ESCOLA MUNICIPAL MARECHAL DEODORO- LONGUINÓPOLIS- BRAGANEY ...
3 A Mercadificação do espaço do bairro de Deodoro e ... · adjacências - RJ: O Projeto do BRT e...
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3 A Mercadificação do espaço do bairro de Deodoro e adjacências - RJ: O Projeto do BRT e as Olimpíadas de 2016
Neste capítulo, realizamos a discussão sobre as mudanças que estão
ocorrendo nos bairros de Deodoro e Vila Militar por conta dos investimentos
realizados para a realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016,
principalmente com a construção dos corredores expressos do BRT Transbrasil e
Transolímpico e das arenas esportiva. Além disso, discutimos como essas
mudanças estão se refletindo no cotidiano dos moradores do bairro de Deodoro.
Assim, este capítulo foi dividido em dois itens.
No primeiro item, utilizamos, para fundamentar a discussão acerca das
mudanças que ocorrem no bairro de Deodoro por conta da construção dos BRTs,
autores como Harvey (2006, 2011, 2013), que trabalha com as contradições do
capitalismo e como essas contradições se refletem no espaço. Utilizamos,
também, para dar respaldo à nossa análise sobre as mudanças que estão ocorrendo
nos bairros de Deodoro e da Vila Militar, a noção desenvolvida pelo autor acerca
dos processos desiguais de desenvolvimento. Além de Harvey (2006, 2011, 2013),
utilizamos neste item as análises espaciais desenvolvidas por Carlos (2007, 2007b,
2011, 2013), nas quais, para a autora, o homem, em cada momento de sua história,
produz o espaço em que vive, tanto por meio das técnicas, como através das
relações sociais e de produção que estabelecem, o que nos permitiu trabalhar o
espaço dotado de um dinamismo. Além disso, utilizamos autores como Sanchez
(2001c), Miele (2015), Ferreira (2011) e Lencioni (2010) para o desenvolvimento
deste item de nossa pesquisa.
Por fim, o segundo item deste capítulo foi dividido em dois subitens. No
primeiro, analisamos como estas mudanças, em nome da realização dos Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, podem se refletir no espaço do bairro, ou
seja, se o bairro de Deodoro pode, ao fim das obras de implantação dos corredores
expressos do BRT, se constituir em uma centralidade, principalmente se levarmos
em consideração o conceito de acessibilidade e mobilidade dentro da cidade do
Rio de Janeiro. Para tal, nos apoiamos nas análises realizadas por Villaça (1998),
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Silva (2009) e Duarte (2003) para desenvolver esse subitem.
Neste ponto, analisamos também como o cotidiano dos moradores do bairro
poderá ser afetado com as intervenções que estão ocorrendo no bairro para a
realização das Olimpíadas e das Paraolimpíadas de 2016. Utilizamos, assim, como
base metodológica, autores como Mascarenhas (2014), Sanchez (2001) e Sanchez
et. al. (2015) para demonstrar a razão e a lógica destes investimentos e a maneira
como as necessidades dos moradores do bairro de Deodoro foram postas em
segundo plano em nome da realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de
2016. Além disso, trabalhamos os conceitos de cotidiano e de cotidianidade, com
base nas análises realizadas por autores como Netto & Carvalho (2012), Martins
(2013) e Heller (2000), além dos trabalhos de campo que realizamos nos bairros
de Deodoro e da Vila Militar e das entrevistas realizadas com alguns moradores.
3.1 Os novos sistemas técnicos e as novas formas de apropriação do espaço do Bairro de Deodoro Adjacências – RJ
A acumulação do capital sempre foi uma ocorrência profundamente geográfica. Sem as
possibilidades inerentes da expansão geográfica, da reorganização espacial e do
desenvolvimento geográfico desigual, o capitalismo, há muito tempo, teria deixado de
funcionar como sistema econômico e político. Essa mudança incessante rumo a um “ajuste
espacial”, referente às contradições internas do capitalismo (registrada, de modo mais
perceptível, como superacumulação de capital numa área geográfica específica), junto com
a inserção desigual de diversos territórios e formações sociais no mercado mundial
capitalista, criaram uma geografia histórica global da acumulação do capital […]
(HARVEY, 2006, p. 190)
Em nome da realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, o
bairro de Deodoro e o da Vila Militar estão passando por mudanças profundas e
significativas em seu espaço. Um exemplo disso, são as obras para a introdução
das vias e dos corredores expressos para a circulação dos ônibus BRTs. Dessa
forma, o bairro de Deodoro poderá se tornar, com o fim das obras, um importante
ponto de entroncamento e baldeação da cidade do Rio de Janeiro. É importante
ressaltar que essas intervenções ocorridas no bairro estão inseridas em um
contexto no qual, de acordo com Mascarenhas (2014, p. 55), incluem-se numa
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lógica de mercado, em que, alimentada por agências multilaterais e por
consultores internacionais, passam a dominar o debate, o discurso e a prática das
administrações urbanas mundo afora.
Convém dizer que essas intervenções que estão ocorrendo no bairro de
Deodoro, e em diversos outros pontos da cidade do Rio de Janeiro, são exigências
do COI e que estão dentro de uma lógica de produção, na qual o espaço passa a
assumir a condição de mercadoria e, como tal, passa a possuir um valor de troca,
deslocando para um segundo plano o seu valor de uso, conforme afirma Sanchez
(2001c, p. 247):
No processo de transformação do espaço em mercadoria, o espaço abstrato – o
espaço do valor de troca – se impõe sobre o espaço concreto da vida cotidiana – o
espaço do valor de uso. A esfera econômica e a esfera do Estado, através das
representações do espaço, dão sustentação a suas práticas espaciais; elas
pressionam, colonizam o espaço concreto do valor de uso e o transformam em
espaço abstrato do valor de troca.
Carlos (2011, p. 67) nos elucida que:
(…) o espaço-mercadoria se propõe para a sociedade enquanto valor de troca
destituindo-o de seu valor de uso e, nessa condição, subjugando o uso, que é
condição e meio da realização da vida social, às necessidades da reprodução da
acumulação como imposição para a reprodução social. É exatamente nesse
momento que a extensão da propriedade se realiza plenamente, ganhando novos
contornos, através da produção do espaço enquanto mercadoria e produzindo novas
contradições. Neste período da história, realiza-se socialmente, por meio da
apropriação privada, a lógica do valor de troca sobre o valor de uso que está no
fundamento dos conflitos tanto no campo quanto na cidade.
Assim, a produção do espaço que ocorre atualmente no bairro de Deodoro,
com a introdução de novos vetores tecnológicos, como o corredor expresso dos
BRTs Transolímpico e Transbrasil, e no bairro da Vila Militar, com a construção
e instalação das arenas olímpicas, está relacionada à sua condição de mercadoria
passível de troca, como qualquer outra mercadoria:
[No](...) capitalismo, essa produção adquire contornos e conteúdos diferenciados
dos momentos históricos anteriores, expande-se territorial e socialmente (...)
incorporando as atividades do homem, redefinindo-se sob a lógica do processo de
valorização do capital. Nesse contexto, o próprio espaço assume a condição de
mercadoria como todos os produtos dessa sociedade. A produção do espaço se
insere, assim, na lógica da produção capitalista que transforma todo o produto
dessa produção em mercadoria. A lógica do capital fez com que o uso (…) fosse
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redefinido pelo valor de troca e, com isso, passasse a determinar os contornos e
sentidos da apropriação do espaço, pelos membros da sociedade. (CARLOS, 2011,
p. 64)
Sanchez (2001c, p. 248) segue o mesmo raciocínio ao afirmar que a
produção do espaço no atual momento do capitalismo é voltada para atender a
acumulação do capital, conforme o trecho a seguir:
A chamada reestruturação produtiva da economia capitalista em sua fase atual está,
mais do que nunca, ligada à produção do espaço que é moldado às necessidades da
acumulação. Efetivamente, o espaço é cada vez mais vendido, transformado em
mercadoria. Não uma mercadoria articulada ao universo das necessidades
imediatas mas, pelo contrário, uma mercadoria que é ao mesmo tempo estratégica e
política (...)
Miele (2015, p.71) complementa ao afirmar:
Vivemos um momento em que a produção do espaço se realiza, em parte, por meio
de diversas estratégias da reprodução capitalista. A racionalidade capitalista, cada
vez mais, está presente na produção do espaço urbano, fazendo com que este se
torne uma mercadoria específica. Esse movimento fica claro através do fato de que
o espaço é vendido e trocado e que tal condição torna todo o espaço da cidade
intercambiável.
Indo ao encontro de Miele (2015) e Sanchez (2001c), Lencioni (2010)
esclarece que:
A produção do espaço urbano assume o centro do processo de acumulação
capitalista, emergindo da condição secundária para a de protagonista principal. Isso
se deve porque na sociedade moderna a produção da riqueza tem na valorização
imobiliária uma estratégia que dá novo fôlego à reprodução do capital. Não é à toa,
portanto, que qualquer abalo nesse setor estremece o mundo. Produzir a cidade,
convém destacar, é também, produzir as condições urbanas e reproduzir as relações
sociais.
