6 horas, ou superior a 8 horas diárias. No entanto, a própria legislação trouxe uma exceção no caso de realização de serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal29.

É de grande valia mencionar, que a remição da pena pelo trabalho só pode ocorrer no regime fechado ou semiaberto, tendo que vista que no regime aberto ou livramento condicional, é um requisito para a concessão do mesmo à necessidade de estar trabalhando.

Sobre o tema a remição pelo trabalho, se torna crucial citar as palavras de Marcão (2013)30, que prescreve:

É tranquilo o entendimento no sentido de que para que seja possível a remição da pena pelo trabalho, permitida pelo art. 126 da Lei 7.219/84, não basta o trabalho esporádico, ocasional, do condenado. Deve ter certeza de efetivo trabalho, bem como conhecimento dos dias trabalhados.

29 NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 136. 30 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 217.

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Diante disto, se torna evidente que para ter direito

a remição da pena o executado deve ter uma rotina de trabalho, e mais o trabalho deve ser comprovado por meio de atestado, do diretor do estabelecimento, e este tem presunção relativa de veracidade.

O sentenciado tem direito de descansar nos domingos e feriados, porém caso este venha a trabalhar, terá direito a remição. É crucial neste sentido, que os operadores do direito, tanto diretor de estabelecimento, juízes e promotores, terem em mente a natureza da remição da pena, que é de benefício para o executado, e não malefício. Em razão disso, sempre deve ser interpretada de modo a ser mais benéfico ao executado31. 6.4.2 Remição pelo estudo

No tocante a remição pelo estudo o legislador

ordinário quis despertar no executado o espírito de continuidade, frequência, de modo que faça com que o executado tenha uma rotina diária de estudos.

A remição da pena por estudo se da na proporção de a cada 12 horas de estudos o executado tem direito de remir, um dia, e estas 12 horas devem ser divididas no mínimo em 3 dias32.

No que diz respeito à remição pelo estudo, se torna proeminente citar as palavras de Marcão (2013)33, que preceitua:

A melhor interpretação que se deve dar à lei é aquela que mais favoreça a sociedade e o preso, e por aqui não é possível negar que a dedicação rotineira deste ao aprimoramento de sua cultura por meio do estudo

31 NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 137. 32 Ibidem, p. 138. 33 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 221.

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contribui decisivamente para os destinos da execução, influenciando de forma positiva em sua (re)adaptação ao convívio social. Aliás, não raras vezes o estudo acarretará melhores e mais sensíveis efeitos no presente e no futuro do sentenciado, vale dizer, durante o período de cumprimento de pena e no momento da reinserção social, do que o trabalho propriamente dito.

O estudo é uma das formas de superação

existentes, aonde o indivíduo pode mudar sua realidade social, diante disso é tão importante o impulso, primeiro por meio da jurisprudência e posteriormente pela Lei nº 12.433/2011, possibilitando a remição pelo estudo.

As atividades educacionais passíveis de remição são: ensino fundamental, médio, profissionalizante, superior ou de requalificação profissional. Em que pese às várias hipóteses de remição pelo estudo, poucas delas são implantadas na prática, devido à falta de infraestrutura dos presídios, deixando assim de dar a oportunidade, muitas vezes única para que o executado estude.

Outro fator que deixa evidente esta vontade de continuidade é no caso de conclusão de curso, seja fundamental, médio ou superior, que será acrescido de 1/3 do tempo remido, dando um ânimo a mais para o executado terminar com aquilo que começou, de acordo com o art. 126, § 5º da Lei de Execução Penal34.

Há de se mencionar, a portaria conjunta nº 276, da Justiça Federal e do Departamento Penitenciário Nacional, estabeleceu hipótese inovadora no que tange a remição da pena pelo estudo. O executado que realizar a leitura de obra literária, clássica, cientifica, filosófica, dentre outras, no prazo de 21 a 30 dias, e ao final apresentar uma resenha sobre o assunto, possibilitará a remição de 4 dias de sua pena. Tendo como limite no ano, a leitura de 12 obras, possibilitando a remição de 48 dias.

34 Ibidem, p. 222.

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Ao contrário da remição pelo trabalho, a remição

pelo estudo é permitida além do regime fechado e semiaberto, para o regime aberto, e bem como ao condenado que está em liberdade condicional.

