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8º Encontro da ABCP 01 a 04/08/2012, Gramado, RS Área Temática: Política e Economia "A Economia Política Brasileira face à Globalização: Capitalismo Mediterrâneo ou Regionalista? " Antonio José Junqueira Botelho, Professor Titular, Programa de Pós-graduação em Ciência Política & Relações Internacionais, IUPERJ / Universidade Cândido Mendes José Aires Trigo, Doutorando, Programa de Pós-graduação em Ciência Política & Relações Internacionais, IUPERJ / Universidade Cândido Mendes e Professor, Faculdade CCAA.

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01 a 04/08/2012, Gramado, RS

Área Temática: Política e Economia

"A Economia Política Brasileira face à Globalização: Capitalismo Mediterrâneo

ou Regionalista? "

Antonio José Junqueira Botelho, Professor Titular, Programa de Pós-graduação

em Ciência Política & Relações Internacionais, IUPERJ / Universidade Cândido

Mendes

José Aires Trigo, Doutorando, Programa de Pós-graduação em Ciência Política

& Relações Internacionais, IUPERJ / Universidade Cândido Mendes e

Professor, Faculdade CCAA.

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A Economia Política Brasileira face à Globalização: Capitalismo

Mediterrâneo ou Regionalista?

Antonio José Junqueira Botelho

José Aires Trigo

Resumo

A perspectiva de economia política comparada ‘variedades de capitalismo’ desenvolveu modelos híbridos para superar os limites analíticos dos ideal-tipos-economias liberais de mercado e economias de mercado coordenadas-visando analisar comparativamente as forças e fraquezas de respostas à globalização. O modelo ‘Capitalismo Mediterrâneo’ (Espanha) ao manter o foco em instituições nacionais sem prestar atenção à diversidade de organizações econômicas subnacionais, não dá conta do caso da Itália; originando o modelo de ‘Capitalismo Regionalizado’. O trabalho apresenta os contornos analíticos e teóricos destes e explora uma caracterização do Brasil, para analisar respostas da sua economia política à globalização. Logo, ele faz uma análise comparativa de duas instituições centrais da perspectiva – o mercado de trabalho e sistema de treinamento profissional – no Brasil, Itália e Espanha.

1 INTRODUÇÃO

Na saída da crise global da década de 80 que enterrou a perspectiva de

recuperação do modelo capitalista que se desenvolveu a partir do fim da

segunda grande guerra, os anos noventa foram caracterizados pela forte

orientação liberal e receberam grande influência do que ficou conhecido como

o “Consenso de Washington”, com seu receituário para uma trajetória

econômica próspera que enfatizava medidas clássicas de ajustes, dentre

outras o controle dos gastos públicos, reforma tributária, privatização, defesa

da propriedade intelectual e ampla liberdade comercial e financeira.

Entretanto, na tentativa de resolver os problemas do mundo capitalista, os

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entusiastas esqueceram de atentar para as diferenças existentes entre os

países, apoiando-se na premissa de que tudo era passível de ser reduzido a

uma sociedade orientada pelo e para o mercado.

Após dez anos, a estreita visão do “Consenso de Washington” recebe

um “verniz” de institucionalismo econômico proveniente das propostas de

reformas de nova geração, ou o dito “Segundo Consenso de Washington”. Com

vistas a trilhar um caminho menos universalista, o Fundo Monetário

Internacional (FMI) sugere melhorias nas instituições, através do alinhamento

das relações entre o Estado, o mercado e a sociedade civil, com o sucesso da

empreitada condicionada a práticas de boa governança: getting the institutions

right. Os elementos relacionados às questões sociais, tais como rede de

segurança e o combate à pobreza seriam objetos de esforços desde que não

gerassem aumento dos gastos públicos. No esteio dessa reforma, se observa

um fortalecimento da sociedade civil, evidenciada pelo aumento da

expressividade de suas aspirações, através da “pressão” exercida para dentro

do Estado.