Nesse contexto, a construção das novas vias expressas na cidade do Rio de
Janeiro, mais precisamente da Transbrasil e da Transolímpica e dos BRTs que se
interligarão no bairro de Deodoro juntamente com a Supervia, atendem a uma
demanda de um determinado grupo social constituído fundamentalmente pelos
bairros adjacentes e baixadas fluminense. Esse fato fica claro ao analisar o trajeto
das vias expressas na cidade e a ordem de prioridade que foi tomada para a
execução de suas obras pela prefeitura do Rio de Janeiro. Atualmente, apenas as
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obras de implementação das vias expressas e dos corredores do BRT
Transolímpico – cujo trajeto ligará o bairro de Deodoro com a Barra da Tijuca
através de sua ligação com os BRTs Transoeste no Recreio dos Bandeirantes, e do
Transcarioca em Curicica – estão bem adiantadas. Vale destacar que os dois
pontos citados (os bairros de Deodoro e da Barra da Tijuca) serão importantes
polos esportivos dos Jogos Olímpicos de 2016, ficando claro que as diretrizes do
COI se sobrepujaram aos interesses da população, pois a Transbrasil, que ligaria o
bairro de Deodoro, através da Avenida Brasil, até o aeroporto Santos Dumont, na
área central da cidade, apenas recentemente tiveram suas obras iniciadas.
As obras em questão, de acordo com a Prefeitura do Rio de Janeiro, poderão
beneficiar a população da cidade e servir como legado olímpico. Entretanto,
analisando além do discurso oficial, todas essas intervenções refletem o esforço
do governo municipal em dar visibilidade internacional a seus projetos e ações
urbanas, objetivando um trânsito melhor entre as agências multilaterais (como o
BIRD e o COI). Sanchez (2001, p.46) nos auxilia ao afirmar:
Através de diversas tendências perfilam-se as estratégias contidas nas políticas
urbanas, tanto as locais quanto aquelas da agenda urbana internacional: a adaptação
técnica do território com a renovação de infraestruturas de mobilidade e de
telecomunicações, a apresentação de algumas experiências de renovação urbana
como modelos, a construção de espaços seletivos voltados aos negócios, ao
consumo e à habitação.
Além disso, é importante observar que a desigualdade com relação à
concretização das obras de determinadas vias expressas, em detrimento de outras,
remete à ideia de desenvolvimento geográfico desigual, trabalhada por Harvey
(2006, p.144), quando este explica:
nossa tarefa é elaborar uma teoria geral das relações espaciais e do
desenvolvimento geográfico sob o capitalismo, que possa, entre outras coisas,
explicar a importância e a evolução das funções do Estado (locais, regionais,
nacionais e supranacionais), do desenvolvimento geográfico desigual, das
desigualdades inter-regionais, do imperialismo, do progresso e das formas de
urbanização etc. Apenas desse modo podemos entender como as configurações
territoriais e as alianças de classes são formadas e reformadas; como os territórios
perdem ou ganham poder econômico, político e militar; quais são os limites
externos à autonomia interna do Estado, depois de constituído, pode, em si, tornar-
se uma barreira para a acumulação livre de capital ou um centro estratégico em que
pode ser travada a luta de classes ou as lutas interimperialistas.
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Na produção desse espaço voltado para facilitar a acumulação capitalista,
não podemos ignorar a importância do papel do Estado como agente neste
processo. Ao analisar a figura 14, podemos notar que vias expressas, encontradas
em estado avançado de construção, ou até mesmo finalizadas, são aquelas que
ligam áreas intimamente relacionadas aos jogos olímpicos. Sobre o papel do
Estado na reorganização dos investimentos, Carlos (2011, p. 76-77) nos diz que:
O Estado, através da política urbana, reorganiza as relações sociais e de produção.
A socialização da sociedade, que tem por essência a urbanização, revela-se na
planificação racional do espaço, na organização do território, no processo de
industrialização global. Assim, o Estado desenvolve estratégias que orientam e
asseguram a reprodução, ao passo que, enquanto instrumento político, sua
intervenção aprofunda as desigualdades como decorrência da orientação do
orçamento, dos investimentos realizados no espaço (...)
Figura 14: Trajeto dos Corredores Expressos e das Linhas do BRT
Fonte: JOHNSON, 2014. Disponível em: http://rioonwatch.org.br/?p=11549#prettyPhoto Acesso
em: 12 de setembro de 2015.
Podemos observar esta reorganização citada por Carlos (2011) no caso dos
BRTs Transolímpico e Transcarioca, em que o primeiro liga duas áreas de
realização de eventos esportivos e o segundo liga a Barra da Tijuca ao maior
aeroporto da cidade, o Galeão. Harvey (2010. p. 156) nos ajuda a compreender a
lógica da construção dos BRTs ao afirmar:
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O capital fixo incorporado na terra pode facilitar a circulação de capital móvel, mas
perde seu valor quando este não segue os caminhos geográficos traçados pelos
investimentos em capital fixo. O capital incorporado na terra geralmente tem, além
disso, uma longa vida (demora muitos anos para construir e amortizar a dívida
contraída para um aeroporto ou um complexo de escritórios [ou a construção de
vias expressas]). Da mesma forma que o capitalismo persegue persistentemente a
velocidade e a redução das barreiras espaciais, também deve moderar seus fluxos
para o capital fixo no espaço e lento na circulação.
Harvey (2013, p. 485) ainda acrescenta:
(…) o capitalismo procura superar as barreiras espaciais mediante a criação de
infraestruturas físicas que são imóveis no espaço e extremamente vulneráveis à
desvalorização específica do lugar. Rodovias, ferrovias, canais, aeroportos etc. Não
podem ser movidos sem que o valor neles incorporado seja perdido. Por isso, o
valor tem de ser imobilizado na terra em um grau crescente, para conseguir
integração espacial e eliminar as barreiras espaciais à circulação do capital.
(HARVEY, 2013, p. 485)
Para garantir o retorno dos investimentos realizados, Harvey (2013, p. 483-
484) afirma que o Estado possui um papel primordial neste processo de
valorização/desvalorização do espaço. De acordo com o autor, ao mesmo tempo
em que há um processo de valorização de um lugar, existe também um processo
de desvalorização:
As revoluções nas forças produtivas dentro da indústria de transporte sempre têm
seus efeitos de localização específicos. Por isso, a competição dentro da indústria
adquire algumas características peculiares. Isso é assim em parte porque quando o
capital fixo está incorporado na terra, a competição é entre o que Adam Smith
chamou de “monopólio naturais” no espaço. A qualidade desse “monopólio
natural” significa que várias linhas ferroviárias concorrente entre duas cidades
dificilmente fazem sentido, enquanto a competição entre vários transportadores nas
rotas comuns tem uma justificativa mais forte. Como grandes quantidades de
capital são com frequência necessárias para a construção de linhas ferroviárias,
docas e portos, aeroportos etc, os capitalistas podem não estar dispostos a investir
semproteção contra o risco da desvalorização de uma localização específica
mediante competição. Isso significa a restrição da competição e a criação de
monopólios regulados pelo Estado ou até pertencentes ao Estado.
Dessa forma, o Estado assume um papel ativo nessa reorganização espacial
recentemente observada na cidade do Rio de Janeiro, ocupando um importante
papel no processo de valorização/desvalorização do espaço, e garantindo a
acumulação e a circulação do capital, conforme afirma Harvey (2013, p. 483-
484):
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(...) as relações espaciais se alteram em resposta ao investimento no transporte,
também se alteram as relativas fortunas dos capitalistas em diferentes localizações.
Alguns sofrem a desvalorização da força de trabalho, do seu capital fixo e do fundo
de consumo (moradia etc.), enquanto outros desfrutam, pelo menos
temporariamente, de excessos de lucro e de uma reavaliação ascendente dos meios
de produção e consumo disponíveis (…)
Como a mudança de localização é produzida e consumida no mesmo momento, a
superprodução e a desvalorização imediatas são uma impossibilidade técnica.
Somente o capital fixo pode ser desvalorizado. Porém, o capital fixo requerido na
indústria de transporte é amplo e grande parte dele está incorporado no ambiente
construído, como rodovias, ferrovias, terminais etc. Esse tipo de capital fixo é
particularmente vulnerável aos ventos frios da desvalorização.
A circulação, tanto de pessoas quanto de capital, assume um importante
papel na produção do espaço e a “distância espacial” fica reduzida ao tempo.
Desse modo, a regularidade e a confiabilidade dos fluxos possuem importância
vital para o sistema funcionar (HARVEY, 2013, p. 482). Não é coincidência que
as propagandas oficiais enfatizem o ganho de tempo de deslocamento, de um
bairro ao outro, como uma das principais vantagens das vias expressas construídas
na cidade.
Não apenas Harvey (2010, 2013), mas também Lefebvre (2008, p. 173) faz
destaque aos fluxos na produção do espaço, conforme podemos observar no
trecho seguinte:
A planificação espacial se ocupa dos fluxos. Cada fluxo tem um lugar de origem,
um percurso, um ponto terminal. Existem fluxos múltiplos: bens, pessoas, objetos
(os automóveis, por exemplo), matérias-primas, produtos acabados, dinheiro,
moeda, capitais, informações e conhecimentos, signos e símbolos.
É importante frisar que, apesar das novas vias expressas contarem com um
corredor exclusivo para a circulação do BRT, este projeto ainda adota a postura de
favorecer o uso dos automóveis, o “objeto-rei” denominado por Lefebvre (1991,
p. 110). O Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) vai ao
encontro de Lefebvre (1991) ao criticar a construção de uma via expressa para
carros, o que poderá acabar estimulando o seu uso, conforme podemos observar
no trecho retirado do Jornal “O Dia” de 23/08/2015:
Quanto à Transolímpica, o trabalho considera que a prefeitura errou ao construir
uma via expressa para carros e não só o corredor exclusivo para ônibus. Por isso,
recomenda que os projetos de melhoria dos entornos garantam a integração do
sistema de BRT ao interior dos bairros por meio de deslocamentos a pé. “Tem que
se tomar cuidado para não serem reproduzidos modelos que estimulem o uso do
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carro”, alerta o coordenador de Pesquisas em BRT do ITDP, Gabriel Oliveira.
