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doMundoA Melhor

Uma história de António MotaIlustrada por Sandra Serra

1 .

Na casa da minha avó Rita há um calendário.

Está pendurado na parede da cozinha, por

baixo do relógio.

O relógio tem a forma de uma maçã vermelha, onde

cabem muitos algarismos e dois ponteiros pretos, um

mais comprido que o outro. No meio daquela apetitosa

maçã há uma borboleta amarela, cheia de sono.

No calendário há uma montanha com rochedos,

ervas, fl ores, neve, e duas vacas muito gordas. A vaca que

tem mais manchas pretas está a comer ervas, a outra

olha para o céu, se calhar a ver se chove, ou se vai cair

mais neve.

O calendário está cheio de círculos, de palavras e

de pontos de interrogação. A avó Rita gosta de escrever

com um lápis naquele calendário com uma montanha

e duas vacas. Mas nem sempre usa o lápis porque no

calendário há algumas datas pintadas com um marca-

dor amarelo fl uorescente. São os dias dos aniversários.

Ela chama-lhe as datas brilhantes do ano. E ri-se.

No mês de Agosto, o dia dez é a única data brilhante.

Está pintada a azul, a cor preferida da avó Rita, porque é

o dia do seu aniversário.

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A avó Rita comemora a sua data brilhante de

uma forma muito especial. Nesse dia não há bolo de

aniversário, nem velas, nem cantorias. Levanta-se muito

cedo, senta-se ao volante do seu carro azul e desaparece.

Minha mãe telefona-lhe muitas vezes, manda-lhe imen-

sas mensagens, mas ela não responde porque tem o

telemóvel desligado, ou sem rede. A meio da tarde,

a avó envia uma mensagem com quatro palavras:

“Vou regressar beijinhos Rita”. Minha mãe fi ca menos

preocupada e espera que ela volte a telefonar. A avó

regressa no dia seguinte. Depois de ter estacionado o

carro na garagem, telefona a dizer que já chegou.

Este ano, no último dia de Julho, a avó Rita fez-me

uma pergunta muito estranha:

— Tens algum compromisso para o dia dez de

Agosto?

— Vou ver… — disse eu, muito sério. Depois de

fazer de conta que tinha consultado a agenda do meu

telemóvel, respondi que não, que tinha todo o dia livre.

— Artur, queres vir comigo?

Fiquei muito espantado. Teria ouvido bem? A avó

Rita estava a convidar-me para sair com ela no dia dez

de Agosto, a sua data brilhante?

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Perguntei, para ter a certeza:

— Avó, estás a convidar-me para irmos passear de

carro no dia dos teus anos?

— Exactamente.

— A sério? Mas vais sempre sozinha.

— Mudei de opinião. Chegou o tempo de ir acompa-

nhada pelos meus dois netos. Não queres ir comigo? É

um dia diferente, disso podes ter a certeza…

A minha prima Sandra, que só é mais velha do que

eu dois anos, disse que não podia acompanhar a avó

porque no dia dez de Agosto contava estar com a mãe

dela, a minha tia Fátima, a gozar férias na praia de Monte

Gordo, no Algarve.

A avô Rita, que detesta a praia e muita gente api-

nhada no mesmo sítio, resmungou que não entendia

como era possível haver seres humanos com paciência

para estarem como os lagartos horas e horas deitados ao

sol, a queimar a pele e a apanhar com areia nos olhos, no

nariz e nas orelhas, e a levar com bolas na cabeça…

— Enfi m, gostos não se discutem — , concluiu. Mas eu

bem via que ela falava assim porque estava triste por a

Sandra não poder estar com ela no dia dez de Agosto.

— Artur, no dia dez vens comigo. Combinado?

— Sim, avó, está combinado.

— Será melhor vires jantar e dormir em minha casa

no dia nove. Assim não perdemos tempo. Achas bem?

— Acho muito bem.

Quando contei a novidade, minha mãe também fi -

cou admirada. E eu estava contente. A avó Rita cozinha

muito bem.

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2 .

Fartei-me de esperar que chegasse o dia dez de

Agosto.

Um, dois, três, quatro… em poucos segundos con-

tamos de um a dez. No entanto, quando fi camos à espera

que o dia um de Agosto dê a vez ao dia dois, e o dia dois ao

dia três, e assim sucessivamente, demora uma eternidade,

e sofre-se muito.

No dia nove, depois de ter tomado o pequeno-almo-

ço, liguei o computador e procurei o sítio da meteorologia

para saber a previsão do tempo para o dia de aniversário

da minha avó. Fiquei contente. Ia haver muito sol e muito

calor. Também fi quei a saber que no fi m da tarde do dia

dez, havia “probabilidade de trovoadas”. Como eu não

sabia muito bem o signifi cado da palavra probabilidade,

e tive preguiça de me ir informar, achei que não valia a

pena estar a pensar em faíscas, trovões e muita chuva, no

dia de anos da minha avó, era o que mais faltava.

Ao fi m da tarde, minha mãe deu-me muitos beijos

antes de me deixar em casa da avó:

— Vê lá como te portas, menino Artur! — repetiu mais

de trinta vezes.

Antes de se ir embora, cheia de pressa, obrigou

minha avó a prometer-lhe que desta vez não iria desligar

o telemóvel.

— Eu nunca desliguei o telemóvel. Não me podes

culpar se fi car sem rede — respondeu minha avó com voz

fi rme.

— Portem-se bem — recomendou minha mãe, antes

de fechar a porta de vez. Ela anda sempre muito atare-

fada, sempre a correr de um lado para o outro, sempre

a queixar-se que não tem um minuto de descanso. Ser

mãe é muito complicado.

— Está bem! — respondeu minha avó, piscando-me

um olho.

Depois de termos jantado, ou, para ser mais ver-

dadeiro, depois da minha avó me ter visto a comer uma

tigela de sopa de legumes, um bife com um ovo estrelado,

batatas fritas e salada de tomate, porque ela apenas

comeu a sopa e uma maçã, ajudei a limpar a cozinha.

Escovei os dentes antes de me sentar no sofá da sala.

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