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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Pereira, Sônia Virgínia MartinsLetras: Lingüística I/Sônia Virgínia Martins Pereira. – Recife: UPE/NEAD,

2010. 65 p.

ISBN 978-85-7856-048-5

1. Teoria da Linguagem 2. Lingüística 3. Educação à Distância I. Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título

P436l

CDD 410

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Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplaresAv. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife - Pernambuco - CEP: 50103-010Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

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Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado

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Prof. José Thomaz Medeiros Correia

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Prof. Álvaro Antônio Cabral Vieira de Melo

UNIVERsIDADE DE PERNAmbUCo - UPE

NEAD - NÚCLEo DE EDUCAÇÃo A DIsTÂNCIA

Coordenador Geral

Coordenador Adjunto

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EDIÇÃo 2010

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Prof.ª Angela Maria Borges CavalcantiProf.ª Eveline Mendes Costa Lopes.

José Alexandro Viana Fonseca

Prof. Marcos Leite Anita SousaGabriela CastroRodrigo SoteroRomeu Santos

Adonis DutraAfonso BioneProf. Jáuvaro Carneiro Leão

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Linguística iProf.a sônia Virgínia martins Pereira

Carga Horária | 60 horas

temática

Caminhos iniciais da linguística como a ciência da linguagem

ementa

Estudo da ciência da linguagem: suas proposições teóricas, abrangência e alcance de suas possíveis aplicações. Percurso da concepção clássica de língua à teoria do signo. Modalidades oral e escrita da língua. O legado de Ferdinand Saussure e de Chomsky para os estudos e métodos de ensino de língua. Formalismo e Fun-cionalismo. Introdução aos estudos pragmáticos. Enfoque epistemológico dos conteúdos.

ObjetivO geraL

Refletir sobre as proposições teóricas, abrangência e aplicações da Linguística, analisando o percurso dessa ciência, de seus postulados iniciais às teorias mais recentes.

apresentaçãO

Prezado(a) aluno(a)

É com bastante satisfação que iniciamos este curso que pretende trilhar os ca-minhos percorridos pela Linguística até adquirir o estatuto de ciência da lingua-gem. E, para o percurso nessa trilha, sua companhia será indispensável, uma vez que você, como estudante do Curso de Letras, deverá estudar as disciplinas que embasam o seu curso de graduação, sendo a Linguística, dentre elas, um compo-nente importantíssimo.

Então, em nossa caminhada, introduziremos as abordagens teóricas e metodoló-gicas que constituíram a Linguística como ciência autônoma e com um objeto de estudo próprio, no decorrer do século XX.

Assim, neste capítulo 1 da disciplina Linguística l, trataremos dos estudos da linguagem e da constituição do campo da Linguística, trabalhando conceitos como língua e linguagem e outros não menos importantes, dado o enfoque da disciplina, a exemplo de questões relacionadas ao sistema, às normas da língua e à fala. Também estudaremos aspectos sobre a linguagem oral e escrita pela importância desses estudos para a composição dos domínios da ciência que nos

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comprometemos em estudar.

Por fim, colocaremos, em evidência, o legado de Saussure para a constituição desse domínio e do objeto de estudo dessa ciência, uma vez que o mestre genebrino é considerado o “pai da linguística moderna”, por ter proporcionado à linguística a condição de ciência independente.

Por essas vias percorridas, esperamos que você se encante com esta disciplina e que isso seja, apenas, o primeiro passo de um agradável encontro com essa ciência.

Então, o que você está esperando? Que tal começarmos agora a caminhada?

Abraço, Prof.a Sônia Martins

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7Capítulo 1 77Capítulo 1

Prof.a sônia Virgínia martins PereiraCarga Horária | 15 horas

temática 1

Os estudOs da Linguagem e a cOnstituiçãO dO campO da Linguística

Subtema: Língua, linguagem, sistema, norma, fala

• Língua e linguagem• Comunicação animal e linguagem humana• Sistema, norma e fala

Língua

Caetano Veloso

Gosta de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões(…)

E deixe os Portugais morrerem à míngua“Minha pátria é minha língua”

Fala Mangueira! Fala!(…)

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em póO que quer

O que pode esta língua?A língua é minha pátria

E eu não tenho pátria, tenho mátriaE quero frátria

(…)E deixa que digam, que pensem, que falem.

Linguística i

Font

e: b

lig.ig

.com

.br /

aqui

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it.ne

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8 Capítulo 1

O que faz neste contexto a emblemática foto de Einstein junto com trechos da canção de

Caetano?

Aparentemente, não há nenhuma relação entre uma coisa e outra, ainda mais quando se pretende falar sobre os princípios fundadores da Linguística.Entretanto, quando se tem em mente que esses princípios estão ancorados em conceitos sobre a língua, não apenas como estrutura do aparelho fonador – embora isto seja importante para a Fo-nética e a Fonologia, áreas da Linguística que estu-dam os sons da fala – e também sobre a linguagem, parece-nos importante entender os princípios que regem esses conceitos.

Primeiramente, gostaria que você refletisse sobre o que é a língua. Não o órgão mostrado por Einstein na foto, mas como o sistema cantado por Caetano em sua música.

E então, já pensou?

É, embora o primeiro verso da canção de Caeta-no traga uma fabulosa ambiguidade que nos deixa pensar sobre a língua de Camões, não só como ór-gão mas também e, principalmente, como sistema vivo que contribui para a comunicação e interação humana, a língua a que nos reportaremos é aque-la com a qual podemos interagir com as pessoas e que nos leva a práticas de linguagem.

Então, vamos trabalhar conceitos fundamentais para a Linguística, procurando entendê-los à luz de concepções teóricas específicas.

Você já questionou sobre como surgiu a linguagem?

Pois saiba que esta indagação faz parte da condição humana, visto que nós, seres humanos, procura-mos sempre uma explicação para tudo o que existe.

Questões sObre a Origem da Linguagem Humana da cOmunicaçãO animaL

Para se falar sobre a linguística como a ciência da linguagem, é preciso delimitar, primeiramente, a que tipo de linguagem estaremos nos referindo. Logicamente que, para algumas pessoas, essa deli-mitação é bem nítida, uma vez que entendem que só se pode falar em linguagem, se tivermos como

referência desse fenômeno o ser humano. Alguns teóricos utilizam até uma denominação diferen-ciada, quando se referem à comunicação animal. Este autor defende que os animais possuem o seu próprio “sistema de signos” que, em comparação com a linguagem humana, apresenta uma signifi-cativa distinção não só quantitativa mas também qualitativa.

Então, já estabelecemos a primeira fronteira nesta disciplina, quando nos voltamos para os estudos da Linguística como ciência da linguagem huma-na. Agora, vamos nos ater a questões importantes que dizem respeito ao surgimento desse fenômeno próprio das relações humanas, na tentativa de aju-dar você a entender como surgiu essa linguagem.

Mas será que podemos dar apenas uma explicação para a origem da linguagem humana?

Diante das mais diferentes teorias que tentam explicar como surgiu esse fenômeno, nosso papel como profissionais, que têm como instrumento de trabalho a linguagem, é o de tentar elucidar como estudos atuais, sob as mais diversas perspectivas, embasadas em estudos antropológicos ou de ou-tras ciências que tentam explicar essa origem.

Dentre as tendências atuais que abordam o tema, temos a que interrelaciona o crescimento cultural significativo ocorrido há cerca de 50 mil anos ao desenvolvimento da linguagem verbal, uma vez

VOCÊ SABIA?

Teorias - Dentre as teorias que explicam o

desenvolvimento da linguagem humana, há

aquelas que não se voltam, apenas, para a

gênese desse fenômeno com o foco em nos-

sos ancestrais, mas igualmente, para o co-

nhecimento de como essa linguagem é apro-

priada pelo ser humano.

Um dos teóricos que se voltam para essa úl-

tima questão apontada está Vygotsky, para

quem é a necessidade de comunicação que

impulsiona, primeiramente, o desenvolvi-

mento da linguagem humana. Seu livro Pen-

samento e linguagem trata da origem e do

processo de desenvolvimento do pensamento

e da linguagem no ser humano, que, segun-

do o autor, têm origens diferentes e desenvol-

vem-se segundo trajetórias diferentes e inde-

pendentes, antes que ocorra a estreita ligação

entre esses dois fenômenos.

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9Capítulo 1

que seria impossível esse florescimento sem as formas de linguagem estarem estruturadas. Por meio de estudos que pesquisam os objetos construídos pelos seres humanos ao longo de sua evolução e de regis-tros pictóricos, a exemplo das pinturas rupestres encontradas em vários continentes, os antropólogos têm sustentado hipóteses interessantes sobre os caminhos percorridos pelos seres humanos, na construção de sua cultura material e simbólica, o que fortalece a ideia de que a origem da linguagem humana é bem mais remota do que se imaginava.

A visão de Faraco, em seu artigo No rastro da fala, publicado no periódico Discutindo a língua portuguesa que trata da origem da linguagem humana a partir de uma perspectiva antropológica, a questão da linguagem está amplamente ligada à própria origem e evolução da humanidade, uma vez que se entende que o ser humano só pode construir cultura por meio da mediação da linguagem.

atividade | Diante disso, pesquise, em ou-tras fontes, o que diferentes perspectivas teó-ricas apontam como o início desse fenômeno, que é a linguagem humana.

Após essa pesquisa individual, procure entender o porquê da linguagem, como realidade material que se apresenta por meio de uma língua, a qual se organiza por meio de sons, palavras, frases, ser autônoma; e como expressão de emoções, ideias, propósitos ser a própria linguagem, orientada pela visão de mundo, pelas condições do contexto so-cial, histórico e cultural dos falantes.

E quanto à comunicação animal , o que dizem as teorias a respeito disso?

Podemos definir como se dá essa comunicação?

Vejamos o que pode-mos apreender sobre a forma como os ani-mais de comunicam.

Font

e: (F

oto:

H.R

. Hei

lman

n/D

ivul

gand

o)

g1gl

obo.

com

/not

icia

s/ci

enci

a

Comunicação elaborada ajuda animais a aproveitar as melhores flores.

VOCÊ SABIA?

Comunicação animal - Outra questão recor-

rente para a Linguística, além do conheci-

mento sobre a origem da linguagem humana,

é a que trata sobre a comunicação animal.

O polêmico texto de Emile Benveniste, Lingua-

gem das abelhas, ajuda a definir o que é ou

não linguagem permitindo confrontar o fun-

cionamento do sistema de signos dos animais

com as especificidades da linguagem huma-

na.

Citamos no início deste tópico que, ao diferenciar a linguagem humana da comunicação animal, al-guns teóricos chegam a denominar essa comuni-cação como sistema de signos . Esse sistema seria tão limitado que não permite comparar, sequer em termos quantitativos, o que alcança a linguagem humana com seu poder de decompor e recombi-nar os signos verbais, o que gera infinitos enuncia-dos bem como o poder de substituir a mediação da experiência pela mediação desses mesmos signos.

Por outro lado, os sistemas dos outros animais estão do-minados pela mediação da experiência, quer seja para indicar fontes de alimento ou para a consecução de procedimentos para outras necessidades, tais como a procriação.

Outra diferença significativa

VOCÊ SABIA?

Signos - No terceiro tópico será visto

mais amplamente o que é o signo,

mas para uma compreensão inicial

do conceito, podemos defini-lo como

um elemento que representa ou ex-

pressa um objeto, um evento, uma

situação.

O termo computador, por exemplo,

é um signo que representa o objeto

computador; o símbolo 1 é um signo

para a quantidade um; o desenho

de um cigarro com um x sobre ele

em um determinado ambiente é um

signo que indica “neste local não se

pode fumar”.

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10 Capítulo 1

entre os dois sistemas é no que se refere à significa-ção, ao aspecto semântico. Enquanto na comuni-cação animal os signos têm sentido único, ou seja, são determinados semanticamente, na linguagem humana, os signos tornam-se plurissignificativos pelo seu uso na interação humana, que pode im-pulsionar a linguagem figurada, tornando, assim, a linguagem indeterminada semanticamente.

Essas são apenas diferenças gerais que marcam a distinção entre a linguagem humana e a comuni-cação animal. Outros estudos sobre o tema podem levantar outras diferenças mais específicas a partir da ótica adotada pelos pesquisadores.

Acima destacamos a grande diferença que há entre a linguagem humana e a comunicação animal.

Que diferenças são essas que apontam tanto para uma distância quantitativa quanto quali-

tativa entre esses dois fenômenos?

Pense nisso e aprofunde seus estudos sobre o tema.

A partir do que foi exposto sobre língua e lingua-gem, vamos agora conhecer algumas definições im-portantes acerca de sistema, norma e fala, que são aspectos das línguas.

Alguns linguistas conceituaram por diferentes perspectivas esses fenômenos, ampliando o que Saussure – que estudaremos mais adiante - conce-bia a respeito disso. Entretanto, o que nos interes-sa neste momento é dar um panorama geral sobre eles, de forma mais didática. Em decorrência disso, vamos nos ater às concepções do linguista Eugénio Coseriu (1921-2002), que definiu assim os concei-tos que estamos estudando:

Língua: sistema abstrato.

Fala: realização concreta desse sistema.

Para Coseriu, a língua pode ser vista a partir de dois níveis de abstração:

• o sistema, que é o conjunto de possibilidades de uma língua, definindo o que pode e não pode ser linguisticamente realizado;

• a norma, conjunto de imposições sociais e cul-turais que favorecem o uso de determinadas possibilidades do sistema em detrimento de outras.

Na Linguística, os termos sistema, norma e fala re-presentam realidades distintas, mas que mantêm entre si relações de interdependência.

Leia abaixo o quadro que traz uma homenagem ao Rio de Janeiro após esta cidade ter conquistado o direito de sediar as Olimpíadas de 2016:

Esse enunciado mostra que por meio de uma úni-ca unidade da língua, nesse caso, um grafema, existe a possibilidade de variados sentidos serem construídos. A homenagem feita pela revista feli-cita o Rio de Janeiro, trocando, apenas, a palavra veja – numa referência ao nome do periódico - por seja, aproveitando também o adjetivo atribuído à cidade, chamada de maravilhosa.

SAIBA MAIS!

O capítulo 5 do livro Problemas de lin-

guística geral, de Benveniste, “Comu-

nicação animal e linguagem humana”,

para aprofundar seus conhecimentos

sobre esse tema.

sejamaravilhosaP a r a b é n s , R i o d e J a n e i r o . A c i d a d e - s e d e d o s J o g o s O l í m p i c o s d e 2 0 1 6 .

vejaLer é indispensável.

Fonte: Revista Veja Editora Abril edição 2133 – ano 42 – nº 40 7 de outubro de 2009

VOCÊ SABIA?

Entende-se por grafema a unidade formal mí-

nima da escrita, que, uma vez sendo mínima,

não é divisível, pois não pode se desmembrar

em dois ou mais sinais que podem vir a ser

considerados grafemas. É formal por ser abs-

trato, ou seja, não pode ser visto concretamen-

te, embora vejamos a sua representação. As-

sim, as diferentes formas e os estilos da letra V

vvv são representações, algumas ocorrências

possíveis de um grafema.

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11Capítulo 1

Isso serve para entendermos os conceitos vistos an-teriormente, uma vez que o sistema é o conjunto formado pelas unidades da língua que estão efeti-vamente em uso e também aquelas que podem vir a ser usadas, segundo regras estabelecidas. Como no exemplo dado, há várias palavras na língua por-tuguesa em que a troca de um fonema/grafema pode representar aspectos bem distintos, e os usu-ários podem entendê-las, uma vez que os sentidos desses vocábulos são construídos tacitamente pelos usuários da língua, e não, pelos gramáticos, que, apenas, as descrevem. Embora a língua evolua com a criação de novos termos que representam mais eficazmente a realidade de determinado contexto sócio-histórico, as modificações no sistema linguís-tico só se concretizam, quando assumidas pela co-letividade. Assim, o sistema é a própria língua ou código linguístico e corresponde ao conjunto das possibilidades verbais dessa língua.

Na visão de Cosèriu, norma consiste nos padrões de uso da língua, na maneira como o sistema ou código linguístico é utilizado pelos usuários. Em decorrência da norma, os falantes utilizam certas possibilidades da língua ou descartam ou ainda nem utilizam outras. Daí, serem perfeitamente aceitáveis manifestações sintático-semânticas como seja maravilhosa ou veja maravilhosa, ou ainda Para-béns, Rio de Janeiro ou Rio de Janeiro, parabéns. E não serem aceitas construções como ler é maravilhosa. A norma determina a aceitabilidade ou não de tais construções.

Quanto à fala, esta é considerada a concretização ou realização do sistema. É a particularização, o uso individual da língua pelos falantes. Por meio da fala, a língua exerce o seu papel de instrumen-to de comunicação, de meio de interação entre os usuários. Por isso, você, ao emitir a sequência [‘pa.ta], que se associa ao significado p a r a constituir o lexema ou palavra pata, está produzin-do fala. Esse fenômeno é constituído de infinitos

atos comunicativos, produzidos pelos falantes de uma língua, a fim de atuarem interacionalmente no mundo.

E assim, “pegando carona” nos conceitos estuda-dos na temática 1, vamos iniciar os estudos sobre a temática 2 deste capítulo, discutindo sobre a natu-reza das modalidades oral e escrita da língua.

temática 2

mOdaLidades OraL e escrita da Língua

Subtema: A linguagem oral e a linguagem escritaSubtema: A natureza da modalidade oralSubtema: A natureza da modalidade escrita

Marcuschi (2001) ensina que a modalidade oral e a modalidade escrita da língua não devem ser vistas como realidades estanques, numa visão dico-tômica que tenta, por vezes, legitimar a superiori-dade da escrita sobre a fala.

Você concorda com essa visão de Marcuschi?

Para esse pesquisador, tais modalidades devem ser vistas num contínuo1, em que as diferenças entre elas se estabelecem pelas condições de produção em que se manifestam.

Apesar de concordarmos plenamente com o que diz Marcuschi, entendemos que tanto a fala quan-to a escrita apresentam particularidades de outras ordens que as tornam modalidades específicas da língua. Essas particularidades são, realmente, específicas de cada uma delas, a exemplo de ele-mentos extralinguísticos, como a gesticulação, que contribuem para a interação na fala ou a reescrita de um texto em que se pode apagar, literalmente, trechos de texto anterior por meio de recursos do computador ou de liquid paper e borracha, na lín-gua escrita.

Em decorrência disso, apresentaremos, a seguir, algumas diferenças entre linguagem oral e lingua-gem escrita com base nos estudos de Chafe (1987), descritos por José Mário Botelho, o qual também coloca em destaque a natureza dessas duas modali-dades da língua.

VOCÊ SABIA?

O fonema é a menor unida-

de sonora da língua. A palavra

falada é constituída a partir da

combinação dessas unidades

mínimas de som, os fonemas.

1 A ideia de contínuo em Marcuschi diz respeito ao que está fundado nos próprios gêneros textuais em que manifesta o uso da língua no dia-a-dia. O princípio geral subjacente a isso é a visão não dicotômica entre oralidade e escrita.

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12 Capítulo 1

Entretanto, outros estudos são importantes para essa compreensão sobre as particularidades dessas modalidades, e, por isso, você deve procurar apro-fundar esse tema em suas pesquisas particulares.

Botelho descreve o contexto, a intenção do falante ou do produtor do texto escrito como sendo os fa-tores responsáveis pelas diferenças entre oralidade e escrita.

Em resumo, apresenta as especificidades dessas di-ferenças a partir dos estudos de Chafe (1987), que analisou produções discursivas da oralidade – con-versação e conferência e produções discursivas da escrita – carta e artigo acadêmico, buscando focali-zar os modos como os produtores dos textos tanto orais quanto escritos fazem suas escolhas lexicais ou sintáticas para exporem suas ideias. A partir dessas observações, temos pontuadas as primeiras diferenças entre as duas modalidades:

• A escolha dos falantes é mais rápida enquan-to a dos produtores de textos escritos é mais lenta, visto que estes podem desfrutar de mais tempo para elaborar suas ideias e revisar suas escolhas.

• Em decorrência do processo mais longo na escolha dos escritores, o vocabulário destes tende a ser mais variado e adequado à sua con-veniência.

• Tanto a escolha lexical dos falantes quanto a dos escritores resultam na formatação de um estilo próprio e no monitoramento do grau de formalismo e coloquialismo de suas produções discursivas.

• Quanto a esse monitoramento, a distinção entre fala e escrita não é precisa, visto que as restrições operativas não estão ligadas propria-mente à velocidade do processo.

• Em relação ao grau de formalismo ou de colo-quialismo, isso envolve escolas estilísticas e de domínio do léxico que podem transferir-se de um modo de produção para outro sem nenhu-ma dificuldade.

O artigo ressalta que Chafe elege a prosódia como a unidade relevante da fala, a qual chama de uni-dade de entonação . Na escrita, as unidades de en-tonação são mais longas do que na fala, sendo esta

limitada em extensão pela memória de curto prazo ou capacidade de consciência focal do falante como também supõe o pesquisador, pela consciência que o falante tem das limitações de capacidade do ou-vinte.

O pesquisador tem por finalidade, através do seu estudo, demonstrar as propriedades da linguagem oral e da linguagem escrita e, para isso, utiliza esses parâmetros que o ajudam a estabelecer as especifi-cidades de cada uma dessas modalidades: varieda-de de vocabulário, nível de vocabulário, constru-ção de oração, construção de frase, distanciamento e envolvimento.

Vamos continuar nossa caminhada de estudos por caminhos diferentes, mas perseguindo a mesma reta de chegada, pois ainda discutiremos funda-mentos valiosos para os estudos linguísticos, foca-lizando, apenas, as concepções de Ferdinand Saus-sure, o “pai da linguística moderna”.

VOCÊ SABIA?

Entonação ou entoação é a variação de altura

utilizada na fala que recai sobre uma palavra

ou oração e não sobre fonemas e sílabas. En-

tonação e ênfase são elementos da prosódia

que é um elemento de estudo da Linguística.

(Wikipédia)

VOCÊ SABIA?

