7ª - Administração Pública - Apostila

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    ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

    Professor Davi Solonca, MSc.

    Programa da Disciplina Concurso CFO 2014

    Organização do Estado e da Administração Pública. Modelos teóricos de Administração

    Pública: patrimonialista, burocrático e gerencial. Experiências de reformas administrativas. Oprocesso de modernização da Administração Pública. Evolução dos modelos/paradigmas degestão: a nova gestão pública. Governabilidade, governança e accountability. Governoeletrônico e transparência. Qualidade na Administração Pública. Novas tecnologias gerenciaise organizacionais e sua aplicação na Administração Pública. Gestão Pública empreendedora.Ciclo de Gestão do Governo Estadual. Controle da Administração Pública. Ética no exercício dafunção pública.

    Plano de estudo

    O conteúdo foi dividido nas seguintes unidades:

    DATA(DIA/MÊS)

    MATÉRIA LECIONADA

    Unidade 1

    ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 

    Unidade 2MODELOS TEÓRICOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: PATRIMONIALISTA,BUROCRÁTICO E GERENCIAL. EXPERIÊNCIAS DE REFORMAS ADMINISTRATIVASE O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

    Unidade 3

    EVOLUÇÃO DOS MODELOS/PARADIGMAS DE GESTÃO: A NOVA GESTÃOPÚBLICA E GESTÃO PÚBLICA EMPREENDEDORA. GOVERNABILIDADE,

    GOVERNANÇA E ACCOUNTABILITY, GOVERNO ELETRÔNICO E TRANSPARÊNCIAE QUALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 

    Unidade 4

    NOVAS TECNOLOGIAS GERENCIAIS E ORGANIZACIONAIS E SUA APLICAÇÃO NAADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

    Unidade 5

    CICLO DE GESTÃO DO GOVERNO ESTADUAL

    Unidade 6CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E ÉTICA NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃOPÚBLICA

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    Unidade 1

    ORGANIZAÇÃO DO ESTADO E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

    Nesta Unidade serão abordados os seguintes aspectos sobre o Estado: as teorias sobre sua

    origem, a sua compreensão contemporânea e suas funções básicas. Também serão abordadosos elementos essenciais que compõem o Estado: formas de Estado, formas de governo,sistemas de governo e regimes políticos, funções do Estado.

    1.1 As teorias sobre a origem do Estado

    A origem do Estado foi objeto de estudo de diversos teóricos, como: Platão, Aristóteles, SãoTomás de Aquino, Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau,entre outros.

    Portanto, são diversas as teorias existentes sobre esse tema. José Matias-Pereira (2006, p. 33),em sua obra Finanças públicas, cita duas correntes teóricas clássicas que tratam do conceito deEstado:

    A primeira está relacionada às teorias naturalistas ou da origem natural doEstado – Aristóteles, Cícero, Santo Tomás de Aquino. O homem enquanto sersocial por sua própria natureza, para se realizar necessita viver em sociedade.Assim, o Estado aparece como uma necessidade humana fundamental. Asegunda explicação está vinculada às teorias voluntárias, contratualistas ou daorigem voluntária do Estado. O Estado não se forma de uma maneira natural,mas porque os indivíduos voluntariamente o desejam. O Estado é produto deum acordo de vontades entre os indivíduos.

    A partir dessa citação, deduz-se que a corrente teórica naturalista sobre o Estado pode tersurgido em virtude da necessidade do homem de viver em sociedade. Nesse contexto, oEstado torna-se uma necessidade humana fundamental. Já na segunda dessas correntes, oEstado não se formou de maneira natural, surgiu como resultado de acordos entre as vontadesdos indivíduos.

    1.2 Noção contemporânea de Estado e suas funções básicas

    O homem vive necessariamente em companhia de outros homens, por isso, espontânea e atéinconscientemente, é levado a formar grupos sociais. Assim, dada a natureza humana dohomem, nasce a sociedade criada para a sua sobrevivência.Sob essa visão sociológica, pode-se dizer em linhas gerais que o Estado é uma sociedade, poisse constitui essencialmente de um grupo de indivíduos unidos e organizados permanentementepara realizar um objetivo comum. Porém, isso não deve levar à conclusão de que qualquersociedade seja um Estado.

    Como há grande complexidade inerente ao tema em questão, é difícil estabelecer o que sejarealmente o Estado. Todavia, de forma geral e em uma visão moderna, o Estado pode serconsiderado um conjunto de pessoas ocupando, em caráter permanente, um território

    determinado, possuindo um governo organizado a quem a população deve obediência.Para Stiglitz (2000, apud Matias-Pereira, 2006, p. 35), as funções básicas do Estado modernosão:

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    [...] promover a educação, a fim de se construir uma sociedade igualitária efacilitar a estabilidade política; fomentar a tecnologia; oferecer suporte ao setorfinanceiro, principalmente através da disseminação de informação; investir eminfraestrutura: instituições, direitos de propriedade, contatos, leis e políticas quepromovam a concorrência; e criar e manter uma rede de seguridade social.A quantidade e a complexidade das funções básicas do Estado exigem que a

    Administração Pública atue de maneira efetiva para viabilizar e garantir osdireitos do cidadão que estão consagrados na sua Constituição Federal.

    1.3 Elementos essenciais do Estado

    Conforme já apresentado, a existência do Estado moderno justifica-se, portanto, por seuselementos essenciais: o povo, o território, o governo e o bem comum.O povo é o elemento humano do Estado (caracterizado pelo conjunto de indivíduos que vivemem um determinado território), organizado politicamente e sujeito às normas existentes,relacionado sob o aspecto jurídico. Nesse aspecto, estão inseridos os indivíduos nacionais e os

    estrangeiros. Em relação à submissão ao poder do Estado, os estrangeiros são gradualmenteequiparados aos cidadãos nacionais.Ressalta-se aqui que o elemento povo não se confunde com os termos nação e população. Anação é um grupo de indivíduos que se sentem unidos pela orientação comum, pelos interessescomuns e, principalmente, por ideais e aspirações comuns, que se organizam por meio de umarealidade sociológica. Assim, povo é uma entidade jurídica, nação é uma entidade moral.A população é um conceito numérico, pois trata-se de dado quantitativo que representa atotalidade de habitantes do Estado (nacionais e estrangeiros) em um aspecto demográfico(número de habitantes).

    O território é o elemento material na constituição do Estado e definidor de competências dosórgãos e das entidades da Administração Pública. Define-se como a parte de terra em que opovo se fixou. O conceito de terra aqui é mais abrangente, significa espaço territorial,constituindo-se da terra propriamente dita, do mar territorial, do espaço aéreo, dos rios e doslagos.

    Ainda a respeito do elemento do território, sob o princípio da extraterritorialidade, consagradono Direito Público Internacional, tem-se como prolongamentos do território nacional os naviosmercantes e de guerra, as aeronaves e as embaixadas do Estado a que pertence esse territórionacional.

    O governo (poder político) é a faculdade que tem o Estado de tomar decisões em nome dacoletividade que o compõe. Essa faculdade é realizada por intermédio de um poder supremoque entrelaça força e competência. Esse poder soberano é aquele que, junto à comunidadeinternacional, não encontra limites no exercício de seus direitos e não admite intervenção deoutros Estados em seus negócios internos.

    Os traços desse poder político do Estado são: a imperatividade e a natureza integrativa dopoder estatal; a capacidade de auto-organização; a unidade e a indivisibilidade do poder; osprincípios de legalidade e legitimidade, e a soberania. A soberania tem como atributos ser una,indivisível, inalienável e imprescritível.

    Logo, o Estado como forma de organização política por excelência da sociedade tem afinalidade fundamental de promoção do bem comum.

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    Resumindo:

    Estado = povo + território + governo + bem comum

    1.4 Formas de Estado

    Uma forma de Estado é o modo como ele está estruturado, ou seja, trata-se da sua organizaçãoterritorial notadamente em relação ao nível de centralização ou de descentralização do poderali exercido. A forma de Estado é contemplada na Constituição do próprio país. A saber, duasdessas formas são as seguintes: Estado simples, ou unitário, e Estado composto, ou complexo.

    A seguir, a apresentação de cada um dessas formas de Estados:

    a. Simples ou unitário

    Um Estado único ou unitário é aquele em que o poder político é concentrado em uma únicasede, em uma única esfera. Nesse Estado, portanto, o órgão governamental central éresponsável pela decisão que autoriza qualquer grau de descentralização de poder político.

    Entre os Estados desse tipo, há distinção entre os unitários centralizados, em que há apenas umaesfera de poder político, e unitários descentralizados, no qual admite-se algum grau dedescentralização política ou administrativa.

    Tal descentralização se faz presente em determinadas regiões ou províncias desse Estado, masmesmo assim elas sempre estão submetidas à vontade política do poder central. Vale destacarque, atualmente, os unitários centralizados estão em extinção. Exemplos: França, Portugal,

    Itália, Peru, entre outros.

    b. Composto ou complexo

    Um Estado composto ou complexo é formado pela união de dois ou mais Estados em que existeuma pluralidade de poderes políticos internos. Nessa forma de Estado há subdivisões, existemdiferentes tipos de uniões entre Estados, a saber:

    •  união pessoal: é a forma própria da Monarquia, que acontece quando dois ou maisEstados se unem sob o governo de um mesmo rei, ligando-se apenas pela pessoa física doimperante;

    • 

    união real: é também uma forma tipicamente monárquica, que acontece quando doisou mais Estados se unem sob o governo de um mesmo rei, mas resguardando a própriaorganização interna;

    •  confederação: é a união permanente e contratual de Estados independentes que seunem com a finalidade de defesa externa, paz interna. Os Estados confederados mantêm suasoberania e sua personalidade jurídica de Direito Público Internacional. Exemplo recente é aComunidade dos Estados Independentes (CEI), resultante da dissolução da antiga União dasRepúblicas Socialistas Soviéticas (URSS);

    •  federação: etimologicamente, significa “‘pacto” ou “aliança”, por isso é definida comoa união de dois ou mais Estados para a formação de um novo, em que a autonomia política das

    unidades é conservada e a soberania é transferida ao Estado federal. É o caso do Brasil.