Assim, o “2º Consenso de Washington” adquire contornos distintos dos

que imperavam até então. A prioridade do crescimento econômico começa a

dar lugar a um conceito de desenvolvimento econômico, incorporando

elementos como a ética e a equidade, objetivando o bem estar coletivo. Essa

nova concepção do desenvolvimento implica uma síntese de objetivos

meramente mercadológicos com metas da satisfação individual e a da justiça

social, harmonizando o 2º consenso com uma visão democrático-humanista.

Em que pesem tais avanços, ainda perdurava na perspectiva neoliberal

agora reformada, de forma significativa, a visão de um mundo homogêneo e

submisso a uma ordem única.

O aparente sucesso do modelo vigente até então, todavia estaria

comprometido em decorrência da não observância da multiplicidade de vieses

institucionais, tanto no que tange a suas trajetórias históricas como a

diversidade na configuração dos atores envolvidos, trazendo luz à percepção

de que a organização da vida econômica está longe de ser uniforme. Ao final,

como apontado por Rodrik (2006), as autoridades do Banco Mundial

demoraram, mas reconheceram, que a estratégia única não demonstrou a

capacidade necessária para garantir um crescimento econômico mundial

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homogêneo e assim compreender que “contextos diferentes requerem

diferentes soluções” (RODRIK, 2006, p. 976).

No que tange o papel do Estado, este não pode admitir que seu sistema

econômico seja norteado apenas pelas forças de mercado, principalmente se

atentarmos para as crises recorrentes. As referidas crises costumam vir

acompanhadas pela revisão do papel do Estado como regulador das

imperfeições do mercado.

Ganha espaço então uma importante corrente de pensamento que

enfatiza a relação existente entre o setor empresarial e o Estado como um fator

explicativo de certas experiências positivas de desenvolvimento. Por exemplo,

Schneider & Maxfield (1997) apontam que o desempenho da economia está

imbricado com uma colaboração entre os grupos de interesse do setor privado

e o Estado, considerando que as associações de classe buscam cooperação

com vistas à correção de falhas de mercado, privilegiando sua funcionalidade

na solução de problemas de coordenação.

Nessa linha, atentamos para o significativo impulso analítico oferecido

pela abordagem conhecida como “variedades de capitalismo” (HALL &

SOSKICE, 2001). Ao contestar o argumento central referente à uniformidade,

os autores partem de um ponto de vista alternativo à perspectiva da

homogeneização na direção do modelo neoliberal, acreditando não haver um

receituário único, mas várias possibilidades para se alcançar o

desenvolvimento em um cenário de economia global.

A perspectiva joga uma nova e necessária luz analítica à discussão no

Brasil da relevância do papel do Estado restrita ao seu papel intervencionista e

explorações nas formas e hierarquias de subordinação deste com atores

sociais (principalmente empresários), entendendo-o também como regulador,

indutor e, sobretudo, coordenador. A natureza da atuação estatal é

multifacetada e as decorrentes multiplicidades de relacionamentos são

percebidas em suas complementaridades institucionais de mercado como

chave da eficácia da economia política de diferentes variedades de capitalismo.

Ainda que essa abordagem mantenha uma polarização não percebida por

alguns estudiosos (vide abaixo), ela insere a variedade no marco analítico e

normativo do capitalismo.

