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Processo PenalProf. Danilo Pereira
Apostila 4. Princípios do Direito Processual Penal: natureza jurídica; interpretação conforme e sistemática; cláusulas pétreas; fundamento; funções; princípios constitucionais, infraconstitucionais e internacionais.
Natureza jurídica
Muito se discute acerca da natureza jurídica dos princípios. Seriam diretrizes ou
verdadeiras normas jurídicas? Registre-se que, de fato, os princípios constituem
uma orientação, um norte, uma diretriz para aquele que exerce a função
jurisdicional, ou seja, aplica o direito. Outrossim, é função dos princípios, ao
mesmo tempo, uma limitação ao arbítrio do legislador. Os princípios, até por
definição, constituem a raiz de onde deriva a validez intrínseca do conteúdo das
normas jurídicas. Quando o legislador se presta a normatizar a realidade social,
o faz, sempre, consciente ou inconscientemente, a partir de algum princípio.
Portanto, os princípios são as idéias básicas que servem de fundamento ao
direito positivo. Logo, não são normas propriamente ditas, mas são vigas
mestras, orientam tanto o legislador na confecção de leis (há uma presunção de
constitucionalidade de todas as leis e atos normativos editados pelo poder
público), quanto ao juiz, quando da prolação da sentença. Por outro lado muitos
sustentam que os Princípios são normas e seria ultrapassado afirmar que
princípio é fonte subsidiária do direito. Ao conferir normatividade aos princípios,
estes perdem o caráter supletivo, passando a impor uma aplicação obrigatória.
Aliás, dizem, seria até um erro utilizar o princípio como fonte subsidiária e não
como fonte primária e imediata de direito, até porque a própria expressão
“princípio” significa começo, início, ou seja, deve ser verificado desde logo, e
não como complemento. Logo, completam o raciocínio da seguinte forma: “os
princípios não são meros acessórios interpretativos. São enunciados que
consagram conquistas éticas da civilização e, por isso, estejam ou não previstos
na lei, aplicam-se cogentemente a todos os casos concretos” (BONAVIDES,
Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7a ed. Malheiros, 1998).
Interpretação conforme e sistemática
Segundo Alexandre de Moraes, a interpretação das leis deve ser conforme a
Constituição Federal, ou seja, a lei deve estar em conformidade com a CF, não
o contrário. Ademais disso, um princípio não vive isolado no mundo jurídico,
deve ser sempre analisado de acordo com todo o sistema constitucional. Quer
isto dizer que nossa Constituição Federal não pode ser lida em tiras, mas de
forma sistemática, de acordo com o “todo”. A maioria dos princípios encontra
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expressa previsão legal. Todavia, outros são obtidos a partir de uma análise
sistemática do ordenamento jurídico, surgindo da variação e junção de outros
princípios. Estes, apesar de tácitos (ou seja, não expressos no texto legal),
possuem vigência e aplicabilidade, tais quais os princípios que se encontram
escritos. Verificamos que a maioria dos princípios encontra previsão no artigo 5°
da Constituição Federal, sendo, portanto, cláusulas pétreas (aquelas
petrificadas, ou seja, proibidas de serem elteradas) do ordenamento jurídico
brasileiro conforme previsão expressa do art. 60, § 4º, inciso IV CF. Porém,
todos têm sobre si irradiada a luz dos Princípios Fundamentais previstos no
Título I da nossa Constituição Federal, que deriva (ou deveria derivar) todo
sistema de proteção dos direitos bem como de produção legislativa:
TÍTULO IDos Princípios Fundamentais
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:I - a soberania;II - a cidadania;III - a dignidade da pessoa humana;IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V - o pluralismo político.Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;II - garantir o desenvolvimento nacional;III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:I - independência nacional;II - prevalência dos direitos humanos;III - autodeterminação dos povos;IV - não-intervenção;V - igualdade entre os Estados;VI - defesa da paz;VII - solução pacífica dos conflitos;VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;X - concessão de asilo político.Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
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Cláusulas pétreas
São tão importantes as liberdades públicas constitucionais, como restrições ao
poder estatal, que a Constituição as protege com uma cláusula de
irrevogabilidade (cláusulas pétreas). Ainda que se pretenda alterar, suprimir ou
reduzir o espectro dos direitos individuais, o Estado não poderá fazê-lo, nem
mesmo por emenda ou por reforma constitucional. Somente o Poder
Constituinte originário está autorizado, pela dicção do art. 60, §4º, inciso IV, da
Constituição Federal, a tocar nos direitos e garantias individuais da pessoa
humana. E, ainda que reunida uma Assembléia Nacional Constituinte, seria
inconcebível, do ponto de vista moral e do desenvolvimento da democracia,
suprimir tais garantias ou reduzi-las, pois um imperativo ético se apresenta no
sentido de sua manutenção em qualquer situação e em permanência, como uma
espécie de jus cogens, uma imposição da própria natureza das coisas e da
condição humana, por serem preceitos reconhecidos e reconhecíveis sem
necessidade de prévia demonstração, premissas sociais evidentes e
universalmente verdadeiras. Entre essas liberdades públicas, petrificadas como
as inscritas nas tábuas da lei mosaica (Moisés), encontramos garantias
processuais para o imputado, garantias estas tão importantes que são também
reproduzidas em cartas universais de direitos e em tratados internacionais,
como o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto de Nova Iorque sobre Direitos
Civis e Políticos, ambos integrados ao ordenamento jurídico brasileiro com força
de leis ordinárias e, portanto, normas vigentes.
Fundamento
Fundamento significa aquilo que legitima a existência de alguma coisa. Os
Fundamentos são as bases sobre as quais a República Federativa do Brasil se
assenta (art. 1º CF). Faltando qualquer um deles, a República Federativa não se
caracterizará como Estado democrático de Direito.
Funções dos princípios
1. fundamentadora: todas as leis encontram o seu fundamento de validade nos
princípios.
2. interpretativa, supletiva ou integradora: cumprem o papel de suprir
eventual lacuna do sistema (função supletiva ou integradora). No momento da
decisão o juiz pode valer-se da interpretação, da aplicação analógica bem como
do suplemento da norma por princípios ou mesmo a integração de um princípio
a um determinado caso concreto.
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3. limitativa: na medida em que é vedado em nosso ordenamento jurídico uma
lei ou uma decisão que viole um Princípio, clara é a sua função de limitação,
balizando tanto o legislador na sua ânsia legislativa quanto ao juiz de direito.
Princípios constitucionais, infraconstitucionais e internacionais
De todos os princípios (que configuram as diretrizes gerais do ordenamento
jurídico), gozam de supremacia (incontestável) os constitucionais. Exemplos:
princípio da Legalidade (art. 5º, XXXIX CF), Humanidade (1º, III e 4º II CF),
Ampla Defesa e Contraditório (art. 5º, LV CF), estado de Inocência (art. 5º, LVII
CF), etc. Mas isso não significa que não existam princípios infraconstitucionais
(leia-se: emanados de regras legais abaixo da CF). Os princípios constitucionais
contam com maior valor e eficácia e são vinculantes (para o intérprete, para o
juiz e para o legislador). Também existem princípios que derivam de regras
internacionais. Por exemplo: princípio do duplo grau de jurisdição (direito a
recurso), contemplado na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de
São José da Costa Rica de 22.1.1969, ratificado pelo Brasil aos pelo Dec.
678/92), art. 8º, II, ‘h’. O Direito internacional posto em vigência no Direito
interno é fonte do Direito, devendo ser considerado para a solução de conflitos.