Dentre os tipos de memória existentes, há a

memória de curto prazo ou memória de tra-

balho, que é aquela com capacidade limita-

da de armazenamento de informações, de

alguns segundos ou, no máximo, de poucos

minutos.

SAIBA MAIS!

Esses parâmetros estão descritos no artigo

que sintetizamos e você pode estudá-los

acessando o link a seguir. Leia o trecho do

artigo de José Mário Botelho, disponível, na

íntegra, em:http://www.filologia.org.br/ixcnlf/3/03.htm

O livro de Marcuschi Da fala para a escrita:

atividades de retextualização é uma leitura

de referência para o aprofundamento sobre

a questão do contínuo entre linguagem oral

e linguagem escrita.

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13Capítulo 1

temática 3

saussure e a cOnstituiçãO dO dOmíniO e dO ObjetO da Linguística

Subtema: A língua como objeto da LinguísticaSubtema: O signo linguísticoSubtema: O estruturalismo europeu

Primeiramente, vamos sintetizar algumas ideias gerais sobre a história da Linguística e os processos viven-ciados por essa ciência, para que você comece a construir algumas noções básicas a respeito dela, com base em alguns pesquisadores.

Segundo Weedwood (2002), o termo Linguística passou a ser utilizado em meados do século XX, para distanciar a nova abordagem dos estudos da linguagem que se passava a fazer, a partir de então, de uma abordagem centrada na filologia . Atualmente, entretanto, a Linguística abarca todas as perspectivas que examinam os fenômenos da linguagem, inclusive os estudos gramaticais tradicionais e a filologia. Ela afirma que a Linguística tal como é vista hoje passou a demarcar seu território a partir de 1950, sob a influência das ideias estruturalistas de Ferdinand de Saussure.

Essa afirmação sobre a influência de Saussure para o processo de constituição dos domínios da Lin-guística é bem aceita pelos pesquisadores, visto que é apenas, no início do século XX, com a divulgação dos trabalhos de Saussure, que a investigação sobre a linguagem passa a ser reconhecida como estudo científico, tornando-se uma ciência independente chamada Linguística. A obra fundadora dessa ci-ência, o Curso de Linguística Geral , foi publicada em 1916, por dois alunos de Saussure, a partir de anotações de aulas ministradas pelo mestre gene-brino.

VOCÊ SABIA?

Filologia - Joaquim Mattoso Câmara Junior (CÂMARA JÚNIOR, 1986,

117) afirma que filologia é um helenismo, que significa literalmente “amor

à ciência”, usado, a princípio, com o sentido de erudição, especialmente

quando interessada na exegese dos textos literários. Hoje designa, estrita-

mente, o estudo da língua na literatura, distinto, portanto, da linguística.

Corroborando essas afirmações, Peter (2002) diz que

“Antes disso, a Linguística não era autônoma, submetia-se à exigência de outros estudos, como a lógica, a filosofia, a retórica, a história ou a crítica literária. O século XX ope-rou uma mudança central e total dessa atitude, que se ex-pressa no caráter científico dos novos estudos linguísticos, que estarão centrados na observação dos fatos de lingua-gem”.

Alguns autores dividem o campo da Linguística por meio de três dicotomias, sendo elas, a linguísti-ca sincrônica e a diacrônica, a linguística teórica e a aplicada, a microlinguística e a macrolinguística.

Como lemos acima, a Linguística passou a ser con-siderada ciência com a contribuição dos estudos de Saussure, que, apesar de ter publicado poucas obras relevantes, o livro atribuído a ele, o Curso de Linguística Geral, editado a partir de anotações de aula de seus alunos Bally e Sechehaye, construiu as bases da linguística moderna. Em vista disso, Saus-sure é referência para qualquer teoria linguística atual.

VOCÊ SABIA?

O Curso de Linguística Geral é

uma obra póstuma organiza-

da por Charles Bally e Albert

Sechehaya, alunos de Ferdi-

nand de Saussure. Tal obra

inicia a fase estruturalista dos

estudos da linguagem e apre-

senta os fundamentos teórico-

metodológicos dessa escola,

os quais influenciaram outras

ciências.

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14 Capítulo 1

Então vamos conhecer um pouco mais sobre os fundamentos teóricos de Ferdinand de Saussure, a começar da questão da língua como objeto da Linguística.

a Língua cOmO ObjetO da Linguística

Um retorno – de novo, a língua, mas agora, sob a visão de Saussure...

Lembra-se dos versos da canção do Caetano?

Pois é, reportamo-nos a eles novamente para falar que a língua é, segundo Ferdinand de Saussure, um sistema de signos, ou seja, um conjunto de uni-dades que estão organizadas formando um todo.

Peter (2008) diz com relação à noção de língua definida por Saussure que este considerou a lin-guagem “heteróclita e multifacetada” por invadir vários domínios, sendo ao mesmo tempo

• física, fisiológica e psíquica;• individual e social.

visto que ela “não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como inferir sua unidade” (1969:17).

Pelo fato de a linguagem envolver uma diversidade de problemas bastante complexos e de diferentes ordens, ela necessita da análise de outras ciên-cias, além da investigação linguística. Em decor-rência disso, Saussure a desprezou como objeto dessa ciência, por não se enquadrar naquilo que ele entendia como unidade.

Para a configuração de um objeto de estudo, Saussure separa uma parte da linguagem, a lín-gua – um objeto, na visão dele, unificado e pas-sível de classificação. Ela é uma parte essencial da linguagem; “é um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções ne-cessárias, adotadas pelo corpo social para permi-tir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (1969:17).

Para Saussure, a língua é, também, “um siste-

ma de signos” – um conjunto de unidades que se relacionam organizadamente no interior de um esquema. É “a parte social da linguagem” e se apresenta exterior ao indivíduo, por isso não pode ser modificada pelo falante, visto que obedece às convenções sociais estabelecidas pelos usuários dos sistemas linguísticos.

Outro elemento importante para o binômio lin-guagem-língua, conforme Saussure, é a fala. A fala é um ato individual que resulta das combinações feitas pelo sujeito falante ao utilizar o código lin-guístico; expressa-se pelos mecanismos psicofísicos (atos de fonação), necessários à produção dessas combinações.

Assim, tem-se a clareza de que a distinção lingua-gem/língua/fala situa o objeto da linguística para Saussure. Dessa distinção, resulta a divisão do es-tudo da linguagem em uma parte que investiga a língua e outra que analisa a fala. Essas duas partes, entretanto, são inseparáveis, pois mantêm uma re-lação de interdependência entre si, visto que a lín-gua é condição para se produzir a fala, embora não haja língua sem o exercício da fala. Por essa pers-pectiva, há necessidade de duas linguísticas: uma da língua e outra da fala. Ferdinand de Saussure focalizou em seu trabalho a linguística da língua, por ser esta, em sua perspectiva, “produto social depositado no cérebro.

O signO LinguísticO

Para você entender o que Saussure quis dizer sobre o sistema de signos, observe as imagens abaixo:

“minHa pátria É minHa Língua”a Língua É minHa pátria”

Figura 1Identificação Fônica

Palavra portuguesaborboleta

Significado

Decodificação

Pronúncia portuguesa

Significado sonoro

[borboleta]

O significante gráfico é apenas ligado ao significante sonoro, único a pertencer ao signo.

[bor]- [bo]- [le]- [ta]

signo linguistico

Font

e: c

ielo

.com

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15Capítulo 1

Essas imagens, especialmente a figura 1, podem ajudar a esclarecer que signo é a combinação entre o significante (imagem acústica) e o significado (con-ceito). É fundamental observar que, para Saussure, a imagem acústica não deve ser confundida com o som, visto que ela, da mesma forma que o concei-to, é psíquica e não, física.

A segunda imagem nos ajuda a esclarecer o que Saussure afirma sobre a questão de que a ligação entre o significante e o significado é arbitrária, pois o sistema, que é a língua, é formado de uni-dades abstratas e convencionais. Ou seja, não há razão plausível para que cadeira se chame cadeira, por exemplo.

Mas, uma vez que, na língua portuguesa do Brasil, convencionou-se a identificar assim esse objeto, ele passa a ter um valor na língua, as operações cogni-tivas o associam em nosso cérebro com a ideia de cadeira, e ninguém chama esse objeto por outro nome, a não ser por aquele convencionalizado. É assim que os signos constituem o sistema da lín-gua.

A fim de ampliar suas ideias sobre signo, conheça como diferentes téoricos o conceituam:

Umberto Eco é um dos pensadores que tentaram sin-tetizar os conhecimentos sobre o signo, ampliando o seu conceito a partir de outros já consolidados. São estes os novos conceitos introduzidos por Eco:

• diagramas são os signos que representam re-

lações abstratas, a exemplo das fórmulas quí-micas.

Numa fórmula química ou de qualquer outro tipo, há uma relação abstrata devido ao fato de tal rela-ção ser apenas uma possibilidade de se concretizar algo. • emblemas são as figuras às

quais associamos conceitos, como a cruz, que nos remete ao Cristianismo.

Ao vermos uma cruz cristã, reportamo-nos a uma série de conceitos referentes ao Cristianismo, seja aos que se ligam à morte e ressurreição de Cristo, seja aos que nos induzem à ideia de expiação de pecados, de perdão e outros que estão relacionados a fatos do Cristianismo. Assim, entendemos que o significado desse emblema como o de todo signo depende da visão de quem o interpreta.

• desenhos são os ícones e índices introduzidos por Peirce.

Ao se valer da metáfora destacada na chamada da notícia, o presidente Lula utilizou um ícone que mantém propriedades diretas com o objeto repre-sentado, que no caso, seriam os partidos oposito-res a seu governo. Os traços comuns das oposições com os jogadores que ficam no banco de reserva é que, assim como os reservas – que são beneficia-dos seja por contusão, expulsão ou outro proble-

Font

e: s

tudi

ofel

lixsa

tto.

blog

spot

.com

semiotica aplicada – Santaella

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16 Capítulo 1

ma que ocorra com os jogadores que estão no time principal, o que lhes dá a chance de entrar nesse time – é que há o desejo velado ou não de que algo aconteça com o titular (Lula) para que os reservas (oposição) possam assumir a vaga no time princi-pal (governo federal).

• equivalências arbitrárias são os sím-bolos referidos por Peirce.

Esses símbolos adquirem significação pelo que se convencionou atribuir a eles socialmente e não porque mantêm relação direta com o que repre-sentam.

• sinais são as imagens às quais estão associados conjuntos de conceitos, como as placas de trânsito.

Nesta imagem, está conjugada uma série de conceitos resultan-tes de um único, que é o exposto, proibido

virar à esquerda. A partir desse conceito geral, outros decorrem e alertam para o fato de que, caso você desconsidere a orienta-ção, pode colidir com outro veículo, pode ser multado, pode desviar-se muito do caminho pretendido etc.

Roman Jakobson nos ajuda a entender os sig-nos linguísticos, porque introduziu o con-ceito das funções da linguagem: emotiva, injuntiva, referencial, fática, metalinguística e poética.

Morris e Greimas sustentam a ideia de que tudo pode ser signo, o que torna demasiada-mente abrangente esse conceito. Entretanto, Morris contribui com a seguinte divisão en-tre os signos:

•Quando o signo é considerado em sua estrutura, no modo com que se relaciona e suas possíveis combinações, temos um signo sintático.

VOCÊ SABIA?

Ícones para Peirce são aqueles signos que,

na relação signo-objeto, indicam qualidade

ou propriedade desse objeto por possuírem

características em comum, no mínimo uma

com o objeto representado. São exemplos de

ícones metáforas e comparações, figuras lógi-

cas e poéticas, quadros, desenhos, estruturas,

modelos etc.

Índices, na teoria de Peirce, são os signos em

que na relação signo-objeto, há uma relação

direta, casual e real com seu objeto. O pontei-

ro de um relógio é um índice.

Charles Sanders Peirce foi o fundador do

Pragmatismo e da Ciência dos Signos, a Se-

miótica.

Font

e: c

asad

art.

com

símbolos kanji

VOCÊ SABIA?

Na perspectiva de Peirce, símbo-

los são signos em que a relação

signo-objeto designa seu objeto

independentemente da semelhan-

ça que mantenha com ele - como

no caso do ícone – ou das relações

causais com o objeto – como no

caso do índice. Os símbolos são,

portanto, signos arbitrários cuja

ligação com seus objetos é estabe-

lecida por leis convencionadas.

Proibido virar à esquerda

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17Capítulo 1

• Quando se analisa a relação entre o signo e seus respectivos significados, estamos diante de um signo semântico.

• Quando nos voltamos para o estudo do valor, das reações e do modo como o signo é utiliza-do, temos um signo pragmático.

Nosso já conhecido Ferdinand de Saussure é também considerado o pai da Semiologia por ter criado esse conceito e estabelecido o objeto de estudo des-sa ciência. Sua concepção de signo se opõe à de Peirce, pois distingue o mundo da representação do mundo real. Para ele, não há signos motivados, aqueles que apresentam uma relação de causa-con-sequência – com exceção da onomatopeia.

Saussure classifica os signos em dois grupos:

• Relativamente motivados – a onomatopeia, que para Peirce corresponde ao ícone.

• Arbitrários, nos quais não existe motivação.

Ele apresenta as relações presentes no signo, sendo elas:

• Relações sintagmáticas, que se baseiam na li-nearidade do signo lingüístico, a qual exclui a possibilidade de se pronunciarem dois ele-mentos simultaneamente, visto que a língua é formada por elementos que se sucedem um após o outro, na cadeia da fala. Essa relação é denominada por Saussure de sintagma. Na cadeia sintagmática, um termo tem valor a par-tir da relação que estabelece com aquele que o precede ou o sucede ou a ambos em virtude do caráter linear.

• Relações paradigmáticas, que se estabelecem com base na similaridade de sons, como nas rimas, aliterações, assonância. Baseiam-se na similaridade de sentido, na associação entre o termo presente, no enunciado e a simbologia que esse termo aciona em nossa mente, como no caso da metáfora.

Em Louis Hjelmslev, temos os conceitos de Saussu-re vistos de forma mais complexa. Ele substitui os termos saussureanos significante por expressão e o significado por conteúdo. A expressão e o conteúdo possuem dois aspectos: forma e substância, que, em Saussure, são algumas vezes confundidos com sig-nificante e significado. Assim, para Hjelmslev, os signos são constituídos de quatro elementos, dife-rentemente de Saussure, para quem são dois.

Numa perspectiva diferenciada do que vimos até aqui sobre o signo, temos em Mikhail Bakhtin a concepção de signo linguístico à luz da obra Marxis-mo e Filosofia da Linguagem. A relação entre os usos da linguagem e as estruturas sociais fundamenta os trabalhos de Bakhtin, pois coloca a consciência individual e os fenômenos ideológicos – produzi-dos pelo discurso- como sendo influenciados pelas estruturas sociais e econômicas.

Em decorrência disso, Bakhtin concebe o signo linguístico não como um sinal imóvel, neutro e univalente e sim, como um signo sócio-ideológico, no qual se destacam alguns princípios:

• sua natureza dialética – como produto de uma realidade material (uma imagem sonora), ele refrata uma outra realidade (representações e avaliações de um campo ideológico);

• sua natureza dialógica – porque traz consigo interações verbais dos indivíduos e dos grupos que o constituem bem como diálogos entre numerosos discursos - e de natureza polifônica - por sustentar diferentes temas, conforme o horizonte social e ideológico originado no ato de enunciação.

atividade | Que tal você fazer um mapea-mento das semelhanças e divergências entre esses conceitos de signo?

O estruturaLismO eurOpeu

O que trataremos neste tópico volta-se para a lin-guística estrutural que começa em 1916, na Euro-pa, com a publicação do Curso de Linguística Geral, após a morte de Saussure.

Weedwood (2002) afirma que o estruturalismo saussuriano pode ser resumido em duas dicoto-mias:

VOCÊ SABIA?

A Semiologia foi definida no início do sé-

culo XX por seu criador, Saussure, como a

ciência que estuda os signos na vida social.

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18 Capítulo 1

• langue em oposição à parole. Ainda que o ter-mo francês langue possa ser traduzido literal-mente por língua, segundo a autora, é melhor traduzi-lo por sistema linguístico, que seria mais técnico. E, como exposto em tópicos an-teriores, esse termo diz respeito ao conjunto de regularidades e padrões de formação que estão no seio dos enunciados de uma língua.

• parole, também termo francês que pode ser traduzido por “comportamento linguístico” e que nomeia os enunciados reais.

Para Saussure, dois enunciados podem ser con-siderados diferentes um do outro, sob diferentes prismas e, contudo, ser reconhecidos como ilustra-ções, em certo sentido, do mesmo enunciado.

Lembre-se dos versos da música Língua, de Caeta-no Veloso:

Nesse enunciado, que cita um enunciado anterior – uma frase de Fernando Pessoa – há diferenças quanto à organização sintática, ao contexto lin-guístico e discursivo, ao contexto extralinguístico e outras, pois há dois enunciadores nos versos que compõem esse ato de enunciação.

Entretanto, esses dois enunciados têm em comum uma identidade de forma, e esta forma, para uns, ou estrutura, ou padrão, para outros, estabelece-se, em princípio, de forma independente da substân-cia, ou “matéria bruta”, sobre a qual é imposta.

Em resumo, a corrente a que denominamos Estru-turalismo, no sentido europeu, então é um termo que se refere à concepção de que existe uma estru-tura relacional abstrata que é subjacente e deve ser distinguida dos enunciados reais – um sistema que subjaz ao comportamento real – sendo ela o objeto primordial de estudo da linguística.

É importante que você tenha a clareza de que este estruturalismo a que nos referimos, no qual se des-tacam a Escola de Praga, representada por Trubet-zkoy (1890-1938) e Roman Jakobson (1896-1982) e a Escola de Copenhague, com foco em Louis Hjel-

mslev (1899-1965), distingue-se do estruturalismo americano, que tem outros representantes e algu-mas implicações diferenciadas, a partir do contex-to em que ele é empregado. Ainda assim, o estrutu-ralismo americano mantém variadas características do europeu, que, como vimos, se fundamenta no pensamento de Saussure.

atividade | Uma reflexão rápida:1. Que ideias do estruturalismo europeu podem ser ampliadas a partir do pensamento atual, sob diferentes enfoques teóricos a res-peito de sistema linguístico e enunciado?2. O que você entende por enunciado?

Estas e outras questões são importantes para tra-balharmos a temática 4 que trata das dicotomias saussereanas. Vamos a elas!

temática 4

as dicOtOmias saussereanas

Subtema: língua e falaSubtema: significante e significadoSubtema: diacronia e sincroniaSubtema: relações paradigmáticas e relações sin-tagmáticas

Do que falamos aqui, da origem da linguagem humana ao estruturalismo saussureano, podemos agora fazer uma retomada e conhecer um pouco mais sobre as contribuições de Saussurre para a consolidação da Linguística como ciência inde-pendente.

Para isso, vamos conhecer, em linhas gerais, o que é exposto no Curso de Linguística Geral sobre al-guns princípios a respeito das dicotomias.

Os estudos linguísticos do século XIX tinham por base um ponto de vista histórico que não questio-navam os atos de linguagem nem seu funciona-mento. Ferdinand de Saussure (1857-1913) passa a

“minHa pátria É minHa Língua”a Língua É minHa pátria”

LEIA MAIS!

A obra de Saussure Curso de Linguística

Geral pode ser consultada no sítio

http//www.pdf-search-engine.com/curso-de-linguis-

tica-geral.pdf.html

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19Capítulo 1

alicerçar esses estudos sob um ponto de vista estru-turalista e mostra que cabia à Linguística ampliar seu campo além do estudo dos signos.

Neste tópico, vamos estudar as dicotomias sausse-reanas que fundamentam os pressupostos estrutu-ralistas. São elas:

• Semiologia x Linguística• Significado x Significante• Arbitrariedade x Linearidade• Língua x Fala• Sincronia x Diacronia• Sintagma x Paradigma

Grande parte dessas dicotomias foram vistas ao longo das temáticas anteriores, mas, nesta temáti-ca, pretendemos abordar aspectos não vistos sobre os princípios que regem essas dicotomias, ainda que de forma geral.

• Semiologia e Linguística Teoria geral dos signos que se volta para a análise sobre o que eles consistem e as leis que os coman-dam. Ela difere da Linguística, porque esta é ape-nas uma parte daquela ciência geral.

Enquanto a Linguística restringe-se ao estudo cien-tífico da linguagem humana, a Semiologia, além de se voltar para esse tipo de linguagem, preocupa-se, também, com a dos animais e de todo e qual-quer sistema de comunicação, seja natural ou con-vencional.

Dois termos enfocam o mesmo objeto: Semiologia – que surge na Europa, com Saussure – e Semióti-ca, nos Estados Unidos, com Peirce.

• Significado e Significante

Já compreendemos que o signo linguístico é para Saussure a união do conceito, que o signo traz con-sigo, e a imagem acústica.

O conceito, que também pode ser chamado de ideia, é a representação mental de um objeto ou da realidade em que o indivíduo está inserido, sen-do tal representação condicionada pela formação sócio-cultural que influencia nossa existência des-de o nascimento.

Assim, para Saussure, conceito é igual a significado – plano das ideias – que se contrapõe ao signifi-cante – plano da expressão. Mas é preciso ressaltar que a imagem acústica não é o som material, algo puramente físico, mas a impressão psíquica desse som. Ou seja, a imagem acústica é o significante.

Como resultado disso, entendemos que o signo linguístico é uma entidade psíquica composta por duas faces: o significante e o significado, que estão imbricados e um necessita do outro. Não pode ha-ver, portanto, significado sem significante.

Para exemplificar, tomamos como exemplo uma

Font

e: d

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aoso

l.blo

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t.com

semiologia da imagem

Font

e: to

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Miró

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20 Capítulo 1

atitude corriqueira de alguém pedir água. Quando essa pessoa recebe a impressão psíquica transmiti-da pela imagem acústica – ou significante - /’agwa/ a partir da qual se manifesta fonicamente o signo água, essa imagem acústica, de imediato, suscita-lhe psiquicamente a ideia de líquido a ser bebido.