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Ao invés de se pensar, como no auge do pensamento neoliberal, em termos de polaridades, como a contraposição entre modelo estatista-protecionista versus economia de mercado; modelo exportador versus modelo voltado para o mercado interno; matriz desenvolvimentista versus neodesenvolvimentismo, creio ser mais profícua a proposta de Soskice de alçar ao primeiro plano da análise a distinção entre regimes produtivos dentro dos marcos do capitalismo. (DINIZ, 2010, p. 18)

Ao perceber a história em termos de etapas de aprendizado, é comum

que se pense também no conceito de convergência, no sentido de entender as

similaridades que se apontam de forma sucessiva, entre organismos ou

associações, antes vistas como distintas. Em cada modelo de capitalismo

nacional, e de atuação do Estado, as formas de organizar os regimes

produtivos são diferentes, bem como as instituições que os apoiam, e os

valores básicos que os sustentam. Na visão de Soskice (1999), o regime

produtivo está associado à complementaridade entre o mercado, as

associações de classe, os micro-agentes econômicos e os aspectos

fundamentais do marco institucional vigente, dando curso às relações que

viabilizam:

[...] os micro-agentes estruturam suas relações a partir de estruturas de incentivos e restrições estabelecidos por instituições de mercado, tais como os sistemas financeiros, de política industrial, educacional e de treinamento de mão de obra ou ainda de pesquisa e desenvolvimento de relações entre empresas. (SOSKICE, 1999, p. 102).

Trilhando esse caminho, David Soskice, juntamente com Peter Hall,

publicam no início da década passada a obra “Varieties of Capitalism: the

institutional foundations of comparative advantage” (HALL & SOSKICE, 2001).

A fertilidade das ideias aí apresentadas aponta para uma alternativa

consistente de marco analítico da diversidade do mundo real, não abarcada

pelo modelo neoliberal, entendendo o conjunto dos diversos “atores sociais”

como sendo a mola-mestra de um complexo mecanismo de alavancagem do

da economia política do capitalismo:

[...] vemos a economia política como um terreno povoado por múltiplos atores, cada um dos quais procura avançar os seus interesses de forma racional na interação estratégica com os outros

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[...]. Os atores relevantes podem ser indivíduos, empresas, agrupamentos de produtores, ou governos. No entanto, esta é uma empresa de economia centrada na política que considera as empresas como os atores cruciais em uma economia capitalista. Eles são os agentes-chave de ajuste em face da mudança tecnológica ou da competição internacional, cujas atividades estão agregadas em níveis gerais de desempenho econômico. (HALL & SOSKICE, 2001, p. 23).

A eficácia e sustentabilidade do desempenho econômico das empresas,

segundo os autores, depende de arregimentar de forma adequada cinco

elementos (esferas) que viabilizam a competitividade. A primeira é a esfera

das relações industriais, onde o problema que as empresas enfrentam é de

como coordenar a negociação sobre salários e condições de trabalho com a

sua força de trabalho, os sindicatos e outros empregadores. A segunda esfera

seria a da formação profissional e as duas faces do problema; do lado das

empresas o problema é garantir uma força de trabalho com competências

adequadas, enquanto, do lado dos trabalhadores o problema é decidir quanto

investir e em quais habilidades. A terceira esfera a ser observada é a da

governança corporativa, pois, para que as empresas tenham acesso ao

financiamento, os investidores esperam garantias de retorno sobre seus

investimentos, originando reflexos na disponibilidade de financiamento para

determinados tipos de projetos e nas condições em que as empresas podem

obter recursos. Na sequência, a quarta esfera das relações entre as empresas

(inter-firm relations) busca assegurar uma demanda estável para seus

produtos, fornecimento adequado de insumos, e o acesso à tecnologia. Por fim,

a quinta esfera assevera que as empresas enfrentam um conjunto de

problemas de coordenação em face à relação com seus próprios empregados,

dado que o problema central é garantir que os funcionários tenham

competências que se coadunem com as necessidades e objetivos das

empresas.

Como reflexo da forma pela qual as firmas lidam com os problemas de

coordenação dessas esferas, ocorre um alinhamento das políticas

engendradas pelas economias nacionais. Em decorrência desse alinhamento,

faz-se presente uma divisão binária, polarizada, contrapondo dois tipos ideais

de variedades de capitalismo (Varieties of Capitalism – VOC) – as economia

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liberais de mercado (Liberal Market Economies – LMEs) e as economias de

mercado coordenadas (Coordinated Market Economies – CMEs).