(RIBEIRO, 2015)
Além disso, a opção pelas linhas de BRT e não pela ampliação das linhas do
metrô, de acordo com a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e do Governo do
Estado do Rio de Janeiro, deve-se ao custo de implantação desses corredores
expressos, que chega a ser até 15 vezes menor que a ampliação do metrô
(FERREIRA, 2011, p.220). Porém, é importante ressaltar que existem trechos em
que os corredores do BRT possuem mais de 40 km de extensão, o que coloca em
cheque a funcionalidade desse sistema como solução para os problemas de
mobilidade da Cidade do Rio de Janeiro. Sobre as linhas do BRT, Ferreira (2011,
p.220) nos diz que a função desses corredores deveria ser a de alimentadores para
o sistema metroviário, conforme podemos observar no seguinte excerto:
Entendemos tal sistema como transporte complementar, servindo como
alimentador, não como solução [para os problemas de mobilidade]. Aliás, a
administração de várias cidades que se utilizam do sistema BRT já percebeu que o
investimento no sistema metroviário é fundamental para a mobilidade dos
cidadãos. O discurso acerca do custo é injustificável, visto que a malha metroviária
permite a expansão do metrô a várias partes da cidade e de maneira constante,
acompanhando o crescimento da cidade e seus eixos de expansão.
A mesma reportagem do jornal “O Dia” destaca, também, outros problemas
na construção do corredor expresso, como a falta de integração entre as estações
do BRT e outros meios de transporte como o trem e o metrô, conforme podemos
observar neste trecho:
Entre as falhas apontadas na projeção do Transbrasil, o estudo critica que, apesar
de estações do novo BRT estarem sendo construídas a 300 metros ou 500 metros
das estações da Supervia em Parada de Lucas e Barros Filho, respectivamente, e a
200 metros da Estação Coelho Neto, do metrô, a prefeitura não pensou em
viabilizar nenhum tipo de ligação entre os meios de transporte.
“Seriam integrações importantes para consolidar a rede de transportes da cidade,
oferecendo mais oportunidades possíveis para os usuários em termos de itinerários.
Quando a gente fala em integração, estamos falando tanto em integração física
quanto operacional, com ajustes de operações entre os sistemas e chegadas
sincronizadas”, diz Iuri Moura, gerente de projetos BRT do ITDP. (RIBEIRO,
2015)
Desse modo, os corredores expressos Transbrasil e Transolímpico são a
materialização no espaço dos processos de homogeneização, fragmentação e
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hierarquização da acumulação capitalista (LENCIONI 2010), pois, ao mesmo
tempo em que objetivam facilitar a circulação de pessoas e mercadorias pela
cidade, o seu traçado pode induzir a uma maior fragmentação da cidade, e
consequentemente, fazer com que exista uma hierarquização entre os bairros da
cidade do Rio de Janeiro. Esse processo de homogeneização das formas de certas
áreas da cidade vem acompanhado por um processo de fragmentação e de
hierarquização dos espaços, conforme indica Lencioni (2015, p.38):
(...) a lógica do capital sob a hegemonia do capital financeiro e da metropolização
do espaço é hegemônica (...). Mas, convém chamar atenção para um aspecto: a
lógica do capital não é homogênea, possui ritmos e intensidades diferentes,
incidindo de forma densa ou rarefeita nos territórios e, até mesmo, se colocando
ausente, produzindo descontinuidades. Por isso, o espaço tende à crescente
homogeneização apresenta-se fragmentado. Essa homogeneização do espaço e sua
fragmentação se veem acompanhadas de hierarquia entre os lugares quer herdadas,
novas ou redimensionadas.
Seguindo esse raciocínio, a reportagem publicada pela revista on-line Rio
On Watch1, no dia 31 de maio de 2014, demonstra essa preocupação:
Chris Gaffney, professor de urbanismo da Universidade Federal Fluminense, diz
que as rotas escolhidas para as linhas de BRT não são uma solução para as
extremas necessidades de transporte no Rio de Janeiro. Gaffney faz referência a um
estudo de tráfego de 2003 que mostrou como todos os grandes fluxos diários no
Rio vêm do norte e do oeste para o centro, Zona Sul e parte da Zona Norte, que,
juntos, concentram 60% do setor de emprego formal do Rio. Em vez de construir o
transporte de massa para atender a essa necessidade, todas as linhas de BRT
percorrem o Anel Olímpico da Barra da Tijuca, o centro da especulação imobiliária
no Rio de Janeiro. O prefeito Eduardo Paes disse em um debate recente que os BRTs iriam melhorar a
mobilidade para a população urbana mais pobre nas zonas Norte e Oeste. Neste
ponto Gaffney concorda, mas a concordância entre ambos termina aí. “Para mim, a
única lógica que justifique [os BRTs] é trazer pessoas pobres e relativamente sem
mobilidade à Barra para trabalharem para a classe média-alta em expansão”, diz
Gaffney. “É uma estratégia geopolítica de fragmentar a cidade na metade, isolar as
pessoas na outra metade, e afunilá-los em um lugar de emprego no setor informal
abundante”. (JOHNSON, 2014)
Lencioni (2010) destaca que o espaço capitalista além de ser, ao mesmo
tempo, homogêneo, fragmentado e hierarquizado, ele se mantém coeso através das
redes de relações sociais, conforme podemos observar no trecho seguinte:
1A reportagem completa pode ser lida no seguinte link: http://rioonwatch.org.br/?p=11549 .
Acesso em 12 de setembro de 2015.
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O espaço capitalista – por excelência, homogêneo, fragmentado e hierarquizado –
mantém sua unidade, se constituindo num espaço coeso por meio das redes de
relações sociais que aí se produzem. Quanto mais homogêneo, fragmentado e
hierarquizado for o espaço – produto e produtor –, maior a necessidade de redes,
pois é por meio delas que, cada vez mais, se garante a continuidade na
descontinuidade, a unidade, na fragmentação. Não é de se estranhar, então, que é
na metrópole dispersa, na metrópole expandida territorialmente, na cidade-região
que vamos encontrar a maior densidade de redes. De um lado, que ligam esse
território à economia global; de outro, que a ligam com o restante do país e, em
particular, consigo mesma, no sentido de manter unificado o espaço que na
contemporaneidade está bastante disperso e fragmentado.
A mesma autora (2010) também nos diz que:
A propriedade que as redes têm de conectividade pode ser ao mesmo tempo
elemento que une o que está separado, mas que também distingue e separa o que
tem capacidade de se conectar daquele que não o tem. É união e separação. Em
geral, só se percebe a combinação, os laços de ligação, que se realizam pela
equivalência (por exemplo, dois pontos apresentam condições de conectividade),
mas há o seu contrário também, a diferenciação, que é importante de ser percebida
porque se constitui num elemento da fragmentação do espaço.
Em consonância com Lencioni (2010), Silva (2009 p.63) esclarece:
Esta articulação ocorre através de fluxos como deslocamentos entre residência e
trabalho, residência e locais de compra, ou residência e locais com outras funções
sociais (religiosa, lazer etc). Tais deslocamentos demandam uma oferta de
transporte que viabilize as interrelações lembrando que, a articulação deste espaço
através de fluxos confere uma unidade à cidade capitalista.
Dessa forma, podemos dizer que as redes (de transporte, como as vias
expressas e os corredores do BRT, além das redes de comunicações) se
constituem em uma importante força produtiva, pois são elas que dão condições
para a produção e a circulação de capital, conforme podemos observar no seguinte
trecho:
Nesse sentido, as redes constituem forças produtivas e condições gerais de
produção. Constituem forças produtivas, tanto quanto as máquinas e matérias
primas e são condições gerais de produção porque possibilitam estabelecer a
relação entre o processo imediato de produção com o conjunto geral da produção e
circulação do capital. As redes ao se constituírem como condições gerais de
produção viabilizam não apenas um capital em particular, mas o capital em geral;
por isso simultaneamente separam e reúnem diferentes processos de produção, a
circulação e o consumo. Essa simultaneidade configura a concentração e a
dispersão territorial das atividades e altera a vida cotidiana, a organização funcional
e os limites territoriais das cidades. A importância que assume a versatilidade das
redes, sua inédita dimensão e complexidade, não parecer ser o fim das cidades, mas
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certamente é a configuração de algo novo. (LENCIONI, 2010)
Assim, para a autora (2010):
As redes são mediações, mas também momentos da produção, produtoras de um
novo espaço. Podem ser materiais, como uma estrada ou imateriais como as redes
virtuais. Atualmente, essas tendem a crescer, a se diversificarem e a se tornarem
mais complexas porque correspondem a necessidades e estratégias contemporâneas
da reprodução do capital.
Na figura a seguir (figura 15), podemos observar como o espaço dos bairros
da Vila Militar e de Deodoro serão modificados diante das exigências do COI
para a realização dos jogos, como a circulação de pessoas em pouco tempo e
instalações olímpicas de padrão internacional.
Figura 15: Mapa das obras previstas nos bairros de Deodoro e da Vila Militar
Mapa das principais intervenções no espaço da “Região Olímpica” de Deodoro-RJ. Fonte:
DAMETTO, 2013.
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As figuras 16 e 17 demonstram o andamento das obras da estação e do
corredor expresso do BRT Transolímpico, próximos à estação de trem do bairro
da Vila Militar (figura 18). As fotografias deixam evidentes que as obras deste
corredor estão bem avançadas e, provavelmente, ficarão prontas para a realização
dos Jogos Olímpicos de 2016 na cidade do Rio de Janeiro.
