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ISSN
167
7-06
68
ArtigoS
ENTREVISTA
ANO
VIII
• Nº
33 •
jane
iro/m
arço
de 2
008
Revista deConjunturaPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
Vito Tanzi, doutor em Economia pela Universidade de Harvard, em entrevista,
aborda a necessidade de uma reforma tributária que, segundo ele, se faz
necessária há duas décadas
Os cortes no orçamento de 2008
Max Leno
Reduzir gastos públicos.É possível? Quais? Como?
James Giacomoni
A Legislação ambiental e o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil
Nivalde J. de CastroVictor José Ferreira Gomes
O Brasil e a crise financeira internacional
Carlos Eduardo de Freitas
A reforma tributária de 2008 José Fernando Cosentino Tavares
O IPTU no Distrito Federal: um tributo que precisa
ser melhor administradoPaulo Luiz Figueirêdo de Oliveira
A alta carga tributária, o excesso de burocracia e os juros elevados levam muitos especialistas a crer na
urgência de uma reforma no sistema tributário do País
Reforma tributária: urgente e necessária
(61) 3964.8364
Projetos
Avaliações
Análises de risco
Oportunidades de negócio
Assessoria e consultoria econômica
Entidades associadas: Corecon/DF – Conselho Regional de Economia do Distrito Federal • Sindecon/DF –Sindicato dos Economistas
do Distrito Federal • ACDF – Associação Comercial do Distrito Federal • Dieese/DF – Departamento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Sócio-Econômicos • Fecomércio – Federação das Indústrias do Distrito Federal • CUT/DF – Cental Única dos Trabalhadores
do DF • Sebrae/DF – Serviço de Apoio às Pequenas e Médias Empresas do Distrito Federal • IEL/DF – Instituto Euvaldo Lodi •
Fibra – Federação das Indústrias de Brasília • UnB – Universidade de Brasília • UCB – Universidade Católica de Brasília • UniDF
– Centro Universitário do Distrito Federal • Cesubra – Centro de Ensino Superior de Brasília • Faculdade Euro-Americana
A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contactando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de
R$ 70,00 anuais, o que equivale a quatro edições da revista.
6 Os cortes no orçamento de 2008
Max Leno
12 Reduzir gastos públicos.
É possível? Quais? Como?
James Giacomoni
16 A Legislação ambiental e
o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil
Nivalde J. de CastroVictor José Ferreira Gomes
19 O Brasil e a crise
financeira internacional
Carlos Eduardo de Freitas
29 A reforma tributária de 2008
José Fernando Cosentino Tavares
40O IPTU no Distrito Federal:
um tributo que precisa ser melhor administrado
Paulo Luiz Figueirêdo de Oliveira
ArtigoS
2 editorial3 entrevista
Vito Tanzi
26 capaReforma tributária a
necessidade de mudanças
ÍndicePublicação do Conselho Regional de
Economia do Distrito Federal
ANO VIII • Nº 33 • janeiro/março de 2008
ConjunturaRevista de
Nesta edição
Editor ResponsávelMário Sérgio Fernandez Sallorenzo
Conselho EditorialAndré NunesHumberto Vendelino RichterJosé Fernando Cosentino TavaresJosé Luiz PagnussatJúlio Flávio Gameiro MiragayaMaurício Barata de Paula PintoMônica Beraldo Fabrício da Silva
Jornalista ResponsávelDaniela Lima (Reg. DRT/DF: 4926)
RedaçãoDaniela Lima
RevisãoMarluce Moreira
Editoração Eletrônicawww.arsventura.com.br
Tiragem: 4.000Periodicidade: trimestral
As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF
PresidenteMário Sérgio Fernandez Sallorenzo
Vice-PresidenteJosé Luiz Pagnussat
Conselheiros EfetivosEvilásio da Silva Salvador Homero Gustavo Regionaldo LimaJosé Luiz Pagnussat Júlio Flávio Gameiro Miragaya Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Maurício Barata de Paula Pinto Max Leno de Almeida Mônica Beraldo Fabrício da Silva Roberto Bocaccio Piscitelli
Conselheiros SuplentesAndré Nunes Érton Birk Teixeira Guilherme Costa Delgado Junia Rodrigues de Alencar Newton Ferreira da Silva Marques Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Ronalde Silva Lins Victor José Hohl
Equipe do CoreconAngeilton Francisco Lima Faleiro Iraci da Costa Lopes Ismar Marques Teixeira Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares
EstagiáriosMayara Bruno Ferreira (ensino médio)Rodrigo Nascente de Oliveira (Economia)
End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.brHorário de funcionamento:das 8h às 18h (sem intervalo)
Esta edição da Revista de Conjuntura traz como destaque dois temas
importantes da agenda atual: a proposta de reforma tributária encami-
nhada pelo governo ao Congresso Nacional e a questão dos ajustes no
Orçamento 2008.
A proposta de reforma tributária foi o tema do artigo do professor José
Fernando Cosentino Tavares, da matéria da jornalista Daniela Lima e da en-
trevista com Vito Tanzi, doutor em Economia pela Universidade de Harvard
e ex-diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário
Internacional (FMI).
As análises apresentadas reforçam a necessidade e a urgência da re-
forma, em especial em relação às principais questões que precisam ser
enfrentadas na área tributária, entre elas pode-se destacar: a necessidade
de modernização do sistema tributário com uma grande simplificação e
eliminação da excessiva burocracia tributária, que representa um custo ele-
vado para as empresas e inibe a formalização; a redução da carga tributária
dos setores estratégicos, dos produtos essenciais (alimentos e remédios) e
a desoneração da folha de pagamento, que tem reflexo direto na geração
de empregos; a eliminação de distorções no sistema tributário que estão
prejudicando o crescimento econômico e a competitividade dos produtos
brasileiros no exterior; o fim da guerra fiscal e a ampliação do montante de
recursos destinados às regiões menos desenvolvidas, de forma que possi-
bilite explorar o potencial socioeconômico que possuem.
O professor Vito Tanzi é mais incisivo no sentido da necessidade de re-
dução da carga tributária global do País, mas alerta que isso só será possível
com a redução dos gastos públicos. Este é o tema do artigo do professor
James Giacomoni, que indica caminhos importantes para a melhoria da
qualidade do gasto público e destaca alguns problemas e aspectos que
precisam ser considerados, como o caráter repetitivo e incremental dos
orçamentos públicos e a necessidade de melhoria na microgestão do gasto
governamental. O ajuste no Orçamento de 2008, com o fim da CPMF, foi
um indicador das dificuldades para se reduzir os gastos públicos. Sobre
esse assunto recomenda-se a leitura do artigo de Max Leno que analisa “os
cortes no Orçamento 2008”.
Outro tema de destaque da Revista é a crise internacional e o seu im-
pacto no Brasil, objeto de análise do excelente artigo do professor Carlos
Eduardo de Freitas, que esclarece as razões da crise e os possíveis efeitos
sobre o Brasil.
Recomenda-se, ainda, a leitura do artigo “legislação ambiental e o de-
senvolvimento do setor elétrico no Brasil”, dos professores da UFRJ Nivalde
José de Castro e Victor José Ferreira Gomes; e do artigo “o IPTU no Distrito
Federal: um tributo que precisa ser melhor administrado”, de Paulo Luiz
Figueirêdo de Oliveira.
Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
EditorialEditorialConjunturaRevista de
A urgência de uma
reforma tributáriaVito Tanzi, doutor em Economia pela Universidade de Harvard, especialista em Finanças Públicas, dirigiu
durante anos o Departament of Fiscal Affairs do Fundo Monetário Internacional (FMI). Leccionou na George Washington University e na American
University, em Washington, e foi presidente do International Institute of Public Finance, entre 1990 e 1994. Em entrevista para a Revista de Conjuntura Econômica do Corecon/DF aborda a necessidade
de uma reforma tributária que, segundo ele, se faz necessária há duas décadas.
ENTREVISTA
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Vito Tanzi – Todos os problemas citados são sérios.
Esse quadro vem piorando com os anos devido ao
crescimento da carga tributária. Uma reforma tributá-
ria ampla já se fazia necessária há duas décadas. Agora
é ainda mais urgente. As principais questões a serem
abordadas nessa reforma são (a) a eliminação das guer-
ras fiscais entre os Estados (b) uma profunda reforma
dos tributos sobre o valor agregado, para reduzir os
problemas que eles criam hoje, e (c) uma grande sim-
plificação do sistema tributário, para reduzir os custos
do cumprimento das obrigações, que se tornaram um
dos principais problemas para as empresas.
Conjuntura – Existe algum modelo de sistema tribu-
tário eficaz?
Vito Tanzi – Existe uma vasta literatura a respeito das
características que o bom sistema tributário deve ter.
Eu mesmo, em alguns dos trabalhos que escrevi, as
enumero. No entanto, não existe um modelo simples
porque os países diferem entre si e, tendo em conta o
nível de seus gastos públicos, necessitam de cargas im-
positivas distintas.
Conjuntura – Quais impostos o Brasil deveria apostar?
Vito Tanzi – Em regra, os tributos mais rentáveis nos
vários países são os impostos sobre o valor agregado
Conjuntura – O senhor sempre alertou sobre as con-
seqüências da elevada carga tributária brasileira. Como
reduzir a carga tributária do país, considerando o ele-
vado endividamento e a necessidade de superávits nas
contas públicas e da política monetária restritiva com a
manutenção de juros elevados para conter a inflação?
Vito Tanzi – Não é possível reduzir a carga tributária
sem reduzir o gasto público. No Brasil, esse gasto cres-
ceu enormemente nas duas últimas décadas. Alcança
hoje níveis europeus, embora a renda per capita do país
seja muito mais baixa. Parte desse gasto é essencial e
útil. Outra parte dele é supérflua, desperdício. Basta
ver quanto o Brasil gastava há duas ou três décadas. O
governo brasileiro precisa fazer uma dieta rigorosa e
perder o excesso de peso. Alguns países (Canadá, Fin-
lândia, etc.) fizeram isso. O gasto público no Brasil está
bem acima do de qualquer outro país latino-americano,
daí porque deve haver muito para cortar. Os obstáculos
serão políticos, nunca econômicos.
Conjuntura – Antigos problemas como o elevado nú-
mero de impostos, excessiva burocracia, juros elevados
prejudicam bastante o empreendedorismo no país. O
senhor acredita na urgência de uma reforma tributária
no Brasil? Quais seriam as questões mais necessárias
para esta reforma?
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e os impostos sobre a renda dos indivíduos. O Brasil se
vale muito dos primeiros, mas muito pouco dos segun-
dos. Os rendimentos das pessoas, e não só os salários,
poderiam contribuir mais para a arrecadação, tornando
possível a diminuição de outros impostos.
Conjuntura – A proposta do governo de criar o IVA-F
(Imposto sobre o Valor Agregado Federal), em substi-
tuição de contribuições (seriam extintas a Cofins, a
Contribuição para o PIS, a CIDE-Combustíveis e a
Contribuição sobre folha para o Salário-Educação); e
manter o ICMS (Imposto sobre Circulação de Merca-
dorias e Prestação de Serviços) e o IPI (Imposto sobre
Produtos Industrializados), é adequada?
Vito Tanzi – Eu não examinei detalhadamente a pro-
posta do governo. Mas a impressão geral é a de que ela
vai no sentido que muitos especialistas em tributação
vêm recomendando há muitos anos. É inevitável que
haja problemas de implementação porque, em matéria
tributária, o diabo mora nos detalhes.
Conjuntura – O senhor acredita que a descentralização
tributária dificulta uma possível reforma tributária?
Vito Tanzi – Estou firmemente convicto de que a descentra-
lização fiscal sempre gera obstáculos para uma boa refor-
ma tributária. A experiência de muitos países (Índia, Argen-
tina, México e outros) claramente apóia essa conclusão.
Conjuntura – O senhor sempre recomendou ao Brasil
corte nos gastos para resolver o problema fiscal do País.
Esta seria a solução do problema? Por quê?
Vito Tanzi – Cobra-se imposto para pagar as despesas
públicas. Se o gasto público é baixo, a carga tributária
de que se precisa é pequena. Se o gasto público é eleva-
do, são necessários impostos mais altos. Se o Brasil não
é capaz (por razões políticas) de reduzir suas despesas,
deve continuar a ter impostos altos e arcar com todas
as conseqüências negativas da tributação elevada. Não
há outro caminho.
As principais questões a serem abordadas nessa reforma são: a eliminação das guerras fiscais entre os Estados, uma
profunda reforma dos tributos sobre o valor agregado, para reduzir os problemas que eles criam hoje, e uma grande
simplificação do sistema tributário, para reduzir os custos do cumprimento das obrigações, que se tornaram um dos
principais problemas para as empresas.
Vito Tanzi
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ArtigoO relator do Orçamento Geral da União, deputado
José Pimentel (PT-CE), apresentou os cortes previstos
para o orçamento de 2008 por conta da perda de re-
ceita da CPMF. Sem o volume de recursos previsto (R$
39,29 bilhões), a relatoria optou por algumas premis-
sas para efetuar as recomposições das programações
de caráter obrigatório ou indispensáveis ao funciona-
mento dos órgãos antes financiadas com os recursos
da contribuição, sendo eles:
• Cumprimento da meta de superávit primário previs-
ta na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) 2008;
• Alocação de recursos para assegurar a correção
do salário mínimo pelo INPC, de forma a elevá-lo de R$
407,33, previsto no projeto, para R$ 412,40;
• Preservação do montante financeiro relativo ao
Projeto Piloto de Investimentos Públicos – PPI, ao Plano
de Desenvolvimento da Educação – PDE e à segurança
pública;
• Cumprimento do mínimo de aplicação na Saúde, nos
termos definidos na Emenda Constitucional nº 29/2000;
• Cancelamento de despesas com custeio administrati-
vo, investimentos, inversões financeiras classificadas como
discricionárias ou obrigatórias, em percentuais diferencia-
dos em órgãos, funções ou programações orçamentárias;
• Reexame das autorizações para contratação de pes-
soal ou reestruturação de carreiras constantes do Anexo
V do PLOA/2008 com ajuste nas programações constan-
tes do projeto de lei;
• Redução dos recursos destinados ao início de novos
investimentos.
Nesse aspecto, foram efetuadas adequações bem
como sugeridas emendas pelo relator geral ao PLOA/2008
em conseqüência da extinção da CPMF (PEC nº 56/2007).
As principais alterações que possibilitaram redefinir a
programação orçamentária na maioria dos órgãos se
deu a partir dos seguintes elementos: ganho de receita
com medidas relativas ao IOF e CSLL; aumento do supe-
rávit primário das estatais; cortes nas emendas coletivas
e cortes no orçamento dos Poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário. (ver Tabela 1)
Os cortes no orçamento de 2008Max Leno
Tabela 1 – Demonstrativo da Compensação da frustração da CPMF
Discriminação Valores (em R$ bilhões)
Ganho de receita com medidas relativas ao IOF e CSLL 10,45
Aumento do superávit primário das estatais 2,82
Cortes nas emendas coletivas 13,80
Cortes no orçamento dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário 12,22
Frustração da receita de CPMF prevista no PLOA/2008 39,29
Fonte: Relatório geral – Projeto de Lei Orçamentária para 2008 (PL nº 30, de 2007 – CN).
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Em relação aos cortes no orçamento dos Poderes,
segundo os cálculos apresentados, a previsão é de que
no Executivo, que fica com 90,9% do orçamento, o corte
será de R$ 11,35 bilhões; já no Legislativo, que tem 2,5%
do orçamento, a contenção de recursos será de R$ 310
milhões enquanto no Judiciário, que detém cerca de 6%
do orçamento, o corte será de R$ 740 milhões. No Minis-
tério Público, que tem uma fatia de 0,6%, o corte será de
R$ 70 milhões. (ver Tabela 2)
Dessa maneira, para compensar o fim da CPMF, o
relator-geral do Orçamento decidiu, em relação ao or-
çamento dos Poderes, cortar R$ 12,22 bilhões da previ-
são inicial encaminhada pelo governo no ano passado.
Percebe-se, pela proposta em discussão, que o relator
não poupou nenhum dos três Poderes. Além disso, todas
as categorias de despesa serão afetadas, sendo que o maior
corte atingiu os recursos destinados à área de custeio (R$
6,77 bilhões), seguido pela contenção nas despesas de
Pessoal (R$ 3,48 bilhões) e, por fim, os Investimentos que
terão redução de R$ 1,97 bilhão. (ver Tabela 3).
No tocante às Despesas de Pessoal, vale lembrar que
a proposta orçamentária apresentada em 2007 pelo
Executivo ao Legislativo trazia, em seu anexo V, autori-
zações específicas de que trata o Art. 169, § 1º, inciso II
da Constituição, relativas às Despesas de Pessoal e En-
cargos Sociais.
No referido anexo, constavam as pretensões do go-
verno quanto à criação e/ou provimento de cargos, em-
pregos e funções, bem como admissão ou contratação
de pessoal a qualquer título. Além do mais, estavam in-
cluídas as eventuais alterações de estrutura de carreiras
e aumento de remuneração dos três Poderes. No total, a
previsão de gasto, no exercício de 2008, era de R$ 5,9 bi-
lhões para atender aos dois itens, sofrendo redução de
mais de R$ 1,3 bilhão com a nova proposta apresentada.
(ver Tabela 4).
Tabela 2 – Cortes previstos para 2008 – Por Poderes
PoderTamanho dos
cortes em 2008
Executivo R$ 11,35 bilhões
Legislativo R$ 310 milhões
Judiciário R$ 740 milhões
Ministério Público R$ 70 milhões
TOTAL R$ 12,22 bilhões
Fonte: Correio Braziliense de 20/02/2008 – Pág.4 – “Cortes em concursos”.
Tabela 3 – Discriminação dos cortes no orçamento dos Poderes por categoria de despesa
Categoria de despesa
Tamanho dos cortes em 2008 (em bilhões R$)
Custeio 6,77
Pessoal 3,48
Investimento 1,97
TOTAL 12,22
Fonte: Relatório geral – Projeto de Lei Orçamentária para 2008 (PL nº 30, de 2007 – CN).
Tabela 4 – Autorizações específicas relativas a despesas de pessoal e encargos sociais em 2008 e segundo a nova Proposta Orçamentária – No exercício de 2008 (em milhões R$)
DiscriminaçãoDespesa no exercício
de 2008 (*)Nova Proposta
Orçamentária para 2008Diferença
Criação e/ou provimento de cargos, empregos e funções, bem como contratação de pessoal
1.897,06 948,53 948,53
Alteração de estrutura de carreiras e aumento de remuneração
4.030,33 3.645,64 384,69
TOTAL 5.927,39 4.594,17 1.333,22
Fonte: Anexo V do Projeto de Lei Orçamentária 2008 enviada pelo Executivo. Autorizações específicas de que trata o Art. 169, § 1º, inciso II da Constitui-ção, relativas a Despesas de Pessoal e Encargos Sociais e anexo V – substitutivo do novo Projeto de Lei Orçamentária 2008.
OBS: (*) Proposta encaminhada pelo Executivo em 2007.
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É válido notar que as LDOs (Leis de Diretrizes
Orçamentárias) têm criado, progressivamente, proce-
dimentos que visam dar transparência e confiabilida-
de às informações relativas às despesas com pessoal.
No tocante ao já referido Anexo V do texto da lei, que
trata das autorizações para alterações nos gastos com
pessoal, nos termos do art. 169, § 1º, II, da Constituição,
nota-se avanço com relação a exercícios anteriores.
A LDO/2008, art. 89, inovou em termos do conteúdo
e apresentação do Anexo V. O §2º do art. 89 determina
que sejam considerados, de forma segregada, o provi-
mento da criação de cargos, funções e empregos e seja
acompanhado dos valores relativos à despesa anualiza-
da1, bem como das demais especificações necessárias à
verificação do cumprimento da Lei Complementar nº
101, de 2000 (a LRF). (ver Tabela 5)
Observa-se que as disposições acima foram cumpri-
das pelos Poderes Legislativo e Judiciário e Ministério
Público da União, ainda que, quanto a esses dois últi-
mos, estejam ausentes o impacto em 2008 das Leis n°
11.416/2006 e 11.415/06, relativas respectivamente à
reestruturação das carreiras de seus servidores.
O mesmo não pode ser dito quanto ao Poder Exe-
cutivo, já que suas autorizações caracterizam-se pela
falta de detalhamento dos fundamentos que justifi-
quem a autorização pretendida, ausentes, principal-
mente, na parte relativa à reestruturação de carreiras.
Nesse caso, no que tange à alteração de estrutura de
carreiras e aumento de remuneração, o valor previsto
no exercício de 2008 passou a ser de R$ 3,461 bilhões
e a despesa anualizada perfaz o total de R$ 7,409
bilhões.
Tabela 5 – Autorizações específicas relativas a despesas de pessoal e encargos sociais em 2008 e segundo a nova Proposta Orçamentária – valores anualizados (em milhões R$)
Discriminação Despesa anualizada (*) Nova Proposta
Orçamentária anualizada Diferença
Criação e/ou provimento de cargos, empregos e funções, bem como contratação de pessoal
3.498,45 3.498,45 -
Alteração de estrutura de carreiras e aumento de remuneração
7.734,70 7.593,01 141,69
TOTAL 11.233,15 11.091,46 141,69
Fonte: Anexo V do Projeto de Lei Orçamentária 2008 enviada pelo Executivo. Autorizações específicas de que trata o Art. 169, § 1º, inciso II da Constitui-ção, relativas a Despesas de Pessoal e Encargos Sociais e anexo V – substitutivo do novo Projeto de Lei Orçamentária 2008.
OBS: (*) Proposta encaminhada pelo Executivo em 2007.