Nas LMEs, as empresas coordenam suas atividades principalmente

através hierarquias e arranjos de mercado competitivo, enquanto nas CMEs as

empresas são mais dependentes de relações extra-mercado que ajudem a

coordenar seus esforços com outros atores visando à construção de suas

competências essenciais.

Como exemplos de LMEs, podemos citar o Reino Unido e os Estados

Unidos e o Canadá. Nestes casos, marcadamente, é o sistema de

estabelecimento de preços que determina o processo de coordenação

econômica, sem muitas possibilidades para a condução de estratégias

cooperativas. Em consequência, as estruturas de tomada de decisão tendem a

ser verticalizadas com baixa comunicação entre as empresas, ressaltando um

formato que busca lidar com uma concorrência arraigada. A concessão de

financiamentos, por parte dos bancos, está pautada, meramente, nos

resultados dos balanços e na lucratividade das empresas. As relações de

trabalho estão permeadas de embates e as iniciativas para a qualificação da

força de trabalho estão relegadas à margem das empresas ou a

estabelecimentos indicados por elas. Os processos de transferência de

tecnologia dão-se por vias contratuais rígidas, com o licenciamento do uso de

determinadas tecnologias, reforçando o respeito ao direito de propriedade

através de severas normas de controle do sistema de patentes.

Quanto as CMEs, Hall & Gingerich (2001) apontam duas formas de

economias coordenadas, as de base industrial, com a presença de

associações, como no caso da Alemanha e Holanda, por exemplo, e as

coordenadas por grupos, como ocorre no Japão e na Coréia. Diferentemente

das LMEs, as CMEs estão caracterizadas por uma ampla estrutura de

colaboração baseada em confiança recíproca, permitindo que as relações entre

as empresas, as operações financeiras e o mundo do trabalho, orbitem

amparadas por um equilíbrio institucional marcado por espaços deliberativos.

Os vínculos entre as empresas e os bancos estão firmados com base na

reputação mais do que na possibilidade de ganhos imediatos, o que se revela

um forte aliado na condução de estratégias de investimento de longo prazo. As

estruturas de tomada de decisão tendem a ser conduzidas por organismos

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colegiados, apresentando maior receptividade na relação com acionistas,

clientes e fornecedores. Pode ser percebida também a força das associações e

sindicatos, tanto patronais como de trabalhadores, na medida em que estes

conduzem as negociações salariais, assim como influenciam nas decisões

sobre as ações de qualificação profissional. Este formato favorece contratos de

longa duração que muitas vezes implicam em atividades de inovação e de

transferência de tecnologia.

2 MODELOS HÍBRIDOS NO MARCO DA VARIEDADES DE CAPITA LISMO

Condé (2010) aponta que no próprio trabalho de Hall e Soskice (2001), e

também em Hall e Gingerich (2001), percebem-se indícios de uma terceira

variante, para países com uma presença maciça do Estado, o que levaria a

uma “variedade mista”. Fazendo jus a uma terceira variante com maior

robustez teórica, apontamos aqui a contribuição de Schmidt (2006), a qual

acrescenta à tipologia binária, as chamadas Economias de Mercado

Influenciadas pelo Estado (State-influenced Market Economies - SMEs),

enquadrando países como França, Itália, Espanha, Portugal e Grécia. Na visão

da autora, a intervenção do Estado pode ser associada a resultados positivos,

tais como a melhoria da interação sócio-política e o aumento da capacidade

dos atores econômicos no domínio da produção, por exemplo. Mas o “preço” a

pagar está no fato de que pode ocorrer uma redução na liberdade de ação dos

agentes privados envolvidos, resultado do modo hierárquico de interação entre

o setor público e o privado.