Tendo em vista, a possibilidade de execução provisória da pena o preso provisório também poderá fazer jus a remição da pena pelo estudo, ficando condicionada a efetiva remição dos dias a condenação posterior.

Ainda a este respeito, cabe aludir à posição doutrinária de Silva e Neto (2013)35, que dizem:

Considerava-se e considera-se que o estudo gera a independência ao ser humano, pois a partir do conhecimento, passa-se alcançar maior espaço no mercado de trabalho e na vida social, o que indubitavelmente eleva a autoestima e resgata a dignidade humana, na medida em que abre um leque de novas oportunidades e esperanças. Desse modo, é fator importante de ressocialização que deve ser incentivado.

Diante disso, o Estado deve deixar os princípios

como a reserva do possível de lado, é fazer com que o executado tenha acesso ao estudo, pois só assim este poderá ser recuperado.

35 SILVA, José Adaumir Arruda da; SILVA NETO, Arthur Corrêa da. Execução Penal: Novos rumos, novos paradigmas. Manaus: Aufíero, 2013. p. 247.

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6.5 RESSOCIALIZAÇÃO Como já mencionado acima, se torna impossível

estabelecer com precisão quando começou a pena de prisão, porém os primeiros resquícios da ideia de ressocialização começaram com os reformadores da pena de prisão, que primaram por condições mais dignas na pena, com o fim de dar a pena de prisão um fundamento, a este respeito vale citar as palavras de Valois (2013)36, que relata:

Como bem lembra Hassemer (2007), só cresceu a necessidade de se fundamentar a pena em razão do nascimento da prisão. Antes, com o suplício, a morte ou a multa, a pena era aplicada de imediato, mas com a prisão havia o tempo de aplicação da pena, um período vago na vida do preso que precisava ser fundamentado.

Sendo assim, pode-se ressaltar que a ideia de

ressocialização nasceu em dar um significado, uma finalidade a pena de prisão, ou seja, justificar que o tempo que o executado era mantido em cárcere, era para sua recuperação, e posterior reinserção do indivíduo na sociedade.

Entre as várias doutrinas que se propuseram a explicar o ideal ressocializador, uma que se destaca é a Escola da Nova Defesa Social, iniciando seus trabalhos na época de 1945. Cabe mencionar as palavras de Filippo Gramatica, transcritas por Valois (2013)37, preceituando:

Como a Escola Positivista pensava em reformar o homem que era diferente, doente ou com alguma patologia genética, esta por vezes tirava qualquer

36 VALOIS, Luís Carlos. Conflito entre ressocialização e o princípio da legalidade na execução penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 69. 37 GRAMATICA, Felippo apud VALOIS, Luís Carlos, Ibidem, p.72.

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esperança de reforma e levava os autores daquela escola a defenderem a pena de morte, a Nova Escola de Defesa Social não iria mais tentar a reforma, porque o ser antissocial não é um ser humano diferente só porque cometeu um fato contrário à lei, mas vai tentar corrigi-lo para o convívio social (GRAMATICA, 1974).

Diante disso, constata-se que a Nova Escola de

Defesa Social defendia a correção daquele indivíduo que errou, de recuperá-lo para o convívio social, e mais defendia a diminuição das condições favorecedoras, como pobreza, natalidade desenfreada, e verificando o contexto social de hoje, podemos incluir ainda a falta de educação, que na maioria das vezes é um fator que impulsiona o homem a ser melhor.

Vale ressaltar ainda outro precursor da Escola da Defesa Social, Marc Ancel, sendo importante transcrever suas palavras, citadas por Veloso (2013)38:

O conceito de defesa social conduz, assim, a um verdadeiro humanismo judiciário que tende a transformar, afora qualquer rejeição do sistema de direito penal, e de forma resoluta, a administração da própria justiça penal. Torna-se possível, então, conceber a defesa social, menos como uma doutrina objetiva do que como um engajamento, em sua acepção mais moderna: engajamento que aqui significa a aceitação deliberada de uma certa orientação a ser imprimida à reação anticriminal e à justiça pena, dentro do respeito à dignidade humana, e com a preocupação de reconduzir ao convívio social aqueles a quem esta reação social atinja.

Através das palavras do renomado doutrinador, se

verifica que segundo seu pensamento, para ressocializar

38 ANCEL, Marc apud VALOIS, Luís Carlos. Conflito entre ressocialização e o princípio da legalidade na execução penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 73.