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    1.5 Formas de governo

    A forma de governo (ou sistema político) é o conjunto de instituições políticas por meio dasquais um Estado se organiza a fim de exercer o seu poder sobre a sociedade que o compõe, ouseja, é como se dá a relação entre governantes e governados.

    Várias são as formas de governo. Também são várias as correntes teóricas sobre o esse tema.Aqui, opta-se por se apresentar duas dessas formas: monarquia e república.

    Para ilustrar, cita-se aqui uma terceira forma de governo: o anarquismo. Essa forma degoverno, por não existir na prática, não tem sido citada pela doutrina que trata do assunto. Arigor, o anarquismo é a ausência de governo como forma viável para um sistema social e afirmamaximizar a liberdade individual e a igualdade social. Ou seja, ela é a forma de governo querepresenta uma sociedade que funciona sem hierarquias políticas, econômicas ou sociais.A seguir, a apresentação de cada uma dessas formas de governo.

    a. Monarquia:

    É a forma de governo em que as funções estatais estão subordinadas a um único órgãosupremo, que não está na dependência da vontade popular. O monarca é o chefe da família reale, segundo a tradição, é ele quem governa enquanto viver.

    Hoje só se admite como constitucional a monarquia parlamentar (também denominadamonarquia limitada), na qual a chefia do poder é dividida em duas partes: a chefia do Estado,exercida pelo rei (o monarca), e a chefia do Governo, exercida pelo primeiro-ministro.

    As características fundamentais da monarquia são:• unipersonalidade das funções: o monarca, chefe de Estado, acumula o exercício de

    todas as funções estatais. Entretanto, atualmente, não se admite essa espécie demonarquia, pois se vislumbra a possibilidade de monarquia parlamentar ou limitada;

    • vitaliciedade: gera o exercício do poder monárquico até a morte do monarca, fazendocom que o chefe de Estado só perca o poder em três hipóteses: falecimento, abdicaçãoe destituição;

    • hereditariedade: gera a transferência da titularidade do poder de chefia de Estado depai para filho, ou melhor, dentro da mesma família. Caberá à Constituição de cadaEstado a regulamentação dessa transmissão. Normalmente, o filho primogênito domonarca é o seu primeiro sucessor, depois os demais filhos, respeitando sempre aordem de nascimento. Esgotando-se estes surgem os netos, irmãos, sobrinhos e

    primos, respectivamente;• irresponsabilidade: o chefe de Estado não possui responsabilidade política pelos seus

    atos, não cometendo, por conseguinte, crime de responsabilidade. Assim, não háensejo para o processo de impeachment.

    b. República:

    O termo “república” origina-se do latim res publica, que significa coisa (res) pública (publica),em um conceito de coisa comum, aquilo que é de todos. A forma republicana representa que opoder estatal não é atribuído apenas a uma pessoa (como na monarquia), mas a todo o povo

    (república democrática) ou a um grupo “privilegiado” (república aristocrata).

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    As características fundamentais da república são:•  pluralidade do poder: o poder pertence ao povo, não sendo concentrado em uma únicapessoa;•  temporariedade: o chefe de Governo recebe um mandato, com prazo de duraçãopredeterminado;•  eletividade: o chefe de Estado é um representante do povo ou de um determinado grupo,

    fazendo, por conseguinte, necessária a sua eleição;•  responsabilidade: o chefe de Estado é politicamente responsável, podendo ser sujeitopassivo do crime de responsabilidade. Assim, pode sofrer o processo de impeachment.

    A República é a forma de governo adotada pelo Brasil, tanto é que o país é chamado deRepública Federativa do Brasil.

    É importante salientar aqui que não se deve confundir forma de governo com sistema degoverno. Sistema é o próximo assunto a ser estudado.

    1.6 Sistemas de governo

    O sistema de governo é a maneira pela qual o poder político é dividido e exercido no âmbito deum Estado. Esse sistema estabelece o grau de relacionamento entre o Poder Executivo e oLegislativo e define o processo de designação dos seus titulares. Pode-se dividi-lo em:presidencialismo, parlamentarismo e semipresencialismo.

    a. Presidencialismo:

    É o sistema de governo em que há clara separação entre o Poder Executivo e o PoderLegislativo. Cada um desses poderes exerce suas funções independentemente do outro. Nessesistema, o presidente da República é quem acumula a função de chefe de Estado e chefe deGoverno (forma monocrática de poder), sendo eleito independentemente da composição doparlamento.São características do sistema presidencialista: divisão orgânica das três divisões do Estado(executiva, legislativa e judiciária), função executiva unipessoal (unicidade da função executiva)e ausência de responsabilidade política (o presidente da República só pode ser responsabilizadocriminalmente, o que, por sua vez, ocorre em conduta que tipifique crime comum ou deresponsabilidade).

    O presidencialismo é o sistema de governo adotado pelo Brasil.

    b. Parlamentarismo:

    Nesse sistema de governo, o Poder Executivo do Estado depende do apoio direto ou indiretodo parlamento, ou seja, o Executivo e o Legislativo são interdependentes.

    Aqui há diferença clara entre o chefe de Governo e o chefe de Estado. Nesse sistema degoverno, cabe ao chefe de Governo a função de representação externa e interna, enquanto quecabe ao chefe de Estado a condução das políticas do Estado. Nesse caso, o rei ou o presidenteda República é o chefe de Governo e o primeiro-ministro é o chefe de Estado. Essas chefias são

    cargos exercidos por pessoas distintas. Esse sistema de governo constitui-se em uma formadualista de poder.

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    c.  Semipresidencialismo:

    O sistema semipresidencialista, historicamente mais recente que os demais sistemas degoverno, caracteriza-se pela convergência das influências do presidencialismo e doparlarmentarismo. Nesse sistema, há o compartilhamento, em alguma medida, do PoderExecutivo pelo chefe de governo (geralmente o primeiro-ministro) e pelo chefe de Estado

    (geralmente o presidente). Ambos participam do quotidiano da Administração Pública doEstado.

    1.7 Regimes políticos

    O regime político refere-se ao grau de respeito da vontade do povo nas decisões estatais.Existem os regimes políticos democráticos e autoritários (não democrático).

    a. Democrático:

    É o regime em que todo o poder emana da vontade popular. Seguindo uma clássica definiçãodesse termo, é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Divide-se em:

    • democracia direta: as decisões são tomadas pelo próprio povo em assembleias;•  democracia representativa: as decisões são tomadas por representantes livrementeescolhidos pelo povo;•  democracia semidireta: é combinação de ambas as formas anteriores dedemocracia. Consiste em uma democracia representativa com alguns instrumentos departicipação direta do povo na formação da vontade nacional. A Constituição brasileirade 1988 elegeu esse como o tipo de regime político que deveria ser o utilizado em

    nosso país. E, em seu artigo 1o, parágrafo único, estabeleceu: “todo poder emana dopovo, que o exerce por meio d e representantes eleitos ou diretamente”.

    Os regimes políticos democráticos caracterizam-se por eleições livres, liberdade de imprensa,respeito aos direitos civis constitucionais, garantias para a sua oposição política e liberdade deorganização e expressão do pensamento político.

    O Brasil adota esse regime político, por isso é intitulado por sua Constituição Federal comoEstado Democrático de Direito.

    b. Autoritário (não democrático):

    Também conhecido como regime ditatorial e totalitário. Tem como característica comum a nãoprevalência da vontade popular na formação do governo, que normalmente é comandado porum ditador e até mesmo tirano.

    1.7 Funções básicas do Estado

    O Estado passa a ter existência a partir do momento em que o povo, conscientemente de suanacionalidade, se organiza politicamente.

    O Estado, como instrumento de organização política da comunidade, deve ser estudado comoum sistema de funções que disciplinam e coordenam os meios (eficiência) para atingir

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    determinados objetivos (eficácia) e como um conjunto de órgãos destinados a exercer essasfunções(efetividade).

    Concepção Aristotélica

    O Estado tem como finalidades básicas: a segurança, como objetivo de manter a ordempolítica, econômica e social e o desenvolvimento, com o objetivo de promover o bem comum.

    Concepção Marxista

    Maurice Duverger refere-se ao Estado como poder instituído em uma sociedade paradominação de certas classes sobre outras. O Estado é um mero instrumento das classesdominantes.

    Concepção liberalista

    Segundo Souza Franco (1992, p.140), “a visão do Estado homogêneo, típica dopensamento e da realidade do liberalismo, sucedeu no nosso tempo a complexidade de umconceito de atividade financeira centrada sobre o setor público”. Isso nos leva a refletir sobre osreflexos do patrimônio, estruturas e das instituições que integram o Estado.

    Assim ao tratar das funções básicas do Estado, é preciso incluir no temário a discussãosobre sua reforma, que já vem sendo discutida desde a década de 80, sendo necessário darrespostas à crise fiscal e administrativa, por que passa a Administração Pública.

    Concepção Contemporânea

    O Estado desempenha as seguintes funções:

    Instruir e dinamizar uma ordem jurídica (função normativa, ordenadora ou legislativa);

    Cumprir e fazer cumprir as normas próprias dessa ordem, resolvendo os conflitos deinteresses (função disciplinadora ou jurisdicional);

    Cumprir essa ordem, administrando os interesses coletivos, gerindo os bens públicos eatendendo às necessidades gerais (função executiva ou administrativa).