Figura 16: Fotografia das obras do BRT Transolímpico na Vila Militar na altura
da Estação de Trem do Bairro
Fonte: Acervo pessoal
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Figura 17: Fotografia das obras do BRT Transolímpico na Vila Militar na altura
da Estação de Trem do Bairro
Fonte: Acervo pessoal
Figura 18: Estação de trem do Bairro da Vila Militar
Fonte: Acervo pessoal
Percebemos que as transformações espaciais que estão ocorrendo em
Deodoro por conta da intervenção do Estado e de empreiteiras privadas, em prol
da modernização do espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro como um todo,
demonstram o alinhamento das políticas públicas e, mais especificamente, do
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planejamento estratégico realizado na cidade, com os padrões de modernização e
produção dos espaços de cidades realizados ao redor do mundo. Esses padrões de
produção do espaço são moldados sob a lógica capitalista, na qual, para viabilizar
a acumulação e a circulação cada vez maior de capital, torna-se necessária a
padronização das cidades para que haja a produção, circulação, distribuição e
consumo eficientes e sem prejuízos. Mais do que isso, para Lencioni (2013, p.31),
a “produção destas infraestruturas se colocam cada vez mais como negócios do
capital”.
Dessa maneira, o espaço que está sendo produzido nestes bairros (Vila
Militar e Deodoro) expressa a prática social de determinados grupos
representantes do capital financeiro internacional. Além disso, deve-se ter em
mente que, segundo Carlos (2007, p.11), uma reflexão sobre a cidade é uma
reflexão sobre a prática socioespacial, pois parte-se do pressuposto de que as
relações sociais se realizam, concretamente, como relações espaciais. A mesma
autora (2013, p.70) observa que:
A análise do processo de produção do espaço urbano requer, portanto, a
justaposição de vários níveis da realidade como momentos diferenciados da
reprodução geral da sociedade, isto é, o da dominação política, o da acumulação do
capital e o da realização da vida humana. Desse modo, se o espaço corresponde a
uma realidade global, revelando-se no plano do abstrato, e diz respeito ao plano do
conhecimento, sua produção é social e esta expressa a prática sócio-espacial.
É importante lembrar que essas transformações estão dentro das mudanças
que ocorrem no modo de produção capitalista, que se reinventa a todo o instante, e
que atualmente encontrou uma saída para a sobreacumulação, causada pelo
próprio sistema, na produção do espaço, conforme afirma Ferreira (2011, p. 45):
Não é possível pensarmos nas mudanças ocorridas no modo de produção capitalista
desconectadamente da maneira como o espaço é apropriado e dominado. As
transformações não se dão apenas na esfera da produção, mas também no âmbito
do consumo. Isso é importante, pois o capitalismo vem escapando de suas crises de
sobreacumulação através da produção do espaço e, assim, vão se realizando novos
ajustes espaço-temporais que darão sustentação ao modelo socioeconômico.
Assim, podemos observar que existem duas lógicas que se sobrepõem, mas
que não se anulam, atualmente, na construção do espaço do bairro de Deodoro e
na cidade como um todo. Uma de ordem local, representada pelos interesses e
71
necessidades de seus moradores, e outra de ordem global, representada pelo COI e
outros agentes financiadores. As obras de intervenção que serão realizadas nos
bairros citados atendem à diretriz geral do órgão internacional e a própria
Prefeitura do Rio de Janeiro assume esse discurso ao afirmar, em seu site, que a
via expressa Transolímpica ligará os dois principais polos de competições da
cidade – as Regiões Olímpicas de Deodoro e Barra da Tijuca – onde acontecerá a
maior parte das provas dos Jogos Olímpicos de 2016. O que nos leva a acreditar
que os anseios da população do bairro de Deodoro, e até mesmo os habitantes da
cidade do Rio de Janeiro, serão deixados em segundo plano, de modo a não
atrapalhar os prazos das obras para a realização dos Jogos.
3.2 A “Região Olímpica de Deodoro”: entre a realidade do bairro de Deodoro e o “sonho Olímpico Rio 2016”
3.2.1 Deodoro como uma centralidade na zona oeste do Rio de Janeiro?
Vimos até aqui que os bairros de Deodoro e da Vila Militar estão passando
por transformações as quais objetivam a circulação de pessoas durante os Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. Mais do que isso, as transformações
espaciais que estão ocorrendo nesses bairros, e por toda a cidade do Rio de
Janeiro, visam, também, facilitar o deslocamento de mercadorias e de capitais pela
cidade através das novas vias expressas e dos corredores para circulação dos
ônibus do BRT. Esse fato poderá reforçar a vocação do bairro de Deodoro como
um importante ponto de entroncamento da cidade do Rio de Janeiro, pois,
conforme vimos no capítulo anterior desta dissertação, é no bairro que ocorrem as
baldeações de trens entre os ramais de Japeri e de Santa Cruz da Supervia,
conferindo à estação local (figura 19) um intenso fluxo diário de pessoas, como
podemos observar nos números fornecidos pela Secretaria Estadual de
Transportes (SECTRAN) (tabela 1).
72
Figura 19: Estação de Trem do bairro de Deodoro
Fonte: Acervo pessoal
Tabela 1: Fluxo de passageiros por dia por sistema/ subsistema ferroviário
Estações/
Subsistemas
Passageiros Transportados por dia (números em 1000)
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Total 268 290 325 489 496 499 516 528
Deodoro 123 136 153 234 237 237 246 251
Santa Cruz 41 43 50 74 74 77 78 81
Saracuruna
(Leopoldina)
25 27 30 44 47 49 53 56
Belford Roxo
(L. Auxiliar)
11 12 13 22 23 24 26 27
Japeri (Ramal
Deodoro)
67 72 79 114 116 112 113 114
Fonte: Secretaria Estadual de Transportes – SECTRAN/FLUMITRENS e Supervia. Disponível em
http://portalgeo.rio.rj.gov.br/indice/flanali.asp?codpal=854&pal=PASSAGEIRO. Acesso em 02 de
fevereiro de 2016.
Podemos esperar que haja, com o fim das obras e com a construção das
estações dos BRTs Transolímpico e Transbrasil, as quais no projeto original se
integram à estação de trem do bairro de Deodoro, um significativo aumento dos
números representados na tabela. Podemos perceber, com a leitura dos dados da
73
tabela acima, que o bairro de Deodoro possui certa centralidade no que concerne à
acessibilidade e à mobilidade dentro da cidade do Rio de Janeiro. Chegando a
transportar cerca de 250 mil passageiros por dia, não temos como negar a
importância da estação do bairro e o seu caráter central para os moradores dos
bairros do seu entorno, já que é através da estação de Deodoro que se chega ao
Centro e a outros bairros das zonas norte e oeste da cidade. A figura 20 demonstra
o andamento das obras de ampliação e de adaptação da estação de trem do bairro
de Deodoro. Essas obras têm como objetivo melhorar a acessibilidade na estação,
como a construção de rampas de acesso, elevadores e aplicação de piso tátil. Cabe
lembrar que todas essas intervenções seguem os padrões exigidos pelo COI. Além
disso, as obras também objetivam ampliar a capacidade da estação de forma a
melhorar a circulação e a dispersão devido ao provável aumento do fluxo de
pessoas.
Devemos destacar que, além dos ramais de Japeri e de Santa Cruz, na
estação de trem do bairro de Deodoro, há ainda o ramal de Deodoro, o qual faz o
serviço parador, ligando a Estação da Central do Brasil, no Centro da cidade do
Rio de Janeiro, ao bairro de Deodoro. Esse ramal atende diversos bairros como
Bento Ribeiro, Méier e Marechal Hermes, reforçando o papel da estação de trem
de Deodoro como ponto de integração para os usuários dos serviços da Supervia.
Na figura 21, podemos observar o diagrama de distribuição dos ramais e as
estações da Supervia.
Figura 20: Fotografia das obras de ampliação da estação de trem do bairro de
Deodoro
Fonte: Acervo pessoal
74
Figura 21: Diagrama de distribuição dos ramais da Supervia
Fonte: http://www.supervia.com.br/estacoes.php Acesso em 07 de abril de 2016
É importante ressaltar que, junto com a implantação do corredor do BRT, há
uma reorganização das linhas de ônibus que circulam próximas ao trajeto dos
corredores expressos que passam a ser linhas alimentadoras2 do BRT. De acordo
com o consórcio gerenciador das linhas do BRT:
A criação das linhas alimentadoras dos corredores BRT segue a lógica de
racionalização do sistema de ônibus no município. Linhas convencionais são
extintas ou passam a ter seus itinerários reduzidos, tornando-se parte do Sistema
BRT. Com isso, os passageiros passam menos tempo no trânsito comum e, após a
integração com os corredores BRT ganham mais rapidez em seus deslocamentos.
Os cortes de linhas convencionais acontecem de forma gradual. (BRT RIO, 2014)
Com a reorganização das linhas de ônibus, de forma a ser um complemento
aos ônibus do BRT, podemos supor que o bairro de Deodoro poderá reforçar a sua
centralidade, principalmente se levarmos em consideração os moradores dos
bairros do seu entorno, como os bairros de Ricardo de Albuquerque, Realengo e
Magalhães Bastos.
Dessa forma, não podemos ignorar a importância do transporte público e o 2 De acordo com o site brtrio.com, as linhas alimentadoras são: um complemento do eixo do BRT,
fazendo o trajeto entre pontos de bairros periféricos, onde o corredor expresso não chega, e as
estações BRT. São ônibus comuns, equipados com ar-condicionado e com o mesmo padrão de
cores do BRT.