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se faz necessário um direito penal mais humano, em outras palavras o Estado só vai conseguir ressocializar ou socializar o executado, se for lhe assegurado um mínimo de dignidade e respeito.

Pode-se concluir assim, que o ideal ressocializador foi estabelecido como critério de mão dupla, para humanizar a pena, necessita-se da ressocialização, e para ressocializar, necessitar humanizar a pena. Tanto a ressocialização como a humanização da pena são dois lados de uma mesma moeda, sem um, não é possível dar efetividade ao outro. 6.5.1 Correcionalismo

O Correcionalismo é uma escola penal, que trouxe

para a sociedade muitos dos valores atuais de justiça. O surgimento desta se deu através de Karl Röder, por meio de uma dissertação denominada “Comentatio na poena malum esse debeat”. No que tange ao Correcionalismo é interessante citar as palavras de Vay e Silva (2012)39, que diz:

Encontra-se esta Escola entre as adeptas das teorias relativas da pena, uma vez que, para seus pensadores, a pena teria como função principal a correção ou melhora do indivíduo para que ele se emende e não venha a (re)incidir na prática de condutas criminosas. A pena, portanto, não se justifica por si mesma (como quisera Kant, ao colocá-la como uma derivação do imperativo categórico que nós, moralmente, não poderíamos deixar de observar), mas sim por ser um instrumento útil a determinado fim, qual seja o de fazer cessar no agente o impulso motivador de sua conduta

39 VAY, Giancarlo Silkunas; SILVA, Tédney Moreira da. A Escola Correcionalista e o Direito Protetor dos Criminosos. 2012. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/revista_liberdades_artigo/142-ARTIGO>. Acesso em: 23 ago. 2014.

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reprovável e torná-lo apto ao convívio social. Assim, percebe-se que a pena tinha em vistas uma preponderância de prevenção especial.

Verifica-se que a presente escola tinha como

objetivo dar uma finalidade para a pena, qual seja, de corrigir o indivíduo, de maneira a educá-lo, propondo assim uma pena indeterminada, até quando o indivíduo estivesse pronto para o retorno à sociedade, era uma verdadeira teoria correcional.

A teoria correcionalista se diversificou das demais pelos elementos utilizados, sendo eles, o criminoso como portador de uma patologia de desvio social, a pena como remédio social, e o juiz como médico social.

O criminoso é considerado portador de desvio social, pois não consegue agir de acordo com as normas socialmente estabelecidas, tendo assim uma debilidade, razão pela qual necessitam de ajuda do Estado para se recuperar.

A recuperação de qualquer doença se dá através do remédio, que neste caso seria a pena, que deveria ser na exata medida aplica pelo Estado, para corrigir o indivíduo a agir de acordo com os ditames sociais. Vale mencionar as palavras de Montero, transcritas por Vay e Silva (2012)40, que preceitua:

Se os delinquentes, como tais, afastada qualquer outra consideração ou motivo, são indivíduos débeis, em face dos que se dizem honrados, e estes podem, de alguma maneira, ajudá-los a sair de sua prostração e contribuir para tirá-los de seus estado de inferioridade, os primeiros estão, com respeito aos segundos, em situação de credores, e os segundos, com respeito aos primeiros, em situação contrária ou de devedores.

Se percebe do referido trecho, que a pena como

remédio social, além de ser dever do Estado aplicá-la, é

40 Ibidem.

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também direito do executado, tendo em vista que é única forma do preso se recuperar.

Neste sentido entra a defesa dos correcionalistas da pena indeterminada, tendo em vista exatamente que esta deve ser aplicada na exata medida para recuperar o preso, não devendo ser pré-estabelecida, para não correr o risco de deixar o indivíduo já recuperado no cárcere, ou para soltar aquele que ainda não está pronto41.

E para completar a tríade da mencionada teoria têm-se o médico social, que representa a figura do juiz, aonde os correcionalistas não o colocam como ser tirano, mas sim aquele que verifica a pena necessária para cada caso. Há de mencionar ainda, que o juiz nesta concepção é como se executasse um dever do Estado, que é o detentor do jus puniend.