• Arbitrariedade e Linearidade

A afirmação de que o signo linguístico é arbitrário evoca a ideia de que o significado não depende da escolha autônoma de quem fala, logo o significan-te é imotivado, ou seja, é arbitrário em relação ao significado, com o qual não estabelece nenhuma relação natural na realidade.

Com isso, entendemos por que Saussure afirma que a ideia – conceito ou significado – de mar não mantém nenhuma relação necessária e intrínseca com a cadeia de sons – ou imagem acústica ou sig-nificante /mar/. Melhor dizendo, nada impediria que o significado mar fosse representado por outro significante qualquer. Decorrem disso as diferen-ças de vocábulos – que designam os mesmos sig-nificantes – entre as línguas, a exemplo da mesma palavra mar, que tem diferentes significantes em francês, inglês, alemão ou em outra língua.

• Aindaquetenhaasseguradoqueosignolinguístico é arbitrário em sua origem, Saussu-re reconhece a possibilidade de existência de certos graus de motivação entre o significante e o significado. Em vista disso, ele admite a existência de um arbitrário absoluto, exempli-ficado na relação pera/pereira, na qual a palavra primitiva pera seria um bom exemplo de arbi-trário absoluto – signo imotivado.

• umarbitráriorelativo,exemplificadopelosubstantivo derivado pereira, tendo por subs-tantivo primitivo pera, seria considerado um arbitrário relativo – signo motivado, decorren-te da relação sintagmática pera (morfema le-xical) aglutinado à eira (morfema sufixal que remete à noção de árvore) e à relação paradig-mática, originada a partir da associação de pereira a laranjei-ra, bananeira etc pelo conhecimento que já se dispõe da signi-ficação dos elemen-tos formadores.

• Língua e Fala

Esta dicotomia é fundamentada na oposição entre social e individual, uma vez que Saussure afirma ter a linguagem uma dimensão individual e outra social, ressaltando que é impossível uma dispensar a relação com a outra.

Em relação à língua, Saussure a considera um produto social da linguagem e um conjunto de convenções necessárias assumidas pelo corpo so-cial, a fim de que seja permitido aos indivíduos o exercício dessa faculdade. A língua é um bem comum e sendo assim carrega consigo a experiên-cia histórica acumulada por cada povo ao longo de sua trajetória. Por isso, cada língua tem as suas es-pecificidades, que, às vezes, dificultam a tradução de determinadas expressões idiomáticas que lhes são próprias. Assim, a língua não está completa em ninguém e é só na coletividade que ela existe de modo completo, assinala Saussure.

Dessa forma, o indivíduo sozinho não pode nem criar nem modificar a língua, pois transformações desse tipo ocorrem nela como resultado de uma adesão coletiva, de um contrato estabelecido entre os atores sociais. Isso reforça a concepção saussure-ana de que a língua é a parte social da linguagem, por isso mesmo exterior ao indivíduo.

Por outro lado, para Saussure, a fala constitui-se de atos individuais e, devido a isso, é múltipla, im-previsível e se constitui de atos linguísticos ilimita-dos, não formando um sistema. Em contrapartida, os fatos linguísticos sociais formam um sistema devido a sua natureza homogênea. Ressalte-se, entretanto, que tanto o funcionamento quanto a exploração da faculdade da linguagem estão inti-mamente ligados às implicações mútuas existentes entre os elementos da língua, que é abstrata, virtu-al e os da fala, que é real.

• Sincronia e Diacronia

Sincronia é dito por Saussure como o estudo do funcio-namento da língua no qual devem ser analisadas as rela-ções entre os fatos existentes ao mes-mo tempo num

VOCÊ SABIA?

Denomina-se morfema a unidade mínima significa-

tiva ou dotada de significado, que integra a palavra.

Mattoso Câmara Jr, em seu dicionário de Linguística

e Gramática classifica verbete morfema, do ponto de

vista do significante, em aditivos, subtrativos, alter-

nativos, reduplicativos, de posição zero.

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21Capítulo 1

determinado momento do sistema linguístico, que pode ser no presente ou no passado.

Diacronia é vista por ele como o caminho para se estudar a relação entre um determinado fato e outros anteriores ou posteriores que o precederam ou o sucederam, sendo que tais fatos diacrônicos não estabelecem relação alguma com os sistemas, apesar de os condicionarem.

Desse modo, entende-se que o funcionamento sin-crônico da língua pode manter ligação com seus condicionantes diacrônicos.

A diacronia divide-se em história externa, que é o estudo das relações existentes entre os fatores so-cioculturais e a evolução linguística; e história in-terna, que trata da evolução estrutural (fonológica e morfossintática) da língua.

Saussure defende como prioritário o estudo sincrô-nico, visto que para ele o falante não tem consci-ência de como se sucedem os fatos da língua no decorrer do tempo, pois para ele essa sucessão não existe, ou, talvez, não seja do seu campo de conhe-cimento saber de sua existência.

O estado sincrônico da língua é a única e verdadei-ra realidade que se apresenta para estudo e, além disso, como entendemos que a relação entre o sig-nificante e o significado é arbitrária, o sistema lin-guístico estará continuamente sendo afetado pelo tempo, advindo disso a necessidade de o estudo da língua ter por primazia a perspectiva sincrônica.

Em seu Curso de Linguística Geral, Saussure as-segura que a linguagem implica simultaneamente um sistema estabelecido e uma evolução; constan-temente, ela é, então, uma instituição com um pé no presente e outro no passado. Sendo assim, lín-gua será sempre sincronia e diacronia em qualquer época.

Ao deixar de priorizar o processo por meio do qual as línguas se modificam para tentar compreender os modos como funcionam, Saussure consequen-temente dá maior importância ao estudo sincrôni-co, que se configura como alicerce para a Linguís-tica e para a abordagem estruturalista de análise da língua.

• Sintagma e Paradigma

Uma vez, devendo ser a sincronia considerada como prioritária para os estudos sobre a língua, ela deve ser vista como atrelada a dois eixos – o para-digmático e o sintagmático. O que Saussure cha-ma de sintagma é a relação vista na língua em que os elementos se sucedem um após o outro, line-armente, na cadeia da fala. Para exemplificar esse princípio, temos o enunciado hoje fez frio, em que não se pode pronunciar a sílaba je antes da sílaba ho (joho) nem pronunciar ho ao mesmo tempo que je, pois isso seria impossível. É essa cadeia fônica que faz com que se estabeleçam relações sintagmá-ticas entre os elementos que a compõem.

No entanto, se o mesmo enunciado for dito fora de um contexto discursivo, isto é, fora do plano sintagmático, podemos dizer hoje pensando em oposição ao advérbio ontem, por exemplo, ou fez em oposição a faz, e frio a calor. Assim, estabele-cemos uma relação paradigmática associativa, por-que os termos ontem, faz e calor não estão presentes no discurso.

No paradigma, existe a chamada oposição distinti-va, que, entre outros aspectos, estabelece a diferen-ça entre signos, como veja e seja ou entre formas verbais, como via e vira, formados, respectivamen-te, a partir da oposição sonoridade / Nõ sonorida-de e pretérito imperfeito/mais-que-perfeito.

Em sentido amplo, o sintagma é toda e qualquer combinação de unidades linguísticas na sequência de sons da fala, que se estabelece para atender a cadeia de relações da língua.

atividade | Que diferenças podem ser esta-belecidas entre Linguística e Semiologia e em que essas ciências contribuem para os estudos das diferentes manifestações de linguagem?

O que podemos entender sobre a língua que utilizamos a partir das dicotomias saussurea-nas?

SAIBA MAIS!

Continue a ler o livro

de Saussure, Curso de

Linguística Geral, pois

os princípios das temáti-

cas 3 e 4 estão contidos

nele.

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22 Capítulo 1

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TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.

resumO

Como reflexão final, gostaria de propor a você uma investigação mais aprofundada sobre as temáticas que estudamos.

Tendo em vista que os temas aqui trabalhados foram expostos de maneira introdutória, a partir de agora você deve assumir o seu papel de pesquisador e descobrir muito mais sobre os fundamentos da Linguística apresentados.

Outros princípios serão estudados no capítulo 2, sob novas perspectivas teóricas, especial-mente com base no gerativismo. Que tal começar agora?

Abaixo, deixamos as referências e links que podem ajudá-lo a iniciar essa atividade de apro-fundamento e de construção de novos conhecimentos.

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23Capítulo 1

WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da lin-guística. (trad. Marcos Bagno) São Paulo: Pará-bola Editorial, 2002.

sites

http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/35/arti-go7.pdf

http://www.alib.ufba.br/alib.asp

http://www.recantodasletras.uol.com.br/rese-nhasdelivros/879104

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25Capítulo 2Capítulo 2

Prof.a sônia Virgínia martins PereiraCarga Horária | 15 horas

nOvOs percursOs para a Linguística:

as cOntribuições dO gerativismO

ementa

Estudo da ciência da linguagem: suas proposições teóricas, abrangência e alcance de suas possíveis aplicações. Percurso da concepção clássica de língua à teoria do signo. Modalidades oral e escrita da língua. O legado de Ferdinand Saussure e de Chomsky para os estudos e métodos de ensino de língua. Formalismo e Fun-cionalismo. Introdução aos estudos pragmáticos. Enfoque epistemológico dos conteúdos.

ObjetivOs

Estudar as proposições teóricas, abrangência e aplicações da Linguística, analisan-do o percurso dessa ciência de seus postulados iniciais às teorias mais recentes.

apresentaçãO

Prezado aluno, prezada aluna

Estamos de volta em mais um capítulo do Curso de Letras a Distância. Neste capítulo, pretendemos conduzir você por outros caminhos que levaram a Lin-guística a ampliar seu campo de estudos, com objetos teóricos que deram base para outras ciências.

Os estudos propostos aqui estarão voltados para os fundamentos mais importan-tes do Gerativismo, considerado como uma das correntes teóricas da Linguística de maior importância do século XX e que tem como mentor o linguista Noam Chomsky.

Nestes estudos, serão trabalhados princípios que se propõem a esclarecer sobre a dimensão biológica da linguagem e questões decorrentes disso que tentam elu-cidar sobre o que se pode entender na linguagem como criação cultural e como predisposição biológica. Com isso, estaremos lidando com algumas das hipóteses fundamentais de Chomsky a respeito do fenômeno da linguagem.

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26 Capítulo 2

Então nossa abordagem sobre o objeto de estudo da gramática gerativa considera-o como um fenômeno que ocorre em várias línguas, inclusive a língua portuguesa, daí a importância dada neste capítulo a essa perspectiva teórica que influencia a Linguística até os tempos atuais.

Desejo que estes estudos contribuam significativamente para a sua formação e que possam impulsioná-lo a aprofundá-los no sentido de contribuir para o redimensionamento dos fundamentos teóricos aqui apresentados.

Um abraço,

Prof.a Sônia Martins

temática 1

O Linguista e ativista pOLíticO nOam cHOmsky

Estudamos no Capítulo I o Estruturalismo, espe-cialmente o de vertente europeia com sua impor-tante contribuição para a constituição do campo da Linguística.

Desde suas primeiras manifestações que deram origem a seus fundamentos, o Estruturalismo to-mou lugar de destaque, tendo contribuído com diferentes ciências, além da Linguística. Na ciência da linguagem, essa vertente teórica se solidificou sob diferentes formas, sendo uma destas o Funcio-nalismo.

Em linhas gerais, podemos dizer que o pensamen-to funcionalista considera as funções desempenha-das pelos elementos linguísticos em seus diferentes aspectos: fônicos, gramaticais e semânticos.

O Distribucionalismo, que, segundo Orlandi (2007) também é uma outra forma de estrutura-lismo, se constitui numa teoria de base estrutural desenvolvida e sistematizada pelos alunos de L. Bloomfield, que sugere, nos Estados Unidos, uma teoria geral da linguagem a qual se assemelha com a perspectiva europeia. Para o distribucionalismo, uma língua deve ser estudada a partir de um con-junto de enunciados efetivamente emitidos pelos falantes em determinado tempo, procurando en-contrar sua regularidade, mas sem considerar seus aspectos semânticos.

Assim, o Estruturalismo, em suas diferentes pers-pectivas, reinou absoluto na Linguístca até os anos 1950.

Trouxemos, resumidamente, as ideias gerais do Funcionalismo e do Distribucionalismo para in-troduzir as primeiras noções sobre a teoria elabo-rada por Noam Chomsky. Então, vamos conhecer um pouco sobre este cientista.

Teórico norte americano que revolucionou a lin-guística ao se apoiar em modelos matemáticos para descrever como se processa a comunicação huma-na.

Ativista político que polemiza sobre questões pró-prias do seu país, a exemplo de seu posicionamen-to acerca dos atentados terroristas sofridos pelos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, mas igualmente sobre questões de ordem mundial, como seu apoio ao sionismo, o movimento religio-so e político, originado no século 19, que pregava o restabelecimento, na Palestina, de um Estado judaico.

• Filho de um casal de judeus, Noam Avram Chomsky nasceu em 7 de dezembro de 1928, na Filadélfia Pensilvâ-nia – Estados Unidos.

• Ainda como estu-dante universitário,

VOCÊ SABIA?

O Funcionalismo será estudado

detalhadamente no capítulo III.

VOCÊ SABIA?

Bloomfield - Linguista norte-americano que

escreveu a obra intitulada Language, publi-

cada em 1933, que influenciou os estudos

linguísticos nos Estados Unidos até recente-

mente.

Noam Chomsky

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27Capítulo 2

Chomsky dividiu-se entre a filosofia e a lin-guística.

• Teve como referência moral, política e cientí-fica Zellig Harris, linguista judeu-americano, estruturalista de perspectiva distribucionalista. Chomsky aprendeu muito com ele, embora o tenha superado.

• É pai da chamada Teoria da Gramática Gerati-va, considerado o maior avanço da linguística do século 20.

• Possui mais de 70 livros publicados e mais de 1000 artigos.

• Há 19 livros em inglês publicados sobre a im-portância de seu trabalho e, pelo menos, um contra – The Anti-Chomsky Reader.

• Por ser um ativista político, diz receber todos os dias pelo menos 4 e-mails, acusando-o de pertencer a CIA (Serviço Secreto Americano), Mossad (Serviço Secreto Israelense) ou da or-ganização terrorista Al Qaeda à qual pertence Bin Laden.

• Descreve-se como socialista libertário e diz ter simpatia pelo movimento anarquista, mas quanto a este último, tem uma visão própria do termo.

• É considerado um dos pensadores mais impor-tantes da história contemporânea.

• Encontra-se entre os dez autores mais citados de todas as ciências humanas.

Observe a imagem:

A imagem nos remete ao naturalista inglês Charles Darwin que, ao observar os seres vivos e entre eles perceber nexos e continuidades, combinando as ideias de seleção e de evolução natural, revolucio-nou o mundo com a apresentação de novos para-digmas que explicavam a origem da vida. Da mesma forma, de Chomsky pode-se dizer o mesmo, no que diz respeito à revolução que cau-sou em sua área científica, a linguística, pois mu-dou o objeto de estudo dessa ciência. Na ciência da linguagem, poucos teóricos tinham se aventurado a propor alguma teoria unificadora. Chomsky con-seguiu fazer isso.

No momento em que Chomsky apareceu no ce-nário científico, a linguística tinha conseguido, apenas, dois avanços significativos. O primeiro foi a criação da tradição clássica baseada no mundo grego e que perdurou até o final do século XIX. O segundo avanço foi o estruturalismo. Na tradição clássica, o corpus de estudo da língua era apenas o texto escrito. O papel do linguista nes-se contexto era o de rastrear registros escritos des-de as línguas antigas – latim, grego, aramaico até alcançar o presente. Para o estudo de uma língua nessa abordagem, era preciso que os estudiosos do-minassem várias línguas a fim de que procedessem à descrição de cada caso. Pouco se conseguia de generalização, ou seja, de se transpor o conheci-mento acumulado pelo estudo de uma língua para outra. Pode-se considerar esta abordagem como enciclopédica, que considerava os registros escritos de uma língua como seu ponto alto. No começo do século XX, era essa visão normativa que dominava o estudo da língua, na perspectiva de que o que importava não era o conhecimen-

to sobre o funcionamento da linguagem e sim, estabelecer e perpetuar as formas corretas como o sistema da língua se apresentava.

A importância dos estudos de Chomsky é vista, principalmen-te, por sua crítica ao estrutura-lismo, uma vez que essa corren-te concebia a linguagem como algo a ser aprendido por imita-ção, em que tudo seria aprendi-do por adestramento, inclusive Fonte: www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/.../img/evolucao.jpg

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28 Capítulo 2

a língua(gem). Chomsky posiciona-se radicalmente contra essa ideia, dada sua crença na criatividade humana. Em sua concepção, a linguagem é uma capacidade humana natural – este conceito será visto ao longo deste capítulo – que já vem inscrita no DNA de todos os indivíduos, indistintamente.

Como exemplo da tese defendida por Chomsky, podemos trazer o caso de uma cambojana que teria passado 18 anos na selva. Leia a notícia sobre esse caso:

Numa tentativa de relacionar a experiência viven-ciada pela cambojana, de viver na selva sem conta-to com falantes de seu idioma, com o que defende Chomsky sobre a capacidade inata de todo ser hu-mano para o aprendizado de uma língua, podemos

utilizar a ilustração que serviu ao próprio teórico em sua obra Linguística Cartesiana, na qual se apoia em Descartes no que este filósofo expõe sobre a questão, quando advoga que, se uma criança for criada entre lobos, ela não desenvolverá a lingua-gem, mas, se voltar para a convivência humana, voltará a falar, pois tem predisposição para isso. O contrário acontece com alguns animais, que, mesmo sendo criados com seres humanos, jamais desenvolverão a linguagem, visto que esta não lhes é inata.

Nessa linha de pensamento, a cambojana, que ao ser encontrada em 2007, só emitia “sons descone-xos, como os animais” e ainda hoje não consegue falar, segundo o que descreve a notícia, provavel-mente conseguirá comunicar-se com as pessoas em seu idioma, mesmo que esse processo seja longo, como a situação parece assinalar. Ressalte-se que, nesse caso, existe a agravante de que a “Mulher da Selva” sofre de deficiência mental, e isto pode vir a ser um fator determinante no seu processo de desenvolvimento da linguagem.

Com sua visão inatista, Chomsky muda radical-mente o foco do objeto de estudo da Linguística, até então pautada no pensamento estruturalista de que a língua seria algo externo ao ser humano.

temática 2

a inFLuÊncia biOLógica na aQuisiçãO da Linguagem: O inatismO

Afinal, qual o segredo da linguagem humana?

Que fatores nos possibi-litam a fala?

Qual a origem de nossa capacidade de comu-nicação, programação genética ou construção

cultural?

Assim como a questão sobre a origem da lingua-gem humana instiga há séculos a ciência, outra questão não menos importante suscita a curiosida-de dos seres humanos em geral. Esta última envol-ve a origem de nossa capacidade de comunicação.

Rochom P’ngieng, conhecida como Mulher da Selva, que foi encontrada em 2007 após passar 18 anos perdida em uma floresta.

31 de outubro de 2009Foto: AFP

Rochom P’ngieng, conhecida como “Mulher da Selva”, que foi encontrada em 2007 após passar 18 anos per-dida em uma floresta entre o Vietnã e o Camaboja, foi hospitalizada, porque se recusava a comer, afirmaram o pai dela e um médico nesta sexta-feira no Camboja. Con-tudo, após Rochom tentar fugir do local, o pai a levou de volta para casa.

A mulher desapareceu quando era uma menina em 1989 em Ratanakkiri, província a 600 km da capital Phnom Penh. Ela foi encontrada em 2007 nua e suja, após ser pega tentando roubar comida de uma fazenda.

Rochom não dizia palavras inteligíveis e fazia apenas “sons desconexos, como os animais”. Sal Lou, que diz ser pai da mulher, afirma que Rochom foi internada em um hospital na segunda-feira. “Ela se recusou a comer arroz por cerca de um mês. Ela está magra agora. Ainda não consegue falar. Ela age totalmente como um macaco”, disse.

Ele explicou que levou Rochom de volta para casa porque era difícil impedir que ela fugisse do hospital. Segundo Hing Phan Sokunthea, diretor do hospital de Ratanakkiri, a “Mulher da Selva” sofre de deficiência mental. “Gostarí-amos de monitorar mais sua situação, mas não podemos porque o pai a retirou do hospital”, disse o médico.

Camboja: mulher que viveu 18 anos na selva se recusa a comer31 de outubro de 2009 • 13h41 • atualizado às 15h37 Comentários

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29Capítulo 2

No decorrer da história da humanidade, esse ques-tionamento mobilizou duas principais vertentes teóricas, sendo que, para uma delas, o inatismo, um bebê já nasce com predisposição para adquirir a linguagem. Nessa perspectiva, o cérebro estaria geneticamente preparado para abrigá-la. Essa cor-rente se apoia na teoria da Gramática Universal, idealizada por Chomsky, segundo a qual todas as línguas comungam de certos princípios que são inatos ao ser humano. A exposição das crianças a essas línguas é que faz com que elas assimilem sua estrutura. É em decorrência disso que podem ser feitos os balbucios de palavras e posteriormente, a partir dos quatro anos, mais ou menos, as crianças podem fazer certas construções lingüísticas, mes-mo que seu vocabulário seja limitado.

No outro polo, contrário ao pensamento de Chomsky, estão as teorias não inatistas, segundo as quais são os fatores ambientais e a interação das crianças com seus e educadores que propiciam a aquisição da linguagem. Essas teorias enfocam o uso que se faz dos elementos linguísticos, ou seja, no contexto e na forma em que as frases são utili-zadas e não unicamente neles, enquanto elemen-tos de um sistema abstrato. Nesse entendimento, é possível afirmar que a habilidade da criança ad-quirir linguagem não dependeria unicamente da mobilização de um aparato interno inato, mas do processo de inserção no meio social a que ela per-tence.

Atualmente, grande parte dos linguistas admite que tanto fatores biológicos quanto ambientais contribuem para a aquisição da linguagem. Em entrevista à Revista Superinteressante, edição 240a de junho de 2007, Chomsky diz que

“Ninguém pode duvidar de que existe um fator genético que determina a aquisição da linguagem pelos humanos – enquanto outros organismos, vivendo exatamente no mesmo ambiente, não a adquirem. Eles nem ao menos re-conhecem que alguns elementos do ambiente estão ligados

à linguagem.”