75
seu papel na organização da cidade. Acerca disso, Duarte (2001, p.59) nos diz:
(...) é inegável que a organização espacial de qualquer cidade (...) será
profundamente afetada pelas possibilidades de circulação em seu interior. Não é
exagero que o sistema de transporte constitui uma das variáveis fundamentais para
se compreender o espaço intraurbano.
Convém ressaltar que quando nos referimos à centralidade, nos pautamos
em Duarte (2003, p.92), que nos diz “que uma parcela considerável da
compreensão do caráter central de um espaço está associada à sua acessibilidade3
enquanto fator primordial para qualificarmos sua localização”. Além disso,
Villaça (1998, p.74) reforça essa ideia ao afirmar que a própria terra urbana “(...)
só interessa enquanto ‘terra-localização’, ou seja, enquanto meio de acesso a todo
o sistema urbano, a toda a cidade. A acessibilidade é o valor de uso mais
importante para a terra urbana”. Segundo Duarte (2003, p.93), a importância dos
sistemas de transporte não pode ser menosprezada nas análises espaciais na escala
intraurbana, indo ao encontro do que nos diz Villaça (1998, p.20) no seguinte
trecho:
A estruturação do espaço regional é dominada pelo deslocamento das informações,
da energia, do capital constante e das mercadorias em geral—eventualmente até da
mercadoria força de trabalho. O espaço intraurbano, ao contrário, é estruturado
fundamentalmente pelas condições de deslocamento do ser humano, seja enquanto
portador da mercadoria força de trabalho—como no deslocamento casa/trabalho—
seja enquanto consumidor —reprodução da força de trabalho, deslocamento casa-
compras, casa-lazer, escola, etc. Exatamente daí vem, por exemplo, o enorme
poder estruturador intraurbano das áreas comerciais e de serviços, a começar pelo
próprio centro urbano.
Acrescentando ao raciocínio de Villaça (1998) e Duarte (2003), Serpa
(2007, p. 267) complementa ao afirmar que a centralidade possui como bases:
(...) as formas de reprodução da vida urbana, no valor de uso e na apropriação de
qualidade e conteúdos diversos que as localidades centrais hierarquizadas em rede
para a produção e reprodução do sistema capitalista, estritamente baseadas no valor
de troca e nas estratégias hegemônicas de dominação.
Silva (2009, p.91-92) acrescenta ao nos dizer que as centralidades
3 Duarte (2003) se pauta em Barat (1975) ao definir a acessibilidade. De acordo com Barat (1975,
p.14), a acessibilidade é entendida como “a disponibilidade de infraestrutura viária e sistemas
operacionais adequados à circulação de bens e pessoas.”
76
funcionam de uma maneira diferenciada para as diversas classes sociais, pois estas
consomem de maneira diferente os serviços que são oferecidos pelos centros,
conforme podemos observar no fragmento abaixo:
(...) as centralidades funcionam de modo diferenciado para as diversas classes
sociais, já que estas consomem de maneira diferente os bens e serviços oferecidos
pelos diferentes centros e subcentros. O que proporciona centralidade na periferia
seriam o fácil acesso e circulação e o mercado consumidor, proximidade, área de
ligação, oferta de emprego, preços de produtos e serviços mais do que os custos
locacionais.
Sobre o termo centralidade, Silva (2009, p. 92) nos diz que:
(...) o termo centro também está envolto de valorização simbólica, signos de
prestígio. Cita que é a sociedade que desenvolve os mecanismos que originam tais
processos quando esclarece que tais mecanismos regulam questões relacionadas à
aglomeração, aproximação, afastamento, e no caso da sociedade capitalista, é o
mercado. Ainda, a sociedade assim estrutura o seu espaço não ao acaso ou
aleatoriamente, mas segundo uma lógica, poderíamos acrescentar, lógica
capitalista, impregnada das dimensões políticas e econômicas.
Em consonância com Silva (2009, p. 91), o que confere uma centralidade na
periferia, que é o caso do bairro de Deodoro, são o fácil acesso, a circulação e o
mercado consumidor além da proximidade de áreas de ligação e de ofertas de
emprego. Dentro dessa linha de raciocínio, acreditamos que o bairro de Deodoro
possui uma grande importância no que se refere à acessibilidade e à mobilidade e
que esta importância poderá ser reforçada após a inauguração dos corredores
expressos e das estações do BRTs Transolímpico e Transbrasil.
3.2.2 Legados Olímpicos: O que podemos esperar para os moradores do bairro de Deodoro e adjacências - RJ?
Tem-se aqui o perfeito e imediato rebatimento, para a cidade, do modelo de abertura e
extroversão econômicas propugnado pelo receituário neoliberal para o conjunto da
economia nacional: o mercado externo e, muito particularmente, o mercado constituído pela
demanda de localizações pelo grande capital é o que qualifica a cidade como mercadoria. O
realismo da proposta fica claro quando nossos pragmáticos consultores deixam claro que
esta abertura para o exterior é claramente seletiva: não queremos visitantes e usuários em
geral, muito menos imigrantes pobres, expulsos dos campos ou de outros países igualmente
pobres; queremos visitantes e usuários solventes. (VAINER, 2000, p. 80)
Estas transformações espaciais, a construção dos corredores expressos e as
77
arenas esportivas, que o governo municipal divulga como sendo um legado para a
população carioca e para os moradores dos bairros citados nesta pesquisa, estão
sendo feitas sem levar em consideração os anseios dos moradores dos bairros em
questão, embora o discurso oficial adote uma versão mais positiva das obras
realizadas no bairro de Deodoro. O Estado, na forma do governo municipal, atua
de maneira a costurar acordos e consensos sobre as obras realizadas, de forma a
deixar o clima favorável ao pleno andamento dos Jogos Olímpicos e para garantir
o retorno financeiro aos investidores privados. Souza (2006, p. 129) nos diz o
seguinte sobre esse papel adotado pelo Estado: “Desse ponto de vista, ao Estado
local está reservado o papel de costurar ‘pactos’ e ‘consensos’ locais, ajudar a
criar um bom “ambiente de negócios” e promover a imagem da cidade [ou bairro]
no país e no mundo”.
Podemos notar, também, que dentro dos bairros de Deodoro e da Vila
Militar, configuram formas distintas de produção do espaço que, aparentemente,
não se excluem, o que não quer dizer que não existam conflitos. Temos ali um
modelo de produção que nos revela um passado/presente/futuro, a partir dos
bairros de Deodoro e da Vila Militar e seus campos de treinamento, que
coexistirão com novos espaços produzidos pelo capital financeiro, tanto em
aparatos esportivos como em vias expressas, objetivando a realização das
Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016. É necessário notar que um momento não
anula o outro.
Dessa forma, convém fazer a seguinte pergunta: os moradores dos bairros
de Deodoro serão beneficiados pelos investimentos logísticos que destacam a
cidade como cidade-vitrine? Sanchez (2001b, p.40) nos auxilia ao afirmar:
Se é notável, no discurso dominante sobre o urbano, a emergência de lugares-
comuns planetarizados, mundializados, eles parecem referir-se a condições
históricas e políticas particulares, que propiciaram a difusão de uma determinada
leitura, tornada hegemônica, tacitamente constituída em modelo e medida de todas
as coisas. Impondo ao mundo todo determinadas categorias de percepção e
representação, os atores dominantes na produção de modelos e políticas urbanas
refazem o mundo à sua imagem, com uma colonização mental que se opera através
da difusão dessas categorias e representações, produzidas e reproduzidas num
processo de luta simbólica.
Observamos nesta “Região Olímpica de Deodoro” uma produção do espaço
como “negócio no movimento da produção de novas formas urbanas” (CARLOS,
78
2013, p. 37), observadas nas construções do BRT e do Complexo esportivo de
Deodoro de maneira a inventar a imagem de um “bairro esportivo”. Conforme
Carlos (2013, p. 37) nos diz:
[...] produção dos espaços de lazer e destinados ao turismo, o que aponta a
passagem da produção ao consumo do espaço vendido a partir de seus tributos
particulares ou tendo a cultura como álibi, uma característica natural ou mesmo
uma singularidade inventada segundo exigências do mercado.
Miele (2013, p. 84) afirma que o espaço atualmente possui, como um de
seus atributos, o consumo produtivo. De acordo com o autor:
[...] a produção do espaço faz parte das novas estratégias de acumulação de frações
de capital articulando vários setores da economia. Damos destaque à articulação
entre o capital financeiro (de grandes, médios e pequenos investidores), o capital
industrial, principalmente a indústria da construção civil, e as frações de capitais
que compõem o setor privado.