Obs.:
Segundo o art. 5º, § 3º da CF, acrescentado pela EC nº 45/04, os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos, quando respeitada a forma
de aprovação imposta, serão equivalentes a emendas constitucionais. Segundo
Alexandre de Moraes, a emenda a Constituição Federal, ingressando no
ordenamento jurídico após sua aprovação, passa a ser preceito constitucional,
de mesma hierarquia das normas constitucionais originárias (Direito
constitucional. Atlas. 11ª ed., p. 543).
Princípios em espécie
1. Princípio da humanidade
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, pela
Assembléia Geral das Nações Unidas, assinala o princípio da humanidade e da
dignidade já no seu preâmbulo, onde estão as “consideranda” que motivaram o
ato internacional: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a
todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis
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constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...)
Considerando que as Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos
fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana (...)”. Os arts.
V e VI dessa Declaração afirmam o princípio da humanidade, estabelecendo que
no plano internacional “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante" e que "Todo homem tem o direito de
ser em todos os lugares reconhecido como pessoa perante a lei”. Por sua vez, o
Pacto de Nova Iorque, de 1966, declara que “Toda pessoa privada de sua
liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à
pessoa humana”. A privação de liberdade implica, necessariamente, um
processo. Resulta, portanto, clara a obrigação dos órgãos de persecução e
julgamento de respeitar os direitos personalíssimos do acusado no processo e
durante sua tramitação. Já a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, de 1969, estabelece, em seu art. 11, §1º, que “Toda pessoa humana
tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade” e
no art. 32, §1º, que “Toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade
e a humanidade”. Aquele direito e este dever são correlatos e inseparáveis,
sendo endereçados também aos órgãos estatais de Justiça criminal. Derivando
de um dos fundamentos republicanos, constante do art. 1º, inciso III, da
Constituição Federal, que exalta a dignidade da pessoa humana, o princípio da
humanidade extrai-se também do art. 5º, incisos III e XLIX. Ao declarar que
“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”
(art. 5º, III) o constituinte especificou indiretamente duas garantias processuais,
as de que:
1. o processo penal não pode servir como meio para a aplicação da pena de
tortura ou da pena de morte ou para a sujeição de quem quer que seja a
tratamento desumano ou degradante, como sanção final;
2. o processo penal não pode assumir forma desumana, com procedimentos que
exponham o homem a posições ou situações degradantes, torturantes ou a
vexames. Implica, portanto, o direito ao respeito, de que toda pessoa humana é
titular, cabendo ao Estado providenciar: processo acusatório de curta duração;
limitação de causas de prisão anterior à sentença condenatória definitiva;
separação dos presos provisórios dos presos condenados; e tratamento distinto
para as pessoas processadas (não-condenadas).
Por seu turno, o art. 5º, inciso XLIX, da CF garante aos “presos o respeito à
integridade física e moral”, significando que ao homem sujeito do processo
penal só se lhe retira parte da liberdade (a de locomoção extra muros), não lhe
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sendo tolhida a dignidade. Vale dizer: mesmo preso ou condenado o homem
preserva o direito personalíssimo à sua integridade física, moral e psíquica, com
o que se vedam também formas de tortura mental e ameaças à sanidade
intelectual dos imputados. Para a exata compreensão desses dogmas e sua
efetividade no processo penal, vale recordar a lição de BETTIOL, segundo que
“O juiz vive e opera num determinado clima político-constitucional em que a
pessoa humana representa o valor supremo; e é a posição desta que o Juiz é
chamado a escolher entre duas interpretações antitéticas de uma norma legal”.
2. Princípio da legalidade
Este princípio, que tem evidente interesse processual, não se acha colocado
apenas no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, onde se anuncia que
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”. A diretriz está também, como conseqüência, no art. 22, inciso I,
da mesma Constituição, que determina competir privativamente à União legislar
sobre direito processual, o que invalida, de pronto, qualquer iniciativa dos
Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios de dispor sobre a
matéria, salvo, para os dois primeiros entes, no tocante a procedimentos (art.
24, inciso XI, CF). A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
asseverava já em 1789 que “Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão
nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas”,
garantia que confere importância marcante ao Poder Legislativo, órgão de onde
advém as leis stricto sensu. Obviamente, na ausência de lei nenhum indivíduo
submete-se à vontade do Estado. Processualmente, para que ocorra a sujeição
do acusado às regras procedimentais e às restrições próprias do processo penal,
exige-se um plus, que a lei tenha sido produzida pelo ente competente, que,
neste caso, é a União Federal e que se trate de lei formal e lei material. Daí
porque os códigos de processo são veiculados por lei federal, de âmbito
nacional, diferentemente do que ocorria outrora, no regime constitucional de
1891, em que o processo era estadualizado. A unificação ocorreu com o Código
de Processo Penal de 3 de outubro de 1941, nosso código ainda vigente. Na
esfera penal-processual, a diretriz da legalidade encontra embasamento também
no art. 5º, inciso XXXIX, da Carta Federal. Talvez seja essa a mais importante
faceta da idéia de legalidade no campo penal, a que reproduz o brocardo
nullum crimen, nulla pœna sine prævia lege (não há crime, não há pena,
sem prévia lei) que acaba por conduzir à irretroatividade da lei penal gravior
(mais grave) (inciso XL). É certo que quanto ao processo penal vige a regra
tempus regit actum ou princípio do efeito imediato (art. 2º, Código de Processo
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Penal), segundo o qual os atos processuais praticados na forma da lei anterior
são válidos, passando os atos futuros à esfera jurídica da lei processual nova.
Portanto, embora deva-se atender ao critério de legalidade, não se há de falar
em irretroatividade da lei processual penal. Todavia, em alguns casos de normas
mistas, penais e processuais, o instituto processual não poderá ser aplicado de
pronto, para os processos em curso, pois isso significaria também a
retroatividade da norma estritamente penal, o que é proibido pelo ordenamento
quando a norma for desfavorável ao réu. Teríamos então a ultra-atividade da lei
processual anterior.
3. Princípio da igualdade judicial (isonomia)
Segundo o art. 5º, inciso I, da Constituição Federal, todos são iguais perante
a lei, em direitos e obrigações. Assim, ainda que subjetivamente desiguais, os
cidadãos merecem igual tratamento jurídico. Ou seja, essa cláusula geral de
isonomia perante a lei traduz-se também em igualdade processual, equilíbrio
entre as partes. Embora na ação penal pública o Estado se faça representar pelo
Ministério Público, a parte pública não tem maiores poderes que a parte privada
ré, o indivíduo. Ambos estão no mesmo plano de igualdade, com os mesmos
poderes e faculdades e os mesmos deveres processuais, diferentemente do
processo civil em que a Fazenda Pública e o Ministério Público têm prazos mais
dilatados para recorrer e contestar, além de outros privilégios previstos no
Código de Processo Civil. Todavia, no processo penal a isonomia é mais efetiva.
Caso seja violado esse princípio, a ação penal torna-se nula.
4. Princípio do juiz e do promotor naturais
Extrai-se do art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, o princípio do juiz
natural. “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente”. Prevê ela, então, quais são os órgãos jurisdicionais, federais ou
estaduais, comuns ou especiais, competentes para a apreciação das ações,
inclusive penais (arts. 92 a 126). Dentro da Jurisdição competente, pode o
legislador ordinário estabelecer normas destinadas a regular a distribuição do
poder jurisdicional entre os órgãos que componham cada uma dessas justiças,
mas não lhe é lícito atribuir a uma outra a competência para o processo e
julgamento de infrações penais desrespeitando a prévia demarcação
constitucional que separa as funções das justiças especiais e da justiça comum.