Para se tornar mais preciso o que seja a teoria correcionalista vale transcrever as palavras de Valois (2013)42, que diz:

O correcionalismo, a nosso ver, talvez pela nomenclatura recebida, talvez pelos fora de moda conceitos de moral e honra que ele tanto defendeu, é uma doutrina julgada de forma equivocada nos dias de hoje. Certo que o Estado Democrático de Direito não abre espaço para nenhum moralismo público, mas a verdadeira intenção dos correcionalistas nunca é posta em relevância: a humanização do sistema penal. Quando se classifica e se relacionam características comuns de uma teoria, muito se perde e o que se generaliza fica subordinado a um critério arbitrário.

Constata-se assim, que novamente a busca da

humanização da pena, bem como da ressocialização,

41 VALOIS, Luís Carlos. Conflito entre ressocialização e o principio da legalidade na execução penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 59. 42 Ibidem, p. 58.

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estão juntas, tendo em vista que ambas são correlatas, e necessárias para satisfação de cada.

A correlação da ressocialização a teoria do correcionalismo se verifica ao se analisar hoje o ordenamento jurídico pátrio, conforme afirma Vay e Silva (2012)43, que preceituam:

A Escola Correcionalista contribuiu para o Direito Penal brasileiro ao trazer para a execução da pena um caráter mais humanístico: a finalidade de prevenção especial da pena, em especial a de ressocialização do preso (art. 1.º da Lei de Execuções Penais), além de contribuir fundamentalmente para a concepção da liberdade condicional e progressão de regime em atenção com o desenvolvimento do condenado, institutos presentes em nosso ordenamento jurídico. De igual forma, podemos apontar as agudas críticas à pena de morte e à pena perpétua, desenvolvidas pelos correcionalistas, que hoje se encontram vedadas em nosso ordenamento jurídico nos termos do art. 5.º, XLVII, da Constituição Federal.

Embora a mencionada teoria seja pouco abordada

pelos livros que tratam de Execução Penal, averígua-se sua importância ímpar, quando o tema envolve a ressocialização do executado, tendo em vista que parte de suas raízes são oriundas do próprio correcionalismo. 6.5.2 Ressocialização na constituição federal

Como já demonstrado a ressocialização está

intimamente ligada ao respeito ao mínimo de direitos do executado, pois sem uma pena de prisão mais humana não há ressocialização.

43 VAY, Giancarlo Silkunas; SILVA, Tédney Moreira da. A Escola Correcionalista e o Direito Protetor dos Criminosos. 2012. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/revista_liberdades_artigo/142-ARTIGO>. Acesso em: 23 ago. 2014.

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Sendo assim, para se tentar ter uma ressocialização do executado deve-se garantir o princípio fundamental inerente a todos os seres humanos, que é a dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1, III da Constituição Federal. Torna-se relevante citar as precisas palavras de Moraes (2010)44, acerca da dignidade da pessoa humana:

[...] concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

O princípio da dignidade da pessoa humana só é

garantindo aos executados quando lhe é possibilitado meios para se recuperar, para voltar ao convívio social, isso só ocorre através do trabalho e estudo. Sendo assim, quando o Estado deixar de dar a oportunidade ao executado de trabalhar ou estudar, está sim violando o princípio da dignidade humana deste, tolhendo-lhe a chance desses executados de se tornarem pessoas melhores.

44 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 22.

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É neste sentido também o entendimento de Nunes

(2013)45, que prescreve: Observa-se, assim, que o Estado brasileiro recusa-se oferecer dignidade ao preso, embora seja um direito fundamental, previsto na Carta Magna de 1988, a todos que estejam custodiados nos vários estabelecimentos penais do País. A ausência de um sistema penitenciário justo e que efetivamente recupere o delinquente, a superlotação carcerária, a falta de assistência material ao detento – principalmente saúde, educação e um trabalho remunerado – e os tormentos físicos e mentais que são praticados cotidianamente contra os detentos brasileiros, fazem do País um exemplo raro de insensibilidade com pessoas humanas que devem receber uma punição pelo mal social que causaram, mas que precisam ser vistos com a dignidade necessária para o seu retorno ao convívio social em perfeita harmonia com a sociedade ordeira, que certamente ainda existe fora das prisões.