Ainda para Condé (2010), a marca deixada por uma tradição agrária, em

associação com a necessidade de uma intervenção estatal para viabilizar

financeiramente investimentos de maior vulto, aparece na medida em que

objetivos sociais ganham espaço nas agendas e a presença de sindicatos

compreensivos altera de forma significativa as relações de trabalho. A ação

estatal, na visão de Schmidt (2006), é constituída pelas políticas

implementadas pelos governos, refletindo as interações entre atores públicos e

privados em dados contextos institucionais.

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Neste momento em que uma crise econômica assola a Europa,

podemos perceber que, mesmo nos países que estão no mesmo

enquadramento (SMEs), os impactos dos choques, as medidas de ajuste e as

reações das instituições nacionais, têm se dado de forma significativamente

distinta. Determinadas especificidades nacionais nos levam a recorrer a um

modelo analítico cada vez mais customizado. Para tanto, retornando ao

conceito de “variedade mista” – (Mixed-market Economies - MMEs) – (HALL &

SOSKICE, 2001; HALL & GINGERICH, 2001), cabe ressaltar o modelo

proposto por Hancké, Rhodes e Thatcher (2007), o “Capitalismo Mediterrâneo”.

O modelo tem como característica a combinação de formas coordenadas pelo

mercado e não mercantis, com forte influência do Estado. O regime de

produção existente tem baixa competitividade entre os atores envolvidos

devido a altos níveis de regulação do mercado e dos fluxos financeiros,

associado a uma proteção social limitada e rígidos mecanismos de proteção do

emprego. Em consequência, a indústria está caracterizada por empresas com

uma pequena escala de produção, com produtos de baixo valor agregado e

baixa qualidade.

Na visão de Carlo Trigilia e Luigi Burroni, por exemplo:

Esta vertente recente da literatura sobre modelos mistos oferece um ponto de vista útil para compreender melhor os países com características institucionais idiossincráticas. O caso italiano, por exemplo, não é caracterizado por um conjunto coerente e integrado de instituições nacionais. Por um lado, há semelhanças com o modelo CME: um alto nível de rigidez do mercado de trabalho, o tripartismo nas políticas econômicas e sociais, um nível médio-alto de institucionalização das relações laborais [...] Por outro lado, há uma separação clara entre bancos e empresas como em LMEs [...] SME prevalece a gestão familiar e as empresas dependem principalmente de auto-financiamento ou de empréstimos de curto prazo [...] (TRIGILIA & BURRONI, 2009, pp. 632- 633)

A miscelânea apontada no enxerto acima dá condições a novas

conjecturas sobre as diferentes lógicas de coordenação e as formas de

interação dos atores, tornando-se difícil falar de um modelo de produção

nacional com um único formato. Essas distinções sustentam peculiaridades

causalmente relacionada a esses MMEs: o particionamento das organizações e

a politização das associações de interesse (sindicatos e sociedade civil) e o

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papel do Estado como regulador e produtor de mercadorias (MOLINA &

RHODES, 2007, p. 225).

Apesar dos argumentos traçados até agora, sobre o modelo de

capitalismo mediterrâneo, há algumas especificidades que fazem com que os

resultados obtidos pela análise baseada nas variedades de capitalismo, para a

compreensão do modelo espanhol e italiano, sejam limitados.

A orientação de política regional de ambos passou por várias

modificações substanciais durante e após a década de 90, o que trouxe

nuances e peculiaridades que os destacam de outros MMEs.

O caso espanhol pode ser sintetizado em três eventos: em primeiro lugar

podemos destacar a descentralização das decisões políticas e das

responsabilidades regionais; depois, temos uma maior coordenação das ações

de integração das políticas comunitárias, nacionais e sub-nacionais e

finalmente, a reestruturação econômica, vem trazendo menor importância

estratégica ao setor industrial.