Tabela 6 – Criação e/ou provimento de cargos, empregos e funções bem como contratação de pessoal em 2008
DiscriminaçãoCriação de cargos,
empregos e funções (quantidade) (*)
Provimento, admissão ou contratação
(quantidade) (*)
Despesa no exercício de 2008 (em milhões R$)
Poder Legislativo 179 1.417 106,84
Poder Judiciário 19.415 12.604 647,18
Ministério Público da União - 2.295 111,31
Poder Executivo 13.375 40.032 1.031,73
TOTAL 32.969 56.348 1.897,06
Fonte: Anexo V do Projeto de Lei Orçamentária 2008 enviada pelo Executivo. Autorizações específicas de que trata o Art. 169, § 1º, inciso II da Constitui-ção, relativas a Despesas de Pessoal e Encargos Sociais.
OBS: (*) Proposta encaminhada pelo Executivo em 2007.
1 Por conta de os gastos relativos à despesa de pessoal, não ocorrerem necessariamente a partir de janeiro, mas sim a partir de outros meses no decorrer do ano, o cálculo anualizado consiste em demonstrar as despesas como se ocorressem a partir de janeiro do ano de 2008.
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Em relação à criação e/ou provimento de cargos, em-
pregos e funções, bem como admissão ou contratação
de pessoal a qualquer título, a despesa anteriormente
prevista era de R$ 1,8 bilhão, conforme observa-se, com
o propósito de que pudesse ocorrer o provimento, ad-
missão ou contratação de mais de 56 mil novos servi-
dores, bem como a criação de cerca de 32 mil novos
cargos, empregos e funções. (Ver tabela 6)
Já na nova proposta orçamentária, a estimativa é de
que haja uma redução de 50% na reserva para contrata-
ção de novos servidores em todos os Poderes. Segundo
a nova proposta, apenas foi preservada a dotação para
substituição de terceirizados. Apesar disso, o relator sa-
lientou que os concursos podem continuar normalmen-
te. O que muda é o fluxo de admissão de pessoal, pois os
órgãos terão que reduzir o número de contratações, ou
adiá-las, para reduzir o impacto em 2008.
Nota-se, dessa forma, que o montante de R$ 1,8 bi-
lhão inicialmente previsto e que estavam, de certa for-
ma, reservados para novos contratados, foi reduzido ao
valor de R$ 948,53 milhões. Ainda assim caberá ao go-
verno federal decidir se mantém ou não os concursos,
bem como as nomeações para este ano. É possível no-
mear todos os aprovados, desde que ocorra a partir do
segundo semestre. Sendo assim, segundo o relator, os
concursos poderão ser realizados, sendo que as nome-
ações poderão sofrer alterações, já que só há reserva de
50% do Orçamento para novas contratações.
Em se tratando dos reajustes previstos para o ano de
2008, o anexo V, apesar de se constituir apenas em sinaliza-
ções de reajustes, detalhava as despesas para o exercício
de 2008 no sentido de contemplar as alterações de estru-
tura de carreiras e aumento de remuneração. Nesse caso,
o valor total previsto para atender a todos os poderes era
superior a R$ 4 bilhões, sendo que a maior parte, seria di-
recionada ao Poder Executivo.
Já na nova proposta, com exceção do Legislativo, to-
dos os demais Poderes tiveram diminuídas suas respecti-
vas despesas relativas à alteração de estrutura de carreiras
e aumento de remuneração, passando a ser não mais o
valor de R$ 4 bilhões e, sim, um total de R$ 3,645 bilhões,
vindo assim a representar uma redução superior a R$
380 milhões no exercício de 2008. (Ver tabela 7)
Constata-se, portanto, que o setor mais atingido em
relação aos cortes nesse item foi o Poder Executivo, já
que a nova proposta teve redução superior a R$ 240
milhões. Adicionalmente, não se pode esquecer o fato
de que inúmeras carreiras discutiram com o governo,
em 2007, a possibilidade de modificações em suas res-
pectivas estruturas salariais com o compromisso de que
estariam contempladas já no orçamento de 2008.
Em relação a tal fato, as sinalizações são de que só
estão assegurados reajustes para as categorias que já
vinham recebendo aumento escalonado desde 2006,
como é o caso da Polícia Federal. Dessa forma, uma
possível interpretação é de que novos projetos de lei
terão de ser encaminhados ao Congresso para assegu-
rar aumentos a categorias que tentaram, por meio de
um anexo do Orçamento, o reajuste salarial. Garantidos
mesmo somente os reajustes das carreiras que já tive-
ram projeto aprovado ou, ainda, que as correções este-
jam previstas em leis.
Tabela 7 – Alteração de estrutura de carreiras e aumento de remuneração em 2008 (em milhões R$)
DiscriminaçãoDespesa no exercício
de 2008 (*)Nova Proposta Orçamentária
para 2008 Diferença
Poder Legislativo - 1,41 -
Poder Judiciário 221,64 129,43 92,21
Ministério Público da União 104,32 53,43 50,89
Poder Executivo 3.704,37 3.461,37 243,00
TOTAL 4.030,33 3.645,64 384,69
Fonte: Anexo V do Projeto de Lei Orçamentária 2008 enviada pelo Executivo. Autorizações específicas de que trata o Art. 169, §1º, inciso II da Constitui-ção, relativas a Despesas de Pessoal e Encargos Sociais e anexo V – substitutivo do novo Projeto de Lei Orçamentária 2008.
OBS: (*) Proposta encaminhada pelo Executivo em 2007.
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No entanto, segundo a nova proposta orçamentária
da União para 2008, efetuando-se a leitura do anexo V
(substitutivo) percebe-se que tal instrumento revisto de-
talha de forma mais clara as alterações de estruturas de
carreiras e aumento de remuneração do Poder Executivo.
No anexo anterior, a discriminação dos reajustes ao
Poder Executivo era: “Reestruturação da remuneração de
cargos, funções e carreiras no âmbito do Poder Executivo,
inclusive militares das Forças Armadas”, passando a ter a
seguinte abrangência: “Reestruturação da remuneração
de cargos, funções e carreiras no âmbito do Poder Execu-
tivo, inclusive servidores integrantes do Plano Geral de
Cargos do Poder Executivo - PGPE, instituído pela Lei
nº 11.357, de 2006, e militares das Forças Armadas”.
Sendo assim, apesar de permanecer, de certo modo,
ainda bastante genérico quanto às demais carreiras a
serem contempladas com recursos, o novo relatório as-
segurou o montante de R$ 350 milhões a ser destinado
ao aumento da remuneração dos servidores integrantes
do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – PGPE.
Mesmo diante do anúncio dos cortes, o novo Proje-
to de Lei Orçamentária para 2008 incluiu em seu texto
mais recente dispositivo que faculta ao Poder Executi-
vo promover adequações no Anexo V, com vistas a mi-
norar os efeitos dos cortes efetuados. Tal prerrogativa
está contida no substitutivo ao Projeto de Lei nº 30, de
2007-CN em seu artigo 4º, parágrafo 3º, com a seguinte
redação:
§ 3º Em decorrência da recomposição autorizada no
inciso XXIV deste artigo, o Anexo V desta Lei poderá ser
ampliado até os montantes constantes do projeto de
lei encaminhado ao Congresso Nacional, para despe-
sas com efeitos financeiros a partir de 2008.
O substitutivo apresentado à Comissão Mista de
Orçamento prevê, adicionalmente, recursos para pagar,
já este ano, um possível reajuste do subsídio dos minis-
tros do Supremo Tribunal Federal, bem como os efeitos
dessa alteração no Poder Judiciário da União.
Segundo o relator do Orçamento, esse efeito ocorre
porque o subsídio dos ministros serve de teto salarial
para os servidores federais. a premissa adotada é um
reajuste de 4,46% sobre o valor que foi proposto pelo
STF no fim de 2006 para vigorar em 2007 (R$ 25,75 mil),
mas que não chegou a ser aprovado pelo Congresso.
Isso permite elevar o teto dos atuais R$ 24,5 mil para
cerca de R$ 26,9 mil.
Outro detalhe importante é que a avaliação das
verbas constantes do PLOA/2008 levou à constatação de
que o projeto de lei não contempla dotação específica
para a revisão geral da remuneração dos servidores, pre-
vista no inciso X do art. 37 da Constituição e regulamen-
tada pela Lei nº 10.331, de 2001. Cabe lembrar que, os últi-
mos anos em que tal dispositivo constitucional veio a ser
observado ocorreram em 2002 e 2003, onde os índices,
respectivamente, foram de 3,5% (três vírgula cinco por
cento) e 1% (um por cento).
Vale mencionar também que, em recente reunião
ocorrida no Ministério do Planejamento, foi informado
oficialmente à Condsef que os R$ 350 milhões já mencio-
nados anteriormente estão reservados no Orçamento da
União para os mais de 290 mil servidores do Plano Geral
de Cargos do Poder Executivo (PGPE).
Apesar disso, o montante foi considerado insuficiente
pela entidade que solicitou ao Planejamento a revisão do
valor. O PGPE está entre as categorias que tiveram suas
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Apesar de permanecer, de certo modo, ainda
bastante genérico quanto às demais carreiras a
serem contempladas com recursos, o novo relatório
assegurou o montante de R$ 350 milhões a ser destinado ao aumento
da remuneração dos servidores integrantes do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – PGPE.
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janeiro / março / 2008
negociações de reajuste interrompidas no final do ano
passado com o anúncio do fim da CPMF.
Com a afirmação do governo de que as negociações
continuam, a Condsef espera chegar a um acordo que
garanta um reajuste para a categoria que possui uma
das piores situações salariais da União. O Planejamento
vai promover mais estudos referentes ao reajuste para
este ano e agendou uma nova reunião para o dia 18 de
março.
Registra-se que todo o processo de negociação ocor-
rido entre a Condsef e o governo até aqui foi debatido
neste final de semana quando a entidade realizou, nos
dias 23 e 24 de fevereiro, sua Plenária Nacional.
Depois de dois dias reunidos, mais de 200 represen-
tantes de servidores de 27 Estados brasileiros definiram
uma agenda de mobilização da Condsef que dura todo
o mês de março. Neste momento, a categoria optou por
não apontar um indicativo de greve. A ordem é que as
entidades filiadas à Confederação realizem assembléias
com o objetivo de preparar a categoria para uma possível
paralisação, caso o governo recue da decisão de cumprir
acordos e compromissos firmados, ao longo de 2007,
com 28 categorias2 que continuam sem respostas.
A Condsef busca também unificar a luta com outras
entidades do setor público. Para isso, foi agendada uma
marcha à Brasília no dia 26 de março que terá o apoio
da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Com a ativi-
dade, os servidores pretendem conseguir uma audiên-
cia com o ministro Paulo Bernardo. O resultado deste
encontro seria determinante para definir uma possível
greve em abril.
Quanto aos cortes previstos em Investimento e cus-
teio, praticamente todos os três Poderes sofrerão redu-
ção de aproximadamente 20% nos recursos destinados a
tais categorias de despesa. A intenção é efetuar diminui-
ções na ordem de R$ 6,8 bilhões e R$ 2 bilhões, respecti-
vamente, segundo já foi salientado anteriormente.
Para implementar os cortes de custeio, adotou-se
como critério básico a aplicação de percentual de até
20% em programações primárias discricionárias. As áreas
de Saúde, Educação, Segurança Pública e Justiça Eleitoral
foram protegidas, enquanto as áreas de Defesa Nacional,
Assistência Social, Previdência e Ciência e Tecnologia so-
freram redução de até 10% de suas programações, sendo
que, até o Bolsa Família poderá sofrer redução. Mas o rela-
tor alertou para a possibilidade de se proceder rearranjos
internos em cada órgão para não comprometer progra-
mas considerados prioritários.
Em relação aos projetos de investimentos com início
previsto para 2008, foram reduzidos em até 20%, enquan-
to as áreas de Defesa Nacional, Assistência Social, Previ-
dência, Ciência e Tecnologia e os demais Investimentos
em execução foram abatidos em até 10%. Excluíram-se
dos cortes as áreas de Saúde, Educação e Segurança Pú-
blica3, como também as obras referentes ao PAC (Progra-
ma de Aceleração do Crescimento).
Outro detalhe é que foram excluídos do cancela-
mento, tanto do custeio quanto do investimento, as
programações orçamentárias de valor inferior a R$ 3
milhões.
Em relação à questão dos prazos de tramitação, a Co-
missão Mista de Orçamento espera aprovar o texto final
no Congresso até o dia 28 de fevereiro.
Finalmente, apesar de todos os cortes previstos na
nova proposta orçamentária que resultou no significati-
vo corte de mais de R$ 12 bilhões no orçamento enviado
ao Congresso no ano passado pelo Executivo, um peque-
no alento foi o fato de que o relator ao menos manteve
o valor do salário mínimo em R$ 412,404, conforme esta-
belecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano de
2008 e que foi fruto de intensas negociações ocorridas
em 2007 envolvendo o governo e as centrais sindicais.
Max LenoEconomista do Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos – DIEESE
2 Para maiores detalhes, verificar estudo: “Propostas em discussão envolvendo as carreiras que fazem parte da base da Condsef e o Governo Federal” – janeiro/2008.
3 Ainda falta a definição quanto aos cortes do Judiciário e do Ministério Público, setores esses que pretendem ser contemplados com os mesmos critérios estabelecidos para as Forças Armadas.
4 Superior aos R$ 407,33 previstos no PLOA/2008.
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Artigo
Nos últimos dez anos, as metas de política fiscal do
governo federal estiveram representadas na manuten-
ção de superávits primários e de déficits nominais de-
crescentes. O cumprimento dessas metas possibilitou
alcançar o maior objetivo da política fiscal, que é a re-
dução da dívida pública calculada como proporção do
Produto Interno Bruno. Tendo em vista que no período
foram praticadas altas taxas de juros, a viabilização dos
resultados fiscais foi possível principalmente por meio
da elevação, ano a ano, da carga tributária.
Na comparação com países desenvolvidos – os
da OCDE, por exemplo – a carga tributária brasileira é
menor, mas é significativamente superior a dos países
emergentes, com PIB per capita similares ao do Brasil,
como China, Chile, Argentina e México. Considerada a
pressão tributária brasileira, os indicadores de desen-
volvimento do País deveriam ser melhores. O Índice de
Desenvolvimento Humano – IDH do Brasil, inferior a 0,8,
é bem menor que o de 0,95 da Austrália e do Canadá,
países com carga tributária semelhante à brasileira.
São inúmeras as razões que determinaram, ao lon-
go do tempo, as características e o volume de imposi-
ção tributária no Brasil. De um lado, esteve a preferên-
cia por tributos de menor resistência – contribuições
e impostos indiretos, por exemplo – e, de outro, a mais
importante, a necessidade de financiar despesas gover-
namentais sempre crescentes.
Esgotado o ciclo do crescimento da carga tributária,
com o que parece concordar a opinião generalizada,
abre-se espaço para a discussão sobre as despesas pú-
blicas, em especial sobre a qualidade, a eficiência e a
efetividades delas.
O tema chegou a fazer parte da última campanha
eleitoral para a Presidência da República. A diminuição
do número de ministérios era apontada por um dos
candidatos como exemplo de medidas necessárias
para a redução das despesas administrativas do gover-
no. Gastos menores permitiriam até mesmo a redução
da carga tributária, providência geralmente apontada
como indispensável para que a economia do País entre
num ciclo vigoroso de crescimento.
É conhecida a pouca margem de manobra na ges-
tão financeira do governo federal. Proporção por volta
de 85% da despesa primária – a que não considera os
juros e o pagamento da dívida – é de execução obri-
gatória, pois decorre de disposições da própria Cons-
tituição ou de leis. Os encargos restantes configuram
despesas discricionárias que, entretanto, em boa parte,
são essenciais para o funcionamento da administração
pública. Conhecedor dessa realidade, o candidato/pre-
sidente Lula minimizou as teses alarmistas sobre o
crescimento das despesas e negou, sistematicamente,
a necessidade de enxugamento da máquina adminis-
trativa.
Em campanhas eleitorais, os políticos sabem que
argumentar sobre a necessidade de diminuir despe-
sas é sempre um grande risco, pois o eleitor tenderá a
supor que os cortes serão realizados exatamente nos
Reduzir gastos públicos. É possível? Quais? Como?
James Giacomoni
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janeiro / março / 2008
programas e projetos de seu interesse. Os funcionários
públicos temerão pelos futuros reajustes salariais; os
beneficiários da saúde pública imaginarão serviços ain-
da mais deficientes; o programa Bolsa-Família poderá
sofrer descontinuidade, e assim por diante.
Passada a eleição, imprensa, empresários, políticos,
economistas de dentro e de fora do governo têm man-
tido o tema na ordem do dia. Autoridades oficiais não
fogem mais do assunto e medidas de redução de des-
pesas no âmbito da União passam a ser cogitadas, par-
ticularmente a partir da não renovação da CPMF.
Não é difícil entender os dados da questão. O cres-
cimento da economia depende principalmente dos
investimentos em capital fixo, em especial a realização
de obras e a aquisição de equipamentos visando ao
aumento da produção de bens e serviços. Numa eco-
nomia de mercado, a maior parte dos investimentos
está a cargo do setor privado. Os investimentos sob a
responsabilidade do setor público, principalmente a
infra-estrutura de transportes e energia, ainda que em
montante menor, tem enorme importância por seu ca-
ráter estratégico. Contabilizando déficits há bastante
tempo, ou seja, sem praticamente nenhuma poupança,
o governo federal investe, com recursos orçamentários,
volume muito aquém das necessidades. De acordo com
o Ministério da Fazenda, em 2005 a taxa de investimen-
to com recursos orçamentários foi de 0,88% do PIB. O
Ipea calcula que a taxa, naquele exercício, não passou
de 0,60% do PIB.
Já que é impossível financiar os necessários inves-
timentos com o aumento da carga tributária, a solução
está, no primeiro momento, em estancar o crescimento
das despesas correntes e, depois, onde for possível, na
redução delas.
O desafio da diminuição das despesas públicas ten-
de a ser percebido de duas maneiras distintas. A primei-
ra diz respeito à macroeconomia ou macrogestão do
gasto público, isto é, valorizam-se os grandes números
e, assim, há poucas ilusões de que sejam viáveis mu-
danças importantes na atual composição do gasto. As
dificuldades políticas para mudar a legislação são enor-
mes e resultados pequenos são vistos com indiferença
diante do quadro de dificuldades fiscais. A macrogestão
do gasto prefere apostar no crescimento da economia
com o que crescerá a receita orçamentária.
A outra percepção leva em conta a necessidade
de boas práticas gerenciais em cada entidade gover-
namental. Os agregados fiscais têm a sua importância,
mas isso só não basta. Há um enorme espaço para uma
agenda que considere medidas voltadas à incorpora-
ção de maior eficiência microeconômica do gasto, a
adoção de indicadores de gestão, ao cálculo de custos,
dentre outras.
Redução de juros e encargos incidentes sobre o
refinanciamento da dívida pública e reforma da pre-
vidência social são exemplos de medidas defendidas
no âmbito da macrogestão do gasto, onde se valori-
za o alcance de resultados importantes mais rapida-
mente. A simples defesa da diminuição de despesas
correntes visando viabilizar maiores investimentos é
igualmente uma tese voltada à macrogestão. A reali-
zação dos serviços públicos dá-se, principalmente, por
meio de despesas correntes, a maior parte delas, indis-
pensáveis. De outro lado, nem todo o investimento é
realmente necessário e justificável do ponto de vista
econômico-social.
Os agregados fiscais têm a sua importância, mas isso só não basta. Há um enorme espaço para uma agenda que
considere medidas voltadas à incorporação
de maior eficiência microeconômica do gasto, a adoção de
indicadores de gestão, ao cálculo de custos,
dentre outras.
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A microgestão do gasto governamental volta-se
para os inúmeros processos onde se exercitam os atos
da administração pública que produzem despesas e
custos. Nos níveis centrais da política e da administra-
ção pública, tende-se a dar pouco crédito a esta alter-
nativa, já que os esforços exigidos são grandes e os re-
sultados demoram a aparecer.
Uma parte das medidas iniciais tomadas pelos go-
vernadores que tomaram posse em janeiro de 2007 es-
tão na linha da segunda orientação: extinção de cargos
de livre provimento; extinção e fusão de secretarias e
unidades; adoção de metas de redução de despesas de
custeio; revisão de contratos de terceirização; etc. Cer-
tamente espera-se que tais medidas apresentem resul-
tados. Serão suficientes?
A experiência mostra que, com o passar do tempo,
diminui o empenho dos gestores públicos principais
em manter a redução de gastos como política e prática
de governo. A cobrança por parte da sociedade por
mais e melhores serviços públicos e a necessidade de
mostrar uma agenda de realizações, que significa maio-
res gastos, atropela qualquer outra medida voltada à
diminuição das despesas.
É necessário que políticos e administradores acre-
ditem que é possível reduzir gastos e, ao mesmo tem-
po, manter o nível de atendimento dos serviços e até
mesmo expandi-lo. Para tanto, devem aceitar que há,
em medida não desprezível, desperdícios e ineficiência
no uso de recursos. O desafio é colocar em prática sis-
temas e modelos de gestão que identifiquem e neutra-
lizem esses focos.
Extinção de unidades aqui e ali com o objetivo de
diminuir o tamanho da máquina administrativa produ-
zirá resultados positivos, mas não reduzirão os eventu-
ais desperdícios nos demais setores não atingidos pelo
enxugamento. Outro ponto importante: quem deve
encarregar-se da elaboração de diagnósticos sobre dis-
funções e desperdícios e da apresentação de propostas
corretivas? É duvidoso que consultoria externa possa
conhecer com profundidade as rotinas administrativas
e de serviços e aí identificar alternativas que represen-
tem menores dispêndios. Melhores resultados serão
obtidos se os próprios servidores de cada unidade fo-
rem envolvidos nos processos reformistas, motivados a
identificar os desperdícios e encarregados de implan-
tar as sugestões e as melhores práticas.