O respeito à dignidade de cada executado é

também uma garantia para toda a sociedade, pois se não forem garantidos o trabalho e estudo para este executado, este não irá se recuperar, voltando para a sociedade provavelmente pior do que entrou. 6.5.3 Ressocialização na legislação infraconstitucional

No art. 59 do Código Penal, o legislador ordinário

estabeleceu que as penas devem ser necessárias e suficientes à reprovação e prevenção do crime, ou seja, que a finalidade da pena que o ordenamento jurídico pátrio decidiu por adotar é uma teoria mista ou unificadora, se unificando as teorias absolutas e relativas. Aonde a teoria

45 NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. 3. ed. Rio Janeiro: Forense, 2013. p. 344.

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absoluta prega uma ideia de retribuição, e a relativa de prevenção.

É justamente na teoria relativa que está inserido o ideal de ressocialização, cabendo citar o posicionamento de Greco (2011)46, que prescreve:

Pela prevenção especial positiva, segundo Roxin, “a missão da pena consiste unicamente em fazer com que o autor desista de cometer futuros delitos”. Denota-se, aqui o caráter ressocializador da pena, fazendo com que o agente medite sobre o crime, sopesando suas consequências, inibindo-o ao cometimento de outros.

Desta forma, pode-se afirmar que o indivíduo só vai

conseguir sopesar seus atos, através de fatores que o motivem a mudar, fatores esses que são o trabalho e o estudo.

O art. 1 da Lei de Execução Penal vem garantir a ressocialização do executado, afirmando que é um dos objetivos da execução penal garantir a integração social do executado. E também na mesma esteira está o art. 3 da mesma lei, que garante ao executado o respeito aos demais direitos não atingidos pela condenação47.

Sendo assim, o direito do executado ao trabalho e ao estudo, não são atingidos pela condenação, devendo o Estado além de respeitá-los, dar meios para que se efetive, tendo em vista que só assim se dá margem a possível ressocialização do executado.

46 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p.113. 47 NUNES, Adeildo. Da Execução Penal. 3. ed. Rio Janeiro: Forense, 2013. p. 88.

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6.6 CONSEQUÊNCIAS DA INEXISTÊNCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO

Atualmente no Brasil temos 548.003 mil presos, e

destes apenas 90.824 mil realizam algum tipo de trabalho, e 47.353 mil realizam atividades educacionais, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, de 12/2012.

Analisando os dados acima, chega-se a triste conclusão que pouco mais de 25% dos presos no Brasil, desenvolvem atividades passíveis de ressocialização, ou seja, 75% dos presos hoje no Brasil se veem negado um dos fins da execução da pena que é a ressocialização.

Diante dos dados acima expostos, pode-se concluir que esses 75% dos presos que não realizam nenhum tipo de atividade, causam sérios prejuízos para a sociedade e para o Estado. Para a sociedade, pois o tempo vago no cárcere poderia ser empregado no aprendizado de uma profissão, para que posteriormente, ao sair da prisão este indivíduo tenha de onde tirar seu sustento, e não venha novamente, causar danos à sociedade. E já no que tange ao prejuízo para o Estado, este se verifica na ausência de parte da remuneração do executado, para o ressarcimento do Estado, no que concernem as despesas realizadas com a manutenção do condenado, nos termos do art. 29, § 1º, “d” da Lei 7.210/84.

Cabe mencionar ainda, que o trabalho e estudo não trazem 100% de chance do executado se recuperar, ou melhor, ressocializar, porém no caso daqueles que realizam algumas das atividades citadas é bem mais fácil sua reinserção no meio social. Já para aqueles que não realizam nenhum tipo de atividade, a perspectiva para que estes se recuperem é quase que nula.

Desta forma, pode-se afirmar veemente, que está sendo negado a estes 75% de presos a única chance de se reinserir na sociedade, de ter um futuro melhor, negar esta chance é sim violar o princípio da humanização da pena, estampando na Constituição Federal, ao se proibir

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penas cruéis, no art. 5, XLVII, “e”, bem como na Lei de Execução Penal e no Código Penal, art. 3 e art. 38, respectivamente. A crueldade reside precisamente, em negar um direito do executado, e que através dessa negativa, seja prejudicada a possibilidade de se reinserir na sociedade, bem como tornando a pena bem mais severa, ao deixar o executado preso sem ter uma ocupação útil, tornando os dias infindáveis.