    Estas funções traduzem a competência de cada um dos Poderes para realizar suaprópria gestão administrativa, patrimonial e de controle, conforme quadro abaixo:

    Quadro 1: Funções Preponderantes e Específicas

    FUNÇÕESPREPONDERANTES

    FUNÇÕES ESPECÍFICAS

    Principal Acessórias

    Legislativa Normativa NormativaAdministrativaControle Interno e Externo

    Executiva Administrativa Administrativa NormativaControle InternoJudiciária Judicativa Judicativa

    Controle Interno

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    Fonte: Silva, Lino Martins. Contabilidade governamental: um enfoque administrativo. 4 ed. SãoPaulo: Atlas, 2000.

    Organizado o Estado, foi necessário obter os meios indispensáveis para manter suaexistência e cumprir suas múltiplas atividades, política, administrativa, econômica, financeira,sendo esta última a que se preocupa em obter, gerir e aplicar recursos necessários para fazerfuncionar as instituições.

    As atividades do Estado estão concretizadas nos objetivos nacionais que fornecem oscritérios norteadores da política financeira adotada.

    Aliomar Baleeiro, na sua obra de Ciências das finanças, arremata com precisão quais asatividades que o Estado deveria limitar-se, ou seja, defesa, justiça, diplomacia e obras públicas, naqual as funções públicas eram consideradas um mal necessário, até as teorias mais modernas,das finanças funcionais, do Estado Intervencionista, influenciando o processo de formação edistribuição de riquezas.

    No Estado moderno, as finanças públicas não são somente um meio de assegurar acobertura para as despesas do governo, são também, fundamentalmente, um meio de intervir naeconomia, de exercer pressão sobre a estrutura produtiva e de modificar as regras dadistribuição da renda.

    Com este instrumental, as finanças públicas, de simples provedoras de recursos,passaram a confundir-se com a nova finalidade do Estado, qual seja, a de estabelecer umequilíbrio geral das estruturas institucionais (jurídica, política, moral e religiosa), o que ultrapassade muito o conceito clássico e restrito do equilíbrio orçamentário.

    Deste modo, as finanças públicas envolvem toda a ação do Estado para satisfação das

    necessidades coletivas e como consequência o estudo da conveniência e oportunidade daadequabilidade das ações a serem desenvolvidas para o atendimento de tais necessidades.

    Para atingir a plena satisfação das necessidades da população, a administração pública édividida, segundo as atividades que exerce, em:

      Atividades-meio, que envolvem o próprio papel do Estado e sua estrutura paraatender às necessidades da população;

      Atividades-fim, que estão voltadas para o efetivo atendimento das demandas dapopulação.

    Tanto as atividades-meio como as atividades-fim podem ser divididas de acordo com a área deatuação em: (1) atividades estratégicas e políticas e (2) atividades administrativas e de apoio.

    Quadro 2: Políticas e Estratégica/Atividades Meio e Fim

    POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS(ATIVIDADES-FIM) (ATIVIDADES-MEIO) 

    •  Justiça•  Segurança Pública• 

    Defesa Nacional

    •  Planejamento•  Orçamento• 

    Recursos Humanos•  Controle Interno Integrado

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    ADMINISTRATIVAS E DE APOIO(ATIVIDADES-FIM) (ATIVIDADES-MEIO) 

    •  Educação•  Saúde•  Transporte•  Urbanismo

    • 

    Agricultura•  Gestão Ambiental

    •  Material e Patrimônio•  Documentação•  Serviços Gerais•  Controle Interno de Cada Poder

    Fonte: Silva, Lino Martins. Contabilidade governamental: um enfoque administrativo. 4ed. São Paulo: Atlas, 2000.

    RESUMO

    ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – CONCEITO, NATUREZA, FINS

    O CONCEITO de administração pública é gerir interesses segundo a lei, a moral e a finalidade dos

    bens da coletividade entregues à guarda e conservação da ADM.

    A sua NATUREZA é um múnus público, ou seja, é o encargo público de quem a exerce.

    Os seus FINS são o bem comum da coletividade administrativa e a defesa do interesse público .

    - SENTIDO AMPLO

    Órgão de governo (responsáveis pela função política), ou seja, são os responsáveis por traçarplanos, além dos Órgãos administrativos (responsáveis pela função administrativa) que sãoresponsáveis pela execução dos planos

    - SENTIDO ESTRITO

    Órgãos administrativos (responsáveis pela função administrativa) que são responsáveis pelaexecução dos planos

    - EM SENTIDO OBJETIVO, MATERIAL OU FUNCIONAL

    É a atividade administrativa executada pelo Estado por meio de seus órgãos e entidades;

    Engloba as atividades administrativas de: 1) fomento, 2) polícia administrativa, 3) serviçopúblico e 4) intervenção administrativa

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    FOMENTO =  INCENTIVO À INICIATIVA PRIVADA DE UTILIDADE PÚBLICA 

    POLÍCIA ADMINISTRATIVA = RESTRIÇÕES OU CONDICIONAMENTOS IMPOSTOS AO  EXERCÍCIO DEDIREITO INDIVIDUAIS  EM BENEFÍCIO DO INTERESSE COLETIVO

    SERVIÇO PÚBLICO = PRESTAÇÃO DE UMA COMODIDADE MATERIALMENTE FRUÍVEL, SOB REGIME 

    PREDOMINANTEMENTE PÚBLICO 

    INTERVENÇÃO ADMINISTRATIVA = REGULAMENTAÇÃO, FISCALIZAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA DE NATUREZA PRIVADA OU ATUAÇÃO DIRETA DO ESTADO (ISN + RIC)

    - EM SENTIDO SUBJETIVO FORMAL OU ORGÂNICO

    É o aparelhamento de que dispõe o Estado para execução das políticas traçadas pelo Governo.Engloba todos os órgão e agentes que estejam exercendo função administrativa, de todos ospoderes, de todas as esferas políticas.

    ADM. DIRETA

    UEMDF + SEUS ÓRGÃOS

    ADM. INDIRETA

    AUTARQUIAS, FUNDAÇÕES, EP – Empresa pública e SEM - Sociedade de Economia Mista

    CARACTERÍSTICAS DAS EP’S E SEM’S

     Podem falir – o art 242 da Lei das S.A.’s foi revogado. A maior parte da doutrina sóaceita a falência qdo for EP ou SEM exploradora de atividade econômica. Celso Antônio diz quepoderia ocorrer tbém p/ prestadora de serviço público, mas num regime diferente.

     Criação / extinção – lei autoriza. A criação dá-se c/ o registro dos atos constitutivos naJunta Comercial.

     São pessoas jurídicas de direito privado.

      Derrogação parcial do regime público – segue um regime híbrido em que algumas

    regras do RJA são seguidas.

     Vinculação à sua especialidade.

      estão sujeitas a controle pelo judiciário, legislativo (auxiliado pelo TC), supervisãoministerial e Social (Ação popular, Petição, Representações).

      Licitação: aplica-se a Lei 8.666/93 enquanto não surgir o regime especial a que fazmenção o art. 173 da CF

     Não podem se beneficiar de privilégios não extensíveis à iniciativa privada

     Sendo prestadora de serviço público = aplica-se o art. 37, § 6.º & o Estado respondesubsidiariamente

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     Sendo exploradora de atividade econômica = não se aplica o art. 37, § 6.º (mas poderáhaver responsabilização, inclusive objetiva, nos termos do Código Civil) & o Estado não respondesubsidiariamente.

      Bens serão considerados públicos quando destinados ao serviço público (P. dacontinuidade).

    REGIME DE PESSOAL NAS EP’S E SEM’S•  Dirigentes: têm duas funções: a) representar a adm direta (supervisão ministerial) b) dirigir

    a empresa;

    •  Não-dirigentes: regime obrigatório = celetista (o estatutário não é possível);

    •  Sujeição ao concurso público;

    •  Sujeição ao regime de acumulação previsto na CF.

    •  Sujeição ao teto remuneratório ;

    • 

    Sujeição ao regime de improbidade administrativa;

    •  Equiparação para efeitos penais (art. 327 CP);

    •  Não há estabilidade, mas a dispensa não é livre;  exige motivo justificado, sob pena de

    nulidade.

    Referências

    ALÉM, Ana Cláudia; GIAMBIAGI, Fabio. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 3. ed. Rio de

    Janeiro: Elsevier, 2008.

    BASTOS, Celso R. Curso de teoria geral do estado e ciência política. 6. ed. São Paulo: Saraiva,2004.

    BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa. Disponível em: . Acesso em: 01 mar. 2010.

    DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva,2005.

    MATIAS-PEREIRA, José. Finanças públicas: a política orçamentária no Brasil. 3. ed. São Paulo:Atlas, 2006.

    MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. rev. e atual. até a EmendaConstitucional no 44/2004. São Paulo: Atlas, 2004.

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    UNIDADE 2

    MODELOS TEÓRICOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: PATRIMONIALISTA, BUROCRÁTICO EGERENCIAL

    Modelos organizacionais e reformas da administração pública*

    Leonardo Secchi**

    * Artigo recebido em ago. 2008 e aceito em jan. 2009. ** PhD em ciências políticas pelaUniversidade de Milão, Itália, M.Sc. em administração pela Universidade Federal de SantaCatarina, bacharel em administração pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor deadministração do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Comunitária Regional deChapecó (Unochapecó), editor-responsável da revista Gestão Organizacional, líder do Grupo dePesquisa em Gestão Social da Unochapecó. Endereço: Av. Senador Attilio Fontana, 591-E —Bairro Efapi — CEP 89809-000, Chapecó, SC, Brasil. E-mail:

    Sumário: 1. Introdução; 2. O modelo burocrático; 3. Gerencialismo; 4. Governançapública; 5. Comparando modelos organizacionais: continuidade ou descontinuidade? 6.Considerações finais.

    PalavraS-chave: reforma da administração pública; modelo burocrático; administração

    pública gerencial; governo empreendedor; governança pública.