No desenvolvimento de processos de redução de
despesas e custos, a principal oportunidade para a rea-
lização de diagnósticos ocorre com a elaboração do or-
çamento anual. Já que apenas as despesas autorizadas
na lei orçamentária poderão ser realizadas, o momen-
to da preparação da proposta deve ser integralmente
aproveitado para a efetiva avaliação de quais recursos
são realmente necessários para o desenvolvimento do
trabalho e alcance dos resultados pretendidos. Se, nes-
sa fase sensível e crítica, as avaliações de necessidades
são realizadas de maneira superficial, a tendência será
reproduzir, nos exercícios futuros, os orçamentos do
passado.
A cada ano, em meados do exercício, todos os se-
tores governamentais envolvem-se em detalhados
procedimentos de preparação da proposta orçamentá-
ria para o ano seguinte. O Poder Executivo consolida
A experiência mostra que com o passar do tempo diminui o empenho dos
gestores públicos principais em manter a redução
de gastos como política e prática de governo. A cobrança por parte da sociedade por mais e
melhores serviços públicos e a necessidade de mostrar uma agenda de realizações,
que significa maiores gastos, atropela qualquer outra medida voltada à
diminuição das despesas.
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todos esses levantamentos na forma de projeto de lei
que é, então, encaminhado ao Poder Legislativo para
apreciação.
Geralmente aceita-se que o modelo que melhor
descreve a forma e a prática da elaboração orçamentá-
ria é o incrementalismo que, mesmo baseado na experi-
ência norte-americana, pode ser transportado para ou-
tras realidades, inclusive a brasileira. De acordo com o
modelo, um orçamento diferencia-se muito pouco da-
quele praticado no ano anterior; cada novo orçamento
incorporará, aqui e ali, alguns incrementos, enquanto a
base, que é a maior parte, continuará a mesma.
No diagnóstico de Aaron Wildavsky, principal for-
mulador do modelo incremental, o processo orçamen-
tário é histórico, seqüencial e repetitivo, ou seja, as
mesmas ações e valores autorizados e executados num
exercício serão autorizados para o ano seguinte e assim
por diante.
Tal prática repetitiva não enseja a oportunidade
para certas indagações como: serão realmente neces-
sárias no novo exercício todas as despesas realizadas
no ano anterior? Será possível alcançar os mesmos
resultados sem realizar necessariamente todos esses
gastos?
A tendência de os gestores agilizarem medidas no
final de ano para a execução integral de seus orçamen-
tos é um subproduto distorcido do orçamento repeti-
tivo. Todo o responsável sabe que se não executar os
valores autorizados em seu orçamento, há o risco con-
creto de que o futuro orçamento venha a ser diminuí-
do. Despesas que talvez não sejam realmente necessá-
rias acabam sendo realizadas apenas com o intuito de
manter o orçamento em determinado patamar.
O que pode ser feito para atenuar, ainda que em
parte, o caráter repetitivo e incremental dos orçamen-
tos públicos? Parece bastante claro que é necessário
revisar os valores da base, retirando o seu caráter histó-
rico. É certo que existirão dificuldades para tanto, já que
nenhum gestor aceitará contribuir com um processo
de reforma orçamentária em que o seu orçamento ve-
nha a ser simplesmente reduzido.
Todo o projeto de mudança nos métodos e práticas
tradicionais de trabalho sofre resistências que precisa-
rão ser contornadas. Uma estratégia de convencimento
das vantagens e dos benefícios das mudanças deverá
ser posta em prática visando obter a adesão e o apoio
dos participantes. Exemplo de medida de convenci-
mento, no caso da reforma do orçamento, é a garantia,
por parte do órgão central, de que eventuais economias
obtidas não irão beneficiar outras unidades, ficando na
própria instituição para que ela possa realizar certos
tipos de despesas, para as quais, invariavelmente, não
são autorizados recursos.
Tal estratégia será ainda mais eficaz se for possível
agregar alguma modalidade de premiação, na forma
de recursos adicionais a serem atribuídos, proporcio-
nalmente, às economias realizadas na base.
James GiacomoniEconomista, consultor de orçamentos do Senado Federal
(aposentado) e professor da Universidade de Brasília.
Parece bastante claro que é necessário revisar
os valores da base, retirando o seu caráter histórico. É certo que existirão dificuldades
para tanto, já que nenhum gestor aceitará
contribuir com um processo de reforma
orçamentária em que o seu orçamento venha
a ser simplesmente reduzido.
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a
ArtigoNo ano de 2001 o Brasil sofreu um forte desequilíbrio
entre a oferta e demanda de energia elétrica, que ficou
conhecido por Crise do Apagão. A causa estrutural e prin-
cipal desta crise está diretamente associada ao processo
de privatização do setor elétrico brasileiro iniciado em
1990 com o Plano Nacional de Desestatização. A partir
deste programa de privatização, o setor elétrico brasileiro
– SEB – perdeu capacidade de investimento e planeja-
mento da expansão. Como resultado, a Crise do Apagão
impôs a todas as classes de consumo um racionamento
equivalente a 20% do volume médio de demanda de
energia elétrica. Ao final de 2001 o crescimento do Pro-
duto Interno Bruto (PIB) foi de apenas 1,3%, muito baixo
se comparado ao do ano 2000, com crescimento de 4,3%.
(IBGE, 2007).
Para entender a dinâmica do setor elétrico, o equilíbrio
entre a oferta e demanda no Brasil depende, de forma
estrutural, do aproveitamento do potencial hidrológico
estimado em mais de 150.000 MW. Este valor correspon-
dente a cerca de 200% da atual capacidade geradora ins-
talada e está localizada basicamente na região da Ama-
zônia. O aproveitamento deste potencial, possivelmente
um dos maiores do mundo, vem enfrentado problemas e
restrições diante da legislação ambiental mais especifica-
mente na questão dos licenciamentos. O presente artigo
pretende analisar esta questão.
Atualmente, alguns analistas têm assinalado a possi-
bilidade de uma crise de oferta de energia elétrica no cur-
to prazo, tendo por base as previsões para o crescimento
do PIB e da demanda por energia elétrica. Três seriam os
fatores que poderiam ser responsáveis pela ocorrência
deste desequilíbrio: precipitações pluviométricas abaixo
das médias históricas, incapacidade de direcionar gás na-
tural do consumo industrial e veicular para o despacho
das termelétricas e as restrições provenientes da legisla-
ção ambiental.
Para se ter uma dimensão do problema, com base nas
estimativas de expansão média do PIB, a EPE projetou
uma necessidade de expansão da capacidade de gera-
ção estimada em cerca de 3.000 a 3.500 MW médios anu-
ais nos próximos 10 anos, o que representa um aumento
entre 5% a 5,5% de oferta de energia elétrica. (MME/EPE,
2007, p. 148 e 164). A partir da dura e cara experiência
obtida com a Crise do Apagão, tornou-se imprescindí-
vel recuperar as condições de planejamento e estímulo
à expansão da oferta de energia elétrica. Neste sentido,
o governo buscou um aprimoramento da regulação do
setor, a partir de 2003. De acordo com Castro (2007), esta
reestruturação do setor elétrico, associada com outros
fatores, em especial com a melhoria significativa dos fun-
damentos macroeconômicos do Brasil e da economia
mundial, possibilitou a solução de vários problemas que
impediam a expansão da oferta de geração verificada
no período de 1990 até 2002. Entretanto, persiste um en-
trave para o aumento da oferta. Trata-se da questão dos
licenciamentos ambientais e, por conseguinte, da neces-
sidade de aprimoramento e ajustes na legislação perti-
nente ao tema (CASTRO, 2007, p. 70). Como o modelo de
A Legislação ambiental e o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil1
Nivalde J. de CastroVictor José Ferreira Gomes
1Publicado no IFE nº 2165 de 27 de novembro de 2007.
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privatização percebido entre 1990 e 2002 não induzia
novos investimentos, o aparato legal de licenciamentos
derivado da Lei nº 6.938/81 (lei que dispõe sobre a Políti-
ca Nacional do Meio Ambiente) e da Constituição Federal
de 1988, que se aplicará á construção das novas usinas,
ainda não foi devidamente “testado” e assimilado. Implica
assinalar que as exigências ambientais não criaram uma
experiência acumulada, ou seja, uma massa crítica de
conhecimentos que podem servir de base para a cons-
trução das novas usinas hidroelétricas. É um problema de
aprendizado social em relação ao meio ambiente.
De acordo com a Resolução 006/87 do Conama (Con-
selho Nacional do Meio Ambiente), o procedimento de li-
cenciamento ambiental possui três etapas distintas para
as usinas hidrelétricas (UHE), respeitadas as peculiarida-
des de cada caso:
Etapa 1: Licenciamento Prévio (LP) – requerida no iní-
cio do estudo de viabilidade da Usina;
Etapa 2: Licenciamento de Instalação (LI) – obtida
antes da realização da licitação para construção do
empreendimento; e
Etapa 3: Licenciamento de Operação (LO) – obtida
antes do fechamento da barragem.
Para o Ibama (2007), o licenciamento ambiental pos-
sui como uma de suas mais expressivas características a
participação social na tomada de decisão, por meio da
realização de Audiências Públicas como parte do pro-
cesso. No nível federal, o Ibama durante o processo de
licenciamento ouve os Órgãos Ambientais (OEMAs) en-
volvidos no licenciamento e os Órgãos Federais de ges-
tão do Patrimônio Histórico (Iphan), das Comunidades
Indígenas (Funai), de Comunidades Quilombolas (Funda-
ção Palmares), de controle de endemias (Funasa), entre
outros.
A exigência de três licenças, a ausência de critérios
objetivos e técnicos para o licenciamento e o grande nú-
mero de órgãos envolvidos determinam a possibilidade
concreta de uma grande quantidade de exigências ad-
ministrativas que acabam por burocratizar e dificultar o
processo de licenciamento, gerando indefinições e atra-
sos na aprovação dos pedidos. Para os agentes econômi-
cos envolvidos com a construção das UHE, as incertezas
determinam uma impossibilidade de determinar, ex ante,
ou seja, até o momento da realização dos leilões o cus-
to ambiental total associado à construção da UHE. Esta
incerteza na definição concreta de uma rubrica da estru-
tura de custos cria sérios riscos econômicos para o em-
preendimento, dificultando e afastando investidores na
medida em que o preço que a energia elétrica, que será
vendida no futuro, é definida no leilão. Assim a receita é
definida no leilão, seu valor é fixo e corrigido anualmente
pelo IPCA a partir do início da operação da UH. Mas o cus-
to da construção não é definido na sua integridade. Este
descompasso entre despesa (custos ambientais) e receita
cria um risco para os novos e necessários investimentos.
Desta forma, há a necessidade de um aprimoramento
na legislação pertinente ao tema e nos critérios dos ór-
gãos executores do licenciamento. Uma alternativa seria
a adoção do mecanismo fast-track (tramitação rápida)
existente em países como Inglaterra e Estados Unidos e
sugerido por Calou (2007). Outra necessidade seria o fiel
cumprimento dos prazos para o deferimento ou indeferi-
mento das licenças pelos órgãos responsáveis. De acordo
com Calou, o tempo médio observado na emissão da
LP pelo Ibama referente aos 63 empreendimentos entre
1997 e 2006 foi de 1.188 dias ante o prazo legal de 270
Para os agentes econômicos envolvidos com a construção das
UHE, as incertezas determinam uma
impossibilidade de determinar, ex ante, ou seja, até o momento da realização dos leilões o custo ambiental total
associado à construção da UHE.
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dias estabelecidos pelo art. 17 da Instrução Normativa
65/2005 do Ibama.
Cabe ressaltar que, de acordo com dados do Balanço
Energético Nacional de 2007, a energia hidráulica res-
ponde por 75,9% do total da capacidade de oferta de
energia elétrica no Brasil (EPE, 2007). Com as dificuldades
na obtenção de licenças ambientais, esta fonte de ener-
gia limpa e renovável tende a perder espaço na matriz
energética brasileira. De acordo com Castro (2007, p.73),
“não há experiência no mundo, que garanta no curto e
médio prazo, uma conversão radical na matriz energética
em favor de fontes alternativas”, o que sustenta a necessi-
dade e prioridade da fonte hidrelétrica para o crescimen-
to econômico brasileiro, mantendo-se minimamente os
mesmos padrões de poluição ambiental. Nos últimos
anos (entre 1999 e 2006), houve um crescimento do nú-
mero de licenças prévia bem menor que o número total
de licenças, sinalizando problemas sérios na oferta de no-
vos empreendimentos de geração nos leilões de energia
nova (CASTRO, 2007).
Como ilustração da dificuldade da obtenção das li-
cenças ambientais para empreendimentos hidrelétricos,
pode-se mencionar os pedidos sucessivos por parte das
empresas interessadas pelo adiamento do leilão das
usinas do Rio Madeira, derivado de dificuldades no pro-
cesso de obtenção das licenças ambientais. Deve-se assi-
nalar que uma UHE só é ofertada em leilão com o licen-
ciamento prévio obtido pela EPE. Os sucessivos atrasos
na obtenção do licenciamento prévio da UHE de Santo
Antônio no Rio Madeira são um exemplo concreto deste
tipo de problema que pode comprometer o equilíbrio
entre oferta e demanda de energia elétrica. A outorga da
licença prévia permitiu a fixação da data do leilão, mas o
consórcio vencedor terá que “vencer” ainda duas etapas
de licenciamento e cumprir o prazo de início de operação
das primeiras turbinas em 2012-2013.
Nestes termos e a título de conclusão, pode-se afir-
mar que existe um risco potencial de desequilíbrio de
oferta de energia elétrica no Brasil, derivado de uma bai-
xa adequação da legislação ambiental à realidade e ne-
cessidade de energia fundamental. A reestruturação do
setor elétrico iniciada em 2003 tem conseguido superar
os problemas institucionais da crise de energia elétrica e
com isto minimizar as incertezas e garantir o retorno dos
investimentos. Assim, ao consolidar o marco regulatório e
criar, via leilões de energia nova, contratos de longo pra-
zo para os novos empreendimentos, foi possível construir
um novo padrão de financiamento baseado nas linhas de
financiamento do BNDES, acesso ao mercado de capitais
e capital próprio. Desta forma, para que o risco potencial
de crise não se configure e fique em patamares mínimos
e aceitáveis associados à matriz de hidroeletricidade, é
necessário um aprimoramento da legislação ambiental
que, em síntese, permita uma desburocratização do pro-
cedimento de licenciamento ambiental para as novas
usinas hidrelétricas capaz de permitir, ex-ante, a precifica-
ção dos custos inerentes à preservação ambiental.
Bibliografia
BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução
006/87. Dispõe sobre o licenciamento ambiental de obras
do setor de geração de energia elétrica. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Brasília, 22 out. 1987. Seção
I, p. 17.499.
CALOU, Sílvia. Desenvolvimento Energético e Licencia-
mento Ambiental. In: Anais do 8º ENCONTRO DE ENERgIA.
2007, São Paulo, 45p.
CASTRO, Nivalde José de. O destravamento ambiental do
setor elétrico brasileiro. Revista Custo Brasil, Rio de Janeiro,
ano 2, n. 8, p. 68-73, abr./maio 2007.
Ibama. Licenciamento. Disponível em: <http://www.Ibama.
gov.br/licenciamento/> Acesso em: 25 out. 2007.
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www.ibge.gov.br/home/#sub_indicadores>. Acesso em:
20 nov. 2007.
MME/EPE. Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica
2007/2016 [em Consulta Pública]. Brasília: MME/EPE, 2007.
Nivalde J. de CastroProfessor do Instituto de Economia da UFRJ e Coordenador
do GESEL – Grupo de estudos do Setor Elétrico
Victor José Ferreira GomesAssistente de pesquisa do Grupo de Estudos
do Setor Elétrico GESEL-IE-UFRJ
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janeiro / março / 2008
Artigo
Dimensões da crise
A presente crise financeira se origina de uma bolha
imobiliária localizada nos Estados Unidos, decorrente
de excessos nos empréstimos concedidos a pessoas
de baixa capacidade econômica, os mutuários chama-
dos pejorativamente de ninjas – “no income, no jobs, no
assets”. Trata-se, portanto, de uma crise financeira origi-
nada nas unidades familiares e explicitada no início do
segundo semestre de 2007.
Conforme informações divulgadas pela imprensa
especializada, a questão é séria – as perdas imediatas
do sistema financeiro americano poderiam potencial-
mente alcançar cifras da ordem de 15% a 20% do PIB, e
até mais. Justificam plenamente as preocupações de-
monstradas pelo Presidente do FED (Federal Reserve
Bank, o Banco Central americano), pelo Secretário do
Tesouro (equivalente ao Ministro da Fazenda) e pelo
próprio Presidente da República, além dos principais
atores dos mercados financeiros internacionais.
Isto nada obstante, a solução do problema estaria, em
princípio, ao alcance do Governo dos Estados Unidos, que
dispõe de solvência e credibilidade suficientes para tal. O
custo político de colocar dinheiro público na solução do
embroglio pode, entretanto, ser grande.
Aparentemente as autoridades estão no caminho
certo, embora existam riscos de que não consigam no
final evitar o espraiamento da crise numa cadeia in-
controlável de insolvências de conseqüências impre-
visíveis. Daí as tensões nos mercados.
Segundo dados compilados pelo Departamento
de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco1, re-
lativos ao final de 2007, a riqueza líquida das famílias
americanas monta a US$ 57,7 trilhões, o que equivale
a 5,58 vezes a renda disponível (US$ 10,3 trilhões). Os
imóveis, avaliados em US$ 22,5 trilhões, correspondem
a 39% daquela riqueza líquida ou 31% dos ativos bru-
tos das famílias.
Estimativas citadas pelo mesmo estudo do Brades-
co indicam que a razão entre a riqueza das famílias e
sua renda líquida deverá cair para algo em torno de
4,8, o que implica uma deflação da ordem de 14% da
riqueza líquida total, com o valor dos imóveis caindo
20% (US$ 4,5 trilhões) e dos demais ativos, exclusive os
depósitos bancários, 11,6% (US$ 3,6).
Estas reduções abruptas de valor nos ativos das fa-
mílias implicam num efeito riqueza negativo da ordem
de US$ 8,1 trilhões equivalentes a quase 60% do PIB
anual, de US$ 13,8 trilhões.
Suponha-se, para efeito de raciocínio, que metade da
perda de valor dos imóveis se transforme em prejuízos
bancários, com base no fato de que as hipotecas cor-
respondem a praticamente metade do valor dos imó-
veis. Adicionalmente, admita-se que 10% da deflação
O Brasil e a crise financeira internacional
Carlos Eduardo de Freitas
1BRADESCO, Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (DEPEC) Destaque Diário, 17.03.2008.
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de preços dos demais ativos também repercutissem no
sistema financeiro, considerando, na mesma linha de
raciocínio, isto é, que 8,4% desses outros ativos teriam
contrapartida, ainda que não numa relação biunívoca,
em créditos do sistema financeiro (crédito ao consumi-
dor). Esses outros ativos corresponderiam aos bens du-
ráveis (US$ 4,0 trilhões) e aos ativos financeiros, excluin-
do os depósitos bancários diretos (US$ 13,3 trilhões) e
indiretos, sob a hipótese de que 25% das aplicações dos
fundos de investimento e fundos de pensão estejam
em depósitos bancários – US$ 4,2 trilhões.
Com base nas duas hipóteses acima, chega-se a
perdas potenciais do sistema financeiro americano da
ordem de US$ 2,6 trilhões, sendo US$ 2,25 trilhões do
setor imobiliário e US$ 0,36 trilhões decorrentes da
deflação dos demais ativos. Isto significa possíveis pre-
juízos do sistema financeiro de19% do PIB. Admitamos
que metade desse valor fosse absorvida em termos de
mercado, isto é, por novas chamadas de capital ou por
fusões e aquisições. E que a outra metade, digamos, o
equivalente a 10% do PIB, tivesse que ser assumida di-
reta ou indiretamente pelo Governo. Isto elevaria a dí-
vida pública americana para 73% do PIB, com um custo
adicional anual de 0,35% do PIB, à taxa de juros atual de
3,48% a.a.3. Não é de forma alguma matéria trivial, até
pelas repercussões políticas do uso de dinheiro públi-
co; mas parece exeqüível do ponto de vista econômi-
co, considerando que o déficit fiscal americano encon-
tra-se em 2,4% do PIB4. Assim, se o Governo assumisse
perdas do sistema bancário de 10% do PIB – US$ 1,4
bilhões – o seu déficit aumentaria Coeteris Paribus para
2,75% do PIB, nível perfeitamente gerenciável.
Balanço das Famílias (inclui ISFLSF)2
US$ trilhões
Ativo Passivo
Ativo Fixo 26,5 Passivo Exigível 14,4
Imóveis 22,5 Crédito Imobiliário 10,5
Bens Duráveis4,0
Crédito ao Consumidor 2,6
Ativos Financeiros 44,5 Outras Obrigações 1,3
Depósitos Bancários 13,3 Patrimônio Líquido (Riqueza Líquida) 57,7
Ações (aplic. diretas) 6,2
Fundos de investimentos 4,5
Fundos de pensão 12,3
Empresas não incorporadas 7,3
Outros Ativos 1,1
Total do Ativo 72,1 Total do Passivo 72,1
Fonte: BRADESCO, Departamento de Estudos e Pesquisas Econômicas (DEPEC), Destaque Diário, 17.03.2008.
2 Instituições sem fins lucrativos a serviço das famílias.
3 government Bonds de 10 anos cf. The Economist, March 15th – 21st 2008, p.118.
4 The Economist, March 15th – 21st 2008, p.118.
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janeiro / março / 2008
Os riscos do colapso
Falências em cadeia, como ocorreram em 1929,
quando o estouro da bolha na bolsa de valores foi se-
guido de uma crise bancária, causaram a profunda de-
pressão econômica da década de 1930. As suas conse-
qüências políticas desastrosas, por demais conhecidas,
dispensam comentários.