Torna-se relevante mencionar as palavras de Nucci (2013)48, que preceitua:

Na prática, no entanto, lamentavelmente, o Estado tem dado pouca atenção ao sistema carcerário, nas últimas décadas, deixando de lado a necessária humanização do cumprimento da pena, em especial no tocante à privativa de liberdade, permitindo que muitos presídios se tenham transformado em autenticas masmorras, bem distantes do respeito à integridade física e moral dos presos, direito constitucionalmente imposto.

Não conceder ao executado o seu direito ao estudo

ou ao trabalho é sim uma violação a sua integridade moral, pode-se ainda ir mais fundo é uma violação a sua integridade psíquica.

Nesse contexto, o art. 5, XLIX, da Constituição Federal, prevê expressamente a proteção à integridade física e moral do executado, sendo esta uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata, devendo o Estado garantir um mínimo existencial ao executado, não tendo neste caso, justificativa com base na reserva do possível, para a sua não efetivação49.

48 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 1020. 49 SILVA, José Adaumir Arruda da; SILVA NETO, Arthur Corrêa da. Execução Penal: Novos rumos, novos paradigmas. Manaus: Aufiero, 2012. p. 124.

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Cabe mencionar ainda a lição de Silva e Neto

(2012)50, que prescrevem: A dignidade humana e as condições materiais de existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual se expressou em nosso Texto Maior que os que se encontram presos têm direito, não podendo lhes ser privados esse mínimo. Diante disso, pode-se afirmar que existe um limite mínimo de proteção, da qual o Estado não pode se negar, cabendo ao Poder Judiciário, na hipótese de negligência do Executivo e com fundamento na garantia dos direitos humanos ou fundamentais, exarar a efetivação do direito.

Desta forma, tendo em vista à violação a

integridade moral dos executados, ao lhe negar o direito ao trabalho e ao estudo, cabe ao judiciário intervir, e fazer com que a lei seja cumprida, bem como que a Constituição Federal seja respeitada, e que ocorra a tão almejada ressocialização do executado.

50 Ibidem, p. 124.

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6.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente trabalho ficou constatado que o estudo

e o trabalho são os únicos meios dos executados obterem a oportunidade de se ressocializar. Pois, embora a letra de lei diga que este é um dos fins da execução da pena, sem ter meios eficazes para alcançar o objetivo, está é apenas letra morta de lei.

O Estado como único detentor do jus puniendi, deve ter a noção que o simples fato do executado estar em um cárcere, privado de sua liberdade, não vai fazer com este mude sua conduta, fato este já constatado por vários doutrinadores aqui citados, décadas atrás.

A pena privativa de liberdade por si só já é cruel, conforme muitos doutrinadores atestam, agora retirar o único meio do executado se manter ocupado, aprender uma profissão ou exercer uma, é desumano, tendo em vista que lhe retira toda a chance de um futuro melhor.

E mais, a negativa do direito ao trabalho e ao estudo, impede que o executado faça jus a remição da pena, que é sim um incentivo para que este mude sua conduta, tenha bom comportamento, respeite as regras, ou seja, este incentivo que é a remição educa o executado.

Nossos legisladores devem entender que aumentar as penas dos crimes, também não vai evitar o crime, ou ressocializar o executado, a lei se tem, o que falta é colocá-la em prática. Não adianta deixar um indivíduo preso 30 anos, se quando este sair vai estar pior do que entrou. O tempo que o executado está no cárcere deve ser produtivo, a ponto de educá-lo, a fazer ter consciência que pode ter uma vida melhor, longe do crime quando sair, e mais uma vez isso só se dá através do trabalho e do estudo.

Infelizmente investimento no setor penitenciário no Brasil não atrai votos, razão pela qual não se vê nenhum político falando que vai implantar infraestrutura para trabalho e estudo nas penitenciárias. E mais, cabe à sociedade sair da zona de comodismo e exigir tais

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investimentos, até porque se isso não for feito, a própria sociedade vai sentir os efeitos, quando este executado que não foi ressocializado sair da prisão, pior do que entrou.

O investimento em infraestrutura para trabalho e estudo do executado, não é dar comodismo ao mesmo, mas sim dar a chance a este, para que quando este sair da prisão tenha a possibilidade de arrumar um emprego, e manter seu sustento sem recorrer à vida criminosa.

No Brasil hoje, deve-se parar de pensar que tudo para evitar a criminalidade está em criar leis, pois neste caso o que se deve ter são investimentos no setor carcerário, dando efetividade a algo previsto há anos na lei.

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