Além disso, não pode a lei criar órgãos jurisdicionais nem dignar magistrados
especiais para o julgamento de pessoas ou fatos determinados. Com isso
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garante-se a existência de um órgão julgador técnico e isento, com competência
estabelecida na própria Constituição e nas leis de organização judiciária de
modo a evitar que se materialize o dogma nulla pœna sine judice. Igualmente
daí se recolhe a idéia do promotor natural, já reconhecida pelo Supremo
Tribunal Federal em interpretação dada a esse cânon e aos arts. 127 e 129 da
CF, que têm em mira assegurar a independência do órgão de acusação pública,
o que também representa uma garantia individual, porquanto se limita a
possibilidade de persecuções criminais pré-determinadas ou a escolha “a dedo”
de promotores para a atuação em certas ações penais.
Também relacionada ao princípio do juiz natural é a diretriz magna que veda a
instalação de juízos e tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII, CF). Tratando-
se de limitação ao poder do Estado de organizar as suas cortes e tribunais, a
norma vincula-se às idéias de jurisdição e competência e é nitidamente uma
regra de interesse processual penal. A conseqüência é que será nula qualquer
sentença condenatória (e mesmo absolutória) que advier de um juízo
excepcional ou de um tribunal instituído ex post factum (depois de ocorrido o
fato). Previstas no Código de Processo Penal e nas leis de organização judiciária,
são exceções ao princípio os casos de:
a) desaforamento de processos de competência do tribunal do júri;
b) substituições entre juízes, em razão de férias, falecimento, afastamento
temporário;
c) modificações usuais de competência, pela criação de novas varas ou juízos ou
pela redistribuição de processos.
d) foro privilegiado por prerrogativa de função;
e) regras de justiças especializadas (eleitoral, trabalhista e militar).
“Habeas Corpus. Violação do Princípio do Promotor Natural. Inocorrência. Prévia designação de promotor de justiça com o expresso consentimento do promotor titular, conforme dispõem os artigos 10, inc. IX, alínea ‘f’, e 24 da Lei nº 8.625/93. Ordem denegada. O postulado do Promotor Natural “consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei” (HC 102.147/GO, rel. min. Celso de Mello, DJe nº 22 de 02.02.2011). No caso, a designação prévia e motivada de um promotor para atuar na sessão de julgamento do Tribunal do Júri da Comarca de Santa Izabel do Pará se deu em virtude de justificada solicitação do promotor titular daquela localidade, tudo em estrita observância aos artigos 10, inc. IX, alínea “f”, parte final, e 24, ambos da Lei nº 8.625/93. Ademais, o promotor designado já havia atuado no feito quando do exercício de suas atribuições na Promotoria de Justiça da referida comarca.
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Ordem denegada.” (STF – HC 103038/PA – 2ª Turma – Rel. Min. Joaquim Barbosa – J. 11.10.2011)
“(...) 1. O postulado do juiz natural tem por finalidade resguardar a legitimidade, a imparcialidade e a legalidade da jurisdição. 2. A garantia do devido processo legal somente se realizará plenamente com a certeza de que não haverá juiz de exceção. 3. É ilícita a designação ad personam de magistrado para atuar especificamente em determinado processo. 4. No caso, falta razoabilidade à justificativa apresentada pelo Tribunal de origem – grande acúmulo de serviços daquele que seria o substituto legal na ação – para proceder à designação casuística, especial, de magistrados para julgar o feito. As Portarias 1.623/2009 e 744/2010, do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, são incompatíveis com os regramentos constitucionalmente estabelecidos. 5. Ordem concedida a fim de anular todos os atos praticados pelos magistrados designados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Piauí para atuarem, especificamente, na ação penal em questão. (...).” (STJ – HC 161.877 – 6ª Turma - Rel. Min. Celso Limongi – J. 10.05.2011).
5. Princípio do devido processo legal
Inserido no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, o princípio due
process of law determina que “ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal”. A garantia vale tanto para o processo civil
(‘de seus bens’) quanto para o processo penal (‘da liberdade’) e é uma conquista
do humanismo britânico, repartindo-se em procedural due process e
substantive due process. A França não descurou desse princípio. A
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão asseverava já em 1789
que “Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados
pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam,
expedem executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos
(...)”. A Declaração das Nações Unidas, de 1948, repete a regra no seu art.
IX: “Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado”. Por arbítrio,
entende-se a inexistência de lei ou o abuso de direito. Está claro que tal
liberdade pública mantém íntima relação com o princípio da legalidade (ora,
trata-se do devido processo legal), reclamando a devida persecução penal,
limitada pela lei processual.
6. Princípio da duração razoável do processo
Princípio constante no inciso LXXVIII, art. 5º CF, onde a todos assegura-se a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação. O processo deve ser desenvolvido dentro de um tempo razoável e
necessário para atingir sua finalidade evitando dilações indevidas.
7. Princípio da vedação de provas ilícitas
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Verifica-se também facilmente que é do due process of law que se retira a
proibição de admissão de provas ilícitas no processo (art. 5º, LVI, CF).
Descumprida tal garantia, a sanção é de nulidade em conformidade com a teoria
fruit of the poisonous tree (fruto da árvore envenenada), acolhida pelo
Supremo Tribunal Federal. Lembre-se, contudo, que essa vedação não é
absoluta, devendo ser vista em cotejo com o princípio da proporcionalidade, a
fim de que não haja grave prejuízo material ao direito substancial discutido ou
protegido, apenas para se dar atendimento a uma forma procedimental. O
princípio da vedação de provas ilicitamente obtidas foi acolhido no plano
internacional pela Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pelo ONU em 10 de
dezembro de 1984. Integrado ao ordenamento brasileiro pelo Decreto n.
40/91, o tratado tem força de lei ordinária em nosso País. Segundo o art. 15
dessa Convenção “Cada Estado-Parte assegurará que nenhuma declaração que
se demonstre ter sido prestada como resultado de tortura possa ser invocada
como prova em qualquer processo, salvo contra uma pessoa acusada de tortura
como prova de que a declaração foi prestada”. Ou seja, em consonância com a
garantia contra a auto-incriminação, o depoimento de pessoa torturada
(declaração viciada e, portanto, nula) não pode ser utilizado no processo civil ou
penal para servir de prova contra ela. Admite-se apenas a sua utilização
processual para sustentar a acusação, noutro processo, contra o próprio
torturador.
Prova ilegítima: aquela obtida com vedação a norma de direito processual;
Prova ilícita: aquela com violação a norma de direito material.
8. Princípio da publicidade
Igualmente relevante é o princípio da publicidade, que se dirige a toda a
Administração Pública (art. 37 CF) e também à administração da justiça penal. A
publicidade é uma garantia para o indivíduo e para a sociedade decorrente do
próprio princípio democrático. O princípio da publicidade dos atos processuais,
profundamente ligado à humanização do processo penal, contrapõe-se ao
procedimento secreto, característica do sistema inquisitório. Decorrência da
democracia e do sistema acusatório, o princípio processual da publicidade
encontra guarida no art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal, que declara:
“a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa
da intimidade ou o interesse social o exigirem”. A publicidade surge como uma
garantia individual determinando que os processos civis e penais sejam, em
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
regra, públicos, para evitar abusos dos órgãos julgadores, limitar formas
opressivas de atuação da justiça criminal e facilitar o controle social sobre o
Judiciário e o Ministério Público. “O processo penal deve ser público, salvo no
que for necessário para preservar os interesses da justiça”, determina o art. 8º,
§ 5º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A regra, tamanha
a sua importância, é reafirmada no art. 93, inciso IX, da Constituição
Federal, conforme o qual “todos os julgamentos do Poder Judiciário serão
públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)”. A
publicidade, como garantia, aparece também no art. 5º, XXXIII, da
Constituição Federal, que assegura a todos o direito de “receber dos órgãos
públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou
geral (...)”. Há dois aspectos do princípio da publicidade:
a) a publicidade geral ou plena, como regra para todo e qualquer processo;
b) a publicidade especial, em que se restringe a audiência nos atos processuais
e as informações sobre o processo às partes e procuradores, ou somente a estes.