De fato, o que percebemos no bairro de Deodoro é um distanciamento das
necessidades dos moradores com as necessidades da realização de um evento da
magnitude dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, que exigem das cidades
sedes uma grande infraestrutura de comunicação, de aparelhos esportivos e de
circulação, tanto para os atletas, quanto para os jornalistas e visitantes que estarão
na cidade por conta do evento. Nesse raciocínio, Mascarenhas (2014, p. 63) nos
diz que a “cidade mercadoria exclui amplos segmentos sociais”. O mesmo autor
também nos diz:
Ao estudar as Olimpíadas e seus impactos sobre as cidades sedes, adotamos a
noção de urbanismo olímpico (MUÑOZ, 1996): trata-se do conjunto de
pressupostos e intervenções sobre as cidades que acolhem os grandes eventos
olímpicos. Trata-se, pela natureza intrínseca do fato esportivo, de dotar as cidades
de instalações específicas, que atendam às distintas modalidades, dentro de padrões
normativos internacionais. Mas, trata-se também, de cria condições de alojamento
para os milhares de atletas, pessoal de apoio e membros dos comitês olímpicos,
bem como para a imprensa. Além disso, quase sempre a cidade-sede requer
expansão ou melhorias em sua infraestrutura geral (transporte, telecomunicações,
malha viária etc.). Trata-se, enfim, de um amplo conjunto de intervenções
urbanísticas preestabelecidas pelas exigências do Comitê Olímpico Internacional
(COI) em seu Caderno de Encargos. (MASCARENHAS, 2014, p. 57)
Ao analisar o discurso de Leonardo Gryner, diretor geral de Operações do
Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016, percebemos as reais intenções de todas
79
essas modificações que estão ocorrendo na “Região Olímpica de Deodoro”. Em
entrevista ao Jornal “O Globo” do dia 05/05/2013, o diretor geral afirma o
seguinte sobre as obras para as Olimpíadas:
No modo legado, a proposta é ter ali outros esportes radicais não olímpicos, como
escalada e skate. O percurso do BMX (bicicross) e a canoagem serão mantidos,
mas a pista de mountain bike terá que ser retirada, porque estará numa área de
treinamento do Exército — conta Leonardo Gryner, diretor-geral de Operações do
Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016. — Com os novos equipamentos,
Deodoro passará a ser um destino no Rio, como se vê no Parque Madureira hoje. O
ginásio que terá a esgrima e parte dos jogos de basquete (Arena Deodoro), por
exemplo, pode ter shows depois. O novo autódromo (que não é parte do Complexo
Olímpico, mas ficará ao lado do Parque Radical, com um estacionamento
compartilhado) atrairá hotéis, que, por sua vez, atrairão restaurantes. O
investimento olímpico é o início de um ciclo de atração de novidades que
valorizam a região. E, melhorando o transporte, surge o desenvolvimento
imobiliário e o interesse da indústria. (GERBASE, 2013)
Isso vai ao encontro do que nos diz Lencioni (2010), a produção do espaço
urbano assume o centro da acumulação do capital, onde produzir a cidade é
produzir as condições urbanas e reproduzir as relações sociais. Harvey (2006, p.
172) acrescenta:
A construção de tais lugares talvez seja considerada uma maneira de obter
benefícios para populações numa jurisdição específica. De fato, essa é a alegação
principal do discurso público elaborado para justificá-la. No entanto, geralmente,
sua forma torna indiretos todos os benefícios, e, possivelmente, resulta maior ou
menor em escopo do que a jurisdição em que se encontra. Os projetos específicos a
um determinado lugar também têm o hábito de se tornarem foco da atenção pública
e política, desviando a atenção e até recursos dos problemas mais amplos, que
talvez afetem a região ou o território como um todo.
Ao seguir as determinações do COI, a prefeitura tomou como prioridade
obras que estarão diretamente relacionadas ao andamento dos Jogos Olímpicos,
como a construção das arenas esportivas, que estão praticamente prontas (figura
22) e a via expressa transolímpica, deixando a Transbrasil, que poderia ser, de
fato, um legado para a população no que diz respeito à mobilidade, em segundo
plano. Além das obras para a implantação dos corredores expressos e das arenas
esportivas, foram prometidas diversas obras de infraestruturas no bairro de
Deodoro, tais como reforma dos calçamentos e melhorias nos sistemas de
captação de água e esgoto, que ainda não começaram a ser realizadas. Apenas as
obras para a implantação dos BRTs Transolímpico e Transbrasil estão sendo
80
realizadas e já são visíveis na paisagem do bairro.
Figura 22: Andamento das obras do Parque Radical de Deodoro
Fonte:http://www.brasil2016.gov.br/pt-br/galeria-de-fotos/parque-olimpico-de-deodoro-imagens-
aereas. Acesso em 10 de janeiro de 2016
Devemos destacar que as obras de melhorias propostas para o bairro de
Deodoro, seriam muito bem-vindas para os moradores do bairro devido às
inúmeras carências que ali existem e que se refletem na análise de alguns dados de
desenvolvimento humano, como o Índice de Desenvolvimento Social4 (IDS). Para
o cálculo desse índice, são levadas em consideração algumas varáveis, tais como o
acesso a saneamento básico, a qualidade habitacional, o grau de escolaridade e a
disponibilidade de renda (CAVALLIERI & LOPES, 2008, p.2). A tabela 2
apresenta esses índices por área de planejamento e Região Administrativa. Já na
tabela 3, destacamos apenas os bairros que compõem a XXIII Região
Administrativa de Realengo pelo fato de nossa área de interesse estar inserida ali.
4O IDS foi inspirado no conhecido Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, calculado pela
ONU (PNUD) para inúmeros países do mundo que, por sua vez, tem servido de base para a
construção de uma série de outros índices compostos. Sua finalidade é medir o grau de
desenvolvimento social de uma determinada área geográfica em comparação com outras de mesma
natureza. Como qualquer índice sintético do tipo, o IDS combina, de uma determinada forma,
algumas variáveis que melhor caracterizem diversas facetas do fenômeno em estudo. A escolha
das variáveis, tarefa presidida por uma análise teórico-conceitual decorre da sua pertinência ao
tema, mas também da sua disponibilidade e da sua “qualidade estatística”. Um grande número de
variáveis compondo o índice não é, necessariamente, um atestado de valor, até porque algumas
podem estar expressando os mesmos conteúdos, criando nada mais do que uma redundância
estatística. (CAVALLIERI & LOPES, 2008, p.1)
81
Tabela 2: Índice de Desenvolvimento Social por Região Administrativa (2010)
Região
Administrativa
Área de
Planejamento
Índice
Geral
Região
Administrativa
Área de
Planejamento
Índice
Geral
I - Portuária 1 0,57 XV- Madureira 3 0,59
II - Centro 1 0,63 XII- Inhaúma 3 0,57
III -Rio
Comprido
1 0,59 XXIX- C. do
Alemão
3 0,54
VII-S. Cristóvão 1 0,58 XI- Penha 3 0,59
XXI- Paquetá 1 0,59 XXXI- Vigário
Geral
3 0,57
XXIII-S. Teresa 1 0,61 XXII- Anchieta 3 0,58
IV- Botafogo 2 0,72 XXV- Pavuna 3 0,56
V-Copacabana 2 0,71 XX- I. do
Governador
3 0,62
VI-Lagoa 2 0,75 XVI- Jacarepaguá 4 0,60
XXVII-Rocinha 2 0,54 XXXIV- Cidade
de Deus
4 0,56
VIII- Tijuca 2 0,68 XXIV- Barra da
Tijuca
4 0,67
IX-V. Isabel 2 0,66 XVII- Bangu 5 0,57
X- Ramos 3 0,59 XXXIII-
Realengo
5 0,61
XXX- Maré 3 0,55 XVIII- Campo
Grande
5 0,57
XIII- Méier 3 0,62 XIX- Santa Cruz 5 0,54
XXVIII-
Jacarezinho
3 0,54 XXVI- Guaratiba 5 0,51
XIV- Irajá 3 0,61
Fonte: Armazém de dado do Rio de Janeiro. Disponível em:
http://portalgeo.rio.rj.gov.br/indice/flanali.asp?codpal=16&pal=RENDA Acesso em: 20 de
fevereiro de 2016.
82
Tabela 3: Índice de Desenvolvimento Social na XXIII Região Administrativa de
Realengo por bairros (2010)
Região Administrativa/bairros Índice Geral
XXXIII Realengo 0,61
Campo dos Afonsos 0,72
Deodoro 0,57
Jardim Sulacap 0,64
Magalhães Bastos 0,58
Realengo 0,58
Vila Militar 0,59
Fonte: Armazém de dados do Rio de Janeiro. Disponível em:
http://portalgeo.rio.rj.gov.br/indice/flanali.asp?codpal=16&pal=RENDA Acesso em: 20 de
fevereiro de 2016.
Podemos observar, com os dados acima, que o bairro de Deodoro apresenta
um IDS abaixo da média da Região Administrativa de Realengo e essa diferença
aumenta se compararmos com outros bairros da própria Região Administrativa.
Esses números que nos revelam que no bairro existem diversas carências,
principalmente se considerarmos as variáveis que são utilizadas para a obtenção
destes números. Os índices se traduziram no real após realizarmos algumas
pesquisas de campo, em que conversamos com alguns moradores do bairro de
Deodoro e percebemos que existe um descontentamento em relação às obras que
estão sendo realizadas com prioridade no bairro. Segundo os moradores, existem
obras mais urgentes a serem realizadas, como a reforma da passarela que dá
acesso à estação de trem do bairro (figura 23) e outras obras de saneamento básico
em áreas mais carentes, como na favela do Triângulo, que fica localizada embaixo
do viaduto da Avenida Brasil e adjacente à linha férrea (figura 24), além de obras
voltadas para o impedimento dos constantes alagamentos nas ruas próximas ao
canal da Rua Alencastro (figura 25).