Segundo Royo (2005), a Espanha oferece uma oportunidade para

pesquisar o impacto de uma diferente definição institucional sobre o

desenvolvimento das capacidades de coordenação. Sua argumentação tem em

seu cerne, a percepção de que alegações sobre o desaparecimento de uma

autonomia nacional espanhola, na economia global, são exageradas. Apesar

da implementação da União Européia e do Euro, o aumento do investimento

estrangeiro direto, a exposição a comércio e mobilidade de capital líquido,

estes eventos não impediram o surgimento e a consolidação de mecanismos

de coordenação na Espanha.

[...] Os ímpetos combinados de integração e globalização monetária promovidos, e a cooperação na dimensão econômica [...] confirmam que a ligação entre as mudanças no ambiente econômico internacional e o processo de condução da política interna depende também de fatores econômicos. Eles fornecem o seu próprio conjunto de incentivos para os agentes domésticos para comandar certas estratégias políticas. (ROYO, 2005, p. 2)

Na Espanha, a predominância de empresas com características

produtivas de baixo valor agregado, combina, para a melhoria de sua

competitividade, principalmente, estratégias de baixo custo, com uma alta

versatilidade, levando a uma capacidade de ajustar rapidamente às mudanças

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do mercado. Esse formato tem influenciado as escolhas dos governos,

sindicatos e empresas, refletindo-se na necessidade de um mercado de

trabalho mais flexível e de uma mão de obra com baixa qualificação.

Quanto à Itália, podemos destacar dois pontos principais: inicialmente,

podemos apontar uma forte flexibilização do mercado de trabalho, com um

crescimento notável de contratos atípicos e por tempo limitado e o fato de a

governança corporativa vir buscando uma maior autonomia por parte da firmas.

Considerando as características específicas da Itália, lançamos como

argumento um híbrido de abordagem de variedade de capitalismo encontrado

no trabalho de Trigilia e Burroni (2009) que é o "capitalismo regionalizado”.

Trata-se de um sistema complexo e heterogêneo que reúne disfunções e

pontos fortes das economias a serem estudadas, onde se pode perceber que

as instituições locais, as SMEs e as suas redes de cooperação, devem

estruturar-se de uma forma flexível e neo-voluntarista para produzir uma

vantagem competitiva territorial.

Estes elementos expostos anteriormente sugerem:

[...] que a adoção dessa perspectiva "regionalizado" na análise nos permite identificar os processos e recursos que são muitas vezes ignorados pela abordagem (variedades de capitalismo) e que pode lançar nova luz sobre as mudanças e desafios para as formas específicas do capitalismo europeu [...] (TRIGILIA & BURRONI, 2009, pp. 632- 633)

3 A(S) VARIEDADE(S) DO CAPITALISMO BRASILEIRO

No que tange a América Latina, a discussão acerca das opções

existentes que venham a almejar oportunidades de crescimento, tem estado

aprisionada em constantes discussões (normativas) sobre a importância do

Estado como meio exclusivo de ação para impulsionar o desenvolvimento.

[...] a instauração de regimes democráticos [...] favoreceu, pela via de eleições populares, a ascensão de lideranças de esquerda e o retorno de uma perspectiva favorável ao intervencionismo estatal, em grande medida como uma resposta às promessas não cumpridas pelo conjunto das políticas de mercado quanto à retomada do

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crescimento e que tiveram como consequência o agravamento da crise social endêmica na região. (CONDÉ, 2010, p. 1)

Mais especificamente, na década de 1990 o contexto da economia e da

política brasileira sofreu transformações profundas em decorrência não

somente de uma política de estabilização, que garantiu o controle de um

processo inflacionário agudo, mas também de mudanças no âmbito das

empresas que buscaram se coadunar a um novo padrão tecnológico e

organizacional predominante nos países capitalistas mais avançados.