Como crítica ao princípio, reconhecem benefícios e malefícios. O maior dos
benefícios é a dificultação de abusos, exageros, omissões e leviandades
processuais, pela possibilidade de constante controle das partes, dos advogados,
do Ministério Público, da imprensa e da sociedade. O mais deplorável dos
malefícios (ou talvez o único) é a possibilidade de haver, com a publicidade, a
exploração fantasiosa ou sensacionalista de fatos levados a discussão nos
tribunais, especialmente pela comunicação de massas. Para evitar esses abusos
midiáticos, em certas causas e situações há exceções ao princípio da publicidade
plena, como quando a divulgação da informação ou diligência represente risco à
defesa do interesse social ou do interesse público; à defesa da intimidade,
imagem, honra e da vida privada das partes; e à segurança da sociedade e do
Estado. Exemplos dessas restrições estão no:
a) art. 792 e §1º, do CPP (caso genérico);
b) art. 485 do CPP (votação no júri: sala especial);
c) art. 217 do CPP (retirada do réu);
d) art. 748 do CPP (registro da reabilitação);
e) art. 20 do CPP (sigilo no inquérito policial);
f) art. 202 da Lei das Execuções Penais;
g) art. 3º da Lei Federal n. 9.034/95 (sigilo na investigação de crimes praticados
por organizações criminosas), etc.
9. Princípio da motivação dos atos decisórios
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Não se concebe um julgamento público sem exposição das razões que
fundamentem a decisão. A CF erigiu a publicidade como direito fundamental
(art. 5º, LX), e estabeleceu obrigação de fundamentação de todas as decisões
(art. 93, IX CF). Aliás, se que adiantaria ser público o julgamento, ou seja
deferindo-se a ciência às partes e interessados, se não se dá aos mesmos a razão
de decidir daquela forma. Aliás, é com base na motivação que se estuda e
prepara o recurso visando a reforma da decisão.
10. Princípio do estado de inocência (presunção de inocência)
Previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição brasileira, este princípio é
também denominado “da presunção de inocência” ou da “presunção de não-
culpabilidade”. Acolhida também nos tratados internacionais sobre direitos
humanos, esta garantia representou ao tempo de sua introdução nos sistemas
jurídicos um enorme avanço. Ninguém poderia ser considerado culpado senão
após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Já constava da
Declaração Francesa de 1789 no art. 9º: “Todo acusado é considerado
inocente até ser declarado culpado (...)”. A Declaração Universal de 1948
assentou, com mais detalhes, que “Toda pessoa acusada de um ato delituoso
tem o direito de ser presumida inocente, até que a culpabilidade tenha sido
provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa” (art. XI). A presunção
de inocência prevista, de forma positivada, desde 1789, foi repetida também no
art. 8º, §2º, do Pacto de São José da Costa Rica (introduzido no Brasil pelo
Decreto Federal n. 678/92) e no art. 14, §2º, do Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, de 1966. Com a adesão do Brasil à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), “toda
pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto
não se comprove legalmente sua culpa” (art. 8°, 2, da Convenção). Nesses
termos, haveria uma presunção de inocência do acusado da prática de uma
infração penal até que uma sentença condenatória irrecorrível o declarasse
culpado. Como conseqüência:
1. não é o réu que tem que provar sua inocência, cabendo à acusação a prova
(art. 156 CPP);
2. para proferir sentença condenatória, o juiz deve estar convencido da
responsabilidade do acusado, sendo que, na dúvida, deverá absolvê-lo: in dubio
pro reo.
12
Processo PenalProf. Danilo Pereira
“(...) III – As afirmações de que a ré sabia que o seu namorado fazia tráfico de substância entorpecente e que tinha o livre arbítrio para não acompanhá-lo em viagem na qual seria adquirida a substância ilícita não passam de ilações e conjecturas que (...) impossibilitam o decreto condenatório. IV - À míngua de provas suficientes para embasar a pretensão acusatória, impõe-se a aplicação do princípio in dubio pro reo, que funciona como critério de resolução da incerteza, expressão do princípio da presunção de inocência. V – Ainda que a denunciada soubesse da ação criminosa, não se pode responsabilizá-la, a título de co-autora ou partícipe se tanto a denúncia quanto a sentença condenatória deixam de apontar a forma com a qual teria concorrido para a consumação do crime, limitando-se, apenas, em afirmar que, na condição de namorada do réu confesso, se não sabia, deveria saber que se tratava de um traficante e que, naquele dia, transportava a droga ilícita. V – Apelação provida (...).” (TRF/1.ª Reg. – AP 0044721-13.2006.4.01.9199 – 3ª Turma - Rel. Des. Klaus Kuschel – J. 20.06.2011).
“(...) Conforme apura-se dos autos, em Juízo, não foi reconhecido o apelado pelas vítimas, como também não confessou a prática delitiva. Assim sendo, não restando comprovadas a autoria e materialidade do crime de roubo, deve ser absolvido o acusado, em respeito ao princípio in dubio pro reo, com fulcro no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal. É firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que não se admite condenação baseada, exclusivamente, em provas colhidas na fase policial, sob pena de afronta ao princípio do contraditório. Recurso improvido. (...).” (TJES –AP 24060275658 – 2ª Câm. Criminal - Rel. Des. Adalto Dias Tristão – J. 29.06.2011)
11. Garantia contra a auto-incriminação (Nemo tenetur se detegere)
Dispõe o art. 14, §3º, alínea ‘g’, do Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos — Pacto de Nova Iorque que toda pessoa humana tem o
direito de não ser obrigada a depor contra si mesma nem a confessar-se
culpada. É também garantia judicial internacional, no continente americano, por
força do art. 8º, §2º, alínea ‘g’, do Pacto de São José da Costa Rica o direito
que toda pessoa tem de “não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a
declarar-se culpada”. Quer dizer, nenhuma pessoa é obrigada a confessar crime
de que seja acusada ou a prestar informações que possam vir a dar causa a uma
acusação criminal. A Quinta Emenda à Constituição dos Estados Unidos da
América assegura tal garantia desde o século XVIII. Desde sua adoção
nenhuma pessoa “shall be compelled in any criminal case to be a witness
against himself.” (pode ser obrigada em qualquer processo criminal a ser
testemunha contra si mesmo). Trata-se do “privilege against self incrimination”
(privilégio contra auto-incriminação), que, entre nós, denomina-se garantia
contra a auto-incriminação. Embora a confissão já tenho sido doutrinariamente
como a “rainha das provas”, não se pode, no processo penal, constranger a isso
o acusado. Vale dizer: confissão, só espontânea e/ou voluntária. Qualquer
informação obtida do réu (ou mesmo de testemunha) mediante coação
configurará o crime de tortura, previsto na Lei n. 9.455/97. No sistema 13
Processo PenalProf. Danilo Pereira
brasileiro, admite-se que o indiciado ou réu minta, que negue relação com o
fato, que cale a verdade, que fantasie, que amolde versões aos seus interesses.