83
Figura 23: Fotografia da Passarela de Ligação para a Estação de Trem na esquina
da Estrada do Camboatá e da Rua Engenheiro Nicanor Pereira em Deodoro
Observamos que obras que seriam simples de serem realizadas, como de manutenção das
passarelas do bairro, foram deixadas em segundo plano e, muito provavelmente, não serão
realizadas para os jogos olímpicos. Fonte: acervo pessoal
Figura 24: Favela do Triângulo/Fazenda Sapopemba – Deodoro
Fonte: Souza, 2012, p. 6
84
Figura 25: Canal da Estrada Marechal Alencastro próxima à Avenida Brasil
Fonte: Acervo pessoal
Além das reclamações sobre as obras, alguns moradores ainda levantaram a
questão da invisibilidade do bairro e da confusão gerada, em grande parte, pela
mídia e pelas propagandas oficiais dos Jogos Olímpicos de 2016 ao divulgar o
bairro da Vila Militar como sendo o bairro de Deodoro, ocultando não apenas os
problemas do bairro, como também as pessoas que vivem em Deodoro. Acerca
disso, Sanchez et.al. (2015, p.5) nos diz:
A estigmatização da população mais pobre e o constrangimento à sua presença nos
espaços projetados para a recepção do megaevento garantem a acumulação de
capital simbólico (Bourdieu, 1989) para os agentes da nova ordem urbana. Tais
agentes produzem a “marca” estratégica da cidade (...).
Sanchez et. al. (2015, p. 4) acrescenta afirmando que, ao ocultar os
problemas do bairro e as pessoas que moram ali, a prefeitura da cidade do Rio de
Janeiro atua de maneira a esconder a realidade dos moradores, conforme o trecho
abaixo:
O conjunto de instrumentos simbólicos – campanhas, peças publicitárias,
arquitetura emblemática com assinaturas do star system, logomarcas, locações de
filmes, jingles comemorativos, festivais internacionais, densa agenda de eventos e
até um jogo de tabuleiro, o Monopoly Cidade Olímpica, constituem, numa
complexa teia, a cena urbana mediante a qual a coalizão de poder quer vender a
85
cidade renovada, pronta para sediar, com êxito, os eventos globais. Efetivamente,
os megaeventos têm efeitos ideológicos (Oliveira et al, 2012). Ao esconder dos
olhares internacionais as manifestações da deficiência do capitalismo e projetar a
aparência de uma sociedade modelo, de um ethos feliz e “pacificado”, os processos
de construção de imagem acabam por distrair a atenção do lado mais sombrio do
neoliberalismo, com base em várias exclusões, violência e produção de
desigualdades.
Harvey (2010, p. 152) nos diz que a paisagem geográfica está sempre em
evolução, de forma a atender a acumulação do capital, deixando de lado as
necessidades das pessoas. No nosso caso, são ignoradas as reais necessidades dos
moradores do bairro de Deodoro, conforme podemos ler:
A paisagem geográfica da acumulação do capital está em perpétua evolução, em
grande parte sob o impulso das necessidades especulativas de acumulação
adicional (incluindo a especulação sobre a terra) e, só secundariamente, tomando
em conta as necessidades das pessoas.
Mascarenhas (2014, p.63) acrescenta ao enfatizar que:
Em suma, a cidade espetáculo não atende aos anseios da maioria. A cidade
mercadoria exclui amplos segmentos sociais. Portanto, mesmo quando se afirma
que determinado megaevento obteve sucesso na promoção do turismo, é preciso
averiguar os custos sociais, culturais e ambientais deste “sucesso”.
Esse fato se reforça ao caminhar pelas ruas do bairro de Deodoro. Os
moradores questionam a razão de se construir um corredor expresso para a
circulação do BRT no bairro, pois alguns deles temem que a presença de uma
estação do BRT possa aumentar o preço do aluguel, principalmente das áreas
próximas à estação. Porém, o que mais chama a atenção é o fato de que,
aparentemente, os moradores não são desfavoráveis à presença do BRT, mas sim
questionam a forma como foi imposta a construção do corredor expresso.
Mais do que isso, ao conversar com alguns moradores, principalmente nas
ruas próximas à Estação de trem, como a Rua Engenheiro Nicanor Pereira e a Rua
Bajardo B. de Oliveira, percebemos que eles temem um aumento no fluxo de
pessoas no bairro e que esse fator possa contribuir para o crescimento da
violência, e, usando uma frase proferida por um morador, acabar com “a cara do
bairro, que todo mundo se conhece”. Entretanto, conforme discutimos no primeiro
ponto do capítulo 2, a noção de bairro que percebemos ao realizar as pesquisas de
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campo e ao conversar com diversos moradores do bairro de Deodoro, se aproxima
muito da noção de “ideologia de bairro” muito criticada por autores como
Lefebvre (1975), Souza (1989) e Ramos (2002), os quais entendem que o bairro é
capaz de organizar a vida urbana, sendo ele uma organização independente da
cidade.
Aqui a noção de cotidiano e de cotidianidade ganha importância na nossa
análise do bairro de Deodoro. Heller (2000, p. 17) nos diz:
A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida
cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade.
Nela colocam-se “em funcionamento” todos os seus sentidos, todas as suas
capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos,
paixões, ideias, ideologias. O fato de que todas as suas capacidades se coloquem
em funcionamento determina também, naturalmente, que nenhuma delas possa
realizar-se, nem de longe, em toda a sua intensidade.
De acordo com Netto & Carvalho (2012, p. 24), é na cotidianidade que “o
homem se põe numa superficialidade fluida, ativa e receptiva que mobiliza a sua
atenção”. Heller (2000, p.18) acrescenta ao afirmar:
O homem nasce já inserido em sua cotidianidade. O amadurecimento do homem
significa, em qualquer sociedade, que o indivíduo adquire todas as habilidades
imprescindíveis para a vida cotidiana da sociedade (camada social) em questão.
É adulto quem é capaz de viver por si mesmo a sua cotidianidade.
Para Netto & Carvalho (2012, p.26), a vida cotidiana “é o conjunto de
atividades que caracteriza a reprodução dos homens singulares que, por seu turno,
criam a possibilidade da reprodução social”. Entretanto, apesar das promessas,
existe também, entre os moradores de Deodoro, o questionamento acerca das
instalações olímpicas que serão erguidas no bairro da Vila Militar. Há a sensação
de que as instalações serão inúteis aos moradores do bairro e serão nada mais do
que vários “elefantes brancos”. Mascarenhas (2014, p. 58) nos diz sobre a noção
de “elefante branco”:
Cumpre frisar que a noção de “elefante branco”, quando aplicada a estádios e
outras instalações olímpicas, resulta do fato de tais equipamentos terem sido
planejados sem levar em conta as demandas locais, e sim as do evento em si. Nesse
sentido, é comum verificarmos a construção de equipamentos superdimensionados
para a realidade local, além de muito caros. Ou de equipamentos cujo uso não se
insere nas tradições ou mesmo nas possibilidades locais. Evidentemente, alguns
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equipamentos são passíveis de projetos de reapropriação ou readequação para
novos e rentáveis usos após o megaevento esportivo, mas parece se tratar de uma
minoria. E, mesmo quando alvo de projetos inteligentes de readequação do
equipamento, permanece a crítica quanto ao gasto público mal encaminhado.
Convém aqui a ressalva de que não podemos afirmar se as arenas esportivas
construídas na “Região Olímpica de Deodoro” se configurarão num “elefante
branco” na concepção de Mascarenhas (2014). As construções das arenas
utilizadas nos Jogos Pan-americanos de 2007 são utilizadas para treinamento de
atletas de alto rendimento, embora as instalações estejam sob a responsabilidade
do Exército, por se encontrarem dentro do perímetro do bairro da Vila Militar e
que não é aberta ao uso. Dessa forma, cabe a questão: será que a população que
vive no entorno do bairro da Vila Militar, como os moradores dos bairros de
Deodoro e outros bairros próximos, irão se utilizar daquele espaço?
Existe a promessa de que essas instalações olímpicas serão devolvidas para
o uso dos moradores do entorno do bairro da Vila Militar como uma área de lazer.
Entretanto, cabe frisar, uma das reclamações que ouvimos de diversos moradores
dos bairros próximos ao bairro da Vila Militar, como o bairro de Deodoro, é a
ausência de mais áreas de lazer na região, pois, de acordo com os moradores, o
“piscinão”, nome dado pelos moradores a uma enorme piscina para uso público,
construído pela prefeitura do Rio de Janeiro em 2010 com o custo de,
aproximadamente, 11 milhões de Reais (GRILLO, 2015), não atende à demanda.
Sendo assim, as instalações olímpicas serem devolvidas como áreas de lazer para
esta população resolveria um dos problemas de seus moradores. Contudo, o fato
das instalações se encontrarem em uma área militar que, como vimos
anteriormente, é um local onde há um rígido controle no que concerne à
circulação de pessoas no seu interior, deixa alguns moradores céticos quanto às
promessas da prefeitura.
É perceptível como as pessoas, independentemente da idade ou do meio de
transporte utilizado, mudam o seu comportamento ao passarem pelo perímetro da
instalação militar demonstrando como a presença deste espaço controlado é
marcante no cotidiano dos moradores do bairro de Deodoro e dos bairros
próximos. Isso vai ao encontro do que afirma Corrêa (2007, p. 68-69), que define
a prática espacial como sendo ações espacialmente localizadas que constituem
ações individuais, não necessariamente sistemáticas e regulares, caracterizada por
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uma escala temporal limitada. Indo além das formas vistas ali, a presença da Vila
Militar e dos quartéis do Exército tem uma grande influência na forma como cada
pessoa se apropria daquele espaço.
Ao conversar com moradores do bairro de Deodoro, percebemos que há um
consenso a respeito da sensação de segurança, diante do símbolo que o complexo
militar representa. Entretanto, a natureza das atividades que ocorrem no espaço da
Vila Militar, expõe a vida dos moradores do bairro de Deodoro em permanente
perigo. No dia 3 de agosto de 1958 um fato causou inúmeros transtornos para a
população que vivia nas redondezas da Vila Militar. Nesse dia, houve uma série
de explosões nos paióis do Depósito Central de Armamento e Munição do
Exército, que era na época o maior depósito de armamento da América do Sul.