O resultado foi a emergência de um ambiente mais competitivo, tornando as inovações um elemento estratégico central na busca da competitividade das empresas. A expansão das redes de cooperação tecnológica, entre as empresas dos países capitalistas, foi uma das respostas para enfrentar o ambiente competitivo na premência de incorporação e desenvolvimento de tecnologias, estabelecendo mudanças nas formas de inter-relacionamento entre as grandes empresas. (DOS ANJOS & FARAH Jr., 2011, p. 46)

Entretanto, as promessas dessas respostas, em sua grande maioria, não

se realizaram nos países capitalistas desenvolvidos e um novo modelo

centrado no na inovação regional e no empreendedorismo inovador emergiu

nos Estados Unidos e se difundiu ao longo da última década de forma

incompleta e fragmentada nos paises capitalistas desenvolvidos (AUDRETSCH

& THURIK, 2001; BRESHNAHAN, GAMBARDELLA & SAXENIAN, 2001). No

Brasil a institucionalidade da idéia de inovação surge tardiamente a partir da

segunda metade da década passada, de forma incompleta e, principalmente,

atrelada à visão desenvolvimentista da década de 50 e, logo, constrangida e

desvirtuada pelo significativo intervencionismo do estado na economia.

No momento mais recente, a vinculação ao mercado internacional tem

se dado especialmente através da exportação de commodities e no cenário

interno pode-se considerar central a importância do aquecimento do mercado

doméstico.

Três elementos fundamentais marcam o cenário brasileiro atual: o

momento do ciclo econômico internacional, a política para infra-estrutura (ou

melhor, sua ausência ou ineficiência) e de desenvolvimento (atrelada a

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paradigmas e institucionalidades exauridas), assim como o regime e a forma de

operação da política macroeconômica.

Por esse motivo, em relação às variedades de capitalismo, Delgado

(2008), enquadra o Brasil como uma “economia de mercado liberal-corporativa”

onde:

O Estado se articula aos empresários através do corporativismo setorial e bifronte para desenvolver políticas diversas de apoio à indústria, puxa o desenvolvimento com suas inversões, cria um sistema científico e tecnológico, mas não orquestra a colaboração para um projeto nacional de desenvolvimento que não seja a busca da industrialização tout court. [...] a vinculação ao mercado internacional tem se dado especialmente através da exportação de commodities, ou de produtos que tendem a se periferizar [...] (DELGADO, 2008, p. 12 - 13)

Acatando que haja uma “acomodação” quanto à premente necessidade

de qualificação, que possa alavancar a capacidade produtiva no Brasil, esta

decorre do fato de que a retomada da expansão do consumo de commodities

vem levando a escassez de competências em alguns setores, mas seu padrão

produtivo, na maioria dos casos, tem como característica, o uso intensivo de

capital, exigindo, proporcionalmente, menos trabalhadores, qualificados ou não

qualificados, se compararmos com o mesmo nível de investimento em outros

setores. Assim, o desenvolvimento brasileiro não está assegurado, apesar do

bom momento em que se encontra, para tanto, existe a necessidade de trazer

maior robustez e um modelo mais pautado em produtos com maior valor de

troca e menos dependentes das oscilações da conjuntura internacional. No

entanto, a exigência de um processo tecnológico produtivo mais avançado e

complexo demanda uma mão de obra mais qualificada que seja capaz de

operar e reprogramar os ajustes nos processos detendo uma visão mais global

do processo produtivo.

Já Ross Scneider (2009) sugere que a variedade de capitalismo do

Brasil (de vários países da América Latina) é melhor caracterizada como uma

variedade distinta, comum aos grandes paises da América Latina: economia de

mercado hierárquica (Hierarchical Market Economies – HMEs). Esse modelo é

caracterizado por componentes que moldam o acesso das empresas ao

capital, tecnologia e mão-de-obra: 1-grupos econômicos; 2-corporações

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multinacionais; 3-mão-de-obra não qualificada; e 4-relações de trabalho

fracionadas. Ele aponta que relações hierárquicas, centrais na organização de

capital e tecnologia nos grupos empresariais (nacionais e multinacionais)

também permeiam a regulação do mercado de trabalho, a representação

sindical e as relações de trabalho. Assinala ainda a existência de importantes

complementaridades, particularmente entre MNCs e grupos econômicos, assim

como tendências mutuamente fortalecedoras entre estas formas corporativas

dominantes e o baixo investimento em capacitação e em relações de trabalho

bem mediadas.