Os bancos trabalham fortemente alavancados,
como é de sua natureza de intermediários financei-
ros. Por esta razão, uma crise bancária que venha a se
generalizar conduz a falências sucessivas e contamina
todo o sistema econômico. Como diz Martim Wolf5, o
sistema bancário, em última análise, é uma subsidiária
do Estado e o Governo não pode deixá-lo à deriva: “Um
governo solvente pode e deve organizar uma operação
de salvamento”.
Se aqueles valores potenciais se concretizassem,
sem dúvida estar-se-ia diante de uma tormenta eco-
nômica talvez mais catastrófica do que a de 1929. Vá-
rios analistas da cena econômica internacional têm
explicitado receios nesse sentido.
O valor estimado acima para os prejuízos potenciais
do sistema bancário, de US$ 2,6 trilhões, encontra-se
dentro dos montantes que têm sido referidos na im-
prensa especializada. Martim Wolf6 cita: Ben Bernanke,
Presidente do Federal Reserve, sugeriu US$ 100 bilhões,
para começar, apenas em julho de 2007; o Goldman
Sachs falou em US$ 500 bilhões; Nouriel Roubini, da
Escola da Administração de Empresas Stern da Univer-
sidade de Nova York mencionou U$ 1 a US$ 2 trilhões,
e, mais recentemente, chegou a US$ 3 trilhões, dizen-
do que pode até ser pior, dependendo de uma espiral
de inadimplências combinadas a estrangulamento do
crédito bancário.
O Federal Reserve tem procurado enfrentar o pro-
blema com reduções agressivas da taxa de juros bá-
sica, o que proporciona um efeito riqueza positivo ao
sistema econômico em geral e ao sistema bancário,
em particular. Além disso, abriu linhas especiais de
redesconto, aceitando, inclusive, hipotecas como las-
tro e financiou parcialmente a compra do Bear Stearns
pelo J. P. Morgan.
Todas essas medidas procuram evitar quebras ban-
cárias, compensar, ainda que parcialmente, o choque
negativo da destruição de riqueza e não permitir o co-
lapso do crédito.
Se elas serão suficientes é uma pergunta sem res-
posta no momento. E, se for necessário aprofundar as
medidas, até que ponto o governo americano estaria
preparado para levar adiante as providências?
A questão fundamental é a seguinte: como se trata
de um problema de solvência, não de liquidez, o Go-
verno Americano teria amparo legal e coragem políti-
ca para assumir explicitamente as perdas, se e quando
isso se tornasse inevitável, mesmo sob o risco de ser
acusado de estar salvando banqueiros quebrados?
Não se pode esquecer o drama brasileiro da crise
bancária pós-eliminação da hiperinflação, quando o
Governo Fernando Henrique, por intermédio do Proer7,
evitou um colapso bancário sem proporcionar nem um
5 Martim Wolf, Fingir que nada aconteceu é um erro. Valor, 27.02.2008.
6 Martim Wolf, Quem dá mais? Valor, 12.03.2008.
7 PROER: Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional.
Os bancos trabalham fortemente alavancados,
como é de sua natureza de intermediários financeiros.
Por esta razão, uma crise bancária que venha a se generalizar conduz
a falências sucessivas e contamina todo o sistema
econômico.
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centavo aos banqueiros, donos das instituições quebra-
das. Entretanto, não conseguiu livrar-se da pecha de ter
usado dinheiro público para ajudar banqueiros falidos.
Os riscos das medidas de salvaguarda
O que pode sair errado?
Em primeiro lugar, embora pouco provável, as me-
didas para evitar a espiral deflacionista poderiam aca-
bar revertendo a tendência de contenção de despesas
das famílias, voltando-se ao ritmo anterior de absorção
doméstica (poupança + investimento).
Nesse caso, a economia americana estaria a salvo do
colapso, mas o retorno ao diapasão pretérito de consumo
pessoal, com o conseqüente impacto sobre a demanda
agregada, significaria que os Estados Unidos continua-
riam a requerer elevado volume de financiamento ex-
terno. O déficit do balanço de pagamentos em transa-
ções correntes americano é de 4,7% do PIB, embora em
descenso. Chegou a estar acima de 6% do PIB. A taxa de
juros muito baixa poderia dificultar o financiamento.
Nessa hipótese a desvalorização do dólar se acen-
tuaria com eventuais reflexos inflacionários. Se isso
ocorresse com a taxa de juros baixa como está, a de-
manda por ativos financeiros em dólares poderia des-
pencar e ele até perderia o seu status de moeda de re-
serva. Este cenário de fuga do dólar é explosivo. Entre
70% e 75% das transações internacionais ainda são
denominadas em dólares. Além de principal reserva
de valor, o dólar é o grande meio de pagamento e de-
nominador comum de valores da economia mundial.
Não tem substituto a vista e não existe ainda um banco
central mundial que emita uma moeda internacional.
Como se sabe, a idéia do bancor lançada por Keynes
em 1944, na Conferência de Bretton Woods, fracassou.
Nesse encontro em que foi criado o Fundo Monetário
Internacional (FMI), prevaleceu a proposta americana
do sistema “câmbio-ouro” com o dólar no papel de mo-
eda central do sistema financeiro internacional.
O bancor seria uma moeda internacional emitida
pela novel instituição – o FMI – e, portanto, desvincula-
da dos problemas de política interna envolvidos na con-
dução da política monetária de um país em particular.
A outra possibilidade é que as medidas não alcan-
cem o objetivo de evitar o desdobramento da crise
num círculo vicioso deflacionista, de inadimplências,
estrangulamento do crédito bancário, falências, de-
semprego e depressão econômica – 1929 à vista.
Por que isso ocorreria? Por hesitação do governo
americano e insuficiência das providências para lidar com
uma crise séria de insolvência das unidades familiares.
Note-se que os resultados são potencialmente mui-
to semelhantes, tanto num quadro de excesso como
de insuficiência das medidas. É isso que faz a arte da
política econômica tão fascinante e complexa. Não há
modelo exato, nem receita para ser aplicada. É o ajuste
fino, onde a maturidade profissional se faz preciosa.
Seria absurdo o governo oferecer segurança aos
donos e acionistas dos bancos de que sairiam ilesos
do estouro da bolha. Significaria tornar-se cúmplice
de más práticas bancárias, aceitando implicitamente a
chantagem de que o sistema bancário não pode que-
brar. Mas ao mesmo tempo não pode haver prejuízos
dos depositantes.
Em 1984 o Federal Reserve conduziu-se com particu-
lar brilhantismo na crise do Continental Illinois, um gran-
de banco de Chicago. Nacionalizou o banco, diluiu com-
pletamente os acionistas, capitalizou-o e posteriormente
Em primeiro lugar, embora pouco provável, as medidas
para evitar a espiral deflacionista poderiam
acabar revertendo a tendência de contenção de despesas das famílias,
voltando-se ao ritmo anterior de absorção
doméstica (poupança + investimento).
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janeiro / março / 2008
o privatizou. Uma solução de todo semelhante à aplica-
da pelo Banco Central do Brasil no caso do Banespa e de
outros bancos estaduais com o PROES8.
Culpados
Os grandes culpados dessas crises, a meu ver, são
os bancos centrais. Essas instituições foram criadas jus-
tamente para controlar o crédito bancário e evitar que
prosperem as bolhas. No entanto, têm freqüentemente
fracassado.
Uma corrente importante de economistas prega a
independência dos bancos centrais, no sentido de que
disponham de autonomia operacional em relação aos
governantes de plantão. Entretanto, o Federal Reserve
Bank é tido como instituição independente nesse senti-
do e assistiu passivamente ao desenvolvimento da bo-
lha imobiliária nos Estados Unidos até o seu estouro.
A questão é que os bancos centrais podem ser inde-
pendentes dos governos, mas não são independentes
da sociedade, esta representada pelas diferentes cor-
rentes de opinião pública, setores empresariais, acadê-
micos, políticos, associações de classe, etc.. Os dirigentes
dos bancos centrais não operam numa cápsula isolada
do mundo. Eles são partes da dinâmica social. Parece-me
ilusória a autonomia formal em relação aos governos.
Independentes, os dirigentes têm que ser. Os car-
gos de direção nos bancos centrais são incompatíveis
com agendas paralelas e ambições outras. E por quê?
Porque o banco central é o desmancha prazer social
por excelência. Esta é a sua função.
Quando tudo parece ir bem, pessoas mais pobres es-
tão ascendendo economicamente, expandindo seus gas-
tos de consumo e seu investimento em bens duráveis; a
frota de automóveis cresce exponencialmente; a classe
média faz turismo, adquire seus imóveis e seus filhos en-
contram boas oportunidades de emprego; os industriais
e comerciantes estão felizes; os negócios prosperando; a
popularidade do governo “bombando”; nesse momento,
o Banco Central entra em cena para anunciar que a ex-
pansão do crédito é excessiva, que há indícios de tensões
inflacionárias, que o superávit primário deve aumentar.
Como dizia um amigo que foi colega de Diretoria no Ban-
co Central: no melhor da festa, aparece um sujeito avisando
que o uísque e o vinho serão substituídos por água mineral e
refrigerantes; e que, além disso, a música vai dar um interva-
lo. Esse desmancha prazer tem o nome de banco central.
A sua missão institucional é a de ser o núcleo de raciona-
lidade econômica dentro do governo.
A crise afeta o Brasil?
Claro que sim. Os Estados Unidos respondem por
29% da economia mundial, considerando os dados de
renda nacional de 2005 do Banco Mundial9.
Os grandes culpados dessas crises, a meu ver, são os bancos
centrais. Essas instituições foram criadas justamente para
controlar o crédito bancário e evitar que prosperem as
bolhas. No entanto, têm freqüentemente fracassado.
Uma corrente importante de economistas prega a
independência dos bancos centrais, no sentido de que disponham de autonomia
operacional em relação aos governantes de plantão.
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8 PROES: Programa de Incentivo à Redução da Participação do Setor Público Estadual na Atividade Financeira Bancária, lançado em agosto de 1996, por intermédio de Medida Provisória.
9 Atlas of Global Development, The World Bank, Washington, D.C., 2007, p. 126.
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Como visto acima, os riscos de desdobramentos
mais pessimistas estão presentes. Evitá-los cabe à ha-
bilidade do Federal Reserve, do Office of the Comptroller
of the Currency e do Departamento do Tesouro dos
Estados Unidos em dosar as medidas de maneira a não
permitir que a destruição de riqueza das famílias ori-
ginada do desmantelamento da bolha imobiliária se
propague em ondas e contamine todo o sistema eco-
nômico.
Manter o PIB crescendo próximo a 3%a.a.10 como
nos últimos anos é impossível. Evitar a débâcle, não.
O cenário mais provável é que os Estados Unidos en-
frentem uma fase de atividade econômica reduzida, e
mesmo de semi-estagnação devido ao inevitável freio
do consumo das famílias, responsável por 70% da de-
manda agregada naquele país.
O quadro ideal seria que este consumo fosse
substituído por exportações, o que, aliás, já começou
a acontecer. Importante também seria que os estran-
geiros detentores de ativos financeiros denominados
em dólares os convertessem em investimentos dire-
tos, reduzindo a necessidade de intervenção gover-
namental direta para equilibrar o sistema bancário. O
fundo soberano chinês chegou a oferecer US$ 1 bilhão
pelo Bear Stearns, há coisa de 1 mês. A negociação não
prosperou (os chineses recuaram?).
O quadro ideal, contudo, exige coordenação inter-
nacional para que países como a China, a Índia, Japão,
etc., aceitem aumentar a absorção (consumo e investi-
mento interno), reduzindo as exportações. O Brasil, por
exemplo, vem aumentando suas importações de for-
ma significativa, e já vai apresentar déficit no balanço
de pagamentos em transações correntes em 2008.
Também requer baixo nível de atrito e de descon-
fianças políticas, de forma que os investimentos exter-
nos de árabes, chineses, japoneses, e de outros países
possam fluir com desenvoltura aos Estados Unidos. De
certa forma e não obstante o recuo chinês no caso do
Bear Stearns, este processo pode estar em curso. Exem-
plo: a venda pela Ford à Tata Motors, indiana, das in-
dústrias de automóveis Jaguar e Land Rover.
Do ponto de vista brasileiro, é igualmente preciso
ficar claro que os Estados Unidos nos anos vindouros
não deverão ser um lugar tão bom como tem sido para
vender, mas melhor do que têm sido para comprar.
O que fazer?
O Brasil tem uma posição privilegiada no caso
presente, porque não está em excesso de velocidade
(ainda), porque sua dívida pública foi desvinculada do
dólar e o país é, hoje, credor líquido no exterior. Confor-
me os dados de dezembro de 2007, o Brasil era credor
líquido do resto do mundo em US$ 11 bilhões.
Entretanto, não há milagres. A economia líder foi
ferida pelo estouro de uma bolha. Dificilmente o Brasil
vai continuar na trajetória de prosperidade dos últimos
anos, que se acelerou agora em 2007. Provavelmente o
crescimento econômico retornará a um padrão de 3%
a 4%a.a.
É preciso ficar claro que manter esta velocidade
de crescimento seria, olhando-se a conjuntura econô-
mica internacional hoje, um resultado já muito bom.
Para isso, é necessário que o Banco Central tome des-
de logo as medidas necessárias de aumento de juros e
restrições à expansão do crédito. Ajudaria muito se o
Ministério da Fazenda elevasse o objetivo de superávit
primário.
Carlos Eduardo de FreitasEconomista do Corecon/DF
10 O PIB americano cresceu 2,86%a.a. em média no qüinqüênio 2003-2007, conforme dados do Banco Central (site do Banco Central, Séries Históricas).
24
INFORMAÇÕES:
(61) 3964-8366, 3964-8368 e 3223-1429www.corecondf.org.br
Apoio: Conselho Federal de Economia – COFECON
XV PRÊMIO CORECON-DF DE ECONOMIAMonografias
2008
1º Lugar: R$ 5.000,002º Lugar: R$ 3.000,003º Lugar: R$ 2.000,00
Serão premiadas as três melhores monografiasaprovadas nos Cursos de Graduação do DF
Até três monografias selecionadas em cada Faculdade, deverão ser encaminhadas pelos respectivos
Departamentos de Economia, até 01/09/2008, desde que aprovadas nos doze meses anteriores à inscrição.
Poderá haver, também, inscrição de monografias
diretamente pelo autor, desde que tenha recomendação escrita do orientador.
Reforma tributária: urgente e necessária
Nos 19 anos da Constituição de 1988 a carga tribu-
tária aumentou 16,07 pontos percentuais, correspon-
dendo a um crescimento de 80%, conforme informa o
Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário - IBPT, e
quem sofre com esta alta carga tributária no Brasil é o
contribuinte.
No ano passado, a carga tributária atingiu o índice
de 36,08% e teve o crescimento de 1,02% em relação
ao ano de 2006, que foi de 35,06% do PIB. De acordo
com informações dadas pelo Jornal Nacional, veiculado
no dia 27 de março de 2008, o Banco Mundial comparou
empresas de 177 países, e o Brasil é o primeiro da lista
dos países com as maiores burocracias em impostos.
Uma empresa brasileira gasta 2,6 mil horas por ano para
organizar o pagamento de impostos. Uma canadense,
119h. Uma suíça, 63h. Por estes motivos a alta carga tri-
butária, o excesso de burocracia e os juros elevados que
prejudicam o empreendedorismo no Brasil fazem com
que muitos economistas acreditem na urgência de uma
reforma tributária. Segundo o IBPT, em 2007 foram arre-
cadados R$ 2,53 bilhões por dia, contra R$ 2,24 bi diários
em 2006. Por segundo, foram arrecadados R$ 29.275,65
em 2007, contra R$ 25.936,78 em 2006. Cada brasilei-
ro pagou de tributos em média R$ 4.943,15 em 2007
(36,5%), contra R$ 4.379,39 em 2006, representando um
aumento de R$ 563,76 por habitante.
Para o professor da Escola Brasileira de Administra-
ção Pública de Empresas da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), Fernando Rezende, a reforma tributária é mais
do que urgente, é essencial. Já o consultor econômico,
Raul Velloso, acredita que o sistema de impostos sem-
pre tem problemas e precisa ser permanentemente
aperfeiçoado. “Só não sei se as mudanças devem ser
tão ambiciosas como normalmente aparecem nas cha-
madas ‘reformas tributárias’. Acredito mais em mudan-
ças incrementais que vão ajustando o sistema de for-
ma mais viável politicamente, conforme os problemas
sejam detectados”, explica. “O problema de reformas
muito ambiciosas é que, como se tem visto na prática,
acabam morrendo no processo de tramitação, pois os
conflitos de interesse são sempre muito fortes. Basta
tomar dois temas sempre presentes em reformas tri-
butárias: pacto federativo e vinculações de receita, em
que todos se insurgem contra quaisquer mudanças”,
afirma Velloso.
Fernando Rezende também acredita neste clima de
desconfiança entre as partes envolvidas no processo
de reforma tributária, e fala ainda da necessidade de
discutir uma reforma mais abrangente para se cons-
truir um modelo de federalismo fiscal. Assim como o
economista Amir Khair, que sustenta a simplificação
do sistema tributário e principalmente redução da tri-
butação sobre o consumo e ampliá-la sobre a renda e
o patrimônio para tornar o sistema menos regressivo
também são questões prioritárias.
Para muitos não existe um modelo de reforma úni-
co e ideal, aplicável para todas as situações, o que se
deve levar em conta é a característica de cada país e
sua trajetória econômica, explica Fernando Rezende.
“No caso do Brasil, o modelo tributário ideal é aquele
que desonere integralmente os investimentos e impor-
tações. Transfira o ônus da tributação para o consumo e
adote uma maneira mais justa de aumentar a capacida-
de contributiva da sociedade”, disse Rezende.
por Daniela Lima
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Reforma tributária: urgente e necessária
Impostos
“Imposto bom é imposto velho”. Raul Velloso de-
fende essa máxima quando diz que os impostos que
estão aí existem, em geral, por algum motivo relevante.
“A Contribuição sobre o Lucro foi criada para não par-
tilhar entre os membros da federação um adicional do
Imposto de Renda da Pessoa Jurídica que poderia ter
sido criado em seu lugar. Só vale a pena mexer nela
se estiver sendo refeito o pacto federativo. O proble-
ma, nesse caso, é que é muito difícil mexer em pactos
desse tipo, a não ser em momentos de ruptura política”,
explica. Outros impostos, defendidos por Khair, devem
continuar a valer no Brasil, como o Imposto de Renda,
Imposto sobre o Valor Adicionado e Imposto sobre o
Patrimônio, além dos regulatórios: imposto de impor-
tação, exportação e operações financeiras.
Descentralização tributária
Para muitos especialistas, seja ele jurista, economista,
advogado, contador, a descentralização tributária não
dificulta a possibilidade de uma reforma no sistema tri-
butário do País. O professor Fernando Rezende afirma
que a descentralização tributária é o caminho da mo-
dernidade. “Os países avançam no caminho de aumen-
tar o poder de atuação dos governos locais – esses são
os governantes que estão mais próximos do cidadão.
Isso torna a reforma mais complexa, mas não é isso que
a torna mais difícil, e sim a ausência dessa dispensável
desconfiança entre as partes que discutem a reforma
tributária”, diz o economista.
Raul Velloso destaca que governadores e prefeitos vão
sempre resistir às tentativas de recentralizar o sistema de
cobrança de tributos, ainda que, como se dá no caso do
ICMS, a cobrança unificada pela União pudesse resolver
vários problemas, inclusive de eficiência econômica.
“Qualquer reforma tributária envolve conflitos agu-
dos de interesse, pelas perdas e ganhos que enseja. É
por isso que, desde 1988, não se consegue fazer nenhu-
ma reforma de vulto. Seria preciso um outro ponto de
descontinuidade política, capaz de desarmar espíritos
(por bem ou à força), e de viabilizar as mudanças reque-
ridas”, conclui Velloso.
Evolução da carga tributária brasileira em relação ao PIB (atual e antiga metodologia do IBGE)
Arrecadação tributária geral (em R$ milhões)
PIB PIB Tributos Tributos Tributos Total Carga trib./PIB Carga trib./ PIB
ANOMetodologia
anteriorNova
metodologiaFederais Estaduais Municipais Arrecadação Anterior Nova
1996 778.887 843.966 139.484 62.980 10.116 212.580 27,29% 25,19%
1997 870.743 939.147 158.566 69.320 11.305 239.191 27,47% 25,47%
1998 914.188 979.276 181.828 72.070 14.219 268.117 29,33% 27,38%
1999 973.846 1.065.000 210.691 79.154 15.096 304.941 31,64% 28,63%
2000 1.101.255 1.179.482 250.302 95.383 16.011 361.696 32,84% 30,67%
2001 1.198.736 1.302.136 278.599 108.262 16.884 403.745 33,68% 31,01%
2002 1.346.028 1.477.822 341.510 122.234 18.742 482.486 35,84% 32,65%
2003 1.556.182 1.699.948 391.052 139.137 22.990 553.179 35,54% 32,54%
2004 1.766.621 1.941.498 454.313 166.117 29.705 650.135 36,80% 33,49%
2005 1.937.598 2.147.943 514.417 187.873 30.574 732.864 37,82% 34,12%
2006 2.100.946 2.332.936 570.789 211.956 35.193 817.938 38,80% 35,06%
2007 2.558.821 650.997 233.416 38.832 923.924 36,08%
*Diferenças nas somatórias devem-se a arredondamentos.**Novos valores correntes do PIB divulgados pelo IBGE em 28/03/2007.