    Este artigo foi elaborado a partir de uma pesquisa bibliográfica em livros e artigoscientíficos clássicos ou recentemente publicados na literatura de administração pública naEuropa e nos Estados Unidos, e faz uma comparação dos quatro modelos organizacionais erelacionais que vêm inspirando o desenho das estruturas e processos nas recentes reformas daadministração pública. Os modelos analisados são o burocrático, a administração públicagerencial, o governo empreendedor e a governança pública.  Recentemente, reformasadministrativas vêm pregando a substituição progressiva do modelo burocrático weberianopor novos modelos de gestão e de relação do Estado com a sociedade. Este artigo mostra queos novos modelos compartilham características essenciais com o modelo tradicional

    burocrático e, portanto, não são modelos de ruptura. Também é argumentado que reformasda administração pública transformam-se facilmente em políticas simbólicas, e que políticos eburocratas tentam manipular a percepção do público em relação ao desempenho dosgovernos. Não são raros os esforços de reforma da administração pública que avançam maisem autopromoção e retórica do que em fatos concretos.

    Por último, são feitas sugestões para uma agenda de pesquisa àqueles interessadosem temas de reformas da administração pública.

    1 Introdução

    Desde os anos 1980, as administrações públicas em todo o mundo realizarammudanças substanciais nas políticas de gestão pública (PGPs) e no desenho de organizaçõesprogramáticas (DOPs). Essas reformas administrativas consolidam novos discursos e práticasderivadas do setor privado e os usam como benchmarks para organizações públicas em todas

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    as esferas de governo. Hays e Plagens (2002:327) dão uma noção da magnitude dessasreformas: “estratégias aclamadas de reforma têm vindo diretamente do setor privado numaonda que talvez possa ser considerada a mais profunda redefinição da administração públicadesde que esta emergiu como uma área de especialidade identificável”.

    Os elementos apontados como ativadores dessas ondas de “modernização” são acrise fiscal do Estado (Aucoin, 1990; Hood, 1995; Pollitt e Bouckaert 2002a), a crescentecompetição territorial pelos investimentos privados e mão de obra qualificada (Subirats eQuintana, 2005), a disponibilidade de novos conhecimentos organizacionais e tecnologia, aascensão de valores pluralistas e neoliberais (Kooiman, 1993; Rhodes, 1997), e a crescentecomplexidade, dinâmica e diversidade das nossas sociedades (Kooiman, 1993). No velhocontinente, o processo de europeanização também tem desempenhado um papel crucial noestímulo à adoção de novos modelos organizacionais e à revisão das PGPs nos níveis nacionais,regionais e municipais (Olsen, 2002; Radaelli, 2005).

    O modelo burocrático tornou-se o alvo das mais ásperas críticas. O modelo burocrático

    weberiano foi considerado inadequado para o contexto institucional contemporâneo por suapresumida ineficiência, morosidade, estilo autorreferencial, e descolamento das necessidadesdos cidadãos (Barzelay, 1992; Osborne e Gaebler, 1992; Hood, 1995; Pollitt e Bouckaert, 2002a).

    Dois modelos organizacionais e um paradigma relacional foram apresentados comoalternativas ao modelo burocrático. A administração pública gerencial (AGP) e o governoempreendedor (GE) são modelos organizacionais que incorporam prescrições para a melhorada efetividade da gestão das organizações públicas. O movimento da governança pública (GP)se traduz em um modelo relacional porque oferece uma abordagem diferenciada de conexãoentre o sistema governamental e o ambiente que circunda o governo.

    No longo prazo, esses modelos para reformas têm potencial para mudar o modo queas organizações públicas se administram e se relacionam.

    Também é importante frisar que, não raras vezes, reformas da administração públicasão empunhadas com meros propósitos retóricos. Outras vezes, têm poucos efeitos oufracassam completamente.

    Este artigo apresenta o estado da arte sobre modelos organizacionais públicosrecentemente debatidos na comunidade epistêmica internacional da área de administraçãopública. Além de organizar a literatura sobre modelos organizacionais, o artigo comparaelementos essenciais dos modelos, avançando na discussão sobre os pontos de inflexão e ospontos de continuidade das recentes propostas de modelos para reformas administrativas.

    Este artigo foi elaborado por meio de pesquisa bibliográfica realizada em livros, artigoscientíficos e working papers da literatura de administração pública, publicados na Europa e nosEstados Unidos. A comparação dos modelos organizacionais foi feita utilizando alguns“conceitos sensíveis” (Patton, 1990), tais como função sistêmica, relação sistêmica com oambiente, separação entre política e administração, função administrativa essencial,discricionariedade administrativa e tipo de tratamento que a administração pública tem com ocidadão.

    Nas próximas seções serão apresentados os modelos organizacionais diretamenterelacionados com os recentes esforços de reformas administrativas: o modelo burocrático, o

    gerencialismo (subdividido em APG e GE) e a governança pública. Por fim, será feita a análisecomparativa dos modelos em questão.

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    2 O modelo burocrático

    O modelo burocrático weberiano é um modelo organizacional que desfrutou notáveldisseminação nas administrações públicas durante o século XX em todo o mundo. O modeloburocrático é atribuído a Max Weber, porque o sociólogo alemão analisou e sintetizou suasprincipais características. O modelo também é conhecido na literatura inglesa comoprogressive public administration — PPA (Hood, 1995), referindo-se ao modelo que inspirou as

    reformas introduzidas nas administrações públicas dos Estados Unidos entre os séculos XIX eXX, durante a chamada progressive era.

    No entanto, desde o século XVI o modelo burocrático já era bastante difundido nasadministrações públicas, nas organizações religiosas e militares, especialmente na Europa.Desde lá o modelo burocrático foi experimentado com intensidades heterogêneas e emdiversos níveis organizacionais, culminando com sua adoção no século XX em organizaçõespúblicas, privadas e do terceiro setor.

    Em 1904, no livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, Max Weber (1930:16-17) fazia referências ao burocrata como profissional e à disseminação do modelo burocrático

    em países ocidentais, suas características de especialização, controle, e, sobretudo,racionalismo.

    Foi apenas após a morte de Weber, e após a publicação em 1922 do livro Wirtschaftund Gesellschaft (Economia e sociedade), que as bases teóricas da burocracia foramdefinitivamente construídas. Na sua descrição sobre os modelos ideais típicos de dominação,Weber identificou o exercício da autoridade racional-legal como fonte de poder dentro dasorganizações burocráticas.

    Nesse modelo, o poder emana das normas, das instituições formais, e não do perfilcarismático ou da tradição.

    A partir desse axioma fundamental derivam-se as três características principais domodelo burocrático: a formalidade, a impessoalidade e o profissionalismo. 

    A formalidade impõe deveres e responsabilidades aos membros da organização, aconfiguração e legitimidade de uma hierarquia administrativa, as documentações escritas dosprocedimentos administrativos, a formalização dos processos decisórios e a formalização dascomunicações internas e externas. As tarefas dos empregados são formalmente estabelecidasde maneira a garantir a continuidade do trabalho e a estandardização dos serviços prestados,para evitar ao máximo a discricionariedade individual na execução das rotinas.

    A impessoalidade prescreve que a relação entre os membros da organização e entre aorganização e o ambiente externo está baseada em funções e linhas de autoridade claras. Ochefe ou diretor de um setor ou departamento tem a autoridade e responsabilidade paradecidir e comunicar sua decisão. O chefe ou diretor é a pessoa que formalmente representa aorganização. Ainda mais importante, a impessoalidade implica que as posições hierárquicaspertencem à organização, e não às pessoas que a estão ocupando. Isso ajuda a evitar aapropriação individual do poder, prestígio, e outros tipos de benefícios, a partir do momentoque o indivíduo deixa sua função ou a organização. O profissionalismo está intimamenteligado ao valor positivo atribuído ao mérito como critério de justiça e diferenciação. Asfunções são atribuídas a pessoas que chegam a um cargo por meio de competição justa naqual os postulantes devem mostrar suas melhores capacidades técnicas e conhecimento.

    O profissionalismo é um princípio que ataca os efeitos negativos do nepotismo quedominava o modelo pré-burocrático patrimonialista  (March, 1961; Bresser-Pereira, 1996). Apromoção do empregado para postos mais altos na hierarquia depende da experiência nafunção (senioridade) e desempenho (performance). O ideal é a criação de uma hierarquia de

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    competências com base na meritocracia. Outras características do modelo que derivam doprofissionalismo são a separação entre propriedade pública e privada, trabalho remunerado,divisão racional das tarefas e separação dos ambientes de vida e trabalho.

    O modelo burocrático weberiano estabeleceu um padrão excepcional de expertiseentre os trabalhadores das organizações. Um dos aspectos centrais é a separação entreplanejamento e execução. Com base no princípio do profissionalismo e da divisão racional do

    trabalho, a separação entre planejamento e execução dá contornos práticos à distinçãowilsoniana entre a política e a administração pública, na qual a política é responsável pelaelaboração de objetivos e a administração pública responsável por transformar as decisões emações concretas. No setor privado, a burocracia weberiana consolida a prescrição de Taylor(1911) sobre divisão de tarefas entre executivos (usando a mente) e operadores (usando osmúsculos).

    A preocupação com a eficiência organizacional é central no modelo burocrático. Porum lado, os valores de eficiência econômica impõem a alocação racional dos recursos, que nateoria weberiana é traduzida em uma preocupação especial com a alocação racional daspessoas dentro da estrutura organizacional. Por outro lado, o valor da eficiência administrativa

    induz à obediência às prescrições formais das tarefas, em outras palavras, preocupações do“como as coisas são feitas”. Nas teorias da escolha pública (public choice) os mecanismos queinduzem a burocracia a cumprir determinadas tarefas seguindo prescrições formais sãochamados restrições exante (ex ante constraints) às agências e/ou burocracias (McCubbins,Noll e Weingast, 1989).