E completa seu pensamento afirmando que

“As crianças adquirem a linguagem de forma quase refle-xiva, muito antes de terem familiaridade com muitos as-pectos de sua cultura. Por outro lado, tampouco existem dúvidas de que o ambiente influencia esse processo. É gra-ças aos fatores ambientais, por exemplo, que eu falo inglês

e não suaíli.”

A teoria de Noam Chomsky traz para a linguística o pressuposto de que o ser humano carrega consi-go biologicamente uma matriz inata que fornece uma estrutura na qual a língua se desenvolve. A isso, o linguista norte-americano chama de gramá-tica universal, que se constitui numa tese inatista, que entende ser o indivíduo portador da capacida-de de linguagem desde o seu nascimento e por isso tem a condição básica para compreender a sintaxe da língua materna ainda nos primeiros anos de vida. Aos seis anos, tal indivíduo já é um adulto do ponto de vista linguístico.

Em decorrência dessas ideias de Chomsky, a con-cepção racionalista dos estudos da linguagem foi questionada, uma vez que a capacidade humana de falar e entender uma língua passou a ser encarada, a partir de então, como produto de um dispositivo inato, uma capacidade genética, intraorganismo e não totalmente determinada por fatores externos, como defendiam os comportamentalistas. Essa tendência inata que favorece a competência lin-guística passou a ser conhecida como faculdade da linguagem.

Com vistas a construir um modelo teórico capaz de descrever e explicar a natureza e o funcionamento dessa faculdade, Chomsky coloca o chamado ge-rativismo como vertente central da linguística. As-sim, as línguas deixam de ser interpretadas como um comportamento condicionado externamente e passam a ser analisadas como uma faculdade men-tal natural.

Entretanto, defender a existência da faculdade de linguagem como mecanismo inato não garante a inexistência de problema na análise da língua, ten-do em vista esse fundamento. É preciso, antes de tudo, descreverem-se as condições necessárias para aprender línguas. É a competência que vai se de-senvolvendo com o desempenho do falante.

VOCÊ SABIA?

O dicionário eletrônico Houaiss define assim o

verbete suaíli:

Língua banta da família nigero-congolesa, fala-

da como primeira língua na costa oriental e em

ilhas da África, numa área que se estende da

ilha de Lamu (Quênia) até a fronteira meridional

da Tanzânia, é usada como língua franca na Tan-

zânia, Quênia, República Democrática do Congo

e Uganda e também no Norte de Moçambique.

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30 Capítulo 2

Para ilustrar isso, podemos pensar na criança que nasce em uma cultura em que se fala determinado idioma. Mesmo que tal língua para ela seja de certa forma “estrangeira”, ela interage com essa língua. O processo vivenciado pela criança nesse apren-dizado não é apenas o de ouvir e repetir; ela vai aprendendo a estrutura da língua, numa aprendi-zagem progressiva que estabelece as conexões e re-lações necessárias para entender o funcionamento da língua que está usando. Exemplo disso é o fato de que uma criança ao dizer “eu di” perceber que há uma regularidade na estru-tura da língua com palavras dessa mesma categoria por dizer eu bebi, eu comi, eu corri etc. Ao longo do processo de aquisição de estruturas mais comple-xas da língua, ela entenderá que alguns verbos não se enquadram nessa regularidade e, por isso, passa-rá a dizer eu dei e não eu di.

temática 3

a gramática gerativO-transFOrmaciOnaL: cOntrapOntO aO cOmpOrtamentaLismO

Enquanto a linguística estava estabelecida sob os pilares do estruturalismo até a década de 50, nessa mesma época Chomsky torna-se mentor de uma mudança que propõe que a reflexão sobre a lin-guagem volte-se também para a teoria e não esteja tão atrelada aos dados. Nisso critica os distribucio-nalistas e seu apego às classificações, embora tenha sido discípulo de Harris, conhecido distribuciona-lista, como visto anteriormente.

Com base no racionalismo e na lógica, que sempre acompanhou os estudos sobre a língua, Chomsky apresenta uma teoria que denomina de gramática e focaliza o estudo da gramática na sintaxe, que, conforme seu pensamento, é um nível autônomo e central para a explicação da linguagem.

Essa gramática tinha por finalidade mapear todas

e somente as frases gramaticais, que para ele, são aquelas do domínio da língua. Ressalte-se que tal gramática não tinha a pretensão de estabelecer nor-mas para o funcionamento de nenhuma língua.

A partir desses pressupostos, em 1957, é publi-cado o livro Syntactic Structures, considerado um marco na linguística do século XX. Nesse livro e em publicações posteriores, são fundados os con-ceitos da Gramática Gerativa de Noam Chomsky.

Mas, por que gerativa?

A própria etimologia da palavra pode ajudar na compreensão do conceito. Constam no dicionário eletrônico Houaiss, as seguintes definições:

adjetivo

1. que gera; que causa; generativo

2. Rubrica: gramática generativa. m.q. generativo

3. Rubrica: linguística. cujo enunciado refere a formulação da gramá-tica gerativa etimologia: gerado sob a f. rad. gerat- (por generat-, de generátum, supn. do v.lat. generáre ‘gerar’) + -ivo; ver gen-

Além do que esclarecem as acepções do dicionário, na teoria chomskyana, a gramática é gerativa, por-que permite gerar um número infinito de sequên-cias que são frases, associando-lhes uma descrição, a partir de um número limitado de regras.

A teoria gerativa coloca em destaque um procedi-mento dedutivo, ou seja, a partir de uma abstra-ção, isto é, de um axioma e um sistema de regras, alcança o concreto, que, no caso, seriam as frases existentes na língua. Segundo o próprio Chomsky, através de sua proposta, a Linguística passa a ser explicativa e científica e não, apenas, descritiva, como se via em abordagens anteriores à sua.

VOCÊ SABIA?

O conceito de competência será definido no

próximo tópico.

O conceito de desempenho será definido no

próximo tópico.

VOCÊ SABIA?

Axioma - Na gramática gerativa, é o símbolo

de partida das regras sintagmáticas.

Num sistema ou teoria lnguística, fórmula que

se presume correta, embora não suscetível de

demonstração.

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31Capítulo 2

Leia estas frases abaixo pronunciadas em diferen-tes contextos, para compreender melhor o que aca-bamos de expor.

“Espero que todas as candidaturas possam ficar verdes.”

Senadora Marina da Silva

Jornal do Commercio – 30/10/09

“Democracia é quando eu mando em você; ditadura é quando você manda em mim.”

Millôr Fernandes

Seleções Reader’s Digest – setembro/2009

“Sou magrelo, mas isso não significa que não seja durão.”

Barack Obama, presidente americano

Revista Veja, edição 2137, 04/11/09

Ao se analisar as frases transcritas, percebe-se que elas não podem ser tomadas em sua superfície, sem considerar o significado dos termos que as compõem bem como o do contexto em que foram pronunciadas. Numa análise geral, entende-se que, ao dizer que espera candidaturas verdes, o significado do último termo proferido pela senadora pode remeter a seu partido, o Partido Verde, mas igualmente à ques-tão de que os candidatos à presidência da Repú-blica abracem a causa do meio ambiente em suas propostas.

Já a frase de Millor Fernandes que em sua super-fície pode ser perfeitamente aceitável como uma atividade metalingüística que define dois termos distintos, pode ser entendida como uma crítica ou ironia a certos posicionamentos, não só políticos, em que as pessoas caracterizam certas posturas como democráticas ou ditatoriais a partir de sua própria conveniência. Quanto ao que diz Obama, o termo durão é usa-do em contraposição a magrelo, mas seu sentido vai além de significar o aspecto físico. Ressalta as atitudes que o presidente americano pode tomar, podendo ser bastante severas.

O que queremos elucidar com a análise das frases é o que o gerativismo alerta quanto à inadequação

da análise sintática das frases, feitas pelas correntes teóricas até então. Chomsky mostrou que a análi-se das frases não eram adequadas, principalmente porque não diferenciavam o nível de estrutura de superfície e de estrutura profunda.

No nível da superfície, muitos enunciados podem ser analisados da mesma maneira. Entretanto, em sua estrutura profunda, do ponto de vista dos sig-nificados subjacentes a cada um, as sentenças apre-sentam divergências. Daí a gramática gerativa ter entre os seus objetivos, o de estabelecer um pro-cedimento de análise da estrutura profunda dos enunciados.

No intuito de alcançar esse objetivo, Chomsky lan-ça mão de uma distinção fundamental entre o que ele denominou de competência (competence) e de desempenho (performance).

• Competência é o conhecimento que o indiví-duo tem sobre as regras de uma língua.

• Desempenho é o uso efetivo dessa língua em situações reais.

Para Chomsky, o papel da linguística é o de analisar a competência e não se restringir ao desempenho, como se fazia em estudos linguísticos anteriores em suas amostras de fala, que seriam inadequadas por apresentarem, apenas, uma parte mínima das inúmeras possibilidades de enunciados de uma língua.

Nisso, entende-se que os falantes na competência que possuem sobre a língua podem ir muito além do que for estabelecido por qualquer corpus. Essa competência lhes dá a capacidade de criar e iden-tificar enunciados inéditos e de reconhecer erros ou inadequações de desempenho. Por isso, a des-crição das regras que comandam essa competência é que deveriam ser passíveis de estudo, conforme prega a teoria gerativa.

Assim, a noção de competência discursiva no gera-tivismo é a tal capacidade que todo falante tem de produzir e compreender todas as frases da língua e também do conhecimento que este tem da es-trutura das frases que fazem parte da língua. Por essa linha de entendimento, então, não importa o desempenho linguístico, ou seja, o desempenho de falantes específicos em seus usos concretos, mas a capacidade que todo falante possui.

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32 Capítulo 2

Nesse contexto, a gramática internalizada adquire papel central, pois compreende a competência linguísti-ca do estudante, vindo daí a importância em estudá-la. Diante disso, o léxico também adquire importância vital nessa competência, uma vez que ele se constitui numa espécie de dicionário mental ao qual nos repor-tamos todas as vezes que precisamos construir sentenças. Nossa competência nos possibilita ter intuições de como saber dividir esse dicionário, categorizando aspectos lexicais a partir de propriedades gramaticais comuns entre eles. Essa intuição linguística nos ajuda também a categorizar itens lexicais em classes de palavras a partir de critérios semânticos, morfológicos e distribucionais.

Para esclarecer esses critérios, tomemos como exemplo alguns verbetes do Dicionário Nordestino apresen-tado a seguir:

24 Novembro 2007

Lista de paLavras e expressões nOrdestinas

AABUFELAR - Agarrar pela gola, agredir.

ACUNHAR - Chegar junto.

ADULAR - Agradar, bajular. Fazer a vontade de alguém

ALTEAR - Aumentar o volume do som. Subir algo.

ALUMIAR - Iluminar. Projetar luz sobre algo ou alguém.

AMOLEGAR - Apalpar ou apertar um corpo mole ou uma parte dele.

APERREAR - Encher o saco.

APOQUENTAR - Aborrecer, azucrinar, chatear.

ARRIBAR - Ir embora.

ARRUDIAR - Dar a volta.

ATAIAR - Atalhar. Ir por um caminho mais curto

AVALIE - Imagine.

AZULAR – Dar o fora.

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33Capítulo 2

Pode-se afirmar que qualquer falante de português do Brasil reconhece que os itens lexicais listados nesse dicionário pertencem à mesma categoria gra-matical, porque todos eles possuem a propriedade de assumir formas variadas, dependendo das mar-cas morfológicas de seus sujeitos, que, em geral, são os elementos que antecedem os verbos.

No exemplo dado, deve ficar claro que não esta-mos analisando o campo do significado, pois esse aspecto mobilizaria outros que dizem respeito ao contexto de produção da palavra altear, por exem-plo, ou o fato de o falante ser um nordestino que faz uso desse registro, uma vez que nem todos os nordestinos são usuários desses termos, e outros aspectos que ajudam na compreensão semântica dos termos. Estamos analisando os aspectos mor-fológicos que independem do fato de que essas palavras estejam no suporte de um dicionário, e, mesmo estando, que não apresentam a definição da classe gramatical a que pertencem, como nor-malmente os dicionários apresentam. É da com-petência inata do falante, que consegue identificar marcas morfológicas de uma língua a que estamos nos referindo. Do que temos visto até aqui, podemos entender que a gramática gerativo-transformacional de Chomsky se tornou um divisor de águas na linguís-tica, pelo fato de ter trazido ao campo científico ideias opostas às ideias estruturalistas, que enten-diam ser o aprendizado da língua construído por meio da imitação.

Em rejeição a esse modelo comportamentalista ou behaviorista, no qual se entende a linguagem huma-na como um fenômeno externo ao indivíduo, um sistema de hábitos gerados como resposta a estí-mulos e fixada pela repetição, o gerativismo expõe a concepção de que o falante age criativamente no uso da linguagem, visto que para Chomsky sempre os seres humanos estão construindo frases novas e

VOCÊ SABIA?

Behaviorista - Derivado do termo inglês behaviour ou do americano behavior,

que significa conduta, comportamento – é um conceito geral que engloba as

mais paradoxais teorias sobre o comportamento, dentro da Psicologia, inclu-

sive no que diz respeito ao significado da palavra ‘comportamento’. Os ramos

principais das teorias que se apoiam nesse conceito são o Behaviorismo Meto-

dológico e o Behaviorismo Radical.

inéditas, jamais pronunciadas antes pelo próprio falante que a produziu ou por qualquer um outro.

É por isso que para ele a criatividade é o elemento caracterizador do comportamento linguístico hu-mano, o que vem a distinguir a linguagem humana dos sistemas de comunicação dos outros animais. A pequena parte mostrada do dicionário nordes-tino prova essa criatividade dos falantes de uma língua, não somente por se querer inventar termos ou expressões sem sentido, mas, porque existe a necessidade de que os enunciados expressem mais fielmente a realidade.

temática 4

negaçãO Ou cOnFirmaçãO da teOria gerativa? Orlandi (2007) afirma que Chomsky, ao eleger a competência como o elemento a ser analisado nos estudos linguísticos, com sua base de estudo apoia-da no que considera o falante ideal, desconsidera o desempenho específico dos falantes no uso con-creto da linguagem.

Outras críticas também são feitas no que se refere a outras questões desconsideradas pelo gerativismo, dentre elas, os aspetos semânticos e pragmáticos da análise, especialmente vistos nos trabalhos de Halliday, que propõe uma teoria mais sistemática e abrangente da estrutura da língua, denominada de linguística sistêmica. Nessa abordagem, a gra-mática é entendida como uma rede de sistemas de contrastes interrelacionados e nela se dá especial atenção aos aspectos semânticos e pragmáticos, já citados, e igualmente a fatores que a entonação acrescenta ao campo do significado.

Além dessas ideias contrárias, outras surgem a par-tir de novas descobertas, como a que nos mostra

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34 Capítulo 2

o artigo da Revista Veja, edição 2004, publicado em 2007 que informa sobre o idioma dos pirahãs, povo indígena da região amazônica. Leia o texto:

ciÊncia

O mistÉriO dOs piraHãs

Tribo da Amazônia que não conhece os números

desafia as teorias sobre a formação dos idiomas

A tribo dos pirahãs, formada por cerca de 350 indígenas que vivem às margens do Rio Maici,

no Amazonas, tornou-se um desafio para a ciência. Como muitas tribos da região, eles são

caçadores e coletores, mas têm características únicas no que diz respeito à comunicação. Seu

idioma desafia todas as teorias sobre como a linguagem humana se desenvolveu nas diferentes

culturas. Segundo a tese hoje mais aceita sobre o tema, criada por linguistas como o americano

Noam Chomsky, a formação dos idiomas se pauta por uma espécie de gramática universal, com

regras comuns. O ser humano é dotado de recursos inatos para usar essas regras. Isso permite

às crianças perceber os significados das palavras e das frases e aos poucos ampliar seu voca-

bulário. Essa gramática universal faz com que todos os idiomas tenham frases subordinadas,

que estariam na base dos raciocínios complexos: “Depois de comer, vou à sua casa”. O idioma

dos pirahãs é o único até hoje identificado no mundo que não tem frases subordinadas, contra-

riando o conceito de gramática universal.

Os pirahãs não têm palavras para descrever as cores. Não usam tempos verbais que indiquem

ações passadas. Não há entre eles a tradição oral de contar histórias. Tudo é dito no presente.

A língua escrita não existe. Os pirahãs não desenham e desconhecem qualquer tipo de arte.

Eles são a única sociedade no mundo, segundo avaliação de antropólogos, que não cultiva ne-

nhum mito da criação para explicar sua origem. Para completar, os pirahãs não usam números

e não sabem contar – têm uma única palavra, “Hói”, que significa um ou pequeno. A ausência

da abstração aritmética entre os pirahãs foi estudada recentemente pelo linguista americano

Peter Gordon. Ele tentou pacientemente ensinar os indígenas a contar de um a dez, explicando

a eles o conceito de números e sua utilidade no dia-a-dia. Não obteve nenhum sucesso. As

pesquisas de Gordon confirmaram a teoria do linguista americano Benjamin Whorf de que o

idioma condiciona o raciocínio. Whorf, nos anos 30, afirmava que o ser humano só é capaz

de formular pensamentos a partir de elementos que possuam correspondência nas palavras.

Como os pirahãs não têm palavras que os façam chegar ao conceito de números, é impossível

que entendam seu significado.

Nas últimas décadas, além de Gordon, meia dúzia de pesquisadores se embrenhou na selva

amazônica para estudar a língua e a cultura dos pirahãs. O primeiro deles e o mais assíduo é o

etnólogo inglês Daniel Everett, da Universidade de Manchester, que morou com a tribo por sete

anos, desde a década de 70. Foram seus estudos que chamaram a atenção do mundo acadêmi-

co para as particularidades da tribo e para os desafios que ela apresenta à ciência. “A teoria da

gramática universal é inadequada para explicar o idioma pirahã”, diz Everett. “Sua gramática

vem da sua cultura, que é absolutamente única”, completa.

VEJAEdição 200418 de abril de 2007

VOCÊ SABIA?

Etnólogo - Especialista em etnolo-

gia, sendo esta a ciência que estuda

os fatos e documentos levantados

pela etnografia no âmbito da antro-

pologia cultural e social, buscando

uma apreciação analítica e compa-

rativa das culturas.

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35Capítulo 2

Segundo o artigo, o etnólogo inglês, Everett, afir-ma que a teoria da gramática universal não se apli-ca ao idioma pirahã, sendo a explicação de Worf de que o idioma condiciona o raciocínio mais ade-quado à realidade linguística daquela etnia.

Barbosa (2008) assegura que qualquer língua desa-fia as teorias sobre a formação dos idiomas, inclu-sive a língua inglesa, o idioma mais divulgado no mundo, visto que todas as línguas possuem espe-cificidades axiológicas. O que o articulista destaca sobre a singularidade da cultura pirahã, que é a base de sua gramática, também é comum a outros povos, não apenas indígenas, pois qualquer grupo etnolinguístico tem uma conceitualização bem par-ticular do mundo e uma semiotização específica do universo conceitual. É da natureza dos grupos étnicos sustentar especi-ficidades culturais. Entretanto, ao mesmo tempo em que mantêm essas especificidades, estabelecem com outros grupos humanos relações intercultu-rais e interlinguísticas. Daí se sustentarem em suas características axiológicas, mas sofrerem influên-cias axiológicas de outras culturas.

O espanto do autor do artigo quanto ao que ele denomina de “mistério dos pirahãs” dá-se pelo fato de que o ponto de partida de nossas análises e julgamentos sobre o universo linguístico de outras culturas é sempre o da nossa língua materna.

Diante disso, não se pode desconsiderar o princí-pio dos universais essenciais da linguagem, ou seja, aqueles princípios e estruturas que estão na base organizativa de qualquer língua. Assim, compre-endemos que há universais enquanto processos de conceitualizações, mas existem as especificidades cognitivas específicas de cada etnia.

O campo de estudos da linguística ganhou novas perspectivas a partir do pensamento de Chomsky. Até os tempos atuais, as questões teóricas mais rele-vantes no universo da linguística têm sido levadas a efeito a partir de reflexões acerca dos postulados

do linguista norte-americano. Com efeito, seus es-tudos contribuíram significativamente para uma maior compreensão do fenômeno da linguagem humana, a partir de sua gênese.

atividade | Algumas Reflexões:Diante do que foi estudado sobre a teoria gera-tiva, reflita sobre questões como:1. Que evidências temos de que a faculdade da linguagem depende de herança biológica e de fatores sociais?2. Que outros teóricos defendem uma ou ou-tra perspectiva? Pesquise alguns deles e amplie seus conhecimentos sobre o tema.3. Qual o papel do contexto social no desen-volvimento da linguagem?4. O que você pensa sobre o conceito de gra-mática universal e de gramáticas particulares?Pense sobre essas questões e amplie seus co-nhecimentos acerca da temática estudada. Bom estudo!

reFerÊncias

BENVENISTE, Emile. Problemas de linguística geral I. Campinas: São Paulo, Pontes Editores, 5 ed., 2005.

_____________. Problemas de linguística geral II. Campinas: São Paulo, Pontes Editores, 1989.

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.

_____________Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2001.

CARVALHO, Castelar. Para compreender Saus-sure. Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1990.

FARACO, Carlos Alberto. Linguística histórica: uma introdução ao estudo da história das lín-guas. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.

FERREIRA, Carlota; CARDOSO, Suzana. A dia-lectologia no Brasil. São Paulo: Contexto, 1994. (Coleção Repensando a Língua Portuguesa).

FIORIN, José Luiz. (org.). Introdução à linguís-tica: objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2002.

VOCÊ SABIA?

Axiológicas - Que constitui ou diz respeito a

uma axiologia, sendo esta qualquer uma das

teorias formuladas a partir do início do século

XX concernentes à questão dos valores.

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36 Capítulo 2

KRISTEVA, Julia. História da linguagem. Trad. Maria Margarida Barahona. Lisboa: Edições 70, 1969.