Cerca de 10 mil moradores do Conjunto Habitacional Popular de Deodoro, o qual
ficava em frente ao depósito de armas, saíram às ruas pela madrugada para
fugirem das explosões e das chamas. Apesar de todo o drama vivido na
madrugada do dia 3 de agosto de 1958, não foram registrados óbitos decorrentes
das explosões (AMORIM, 2008).
Mesmo em nome de uma suposta segurança por ser uma área militar e por
possuir um conjunto de regras, qualquer pessoa é passível a passar por situações
no mínimo constrangedoras, como revistas ou até mesmo prisões, conforme
podemos observar no seguinte trecho retirado de Zaverucha (2000, p. 256):
No dia 7 de outubro, veio à tona o caso envolvendo Antônio Carlos Monteiro, de
23 anos, dono de uma pequena loja de conserto de bicicletas, e seu irmão Kléber
dos Santos Monteiro, de 20 anos, servente de supermercado. Eles foram presos [...]
por terem tentado atravessar uma passagem subterrânea fechada por ordem do
general Valdésio Guilherme de Figueiredo, comandante da Vila Militar de
Deodoro. Segundo a família, os dois rapazes ficaram incomunicáveis e foram
espancados no quartel.
Outro caso de prisão no entorno do bairro da Vila Militar aconteceu em
outubro de 2011, quando um civil foi condenado pela justiça militar por opor
resistência a uma sentinela em serviço. Entretanto, a Justiça Comum concedeu ao
réu a absolvição da acusação devido à existência de divergências entre os
depoimentos das testemunhas da suposta resistência (SUPREMO TRIBUNAL
MILITAR, 2011). O trecho retirado do Jornal "O Globo", de 04 de junho de 2002,
demonstra outro atrito entre a população e os militares da Vila Militar:
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Em 1997, o general Valdésio de Figueiredo, então comandante da Vila Militar,
tomou uma série de medidas impopulares, como proibir que as frentistas dos postos
do bairro usassem shorts, além de vetar a circulação de linhas de ônibus dentro da
Vila Militar. Ele também impôs o limite de velocidade de 40 km/h nas ruas da
região. Houve incidentes com motoristas (SCHMIDT; BRANDÃO, 2002).
De fato, para acessar algumas arenas esportivas, é necessário cruzar terrenos
que pertencem ao Exército Brasileiro, o que pode causar certo desconforto tanto
para os moradores do bairro de Deodoro quanto para as sentinelas da Vila Militar.
O trecho abaixo, retirado de uma reportagem do jornal “O Globo” do dia
05/05/2013 .retrata essa preocupação:
[O] Ministério do Esporte mostrou interesse de passar à prefeitura a administração
do Parque Radical. A posição dele, às margens da Estrada Marechal Alencastro,
permitirá o acesso à área de lazer sem cruzar o terreno do Exército, facilitando a
abertura à população. Já o uso das outras instalações pode ficar sujeito a regras
estabelecidas pelos militares.
— Não queremos impedir o uso pela sociedade, mas precisamos definir regras para
não virar bagunça. Temos que definir também quem fará a manutenção dos
espaços — diz o general Evangelho, consultor do Departamento de Engenharia e
Construção do Exército. (GERBASE, 2013)
Porém, é importante ressaltar, que o Parque Radical de Deodoro, tido como
um dos principais legados dos jogos para o bairro e o seu entorno, está localizado
às margens da Estrada Marechal Alencastro, o que facilitaria o acesso da
população a essa nova área de lazer sem cruzar os terrenos do Exército. Esse fato,
inclusive, é destacado como uma vantagem, frente às outras instalações olímpicas
por alguns moradores do bairro, principalmente pela parcela mais jovem, que,
apesar de se sentirem “seguros” sendo vizinhos do bairro da Vila Militar e por
tudo o que essa presença representa, confessam não se sentirem “à vontade” ao
caminhar dentro do bairro militar.
Podemos observar isso em Netto & Carvalho (2012, p.44), os quais afirmam
que o espaço se transforma em um elemento de confinamento, não mais de
liberdade e movimento, tal como observamos no trecho abaixo:
Dada a cisão presente na vida cotidiana moderna, esse território terrestre raramente
é percebido na sua globalidade e historicidade a que pertencemos todos, mas como
algo estranho ao espaço e história privada de cada um.
A amplitude do espaço terrestre entra no cotidiano como informação não vivida. A
relação deste com o espaço reduzido real vivido introduz repercussões nefastas no
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cotidiano.
O espaço deixa de representar segurança, liberdade, movimento, descoberta e
expansão, para se transformar em elemento de confinamento.
Entretanto, de acordo com o Exército Brasileiro, a área onde está localizado
o Parque Radical de Deodoro será repassada para a administração da prefeitura do
Rio de Janeiro após a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, conforme o trecho
abaixo retirado do informativo dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016 da
Coordenação Geral de Defesa de Área do Comando Militar do Leste (CGDA),
publicado em janeiro de 2016:
Durante a inauguração (do Parque Radical de Deodoro), o Prefeito Eduardo Paes
agradeceu ao Comandante Militar do Leste pelo apoio prestado pelo Exército ao
ceder a área para a construção do Parque. O Parque Radical do Complexo
Olímpico de Deodoro abrigará as provas de Ciclismo Mountain Bike e BMX e de
Canoagem Slalom durante Jogos Rio 2016. Após as Olimpíadas, a pista de
Mountain Bike será desativada e o estádio de canoagem e o Centro de BMX se
transformarão no segundo maior Parque Público da Cidade. (CGDA, 2016 a.)
Em trecho retirado do Boletim do Exército do dia 5 de julho de 2015, esse
acordo com a prefeitura é confirmado. Segundo o documento, a prefeitura do Rio
de Janeiro adquiriu partes do terreno da área pertencentes ao bairro da Vila
Militar, no valor de 43 milhões de reais, para a realização de obras que têm como
objetivo a realização dos Jogos Olímpicos de 2016. Como parte do acordo
firmado entre o município e o Exército, a prefeitura irá colaborar com a
construção de moradia de praças e oficiais (Próprio Nacional Residencial – PNR),
que ajudará a desafogar um pouco a fila de espera de praças e oficiais por um
imóvel. Os projetos básicos e cronograma físico-financeiro deverão ser elaborados
e executados pelo Município do Rio, como podemos notar no fragmento abaixo,
retirado do Boletim do Exército (BRASIL, 2015, p.11):
Art. 3º As edificações a construir de interesse do Comando do Exército serão
definidas como PNR preferencialmente na tipologia multifamiliar (apartamentos),
cujos projetos básicos e cronograma físico financeiro deverão ser elaborados e
executados pelo Município do Rio de Janeiro, de modo a garantir a recomposição
patrimonial e evitar qualquer dano ao erário.
Em trecho retirado do informativo divulgado pelo Comandante Militar do
Leste, o General de Exército Fernando de Azevedo e Silva (CGDA, 2016b.),
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sobre as olimpíadas e o Exército brasileiro, podemos observar que o acordo, de
certa forma, foi favorável para todos os envolvidos, Exército e prefeitura do Rio
de Janeiro, embora a nota divulgada não cite diretamente os moradores de
Deodoro nem de outros bairros próximos como beneficiários deste legado que ali
foi erguido, conforme o trecho abaixo:
A contribuição do Exército para viabilizar o Complexo Esportivo de Deodoro foi
fundamental, em parceria com a dinâmica da Prefeitura do Rio de Janeiro. Todo
esse empenho realizado trará um importante legado para o Exército, para a cidade
do Rio de Janeiro e para o Brasil. Ganha o Exército com a revitalização da maior
guarnição militar da América Latina, que é a Vila Militar, na Zona Oeste do Rio.
Ganha a cidade com os investimentos em melhorias na qualidade de vida da
população. E ganha o Brasil ao investir no esporte como indutor de formação de
cidadãos de bem e ao marcar posição no mundo como um país capaz de planejar e
entregar um evento dessa magnitude
Com relação à cotidianidade dos moradores do bairro de Deodoro e sua
relação com o aparato do bairro da Vila Militar podemos dizer, de acordo com
Heller (2000, p.18), que a vida cotidiana é caracterizada por um conjunto de ações
e relações heterogêneas, as quais contêm em seu bojo certa hierarquia. De acordo
com Netto & Carvalho (2012, p.25), a vida cotidiana se altera em função seja de
valores de uma dada época histórica, seja em função das particularidades e
interesses de cada indivíduo em diferentes etapas de sua vida. Devemos
acrescentar que, para Heller (2000, p.18-19), esse conjunto de relações
hierárquicas e heterogêneas, não são imutáveis. Assim, podemos supor que poderá
haver uma mudança na forma como os moradores do bairro de Deodoro se
relacionam com a Vila Militar, pois de acordo com Heller (2000, p.30-31):
Na vida cotidiana, o homem atua sobre a base da probabilidade, da possibilidade:
entre suas atividades e as consequências delas, existe uma relação objetiva de
probabilidade. Jamais é possível, na vida cotidiana, calcular com segurança
científica a consequência possível de uma ação.
Dessa forma, embora não possamos afirmar com certeza, se a introdução
dos corredores e das estações do BRT e a construção das arenas esportivas,
principalmente a construção do Parque Radical de Deodoro que foi aberto como
área de lazer para os moradores, irá modificar a relação dos habitantes de Deodoro
com a presença militar do bairro vizinho que, por vezes, é conflituosa devido à
natureza das atividades que são realizadas no bairro da Vila Militar.