    Outro valor implícito na ideia de burocracia é a equidade, pois ela é desenhada para dartratamento igualitário aos empregados que desempenham tarefas iguais (tratamento, saláriosetc.). A burocracia também é desenhada para prover produtos e serviços standard aosdestinatários de suas atividades.

    Também implícita ao modelo burocrático é a desconfiança geral com relação ànatureza humana. O controle procedimental de tarefas, e reiteradas preocupações com aimparcialidade no tratamento dos empregados e clientes são expressões claras da teoria X deMcGregor. A teoria X, em contraposição à teoria Y do mesmo McGregor, é entendida comodesconfiança com relação à índole humana, à vontade de trabalho e desenvolvimento daspessoas, e à capacidade criativa e de responsabilidade. As críticas ao modelo organizacionalburocrático são muitas. Após a II Guerra Mundial uma onda de confrontação intelectual contrao modelo burocrático foi liderada por Simon (1947), Waldo (1948) e Merton (1949).

    Robert Merton (1949) elaborou a crítica mais incisiva e direta ao modelo burocrático,analisando os seus efeitos negativos sobre as organizações e outras esferas da vida. Esses

    efeitos negativos foram chamados de disfunções burocráticas: o impacto da prescrição estritade tarefas (red tape) sobre a motivação dos empregados, resistência às mudanças, e odesvirtuamento de objetivos provocado pela obediência acrítica às normas. Outro aspectolevantado por Merton (1949) é o abuso da senioridade como critério para promoção funcionalque, segundo o pesquisador, pode frear a competição entre funcionários e fomentar um sensode integridade e corporativismo entre os funcionários, causando um destacamento dosinteresses dos destinatários/clientes dos serviços da organização. Ademais, a impessoalidadelevada ao pé da letra pode levar a organização a não dar atenção a peculiaridades dasnecessidades individuais. Merton (1949) ainda enumera a arrogância funcional em relação aopúblico destinatário, em especial no serviço público, pois, em muitos casos, o funcionalismo

    público goza de situação de monopólio na prestação de serviços. Tais disfunções podem serainda mais prejudiciais em organizações que dependem da criatividade e da inovação. Depoisde Merton, outras críticas foram feitas ao modelo burocrático, e elas podem ser notadas

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    implicitamente nas características dos chamados modelos pós-burocráticos de organização. Naadministração pública destacam-se os modelos gerenciais (APG e GE), e a governança pública.

    3 Gerencialismo

    Dois modelos organizacionais têm pintado o quadro global de reformas daadministração pública nas últimas décadas: a administração pública gerencial (APG) e o

    governo empreendedor (GE). Os dois modelos compartilham os valores da produtividade,orientação ao serviço, descentralização, eficiência na prestação de serviços, marketization2  eaccountability3  (Kettl, 2005). A APG e o GE são frequentemente chamados de gerencialismo(managerialism). A administração pública gerencial ou nova gestão pública (new publicmanagement) é um modelo normativo pós-burocrático para a estruturação e a gestão daadministração pública baseado em valores de eficiência, eficácia e competitividade.

    Alguns autores se referem à APG como um movimento delimitado em espaço e tempo,como um processo de mudança nas administrações públicas do norte da Europa, do Canadá, ena Oceania nos anos 1980 e 90 (Christensen, Lagreid e Wise, 2002; Kettl, 2005).

    De acordo com Barzelay (2000:229), a APG é um campo de debate acadêmico eprofissional sobre temas de “políticas de gestão pública, liderança executiva, desenho deorganizações programáticas e operações de governo”.

    Outros autores ainda consideram a APG um conjunto de ferramentas e não umaideologia, tendência ou movimento (Schedler, citado por Jones, 2004).

    Hood e Jackson (1991) defendem que a APG é um argumento administrativo ou umafilosofia de administração, na qual eficiência e desempenho são valores que prevalecem. Essafilosofia de administração é baseada em um conjunto de doutrinas e justificativas. As doutrinassão prescrições para a ação, receitas para serem aplicadas na gestão e no desenho dasorganizações públicas.

    2 Marketization é o termo utilizado para a utilização de mecanismos de mercadodentro da esfera pública. Exemplos de mecanismos de mercado é a liberdade de escolha deprovedor por parte do usuário do serviço público e a introdução da competição entre órgãospúblicos e entre órgãos públicos e agentes privados.

    3 Accountability é um termo de difícil tradução para o português. Literalmenteaccountability significa a prestação de contas por parte de quem foi incumbido de uma tarefaàquele que solicitou a tarefa (relação entre o agente e o principal). A Accountability pode serconsiderada o somatório dos conceitos de responsabilização, transparência e controle.

    As justificativas são as razões para a pertinência das doutrinas, dando a elas umsentido racional. Como argumentado por Hood e Jackson (1991), doutrinas e justificativas sãorelativamente coerentes umas com as outras, e algumas filosofias podem usar certasprescrições baseadas em algumas justificativas, já outras filosofias podem usar as mesmasprescrições baseadas em justificativas totalmente diferentes.

    As justificativas são compostas por valores, frequentemente parciais e contestáveis,mas com força normativa. De acordo com Hood e Jackson (1991), existem três grupos de

    valores que dão base às justificativas:- grupo sigma — eficiência e alocação racional de recursos, limitação do desperdício,

    simplicidade e clareza;

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    - grupo theta — equidade, justiça, neutralidade, accountability e controle de abusosdos agentes (desonestidade, imperícia etc.);

    - grupo lambda: capacidade de resposta, resiliência sistêmica, flexibilidade,elasticidade.

    Barzelay (2000) e Parsons (2006) afirmam que a APG é um modelo normativo para agestão pública, fundado em argumentos, doutrinas e justificativas derivados da interpretaçãopositiva ao grupo sigma de valores. A interpretação de APG como doutrina é compartilhada porPollitt e Bouckaert (2002b) e por Hood (1995). Para Pollitt e Bouckaert (2002b), a APG pode serconsiderada uma religião, um sistema de crenças baseado na racionalidade instrumentalaplicada à gestão pública. Hood (1995:95-98) avançou a discussão enumerando o conjunto deprescrições operativas da APG:

    •  desagregação do serviço público em unidades especializadas, e centros de•  custos;•  competição entre organizações públicas e entre organizações públicas e privadas;•  uso de práticas de gestão provenientes da administração privada;•  atenção à disciplina e parcimônia;• 

    administradores empreendedores com autonomia para decidir;•  avaliação de desempenho;•  avaliação centrada nos outputs.

    O livro Reinventando o governo, escrito por Osborne e Gaebler em 1992, inaugurou o“governo empreendedor” como um estilo pragmático de gestão pública.

    A abordagem foi claramente inspirada na teoria administrativa moderna, trazendopara os administradores públicos a linguagem e ferramentas da administração privada contidaem livros como The practice of management (Drucker, 1954) e In search of excellence (Peters

    e Waterman, 1982). Originalmente, as ideias do GE se desenvolveram com maior intensidadenos Estados Unidos, quando a abordagem de Osborne e Gaebler foi utilizada no programa degoverno do partido democrático nas eleições presidenciais de 1992, e posteriormente usadacomo base para o Government performance results act de 1993 e o programa nacional dedesempenho da administração pública (national performance review) durante a administraçãoClinton-Gore. Fazendo uso de uma linguagem prescritiva, Osborne e Gaebler (1992)sintetizaram em uma lista de 10 mandamentos a receita para transformar uma organizaçãopública burocrática em uma organização pública racional e eficaz. Os dez mandamentos do GEsão apresentados de forma resumida a seguir:

    •  governo catalisador — os governos não devem assumir o papel de implementador de

    políticas públicas sozinhos, mas sim harmonizar a ação de diferentes agentes sociais nasolução de problemas coletivos;

    •  governo que pertence à comunidade — os governos devem abrir-se à participação doscidadãos no momento de tomada de decisão;

    •  governo competitivo — os governos devem criar mecanismos de competição dentrodas organizações públicas e entre organizações públicas e privadas, buscando fomentara melhora da qualidade dos serviços prestados.

    •  Essa prescrição vai contra os monopólios governamentais na prestação de certosserviços públicos;

    •  governo orientado por missões — os governos devem deixar de lado a obsessão pelo

    seguimento de normativas formais e migrar a atenção na direção da sua verdadeiramissão;

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    •  governo de resultados — os governos devem substituir o foco no controle de inputspara o controle de outputs e impactos de suas ações, e para isso adotar a administraçãopor objetivos;

    •  governo orientado ao cliente — os governos devem substituir a autorreferencialidadepela lógica de atenção às necessidades dos clientes/cidadãos;

    •  governo empreendedor — os governos devem esforçar-se a aumentar seus ganhos por

    meio de aplicações financeiras e ampliação da prestação de serviços;•  governo preventivo — os governos devem abandonar comportamentos reativos na

    solução de problemas pela ação proativa, elaborando planejamento estratégico demodo a antever problemas potenciais;

    •  governo descentralizado — os governos devem envolver os funcionários nos processosdeliberativos, aproveitando o seu conhecimento e capacidade inovadora. Além demelhorar a capacidade de inovação e resolução de problemas, a descentralizaçãotambém é apresentada como forma de aumentar a motivação e autoestima dosfuncionários públicos;

    •  governo orientado para o mercado — os governos devem promover e adentrar na

    lógica competitiva de mercado, investindo dinheiro em aplicações de risco, agindocomo intermediário na prestação de certos serviços, criando agências regulatórias einstitutos para prestação de informação relevante e, assim, abatendo custostransacionais.