Fonte: IBPT
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janeiro / março / 2008
Evolução da carga tributária por Presidente da República
Arrecadação tributária geral: em US$ milhões (1986 a 1991)/ R$ milhões (1992 em diante)
Ano PIBTributos federais
% s/ PIB
Tributos estaduais
% s/ PIB
Tributos municipais
% s/ PIB
Total arrecadação
% s/PIB
Crescimentocarga tribut.
ano anterior (%)
1986 337.832 56.386 16,69 17.160 5,08 2.095 0,62 75.641 22,39
1987 360.810 55.048 15,26 16.015 4,44 2.093 0,58 73.156 20,28 - 2,11
1988 371.999 55.542 14,93 16.656 4,48 2.232 0,60 74.430 20,01 -0,27
1989 399.647 58.544 14,65 27.613 6,91 2.398 0,60 88.555 22,16 2,15
1990 398.747 79.352 19,90 36.219 9,08 3.684 0,92 119.255 29,91 7,75
1991 405.679 65.386 16,12 29.686 7,32 4.781 1,18 99.853 24,61 -5,3
1992 355.453 60.437 17,00 26.297 7,40 3.480 0,98 90.214 25,38 0,77
1993 429.968 79.510 18,49 25.398 5,91 2.971 0,69 107.879 25,09 -0,29
1994 477.920 98.199 20,55 34.334 7,18 4.200 0,88 136.733 28,61 3,52
1995 646.192 124.695 19,30 53.139 8,22 9.024 1,40 186.858 28,92 0,31
1996 843.966 139.484 16,53 62.980 7,46 10.116 1,20 212.581 25,19 -3,73
1997 939.147 158.566 16,88 69.320 7,38 11.305 1,20 239.191 25,47 0,28
1998 979.276 181.828 18,57 72.070 7,36 14.219 1,45 268.117 27,38 1,91
1999 1.065.000 210.691 19,78 79.154 7,43 15.096 1,42 304.941 28,63 1,25
2000 1.179.482 250.302 21,22 95.383 8,09 16.011 1,36 361.696 30,67 2,03
2001 1.302.136 278.599 21,40 108.262 8,31 16.884 1,30 403.745 31,01 0,34
2002 1.477.822 341.510 23,11 122.234 8,27 18.742 1,27 482.486 32,65 1,64
2003 1.699.948 391.052 23,00 139.137 8,18 22.990 1,35 553.179 32,54 -0,11
2004 1.941.498 454.313 23,40 166.117 8,56 29.705 1,53 650.135 33,49 0,95
2005 2.147.944 514.417 23,95 187.873 8,75 30.574 1,42 732.864 34,12 0,63
2006 2.332.936 570.789 24,47 211.956 9,09 35.193 1,51 817.938 35,06 0,94
2007 2.558.821 650.997 25,44 233.416 9,12 38.832 1,52 923.924 36,08 1,02 P
Fonte: IBPT
*Diferenças nas somatórias devem-se a arredondamentos** Valores do PIB de 1996 a 2006 revistos pelo IBGE em 28/3/2007.
Governo Sarney: 1985 - 1990
Governo Collor : 1990 - 1992
Governo Itamar: 1992 - 1994
Governo FHC 1: 1995 - 1998
Governo FHC 2: 1999 - 2002
Governo Lula: 2003 - 2007
Curiosidades tributárias
• Pela antiga metodologia de cálculo do PIB (IBGE), a carga tributária estaria em 39,92%;
• Os tributos federais cresceram 0,97 ponto percentual, os estaduais 0,04 p.p. e os municipais 0,01 p.p.;
• Em valores nominais os tributos federais tiveram crescimento de R$ 80,19 bi-lhões, os estaduais R$ 21,47 bi e os municipais R$ 3,63 bi, totalizando um aumen-to de arrecadação de R$ 105,29 bilhões;
• Percentualmente, os tributos federais cresceram 14,05%, os estaduais 10,13% e os municipais 10,32%, sendo que o aumento de arrecadação nominal foi de 12,87%;
• Em valores nominais os tributos que mais tiveram crescimento foram Imposto de Renda, INSS e ICMS;
• Percentualmente, os tributos que mais cresceram foram CSLL, Imposto de Im-portação e IPI;
• Enquanto o PIB “per capita” cresceu 4% em termos reais, cada brasileiro pagou 7,2% a mais de tributos em 2007;
• Se não houvesse aumento da carga tributária em 2007, cada brasileiro teria um acréscimo de renda de R$ 141,00;
Fonte: IBPT
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Evolução da carga tributária por Presidente da República
Arrecadação tributária geral: em US$ milhões (1986 a 1991)/ R$ milhões (1992 em diante)
Ano PIBTributos federais
% s/ PIB
Tributos estaduais
% s/ PIB
Tributos municipais
% s/ PIB
Total arrecadação
% s/PIB
Crescimentocarga tribut.
ano anterior (%)
1986 337.832 56.386 16,69 17.160 5,08 2.095 0,62 75.641 22,39
1987 360.810 55.048 15,26 16.015 4,44 2.093 0,58 73.156 20,28 - 2,11
1988 371.999 55.542 14,93 16.656 4,48 2.232 0,60 74.430 20,01 -0,27
1989 399.647 58.544 14,65 27.613 6,91 2.398 0,60 88.555 22,16 2,15
1990 398.747 79.352 19,90 36.219 9,08 3.684 0,92 119.255 29,91 7,75
1991 405.679 65.386 16,12 29.686 7,32 4.781 1,18 99.853 24,61 -5,3
1992 355.453 60.437 17,00 26.297 7,40 3.480 0,98 90.214 25,38 0,77
1993 429.968 79.510 18,49 25.398 5,91 2.971 0,69 107.879 25,09 -0,29
1994 477.920 98.199 20,55 34.334 7,18 4.200 0,88 136.733 28,61 3,52
1995 646.192 124.695 19,30 53.139 8,22 9.024 1,40 186.858 28,92 0,31
1996 843.966 139.484 16,53 62.980 7,46 10.116 1,20 212.581 25,19 -3,73
1997 939.147 158.566 16,88 69.320 7,38 11.305 1,20 239.191 25,47 0,28
1998 979.276 181.828 18,57 72.070 7,36 14.219 1,45 268.117 27,38 1,91
1999 1.065.000 210.691 19,78 79.154 7,43 15.096 1,42 304.941 28,63 1,25
2000 1.179.482 250.302 21,22 95.383 8,09 16.011 1,36 361.696 30,67 2,03
2001 1.302.136 278.599 21,40 108.262 8,31 16.884 1,30 403.745 31,01 0,34
2002 1.477.822 341.510 23,11 122.234 8,27 18.742 1,27 482.486 32,65 1,64
2003 1.699.948 391.052 23,00 139.137 8,18 22.990 1,35 553.179 32,54 -0,11
2004 1.941.498 454.313 23,40 166.117 8,56 29.705 1,53 650.135 33,49 0,95
2005 2.147.944 514.417 23,95 187.873 8,75 30.574 1,42 732.864 34,12 0,63
2006 2.332.936 570.789 24,47 211.956 9,09 35.193 1,51 817.938 35,06 0,94
2007 2.558.821 650.997 25,44 233.416 9,12 38.832 1,52 923.924 36,08 1,02 P
Fonte: IBPT
*Diferenças nas somatórias devem-se a arredondamentos** Valores do PIB de 1996 a 2006 revistos pelo IBGE em 28/3/2007.
Governo Sarney: 1985 - 1990
Governo Collor : 1990 - 1992
Governo Itamar: 1992 - 1994
Governo FHC 1: 1995 - 1998
Governo FHC 2: 1999 - 2002
Governo Lula: 2003 - 2007
ArtigoA proposta de Emenda Constitucional 233, de 2008
Está no Congresso desde 28 de fevereiro nova pro-
posta do governo de reforma tributária. Ela é resultado
de duas décadas de debate político e técnico acerca
dos problemas do sistema impositivo brasileiro, envol-
vendo União, Estados e municípios.
A última iniciativa de reforma tributária data de 2003
(PEC 41), que, depois de fatiada e aprovados seus dispo-
sitivos inadiáveis, estacionou na forma de duas novas
PEC. A principal, PEC 285/04, que trata preponderan-
temente da unificação e cobrança do Imposto sobre a
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no destino,
não prosperou porque se tornou difícil a aprovação de
um texto eivado de tantas exceções e ressalvas. Dadas
as peculiaridades da distribuição vertical das compe-
tências e receitas tributárias do federalismo brasileiro,
acabam predominando no debate, em lugar de argu-
mentos técnicos, instâncias burocráticas e políticas.
A PEC 233/08 retoma o processo cinco anos mais
tarde. Segundo a argumentação oficial, trata-se da re-
forma possível, para resolver questões que se colocam
no plano constitucional. A PEC incorpora alguns avan-
ços textuais obtidos anteriormente, mas evita constitu-
cionalizar o que pode ser regulado por outros instru-
mentos (leis complementares, e mesmo ordinárias).
Histórico e iniciativas anteriores
Mudança radical na estrutura tributária como a
que houve em 1965 foi possível porque à época o re-
gime político era autoritário. A Constituição de 1988
produziu movimento na direção oposta à ordem an-
terior, descentralizando a receita e aumentando a au-
tonomia legislativa dos Estados e municípios. Mais in-
tensamente a partir de 1992, instalou-se a competição
entre Estados via incentivos tributários e financeiros no
campo do ICMS, pela localização de empreendimentos
privados, a chamada “guerra fiscal”.
De outro lado, a redistribuição, em 1988, das receitas
disponíveis desequilibrou as finanças federais, levando
a União a buscar, nos anos seguintes – em particular
após a queda acentuada da inflação –, financiamento
crescente mediante a criação e sucessivos aumentos
de alíquotas de contribuições (Contribuição para o
Programa de Integração Social/Contribuição para o Fi-
nanciamento da Seguridade Social – PIS/Cofins, Contri-
buição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, Contribui-
ção Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF,
Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
– Combustíveis – CIDE...), quase todas vinculadas à se-
guridade social, não partilhadas com as demais esferas,
indiretas e cumulativas.
Já se reconhecia a necessidade de reforma tribu-
tária na primeira metade da década de 90, mas prati-
camente nada prosperou. Missão de assistência téc-
nica do FMI chefiada pelo diretor do Departamento
de Assuntos Fiscais, em 1992, recomendou mudanças
que influenciaram ou coincidiram com as propostas
de revisão constitucional de 1993; a principal tentativa
seguinte, de iniciativa do Executivo (PEC 175, de 1995,
discutida durante 8 anos); e a PEC 293/04, que resultou
do fatiamento da PEC 41/03, na sua volta do Senado
para a Câmara.
A reforma tributária de 2008José Fernando Cosentino Tavares 29
janeiro / março / 2008
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Vito Tanzi e sua equipe atribuíram prioridade à refor-
ma do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do
ICMS e do Imposto sobre Serviços (ISS), e preconizaram,
para esses três tributos, num primeiro momento, (1) a
transformação do IPI em Imposto sobre o Valor Adicio-
nado (IVA)1 do tipo consumo aplicado à indústria, com
alíquota única, eliminando-se o efeito cascata remanes-
cente, i.e., admitindo-se também créditos financeiros
pela aquisição de bens de capital e bens de uso e con-
sumo do estabelecimento); (2) a criação de impostos
seletivos sobre o consumo (droits d’accise) de tabaco,
bebidas e automóveis, energia, gazes de efeito estufa e,
eventualmente, outros bens de luxo; (3) em relação ao
ICMS, pelas mesmas razões acima, a permissão para o
crédito nas compras de bens para integrar o ativo fixo e
para uso e consumo, e ainda a aplicação do princípio do
destino nas exportações, ressarcindo-se os Estados ex-
portadores-perdedores a partir de um fundo financiado
com ICMS sobre importações cobrado pela União.
Recomendaram ainda que, numa segunda fase da
reforma do ICMS, o ISS e todos os serviços se incorpo-
rariam à base. A mudança nos dois tributos e na articu-
lação entre os Estados seria aprovada pelo Congresso.
Esse novo IVA teria poucas alíquotas, incidentes sobre
categorias de mercadorias e serviços estabelecidos
nacionalmente. A competência tributária dos Estados
se resumiria à fixação de sobretaxas acima do alíquo-
ta-piso nacional das várias categorias. A alíquota inte-
restadual seria a menor das alíquotas e única, implican-
do que as preocupações redistributivas viessem a ser
atendidas por outros instrumentos.
Já a cobrança se faria na origem. A expectativa é de que
as sobretaxas fossem sendo gradualmente eliminadas, e
que o ICMS acabasse se transformando em um IVA nacio-
nal, com alíquotas uniformes. Por fim, o IPI se somaria ao
novo ICMS em um único tributo sobre o valor adicionado,
simplificando o sistema e facilitando a inserção do Brasil
no Mercosul, que começava a se fortalecer à época.
Principais avanços conseguidos
As distorções do ICMS foram o foco das sucessivas
iniciativas de reforma, porque o principal tributo esta-
dual onerava exportações de bens semi-elaborados e
primários e bens de capital. Isso resolveu-se, no caso
das exportações, primeiro com a Lei Complementar 87,
1 Nessa forma de tributação, a cobrança é feita ao longo da cadeia produtiva, deduzindo a cada etapa os valores de tributo já recolhidos em etapas anteriores. Dessa forma, diminui o risco de perda da receita por sonegação na ponta final do varejo, e cada contribuinte tem interesse em fiscalizar a emissão da nota fiscal pelo seu fornecedor, assegurando-se a utilização dos créditos do imposto. Um IVA moderno deve ser neutro, sua carga deve ser repassada para o consumidor, para não gerar distorções econômicas. A neutralidade impositiva é um atributo cada vez mais importante em um mundo interdependente e competitivo. É o contraponto da incidência cumulativa, ou em cascata. Aqui não se sabe quanto paga de tributo o consumidor final, não se consegue desonerar diretamente as exportações, nem o investimento, e o produto importado é favorecido, pois circula menos. O IVA tornou-se a principal forma de tributação do consumo e é comum a países grandes e pequenos. Esse tipo de tributo expandiu-se rapidamente nos últimos cinqüenta anos. Quase desconhecido em 1960, hoje mais de cento e quarenta países já têm o IVA ou similar, entre elas nove das dez principais economias (os Estados Unidos da América são exceção), arrecada globalmente cerca de 20% das receitas tributárias e compõe o cardápio de reformas na maioria dos países em desenvolvimento.
Esse novo IVA teria poucas alíquotas, incidentes sobre categorias de mercadorias
e serviços estabelecidos nacionalmente. A competência
tributária dos Estados se resumiria à fixação
de sobretaxas acima do alíquota-piso nacional das
várias categorias. A alíquota interestadual seria a menor das alíquotas e única, implicando
que as preocupações redistributivas viessem a ser atendidas por outros
instrumentos.
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janeiro / março / 2008
de 1996, e depois com a Emenda Constitucional 42, de
2003, que constitucionalizou a desoneração e o fundo
de compensação correspondente, embora continue
faltando a lei complementar para regulá-lo. A Lei Com-
plementar 87/96 resolveu apenas em parte o caso de
bens de capital, mas as soluções adotadas não foram
consagradas na Constituição, como agora se pretende
com a PEC 233/08, que ainda revoga esse fundo.
Reconheciam-se outros defeitos no sistema tributá-
rio, como a cumulatividade das contribuições, em par-
ticular da Cofins e do PIS/Pasep, onerando as exporta-
ções, e sua não-incidência sobre produtos importados.
Em 2002, por legislação ordinária, o PIS/Pasep tornou-
se não-cumulativo e deixou de incidir sobre receitas
de exportação, e passou a incidir sobre importados. O
mesmo ocorreu com a Cofins um ano depois.
A CPMF, outro elemento de cumulatividade no sis-
tema tributário brasileiro, acabou de ser extinta. Apro-
vada a reforma, o ISS será o único tributo indireto não
-regulatório no sistema a incidir cumulativamente.
Oportunidade da atual reforma
O governo acredita que este é um bom momento
para a aprovação de mudanças no sistema tributário. As
expectativas de crescimento permanecem favoráveis, a
economia está estável, as contas públicas, em ordem, e
os setores produtivos procuram inserção internacional.
Evidências dessa solidez são os recordes sucessivos de
arrecadação federal neste primeiro trimestre, apesar do
fim da CPMF. Crescimento e melhora nos métodos de co-
brança parecem responder pela elasticidade das receitas.
Tudo isso permite supor concessões das partes interessa-
das, em particular da União, mesmo que na PEC as com-
pensações propostas aos Estados ainda sejam acanhadas.
Muito mais precisará ser oferecido por lei complementar.
Eventualmente a reforma não se concretizará em
2008, por ser ano eleitoral e por haver muito a esclarecer
a respeito da PEC. Mas é do interesse mútuo do gover-
no atual e da oposição, ambos com probabilidade igual
de deter o poder de 2011 a 2014, promover a reforma
em 2009. Esse impasse poderá estar superado antes das
eleições majoritárias de 2010, preparando-se o terreno
para pontos percentuais a mais de crescimento futuro.
Conteúdo da proposta e justificativas
Problemas do Sistema Tributário Brasileiro
Há inúmeras razões para reforma, dado que nosso
sistema é complexo e ineficiente. Parte dessa comple-
xidade resulta da autonomia tributária dos governos
subnacionais e da vinculação e critérios de repartição
das receitas previstos na Constituição. A reforma, mes-
mo que não seja completa, parece estar indo na dire-
ção certa: 1) simplificar: são 6 os tributos indiretos so-
bre bens e serviços, em parte cumulativos, e 2 impostos
sobre lucros; 2) desburocratizar: no caso do ICMS, 27
Estados legislam; a vasta legislação tributária brasileira
é alterada com demasiada freqüência. De acordo com
pesquisa de 2008 do Banco Mundial e Pricewaterhouse-
Coopers2, a empresa-padrão brasileira é, dentre 178 pa-
íses pesquisados, a que gasta o maior número de horas
anuais com o cumprimento das obrigações relativas
aos impostos (2.600 horas, em 137º lugar); 3) aumentar
A reforma não se concretizará em 2008 por ser ano
eleitoral e por haver muito a esclarecer a respeito da PEC. Mas é do interesse mútuo do governo atual e da oposição,
ambos com probabilidade igual de deter o poder de 2011 a 2014, promover a
reforma em 2009.
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2 Ver http://www.doingbusiness.org/documents/FullReport/2008/DB08_Full_Report.pdf ou http://www.doingbusiness.org/documents/Paying_Taxes_2008.pdf.
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a formalidade, do que resultaria melhor distribuição da
carga tributária; (4) minimizar as distorções do sistema
(p.ex. cumulatividade), desonerando os investimentos e
as exportações; e (5) substituir a competição tributária
predatória entre Estados, já esgotada como incentivo à
localização dos negócios, por mecanismos apropriados
de desenvolvimento regional.
Como descrito no documento oficial de apresenta-
ção da proposta3, a solução da guerra fiscal está à vista,
mediante a cobrança do ICMS na origem e a destina-
ção da receita preponderantemente para o Estado de
destino da mercadoria ou serviço. Isso se fará sem que
essas mudanças impliquem maior evasão, nem perdas
estaduais sem adequada compensação, nem descon-
trole da carga tributária, pois a implantação da nota fis-
cal eletrônica é condição para a reforma e constará da
Constituição. O funcionamento da nota fiscal eletrônica
tem sido unanimemente bem avaliado.
As armas dessa guerra são benefícios negociados
caso a caso, à margem do organismo que deveria exer-
cer a coordenação do processo (o Conselho de Política
Fazendária – Confaz). As iniciativas isoladas, desarticula-
das, prejudicam a concorrência, pois favorecem uma em-
presa em detrimento de outra e geram insegurança para
os investidores, que não podem antecipar quais condi-
ções virão a ser oferecidas futuramente a um concorren-
te. Mesmo empresas já com incentivos temem não tê-los
renovados, ou perdê-los, ou mesmo ter que ressarcir os
já aproveitados, por conta de decisões judiciais que jul-
guem seus benefícios inconstitucionais. Além disso, cada
vez mais Estados não estão honrando o crédito de ICMS
de mercadorias cujos produtores receberam incentivos
nos Estados de origem (ou seja, se apropriaram de cré-
ditos sem ter havido a cobrança do imposto) ou, sendo
exportadores, recolheram o imposto no outro Estado.
IVA Federal e o IPI
A reforma cria um imposto “sobre operações com
bens e prestações de serviços”, para unificar parte dos
tributos federais que incidem sobre a produção e o
consumo. Vale a comparação com outras denomina-
ções: se valesse a terminologia adotada na União Eu-
ropéia, seria “imposto sobre o volume de negócios” (Di-
rectiva 112/2006), ou sobre “transmissões de bens e as
prestações de serviços” (IVA português).
Esse novo IVA absorverá o PIS, a Cofins e a Cide-
Combustíveis, mas poderá ser mais amplo. Para vender
a idéia e relacionar essa iniciativa com propostas ante-
riores, foi apelidado de Imposto sobre Valor Adicionado
Federal (IVA-F). O novo IVA não abrange o IPI.
Ainda, quanto à amplitude do IVA-F, pela Lei nº
10.833/03, a Cofins “com a incidência não-cumulativa tem
como fato gerador o faturamento mensal, assim entendi-
do o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, in-
dependentemente de sua denominação ou classificação
contábil”, o total das receitas compreende a receita bruta
da venda de bens e serviços nas operações em conta pró-
pria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela
pessoa jurídica”, e a base de cálculo da contribuição é o
valor do faturamento, conforme definido acima.
No caso dos serviços, a PEC considera prestação de
serviço sujeita ao IVA-F toda e qualquer operação que não
constitua circulação ou transmissão de bens. Os serviços
Esse novo IVA absorverá o PIS, a Cofins e a
Cide-Combustíveis, mas poderá ser mais amplo. Para vender a
idéia e relacionar essa iniciativa com propostas anteriores, foi apelidado de Imposto sobre Valor
Adicionado Federal (IVA-F). O novo IVA não
abrange o IPI.