MORI, Angel Carbera. Fonologia. In: MUSSA-LIN, Fernanda e BENTES, Anna Christina (orgs.) Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2008, v. 1, p. 11 a 24.

MUSSALIM, F & BENTES, A. N. (orgs). Intro-dução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2001. Vl. 1 e 2.

_______________ (orgs.).Introdução à linguís-tica: fundamentos epistemológicos. v. 3. São Paulo: Cortez, 2004.

ORLANDI, Eni. O que é linguistica. São Paulo: Brasiliense, 1986.

PRETTI, Dino. Sociolinguística: os níveis de fala. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1982.

SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística ge-ral. São Paulo, Cultrix, 1998.

TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.

WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da lin-guística. (trad. Marcos Bagno) São Paulo: Pará-bola Editorial, 2002.

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37Capítulo 3Capítulo 3

Prof.a sônia Virgínia martins PereiraCarga Horária | 15 horas

a Língua em sua FOrma, FunçãO e

variaçãO: Questões sObre FOrmaLismO,

FunciOnaLismO e variaçãO Linguística

ementa

Estudo da ciência da linguagem: suas proposições teóricas, abrangência e alcance de suas possíveis aplicações. Percurso da concepção clássica de língua à teoria do signo. Modalidades oral e escrita da língua. O legado de Ferdinand Saussure e de Chomsky para os estudos e métodos de ensino de língua. Formalismo e Fun-cionalismo. Introdução aos estudos pragmáticos. Enfoque epistemológico dos conteúdos.

ObjetivOs

Estudar as proposições teóricas, abrangência e aplicações da Linguística, analisan-do o percurso dessa ciência de seus postulados iniciais às teorias mais recentes.

apresentaçãO

Prezado aluno, prezada aluna

Mais uma vez, trazemos para você temáticas importantes que vão contribuir para a ampliação de seus conhecimentos sobre a linguística e, também, para que com-preenda como essa ciência se fortaleceu por meio de suas abordagens sobre a língua e a linguagem.

Vimos, nos capítulos anteriores, perspectivas teóricas que são, pode-se dizer, ver-dadeiros divisores de água na constituição do arcabouço teórico da ciência da lin-guagem e que, em decorrência disso, merecem destaque em qualquer disciplina que se proponha a descrever a história da linguística, como está estabelecida em seu currículo do Curso de Letras a Distância da UPE.

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38 Capítulo 3

Diante disso, neste capítulo 3, vamos dar continuidade aos estudos iniciados, refletindo sobre mais temas importantes para a evolução da linguística, os quais, de alguma forma, trazem, de volta à cena, outros já trabalhados, visto que, na evolução dessa ciência, raras são as questões respondidas por completo ou totalmente ignoradas. Mesmo que tais questões fiquem por algum tempo estabilizadas, a ponto de não despertarem grande interesse para pesquisa, elas tendem a voltar ao cenário de discussões.

Assim, neste material didático, estudaremos aspectos gerais da tendência funcionalista em contraponto com os fundamentos estudados da tendência formalista dos estudos linguísticos. Embora esta última ten-dência tenha predominado no século XX, há outras que conviveram ou entraram em concorrência com ela, as quais têm contribuído para a ampliação dos conceitos sobre a língua. Dentre essas tendências, além do funcionalismo, refletiremos sobre a variação linguística, tema imprescindível para a compreensão da heterogeneidade e diversidade próprias dos usos concretos da língua.

Aproveite bastante!Um abraçoProf.a Sônia Martins

temática 1

FOrmaLismO vs FunciOnaLismO: primeiras nOções

O aspecto histórico-comparativo, visto no desen-volvimento das pesquisas lingüísticas no século XX, trouxe importante contribuição para a cons-tituição do campo de estudos da ciência da lin-guagem, especialmente pelos estudos de teóricos neogramáticos como Humboldt.

Mas como já visto nos capítulos I e II, considera-se como o início da linguística moderna somente com a publicação do Curso de Linguística Geral, de Saussure, em 1916. Então, a partir disso, o que passa a caracterizar a evolução da linguista no sé-culo XX são as noções básicas de sistema-estrutura-função.

Desse trio, a primeira noção – sistema – é esta-belecida por Saussure, para quem a língua é um sistema, o que prevê uma prioridade do todo em relação aos elementos que o compõem, segundo afirma Benveniste (1976), embora o termo sistema tenha sido substituído, posteriormente, por estru-tura visto que para se considerar a língua como a constituição de um sistema, ou seja, conjunto de elementos que se agrupam organizadamente, seria preciso ampliar a estrutura dessa língua. Esta foi a postura adotada na linguística a partir da publica-ção do Curso, tendo sua primeira manifestação nos estudos do Círculo Linguístico de Praga, a partir de 1928.

O Círculo Linguístico de Praga recebeu outras influências além daquelas provenientes do estru-turalismo saussureano, que direcionava os estudos linguísticos para a lógica interna do sistema da língua. Tais influências vinham de Husserl, filó-sofo alemão e, principalmente, da Gestalt, gerada a partir de seu frequente contato com o psicólogo alemão Karl Buhler.

VOCÊ SABIA?

Humboldt - Linguista alemão que trouxe con-

tribuições à filosofia da linguagem e influen-

ciou o desenvolvimento da filologia compara-

tiva.

Reconhecido como o primeiro linguista euro-

peu a identificar a linguagem humana como

um sistema governado por regras., sendo

esta ideia uma das bases da teoria da gra-

mática transformacional de Chomsky. Noam

Chomsky cita, com frequência, a descrição

de Humboldt da linguagem como um siste-

ma que “faz infinitos usos de meios finitos”,

significando que um número infinito de frases

pode ser criado, usando um número finito de

palavras.

VOCÊ SABIA?

Fundado em outubro de 1926, o Círculo Lin-

guístico de Praga ou Escola de Praga desen-

volveu–se no final da década de 1920.

Dentre os fundadores e principais expoentes

do movimento, destacam-se: Trubetzkoi, Ma-

thesius, Trnka, Jakobson, Benveniste e Mar-

tinet.

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39Capítulo 3

Nessa relação com Buhler, o perfil da linguística do Círculo de Praga apresentou-se diferente das demais escolas estruturalistas europeias. Buhler foi o mentor filosófico da característica funcionalista do estruturalismo de Praga, pois percebia a função como elemento essencial da linguagem. Saussure deixou de fora dos estudos linguísticos esse aspecto da função, quando propôs a dicotomia entre lan-gue e parole e tornou a primeira objeto de estudo da linguística. Com isso, foi tirado dos estudos lin-guísticos o interesse sobre a influência que a estru-tura gramatical poderia vir a receber de aspectos pragmático-discursivos.

QuaL O cOnceitO de FunçãO?

Esse conceito recebe diferentes características a partir da perspectiva de análise adotada, por isso não há consenso sobre ele. Entretanto, apesar das diferenças, os sentidos atribuídos ao termo, de al-guma maneira, se relacionam quando enfocam:

1. a dependência de um elemento da estrutura a elementos de outra ordem ou domínio (estru-tural ou não estrutural);

2. o papel assumido por um elemento estrutural no processo comunicativo, ou seja, a função comunicativa do elemento.

Os pesquisadores do Círculo de Praga adotaram a noção de função nos dois sentidos descritos e se focaram no que chamam de função-relação, pois colocaram em destaque a relação do elemento com o sistema linguístico como um todo. Nessa visão de função como relação, existe a relação de determinado elemento estrutural com ou no inte-rior de uma unidade estrutural mais ampla. Assim, distingue-se função-relação de categoria, uma vez que este último termo não se refere a uma ordem maior, mas descreve a entidade como portadora de propriedades. Entretanto, essa não é a carac-terística marcante do funcionalismo praguense, visto que apresentou uma noção teleológica de função em que a língua é vista como um sistema funcional, uma vez que é utilizada para um fim específico. Para Fontaine (1978) apud Kennedy e Martelotta (2003), a definição de função para os linguistas de Praga é o destaque à intenção do in-terlocutor como a explicação “mais natural”, em termos de análise linguística, pois a intenção é que fundamenta o discurso.

Pelo que estudamos nos capítulos anteriores, en-tendemos que o estruturalismo manifestou-se sob várias correntes e, a depender delas, com aspectos variados a partir da perspectiva adotada por seus seguidores. Dirven e Fried (1987), citados por Kennedy e Martelotta (2003), defendem que as variadas perspectivas estruturalistas que se apoiam na concepção de linguagem de Saussure apresenta-vam variação também quanto à ênfase destinada à significância da função em seus quadros teóricos, os quais são divididos em dois eixos:

1. o eixo formalista que destaca a forma linguísti-ca, deixando a sua função em segundo plano;

2. o eixo funcionalista que ressalta a função de-sempenhada pela forma linguística no ato co-municativo.

No eixo formalista, tem-se a tendência à análise da língua como objeto independente, em que a es-trutura é autônoma em relação ao uso que se faz dela em situações interativas reais. A Escola de Co-penhague voltou-se bastante para essa tendência, tendo a Dinamarca grande tradição nos estudos da linguagem, uma vez que vários linguistas dinamar-

VOCÊ SABIA?

• Husserl - Filósofo alemão funda-

dor da fenomenologia, um mé-

todo para a descrição e análise

da consciência. Por esse método,

a filosofia tenta alcançar uma

condição estritamente científica.

• Gestalt - Ao se disporem a pes-

quisar a percepção humana, al-

guns estudiosos alemães deram

origem à Psicologia da Gestalt.

Sendo gestalt um termo alemão

sem tradução, com um sentido

próximo de figura, forma, apa-

rência. Tal doutrina defende a

concepção de que não se pode

conhecer o todo por meio das

partes, e sim as partes através

do conjunto. Os representantes

mais ativos da psicologia da ges-

talt foram Kurt Koffka, Wolfgang

Kohler e Max Verteimer.

• Karl Buhler - Psicólogo e psiquia-

tra alemão que estudou os me-

canismos do pensamento e da

vontade e dedicou-se à psicolo-

gia da forma.

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40 Capítulo 3

queses voltaram-se para a análise formalista, mas foi com Hjelmslev que esta tendência expandiu-se. Nesses linguistas, via-se grande interesse filosófico e, principalmente, lógico nos trabalhos desenvol-vidos.

Para Hjelmslev (1975), a língua é “unidade encer-rada em si mesma, como uma estrutura sui gene-ris” e, por isso, não deve ser analisada como reflexo de um conjunto de acontecimentos não linguísti-cos. Considerada nesses termos, portanto, a língua adquire caráter abstrato e estático, por independer do ato de comunicação.

O formalismo teve o descritivismo norte-america-no como sua mais destacada expressão, tendo sido defendido por teóricos, como Bloomfield e Harris, dentre outros, mas sua aplicação mais radical deu-se no gerativismo e em seus sucessivos modelos. Entretanto, mesmo a teoria gerativa tendo domi-nado os estudos linguísticos, inclusive, com grande tradição até nos tempos atuais, as ideias funciona-listas mantiveram-se com força, uma vez que as ten-dências gerativas alternativas, como a semântica gerativa ou a gramática dos casos, configuravam-se como um questionamento a determinadas propos-tas do paradigma formalista, oferecendo aspectos semântico-formalistas em suas abordagens no estu-do da língua.

No eixo funcionalista, concebe-se a língua como instrumento de comunicação e, por isso, ela não pode ser vista como objeto autônomo e, sim, como sistema maleável subordinada às influências das si-tuações comunicativas que ajudam sua estrutura gramatical.

temática 2

aLgumas escOLas Linguísticas de vertente FunciOnaLista

Algumas escolas linguísticas europeias pós-saussu-reanas do século XX aderiram às ideias funcionalis-tas. A Escola de Genebra, representada por Charles Bally, Albert Sechehaye e Henri Frei, sofreu mais fortemente influência de Saussure. Sechehaye re-servou-se às ideias de Saussure, mas Bally renovou a estilística ao defini-la como o estudo dos aspectos afetivos da linguagem e dedicou-se a entender os desvios que a fala impõe à língua. Isso porque não existe divisão – ou não pode haver – entre esses dois aspectos da linguagem, como defendem os funcionalistas. Frei voltou-se para a análise dos desvios da gramática normativa, que não são por acaso, segundo seu pensamento e, sim, advêm da própria necessidade de comunicação, o que deve ser fonte de análise linguística. Frei promoveu a linguística funcional, que conjuga os fatos linguís-ticos a funções específicas relacionadas a eles.

Martinet foi influenciado por esse pensamento, pelo fato de manter contato com os principais lin-guistas de Praga, principalmente com Trubetzkoy. Martinet e Jakobson são os herdeiros principais da Escola de Praga no que diz respeito ao pensamen-to linguístico internacional. Também as escolas de Londres receberam influência do funcionalismo, pois com Halliday houve uma tendência a estudar as línguas por um viés funcional. Mathiessen apud Neves (1997) assegura que a gramática funcional de Halliday baseia-se no “funcionalismo etnográfi-co e no contextualismo de Malinowsky, desenvol-vido nos anos 1920, além da linguística firthiana da tradição etnográfica de Boaz-Sapir-Whorf e do próprio funcionalismo estabelecido pela Escola de Praga.

Também o grupo holandês apresentou-se propenso à análise da língua a partir da ótica funcionalista. Segundo Neves (idem), isso influenciou a gramáti-ca de Dik, que trabalha com a ideia de que na lin-guagem, um fato relaciona-se com a sua causa. Para ele, o funcionalismo interessa-se pelos processos li-gados ao êxito dos usuários de uma língua em sua comunicação por meio de expressões linguísticas.

Nos Estados Unidos, igualmente – apesar de a linguística nesse país ter tido forte tendência for-malista liderada por Leonard Bloomfield – apre-

SAIBA MAIS!

Pesquise sobre algumas

ideias centrais do funcio-

nalismo:

A gramática funcional, de

Maria Helena de Moura

Neves.

A visão funcionalista da lin-

guagem no século XX, de

Martelotta e Areas.

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41Capítulo 3

senta certa adoção da vertente funcionalista, especialmente com Franz Boaz, que não exerceu influência, apenas, sobre o descritivismo, principal corrente linguística dos Estados Unidos mas tam-bém a tradição etnolinguística de Sapir e Whorf, como também os trabalhos de Bolinger, Kuno, Del Himes, Labov e tantos outros do ramo da etnolin-guística e da sociolinguística. De alguma forma, a inclinação de alguns gerativistas, como Langacker e Lakoff para a gramática cognitiva, podem ser ad-mitidos como uma tendência funcionalista.

Contrária ao formalismo, a linguística cognitiva tem, em seus fundamentos, que a significação não se dá numa mesma relação entre símbolos e da-dos de uma realidade de vida independente, mas no fato de que as expressões linguísticas alcançam significado no contexto. Isso quer dizer que os con-textos originam-se de padrões criados culturalmen-te.

A partir da década de 1970, nos Estados Unidos, foi que o termo funcionalismo passou a descrever uma linguística baseada no uso, cujo foco é anali-sar a língua a partir de seu contexto linguístico e da situação extralinguística. Sobre essa perspectiva, a sintaxe é uma estrutura em mudança constante, pois decorre do discurso. Assim, ela adquire uma forma em decorrência das estratégias discursivas, utilizadas pelos usuários da língua na interação. A partir disso, para se entender o fenômeno sintáti-co, seria necessário estudar a língua em seus con-textos de uso específicos, uma vez que a gramática constitui-se no interior deles.

Para se compreender o que a linguística funciona-lista norte-americana propunha, uma das formas é observar o que Givón apud Kennedy e Martelotta (2003) refuta em relação ao que considera os três dogmas principais do estruturalismo: a arbitrarie-dade do signo linguístico; a idealização da distin-ção entre langue e parole; a rigidez da divisão entre diacronia e sincronia. Quanto ao primeiro, pode-se dizer que a doutrina da arbitrariedade do signo separa o significante do significado, seu correlato mental, destacando o signo e seu referente, os ter-mos observáveis. Givón atribui essa separação à vi-são positivista e behaviorista do significado como referência externa. Essa visão deve-se, talvez, ao fato de os estruturalistas, especialmente os norte-americanos, trabalharem com entidades mentais vagas que não dão suporte para uma análise em-pírica. Nisso, esses estruturalistas chegam a não

admitir “a existência de pensamento, ou qualquer estrutura mental organizada, preexistente à lingua-gem”, como asseguram Martelotta e Areas (2003).

No entanto, alguns pesquisadores questionam o princípio da arbitrariedade do signo, pois compre-endem que as línguas são, em parte, arbitrárias e, em parte, icônicas (ou não arbitrárias). Quanto a essa não arbitrariedade, é importante destacar que o próprio Saussure ressaltou que haveria exceções em todas as línguas, em seu princípio da arbitra-riedade do signo, mas não se debruçou em seus estudos sobre elas.

O problema da arbitrariedade ou não do signo lin-guístico talvez se revele a partir da visão com que se analisa esse signo. Se se observar a língua fora de seu contexto de uso, como assim o fazem os forma-listas, o que se percebe é uma relação arbitrária en-tre uma estrutura sonora e um significado. Por ou-tro lado, quando se faz a análise voltada ao uso da língua, identifica-se a ocorrência de mecanismos recorrentes que revelam um processo funcional de criar novos rótulos para novos significados ou re-ferentes. Mas esses novos rótulos não são criados arbitrariamente pelos falantes, pois estes utilizam material disponível na língua, ampliando o senti-do de palavras.

Ullmann (apud Kennedy e Martelotta, 2003) deno-mina esses processos assim:

• motivação semântica, que pode ocorrer em ex-pressões, como “céu da boca”, “boca da noite”, ou na criação de novos termos pelo mecanis-mo de derivação – “fazendeiro”, “ventilador”, “consumidor” etc.

Leia no poema abaixo o uso funcional do termo boca, que mostra a não arbitrariedade entre a es-trutura sonora e seu significado. bOcas

Há muitas bocas falandoao mesmo tempo, confundem.umas dizem, cantandooutras, gritam, alarmando

Era a Boca do Matoum local bem arejado,fazia até frio, mas hoje,é do povo favelado.

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42 Capítulo 3

Boca de Ouro, na músicapeça também de teatro,fez sucesso, mas ficoupara trás, lá no passado.

Boca de Leão, bela florno jardim é uma atraçãojá foi tema de amore de muita inspiração.

Boca do Inferno é um lugaronde se entranha pelo chão,é profundo, é de estranhar,devemos ter muita atenção!

Boca Livre, Boca Nova,Boca Linda, Boca de Mel,Boca de Anjo, Boca Mimosahá, também, Boca do Céu!

Valenciana/VicMag http://recantodasletras.uol.com.br - acessado em 10/01/10

O que se percebe na leitura do poema é que a utili-zação da palavra boca em diferentes expressões foi motivada pelo sentido que o termo imprime em sua relação com o que se quer designar. Embora na primeira estrofe, a palavra tome o seu aspecto arbitrário, pois nomeia o órgão do corpo, sem ne-nhuma relação entre o significante e o significado, da segunda até a quinta estrofe, tem-se um recurso metalinguístico em que se explica que “boca do mato” é um local, ou que “boca de leão” é uma flor, na qual se percebe o formato de uma boca, se bem que esta última informação não seja dita no poema; ou ainda que “boca do inferno” também é um lugar, só que lúgubre, associando-se a ideia de lugar obscuro, fechado, próprio do órgão referido.

• motivação morfológica, vista no surgimento de palavras pelo processo de composição, tais como “pernalta”, “guarda-chuva”.

• motivação fonética, caracterizada por ono-matopeias como “toc, toc”; “buaaá”, em que o elemento designado é imitado pelo som da palavra.

A motivação desses três mecanismos vem do fato de a palavra assumir forma própria por motivo de-terminado. Por isso na expressão “céu da boca”, a palavra “céu” relaciona-se semanticamente com o firmamento ou a atmosfera que denominamos como tal, por estar acima do solo que habitamos; por isso, o “céu” da boca é a parte superior deste

órgão. Já a palavra “consumidor” refere-se a um in-divíduo que se utiliza de ou consome um produto.

A utilização desses mecanismos é bastante comum entre os falantes, por atender a necessidades comu-nicativas e cognitivas, uma vez que o uso de termos a partir de decisões arbitrárias empreenderia maior esforço, tanto do falante quanto do ouvinte. Entre-tanto, há perda dessa motivação quando a mudan-ça do campo semântico desvia a palavra de sua ori-gem etimológica. Veja exemplos de perda a partir da mudança de significado das seguintes palavras:

• O vocábulo cortesã designava, apenas, a dama da corte, a que assistia na corte. Assumiu, ao longo do tempo, o sentido de prostituta, como no filme de Misoguchi Oharu, a vida de uma cortesã.

• O termo latino tempestas passou por vários sig-nificados sucessivamente: momento do dia, esta-do atmosférico (tempo bom ou não) para se fixar em tempo borrascoso, tempestade. O sentido pri-mitivo daquele termo ficou mantido na área jurídica nas formas tempestivo (em tempo de-vido, oportuno, adequado) e intempestivo (em tempo indevido, inoportuno, inadequado).

A ideia da não arbitrariedade do signo ganha mais força para os funcionalistas no campo da sintaxe, quando, por exemplo, se analisa a sequência de ações a seguir: “acordei cedo, tomei café e fui traba-lhar” e vê-se que as ações não foram organizadas aleatoriamente, mas que seguem uma certa ordem que ocorre na realidade. Essa e outras tendências que refletem alguma motivação e que ocorrem paralelamente à arbitrariedade são chamadas de iconicidade pelos funcionalistas. O princípio da iconicidade também tenta explicar outros aspec-tos relacionados à sentença, tais como extensão, ordenação e proximidade dos elementos linguísti-cos que a compõem, a depender de fatores “como complexidade semântica, grau de informatividade dos referentes no contexto e proximidade semân-tica entre conceitos”, como afirmam Martelotta e Areas (2003).

VOCÊ SABIA?

Iconicidade e gramaticalização são dois dos

princípios centrais do funcionalismo.

A iconicidade é entendida como a correlação

natural e motivada entre forma e função, isto

é, entre o código linguístico – a expressão – e

seu significado – o conteúdo.