    Se observados atentamente, uns mandamentos se sobrepõem a outros, como noscasos dos mandamentos de governo de resultados e governo orientado por missões. Nosmandamentos de governo catalisador, governo orientado para o mercado, governoempreendedor e governo competitivo, os autores apresentam prescrições contraditórias emrelação a papel e tamanho do setor público. Apesar disso, o livro mostra coerência em valores

    primários de racionalidade, eficácia e liberdade de escolha.Implicitamente, o modelo de GE de Osborne e Gaebler tem uma perspectiva positiva

    com relação à natureza humana. Os autores, especialmente nos capítulos dois (governo quepertence à comunidade) e nove (governo descentralizado), defendem uma visão quaseromântica com relação ao comportamento e motivação dos cidadãos e funcionários pelostemas públicos. As ideias de Osborne e Gaebler também exaltam valores ligados ao filãofilosófico do comunitarismo, principalmente quando evocam a importância do envolvimentocívico no processo de mudança, comunicação e parceria entre esferas públicas e privadas.

    4 Governança pública

    A definição de governança não é livre de contestações. Isso porque tal definição geraambiguidades entre diferentes áreas do conhecimento. As principais disciplinas que estudamfenômenos de “governance” são as relações internacionais, teorias do desenvolvimento, aadministração privada, as ciências políticas e a administração pública. Estudos de relaçõesinternacionais concebem governança como mudanças nas relações de poder entre estados nopresente cenário internacional.

    Os chamados teóricos globalizadores (globalizers), de tradição liberal, veemgovernance como a derrocada do modelo de relações internacionais vigente desde o séculoXVII, onde o Estado-nação sempre foi tido como ator individual, e a transição a um modelo

    colaborativo de relação interestatal e entre atores estatais e não estatais na solução deproblemas coletivos internacionais.

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    favor de organizações internacionais (blocos regionais, Nações Unidas, FMI, Banco Mundial),em favor de organizações não estatais (mercado e organizações não governamentais) e emfavor de organizações locais (governos locais, agências descentralizadas etc.)

    A terceira força motriz da GP é a própria APG como modelo de gestão daadministração pública nacional, estadual e municipal, focando maior atenção no desempenho eno tratamento dos problemas do que nas perguntas “quem” deve implementar ou “como”

    devem ser implementadas as políticas públicas.Na verdade, alguns acadêmicos consideram a GP uma consequência do movimento da

    APG, com a qual compartilha algumas características: “há alguma semelhança entre as duasperspectivas e parece claro que o recente interesse em governança, em parte, tem sidoalavancado pela crescente popularidade da administração pública gerencial e a idéia de formasgenéricas de controle social” (Pierre e Peters, 2000: 65).

    Pierre e Peters (2000) delineiam os elementos inexoráveis da GP: estruturas einterações. As estruturas podem funcionar por meio de mecanismos de hierarquia (governo),mecanismos autorregulados (mercado) e mecanismos horizontais de cooperação

    (comunidade, sociedade, redes). As interações dos três tipos de estrutura são fluidas, compouca ou nenhuma distinção clara entre elas.

    Essa abordagem relacional, e o resgate das redes/comunidades/sociedades comoestruturas de construção de políticas públicas, é a grande novidade proposta pelos teóricos daGP. Segundo Brugué e Vallès (2005:198):

    A governança (...) não é mais baseada na autoridade central ou políticos eleitos(modelo da hierarquia) e nem passagem de responsabilidade para o setor privado (modelo demercado), mas sim regula e aloca recursos coletivos por meio de relações com a população ecom outros níveis de governo.

    Um aspecto de maior discordância dentro da comunidade epistêmica de administraçãopública é a questão do papel do Estado num contexto de GP. Por um lado, Kooiman (1993)percebe uma diminuição do protagonismo estatal no processo de elaboração de políticaspúblicas. De acordo com Kooiman, a GP implica não apenas o envolvimento de atores nãoestatais no planejamento e implementação das políticas públicas, mas também em todo oprocesso de coprodução e cogestão de políticas. Rhodes (1997:57) compartilha desta visão,afirmando que “o Estado torna-se uma coleção de redes interorganizacionais compostas poratores governamentais e sociais sem nenhum ator soberano capaz de guiar e regular”.

    Richards e Smith (2002) contestam esse tipo de entendimento, respondendo que oEstado mantém seu papel de liderança na elaboração de políticas públicas. De acordo com os

    autores, a GP provoca a criação de centros múltiplos de elaboração da política pública, em nívellocal, regional, nacional ou supranacional. O Estado, no entanto, não perde importância, massim desloca seu papel primordial da implementação para a coordenação e o controle.

    Essa abordagem centrada no Estado argumenta que a GP cria “instrumentos decolaboração e um modelo mais transparente e integrador de Estado (...) que serve como umveículo ao alcance de interesses coletivos” (Pierre e Peters, 2000:92).

    Tratando de questões mais práticas, a GP disponibiliza plataformas organizacionaispara facilitar o alcance de objetivos públicos tais como o envolvimento de cidadãos naconstrução de políticas, fazendo uso de mecanismos de democracia deliberativa e redes de

    políticas públicas.A democracia deliberativa foi experimentada em indústrias japonesas no pós-guerra

    como um procedimento adequado a aproveitar o conhecimento e os frames cognitivos dos

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    empregados no momento de decidir sobre produtos e processos produtivos (Sabel, 2001). Essaexperiência organizacional também vem sendo usada na esfera governamental com o intuitode melhorar a interação entre atores públicos e privados para a solução de problemas coletivose a redução de elos na cadeia de accountability.

    As redes de políticas públicas (policy networks) podem ser consideradas umaabordagem de pesquisa, uma filosofia de mediação de interesses ou uma forma específica deinteração entre atores públicos e privados numa área de política pública (Börzel, 1998). Aúltima interpretação é a que guia este artigo.

    Os mecanismos de democracia deliberativa já foram experimentados em diferenteslugares e áreas de políticas públicas. Exemplos desses mecanismos são o fortalecimento dacomunidade na gestão do patrimônio público (community empowerment), os planejamentos eorçamentos participativos, os conselhos deliberativos nas diversas áreas de políticas públicas.

    As redes de políticas públicas (policy networks) representam outra forma específica de

    interação entre atores públicos e privados (Börzel, 1998). A participação nas redes de políticaspúblicas é aberta a qualquer interessado e tal tipo de arena produz baixa externalidadenegativa ao ambiente externo (Regonini, 2005). Um exemplo de rede desse gênero seria ogrupo de jovens que se organiza para resolver o problema de cachorros abandonados nosgrandes centros urbanos, ou ainda o grupo de empresários e organizações do terceiro setorque se organizam para encontrar soluções locais para combater a criminalidade. A relativaindependência das redes de políticas públicas é sublinhada por Rhodes (1997:52) quando dizque as “(...) redes de políticas públicas se auto-organizam. Trocando em miúdos, auto-organização quer dizer que as redes são autônomas e autogovernáveis (…), redes sedesvinculam da liderança governamental, desenvolvem suas próprias políticas e moldam seus

    ambientes”.O ideal subjacente a essa forma de organização é a substituição da agregação

    numérica de preferências (votos) pelo processo cíclico

    e dialético de fertilização cruzada das preferências no momento de elaborar políticaspúblicas.

    A GP também denota a coordenação de atores estatais e não estatais nas operaçõesde governo, e as parcerias público-privadas (PPPs) são os exemplos mais básicos. A esserespeito Klijn e Teisman (2003:137) definem as PPPs como “cooperação entre atores públicos eprivados de caráter temporário no qual os atores desenvolvem produtos mutuamente e/ou

    serviços e onde riscos, custos e benefícios são compartilhados”.As áreas de políticas públicas onde as PPPs têm sido intensamente adotadas são os

    setores de infraestrutura e proteção ambiental, e os contratos preveem mecanismos decontrole para mensurar resultados e impactos no ambiente econômico e social.

    5 Comparando modelos organizacionais: continuidade ou descontinuidade?

    A descrição dos modelos organizacionais de forma fragmentada parece obscurecer oselementos básicos de continuidade e descontinuidade. Além disso, a apresentação dessesmodelos de forma isolada, em “caixinhas”, poderia levar a interpretações equivocadas quanto

    às fronteiras entre esses modelos. Serão apresentados aqui os elementos compartilhados e oselementos distintivos dos modelos burocráticos, do modelo gerencial (administração públicagerencial + governo empreendedor) e da governança pública, analisando conceitos sensíveis

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    como função sistêmica, relação sistêmica com o ambiente, separação entre política eadministração, função administrativa essencial, discricionariedade administrativa e tipo detratamento que a administração pública tem com o cidadão.

    O principal elemento comum desses modelos é a preocupação com a função controle.No caso do modelo burocrático, as características de formalidade e impessoalidade servempara controlar os agentes públicos, as comunicações, as relações intraorganizacionais e da

    organização com o ambiente.A função controle é uma consequência de um implícito julgamento de que os

    funcionários públicos se comportam de acordo com a teoria X de McGregor (1960). A funçãocontrole na APG está presente tanto no aspecto da capacidade de controle dos políticos sobrea máquina administrativa quanto no controle dos resultados das políticas públicas. O modelorelacional da GP dá valor positivo ao envolvimento de atores não estatais no processo deelaboração de políticas públicas como estratégia de devolver o controle aos destinatários dasações públicas (controle social). Usando a terminologia derivada da teoria sistêmica(Bertalanffy, 1969), esses modelos usam a função controle para manter a homeostase dosistema organizacional. Eles não são, portanto, modelos de ruptura.

    O modelo burocrático e os modelos gerenciais compartilham a manutenção dadistinção wilsoniana entre política e administração pública. A separação de funções entrepolítica e administração permeia o modelo burocrático weberiano, em que o processo deconstrução da agenda pública é visto como tarefa eminentemente política, enquanto aimplementação da política pública é de responsabilidade da administração. No gerencialismo, aresponsabilidade sobre os resultados das políticas públicas recai sobre os ombros dos políticos.