Trata-se da regra de ouro nemo tenetur se detegere, insculpida no art. 5º,
inciso LXIII, da Constituição com a seguinte redação: “O preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (...)”.
e também previsto n o art. 186, § único do CPP. É dizer: ninguém é
obrigado a colaborar com o Estado (Polícia Judiciária e Ministério
Público) para o descobrimento de um crime de que se é acusado ou do
qual se possa vir a ser acusado. Sobre o Estado, no sistema acusatório,
recaem o ônus da prova e a missão de desfazer a presunção de inocência que
vigora em favor do acusado, sem esperar qualquer colaboração de sua parte. De
sorte que, desde 1988, não pode o magistrado considerar o silêncio do réu em
desfavor do processado, diante o direito de permanecer calado (art. 5º, LXIII
CF). Interessante notar, porém, que se o réu não desejar exercer esse direito ao
silêncio ou a ele renunciar, poderá ser “compensado” pelo sistema criminal, por
meio dos institutos da delação premiada e da confissão espontânea. No
primeiro caso, lei especial prevê redução da pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois
terços) para o réu delator (co-autor ou partícipe) que “através de confissão
espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa”. É o
que se dá por força do art. 16, parágrafo único, da Lei Federal n. 8.137/90, que
cuida dos crimes contra a ordem tributária, a ordem econômica e as relações de
consumo. O mesmo efeito decorre do art. 6º da Lei n. 9.034/95 — Lei de
Combate ao Crime Organizado, que permite a redução da pena de 1/3 a 2/3,
“quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de
infrações penais e sua autoria”. No segundo caso, confissão simples espontânea,
a auto-declaração de culpabilidade conferirá ao réu o direito de redução da
pena, em grau estabelecido pelo juiz, em virtude do reconhecimento de
circunstância atenuante genérica, prevista no art. 65, inciso III, alínea ‘d’, do
Código Penal: “são circunstâncias que sempre atenuam a pena, ter o agente
confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime”. Como
se vê, nas duas situações, a renúncia ao direito constitucional de manter-se em
silêncio converte-se em benefícios penais, com redução expressiva da resposta
estatal. Tratamento mais favorável ao delinqüente colaborador também está
presente no art. 1º, § 5º, da Lei n. 9.613/98 — Lei de Lavagem de Capitais,
quando o réu, co-autor ou partícipe “colaborar espontaneamente com as
autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do
crime”.
Outros dois institutos reducentes de reprovabilidade penal, relacionados com a
regra Nemo tenetur se detegere, estão no art. 14 da Lei n. 9.605/98 — Lei Penal
Ambiental, que prevê a atenuação da pena: a) por comunicação prévia pelo
agente do perigo iminente de degradação ambiental (inciso III); e b) pela
colaboração do réu com os servidores encarregados da vigilância e do controle
ambientais (inciso IV). Perceba-se que, em qualquer das situações acima
analisadas, o réu preserva o seu direito ao silêncio e continua desobrigado de
colaborar com as autoridades. Mas se resolver falar, cooperando, será premiado
com a redução da pena.
“Coercitiva identificação criminal pelo DNA é possível?
A Lei 12.654, de 28.05.2012 – com vacatio legis de 180 dias trata do
assunto. A lei traz, além da possibilidade de identificação criminal por DNA,
no seio da persecução penal, também uma espécie de efeito da condenação.
Assim, acrescenta-se o art. 9.º-A à LEP, prevendo-se o obrigatório
fornecimento de material biológico pelos condenados por crime praticado,
dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por
qualquer dos crimes previstos no art. 1.º da Lei 8.072/1990, para o
estabelecimento do perfil biológico. O desaviso e o açodamento são
tamanhos, que se sujeitarão à providência constritiva, por exemplo, autores
de falsificação de cosméticos, mas ficarão de fora os sujeitos ativos dos
crimes de tráfico de drogas e de tortura, na modalidade em que perpetrada
“apenas” com grave ameaça, dado que não se encontram normativamente
abrangidos. Igualmente, ficou de fora o agente do roubo perpetrado sem
“violência grave”. Ademais, a inconstitucionalidade se agiganta no referido
art. 9.º-A, por um lado, na medida em que se cria o perfil genético para a
elucidação de eventuais delitos futuros, na contramão do Direito Penal do
fato. Por outro, tem-se uma sujeição sine die [sem data marcada] de tal
efeito da condenação, com uma perpetuidade que não se coaduna com o art.
5.º, LXVII, b, da CF. Portanto, entendemos que a nova manifestação
legislativa, cuja proposição nasceu no Senado, tramitando por cerca de um
ano, já ingressa írrita [sem efeito, nula] na ordem jurídica brasileira.
12. Princípio do favor rei (favor libertatis)
No conflito entre jus puniendi do Estado e do jus libertatis do acusado deve a
balança inclinar-se em favor do réu. Em razão deste são atribuídos alguns
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
benefícios ao réu, como o in dubio pro reo (na dúvida em favor do réu). Em face
deste favor innocentiæ, a lei processual permite a absolvição do réu por
insuficiência de provas (art. 386, V e VII CPP). Proíbe a reformatio in pejus
(reforma para pior) em detrimento do acusado (art. 617 do CPP) durante o
exame recursal quando o recurso for exclusivo da defesa e favorece a posição
jurídica do réu, facultando-se a interposição de recursos privativos, como a
revisão criminal (art. 621).
13. Princípio do Contraditório
Corolário do princípio da igualdade perante a lei, a isonomia processual obriga
que a parte contrária seja também ouvida, em igualdade de condições (audiatur
et altera pars), e a produzir contra-prova, ou seja, amplamente defender-se. A
ciência bilateral dos atos e termos do processo e a possibilidade de contrariá-los
são os limites impostos pelo contraditório a fim de que se conceda às partes
ocasião e possibilidade de intervirem no processo, apresentando provas,
oferecendo alegações, recorrendo das decisões etc. Correspondem ao
movimento democratizante, humanizador e garantista do processo penal, os
princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso LV, CF), segundo os
quais “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes”. Tais princípios se destinam ao processo em geral, tanto o civil
quanto o penal e ainda o processo administrativo, que, no Brasil, é de natureza
não-judicial. Todavia, não são garantias absolutas. Há situações em que o
contraditório (acusação e defesa, prova e contra-prova) não pode ser garantido
desde logo, tendo sua aplicação diferida (contraditório diferido ou prorrogado),
onde o contraditório é postergado para momento posterior. É o que ocorre, por
exemplo, com o procedimento de interceptação de comunicações telefônicas,
regulado pela Lei n. 9.296/96, em que não se pode em nenhuma hipótese
anunciar previamente ao investigado a realização da diligência de escuta
judicialmente autorizada, sob pena de total insucesso da investigação criminal.
Para o Supremo Tribunal Federal, a garantia do contraditório não vigora,
também, nos pedidos de quebra de sigilo bancário, porquanto em tais situações
o anúncio da disclosure poderá levar à mobilização de somas em dinheiro e sua
conversão em ativos móveis, o que dificultaria sobremaneira a reparação do
dano ou o eventual seqüestro dos bens. Em tais situações não é que de fato
inexista contraditório nesses procedimentos. Significa apenas que a
oportunidade de conhecimento da medida apuratória ou das provas colhidas na
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
investigação inquisitorial, e o ensejo de contestação a elas e produção de contra-
provas serão dados ao investigado/réu em momento posterior, garantindo-se
assim a ampla defesa. Certo, por outro lado, é que não há incidência do
contraditório no inquérito policial, que é procedimento administrativo pré-
processual, inquisitorial, presidido pela Polícia Judiciária, destinado à formação
da opinio delicti do Ministério Público e a subsidiar a ação responsável do
Estado em juízo, evitando lides penais temerárias. Destarte, o contraditório, que
em lógica implica a existência de “duas proposições tais que uma afirma o que a
outra nega”, tem como corolários ou implicações:
a) a igualdade das partes ou isonomia processual;
b) a bilateralidade da audiência e a ciência bilateral dos atos processuais
(audiatur et altera pars);
c) o direito à ciência prévia e a tempo da acusação, podendo o acusado "dispor
do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa";
d) o direito à ciência precisa e detalhada dessa acusação;
e) direito à compreensão da acusação e do julgamento, ainda que por meio de
tradutor ou intérprete;
f) o direito à ciência dos fundamentos fático-jurídicos da acusação;
g) a oportunidade de contrariar a acusação e de apresentar provas e fazer ouvir
testemunhas;
h) a liberdade processual de especificar suas provas e linha de defesa, escolher
seu defensor e mesmo de fazer-se revel.