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43Capítulo 3

Saussure, ao estabelecer a dicotomia entre langue e parole, estabeleceu, também, diferença entre o essencial e o acidental, o regular e o fortuito, uma vez que para a análise lingüística, apenas os fatos relativos à língua (langue) eram considerados, dan-do-se pouca atenção à fala individual. Da mesma forma Chomsky, com sua linguística gerativa, que pouco se distancia do estruturalismo saussureano, quando distingue competência de perfomance. Essas duas concepções assemelham-se quando se voltam, apenas, para a língua e anulam a fala, con-siderando esta somente como manifestação das potencialidades de um sistema que consideram independente.

Por outro lado, o funcionalismo dá destaque ao discurso individual entendendo-o como o que dá origem ao sistema linguístico. Sendo este caracte-rizado como moldável e em transformação cons-tante, não se pode separar a langue da parole. Em vista disso, o acidental ou casual próprio do dis-curso – desconsiderado por Saussure – torna-se, na proposta funcionalista, a origem do sistema, a fonte alimentadora do discurso.

Outra dicotomia estruturalista revista pelo funcio-nalismo é a distinção entre sincronia e diacronia, vistas como eixos separados e não-intercambiáveis. No estruturalismo, cada um desses eixos deve li-mitar-se a seu campo de aplicação e, por isso, eles se tornam incompatíveis. No entanto, pesquisas em gramaticalização demonstram que, simultane-amente a fenômenos mutáveis ao longo do tempo, se revelam aspectos que parecem perdurar no de-correr da evolução das línguas. Ou seja, há uma certa regularidade sobre os elementos linguísticos de alguns processos de mudança, que do ponto de vista histórico ou diacrônico, pode-se entender como uma sequência de transformações ocorridas ao longo do tempo; por outro lado, de uma ótica sincrônica, entende-se como um conjunto de polis-semias que coexistem numa língua.

O que se percebe como tendência da linguística funcionalista norte-americana é a ênfase nos me-canismos que contribuem para a mudança como oriundos de fatores comunicativos e cognitivos. Isso no que se refere aos trabalhos sobre gramatica-lização. Assim, diz-se que esse funcionalismo assu-me uma concepção pancrônica de mudança (Saus-sure, 1973), visto que se volta não para as relações sincrônicas entre os elementos de uma língua ou para as transformações ocorridas nesses elementos

e nas suas relações no decorrer do tempo e sim para aspectos cognitivos e comunicativos presentes na ação do indivíduo, quando este participa de um ato comunicativo. Esses aspectos apresentam-se de forma universal, uma vez que trazem à tona as po-tencialidades e limitações da mente humana para reter e transmitir informações.

temática 3

variaçãO Linguística – a reaLidade das Línguas

Esta tira nos apresenta uma dentre as muitas varia-ções linguísticas do português do Brasil. Como fato social, a língua – não apenas a portuguesa, mas to-das elas – está sujeita a transformações que dizem respeito a fatores de ordem temporal, geográfica e sócio-cultural. Esses fatores são classificados por Coseriu (1980) como formas de variação diacrô-nica, diatópica, diastrática e diafásica. É absoluta-mente normal haver variação na língua(gem), uma vez que ela é parte constitutiva do ser humano e sendo este mutável, os fenômenos linguísticos, que estão diretamente relacionados a ele, também o são. Isso implica dizer que todas as línguas sofrem mudanças, sendo impossível em uma comunidade de falantes de uma mesma língua que esses usuá-rios falem da mesma forma, mesmo sendo contem-porâneos, pois existem variedades linguísticas que caracterizam um mesmo estrato social, a exemplo dos grupos humanos – homens, mulheres, idosos,

VOCÊ SABIA?

pancrônica - Ao se voltar para a diferenciação

entre sincronia e diacronia, Saussure questio-

nou se não haveria lugar para um estudo pan-

crônico da língua, ou seja, estudo que se volte

para as leis e regras gerais que sejam constan-

tes na língua

Font

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44 Capítulo 3

jovens, crianças - ou grupos profissionais, como o dos juristas, dos economistas, dos jornalistas e outros. Também, seria, no mínimo, estranho, se falantes deste século XXI falassem da mesma forma que os falan-tes dessa mesma língua no século XVI.

O filme brasileiro Desmundo, de Alain Fresnot, uma produção do ano de 2003, ilustra perfeitamente a questão da variação linguística, visto que o diálogo entre as personagens é feito a partir do português falado no século XVI. Veja o que a matéria publicada pela Revista Superinteressante diz sobre o trabalho realizado, para que se conseguisse reproduzir nesses diálogos o idioma utilizado pelos falantes da língua portuguesa do século em que se iniciou a colonização do Brasil.

cOmO antigamente

O filme de Alain Fresnot, que estréia neste mês nos cinemas, retrata uma história passada

nos primeiros anos da colonização no Brasil. O idioma utilizado na produção é baseado no

português do séc. 16.

Hemos chus drento en no sertão. Sabe em que língua esta frase está escrita? Em português

mesmo. Português do século 16. A frase quer dizer vamos mais fundo pro sertão. É nessa

língua que é falado o filme Desmundo, de Alain Fresnot, que estreia este mês nos cinemas,

uma história passada nos primeiros anos da colonização do Brasil. Fresnot optou por usar a

linguagem da época para dar realismo à produção. Opção difícil, essa. Afinal, para tanto, foi

necessário adaptar os diálogos para uma língua que não existe mais.

O trabalho caiu nas mãos do lingüista Helder Ferreira, da USP. Coube a ele adaptar os diálo-

gos e ensinar os atores a falar como um português de 1570. Helder trabalhou duro. Primeiro

teve que descobrir como essa gente falava. Tarefa inglória, dado que não havia gravadores

na época. O lingüista recorreu a escritos antigos e procurou neles por erros de grafia. Viu,

por exemplo, que muitas vezes se escrevia duda, em vez de dúvida, sinal de que as pessoas

provavelmente pronunciavam a palavra desse jeito. Em um documento, um sujeito é chama-

do de fideputa, o que diz muito sobre a forma como os antigos portugueses se xingavam e

sobre as sílabas que comiam nas palavras. Helder foi além. Fez pesquisas em lugares como

as regiões de Diamantina e de Urucuia, em Minas Gerais. Como esses cantos do Brasil são

isolados, eles conservam jeitos de falar arcaicos, herdados dos portugueses.

Deu trabalho. Mas foi só o começo. O pesquisador teve ainda que criar um jeito de falar

para cada personagem do filme, de acordo com sua idade, sua origem e seu nível social. Um

verdadeiro quebra-cabeças. A tarefa seguinte foi ensinar aos atores tudo isso, num grau de

profundidade tão grande que permitisse que eles fossem capazes não só de ler os diálogos

do roteiro mas também de criar suas próprias frases, para poderem improvisar.

Desmundo conta a pouco conhecida história das órfãs portuguesas que foram mandadas

ao Brasil a mando da rainha para irem para drento en no sertão na companhia dos broncos

desbravadores do país. A coroa de Portugal queria evitar que esses homens casassem com

índias, o que degeneraria a raça. Vale, portanto, não só pela curiosidade lingüística mas

também pelo conteúdo histórico.

FideputaAlguns exemplos do jeito como se fala no filme

Alpidovos Por favor

Axopra Me soltar

Ancianas Velhas

Sêenço Silêncio

Samicas talvez

Recevudas Recebidas

Lengoa Línguas

Assuã Couro

Fideputa ... Superinteressante – Edição 188 – maio 2003

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45Capítulo 3

O conteúdo da matéria apresenta alguns aspectos que apontam para a variação linguística em dife-rentes níveis.

Quando o redator da matéria diz que houve a ne-cessidade de adaptar os diálogos do filme para uma língua que não existe mais, entende-se que essa língua mudou no curso do tempo, a ponto de determina-dos vocábulos e expressões dela não existirem mais e soarem estranho para nós, falantes do português do século XXI, ainda que essa língua seja o mesmo idioma oriundo do latim, retratado no filme em destaque.

Outro aspecto importante é o que coloca em re-levo a metodologia utilizada pelo linguista contra-tado para trabalho de pesquisa sobre o português falado em 1570 – a coleta de dados em escritos antigos, datados desse período. Isso mostra a im-portância da escrita para o registro histórico dos modos como os usuários da língua a usavam na-quela época, visto que não se dispunha dos recur-sos de gravação presentes nos dias de hoje, para se registrarem os falares dos usuários. Nesse caso, a variação linguística pesquisada restringiu-se a de determinados grupos de prestígio.

O campo de estudo da linguística ganha em dina-micidade e se amplia, porque as línguas humanas não são estáticas; elas se alteram, sofrem transfor-mações continuamente no tempo, de forma len-ta, sem que os falantes percebam o complexo jogo dessa mutação e sem se darem conta de que estão fazendo parte dele. Os usuários de uma língua, em geral, só se apercebem dessas mudanças ao entra-rem em contato com textos escritos antigos. FARA-CO (1991) assegura que

“[...] Isso porque a língua escrita é normalmente mais con-servadora que a língua falada, e o contraste entre as duas pode nos levar a perceber fenômenos inovadores em ex-

pansão na fala e que não entram na escrita”.

É importante ressaltar, também, que a linguagem escrita está marcada, na maioria das vezes, por con-textos formais, o que dificulta, de algum modo, a aceitação de inovações na língua, diferentemen-te da língua falada, que é muito mais propícia às transformações por ser caracterizada, mais predo-minante, por contextos informais.

Interessante é o fato de que o trabalho de pesquisa buscou conhecer aspectos variacionais geográficos,

especialmente no que se refere à conservação de vocábulos em desuso pela maioria dos falantes do português do Brasil. Assim, houve a necessidade de se ouvirem pessoas de dois municípios de Mi-nas Gerais, por serem locais isolados e, por isso, ainda mantêm características de um falar arcaico. Diante disso, pode-se entender que o aspecto geo-gráfico é um fator de variação linguística, seja pela distância que alguns lugares apresentam de centros urbanos, seja por outras razões conjugadas àquele aspecto.

Outro nível de variação linguística delineado na matéria refere-se a aspectos, como faixa etária, ori-gem e nível social das pessoas representadas pelas personagens do filme. São distinções entre os di-versos tipos de modalidade expressiva, que depen-dem das manifestações linguístico-discursivas de falantes condicionados àqueles grupos.

Foi ilustrada com a matéria da Superinteressante a questão da variação linguística em alguns aspec-tos, a partir da língua portuguesa. Mas, como já dito no início desta temática, a variação linguística é um fenômeno de todas as línguas. Sendo assim, a variação linguística é um fenômeno natural e essencial à linguagem humana, pois é recorrente em todas as línguas. A ausência de variação é que deveria ser vista como algo incomum à realidade das línguas.

Dessa forma, entendemos que a língua é um siste-ma em aberto que está em constante elaboração. Daí a forma natural com a qual devemos convi-ver com as variações em todos os seus níveis, pois elas são próprias desse sistema dinâmico. Existem variações de ordem fonética, sintática, semântica em todas as línguas. Isso ficou bem explicitado ao lermos a matéria sobre o filme, que traz um resgate da língua portuguesa numa perspectiva diacrônica.

A língua não pode ser compreendida como um produto ou mero instrumento de comunicação, mas como prática sociointerativa, pois ela é, antes de tudo, uso. Por ser falada por pessoas de faixas etárias, gêneros, regiões, profissões e estratos sociais diferentes bem como situações e épocas diferentes, ela necessariamente deve apresentar o fenômeno da variação linguística a fim de que continue viva.

Na próxima temática, vamos estudar cada um dos níveis de estruturação da variação linguística.

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46 Capítulo 3

temática 4

a variaçãO Linguística nOs diversOs níveis de estruturaçãO: variantes diatópicas, variantes diastráticas, variantes diaFásicas e variantes diacrônicas

O prefixo dia – ‘através; através de, ao longo de, durante, por meio de, por, por causa de’ – foi to-mado pela linguística estruturalista europeia para designar os diferentes tipos de variação linguística especificados por diferentes vocábulos:

• diatopia/variações diatópicas – em função das diferenças geográficas/regionais

• diastratia/variações diastráticas – em função dos estratos sociais

• diafasia/variações diafásicas – em função da situação em que se encontram os interlocuto-res

• diacronia/variações diacrônicas (dia + kronos, «tempo») – em função das mudanças ocorridas ao longo do tempo

Vamos descrever cada um desses níveis e variação linguística:

1. variantes diatópicas

As variantes diatópicas caracterizam as diversas normas regionais existentes dentro de um mesmo país e também no interior de um mesmo estado, como o falar goiano, o falar maranhense, o falar pernambucano e, numa subdivisão dos falares exis-tentes neste último estado, temos o falar dos reci-fenses, o dos falantes do agreste, do sertão e outros.

Temos, no Brasil. alguns casos bem evidentes de variações diatópicas e tomamos como exemplos disso: os vários falares caipiras do interior de São Paulo; o falar típico da área urbana da capital de Pernambuco; as diferenças de pronúncia e de voca-bulário entre os falares do litoral e do interior do Nordeste; o sotaque tipicamente carioca; os falares típicos do Rio Grande do Sul – e, dentre esses, os falares das regiões de fronteira com Uruguai e Ar-gentina – e os falares esabelecidos em Santa Cata-rina – incluídos nesses o falar da capital do Estado, Florianópolis –; os falares da região do Pantanal – englobando o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul – e os vários falares das diferentes regiões de fronteira internas – Roraima, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul – e internacionais, onde se falam vá-rias línguas indígenas, o guarani – do Paraguai – e até variantes locais do nhengatu colonial.

O jornal Aqui PE utilizou esse tipo de variação, pró-pria do modo de falar de alguns grupos sociais per-nambucanos para fazer seu anúncio. Foram usados termos e expressões bem regionais, tais como perro-nha (jogador ruim, perna de pau), mas igualmente outras que caracterizam falares do Brasil inteiro, como baranga, pelada, barraco, “rolou aquele cacete”, “tamo lá”. A criação do anúncio publicitário é de Guilherme Souza e James Williams, da Agência Gruponove. Veja como ficou interessante.

SAIBA MAIS!

Procure assistir ao filme Desmundo e analise o trabalho do lin-

guista Helder Ferreira em resgatar as formas do português do

século XVI. Embora alguns pesquisadores apontem equívocos

com relação ao português adotado pelo linguista, acusando-o

de adotar um português muito mais arcaico do que a época

pedia, o trabalho, embasado numa pesquisa diacrônica, vale

pelo resgate histórico sobre a língua portuguesa.

VOCÊ SABIA?

Nhengatu é de origem tupi-guarani e quer dizer

língua boa. É falada em partes do Brasil, Colôm-

bia e Venezuela. Os falantes brasileiros dessa

língua são cerca de 3 mil e vivem na região do

Rio Negro, Vaupés e Içana, no Amazonas.

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47Capítulo 3

as gírias da ÉpOca da jOvem guarda

Além da maneira de vestir e do estilo dos cabelos, a maioria imitando os Beatles, o movimento criou novidades no processo de comunicação, através das gírias que foram inseridas no contexto dos jovens, inclusive, al-gumas permanecendo até hoje. Vejamos:

“barra limpa”, “é papo firme”, “chapa”, “o quente”, “carango”, “é uma brasa mora”, “crista da onda”, “brasa viva”, “abafar”, “goiabão”, “o bom”, “barato”, “avião”, “pão”, “bicão”, “gatinha”, “bidu”, “brucu-tu”, “coroa”, “playboy”, “flertar”, “lenheiro”, “é onda”, “transviado”, “acender”, “coruja”, “papo furado”, “lobo mau”, “mancada” “vem quente”, “tremendão” e outras.

dnstudio.blogspot.com/2007_09_01_archive.html – Adaptado.

2. variantes diastráticas

Esse tipo de variação linguística pode ser perce-bido em falantes de um mesmo idioma, mas que apresentam peculiaridades no falar que destoam da norma de prestígio de sua língua. Esse distan-ciamento da chamada norma culta pode revelar a classe social à qual pertencem, o grau de escolarida-de que possuem, até mesmo a idade. Um exemplo da variação linguística de faixa etária são as gírias adotadas pelos jovens, que, por meio dessa lingua-gem especial, distinguem-se dos falantes adultos. É o que se pode perceber das gírias usadas no perío-do da Jovem Guarda, como podemos constatar no quadro abaixo.

Além de serem consideradas variantes diastráticas, as gírias podem representar outros tipos de varia-ção, especialmente a diacrônica, pois revelam o modo de falar de uma determinada época, como no exemplo das gírias do período da jovem guar-da. Atualmente, as gírias utilizadas pelos mais jo-vens são outras, e estas também cairão em desuso, posteriormente, dando lugar a novas invenções linguísticas que dependerão do contexto sócio-histórico vivido.

Foi dito que a variação social ou diastrática tam-bém pode revelar o nível de escolaridade ou a con-dição socioeconômica do usuário da língua. Leia a letra da música de Adoniram Barbosa e analise as variantes que nela se encontram, as quais remetem aos fatos variacionais apontados.

as maripOsa (Adoniran Barbosa)

As mariposa quando chega o frioFica dando vorta em vorta da lâmpida pra si isquentáElas roda, roda, roda, dispois si sentaEm cima do prato da lâmpida pra discansá.Eu sou a lâmpidaE as muié é as mariposaQue fica dando vorta em vorta de mimTodas as noites, só pra mi beijá.- Boa noite, lâmpida!- Boa noite, mariposa!- Pelmita-me oscular-lhe as alfácias?- Pois não, mas rápido porque daqui a pouco eles mi apaga.

Em Demônios da Garoa – Trem das Onze, Chancecler, CMG – 2294-2, 1964

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48 Capítulo 3

Como uma variedade especial da língua, a norma culta urbana corresponde ao modo de falar das ca-madas sociais mais prestigiadas, daí ser esta moda-lidade a que está descrita nas gramáticas. O texto As mariposa reproduz a fala popular, caracterizada, nesse contexto, por diferenças de pronúncia, como nos termos lâmpida, dispois, muié, entre outros. Ou-tro traço próprio da fala popular exposto pelo com-positor é a questão da concordância inadequada na maioria dos trechos do poema, que não atende ao prescrito na gramática normativa, no que diz respeito às regras gerais da concordância nominal e verbal:

As mariposa fica – roda – senta – apaga

As muié é – fica – apaga

Entretanto, estudos variacionistas apontam que existe uma lógica linguística subjacente à forma como são realizadas essas expressões alheias à nor-ma gramatical, pois, no caso da concordância as mariposa ou as muié, por exemplo em que, por um princípio de economia linguística, não se precisa-ria pluralizar os dois elementos da frase, uma vez que pluralizando um, no caso das expressões des-tacadas, o primeiro elemento, não há necessidade da pluralização do segundo, pois o plural deste já estaria implícito no anterior.

No final do texto, ao colocar o verso - Pelmita-me oscular-lhe as alfácias? o autor reproduz, ironicamen-te, um modo rebuscado de falar. Assim, a letra da música nos proporciona uma pequena amostra-gem sobre a variação linguística no nível de estru-turação diastrática.

3. variantes diaFásicas

A variação diafásica refere-se às diversificadas situações dis-cursivas das quais os falantes participam. Os falantes ajus-tam a sua utilização da língua às exigências determinadas por cada ato discursivo – re-gistro formal ou informal; fala cuidada ou corrente, familiar; oral ou escrita. É natural que o próprio indivíduo varie o uso que ele faz da língua. Ele não tem um padrão de “bem usar a língua” que seja ideal para to-

das as situações interativas, por isso não consegue usar a língua materna da mesma maneira durante todo o tempo, havendo uma variação de estilos. Tal variação resulta de fatores extralinguísticos, como formalidade, informalidade, contexto social, ambiente, situação, interlocutor, dentre outros. Além desses fatores, a utilização do idioma pelo indivíduo se manifesta de acordo com o domínio que ele tem dessa língua, decorrente de seu grau de escolaridade, de seus conhecimentos enciclopédi-cos, de seu nível social, de seu campo de atuação profissional etc.

Esse grau de variação linguística está relacionado ao que Dell Hymes (1984) denomina de compe-tência comunicativa, sendo esta produto da capaci-dade que o indivíduo tem de variar seu estilo con-forme os fatores que podem alterá-lo: interlocutor, objetivo, contexto social etc. Conjugado a essa variação, está o conhecimento armazenado, o lé-xico utilizado pelo indivíduo, que é formado pelo vocabulário comum à sua comunidade linguística e seu vocabulário especial, como gírias e jargões de que faz uso em seu cotidiano, a depender do grupo social e profissional a que pertence.

VOCÊ SABIA?

Conhecimentos enciclopédicos - Também denominados

como conhecimentos prévios, referem-se a conhecimen-

tos que o indivíduo já incorporou às suas estruturas cog-

nitivas em suas relações interacionais no mundo social,

na família, na escola, na vizinhança, nas atividades de

lazer etc. Esses conhecimentos são adquiridos tanto for-

malmente, por meio das várias situações de aprendiza-

gem, quanto informalmente.

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TRADUÇÃO EM PORTUGUÊS:“Nossa experiência será usada em parceria com outras empresas para conquistar mais clientes.”

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49Capítulo 3

Nenhum falante tem um estilo único, por isso a atividade linguística, observada nos vários contex-tos em que se realiza, varia de um estilo informal a um estilo mais formal, a fim de adaptar-se a tipos específicos de situações. Daí o vocábulo diafásico referir-se às diferenças de estilo verificadas em um mesmo indivíduo, em decorrência dos contextos situacionais com os quais se envolve. Entretanto, tem-se utilizado mais frequentemente o termo re-gistro, numa referência à variedade linguística de acordo com o uso, em vez de estilo, principalmente quando se leva em consideração a perspectiva da Sociolinguística. Os registros são observados, por exemplo, entre a modalidade oral e a modalida-de escrita; entre o modo de falar familiar, íntimo, cotidiano e um modo mais formal em situações públicas; entre linguagem corrente corriqueira e linguagem literária etc.