    No entanto, a distinção entre política e administração é suavizada quando evoca adescentralização do poder de decisão, o envolvimento da comunidade e de burocratas nodesenho das políticas públicas. Com base em valores pluralistas, a abordagem da GP apresenta

    elementos de descontinuidade e superação da distinção wilsoniana entre política eadministração.

    Como modelos organizacionais, a burocracia APG e o GE tratam questões decentralização e liberdade de decisão dos gestores. Para Hood (1995), evitar a discricionariedadede gestores públicos sempre foi uma marca característica da administração pública burocrática.A APG e o GE têm uma percepção mais positiva dos funcionários públicos, e comoconsequência os mecanismos de controle são desenhados para a avaliação de resultados, aoinvés de controle de processo (Hood, 1995; Barzelay, 2001; Jones, 2004).

    O tipo de relacionamento entre os ambientes internos e externos à organização

    pública é um ponto em comum entre os modelos gerenciais e o modelo de governança pública.Os modelos diferem da burocracia nesse aspecto.

    As esferas públicas e privadas são tratadas como impermeáveis no modelo burocráticoweberiano, até como estratégia para enfrentar as ameaças de corrupção e patrimonialismoque assombravam as organizações pré-burocráticas. Nos preceitos da APG, do GE e da GP asfronteiras formais/legais do Estado tornam-se analiticamente impertinentes, tanto é quemecanismos de suavização da distinção das duas esferas são sugeridos como as práticasdeliberativas, as redes de políticas públicas, as PPPs e o princípio de governo catalisadorsugerido por Osborne e Gaebler (1992).

    Uma clara distinção entre os três modelos em estudo é visível na forma de tratamento

    do cidadão. No modelo burocrático, o cidadão é chamado de usuário dos serviços públicos. Naretórica dos modelos APG e GE, os cidadãos são tratados como clientes, cujas necessidadesdevem ser satisfeitas pelo serviço público. Sob o guarda-chuva da GP, os cidadãos e outras

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    organizações são chamados de parceiros ou stakeholders, com os quais a esfera públicaconstrói modelos horizontais de relacionamento e coordenação.

    Outro critério que pode ser usado para diferenciar a PPA, a APG, o GE e a GP é o usoanalítico das quatro funções clássicas de administração: planejamento, organização, direção econtrole.

    Como já visto, a função controle está presente em todos os modelos organizacionaisvistos. A função planejamento é especialmente enfatizada pela APG e GE no processo deplanejamento estratégico, no acordo de objetivos entre políticos, burocratas e cidadãos e naadoção da administração por objetivos. O modelo burocrático coloca maior ênfase na funçãoorganização: a análise e a descrição de cargos, a divisão racional das tarefas, a criação defluxogramas e canais de comunicação entre departamentos e setores.

    As quatro funções administrativas são derivadas da contribuição original de HenriFayol (1916), um engenheiro francês que sintetizou o papel dos administradores em funçõesde prévoir, organiser, commander, coordonner, contrôler. 

    Por último, a contribuição mais peculiar à governança é a função direção, entendidacomo a soma de liderança e atividades de coordenação. O modelo relacional da GP põe ênfasena coordenação entre atores públicos e privados, e na capacidade de coordenação horizontalentre organizações públicas, organizações do terceiro setor, cidadãos, redes de políticaspúblicas e organizações privadas, na busca de soluções para problemas coletivos.

    No quadro estão sintetizadas as distinções e similaridades entre os modelosorganizacionais.

    Características básicas dos modelos organizacionais Característica Burocracia APG e GE

    Característica Burocracia APG e GE GovernançaPública

    Função sistêmica Homeostase Homeostase Homeostase

    Relação sistêmica com oambiente

    Fechado Aberto Aberto

    Distinção entre política e

    administração

    Separados Trabalhando juntos sob

    comando político

    Distinção

    superada

    Funções administrativasenfatizadas

    Controle e

    organização

    Controle e planejamento Controle ecoordenação

    Discricionariedadeadministrativa

    Baixa Alta n.a.*

    Cidadão Usuário Cliente Parceiro

    * A GP dedica pouca atenção a assuntos organizacionais internos tais como autonomia dosgestores, descentralização vertical ou administrativa.

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    6 Considerações finais

    Reforma da administração pública é o conjunto de inovações em políticas públicas degestão e no desenho de organizações programáticas, e está baseada em um conjuntorazoavelmente coerente de justificativas e retórica. Reformas da administração pública sãogeralmente alinhadas a valores de eficiência, accountability e flexibilidade (Hood e Jackson,

    1991). Uma reforma na administração pública acontece quando uma organização públicaprogressivamente muda suas práticas de gestão, modelo de relacionamento e retórica.Reformas da administração pública ocorrem em diferentes contextos espaciais e temporais,sob a guarda de diferentes escopos e valores.

    No fim do século XIX nos Estados Unidos, e durante a década de 1930 no Brasil,reformas administrativas se espalharam pelas organizações públicas, marcando a transição demodelos pré-burocráticos para o modelo burocrático de administração pública (Bresser-Pereira, 1996, 2004). A mesma transição foi verificada em outros contextos e em outrosperíodos. Nas últimas três décadas, o modelo burocrático weberiano foi desafiado por novosmodelos organizacionais e de relacionamento como a APG, o GE e a GP, e essa transição

    recente tem sido considerada uma nova onda global de reformas da administração pública(Kettl, 2005).

    É importante lembrar que a presumida “mágica” das reformas administrativas deveser cautelosa. Este artigo mostrou que novos modelos organizacionais compartilham algumascaracterísticas com o modelo burocrático weberiano: continuam a colocar ênfase na funçãocontrole e não se apresentam como modelos de ruptura.

    Outro cuidado que deve ser tomado é que as reformas da administração públicapodem tornar-se facilmente políticas simbólicas de mero valor retórico (Gustaffson, 1983;March e Olsen, 1983; Battistelli, 2002). Políticos, funcionários de carreira e empreendedorespolíticos em geral tentam manipular a percepção coletiva a respeito das organizações públicasusando as reformas administrativas como argumento para isso. Não são raros os esforços dereforma da administração pública que avançam mais em autopromoção e retórica do que emfatos concretos.

    Por fim, qualquer verificação empírica sobre reformas da administração pública deveestar atenta aos aspectos incrementais de mudança organizacional. Ao invés de falar emascensão, predomínio e declínio de modelos organizacionais, talvez seja mais frutífero falar emum processo cumulativo de mudanças nas práticas e valores. Analiticamente um pesquisadorpode encontrar fragmentos de burocracia, APG, GE e GP dentro de uma mesma organização.

    Até mesmo o patrimonialismo pré-burocrático ainda sobrevive por meio das evidências

    de nepotismo, gerontocracia, corrupção e nos sistemas de designação de cargos públicosbaseados na lealdade política. Ademais, entre organizações e dentro de uma mesmaorganização, o pesquisador pode encontrar ainda diferentes graus de penetração dos diversosmodelos organizacionais. A pesquisa sobre a adoção de modelos organizacionais deve verificarcontinuidades e descontinuidades dos modelos em diferentes unidades organizacionais, níveishierárquicos e regiões geográficas.

    Questões de pesquisa que parecem longe de estar respondidas na realidade brasileirasão: até que ponto reformas da administração pública foram efetivadas empiricamente? Emquais níveis organizacionais e de decisão o aclamado aumento da discricionariedade gerencialvem acontecendo? Para que tipo de decisão os gestores intermediários gozam de liberdade(discricionariedade em como fazer ou discricionariedade no que fazer)? Existe realmente umatransição de mecanismos de controle em favor de mecanismos ex post, a despeito de controlesde processo?

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    Tais questões parecem longe de um entendimento pacífico e o trabalho de pesquisano campo poderá respondê-las apropriadamente se abordar as diversas esferas daadministração pública, nas diversas áreas de políticas públicas, nas diversas regiões do país.Assim, são de extrema importância para o acúmulo de conhecimento a elaboração de estudoscomparados, a organização de projetos interinstitucionais que estudem as questões, e apesquisa usando a gramática e os esquemas analíticos já estabelecidos nas áreas de

    administração pública e políticas públicas (policymaking studies).

    UNIDADE 3

    Bases de uma Reforma Administrativa de EmergênciaJoão Geraldo Piquet CarneiroFórum EspecialComo Ser o Melhor dos BRICs 3, 4 e 5 de setembro de 2008 

    Os ciclos reformadores e o papel das elites do serviço público

    Vamos examinar a experiência brasileira nos últimos setenta anos e dos diferentes contextosem que essas reformas ocorreram. A primeira delas teve lugar no Estado Novo, a partir dasegunda metade da década de 30, e se iniciou com a criação do Departamento deAdministração Civil do Serviço Público – DASP, órgão encarregado de dar organicidade àadministração federal em matéria de compras públicas e de pessoal. A seguir, foi instituído eregulado o concurso para acesso à função pública, mediante a adoção de provas nacionais, eo sistema do mérito para a promoção na carreira pública2.

    No fim dos anos 30 e início da década de 40, surgem os Institutos de Previdência Social (os“IAPs”), sob forma de autarquias dotadas de autonomia financeira e operacional. Foi oprimeiro esforço sério de descentralização administrativa e de busca de novos padrões deeficiência gerencial que rompessem com o rigorismo formal aplicável aos órgãos centrais dogoverno. A participação de um notável grupo de excelência administrativa – foi fundamentalpara lançar as bases de um novo padrão de gestão pública no governo federal.

    Outro ciclo de reformas inicia-se na década de 50 com a criação e consolidação das grandesempresas estatais, como parte da estratégia de industrialização. Isso demandaria um grau de

    flexibilidade decisória inexistente nos órgãos centrais de governo, razão pela qual no governode Juscelino Kubitschek (1955 a 1960) surgem os “grupo executivos”, sem natureza jurídicaprópria e por isso mesmo livres dos controles impostos sobre as estruturas convencionais degoverno. As empresas estatais, dotadas de autonomia financeira e gerencial e regime jurídicosemelhante ao das empresas privadas, passaram a ser peças fundamentais ao novo ciclo dedesenvolvimento econômico. Sendo ainda frágil o setor privado nacional, os órgãos defomento, tendo à frente o BNDES e o Banco do Brasil, celeiros de técnicos de altaqualificação, tornaram-se instrumento fundamentais de financiamento do processo deindustrialização.