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3 Ver http://www.fazenda.gov.br/portugues/documentos/2008/fevereiro/Cartilha-Reforma-Tributaria.pdf.
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sujeitos ao ICMS estão listados na Constituição, e os ser-
viços sujeitos ao ISS continuam sendo os definidos em lei
complementar. Existe margem para se onerar esses mes-
mos serviços pelo IVA-F. Prestadores de serviços têm ou-
tro problema. Muitos desses contribuintes continuaram
sujeitos ao PIS/Cofins à alíquota cumulativa de 3,65% cal-
culados sobre o faturamento, por ser mais vantajosa. É de
se supor que o IVA-F será cobrado exclusivamente de for-
ma não-cumulativa, aumentando-lhes a carga tributária
e os custos de manter registros de créditos e débitos.
Um aspecto do PIS/Cofins que merece atenção é
a apuração do imposto devido. Débitos e créditos são
calculados mediante aplicação da alíquota sobre, res-
pectivamente, o faturamento e o valor de bens adqui-
ridos e outros custos. Esse método presumivelmente
não deverá prevalecer no IVA-F, pois, segundo a PEC, a
exemplo do ICMS, o imposto integrará sua própria base
de cálculo. O saldo a recolher passará a ser apurado
pelo sistema de débito e crédito de imposto.
A Exposição de Motivos compromete-se com a
completa e imediata desoneração dos investimentos
na regulamentação do IVA-F – hoje os créditos são
apropriados em 24 meses, no âmbito da Cofins – e com
a apropriação de créditos pela compra de bens e servi-
ços que não integram o produto final – o que depende
apenas de lei. A apresentação afirma que não se po-
derá cumprir com o compromisso já em 2009, porque
frustrou-se a arrecadação da CPMF.
No campo federal, o IPI continuará sendo cobrado
separadamente. A não-inclusão do IPI no IVA federal se
justifica de três maneiras: 1) os incentivos à informática
e à Zona Franca de Manaus, para serem contemplados
no IVA, exigiriam multiplicidade de alíquotas; 2) a natu-
reza seletiva do IPI propicia que seja um tributo à par-
te, nos termos da legislação infraconstitucional, e caso
incluído no IVA-F, exigiria alíquotas extremamente ele-
vadas para alguns produtos supérfluos; e 3) o imposto
se presta a instrumentar medidas de política industrial,
caso se venha a adotar tal política.
O novo ICMS
Para eliminar a guerra fiscal, o objetivo da reforma
em relação ao ICMS é o de unificar a legislação e trans-
ferir em sua maior parte a receita da origem (Estado
que produz o bem) para o destino (onde é consumido).
A intenção, tecnicamente correta, de incorporar ao im-
posto os serviços sobre os quais incide o Imposto sobre
Serviços (ISS), não prosperou pela inviabilidade política
de retirar competência dos municípios.
Prevê a PEC que o novo ICMS seja instituído por lei
complementar, em substituição da Lei Complementar
87/96. O novo ICMS será de competência conjunta dos
Estados e do Distrito Federal. A iniciativa da lei caberá
a um terço dos membros do Senado Federal ou a um
terço dos governadores ou das assembléias legislativas,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa
de seus membros, desde que estejam representadas,
nos casos anteriores, todas as regiões do País, e ao Pre-
sidente da República.
No estabelecimento das alíquotas, as atribuições es-
tão compartilhadas entre o Senado Federal e o Confaz,
Um aspecto do PIS/Cofins
que merece atenção é
a apuração do imposto
devido. Débitos e créditos
são calculados mediante
aplicação da alíquota
sobre, respectivamente, o
faturamento e o valor de
bens adquiridos e outros
custos. Esse método
presumivelmente não deverá
prevalecer no IVA-F, pois,
segundo a PEC, a exemplo do
ICMS, o imposto integrará sua
própria base de cálculo.
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supondo-se que o primeiro zelaria para que a carga tri-
butária não fosse aumentada com a possibilidade de
alíquotas exageradas, e o segundo, para que as receitas
estaduais fossem preservadas. Note-se, na descrição
abaixo, a margem para ajustes suplementares com vis-
tas a esses mesmos objetivos.
A alíquota padrão e as demais alíquotas (imaginam-
se 4 ou 5, a partir das que existem hoje e dos debates
anteriores sobre a federalização do ICMS) serão defini-
das por resolução do Senado Federal, de iniciativa de
um terço dos senadores ou de um terço dos governa-
dores, aprovada por três quintos do Senado. Resolução
do Senado, desta vez aprovada pela maioria de seus
membros, enquadrará mercadorias e serviços nas de-
mais alíquotas, podendo apenas aprovar ou rejeitar as
proposições do Confaz. Além disso, quanto às alíquo-
tas: 1) o Confaz poderá reduzi-las e restabelecê-las; 2)
lei estadual poderá aumentar ou reduzir a alíquota de
mercadorias e serviços definidos em lei complementar.
No caso das transações interestaduais, o imposto
poderá ser cobrado na origem, onde é menor o núme-
ro de contribuintes, mas será entregue em sua maior
parte ao Estado de destino. Entendeu-se que parte da
receita deveria caber ao Estado de origem da mercado-
ria ou serviço. O raciocínio subjacente a essa decisão é
de que o Estado onde será feita a cobrança do imposto
merece um incentivo para fiscalizar o tributo. Outro for-
te argumento, menos ortodoxo, é o de que não é justo
que o Estado onde está a infra-estrutura que viabiliza
a produção não participe da receita. A PEC propõe, em
regra geral, que o equivalente a 2% da base de cálcu-
lo do imposto pertença ao Estado de origem, embora
haja pressões para que esse percentual dobre de forma
a atender São Paulo e outros Estados produtores. Admi-
te-se que parcela tão pequena do imposto não habilite
nenhum Estado a manter a guerra fiscal. Ainda assim,
a PEC prevê sanções para o Estado que isoladamente
conceder benefício tributário no âmbito do ICMS.
A transferência da receita da origem para o destino
estará completa ao fim de oito anos (2016, se a PEC for
aprovada este ano), preservado um percentual para o Es-
tado de origem. Esse prazo, aparentemente longo, é o ne-
cessário para que se efetuem os devidos ajustes, pois ha-
verá alteração significativa na distribuição dos recursos
entre os Estados, em que os produtores (p. ex., São Paulo)
perderão receita, e a obrigação da União de providen-
ciar um mecanismo confiável para as devidas compen-
sações. O prazo é igualmente necessário para que não se
quebrem compromissos, nem cessem abruptamente os
favores concedidos ao setor privado no âmbito da guer-
ra fiscal, e menos ainda que a legislação unificada tenha
que acomodar a pluralidade de incentivos concedidos
estadualmente. A perspectiva da rápida extinção dos
benefícios poderia ainda provocar o deslocamento de
investimentos num horizonte relativamente curto.
A desoneração dos investimentos do novo ICMS
estará concluída simultaneamente com transição para
a tributação no destino. Em 2016 (ou em oito anos a
contar da aprovação da reforma), quando a alíquota
interestadual cair para 2%, a apropriação dos créditos
sobre bens de capital será imediata.
As alíquotas interestaduais muito elevadas de hoje
(de 7% ou 12%, conforme o grau de desenvolvimento
do Estado de origem, comparadas com entre 2% e 4%
que agora se discutem) propiciam o acúmulo de crédi-
tos do ICMS da parte de empresas que adquirem insu-
mos e os créditos correspondentes em outros Estados,
A desoneração dos investimentos do novo ICMS estará concluída
simultaneamente com transição para a
tributação no destino. Em 2016 (ou em oito anos a contar da aprovação da reforma), quando a
alíquota interestadual cair para 2%, a apropriação
dos créditos sobre bens de capital será imediata.
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exportadoras (se geram, por conta de vendas para o
mercado interno débitos insuficientes para absorver os
créditos) ou não.
Incorporação da CSLL ao Imposto de Renda da Pessoa
Jurídica
A PEC contempla a incorporação da CSLL ao impos-
to de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), para fins de sim-
plificação, uma vez que ambos têm como mesma base
o lucro. Isso se fará mediante a mera revogação do dis-
positivo constitucional que prevê a citada contribuição.
De interessante, há o ajuste relacionado com a possibi-
lidade de cobrança de adicionais do IRPJ diferenciados
por setor econômico, estendendo-se ao imposto sobre
o lucro, o que já é permitido para a CSLL, pela Constitui-
ção, desde 1998.
Desoneração da Folha de Pagamentos
Outro ponto da proposta governamental diz respei-
to à desoneração da folha de pagamento. As finalidades
são conhecidas: reduzir a informalidade do mercado de
trabalho, desonerar as exportações de um tributo que
não pode ser compensado e estimular setores intensi-
vos em mão-de-obra.
A PEC acaba com a alíquota de 2,5% do salário-edu-
cação e recupera essa receita mediante ajuste, a ser cal-
culado, na alíquota do IVA-F. Anunciou-se o propósito de,
em um segundo momento, reduzir de 20% para 14% a
contribuição patronal para a Previdência Social. Combina-
damente, representarão desoneração equivalente a 8,5%
da folha de salários, ao fim de desonerações gradativas.
A redução da contribuição patronal não pode cons-
tar desta proposta porque alguns temeram que escas-
seassem os meios de financiamento da seguridade. Ali-
ás, esse argumento equivocado valeria com a mesma
força para a integração da Cofins ao IVA-F e da CSLL
ao imposto de renda. Um outro fator a considerar, que
não reforça os argumentos sindicalistas, nem deve ser
impeditivo da desoneração pretendida, é que se perde
definitivamente de vista qualquer noção de déficit da
Previdência, já hoje tão controverso.
No caso da alíquota da contribuição previdenciária,
a PEC determina o encaminhamento, pelo Executivo, no
prazo de 90 dias da aprovação da reforma, de projeto
de lei determinando a redução e as medidas “para com-
pensar este impacto” (sobre o déficit da Previdência).
Essa compensação não poderá se viabilizar na forma de
vinculação do conjunto de receitas que formam a nova
“base ampla” (IR+IPI+IVA-F), pois a reforma já terá estabe-
lecido o percentual dela destinado à seguridade social.
As novas vinculações e repartições de receitas
Com a criação do IVA federal, tributo do orçamento
fiscal, a PEC traz duas importantes alterações no qua-
dro das vinculações e das partilhas constitucionais de
receitas.
A próxima tabela procura combinar e resumir os
dados contidos na apresentação do Ministério da Fa-
zenda.
A PEC elimina algumas contribuições extremamen-
te rentáveis (Cofins, sobre o faturamento, e a CSLL, sobre
A PEC acaba com a alíquota de 2,5% do salário-
educação e recupera essa receita mediante ajuste, a ser calculado, na alíquota do IVA-F. Anunciou-se o
propósito de, em um segundo momento, reduzir de 20% para 14% a contribuição
patronal para a Previdência Social. Combinadamente,
representarão desoneração equivalente a 8,5% da
folha de salários, ao fim de desonerações gradativas.
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o lucro das empresas) e suas vinculações a despesas da
seguridade social. Esta mudança extingue o orçamento
da seguridade social tal como se conhece desde 1988.
Além disso, subverte a noção de que o orçamento da
seguridade social é superavitário. Por essa mesma ra-
zão, passa a ser dispensável o artifício da desvinculação
de receitas da União (DRU) para o propósito de evitar
que o orçamento da seguridade social não financie o
orçamento fiscal.
A PEC foi elaborada de maneira a manter, grosso
modo, tendo por referência a arrecadação realizada em
2006, os mesmos volumes de recursos dos programas
de governo a que são destinados, total ou parcialmen-
te, tributos federais que passam a integrar o IVA-F e o
novo IRPJ. Nada impede que esses dados sejam revistos
à luz do desempenho da arrecadação de 2007 e 2008.
A EC 56/07 manteve nas disposições constitucionais
transitórias a DRU, de 20% dos impostos, contribuições
sociais e de intervenção no domínio econômico, sem
afetar a repartição com Estados e municípios. As novas
vinculações foram calculadas depois da desvinculação.
Metodologicamente, da base ampla (IR+IPI+IVA-F),
são estabelecidos percentuais destinados à seguridade
social (38,8%), para reproduzir o montante da Cofins e
da CSLL incorporados, respectivamente, ao IVA-F e ao
novo IRPJ; percentual destinado ao Fundo de Amparo
ao Trabalhador (FAT) e ao BNDES (6,7%), para repro-
duzir o montante do PIS; percentual destinado à infra-
estrutura de transportes e meio ambiente (2,5%), para
reproduzir o montante da CIDE-Combustíveis (antes da
partilha com Estados e municípios); e o percentual des-
tinado à educação (2,3%), para reproduzir o montante
do salário-educação.
Deduzidos esses montantes, o saldo de recursos
compõe a base da partilha federativa, que se distribui
entre fundos. São preservados em milhões de reais de
2006 os fundos de participação de Estados e municí-
pios, mas os fundos de exportação e os fundos consti-
tucionais desaparecem, dando lugar, com valor global
ligeiramente maior, ao Fundo Nacional de Desenvolvi-
mento Regional (FNDR) e ao Fundo de Equalização de
Receitas (FER). O funcionamento desses fundos será
disciplinado por lei complementar, atendidas algumas
condições expressas na Constituição.
tabela cosentino
Receita Federal e Partilha Federativa. Simulação 2006 (R$ bilhões)
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A apresentação da PEC chama atenção para o fato
de que, embora no curto prazo não se alterem substan-
cialmente os valores dos fundos de participação dos
Estados e dos municípios, a partilha federativa passa
a ser definida em proporção de uma base ampla que
inclui o produto da arrecadação de contribuições so-
ciais que não são atualmente partilhadas com Estados
e municípios.
Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional
Ao FNDR caberá 4,8% da receita da base da partilha
federativa. Para o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste
irão ao menos 95% dos recursos, a partir do sexto ano.
Outros 5% poderão ser destinados a outras áreas me-
nos desenvolvidas do País. No mínimo 60% serão, de
acordo com a PEC, destinados a programas de finan-
ciamento do setor produtivo das regiões por meio de
suas instituições financeiras regionais. Parte dos recur-
sos do FNDR poderá ser aplicada em desenvolvimento
regional diretamente pelo orçamento federal, outra
parte será transferida a fundos de desenvolvimento
dos Estados e DF para aplicação em gastos diretos de
investimentos de infra-estrutura e incentivos ao setor
produtivo.
A tabela mostra que o FNDR excede os fundos cons-
titucionais em quase 60%, em parte explicado pelo fato
de incluir os valores destinados no orçamento fede-
ral aos fundos de desenvolvimento do Nordeste e da
Amazônia (FDA e FDNE). Entretanto, o FNDR supera a
soma desses fundos.
Fundo de equalização de receitas
Ao FER caberá 1,8% da base da partilha federativa,
sendo 75% de seus recursos distribuídos em aos Esta-
dos e 25% aos Municípios. Esse fundo equivale aos 10%
do IPI atualmente destinados ao FPEx que, na falta da
lei complementar que regule o funcionamento do FER,
continuarão sendo repartidos entre os Estados e o DF
nos moldes atuais (participação dos Estados nas expor-
tações). As disposições transitórias da PEC, em seu art.
5º, abrem espaço para que lei complementar defina
montante adicional de recursos a serem destinados ao
FER e estipule a respectiva fonte.
Críticas mais freqüentes
A PEC despertou críticas importantes, que provavel-
mente acompanharão sua tramitação.
Avalia-se, em nove, o número de leis complementa-
res e ordinárias que se seguiriam à aprovação da PEC,
dando sentido à proposta de reforma. Em dois casos ao
menos o Executivo comprometeu-se a antecipar minu-
tas da legislação infraconstitucional, para incentivar o
debate e tranqüilizar os interessados nos casos citados,
ao tratarmos adiante da carga tributária e do FER.
Descaracterização do orçamento da seguridade social
Houve inúmeras manifestações de preocupação
com as perdas das fontes exclusivas do orçamento da
seguridade social. Em contraposição, o governo diz
atender a críticas ao fato de a União manipular alíquo-
tas de tributos que não são partilhados, em detrimen-
to das esferas subnacionais. Admite o governo que a
agregação do PIS/Cofins ao IVA poderia ser feito por lei
Parte dos recursos do FNDR poderá ser aplicada
em desenvolvimento regional diretamente
pelo orçamento federal, outra parte será
transferida a fundos de desenvolvimento
dos Estados e DF para aplicação em gastos
diretos de investimentos de infra-estrutura e incentivos ao setor
produtivo.
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ordinária. Foi inscrito na Constituição expressamente
para redefinir o atual mecanismo de financiamento da
seguridade social. Outra intenção foi a de eliminar inci-
dências sobre mesma base (lucro, faturamento ...).
Regressividade do sistema tributário
À esquerda do campo político, a reclamação é pela ausência de medidas que reduzam a regres-sividade do sistema tributário, em particular da tri-butação indireta, e de medidas que implementem plenamente os impostos sobre o patrimônio, inclu-sive o imposto sobre as grandes fortunas, e tornem progressivos os demais. Defendem também maior progressividade do imposto de renda das pessoas físicas, ainda que essa decisão caiba em legisla-ção ordinária. Segundo essas manifestações, não se prioriza o que deveria ser o principal objetivo da reforma: justiça fiscal. De fato, a proposta do go-verno caracteriza-se exatamente por pretender a neutralidade. Todo o rearranjo de receitas federais
e respectivas vinculações baseiam-se no desempe-nho da arrecadação em 2006.
Falta de transparência
É crescente o interesse dos contribuintes, de em-
presários e de parlamentares (há projetos de lei trami-
tando no Congresso, para que essa informação se torne
disponível) em ver estampado na embalagem do pro-
duto ou na nota fiscal do consumidor o conteúdo de
impostos no preço pago na transação. A PEC vai na con-
tramão dessa tendência, pois, além de não haver qual-
quer dispositivo no sentido de atender ao princípio da
transparência tributária – que os “consumidores sejam
esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre
mercadorias e serviços” (art. 150, § 5º, da Constituição),
prevê-se que, a exemplo do ICMS, o IVA-F seja cobrado
por dentro. Esse procedimento oculta o imposto pago
pelo comprador e a alíquota efetiva. Quando se cobra
25% por dentro, a incidência efetiva é de 33,3% sobre o
preço líquido de imposto.
Carga tributária
O aumento da carga tributária a que assistimos em
vinte anos foi expressivo (era de 20% do PIB em 1988,
25% em 1992, chegou a 34% do PIB em 2006, possi-
velmente a 35% do PIB em 2007). Países da dimensão
econômica do Brasil ostentam cargas menores; cargas
iguais à brasileira caracterizam sociedades em que o
Estado provê serviços adequados e ampla cobertura
assistencial. A crítica é de que a PEC não previu meca-
nismos para reduzir globalmente o peso dos impostos,
o que, aliás, não é propósito da proposta de reforma.
O Executivo reconhece que mudanças na sistemáti-
ca de cobrança de tributos têm redundado em aumen-
to da carga tributária, como no caso do fim da cumula-
tividade do PIS e da Cofins.
As primeiras manifestações do setor produtivo em
relação à reforma tributária foram no sentido de exigir
que as alíquotas do novo ICMS sejam discutidas em
paralelo. Os Estados com saldo negativo na balança
comercial interestadual, importadores líquidos, serão
beneficiados pelo aumento de sua receita, com nova
repartição a favor da jurisdição do consumidor. Os
Países da dimensão econômica do Brasil
ostentam cargas menores; cargas iguais à brasileira caracterizam sociedades em que o Estado provê
serviços adequados e ampla cobertura assistencial. A
crítica é de que a PEC não previu mecanismos para
reduzir globalmente o peso dos impostos, o que, aliás,
não é propósito da proposta de reforma.
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exportadores líquidos perderão e deverão se compen-
sar para o que pode ser necessário o aumento da carga
tributária.
A PEC admite que lei complementar estabeleça li-
mites para a carga tributária relativa apenas aos tribu-
tos que estão sendo alterados (IVA-F, imposto de ren-
da e ICMS), que os críticos gostariam de discutir junto
com a proposta. O Executivo comprometeu-se apenas
a enviar o projeto que visa evitar a elevação da carga
tributária nesse caso. O texto fixaria um limite de cresci-
mento real da receita para o ano da implementação da
mudança, comparativamente à arrecadação dos tribu-
tos substituídos no último exercício em que estiveram
em vigor.
Os demais impostos e contribuições federais que
ficam inalterados são menos rentáveis e majoritaria-
mente têm função regulatória.
Alíquota elevada
Alguns comentaristas, impressionados por debates
do tempo em que se previa a incorporação do IPI, do
ISS e até mesmo da contribuição previdenciária em um
novo IVA, retomaram a antiga questão da magnitude
excessiva da alíquota que seria necessária para gerar o
mesmo volume de receitas, assinalando que consistirá
em estímulo à evasão.
Enquanto se tratar apenas da soma de PIS/Cofins,
CIDE-Combustíveis e contribuição para o salário-educa-
ção, os dados de 2006, tais como apresentados oficial-
mente, e a regra de 3 mostram que, supondo-se alíquota
efetiva nominal do PIS/Cofins de 9,25% (deve ser menor,
pois parte dos contribuintes preferiu manter-se no siste-
ma cumulativo), serão suficientes 10,5% de IVA-F. No caso
do IRPJ, a alíquota nominal passaria de 25% para 34%,
sem contar as sobretaxas que a Constituição autoriza.
Equalização de receitas
Ponto polêmico da reforma continua sendo a com-
pensação das perdas causadas pela transferência da
cobrança do ICMS da origem para o destino, no caso
de operações interestaduais. Isso acarreta fortes perdas
aos Estados exportadores líquidos, como São Paulo,
Amazonas e outros do Sul e do Sudeste.