Assim, a garantia do contraditório abrange a instrução lato sensu, incluindo
todas as atividades das partes que se destinam a preparar o espírito do juiz, na
prova e fora da prova. Compreende, portanto, as alegações e os arrazoados das
partes. Do princípio do contraditório decorre a igualdade processual, ou seja, a
igualdade de direitos entre as partes acusadora e acusada, que se encontram
num mesmo plano, e a liberdade processual, que consiste na faculdade que tem
o acusado de nomear o advogado que bem entender, de apresentar as provas
que lhe convenham etc.
14. Princípio da ampla defesa
A ampla defesa está intimamente ligada ao contraditório. A manutenção da
liberdade implica a ação defensiva dessa mesma liberdade, ainda que in
potentia. Do mesmo modo, não se pode conceber a vida, sem o direito presente
de mantê-la e de defendê-la contra ameaças ou agressões injustas ou ilegais,
atuais ou iminentes. Assim, também no processo penal, em que estão em jogo a
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
liberdade e o patrimônio dos acusados, bem como suas honras. Ao lado da vida,
esses são os bens mais valiosos do homem, que o diferenciam da imensa massa
dos seres. Por isso, nesse campo, quando um desses bens é posto na berlinda, a
defesa deles deve ser amplamente assegurada, “com todos os meios e recursos a
ela inerentes”. A defesa criminal pode ser técnica, quando realizada por meio de
advogado, ou pessoal. Neste caso, o réu assumiria a proteção processual dos
seus próprios interesses em face da acusação contra si apresentada. Embora
prevista em tratados internacionais, a defesa pessoal no processo penal
brasileiro só é conhecida por ocasião do interrogatório. Esta é a única
oportunidade que o acusado tem de falar por si, diretamente ao julgador, sem a
intermediação do seu procurador. Trata-se de importante forma de defesa oral,
que deve ser devidamente considerada pelo juiz por ocasião da sentença, ainda
que outra seja a tese sustentada pela defesa técnica. A exceção quanto à
refutação pessoal somente confirma a regra, que, no Brasil, é a da
imprescindibilidade de defesa técnica, na forma do art. 261 do Código de
Processo Penal. Para assegurá-la às inteiras, é preciso permitir ao réu pelo
menos:
a) o conhecimento claro e prévio da imputação;
b) a faculdade de apresentar contra-alegações;
c) a faculdade de acompanhar a produção da prova;
d) o poder de apresentar contraprova;
e) a possibilidade de interposição de recursos;
f) o direito a juiz independente e imparcial;
g) o direito de excepcionar o juízo por suspeição, incompetência ou
impedimento;
h) o direito a acusador público independente; e
i) o direito a assistência de defesa técnica por advogado de sua escolha.
Quanto a este último aspecto, realçamos a previsão do art. 14, § 3º, alínea
‘d’´, do Pacto de Nova Iorque, que assegura a todo acusado o direito de
“estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermédio
de defensor de sua escolha; de ser informado, caso não tenha defensor, do
direito que lhe assiste de tê-lo e, sempre que o interesse da justiça assim exija,
de ter um defensor designado ex officio gratuitamente, se não tiver meios para
remunerá-lo”. Semelhantemente, no art. 8º, § 2º, alínea ‘d’, do Pacto de São
José da Costa Rica, está a garantia do acusado de “defender-se pessoalmente
ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se
livremente e em particular, com seu defensor”. Quanto a este último aspecto, o
18
Processo PenalProf. Danilo Pereira
Estatuto da OAB (Lei 8.906/94) especifica entre os direitos do advogado o de
“comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem
procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em
estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”
(art. 7º, inciso III). Daí resulta que a incomunicabilidade dos acusados, ainda
que judicialmente decretada na forma do art. 21 do Código de Processo Penal,
não impede o contato direto do advogado com o seu cliente. Esta garantia
profissional do advogado é imprescindível ao asseguramento da ampla defesa do
acusado. O direito profissional é uma das manifestações do direito constitucional
do acusado a uma defesa efetiva e larga. Como se viu parágrafos acima, é
direito positivo, interno e também internacional, a garantia de defesa técnica ou
pessoal no processo criminal, admitindo-se a indicação de defensor dativo para o
réu, ainda que este não deseje, pois não é tolerável nem razoável admitir que
alguém possa ser acusado de um crime sem defender-se.
Destarte, do direito à ampla defesa decorre o dever do Estado de providenciar
ampla defesa para o acusado e de velar pela sua efetividade. Quanto a este, o
acusado, o único direito de defesa que se lhe retira é o de não se defender. Ou
seja, mesmo que o réu silencie em seu interrogatório sempre haverá defesa.
Sem defesa, não há processo penal. Nessa mesma medida, é óbvio que a defesa
deverá ser efetiva, uma vez que defesa técnica irreal, falha, omissa, leniente
equivale a ausência de defesa, sendo causa de nulidade do processo. Demais
disso, por força do art. 133 da Constituição Federal o advogado é essencial à
administração da justiça, principalmente a criminal.
15. Princípio do duplo grau de jurisdição
Este princípio não está expressamente previsto na Constituição Federal. Trata-
se de uma diretriz implícita, que se constrói a partir do art. 5º, inciso LV,
segunda parte, da Constituição, e dos arts. 92, 102, 105 e 108 da mesma Carta.
Ora, se é garantida a ampla defesa, “com os meios e recursos a ela inerentes”,
assegura-se concomitantemente o direito de revisão da decisão por um órgão
colegiado superior. De igual modo, se a Constituição regula a competência
recursal dos tribunais superiores e dos tribunais regionais e a distribui a órgãos
judiciais específicos, dando-lhes poder de julgar “em grau de recurso” as causas
decididas pelas instâncias inferiores, está a Lex Legum implicitamente
garantindo o direito ao acesso ao duplo grau de jurisdição. O direito ao duplo
grau abrange:
a) o direito ao reexame da causa, quanto ao mérito;
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
b) o direito à revisão da pena;
c) o direito à declaração de nulidades (reexame quanto à forma); e
d) impropriamente, o direito de rescindir a condenação trânsita em julgado.
Está também previsto tal princípio no Pacto de São José da Costa Rica e no
Pacto de Nova Iorque. Todavia, nessas duas convenções a menção é expressa,
valendo como lei ordinária no Brasil. Neste caso, como lei processual ordinária.
Genericamente, o art. 9º, §4º, do Pacto de Nova Iorque determina que
“Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou
encarceramento terá o direito de recorrer a um tribunal para que este decida
sobre a legalidade de seus encarceramento e ordene sua soltura, caso a prisão
tenha sido ilegal”. Mais claro é o art. 15 do mesmo tratado: “Toda pessoa
declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença
condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei”.
Neste passo, é oportuno assinalar o art. 5º, §2º, da Constituição Federal, que
estabelece que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. E,
mais recentemente, após a Emenda Constitucional 45/2004, assim dispõe o §
3º: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais.” Esse dispositivo de extensão, além de fazer clara a importância
dos princípios para a exegese constitucional, evidencia por igual que as
diretrizes que regem essa hermenêutica não se encontram apenas no art. 5º, do
rol de direitos, nem estão elencadas somente na Constituição; podem estar nas
convenções internacionais de que o Brasil seja parte ou mesmo em outros
pontos da Constituição, como no art. 228, que estatui que "São penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
especial". Embora situado no capítulo VII, do Título VIII, da Constituição, que
trata da ordem social, o art. 228 prevê legítimo direito individual, limitador da
ação do Estado no processo penal. E, portanto, é também cláusula pétrea, em
conformidade com o art. 60, §4º, inciso IV, da Carta Federal.