Nisso, aplica-se o que Dell Hymes (idem) assegura sobre competência comunicativa, visto que é por meio dessa competência que o usuário da língua revela sua capacidade de escolha do registro a ser utilizado em função do interlocutor, do ambiente ou da situação imediata em que se encontra. Para ser bem sucedido no processo de escolha, o falante tende a aceitar algumas convenções sociais de sua comunidade bem como as restrições gramaticais que embasam as diversas variedades da língua, per-cebendo e usando enunciados, não apenas como realidades linguísticas mas também como realida-des socialmente apropriadas. Talvez resida nisso uma das razões que torna a variação linguística fundamental, pois, como realidade socialmente apropriada a um determinado contexto, a língua não é apenas um sistema abstrato, mas concreti-za, assim, a sua dimensão enunciativa. Isso porque fatores, como faixa etária, sexo, grau de instrução, condição socioeconômica, sentimento de solida-riedade e empatia entre os interlocutores etc., es-tão relacionados com os interlocutores de alguma conversa ou evento de fala que ajusta a língua à situação concreta de uso.

4. variantes diacrônicas

A Linguística Histórica domina o estudo deste tipo de variação, buscando analisar os processos de mu-dança ocorridos nas línguas, no curso do tempo. Essas mudanças nunca são bruscas, havendo geral-mente um período de transição entre um estágio e outro. As mudanças diacrônicas podem ocorrer:

a) no som/pronúncia É notório que a pronúncia dos sons de algu-

mas palavras do português brasileiro foi alte-rada, mesmo que elas ainda sejam grafadas como se nenhuma alteração tivesse ocorrido. Exemplos disso são as palavras com ditongo na sílaba tônica, tais como besouro, queijo, madeira que não são mais pronunciadas com o ditongo pela maioria dos falantes brasileiros.

b) na flexão e na derivação Os vocábulos pão, cão, leão, dentre outros, são

exemplos desse nível de variação, uma vez que no latim seus radicais terminavam com a con-soante nasal (-n-), sendo grafadas como pan, can, leon, seja quando usadas de forma autô-noma, seja como base de derivação – leon-inus, pan-arium, can-inus. No português, o til passou a marcar a nasalização do ditongo nessas pala-vras, em sua forma autônoma, mas foi manti-da a base de derivação do latim: cão – canino; pão – panificar; leão – leonino.

c) nos padrões de estruturação da frase Há, por exemplo, diferenças sintáticas entre a

língua portuguesa falada no Brasil e a falada em Portugal. Em nosso país, essas diferenças são perceptíveis na colocação peculiar dos pronomes oblíquos, no uso da preposição em com verbos de movimento – chegar na; ir na; emprego do verbo ter em lugar de haver.

d) ao nível dos significados Como exemplo deste nível de variação, po-

demos citar a palavra adubo. No português arcaico, este termo significava tempero. No por-tuguês brasileiro contemporâneo, escolhemos do dicionário eletrônico Houaiss duas acep-ções: substantivo masculino 1. Rubrica: agricultura.

conjunto de resíduos animais ou vegetais, ou produto mineral ou químico, que se mistura à terra para fertilizá-la ou regenerá-la

2. condimento us. em iguaria para dar-lhe sa-bor especial; temperoEmbora a segunda acepção remeta ao sen-tido arcaico do termo, não mais se reco-nhece no português usado hoje no Brasil o significado de adubo como tempero. Nisso, o significado 2 do Houaiss está pra-ticamente fossilizado, podendo ser consi-

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50 Capítulo 3

nidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP): Brasil, Portugal, Cabo Verde, São Tomé e Prínci-pe, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste. Todos são antigas colônias de Portugal.

atividade | Algumas reflexões finais:Diante das temáticas estudadas, reflita sobre as seguintes questões:1. Qual a importância do debate sobre for-malismo e funcionalismo para os estudos lin-guísticos na atualidade?2. Em que sentido, é tomado o conceito de funcionalismo pelos pesquisadores do Círculo Linguístico de Praga?3. Que proposições são trazidas pelo funcio-nalismo norte-americano para a ampliação dos estudos desta perspectiva teórica?4. Pesquise sobre os diferentes tipos de varia-ção linguística que podem ocorrer nas línguas e compreenda a como esse fenômeno contri-bui para a evolução delas.

APROFUNDE SUAS PESQUISAS E BOM ESTUDO!

derado um arcaísmo semântico.

e) pela introdução de novas palavras (neologismos e estrangeirismos)

As palavras do campo da informáti-ca ou aquelas incorporadas na língua com o advento da Internet e que, ge-ralmente são termos em língua ingle-sa, tornaram-se parte do vocabulário de algumas línguas – os chamados es-trangeirismos – e isso, de alguma ma-neira, resultou em mudanças nelas. Da mesma forma, os novos termos que surgem – os neologismos – tam-bém imprimem variações nas línguas, que, assim, vão se renovando.

Os fatores de variação podem ser: a) internos à língua – pelo desaparecimento de

oposições que não se revelem funcionais; pela prevalência do princípio da economia, que tende a eliminar redundâncias; pela introdu-ção de novos elementos com a função de tor-narem a comunicação clara e não ambígua;

b) externos à língua – relativos a mudanças polí-

ticas e sociais, por exemplo, a criação de fron-teiras políticas, que é cumulativa à criação de fronteiras linguísticas.

A questão do Acordo Ortográfico da Língua Por-tuguesa, que prevê a padronização das palavras en-tre os países lusófonos, exemplifica um dentre os fatores externos à língua que estimulam a variação linguística. Esse Acordo pode descrever uma mu-dança político-social vivenciada pela língua portu-guesa no âmbito dos países que a têm como língua oficial.

Essa reforma ortográfica vem sendo discutida des-de 1990 por representantes de nações da Comu-

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51Capítulo 3

reFerÊncias

COSERIU, Eugenio. (1967). Sistema, norma y habla. In: Teoria del lenguaje y lingüística ge-neral. Madrid: Gredos, p.11-113.

COSERIU, Eugenio. (1980). Lições de linguísti-ca geral. Rio de Janeiro: Presença, 129p.

Dell HYMES, H. (1984). Sur la competence de communication. Paris: Gallimard.

FARACO, Carlos Alberto. (1991). Linguística histórica. São Paulo. Ática.

HJELMSLEV, Louis. (1975). Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva.

HYMES, D. (1971). Competence and perfor-mance in linguistic theory – Acquisition of lan-guages: Models and methods. Ed. Huxley and E. Ingram. New York: Academic Press. 3-23.

KENNEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. (2003). A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: Maria Angélica Furtado da Cunha; Mariân-gela Rios de Oliveira; Mario Eduardo Toscano Martelotta (orgs.) Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro, DP&A/Faperj. V.; p. 17-28.

MARTELOTTA, M. E. T; AREAS, E. (2003). A vi-são funcionalista da linguagem no século XX. In: Cunha et al. Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A.

NEVES, M. H. M. (1977). A gramática funcio-nal. São Paulo: Martins fontes.

SAUSSURE, F. (1973). Curso de linguística ge-ral. São Paulo: Cultrix.

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53Capítulo 4Capítulo 4

ementa

Estudo da ciência da linguagem: suas proposições teóricas, abrangência e alcance de suas possíveis aplicações. Percurso da concepção clássica de língua à teoria do signo. Modalidades oral e escrita da língua. O legado de Ferdinand Saussure e de Chomsky para os estudos e métodos de ensino de língua. Formalismo e Fun-cionalismo. Introdução aos estudos pragmáticos. Enfoque epistemológico dos conteúdos.

ObjetivOs

Estudar as proposições teóricas, abrangência e aplicações da Linguística, analisan-do o percurso dessa ciência de seus postulados iniciais às teorias mais recentes.

apresentaçãO

Finalizamos nossa série de estudos nesta disciplina com o capítulo 4 apresentan-do para você alguns dos fundamentos da pragmática e sua instigante preocupa-ção de analisar os fenômenos observados na língua em uso.

A pragmática ainda é uma ciência jovem, com ampla fronteira abarcada por seus objetos e métodos e com muitos estudos e possíveis reformulações de concei-tos passíveis de reformulações. Daí sua importância como ciência que se mostra ainda em fase de consolidação e também de aceitação inquestionável no meio científico.

Como suporte para os estudos realizados neste capítulo, trazemos as principais correntes teóricas e autores que têm sido referência para os estudos pragmáticos desde os seus primórdios, mesmo que na atualidade alguns desses autores este-jam sendo colocados em abordagens autônomas, independentes da pragmática.

Prof.a sônia Virgínia martins PereiraCarga Horária | 15 horas

a perspectiva pragmática:

a Linguagem cOmO açãO

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54 Capítulo 4

Dessa forma, pretendemos lhe oferecer uma iniciação aos estudos da pragmática e uma pequena, mas eficaz referência para que compreenda os conceitos implicados nela, os quais são imprescindíveis para sua formação acadêmica, pois, apesar de ser uma ciência pouco explorada no universo acadêmico, a pragmá-tica está em evolução e prova que pode funcionar como ferramenta imprescindível para diversas áreas de estudo das teorias linguísticas.

Aproveite! Bons estudos!Um abraço,Prof.a Sônia Martins

temática 1

pragmática: dO Que se trata?

Independentemente dos contextos em que se apli-ca o termo pragmática, em geral, na linguagem cor-riqueira, é comum se relacionar o vocábulo a um de seus sentidos restritos voltado, especialmente, para o significado de objetividade.

O Dicionário Eletrônico Houaiss apresenta sete acepções para a palavra, de campos semânticos di-versificados, mas o que mais interessa para os estu-dos propostos neste capítulo é o sexto significado por estar voltado para a área da linguística.

Esse termo origina-se do grego pragma e designa coisa, objeto assinalando algo feito produzido.

Leia os verbetes do dicionário expostos a seguir.

pragmática

substantivO FemininO

1. Diacronismo: antigo. toda e qualquer lei diferente do direito ou or-

denança real

2. conjunto de normas ou determinações que de-vem ser seguidas nas cerimônias palacianas ou religiosas

3. (1899) protocolo diplomático ou social; eti-queta

4. conjunto de considerações práticas (sobre algo) Ex.: a p. de como passar no vestibular

5. Rubrica: termo jurídico. regra ou conjunto de regras relacionadas com

a prática social e jurídica, em oposição a pala-vras e fórmulas; praxe

6. Rubrica: linguística. A parte da teoria do uso linguístico que estu-

da os princípios de cooperação que atuam no relacionamento lingüístico entre o falante e o ouvinte, permitindo que o ouvinte interprete o enunciado do seu interlocutor, levando em conta, além do significado literal, elementos da situação e a intenção que o locutor teve ao proferi-lo (p.ex.: o enunciado você sabe que horas são? pode ser interpretado como um pe-dido de informação, como um convite a que alguém se retire etc.)

7. Rubrica: semiologia. parte da semiótica que estuda as relações cau-

sais (entre outras) entre as palavras, expressões ou símbolos e seus usuários

Além do termo pragmática, outros derivados dele formam um amplo campo de significações que dão ideia do que se propõe a estudar a Pragmática como área autônoma.

O primeiro desses termos é pragmaticismo que re-mete à doutrina filosófica do norte-americano Charles Sanders Peirce. Com sua doutrina Peir-ce influenciou outros filósofos a partir de suas ideias sobre a tríade pragmática, a saber a relação signo-objeto-interpretante, uma teorização sobre a linguagem numa proposta de considerar, além do signo, a que ele remete e, especialmente a quem significa. É perceptível pelo diagrama abaixo, essa chamada relação triádica de Peirce:

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55Capítulo 4

Segundo Ogden & Richards (relação triádica de signo):

Interpretante: é um segundo signo, equivalente a si mesmo ou, eventualmente, um signo mais de-senvolvido, criado na mente do receptor.

Signo: é o que representa algo a alguém sob algum aspecto;

Objeto: é a coisa representada

Em seu pragmaticismo, Peirce advoga que os fe-nômenos experimentais são os únicos capazes de afetar a conduta humana, pois a soma desses fe-nômenos implicados numa proposição constitui o alcance da conduta humana.

pragmaticismO

substantivO mascuLinO

1. m.q. pragmatismo

2. Rubrica: filosofia. doutrina filosófica de Charles Sanders Peirce

(1839-1914, filósofo, matemático e físico es-tadunidense), que adotou essa denominação (em 1905) para distinguir sua filosofia prática do pragmatismo de William James (1842-1910, psicólogo e filósofo estadunidense)

Também o vocábulo pragmaticista refere-se à filoso-fia de Peirce caracterizando o que é relativo a essa filosofia ou quem a segue.

pragmaticista

adjetivO e substantivO de dOis gÊnerOs

Rubrica: filosofia.1. m.q. pragmatista

2. relativo ao pragmaticismo de Charles Sanders Peirce (1839-1919, filósofo, matemático e físi-co estadunidense) ou adepto deste.

pragmáticO

adjetivO

1. Rubrica: termo jurídico.

SIGNO

PRODUTOR DE SIGNOS

INTÉRPRETE

OBJETO A SER

DENOTADO

INTERPRETANTE

OBJETOSIGNO

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56 Capítulo 4

que interpreta as leis nacionais (diz-se de juris-ta)

2. que contém considerações de ordem prática (diz-se de ponto de vista, resolução, modo de pensar etc.); prático, realista, objetivo

3. relativo, pertencente ou pertinente à pragmáti-ca

4. voltado para objetivos práticos; realista, objeti-vo

5. que sacrifica princípios ideológicos para a con-secução de objetivos a curto prazo (diz-se de indivíduo, partido político, política etc.)

6. concernente à ação e ao bom êxito de algum empreendimento

7. que aborda os fenômenos históricos com uma especial referência a suas causas, antecedentes, condições e conseqüências

8. relativo ou pertencente a negócios comunitá-rios ou de Estado

9. Rubrica: filosofia. relativo ou pertencente ao pragmatismo

Leia a seguir um trecho do artigo do físico Marcelo Gleiser em que ele se apropria de alguns dos ver-betes expostos.

entre a razãO e O pragmatismO Marcelo Gleiser

(...) Ao propor aos seus pupilos que estudassem os céus, Platão lançou um desafio: que todos os movimentos dos astros celestes, criados pelo Demiurgo- a inteligência cria-dora do cosmo - , fossem explicados em termos de círculos e suas inter-relações. Esse desafio inspirou a astronomia por dois milênios. A filosofia de Platão reverenciava a ge-ometria e a razão acima da percepção sensorial das coisas. (...) Considerado por muitos o filósofo mais influente da

história, ele era um pragmático, que acreditava no poder da lógica e do bom senso para construir uma explicação da realidade conforme captada pelos sentidos. (...)

A explicação de Aristóteles para a gravidade ilustra bem sua

filosofia pragmática: as coisas caem, pois querem voltar ao seu lugar de origem. Uma pedra, se largada de uma certa altura, cai verticalmente. Já o fogo sobe, pois quer ocupar as partes superiores da atmosfera. Para Aristóteles, os mo-

vimentos dos corpos celestes eram impostos no cosmo de fora para dentro: a esfera mais externa era a morada da sua versão de Demiurgo, o “Que Move Sem Ser Movido”, responsável pelo movimento inicial que se propagava atra-vés do cosmo como as engrenagens de um relógio. Com

isso, Aristóteles oferecia uma solução pragmática para o problema da Primeira Causa: como surgiu o mundo e seus movimentos.(...)

Adaptado.http://marcelogleiser.blogspot.com/2007/07/entre-razo-e-o-

pragmatismo-representao.html - acessado em 22/01/2010.

pragmatismO

substantivO mascuLinO

1. Rubrica: filosofia. ênfase do pensamento filosófico na aplicação

das ideias e nas consequências práticas de con-ceitos e conhecimentos; filosofia utilitária

2. Rubrica: filosofia. corrente de ideias, que prega que a validade

de uma doutrina é determinada pelo seu bom êxito prático [É esp. aplicado ao movimento fi-losófico norte-americano baseado em ideias de Charles Sanders Peirce (1839-1914) e William James (1842-1910).]

Obs.: cf. ativismo, humanismo e naturalismo

3. Rubrica: filosofia, linguística. dentro do pensamento de Charles S. Peirce,

afirmação de que o conceito que temos de um objeto é a soma dos conceitos de todos os efeitos decorrentes das implicações práticas que podemos conceber para o referido objeto; pragmaticismo

4. consideração das coisas de um ponto de vista prático; tratamento prático, não dogmático ou sumário das coisas

5. tratamento dos fenômenos históricos com referência especial às suas causas, condições, antecedentes e resultados

VOCÊ SABIA?

Marcelo Gleiser é brasileiro, professor

de física teórica no Dartmouth College,

em Hannover (EUA) e autor do livro A

harmonia do mundo.

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57Capítulo 4

O verbete pragmatismo empregado abaixo adere ao sentido de algo voltado para a prática:

Especialmente quanto aos termos pragmatismo e pragmaticismo, ao que parece, há uma remissão do uso para pragmatismo. De um modo geral, enten-de-se que o pragmaticismo é a redenominação do pragmatismo de Peirce, uma vez que pragmatismo foi utilizado no final do século XIX pelo filósofo William James numa conferência atribuindo sua autoria a Peirce. Entretanto, já no início do século do XX, o termo foi rejeitado por Peirce, que, a par-tir de então, passou a usar o vocábulo pragmaticis-mo para estabelecer diferenças entre sua filosofia e a de William James. Em ensaio próprio, datado do ano de 1905 – What pragmatism is – em que toma o vocábulo pragmaticismo como o mais adequado para a sua teoria, Charles Peirce expõe sobre a ética da terminologia, discorrendo sobre a importância de uma terminologia mais precisa.

Foi Charles Morris quem dividiu os estudos lin-guísticos em sintaxe – o estudo da gramática, da ordenação de palavras que constituem as frases de uma língua; semântica – estudo do significado, em-bora esse conceito se mostre ainda bastante con-troverso; e em contraposição às duas concepções anteriores, a pragmática – o estudo dos usos dos enunciados linguísticos em práticas sociais diver-sificadas.

De forma geral, pode-se definir, do seguinte modo, as relações que cada uma dessas dimensões dos es-tudos da língua abrange:

• Sintaxe: relações entre signo

• Semântica: relações entre signo e seus objetos

• Pragmática: relações entre signo, seus objetos e seu interpretante

gabeira na sabatina da FOLHaFOLHA DE SÃO PAULO - 19/09/2005

O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) afirmou hoje, durante sabatina da Folha, que as próximas eleições serão muito mais “realistas”, sem a presença de “grandes líderes”. “A tendência, ago-ra, é de pragmatismo”, disse ele. “Não há mais salvadores. Há processos de re-cuperação, mas sem características mes-siânicas”, afirma.

http://www.gabeira.com.br/todas-entrevistas/113-

gabeira-na-sabatina-da-folha acessado em 24/01/2010

VOCÊ SABIA?

Charles Morris - Filósofo norte-americano que

conjugou suas ideias às dos representantes do

empirismo lógico e dos pensadores ligados ao

pragmatismo. Seus estudos são da área da semió-

tica e distinguiram três domínios da análise da lin-

guagem: o sintático, o semântico e o pragmático.

S

I

O

S

I

O

S

I

O

SINTAXE

SEMÂNTICA

PRAGMÁTICA

O diagrama acima expõe o que prevalece em cada domínio de estudo. Assim, entendemos que pela via da sintaxe, há o predomínio do signo sobre o interpretante e sobre o objeto. Na semântica, já se passa a focalizar a relação entre signo e objeto sem prevalência de um sobre o outro e, na pragmática, incluem-se os três aspectos como importantes para a análise dos usos linguísticos.

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58 Capítulo 4

É importante destacar a confusão didática que tem sido gerada em relação aos conteúdos abarcados pela semântica e pela pragmática. Isso decorre do uso bastante comum do termo pragmática – que, em geral, utiliza-se como adjetivo e toma-se como sinônimo de prática – e de seus derivados, como constatamos anteriormente aqui neste trabalho. Nisso se tende a confundir o estabelecimento de valores semânticos com inferências de valor prag-mático. Para se estabelecer a fronteira entre a semântica e a pragmática, usa-se a noção de contexto, enten-dendo-se, porém, que as significações linguísticas, a priori, independem do contexto, mas as significa-ções pragmáticas emergem deste.

O vocábulo pragmática foi proposto por Morris para designar uma das três dimensões do signo, numa perspectiva behaviorista.

Assim, numa perspectiva do domínio da linguísti-ca, a pragmática é o estudo da linguagem em uso e, por isso mesmo, um campo privilegiado dos estu-dos sobre a linguagem humana.

temática 2

natureza e ObjetO da pragmática e a teOria dOs atOs de FaLa Entendermos que a pragmática estuda o uso con-creto da linguagem com o foco no que os usuários fazem em suas práticas linguísticas e, em decor-rência disso, analisa os elementos condicionantes dessas práticas. Pinto (2009) assegura que aqueles que se voltam para os estudos pragmáticos inten-tam explicar antes a linguagem do que a língua. Esse posicionamento coloca-se contrário à clássi-ca dicotomia saussureana língua X fala, em que a fala é subtraída da linguagem para a constituição da língua como objeto de estudo da linguística. A pragmática absorve também a fala nos estudos da linguagem para que a análise da língua seja feita a partir de sua produção social e nunca isolada des-ta. Dessa forma, são imprescindíveis os conceitos de sociedade e de comunicação – e neles se inclui o falante da língua, desprezado pelo estruturalismo – para se entender a natureza e o objeto daquela abordagem teórica.

Um aspecto importante a se destacar quanto à definição do objeto de estudo da pragmática é a questão de que são tão numerosos e diversificados os fenômenos decorrentes da linguagem em uso, que a seleção desses fenômenos depende da pers-pectiva teórica adotada pelos pesquisadores, daí a grande influência da filosofia e de determinados grupos filosóficos como critério para a escolha de objetos e métodos, o que dá origem a diferentes abordagens nos estudos pragmáticos.

São estas as três correntes principais da pragmáti-ca:

• o pragmatismo americano, que tem como base os trabalhos de William James e sua perspecti-va semiológica.

• a teoria de atos de fala, produzida por John Austin, a partir de doze conferências proferi-das por ele na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em 1955 e publicadas depois de sua morte, em 1962.

• os estudos da comunicação que se voltam para as relações sociais e a influência exercida por estas na prática linguística.