A crítica se faz à insuficiência dos recursos do FER,
equivalentes a 1,8% da base de partilha federativa. De
outro lado, quanto aos critérios de distribuição des-
ses parcos recursos, tanto parlamentares de oposição
quanto economistas do setor público, argumentam
que já houve experiências malsucedidas com fundos
de compensação de impostos, como a Lei Kandir.
Parece evidente que o Executivo toma posição de
barganha, uma vez que não somou ao FPEx nem ao
menos a dotação do orçamento da União executada
em 2006, transferida a título de Lei Kandir e de com-
pensação do ICMS a Estados por exportações. Uma
possível justificativa disso é a convicção do governo
que exportações devem ser desoneradas de qualquer
imposto, por princípio, sem que caiba aos Estados re-
compensa. Na PEC, fica extinto o FPEx.
Como agravante, as reivindicações dos Estados são
substanciais. São Paulo referiu-se, na voz de seu Secre-
tário de Fazenda, o ressarcimento da ordem de R$ 16
bilhões, no caso da aprovação da reforma, Minas Gerais,
de R$ 4 bilhões, e o Espírito Santo, de 20% a 25% de sua
arrecadação do ICMS. Reclamam as autoridades esta-
duais que a PEC visa constitucionalizar as perdas para
os Estados, notadamente dos Estados superavitários na
balança comercial interestadual, mas não constitucio-
naliza os mecanismos compensatórios.
O segundo projeto de lei complementar a ser divul-
gado por antecipação pelo Executivo, atendendo aos
diversos pleitos, é, portanto, o que vai definir as fontes
de recursos e o funcionamento do FER, para além da
vinculação constitucional.
José Fernando Cosentino TavaresEconomista e Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados
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Artigo
1. Introdução
A imprensa noticiou com grande destaque, há pou-
cas semanas, os inúmeros problemas que marcaram a
cobrança do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial
e Territorial Urbana)1, no Distrito Federal, neste ano de
2008. Em função de erros identificados nos carnês emi-
tidos, milhares de contribuintes tiveram de procurar as
agências da Secretaria de Fazenda para reclamar dos
valores lançados, principalmente da aplicação de rea-
justes superiores ao limite máximo de 16,58%, que foi
autorizado pela Câmara Legislativa por meio da Lei n°
4.072/08.
Após certa indefinição de como enfrentar a ques-
tão, o governo finalmente decidiu encaminhar um
novo projeto de lei à Câmara Legislativa explicitando
que nenhum contribuinte sofreria reajuste superior ao
limite fixado legalmente, exceto nas hipóteses em que
houvesse alteração na destinação do imóvel ou am-
pliação da área construída. Além disso, o projeto de lei
resgatou o desconto de 5% para aqueles contribuintes
que efetuarem o pagamento do tributo em cota única.
Esse desconto tinha sido aprovado pelos deputados,
mas foi vetado pelo governador.
É importante registrar, no entanto, que a aprovação
do mencionado projeto de lei, mesmo resolvendo os pro-
blemas pontuais que foram identificados, nem de longe
corrige as graves e inaceitáveis distorções que ocorrem
na administração do IPTU, no Distrito Federal, e que vêm
contribuindo para transformá-lo em um tributo extrema-
mente regressivo e injusto, que incide com maior intensi-
dade sobre as famílias de menor nível de renda, residen-
tes em imóveis de menor valor de mercado.
Este artigo pretende fazer uma breve discussão
das principais questões que afetam a administração
do IPTU e de suas implicações sobre a incidência do
imposto entre os diferentes grupos de contribuintes.
Além disso, pretende sugerir que o Distrito Federal não
tem aproveitado corretamente todo o potencial do
IPTU como fonte de receita para o financiamento de
importantes políticas públicas, como, por exemplo, a
erradicação do trabalho infantil, o acesso à educação
infantil para todas as crianças com idade inferior a seis
anos e a melhoria da qualidade do atendimento nos
hospitais da rede pública de saúde. Tais políticas, com
certeza, contribuiriam para reduzir as enormes desi-
gualdades características da distribuição de renda no
Distrito Federal.
O IPTU no Distrito Federal: um tributo que precisa ser melhor administrado
Paulo Luiz Figueirêdo de Oliveira
1 O IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana é um tributo de competência municipal, de acordo com o art. 156, I, da Constituição Federal. O imposto tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel, por natureza ou por acessão física, nos termos definidos na lei civil, localizado em área urbana.
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janeiro / março / 2008
O presente artigo, que se baseou em parte nas idéias
principais contidas na dissertação de mestrado2 apre-
sentada pelo autor ao Departamento de Economia da
Universidade, em 1991, está assim estruturado: a Seção 2
discute brevemente as vantagens e desvantagens atribu-
ídas ao IPTU como fonte de financiamento para governos
municipais; a Seção 3 discute as distorções que caracteri-
zam a aplicação do IPTU no Distrito Federal, apontando
as diferenças em relação a outras cidades e também que
os problemas observados na administração do IPTU vêm
contribuindo para transformá-lo em um imposto injusto
e ineficiente; A Seção 4 discorre sobre a falta que o IPTU
faz no financiamento de políticas públicas de inclusão
social, que, muitas vezes deixam de ser executadas, se-
gundo a justificativa oficial, por falta de recursos. A Seção
5 apresenta as conclusões do trabalho.
2. O IPTU como fonte de receita municipal
2.1 As vantagens do IPTU
A literatura especializada em finanças públicas tradi-
cionalmente faz referência à tributação da propriedade
urbana como uma importante fonte de financiamento
para os governos locais (VARSANO, 19773; MUSGRAVE4,
1980; LONGO5, 1987). Isso ocorre porque essa forma de
tributação apresenta algumas vantagens quando com-
parada a outros tipos de impostos. A primeira delas seria
a minimização da possibilidade de guerra fiscal entre os
municípios como ocorre, por exemplo, com o ISS – Im-
posto sobre Serviços, em que, muitas vezes, a alíquota do
tributo é reduzida com o objetivo de atrair contribuintes
e assegurar o recolhimento do imposto em determinada
localidade. No caso do IPTU, como os imóveis, fato gera-
dor do tributo, estão fisicamente localizados dentro dos
limites geográficos de um dado município, a rigor, não
existe a possibilidade de competição pela receita dele de-
corrente.
Uma segunda vantagem associada ao IPTU diz res-
peito à imobilidade de sua base tributária e à facilidade
de identificação de seu proprietário, o que, em tese, de-
veria contribuir para facilitar a exigência do pagamento
do tributo. Não é possível, por exemplo, ao contribuin-
te querer eximir-se do pagamento do tributo transfe-
rindo-se para outro município ou omitindo do Fisco a
ocorrência do fato gerador.
Deve ser mencionada, ainda, a relativa estabilidade
que essa fonte de tributação oferece aos municípios na
medida em que, em geral, as flutuações econômicas de
2 O Iptu no Distrito Federal: Uma Análise Sob O Ponto de Vista da Ineqüidade Administrativa. Brasília, 1991, MIMEO.
3 VARSANO, Ricardo. O Imposto Predial e Territorial Urbano. Pesquisa e Planejamento Econômico, v.7, n. 3, p. 581-622, 1977.
4 MUSGRAVE,R.; Musgrave, P. Finanças Públicas: Teoria e Prática. Ed. Campus, USP, Rio/S
5 LONGO, Carlos A. A Distribuição dos Gastos e Receitas Públicas entre Níveis de Governo: um enfoque econômico, Revista de Finanças Públicas, n. 369, p. 16-29,1987.
Uma vantagem associada ao IPTU diz respeito à
imobilidade de sua base tributária e à facilidade de identificação de seu proprietário, o que, em tese, deveria contribuir
para facilitar a exigência do pagamento do tributo. Não é possível ao contribuinte
querer eximir-se do pagamento do tributo
transferindo-se para outro município ou omitindo do
Fisco a ocorrência do fato gerador.
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curto prazo afetam menos os preços dos imóveis quando
comparados aos preços de outros ativos. Em tese, isso de-
veria assegurar aos municípios maior estabilidade no flu-
xo de suas receitas e maior capacidade de planejamento
de seus gastos visando ao equilíbrio das contas públicas.
Em que pese as vantagens apontadas, normalmen-
te atribuídas ao IPTU, estudos recentes (CARVALHO
Jr6.,2006; SIMONETTI7, 2007) , entretanto, parecem re-
forçar o entendimento de que a experiência brasi-
leira com esse tributo, como fonte de recursos para o
financiamento dos gastos municipais, tem sido pouco
satisfatória. A próxima seção apontará alguns dos fato-
res responsáveis pela baixa produtividade do IPTU em
quase todos os municípios brasileiros.
2.2 As desvantagens do IPTU
A principal explicação apresentada por diversos es-
tudiosos (VARSANO, 1977; SILVA8, 1983; GUEDES9, 1979)
para a baixa produtividade do IPTU, e que tem sido
apontada como a maior dificuldade desse imposto, é
a complexa estrutura requerida para a sua adequada
administração. Isso ocorreria porque essa forma de tri-
buto exige a implantação e alimentação de um amplo
cadastro imobiliário, que deve contar com informações
sempre atualizadas a respeito de todos os imóveis situ-
ados na zona urbana do município.
A experiência brasileira, no entanto, tem demonstra-
do que a maioria dos municípios não dispõe dos recur-
sos materiais, humanos e financeiros necessários para a
implantação e permanente atualização de tal cadastro.
Com isso ficam impossibilitados de definir a planta ge-
nérica de valores imobiliários, ou seja, fixar o valor de
cada imóvel para fins de lançamento e arrecadação do
tributo a que fariam jus legalmente. Muitos municípios
desconhecem não apenas o valor de mercado de cada
um desses imóveis, como também quantos são, que
destinação têm e onde estão localizados.
Diante das dificuldades encontradas para manuten-
ção dos cadastros imobiliários devidamente atualiza-
dos, muitos municípios decidem apenas corrigir, pelos
índices de inflação disponíveis, anualmente, os valores
dos imóveis registrados em seus territórios. Tal procedi-
mento, a par de reduzir a base de cálculo potencial do
tributo, pois, em geral, a valorização dos imóveis supe-
ra os percentuais da inflação acumulados no período
considerado, introduz graves distorções na distribuição
da carga tributária entre os diferentes grupos de con-
tribuintes na medida em que nem todos os imóveis se
valorizam na mesma proporção. Esse procedimento,
portanto, pode afetar fortemente o grau de ineqüidade
inerente ao tributo10.
6 CARVALHO Jr., Pedro Humberto Bruno de. “IPTU no Brasil: progressividade, arrecadação e aspectos extrafiscais”, (Texto para Discussão n° 1251). Brasília: IPEA, 2006.
7 SIMONETTI, Eliana. “Imposto Concreto”. Desafios do Desenvolvimento, Ano 4, n. 32, p. 39-45, 2007.
8 SILVA, Fernando A. Rezende. Finanças Públicas. São Paulo: Ed.Atlas, 1983.
9 GUEDES, José Rildo M. IPTU – A Ineficácia de um Imposto. Revista de Administração Municipal, v. 26, n. 152, p. 22-39 , 1979.
10 Segundo alguns autores, o IPTU apresentaria uma característica intrínseca de ineqüidade por ser calculado sobre o valor venal do imóvel sem levar em consideração o nível de renda do contribuinte.
A principal explicação apresentada por diversos estudiosos para a baixa
produtividade do IPTU, e que tem sido apontada
como a maior dificuldade desse imposto, é a complexa
estrutura requerida para a sua adequada administração. Isso
ocorreria porque essa forma de tributo exige a implantação
e alimentação de um amplo cadastro imobiliário.
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Além da complexa administração, outro fator que
contribui para a baixa produtividade do IPTU refere-se
ao ônus político que a correta e rigorosa exigência do tri-
buto impõe aos administradores municipais. O medo da
impopularidade e do desgaste perante a opinião pública
faz com que, muitas vezes, sejam aprovadas plantas gené-
ricas de valores, para fins de lançamento do IPTU, que não
refletem os verdadeiros valores de mercado dos imóveis.
Com isso, há uma tendência natural para que os valores
venais registrados no cadastro imobiliário passem a apre-
sentar uma crescente defasagem em relação aos verda-
deiros valores de mercado dos imóveis, fazendo com que
gradativamente seja minada a produtividade do tributo.
Um estudo recente (SIMONETTI, 2007) mostrou, no
entanto, que os municípios que decidem investir na
atualização de seus respectivos cadastros imobiliários
conseguem obter expressivos aumentos na arrecada-
ção do tributo, chegando, em alguns casos, a mais do
que duplicar a arrecadação do IPTU. Com o objetivo de
estimular os municípios a investirem na atualização de
seus cadastros, o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) e o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) criaram programas específi-
cos para proporcionar apoio técnico e financeiro aos mu-
nicípios, principalmente aqueles com população de até
20 mil habitantes, visando permitir-lhes fazer a correta
administração do imposto. Parece claro, portanto, que, se
houver vontade política por parte dos administradores e
a determinação de promover os investimentos necessá-
rios visando à adequada implantação ou atualização dos
cadastros imobiliários, o IPTU pode funcionar como uma
importante fonte de recursos para o financiamento dos
gastos públicos.
3. O IPTU no Distrito Federal
Antes de examinar a evolução do IPTU como fonte de
receita no Distrito Federal, convém apontar algumas ca-
racterísticas que diferenciam a administração do tributo,
no Distrito Federal11, quando comparada à de outros mu-
nicípios brasileiros. Uma primeira diferença importante
refere-se aos tipos de alíquotas adotados, que são unifor-
mes, ao contrário do que ocorre em muitos outros municí-
pios, onde prevalecem alíquotas diferenciadas não apenas
em relação ao valor de mercado do imóvel, mas também
em relação à localização ou ao tamanho do imóvel.
De forma simplificada, as alíquotas vigentes no Dis-
trito Federal são as seguintes:
• 0,3% para imóveis de natureza residencial;
• 1,0% para imóveis edificados de natureza não-
residencial;
• 3,0% para imóveis não edificados.
Isso significa que a cobrança do IPTU no Distrito Fe-
deral, em tese, é proporcional, variando o montante do
imposto pago apenas em função do valor de mercado
do imóvel.
Outro fator que contribui para a baixa produtividade do IPTU refere-se ao ônus político que a correta e rigorosa exigência
do tributo impõe aos administradores municipais.
O medo da impopularidade e do desgaste perante a opinião
pública faz com que, muitas vezes, sejam aprovadas
plantas genéricas de valores, para fins de lançamento
do IPTU, que não refletem os verdadeiros valores de
mercado dos imóveis.
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11 O Distrito Federal, por não ser dividido em municípios, acumula a competência para instituir os tributos que a Constituição Federal atribui a esses níveis de governo, sendo considerado como município para esse fim.
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Os dados disponíveis, no entanto, parecem eviden-
ciar que, na prática, tal proporcionalidade está deixan-
do de existir e que, em muitos casos, têm prevalecido
alíquotas efetivas12 decrescentes de acordo com o valor
de mercado do imóvel. De fato, como se pode observar
pela análise da Tabela I13, as alíquotas efetivas do IPTU
para os imóveis localizados no Lago Sul, cuja população
tem o maior nível de renda per capita do Distrito Fede-
ral, variam entre 0,09% e 0,15%; portanto, muito aquém
da alíquota nominal prevista para imóveis residenciais,
que é 0,30%. Dos seis imóveis do Lago Sul, incluídos
na amostragem, sobre dois deles, que têm os maiores
valores de mercado (R$ 3.500.000,00 e R$ 4.900.000,00,
respectivamente) incidirão as menores alíquotas efeti-
vas, estimada em 0,09%. A alíquota efetiva média para
os imóveis do Lago Sul foi estimada em apenas 0,12%,
inferior, portanto, à media obtida para o conjunto dos
imóveis pesquisados, que ficou em 0,16% . Isso significa
que, em tese, os proprietários de imóveis residenciais
localizados no Lago Sul estão pagando apenas 30% do
valor do IPTU efetivamente devido.
Por outro lado, nas demais regiões administrativas
consideradas, a alíquota efetiva média foi estimada em
0,19%, que corresponde a 63,33% da alíquota correta.
Como se vê, isso significa que a alíquota efetiva para
esses imóveis é mais do que o dobro daquela incidente
sobre os imóveis do Lago Sul. Para essas regiões admi-
nistrativas, a alíquota efetiva mais baixa (0,11%) encon-
trada foi para um imóvel localizado no Condomínio
Del Lago, no Paranoá, enquanto que a alíquota efetiva
mais alta incidiu sobre um imóvel situado no Setor Les-
te, no Gama, que atingiu 0,34. Nesse último caso, salvo
algum engano ou erro nas informações obtidas, estaria
ocorrendo uma grave e flagrante injustiça na cobrança
do tributo, pois o valor estimado para o IPTU superou
aquele efetivamente devido.
Como a Tabela II mostra também, o Lago Sul, que apre-
senta alíquota efetiva média de 0,12, tem não apenas a
renda per capita mais elevada do Distrito Federal, mas tem
também o maior valor para o IDH e o menor percentual de
famílias com renda entre 2 e 5 salários mínimos. Por outro
lado, Ceilândia, que tem o terceiro menor nível de renda
per capita; o segundo mais baixo nível de IDH (0,784) e o
maior percentual (35,6) de domicílios com renda entre 2 e
5 salários mínimos, apresenta uma alíquota efetiva média
de 0,20% para o IPTU. Esses dados evidenciam de forma
contundente a grave distorção que está ocorrendo na ad-
ministração do IPTU no Distrito Federal.
A título de ilustração, vale ressaltar que um estudo
recente do Ipea (Carvalho Jr., 2006) mostrou que as des-
pesas com o pagamento do IPTU comprometem 3,86%
da renda mensal das famílias que ganham entre 2 e 5
salários mínimos, ao mesmo tempo em que absorvem
apenas 0,47% da renda das famílias que ganham mais
de 60 salários mínimos por mês.
12 Considerou-se como alíquota efetiva o produto da alíquota nominal para imóveis residencial (0,3%) pela razão entre o valor fiscal e o valor de mercado do imóvel considerado.
13 Tabela elaborada com base em informações extraídas de anúncios, selecionados aleatoriamente, de classificados e sites de imobiliárias para venda de casas.
A alíquota efetiva média para os imóveis do Lago
Sul foi estimada em apenas 0,12%, inferior, portanto,
à media obtida para o conjunto dos imóveis
pesquisados, que ficou em 0,16% . Isso significa que, em tese, os proprietários de imóveis residenciais localizados no Lago Sul estão pagando apenas 30% do valor do IPTU efetivamente devido.
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Certamente, as distorções apontadas na cobrança do
IPTU contribuem de forma significativa para transformar
Brasília na cidade que apresenta o maior nível de con-
centração de renda no Brasil, conforme mostraram pes-
quisas divulgadas há pouco tempo. Vale mencionar que
o IPTU, por ser um tributo que incide sobre o patrimônio,
deveria ter um caráter progressivo e ser usado como um
importante instrumento na redução das desigualdades
sociais e de distribuição da renda, conforme preconiza-
do pelos estudiosos de finanças públicas. Isso serviria
exatamente para neutralizar a forte incidência dos tribu-
tos indiretos do tipo ICMS e ISS, que, por serem cobrados
sobre os bens e serviços adquiridos diariamente, que
atingem mais diretamente as famílias mais pobres, por
destinarem uma parcela maior ou quase a totalidade de
suas ao consumo de tais bens e serviços.
No caso específico do IPTU, no Distrito Federal, a
injustiça observada na aplicação do imposto, parece
decorrer principalmente dos erros cometidos no pro-
cesso de avaliação dos imóveis no momento de definir
os seus valores para fins de cobrança do tributo. Isso
aconteceria porque a administração tributária tem uma
tendência a superavaliar o valor fiscal dos imóveis mais
baratos, fixando-o, em geral, muito próximo daquele
que seria o seu real valor de mercado. Comportamento
inverso ocorreria, entretanto, em relação aos imóveis
considerados de luxo ou de alto luxo, cujos valores fis-
cais tenderiam a ser, sistematicamente, estabelecidos
bem abaixo de seus verdadeiros valores de mercado.
A maior facilidade da administração em determinar
com maior exatidão o valor de mercado aproximado
dos imóveis mais simples e mais baratos, geralmente
localizados nas regiões administrativas em que resi-
dem as famílias com níveis de renda mais baixos, de-
correria do fato de que tais imóveis são mais homogê-
neos entre si e comercializados com maior freqüência,
o que contribuiria para que os seus verdadeiros valores
de mercado fossem determinados mais facilmente. As-
sim, quando é aplicada a alíquota do IPTU sobre o valor
do imóvel para determinar o imposto a ser pago, o go-
verno consegue cobrar dessas famílias um valor muito
próximo daquele que efetivamente deveria ser pago.
Na medida, entretanto, em que o governo precisa de-
finir o valor dos imóveis considerados de luxo ou de alto
luxo, ele não consegue atingir o mesmo grau de exatidão
observado nos imóveis mais simples. Isso aconteceria
porque esses imóveis apresentam um elevado grau de
diferenciação entre eles e não são comercializados com
grande freqüência, deixando a administração sem refe-
rencial para a identificação de seus reais valores de mer-
cado. Com isso, terminam sendo definidos valores para
fins de cobrança do IPTU muito inferiores aos reais valo-
res de mercado desses imóveis. Assim, os proprietários
desses imóveis, normalmente situados em áreas nobres
do Distrito Federal, que detêm elevados níveis de ren-
da, terminam pagando um valor de IPTU muito inferior
àquele que efetivamente deveria ser cobrado.
É importante destacar que as distorções observa-
das na cobrança do IPTU, em decorrência de erros no
processo de avaliação dos imóveis, além do impacto
negativo que exerce sobre a distribuição de renda e em
termos de justiça fiscal, traz também imensos prejuízos
para a população do Distrito Federal pela perda de ar-
recadação delas decorrentes, como será visto a seguir.