16. Princípio da verdade real (verdade material ou judicial)
Com o princípio da verdade real se procura estabelecer que o jus puniendi
somente seja exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos exatos
limites de sua culpa numa investigação que não encontra limites na forma ou na
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
iniciativa das partes. Busca-se aquilo que mais se aproxima da realidade, livre
de presunções ou ilações. Com ele se excluem os limites artificiais da verdade
formal, aquela que surge dos argumentos e provas produzidas pelas partes, tão
comuns no processo civil. Decorre desse princípio o dever do juiz de dar
seguimento à relação processual quando da inércia da parte e mesmo de
determinar, ex officio , provas necessárias à instrução do processo, a fim de que
possa, tanto quanto possível, descobrir a verdade dos fatos objetos da ação
penal. No processo penal brasileiro o princípio da verdade real não vige em toda
a sua inteireza. Não se permite que, após uma absolvição transitada em julgado
seja ela rescindida, mesmo quando surjam provas concludentes contra o agente.
A transação é permitida, por exemplo, nas ações privadas com o perdão do
ofendido. A omissão ou desídia do querelante pode provocar a perempção. Há,
também, inúmeras outras causas de extinção da punibilidade que podem
impedir a descoberta da verdade real.
17. Princípio da oralidade
Pelo princípio da oralidade as declarações perante os juízes e tribunais só
possuem eficácia quando formuladas através da palavra oral, ao contrário do
procedimento escrito. Três outros princípios são decorrentes da oralidade:
1. Concentração: consiste em realizar-se todo o julgamento em uma ou poucas
audiências a curtos intervalos, como ocorre, por exemplo, nos debates entre
advogado e Ministério Público na instrução processual, no julgamento perante o
Tribunal do Júri ou nos Tribunais.
2. Imediatidade (ou imediação): consiste na obrigação do juiz ficar em
contato direto com as partes e as provas, recebendo assim, também de maneira
direta, o material e elementos de convicção em que se baseará o julgamento.
3. Identidade física do juiz: é a vinculação do magistrado aos processos cuja
instrução iniciou à vinculação da decisão final: “O juiz que presidiu a instrução
deverá proferir a sentença (art. 399, § 2º CPP, com redação dada pela Lei
11.719/08).
“1. Com o advento da Lei n. 11.719/2008, o magistrado que presidir a instrução criminal deverá sentenciar o feito, ou seja, o juiz que colher a prova fica vinculado ao julgamento da causa. 2. Esta Corte Superior de Justiça tem se orientado no sentido de que deve ser admitida a mitigação do princípio da identidade física do juiz nos casos de convocação, licença, promoção, aposentadoria ou afastamento por qualquer motivo que impeça o juiz que presidiu a instrução de sentenciar o feito, por aplicação analógica da regra contida no art. 132 do Código de Processo Civil. 3. Verificado que foi prolatada sentença penal condenatória por juiz diverso do que presidiu toda a instrução e que não está configurada
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
nenhuma das hipóteses previstas no art. 132 do Código de Processo Civil, impõe-se a concessão da ordem para que seja anulada a sentença, determinando que outra seja proferida, dessa vez pelo Juiz titular da Vara ou por seu sucessor, conforme o caso. (...) 7. Ordem concedida para anular o Processo n. 130/10, da 7ª Vara Criminal de São Paulo, desde a sentença, determinando que outra seja proferida pelo Juiz que presidiu a audiência de instrução e julgamento, ressalvada a ocorrência das hipóteses do art. 132 do Código de Processo Civil e com observância da vedação à reformatio in pejus indireta, bem como para conceder a liberdade provisória ao paciente, sem prejuízo da aplicação das medidas introduzidas pela Lei n. 12.403/2011 ou da decretação da prisão preventiva, se sobrevierem fatos novos que justifiquem a adoção dessas medidas.” (STJ – HC 185859/SP – Rel. Min. Sebastião Reis Junior – J. 13.09.2011)
18. Princípio da obrigatoriedade
Com a prática da infração peal surge o direito do Estado exercitar o jus
puniendi, não sendo possível aos órgãos incumbidos da ação penal analisarem a
oportunidade ou conveniência da investigação do processo. Este princípio obriga
que a autoridade policial instaure o Inquérito Policial e o Ministério Público, na
presença de indícios de autoria do crime e prova da materialidade deste crime,
promova a ação penal (arts. 5°, 6° e 24 do CPP). Tal princípio, o mais difundido
nas legislações modernas, contrapõe-se ao princípio da oportunidade, em que o
órgão estatal tem a faculdade de promover ou não a ação penal, uma
discricionariedade da utilidade tendo em vista o interesse público. Funda-se este
na regra mínima non curat praetor, ou seja, o Estado não deve cuidar de coisas
insignificantes, podendo deixar de promover o jus puniendi quando verificar que
do exercício da ação penal podem advir maiores inconvenientes que vantagens.
No país, o princípio da oportunidade está reservado às ações privadas e as
públicas dependentes de representação e requisição do Ministro da Justiça
(ações penais condicionadas). Além disso, nas infrações penais de menor
potencial ofensivo, vige em nosso sistema a Lei dos Juizados Especiais Criminais
(L. 9.099/95) que permite a chamada transação penal (art. 72). Segundo os arts.
74 e 76 da Lei n° 9.099/95, pode o Ministério Público fazer acordo com o autor
do fato, mitigando, também, o princípio da obrigatoriedade.
19. Princípio da oficialidade
Como a repressão ao criminoso é função essencial do Estado, deve ele instituir
órgãos que assumam a persecução penal. É o princípio da oficialidade, de que os
órgãos encarregados de deduzir a pretensão punitiva sejam órgãos oficiais. No
nosso país, em termos constitucionais, a apuração das infrações penais é
efetuada pela Polícia (art. 144 da CF e art. 4° e ss do CPP), e a ação penal
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
pública é promovida, privativamente, pelo Ministério Público (art. 129, I, da CF),
seja ele da União ou dos Estados (art. 128, I e II, da CF). Como órgãos oficiais
encarregados da repressão penal, a Polícia e o Ministério Público têm
autoridade, ou seja, podem determinar ou requisitar documentos, diligências ou
quaisquer atos necessários à instrução do inquérito policial ou da ação penal,
ressalvadas as restrições constitucionais. O princípio da oficialidade, porém, não
é absoluto, prevendo-se, como exceção, a ação penal privada, promovida pelo
próprio ofendido ou por quem tenha qualidade para representá-lo, tanto nos
crimes que se apuram exclusivamente mediante queixa (art. 30, do CPP), quanto
na ação privada subsidiária (art. 5°, LIX, da CF, e art. 29 do CPP. Decorem deste
princípio outros dois:
1. Autoritariedade: os atos de persecução penal são presididos por autoridade
pública
2. Oficiosidade: os órgãos incumbidos da persecução penal devem agir de
ofício, por iniciativa própria, sem necessidade de provocação.