Quanto aos teóricos que são referência para os estudos pragmáticos, além dos já citados nas três grandes correntes teóricas, temos Ducrot, Benve-niste e Grice, ainda que atualmente sejam coloca-dos em campos de estudos e métodos independen-tes da Pragmática.

Por apresentar elementos importantes para o estu-do proposto neste capítulo, será dado destaque, a seguir, à teoria dos atos de fala em seus aspectos gerais.

A teoria dos atos de fala nasceu no interior da filo-sofia da linguagem, no início da década de 1960, a partir de estudos de filósofos da Escola Analíti-ca de Oxford, dentre eles, John Langshaw Austin (1911-1960), Jonh Roger Searle (1932-) e outros, que concebiam a linguagem como uma forma de ação. Para esses filósofos, todo dizer é um fazer e, a partir desse pressuposto, passaram, então, a estudar os diversos tipos de ação humana que se realizam por meio da linguagem, os quais denomi-naram de atos de fala.

Austin (apud SILVA, 2005) estabelece critérios

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59Capítulo 4

para definir o caráter performativo da linguagem; em outras palavras, o poder que a linguagem tem, através dos atos de fala, de praticar ações. Ele esta-belece, inicialmente, dois tipos de atos de fala: os enunciados performativo e constativo.

Segundo o pesquisador, são constativos os enun-ciados que descrevem ou relatam um estado de coisas. Para tanto, esses enunciados devem ser sub-metidos a critérios de verificabilidade, visto que podem ser verdadeiros ou falsos. Tais enunciados são denominados popularmente como afirmações, descrições ou relatos como nos exemplos abaixo:

Ele é uma grande promessa do tênis brasileiro.O pião gira em torno de seu próprio eixo.Caem todas as folhas da árvore no outono.

Quanto aos enunciados performativos – o foco de interesse nos estudos de Austin –, este os co-loca como opostos aos constativos visto que eles não afirmam, descrevem ou relatam nada e por isso não passam pelo critério de verificabilidade, uma vez que não são falsos nem verdadeiros. São enunciados que concretizam uma ação, se estive-rem configurados dentro dos seguintes princípios: ditos na primeira pessoa do singular, no presente do indicativo, na forma afirmativa, na voz ativa. Podem ser exemplificados nesses enunciados:

Condeno o réu à prisão perpétua.Eu vos declaro marido e mulher.Declaro aberta a sessão ordinária da Câmara.

Esses enunciados ao serem proferidos executam a ação denotada pelo verbo, realizam atos – de con-denar, de casar, de abrir uma sessão. É nesse sen-tido que todo dizer é um fazer, pois um padre, por exemplo, dizer eu vos declaro marido e mulher não é informar aos noivos sobre o casamento deles, mas casá-los, torná-los oficialmente marido e mulher, pelo menos perante as leis religiosas.

Ressalte-se, entretanto, que só o fato de se profe-rir um enunciado performativo não se estabelece como garantia de que ele seja realizado, pois é pre-ciso que as circunstâncias em que esse enunciado é proferido sejam adequadas para que ele seja bem sucedido; ou seja, a ação designada seja, de fato, realizada. Em outras palavras, uma situação inade-quada, poderia ser exemplificada por meio de um cenário em que ao invés de um juiz proferir uma sentença de prisão perpétua a um réu, alguém sem o poder ou a autoridade para tal ato dizer eu conde-no o réu à prisão perpétua. Nessa inadequação, o ato performativo não se realiza; embora o enunciado não seja falso, ele é nulo, torna-se sem efeito.

Para que um enunciado seja bem sucedido, alguns critérios devem ser obedecidos, segundo Austin. São estas as principais condições de felicidade que ele estabelece para isso: a autoridade do falante para executar o ato; as circunstâncias em que o ato é proferido devem ser apropriadas.

Em estudos posteriores, ao constatar que nem todo enunciado performativo possui verbo na pri-meira pessoa do singular, no presente do indica-tivo, na forma afirmativa e na voz passiva, e que também nem todo enunciado dentro desse parâ-metro gramatical é performativo, Austin constata que um enunciado performativo pode existir sem nenhuma palavra dele estar relacionada ao ato que executa. É o que pode exemplificar a placa abaixo, que equivale a dizer ao motorista advirto que a curva é perigosa.

VOCÊ SABIA?

Escola Analítica de Oxford - O que carac-

teriza os filósofos dessa Escola é a análise

minuciosa da linguagem sob uma inter-

pretação literal.

VOCÊ SABIA?

Performativos - Este termo vem do verbo

inglês to perform que quer dizer realizar.

Font

e: fl

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.com

/pho

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hito

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1458

277

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60 Capítulo 4

Assim o teórico distingue performativo explícito, que designa o enunciado com performatividade explícita, colocado como contrário ao performa-tivo implícito ou primário para enunciado que não apresenta performatividade explícita, sendo o performativo primário uma forma reduzida de do performativo explícito. Segundo Silva (2005), em decorrência dessa distinção, Austin constata que a denominação performativo primário também no-meia os enunciados constativos e assim desconsi-dera a distinção constativo-performativo visto que admite ser possível transformar qualquer enun-ciado constativo em performativo, bastando ante-cedê-lo de verbos como declarar, afirmar, dizer e outros. Nisso, reconhece que todos os enunciados são performativos por realizarem alguma ação no momento em que são enunciados e reconhece três atos simultâneos que se realizam em cada enuncia-do: o locucionário, o ilocucionário e o perlocucionário.

O ato locucionário é materializado quando se enuncia algo, constitui-se na emissão de um con-junto organizado de sons.

O ato ilocucionário tem como base uma determi-nada força relacionada a um significado. Nisso, o enunciado pode ter a força de uma promessa, de um julgamento, de uma declaração, de uma per-gunta etc.

O ato perlocucionário consiste no efeito do enun-ciado sobre o interlocutor. Diante disso, são pro-váveis enunciados em que o falante pronuncie “eu argumento, ou eu esclareço...”, mas é improvável que ele diga “eu convenço você, ou eu assusto você...”. Isso decorre do fato de a argumentação e o esclarecimento serem forças ilocucionárias pró-prias de quem fala, enquanto que a efetivação de um convencimento ou de um susto é o efeito de uma força sobre o interlocutor e, por isso mesmo, um ato perlocucionário.

Para Austin, todo ato de fala é simultaneamente lo-cucionário, ilocucionário e perlocucionário, pois, ao se proferir uma frase, há o ato locucionário de se enunciar cada elemento linguístico componente da frase, mas há igualmente um ato que se realiza na linguagem, o ilocucionário, e há, também, um ato que se realiza na linguagem, mas por ela, o per-locucionário. Como exemplo, tem-se o enunciado Prometo que isso não vai ficar assim em que se pro-nuncia cada elemento da frase, realizando-se o ato de promessa e o que se pretende fazer.

Os trabalhos de Austin foram posteriormente re-tomados por John R. Searle que aprofundou os es-tudos sobre a teoria dos atos de fala focalizando a discussão sobre as consequências que a emissão de determinados tipos de enunciados estabelece. Nos desdobramentos dos estudos sobre os atos de fala proposto por Searle, existe a ideia de que não bas-ta considerar unicamente a intenção que o falante tem de realizar certas ações pela linguagem. Para ele é preciso fazer uma distinção entre a produção do enunciado, a intenção com que o enunciador produz a sentença e as consequências que a produ-ção desse enunciado acarreta. Esses três aspectos referem-se, respectivamente, aos atos locucionário, ilocucionário e perlocucionário.

A teoria dos atos de fala, que sintetizamos em seus fundamentos gerais, tem com um de seus pressu-postos, a ideia de que os falantes de uma língua são sujeitos cooperativos. Isto é produto de uma visão idealista da sociedade dos filósofos britânicos na década de sessenta. Tal idealização está igualmente presente na proposta das máximas conversacionais elaborada por Grice, que foi contemporâneo de Austin e Searle. Estudos posteriores que se debru-çam sobre outros fenômenos relacionados às ati-vidades linguísticas, se apoiam nos fundamentos elaborados por esses filósofos, mas agregam outros conceitos, a exemplo do conceito de ideologia, que estabelecem uma visão menos idealizada dos falan-tes e dos usos que estes fazem da língua.

As máximas conversacionais de Grice serão traba-lhadas na próxima temática.

temática 3

as máximas cOnversaciOnais de grice

A teoria das regras conversacionais de Grice inclui o sujeito na enunciação. Com isso, o filósofo bus-ca analisar o sentido a partir da relação entre o que é dito no enunciado e um estado de coisas no mundo, visto que não basta se buscar o significa-do/sentido na proposição apenas; pois é preciso encontrá-lo pela intenção.

As máximas propostas por Grice têm como base a ideia de que os interlocutores cooperam mutua-mente entre si em suas relações. É o princípio coo-perativo entre falante e ouvinte –, possível de reger

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a comunicação. De acordo com o princípio coope-rativo, as informações trocadas entre os interlocu-tores fazem parte de conhecimentos compartilha-dos, que dependem do contexto conversacional.

Vejamos o princípio da cooperação analisando a charge abaixo:

Conforme Grice (1982), toda conversação é regida por um esforço cooperativo dos interlocutores: de um lado, o falante em se fazer entender e, do ou-tro, o ouvinte, em compreender seu interlocutor. Esse acordo tácito é denominado de Princípio da Cooperação.

O gênero textual charge impressa é um importan-te elemento para a aplicação e análise dos postu-lados de Grice, uma vez que serve aos propósitos da interação verbal, na medida em que o chargista faz uso de fatos cotidianos por meio de elementos enunciativos, por ser esse gênero dependente do contexto para a sua compreensão.

Como toda charge impressa, a que apresentamos acima tem como características a economia da lin-guagem verbal – tem-se apenas a frase Embaixada do Brasil em Honduras –, associada à linguagem não-verbal; que é a predominante. Nesta, os elementos não-verbais, o mapa do Brasil, a bandeira, as cadei-ras, o travesseiro, mas, principalmente a “marca” de Zelaya delineada na parede, compõem o cenário que emitem as informações essenciais para a com-preensão do texto e da crítica implícita nele.

Essa charge traz como tema um fato político am-plamente divulgado na mídia, a reclusão do ex-presidente de Honduras, Manuel Zelaya, na Em-baixada do Brasil em Tegucigalpa, Honduras, com uma ponta de humor e ironia. Assim, o chargista

Jarbas emite sua opinião sobre o fato, o que torna seu texto interpretativo; ele tem a intenção de que o leitor identifique a informação como um ato co-municativo.

Com isso, percebemos que a leitura da charge é agi-lizada pela economia de palavras e pelas imagens, o que a torna atraente a um público heterogêneo. Este público, por sua vez, deverá fazer interpreta-ções diversas sobre suas vivências e conhecimen-to de mundo, especialmente com relação ao fato abordado. Por isso, o leitor de charges é sempre co-operativo, visto que ele está habituado a procurar um sentido, a buscar o não-dito que não aparece nos elementos não-verbais, nem nos enunciados reduzidos, isoladamente.

Nesse gênero textual as imagens passam a exercer funções próprias das palavras, num processo de ca-racterização, ao ilustrarem personagens dentro de um cenário que permite o reconhecimento de um episódio e os fatores que contribuíram para sua consecução. Nisso, acontecimentos os mais diver-sificados possíveis são ridicularizados, ironizados, recharchados nas caricaturas, ocorrendo a desqua-lificação das figuras públicas que os produziram.

A partir do princípio da cooperação, na comuni-cação, a linguagem face a face obedeceria, segundo Grice, às seguintes máximas conversacionais:

Modo ou Maneira – esta máxima é definida pelas seguintes atitudes de cooperação: “Seja claro: evite obscuridade de expressão, evite ambigui-dades, seja breve, seja metódico.”

A máxima de modo ou maneira diz respeito a como a proposição é enunciada por meio de ter-mos objetivos, com sentido preciso e sentenças bem estruturadas. Estão organizadas as seguintes submáximas:

• evite que sua expressão seja obscura, uma vez que isso é produto do uso de termos que não explicitam o sentido da mensagem para o seu interlocutor;

• evite ambiguidade; use palavras e expressões com sentido definido, preciso e bem delimita-do para que assim garanta uma única interpre-tação de sua mensagem;

• evite prolixidade desnecessária ao produzir

Fonte: Diário de Pernambuco – Recife, 28 de janeiro de 2010.

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uma mensagem com o máximo de informação e o mínimo de palavras; em outros termos, é preciso adotar o princípio da economia lin-guística;

• evite desorganização das informações priman-do por um encadeamento lógico, temporal e espacial na mensagem.

Quantidade – o que se espera como coopera-ção dos interlocutores, a partir dessa máxima, é que cada interlocutor “Faça com que sua con-tribuição seja tão informativa quanto necessário.”

A máxima de quantidade corresponde às informa-ções explicitamente expostas no texto, para que se consiga uma contribuição informativa e necessária que garanta a unidade de sentido dele.

Qualidade – são resumidos dessa maneira os princípios que regem a máxima da qualidade: “Não afirme o que você acredita ser falso; não afir-me senão aquilo para o que você possa fornecer pro-vas.”

Na máxima de qualidade, tem-se por objetivo que a afirmação proferida seja, comprovadamente, ver-dadeira.

Relevância ou Relação – o único princípio que rege essa máxima é “Seja relevante.”

Na máxima de relevância ou de relação, o que se requer é a relevância da contribuição dos interlo-cutores para o entendimento dos objetivos da in-teração estabelecida. Para tanto, faz-se necessária a exclusão de vocábulos ou sentenças não pertinen-tes aos propósitos da mensagem.

A partir das máximas conversacionais estabeleci-das por Grice, entendemos que toda conversação obedece a uma lógica própria, e o não cumpri-mento de uma das máximas pelos interactantes gera efeitos distintos ou contrários aos que se teria como propósito. Ocorre que, na linguagem, por vezes, tais máximas são infringidas propositalmen-te, para gerar ambiguidade ou ironia, segundo es-clarece Grice.

A seguir, são apresentadas as máximas conversa-cionais de Grice de forma ilustrada, mas que se apresentam como um contraponto, de forma bem humorada, ao estabelecido pelo filósofo:

A primeira máxima ilustrada por um sinal de inter-rogação é a do modo ou maneira, em que se vê des-tacada a palavra-chave claridade ou clareza. Nela, ao lermos a frase “ofuscações evitadas elucidações expos-tas” a relacionamos ao fundamento nuclear dessa máxima, que é o da clareza, para se evitar obscuri-dade e ambiguidade na conversação, embora a in-terrogação não deixe nada às claras na mensagem.

A segunda, ilustrada pelo símbolo da Nike é a má-xima de quantidade, tendo em destaque a palavra-chave informação e uma frase que diz o mínimo pos-sível: “só faça”, o que contraria a própria máxima que preza pelo maior número de informações que se puder fornecer e que estas sejam expostas de for-ma explícita no texto. Em seguida, temos a terceira máxima, a máxima de

Fonte: specgram.com/CLV.2/05.phlogiston.cartoon.14.html

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Qualidade em que se vê um vestido delineando um corpo feminino e a palavra-chave destacada verda-de. O enunciado “Não, esse vestido não faz seu bumbum parecer maior, querida.”, não condiz com a verdade dos fatos, o que se opõe ao princípio da máxima que estabelece que não seja afirmado algo falso.

E a última máxima ilustrada por uma lâmpada, uma banheira com ferramentas e uma girafa é a de Relação ou Relevância, com a palavra-chave des-tacada relevância. O pequeno texto, em forma de diálogo, diz: “Pergunta: Quantos surrealistas são ne-cessários para trocar uma lâmpada? Resposta: Dois, um para segurar a girafa e outro para encher a banheira com ferramentas coloridas.” Nesse texto percebe-se a irrelevância das informações dadas, o que é con-trário ao fundamento da máxima que preza pelo princípio da relevância das informações para que os propósitos da conversação sejam atingidos.

temática 4

eLementOs gerais da pragmática Linguística

Entende-se que a pragmática linguística é a mate-rialização, no campo de estudo de línguas e na co-municação, do pragmatismo linguístico.

Como já dito em outros tópicos deste capítulo, o interesse pelos estudos pragmáticos e o desenvol-vimento desses estudos originaram-se, principal-mente, das pesquisas realizadas inicialmente por filósofos. Entretanto, apesar de apoiada numa perspectiva filosófica de longa tradição, ainda hoje não se tem uma delimitação clara do campo de investigação da pragmática. Assegura-se, no en-tanto, que se trata, certamente, de uma vertente da linguística, mais especificamente, da linguística aplicada, elegendo como prioridade a linguagem oral, mas dentro dos limites em que essa vertente se encontra com disciplinas afins. É de interesse da pragmática a análise da linguagem como forma de comunicação humana.

Os filósofos do chamado grupo de Oxford – Aus-tin, Searle e Grice – estudados neste capítulo, ti-nham por interesse prioritário os aspectos linguís-ticos. Esses filósofos são a fonte inspiradora da pragmática linguística nos moldes em que ela se configurou na década de 1970.

No que se refere ao campo especificamente lin-guístico, a pragmática deu origem a correntes de estudo diversas, a saber: a Linguística Aplicada, a Análise do Discurso, dentre outras; e a novas teo-rias de aquisição/aprendizagem/ensino de línguas, não só de língua materna, mas principalmente de língua estrangeira/segunda língua.

A pragmática provocou revolução nos estudos lin-guísticos, a ponto de a linguística pura não con-seguir mais se impor unicamente como ciência teórica, como ocorria há algumas décadas Assim, a pragmática linguística amplia seu campo de ação ganha mais terreno, num processo de transdisci-plinaridade com outras áreas e outras disciplinas, como a sociologia, a antropologia, a psicologia e a própria filosofia da linguagem. Estas disciplinas também incursionam pelos domínios da pragmáti-ca. O que se compreende com isso é que estudar linguística aplicada é estudar, de alguma forma, semiótica, pragmática, análise do discurso, socio-linguística, psicologia linguística, antropologia lin-guística e também filosofia linguística.

A seguir serão dados apresentados alguns funda-mentos gerais da pragmática linguística.

O aparelho formal da enunciação, a partir da pers-pectiva de Benveniste:

• Enunciação – conjunto de fatores e atos que constituem as condições de produção dos enunciados.

• Enunciado – sequência de sentenças precedi-das e seguidas de períodos de silêncio.

• Dêiticos – classe dos indicadores - unidades linguísticas - cujo funcionamento semântico- referencial implica que se considerem alguns elementos constitutivos da situação de comu-nicação.

As unidades dêiticas só podem ter seu sentido construído na enunciação.

categOrias dÊiticas:

• Pessoa / Interlocutores – pronomes pessoais (eu – tu) e possessivos;

• Tempo – tempos dos verbos - agora, hoje, on-

tem, amanhã;

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• Lugar – pronomes demonstrativos - índices de “ostentação” isto, aqui, lá, acolá, na esquina etc. advérbios de circunstâncias complemen-tos “relativos” etc.

mOdaLizaçãO: • Modalização – conjunto de meios através dos

quais um falante manifesta o modo como ele considera seu próprio enunciado.

• Modalizador – define a marca linguística dada pelo sujeito a seu enunciado.

1. Distância a) mínima: o sujeito se inscreve, adere total-

mente ao enunciado. Ex.: O eu reduz a distância.

b) máxima: o sujeito considera seu enunciado como parte integrante de um mundo distinto dele mesmo, foge totalmente.

Ex.: o uso da 3ª pessoa do singular no discurso acadêmico.

2. Transparência a) apagamento do sujeito da enunciação -

transparência máxima: o enunciado marca um fato geral da experiência.

Ex.: A Terra gira em torno do sol.

b) presença do sujeito da enunciação: opacida-de máxima.

Ex.: carta pessoal, poesia, diário. 3. Tensão Define a dinâmica da relação estabelecida en-

tre o falante e seu interlocutor, por meio do texto.

a) tensão máxima: querer, poder; b) tensão mínima: ser/ estar, ter.

• Mascaramento – tentativa de enganar os des-tinatários sobre quem se é, usando o modelo de outrem.

• Performance – tentativa de fazer esquecer o que se é, deixando de utilizar o próprio mo-delo, sabendo que o destinatário não ignora.

Vimos, de forma geral, alguns dos pressupostos da pragmática linguística, mas outros de igual impor-tância merecem um estudo mais detalhado. Dian-

te disso, você precisa ampliar seus conhecimentos acerca da temática para entender, em suas minú-cias, as bases dessa abordagem teórica.

atividade | Algumas reflexões finaisA partir do que foi estudado sobre a pragmáti-ca, reflita sobre as seguintes questões:1. Qual a importância dessa corrente teórica para os estudos linguísticos contemporâneos?2. A pragmática já tem delimitado especifica-mente seu campo e objeto de estudo?3. Que proposições traz a pragmática linguís-tica para a linguística teórica?4. Pesquise sobre o caráter transdisciplinar da pragmática, uma vez que ela faz incursões por diferentes áreas e disciplinas.

APROFUNDE SUAS PESQUISAS E BOM ES-TUDO!

reFerÊncias

BENVENISTE, Emile. (2005). Problemas de lin-guística geral I. Campinas: São Paulo, Pontes Editores, 5. ed., 2005.

_____________. Problemas de linguística geral II. Campinas: São Paulo, Pontes Editores, 1989.

PINTO, Joana Plaza (2009). Pragmática. In: MUSSALIM, F & BENTES, A. N. (orgs). Intro-dução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, vol. 1.

PRETTI, Dino.(1982). Sociolinguística: os níveis de fala. São Paulo: Companhia Editora Nacio-nal.

SAIBA MAIS!

Pesquise sobre algumas ideias centrais do

pragmatismo.

Leia o artigo Pragmática, inserido no livro

Introdução à linguística – domínios e fron-

teiras, de Fernanda Mussalim e Anna Chris-

tina Bentes.

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SAUSSURE, F. (1973). Curso de linguística ge-ral. São Paulo: Cultrix.

SILVA, Gustavo Adolfo Pinheiro da. (2005). Pragmática: a ordem dêitica do discurso. Rio de Janeiro: Enelivros.

WEEDWOOD, Bárbara. (2002). História con-cisa da linguística. (trad. Marcos Bagno) São Paulo: Parábola Editoria.