A injustiça observada na aplicação do IPTU no DF parece
decorrer principalmente dos erros cometidos no processo de avaliação dos imóveis no momento de definir os seus
valores para fins de cobrança do tributo. Isso aconteceria
porque a administração tributária tem uma tendência
a superavaliar o valor fiscal dos imóveis mais baratos, fixando-
o, em geral, muito próximo daquele que seria o seu real
valor de mercado.
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4. A falta que o IPTU faz
De fato, conforme pode ser observado pela aná-
lise da Tabela III, a participação do IPTU no conjunto
dos impostos arrecadados pelo Distrito Federal vem
decrescendo continuamente, passando de 5,30% , em
2003, para 4, 62% em 2007. Essa tendência é contrária
àquela observada para o IPVA, que vem ampliando
sistematicamente a sua participação no montante de
impostos arrecadados no Distrito Federal. Era de se es-
perar que o IPTU apresentasse uma trajetória idêntica
à do IPVA, pois tem crescido de forma significativa, nos
últimos anos, o número de imóveis incluídos no cadas-
tro imobiliário do Distrito Federal em conseqüência da
ocupação de inúmeras áreas novas. Além disso, o valor
de mercado dos imóveis, no Distrito Federal, quando
comparado aos de outras cidades, é considerado extre-
mamente elevado. Parece claro, portanto, que a dete-
rioração do IPTU como fonte de receita deve ser atribu-
ída principalmente à má administração do tributo. Os
dados apresentados permitem observar também que,
no período considerado, o IPTU foi o tributo que apre-
sentou menor crescimento real ( 22,27%), muito menor
do que a média dos impostos arrecadados pelo Distrito
Federal, que foi de 40,08% . Tanto o ICMS ( 26,19%), o
ISS (32,56%) e o IPVA (74,81%) tiveram um desempe-
nho muito melhor.
A título de ilustração, são apresentados na Tabela IV
os valores de arrecadação per capita de IPTU, em 2006,
para os municípios das capitais. Nesse ranking, o Distrito
Federal, com uma arrecadação aproximada de R$ 112,00;
ocupa a 8ª posição, atrás de São Paulo (R$ 240,18); Flo-
rianópolis (R$ 182,00); Rio de Janeiro (R$ 170,00); Belo
Horizonte (R$ 143,32); Curitiba (R$ 133,22); Goiânia (R$
132,02) e Porto Alegre (R$ 127,31). Dessas cidades, ape-
nas São Paulo e Rio de Janeiro, e, talvez, Belo Horizonte
são maiores do que Brasília. As outras são cidades médias,
de porte muito inferior ao de Brasília e, em tese, deveriam
ter um menor potencial de arrecadação de IPTU. O bom
desempenho que apresentam parece ser uma clara de-
monstração de que vêm administrando corretamente o
imposto.
No caso do Distrito Federal, ficou claro pelos dados
apresentados que o IPTU não só vem sendo pouco ex-
plorado quanto à sua capacidade de geração de recei-
tas públicas, como vem sendo administrado de forma
injusta em relação aos contribuintes de menores níveis
de renda, contribuindo para torná-lo um imposto extre-
mamente regressivo. As distorções apontadas, no en-
tanto, poderiam ser corrigidas a curto prazo desde que
houvesse vontade política para isso. Para alcançar o ob-
jetivo pretendido, seria indispensável, no entanto, que
fosse feita uma ampla e imediata atualização do Cadas-
tro Imobiliário do Distrito Federal; com a implantação
de modernas tecnologias e equipamentos de avaliação
de imóveis. Seria importante, entre outras medidas, a
urgente criação de um setor específico para o acom-
panhamento permanente e sistemático dos imóveis de
luxo e de alto luxo, de forma diferenciada do método
tradicional de avaliação aplicado aos demais imóveis.
Uma outra medida que também precisaria ser ado-
tada de imediato seria a ampliação do quadro de ser-
vidores da Secretaria de Fazenda, com a realização de
concurso público para auditor tributário. Isso porque,
apesar de a Subsecretaria da Receita, responsável pela
A participação do IPTU no conjunto dos impostos
arrecadados pelo Distrito Federal vem decrescendo continuamente, passando de 5,30% , em 2003, para
4, 62% em 2007. Essa tendência é contrária
àquela observada para o IPVA, que vem ampliando sistematicamente a sua
participação no montante de impostos arrecadados
no Distrito Federal.
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administração dos tributos de competência do Distrito
Federal, contar com um quadro de servidores extrema-
mente qualificado, ele é insuficiente para acompanhar
e fiscalizar adequadamente o grande e diversificado
universo de contribuintes do Distrito Federal.
Certamente, se forem feitos os investimentos ne-
cessários visando dotar a Secretaria de Fazenda das
condições adequadas para o desenvolvimento de suas
atividades, as distorções observadas na cobrança do
IPTU, que são apenas as mais visíveis, mas que acon-
tecem também em outros tributos como o ICMS, o ISS,
o ITBI, o IPVA, para citar apenas alguns exemplos, po-
derão ser rapidamente superadas, e o Distrito Federal
poderá alcançar um montante de arrecadação muito
superior ao que obtém atualmente e com maior nível
de justiça fiscal.
Para se ter uma idéia do que isso significa, bas-
ta mencionar que, provavelmente, o Distrito Federal
deixará de arrecadar com o IPTU, em 2008, um valor
aproximado entre R$ 400 milhões e R$ 450 milhões.
Esse valor foi estimado considerando a receita prevista
para o IPTU, para o corrente exercício (R$ 335 milhões)
e aquela que poderia ser obtida (R$ 800,0 milhões) se o
tributo fosse corretamente administrado. Isso partindo
do princípio de que atualmente o IPTU no Distrito Fe-
deral vem incidindo apenas sobre 40% do verdadeiro
valor de mercado dos imóveis. Não parece exagerado,
no entanto, estimar-se que, superadas todas as distor-
ções e ineficiências que caracterizam a administração
do IPTU, a sua arrecadação poderia alcançar um valor
de 3 a 4 vezes superior àquela que é obtida atualmen-
te. São recursos preciosos que, certamente, poderiam
contribuir para financiar importantes políticas públicas
de inclusão social nas áreas da educação, assistência
social, saúde, entre outras.
No caso de políticas protetivas destinadas à criança
e ao adolescente, por exemplo, a Constituição Federal,
no art. 227, estabelece que “é dever da família, da socie-
dade e do Estado assegurar à criança e ao adolescen-
te, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à con-
vivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, ex-
ploração, violência, crueldade e opressão”. No Distrito
Federal, entretanto, esse preceito não passa de uma bo-
nita declaração de intenção. Conforme pesquisa divul-
gada pelo Correio Braziliense no dia 8 de novembro de
2007, o Distrito Federal ocupa a 5ª posição no ranking
nacional entre as Unidades da Federação onde crianças
e adolescentes têm maiores chances de morrer assas-
sinados.
Enquanto a média nacional de jovens entre 10 e 19
anos que são assassinados é de 21,6 por 100 mil habi-
tantes, no Distrito Federal a média é de 35,5; ou seja,
um índice 64,3% superior à media nacional. Nessa tris-
te estatística, o Distrito Federal supera o Estado de São
Paulo, que tem uma população muito maior. De acordo
com a pesquisadora Márcia Westphal, da Universidade
de São Paulo, que é uma das autoras do estudo, a ex-
clusão social e a falta de vínculo familiar forte são duas
das principais causas que explicam a morte de jovens e
adolescentes. Além disso, as estatísticas disponíveis in-
dicam que o Distrito Federal é a unidade da Federação
que apresenta o mais alto índice de criança e adoles-
cente em conflito com a lei.
O Distrito Federal deixará de arrecadar com o
IPTU, em 2008, um valor aproximado entre R$ 400 milhões e R$ 450 milhões.
Esse valor foi estimado considerando a receita
prevista para o IPTU, para o corrente exercício (R$
335 milhões) e aquela que poderia ser obtida (R$
800,0 milhões) se o tributo fosse corretamente
administrado.
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A exclusão social, no entanto, poderia ser superada
por meio da implementação de políticas públicas ade-
quadas, que focalizem a aplicação dos recursos orça-
mentários nos segmentos mais pobres da população,
em que seja assegurado, por exemplo, o acesso à edu-
cação de qualidade, em escolas com adequadas insta-
lações físicas, que contém com professores motivados e
bem remunerados; modernos laboratórios de informá-
tica e de ciências, bibliotecas, videotecas, etc.
Os dados mostram, entretanto, que também no
quesito educação, o Distrito Federal deixa muito a de-
sejar. Matéria publicada pelo Correio Braziliense14, no
dia 22 de fevereiro , comentando os prejuízos causados
pelas chuvas do dia anterior, em Santa Maria, mostrava
que muitas mães não estavam deixando os filhos fre-
qüentarem a escola por receio de que algo grave lhes
acontecesse. De acordo com a matéria, a escola encon-
trava-se em péssima situação, com fios desencapados,
havendo registro de crianças que declararam ter rece-
bido choque elétrico ao tocarem nas paredes. Segundo
alguns depoimentos, isso seria rotina na escola em dias
de chuva.
Isso mostra que pouca coisa mudou de 2006 para
cá. Conforme auditoria do Tribunal de Contas do Distri-
to Federal, no início daquele ano letivo, apenas 16,8 das
escolas dispunham de instalações físicas adequadas
para o desenvolvimento de suas atividades. A grande
maioria das escolas estava funcionando de forma ex-
tremamente precária em instalações absolutamente
inadequadas. Ressalte-se, ainda, que muitas escolas
funcionam em prédios que não são próprios para o
nível de ensino que oferecem. Tem escolas de ensino
médio funcionando em prédios destinados ao ensino
fundamental, escolas de ensino infantil funcionando
em prédios próprios para outros níveis de ensino, etc.
A auditoria constatou, ainda, que, sistematicamente,
são incluídos recursos na lei orçamentária destinados
à reforma e à construção das escolas, mas que tais re-
cursos são remanejados para outros tipos de gastos
considerados mais prioritários. Vale mencionar tam-
bém que, em 2006, pouco mais de 600 crianças, com
idade inferior a 4 anos, conseguiram vagas em creches
públicas. Esse número é absolutamente insuficiente,
principalmente pelo fato de que a expressiva maioria
das crianças nessa faixa etária reside em algumas das
regiões administrativas que apresentam os mais baixos
níveis de renda per capita, como Estrutural, Itapoã, Ara-
poanga, Recanto das Emas, etc.
Outro exemplo emblemático da omissão do Po-
der Público, no cumprimento do aludido preceito
constitucional, consiste no pouco interesse efetivo na
implementação de políticas destinadas à erradicação
do trabalho infantil. Segundo informações divulgadas
pela imprensa, existem no Distrito Federal aproximada-
mente 10.700 crianças submetidas ao trabalho infantil.
Essas crianças, encontram-se fora da escola e sobrevi-
vem ajudando os pais a catarem objetos recicláveis e,
em alguns casos, quiçá, até mesmo sobras de alimentos
Em 2006, pouco mais de 600 crianças, com idade inferior
a 4 anos, conseguiram vagas em creches públicas. Esse número é absolutamente
insuficiente principalmente pelo fato de que a expressiva
maioria das crianças nessa faixa etária reside em algumas das regiões
administrativas que apresentam os mais baixos níveis de renda per capita,
como Estrutural, Itapoã, Arapoanga, Recanto das
Emas, etc.
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14 Perigo em Escola de Santa Maria, Correio Braziliense, 22/2/08, CIDADES, pág. 24.
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Tabela I – Comparativo entre o valor de mercado, o valor fiscal, o valor do IPTU e a alíquota efetiva do imposto,
para imóveis residenciais unifamiliares, no Distrito Federal em 2008.
Localização do imóvelÁrea do
terreno (m²)Área
construída (m²)Valor de Mercado
Valor FiscalValor do
IPTUAlíquota Efetiva
do IPTU (%)
Lago Sul – SHIS QI 25 776,0 620,0 1.700.000,00 693.635,00 2.080,91 0,12
Lago Sul – SHIS QI 09 Cj. 04 776,0 726,0 2.900.000,00 1.003.064,50 3.009,19 0,10
Lago Sul – SHIS QI 16 Cj. 01 1.320,0 850,0 2.600.000,00 1.210.264,00 3.630,79 0,14
Lago Sul – SHIS QI 09 776,0 760,0 3.500.000,00 1.025.827,90 3.077,48 0,09
Lago Sul – SHIS QI 05 1.320,0 1.200,0 4.900.000,00 1.432.874,50 4.298,62 0,09
Lago Sul – SHIS Ql 12 - Ponta de Picolé
2.700,0-Presumida
900,0 5.400.000,00 2.795.441,00 8.386,32 0,16
Cruzeiro – SRE Qd. 04 120,0 156,0 285.000,00 221.600,42 664,80 0,23
Guará – QE 34 Cj.”M” 120,0 100,0 205.000,00 109.264,12 327,79 0,16
Guará – QI 02 Cj. “B” 200,0 260,0 430.000,00 217.657,04 652,97 0.15
Guará – QE 28 Cj .“O” 200,0 90,0 220.000,00 131.358,88 394,08 0,18
Ceilândia – QNP 19 CONJ. “B” 135,0 90,0 52.000,00 39.527,16 118,58 0.23
Ceilândia – QNP 26 135,0 100,0 67.000,00 42.311,76 126,94 0,19
Ceilândia – QNQ 05 144,0 80,0 45.000,00 24.662,54 73,99 0,16
Ceilândia – QNP 30 Cj. “C 135,0 135,0 68.000,00 52.857,86 156,17 0,23
Ceilândia – QNP 05 135,0 120,0 74.000,00 47.880,96 143,64 0,19
Riacho Fundo II – QN 14 C 80,0 150,0 70.000,00 40.214,11 120,64 0,17
Paranoá – Qd. 02 250,0 174,0 130.000,00 50.624,51 151,87 0,12
Planaltina – Qd. 09 Cj. “H” Arapoanga
700,0 194,0 65.000,00 37.574,60 112,72 0,17
Gama – Qd. 37 Setor Leste 275,0 380,0 250.000,00 225.633,59 676,90 0,27
Gama – Qd. 21 Setor Leste 275,0 580,0 280.000,00 316.215,59 948.65 0,34
Valor total / Valor médio • • • • • 0,19
Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em informações extraídas de anúncios publicados nos classificados do Correio Braziliense e em sites de
imobiliárias, escolhidos aleatoriamente.
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no Lixão da Estrutural, em condições inteiramente ina-
dequadas, sem qualquer assistência ou proteção do
Estado. Os dados do Sistema de Acompanhamento da
Execução Orçamentária do Distrito Federal mostram,
no entanto, que, de um valor de R$ 4,8 6 milhões autori-
zado na Lei Orçamentária de 2007 para o programa de
erradicação do trabalho infantil, até o mês de outubro,
apenas R$ 445 mil foram empenhados, mas somente
R$ 339 mil foram liqüidados. Ressalte-se que a meta fi-
xada para o ano era o atendimento de 5.020 crianças, o
que corresponde apenas a 46,92% do total de crianças
submetidas ao trabalho infantil. Mas nem sequer esse
percentual insuficiente foi cumprido.
Fica claro, portanto, que, a par de possíveis questio-
namentos quanto à qualidade da gestão dos recursos
públicos, a correta administração do IPTU poderia con-
tribuir, de forma significativa, para ampliar o montante
de recursos públicos destinados a importantes políti-
cas pública de inclusão social e de redução das desi-
gualdades na distribuição de renda no Distrito Federal.
Com certeza, se a aplicação desses recursos adicionais
for feita de forma absolutamente transparente, com a
participação e o amplo acompanhamento da popu-
lação, inclusive por meio do orçamento participativo
e outras alternativas similares, poderá contribuir para
transformar Brasília em uma cidade de todos nós.
Tabela II – Comparativo entre a alíquota efetiva média do IPTU a população, a renda per capita da localidade
e o respectivo IDH
Localidade PopulaçãoRenda
per capita
Percentual de domicílios com renda entre 2 e 5
salários mínimosValor do IDH
Alíquota efetiva média do IPTU
Lago Sul 24.406 2.798,00 7,3 0,945 0,12
Cruzeiro 40.934 807,00 15,0 0,928 0,23
Guará 112.989 852,00 17,0 0,867 0,16
Gama 112.019 404,00 26,8 0,815 0,30
Ceilândia 332.455 323,00 35,6 0,784 0,20
Riacho Fundo II 26.093 386,00 25,9 0,826 0,17
Planaltina 141.097 200,00 25,2 0,764 0,17
Paranoá 39.630 316,00 32,8 0,785 0,12
Média - - 0,16
Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em informações extraídas de informações divulgadas pela CODEPLAN.
Se a aplicação desses recursos adicionais for feita de forma absolutamente
transparente, com a participação e amplo acompanhamento da população, inclusive
por meio do orçamento participativo e outras alternativas similares,
poderá contribuir para transformar Brasília em
uma cidade de todos nós.
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5. Conclusão
O presente estudo deixou claro que o Distrito Fede-
ral não vem administrando corretamente o IPTU, pois,
de uma forma geral, os proprietários de imóveis de luxo
e de alto luxo, situados em áreas nobres, vêm pagando
um montante de imposto muito inferior àquele que se-
ria efetivamente devido. Por outro lado, os proprietários
de imóveis localizados em áreas menos valorizadas pa-
gam, proporcionalmente, mais do que o dobro do IPTU
cobrado daquele grupo de contribuintes menciona-
dos anteriormente. Mostrou também que isso cria não
apenas uma inaceitável distorção do ponto de vista da
eqüidade, mas também uma substancial perda de ar-
recadação. Os recursos adicionais que a correta admi-
nistração do IPTU poderia gerar, certamente, poderiam
contribuir para o financiamento de importantes políti-
cas públicas de inclusão social, necessárias para reduzir
a extrema desigualdade na distribuição de renda que,
segundo pesquisas divulgadas recentemente, caracte-
rizam o Distrito Federal. As distorções observadas na
administração do IPTU, no entanto, podem ser corri-
gidas a curto prazo, se houver vontade política nesse
sentido e se forem feitos os investimentos necessários
para oferecer ao Fisco condições de trabalho adequa-
das para o desenvolvimento de suas atividades.
Tabela III – Quadro demonstrativo da arrecadação de impostos no Distrito Federal – 2003-2007 (em R$ 1.000,00)
Arrecadação de impostos
2003 2004 2005 2006 2007
IPTU 225.004 (5,30)242.084
(5,06)256.713
(5,00)269.090
(4,71)276.036
(4,62)
IPVA213.414
(4,99)250.749
(5,24)289.501
(5,64)332.937
(5,83)373.059
(6,25)
ISS473.406(11,07)
527.798(11,04)
604.313(11,77)
634.883(11,11)
627.537(10,68)
ICMS2.718.617
(63,57)3.024.360
(63,24)3.163.262
(61,61)3.437.124
(60,22)3.430.573
(57,44)
Outros644.035(15,07)
737.114(15,42)
820.150(15,98)
1.033.319(18,11)
1.264.741(21,18)
TOTAL4.242.431 (100,00)
4.782.105(100,00)
5.133.939(100,00)
5.707.353(100,00)
5.971.946(100,00)
Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em informações produzidas pela Secretaria de Fazenda do DF. Valores atualizados pelo IPCA-MÉDIO de dezembro de 2007.
Os recursos adicionais que a correta administração do IPTU poderia gerar, certamente, poderiam
contribuir para o financiamento de
importantes políticas públicas de inclusão social,
necessárias para reduzir a extrema desigualdade na distribuição de renda que, segundo pesquisas
divulgadas recentemente, caracterizam o Distrito
Federal.
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Tabela IV - Demonstrativo da receita per capita do IPTU, em 2006, para os municípios das capitais
Município População IPTU IPTU per capita
Aracajú 505.286 31.057.924,08 61,47
Belém 1.428.368 30.773.551,00 21,55
Belo Horizonte 2.399.920 343.976.222,90 143,33
Campo Grande 765.247 63.990.950,35 83,62
Cuiabá 542.861 15.531.214,68 28,61
Curitiba 1.788.559 238.268.164,27 133,22
Florianópolis 406.564 73.995.454,21 182,00
Fortaleza 2.416.920 91.426.145,53 37,83
Goiânia 1.220.412 161.122.620,42 132,02
João Pessoa 672.081 19.757.941,13 29,40
Macapá 368.367 1.989.666,68 5,40
Maceió 922.458 30.828.003,50 33,42
Manaus 1.688.524 31.897.175,33 18,89
Natal 789.896 25.538.711,22 32,33
Palmas 220.889 3.469.446,53 15,71
Porto Alegre 1.440.939 183.456.474,77 127,32
Porto Velho 380.974 3.860.918,24 10,13
Recife 1.515.052 131.285.429,00 86,65
Rio Branco 314.127 3.902.748,48 12,42
Rio de Janeiro 6.136.652 1.047.540.108,16 170,70
Salvador 2.714.018 124.486.709,31 45,87
São Luís 998.385 23.738.819,76 23,78
São Paulo 11.016.700 2.645.953.739,27 240,18
Teresina 801.971 12.939.154,04 16,13
Vitória 317.085 23.983.231,88 75,64
Brasília 2.300.000 276.036.000,00 112,02
Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em dados extraídos do Finanças do Brasil – Execução Orçamentárias dos Municípios das Capitais, elabo-rado pela Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda, exceto para Brasília, cujas informações foram inseridas pelo autor.
Paulo Luiz Figueirêdo de OliveiraEconomista filiado ao Corecon-DF
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Não quebre a corrente!
Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DFSCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202
CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429
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O Corecon/DF defende os interesses da categoria e trabalha pela valorização dos economistas.
Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.
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Não quebre a corrente!