20. Princípio da indisponibilidade do processo
Do princípio da obrigatoriedade decorre o da indisponibilidade do processo, que
vigora inclusive na fase do inquérito policial. Uma vez instaurado este, não pode
ser paralisado indefinidamente ou arquivado. A lei processual prevê prazos para
a conclusão do inquérito no artigo 10 do CPP (10 dias se o indiciado estiver
preso e 30 dias quando estiver solto) e proíbe a autoridade mandar arquivar os
autos (art. 17 do CPP). Mesmo quando o membro do Ministério Público requer o
arquivamento de um inquérito policial, a decisão é submetida ao Juiz, como
fiscal do princípio da indisponibilidade, que, discordando das razões invocadas,
deve remeter os autos ao chefe da Instituição (art. 28). Além disso, se proíbe
que o Ministério Público desista da ação penal já instaurada (art. 42 do CPP) ou
do recurso interposto (art. 576 do CPP), e o juiz pode condenar o réu mesmo na
hipótese de pedido de absolvição por parte do Ministério Público (art. 385). O
princípio da indisponibilidade do processo não cabe na ação penal privada pois
esta ação permite a renúncia, desistência, perdão, perempção etc., hipóteses
que extinguem a punibilidade do agente (art. 107 CP). Da mesma forma, e a
ação penal pública dependente de representação (ação penal condicionada a
representação) permite a retratação antes do oferecimento da denúncia (art. 25
do CPP). Finalmente, na suspensão condicional do processo – sursis (L.
9.099/95, art. 89), podem as partes (autor do fato e Promotor) convencionar
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mediante acordo a suspensão do processo mediante algumas condições
impostas, mitigando a indisponibilidade do processo.
21. Princípio da iniciativa das partes
Sendo o direito de ação penal o de invocar a tutela jurisdicional-penal do Estado
é evidente que deve caber à parte ofendida a iniciativa de propô-la, não se
devendo conceder ao juiz a possibilidade de deduzir a pretensão punitiva
perante si próprio (ne procedat judex ex officio). Assim, cabe ao Ministério
Público, representante do Estado-Administração, propor a ação penal pública
(art. 24 do CPP) e ao ofendido ou seu representante legal a ação privada (arts.
29 e 30, do CPP), no que se denomina de princípio da iniciativa das partes. Do
princípio da iniciativa das partes decorre como conseqüência que o juiz, ao
decidir a causa, deve cingir-se aos limites do pedido do autor (MP ou ofendido) e
das exceções deduzidas pela outra parte (réu), não julgando sobre o que não foi
solicitado pelo autor (ne eat judex ultra petita partium). O julgamento ultra
petita viola o princípio citado.
22. Princípio da Imparcialidade:
Na relação jurídico processual o juiz situa-se entre as partes sua atuação deve
ocorrer de forma desinteressada em relação ao conflito entre as partes. Para
assegurar a imparcialidade, a Constituição Federal estabeleceu garantias e
vedações aos magistrados:
1. Garantias: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de salários (art.
95, incisos I, II e III CF);
2. Vedações: exercer outra função ou cargo, salvo uma de magistério; receber
custas ou participações em processo; dedicar-se à atividade político-partidária;
receber auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades de direito público
ou privadas, salvo as exceções da lei; exercer advocacia em juízo ou Tribunal ao
qual se afastou antes de decorridos TRE anos do afastamento do cargo por
aposentadoria ou exoneração (art. 95, § único CF)
23. Princípio do Impulso Oficial
Proposta a ação penal por iniciativa da parte, passa-se a desenvolver o processo,
de um ato processual a outro, segundo a ordem do procedimento, até que a
instância se finde. A fim de se assegurar essa continuidade, essa passagem de
um ato processual a outro, é necessário o que se denomina impulso processual,
ou ativação da causa, que, em nosso direito, é regido pelo princípio do impulso
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Processo PenalProf. Danilo Pereira
oficial ou ex officio. Assim, embora a iniciativa na produção das provas pertença
às partes, incumbe ao juiz, segundo o CPP, “prover a regularidade do processo e
manter a ordem no curso dos respectivos atos”(art. 251), “determinar, de ofício,
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante” (art. 156), determinar
exame complementar (art. 168), formular quesitos nas perícias em geral (art.
176), proceder novo interrogatório (art. 196) etc. Com o impulso oficial impede-
se a paralisação do procedimento pela inércia ou omissão das partes,
caminhando-se para a resolução do litígio de forma definitiva, que é o objetivo
do processo, a que obriga o princípio da indeclinabilidade da jurisdição penal.
Evidentemente tal princípio não é absoluto. Pode o processo ser encerrado sem
a solução do conflito quando ocorre, por exemplo, uma causa extintiva da
punibilidade, como a morte do agente.
24. Princípio da ordem consecutiva legal
O processo é um encadeamento lógico e sucessivo de atos e diligências, que tem
como fim permitir ao julgador a declaração da regra de direito aplicável ao caso
concreto, fazendo valer o jus puniendi estatal. Assim, suas características
estruturais mais importantes são:
a) sucessão de atos;
b) sucessão lógica desses atos;
c) sucessão ordenada, na forma da lei; e
d) dependência e concatenação entre os atos sucessivos.
Como conseqüência dessa concatenação, o elemento temporal, na definição de
prazos e ocasiões para a prática dos atos processuais, torna-se importante. Se
descumprida uma regra temporal, dá-se a preclusão, segundo o preceito
Dormientibus non sucurrit jus (o direito não socorre a quem dorme). A
desatenção à forma sucessiva e lógica dos atos processuais pode conduzir
também à nulidade do processo. Assim, a alteração da ordem legal de ouvida de
testemunhas (primeiro as da acusação e depois as da defesa), causando prejuízo
ao acusado, ocasionará a nulidade do processo a partir do instante da violação
da ordem sucessiva ordenada em lei.
25. Princípio da economia processual
Este princípio possibilita a escolha da opção menos onerosa às partes e ao
próprio Estado no desenvolvimento do processo, desde que não represente risco
para direitos individuais do acusado. Se isso puder ocorrer, a economia formal
deve ser evitada. Recente reforma processual (Lei 11.900/09), passou a admitir
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que o interrogatório do acusado seja feito por videoconferência (art. 185, § 2º
CPP), visando tanto a segurança (juiz, partes, sociedade e do próprio preso),
quando a economia no transporte de presos.
26. Princípio ne bis in idem
Conforme o art. 14, §7º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, “Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual
já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em
conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país”. Pelo art. 8º,
§4º, do Pacto de São José da Costa Rica “O acusado absolvido por sentença
passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos
fatos”. O preceito está previsto expressamente na Quinta Emenda à
Constituição dos Estados Unidos (Amendment V): “No person shall be held to
answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or
indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or
in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall
any person be subject for the same offence to be twice put in jeopardy of
life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against
himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law;
nor shall private property be taken for public use, without just compensation.”
(Ninguém será detido para responder por um crime capital, ou outro crime
infamante, salvo por uma denúncia ou acusação perante um Grande Júri, exceto
em casos que surgem na terra ou forças navais, ou na milícia, quando em
serviço em tempo de Guerra ou de perigo público, nem qualquer pessoa pode
ser sujeito pelo mesmo crime ser duas vezes em perigo de vida ou saúde;
nem ser obrigado em qualquer processo criminal a ser testemunha contra si
mesmo, nem ser privado da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido
processo legal, nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso
público sem justa compensação.) Também a Sétima Emenda da Constituição
norte-americana proíbe o dúplice julgamento, salvo aquele realizado de acordo
com o devido processo legal: “In suits at common law, where the value in
controversy shall exceed twenty dollars, the right of trial by jury shall be
preserved, and no fact tried by a jury, shall be otherwise re-examined in
any Court of the United States, than according to the rules of the
common law". (Nos processos de direito comum, onde o valor da causa exceder
vinte dólares, o direito de julgamento pelo júri será preservado, e nenhum fato
julgado por um júri, deve ser de outra forma re-examinado em qualquer 26
Processo PenalProf. Danilo Pereira
tribunal dos Estados Unidos, de acordo com as regras do direito comum).
No Brasil, além das disposições convencionais, derivadas de tratados, assegura-
se a soberania dos veredictos no tribunal do júri e a autoridade da coisa julgada
no art. 5º, incisos XXXVIII, “c” e XXXVI, da Constituição Federal.
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