    Uma importante reforma administrativa foi a do Estado da Guanabara, em 1962, no governoCarlos Lacerda, a qual serviria de matriz para a reforma administrativa federal de 1967. Denovo, lá estava reunido o que havia de melhor na administração pública brasileira, em termos

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    de competência e experiência – remanescentes da administração federal no Rio de Janeiro –com uma estratégica de gestão fundada na descentralização administrativa e na delegaçãode competência. Do ponto de vista político, foi a primeira reforma administrativa promovidaem pleno regime democrático.

    O terceiro ciclo de reformas da administração federal teve início em 1965, no primeiro

    governo militar. No governo deposto, o Ministério Extraordinário da Reforma Administrativahavia promovido um primeiro diagnóstico sobre a administração federal, o qual foiaproveitado pela Comissão de Reforma Administrativa constituída pelo Presidente daRepública General Castello

    2 Mais tarde o DASP se tornaria sinônimo de centralização administrativa, principalmenteem matéria de compras e de pessoal. Mas seu sentido modernizador foi inquestionável.

    Branco3. Na Comissão, travou-se o confronto entre duas concepções antagônicas de reforma

    administrativa. De um lado, os tradicionalistas, que entendiam o processo de reformabasicamente como uma reformulação de estruturas, uma revisão do organograma daadministração; de outro lado, liderados por Helio Beltrão, que havia sido Secretário dePlanejamento do Estado da Guanabara, os que encaravam a reforma como um processodinâmico, com ênfase no papel dos servidores públicos como agentes da reforma e naprioridade à descentralização administrativa e à delegação de competência. No final,prevaleceu a corrente moderna e seus princípios fundamentais encontram-se na primeiraparte do Decreto-lei 200 de 1967 – estatuto básico da Reforma Administrativa.

    A Reforma de 1967 logrou êxitos em várias frentes. Deu organicidade ao setor produtivo

    estatal, consagrando o princípio da autonomia financeira e gerencial das empresas estatais eassegurandolhes regime jurídico adequado; definiu o conceito de planejamento ecoordenação administrativa e criou o orçamento plurianual; além disso, preparou as bases dareforma constitucional que reforçou a capacidade de organização interna do Executivo. Noentanto, o endurecimento do regime militar, a partir de 1969, impediu que a reformachegasse à últimas conseqüências naquilo que era sua verdadeira essência, posto que acentralização política ditada pelo regime militar era incompatível com a descentralizaçãoadministrativa. Esta teria sido fundamental para dar maior funcionalidade ao sistemafederativo, mediante delegação de atribuições executivas do centro para a periferia daadministração federal, e desta em direção aos estados e municípios4.

    Um novo ciclo de reformas inicia-se em 1979, por meio do Programa Nacional deDesburocratização. Seus princípios orientadores eram essencialmente os mesmos da reformade 1967, porém com ênfase especial no atendimento dos interesses dos cidadãos e namelhoria da qualidade do serviço público. Datam desse período várias iniciativas pioneirasdestinadas a assegurar tratamento diferenciado, inclusive no plano legislativo, às distintasquestões sociais, econômicas e administrativas, bem como a simplificar rotinas, controles eexigências de natureza formal cujo custo se demonstrasse excessivo para os pobres e aspequenas empresas.

    Dois grandes projetos oriundos do Programa de Desburocratização foram aprovados, em1984, pelo Congresso e se tornaram símbolos do esforço de reforma – o Juizado de Pequenas

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    Causas, destinado a ampliar o acesso à Justiça, e o Estatuto da Microempresa, queassegurava isenções fiscais e redução de encargos bur ocráticos às empresas de portereduzido. Ambos passaram a ter normas específicas na Constituição de 1988, o que significou,do ponto de vista institucional, uma importante inflexão no sentido da consagração dotratamento jurídico diferenciado, ou seja, do rompimento, ao menos parcial, da vocaçãolegislativa padronizadora e centralizadora.

    Na década de 90, a reforma administrativa passa a ter como norte – em linha com o que jávinha ocorrendo na Europa desde os anos 80 – a privatização de serviços públicos e aconseqüente criação das agências reguladoras. Em junho de 1998, foi aprovada a emendaconstitucional nº 19 com o objetivo, entre outros, de mitigar o engessamento excessivo dosetor público por controles excessivos. Entre estes, a imposição do Regime Jurídico Único atodos os servidores públicos. Mas, como já visto, o art. 39 caput foi consideradoinconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pelo que permanece em vigor o regimeinstituído em 1988.

    No mesmo período, destaca-se a introdução do novo modelo regulatório das empresasconcessionárias de serviços públicos. A criação das agências reguladoras teve um iníciotumultuado pelo fato de que em alguns casos a privatização precedeu à criação dessesórgãos.

    De todo, trata -se de um sistema já implantado e irreversível, ainda que comporteaperfeiçoamentos adicionais e, em particular, na melhor definição do poder discricionáriodas agências nos temas substantivos que lhe são próprios e no controle finalístico e nãoapenar formal a que estão submetidas.

    Importante é assinalar que ao longo de dessas sete décadas de sístoles e diástoles do ímpetoreformador, sempre houve esforços isolados setoriais de grande importância para amanutenção de um núcleo básico de qualidade do serviço público e de uma culturareformadora. Destacam-se, sem dúvida, o Banco Central, o Banco do Brasil, o BNDES comoórgão de fomento, a Secretaria do Tesouro Nacional e, no campo acadêmico, a FundaçãoGetúlio Vargas e diversas universidades públicas e privadas.

    3 O ministro EXtraordinário da Reforma Administrativa foi Amaral Peixoto, político doEstado do Rio de Janeiro e fig ura importante desde o Estado Novo.

    4 Governadores e prefeitos de capitais passaram a ser nomeados pelo Presidente daRepública.

    O ciclo declinante

    Após o fim do ciclo de governos militares e especialmente a partir da Constituição de 1988,verifica-se o arrefecimento do ímpeto reformador da administração pública. O realpolitik noCongresso Nacional promoveu diversas mudanças no organograma federal com a criação,extinção e recriação de órgãos públicos, com sérios prejuízos para a eficiência da gestão

    pública. Em diversas circunstâncias ficou claro que a “reforma” administrativa não passava deum instrumento ancilar de clientelismo político.

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    Com isso, instalou-se na administração federal um elemento de instabilidade extremamentegrave. Pois, toda vez que se muda a localização de um órgão e se alteram seus objetivosestruturais, neles se instala um processo de crise que provoca paralisia do processo decisórioe perda da memória administrativa, além de fomentar conflitos de culturas (principalmentenas fusões) e insegurança no seio do funcionalismo de carreira.5 

    O período do governo Collor também foi marcado por uma série de mudanças drásticas daestrutura federal, porém não mais como linha auxiliar do clientelismo. Nesse período, areforma tornou-se um instrumento de marketing político do governo, tal como o combate àsmordomias, a pregação do Estado mínimo e as propostas de “enxugamento da máquina” 6.

    Diversos fatores contribuíram – e continuam contribuindo até hoje – para o esvaziamento doprocesso de reforma administrativa federal. Em primeiro lugar, reduziu-se a contribuição daselites modernizadoras, uma vez que, devido ao empobrecimento da administração federal,dissolveram-se as “ilhas” de competência” e experiência.

    Em segundo lugar, a Constituição de 1988 retirou do Executivo o poder de se auto-organizar.Assim, mudanças na estrutura administrativa, como a criação de órgãos, passaram adepender da chancela do Congresso, o que significou abrir ainda mais as portas à barganhapolítica.

    Em terceiro lugar, o modo pelo qual foi conduzida a reforma constitucional exacerbousobremaneira o corporativismo. Com efeito, a subdivisão temática do trabalho daConstituinte permitiu que inúmeros grupos de interesses empresariais, regionais, setoriais,sindicais etc se organizassem para pressionar os parlamentares.

    5 Um exemplo paradigmático ocorreu na área de Ciência e Tecnologia. De in ício, Ciência eTecnologia faziam parte do Ministério da Indústria e do Comércio; logo resolveu-se, por motivopolítico circunstancial, criar-se um ministério específico, extraído do MIC, para cuidar do assunto;como o novo ministério não tinha quadro próprio, levou um pedaço dos funcionários do MIC; nomomento seguinte, houve nova conveniência política de refundir os dois minist érios,renomeando-se o antigo ministério para ministério da Indústria, do Comércio e da Ciência eTecnologia; dois anos depois, o novo o ministério foi mais uma vez cindido.

    6 É desse período a criação do super-ministério da Infra-Estrtura, resultante da fusão detrês ministérios — uma das mais insensatas providências em matéria de desorganizaçãoadministrativa. Provou-se impossível um único ministro controlar várias áreas gigantescas, sendo

    que o peso específico de cada uma delas variava muito.

    O Governo Fernando Henrique Cardoso esteve comprometido desde o primeiro mandato,com a Reforma do Estado, nesta compreendidas: a extinção ou abrandamento dosmonopólios estatais, a reforma do sistema previdenciário, a privatização de serviçospúblicos, a reforma tributária e a reforma do Judiciário. A Reforma Administrativa (emenda19 de 1998) teve em mira, entre outras providências, dar flexibilidade ao regime jurídico dosservidores públicos (antes o regime era “único”), permitir a demissão de servidores estáveispor insuficiência de desempenho e excesso de quadros, fixar o teto de remuneração, além de

    “desconstitucionalizar” determinadas ques