4 A FORMAÇÃO PARA O TRABALHO NO MARCO DA VOC

Partindo da premissa de que as estruturas institucionais mais

importantes, tais como governança corporativa, os sistemas educacionais e de

formação profissional e o da estrutura do mercado de trabalho, interagem com

a regulação do Estado, busca-se entender como o comportamento dos agentes

econômicos se vê afetado pela citada regulação, principalmente em relação a

problemas de coordenação de ações que visem à melhoria do desempenho de

uma economia. No caminho de analisar as evidências associadas ao

desenvolvimento econômico, no âmbito educacional e da formação

profissional, salienta-se o dilema apontado por Culpepper (2001) de que as

empresas enfrentam o problema de garantir uma força de trabalho com

competências adequadas, enquanto que os trabalhadores enfrentam o

problema de decidir quanto investir e em quais habilidades.

É mais fácil para os atores assegurar essas garantias onde existem instituições que prestam fluxos confiáveis de informações sobre níveis adequados, a incidência de formação, e as perspectivas de emprego de aprendizes. (CULPEPPER, 2001, p. 276)

Ainda citando o mesmo autor, apontamos a importância da

sincronicidade entre as instituições em uma economia. Para tanto, podem ser

observadas as nações com um tipo particular de coordenação em uma

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determinada esfera da economia e que tendem a desenvolver práticas

complementares em outras esferas também, ou seja, em alguns casos, as

instituições de coordenação em uma esfera podem ver suas ações serem

utilizadas para apoiar formas análogas de coordenação em outras.

Com o objetivo de entender essa dinâmica com base na abordagem

oferecida pelas “Variedades de Capitalismo” (HALL & SOSKICE, 2001),

chamamos atenção para as Economias Liberais de Mercado (LME). Como a

própria palavra “liberal” sugere, a tônica das ações dos agentes econômicos é

a iniciativa individual, e a reduzida interferência governamental. Naturalmente,

a fluidez do formato do mercado de trabalho influencia nas estratégias das

empresas e dos indivíduos. Estes mercados tornam relativamente fácil para as

empresas, a contratação ou a demissão de trabalhadores.

Eles encorajam os trabalhadores a investirem em habilidades gerais,

transferíveis entre as empresas, ao invés de habilidades específicas visando

corresponder as necessidades de alguma empresa em especial, com uma

característica de um alto grau de movimentação de trabalhadores pelas

empresas.

Entendendo melhor o modelo dual sugerido por Hall e Soskice (2001),

percebe-se um elemento importante que indica a existência de variações

dentro das Economias Coordenadas de Marcado, quando se atenta para as

diferenças percebidas entre aqueles que se baseiam principalmente na

indústria baseada em coordenação, tais como países do norte da Europa, e

aqueles com estruturas institucionais que promovem a coordenação baseada

em grupo do tipo encontrado no Japão e Coréia. Na Alemanha, por exemplo, a

coordenação depende de associações empresariais e sindicatos que são

organizados principalmente ao longo das linhas setoriais, dando origem a

ações de formação profissional que cultivam na indústria habilidades

específicas, um sistema de coordenação salarial que negocia salários por

setor, e colaboração corporativa que muitas vezes é específica da indústria.

Partindo do pressuposto de que a qualificação do trabalhador,

observando de forma mais extensa, cumpre um papel social mais amplo do

que apenas a transmissão de técnicas ou habilidades úteis ao desempenho no

mundo do trabalho, seguimos ao encontro do Repertório de Recomendações

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Práticas Sobre Formação Profissional (MERCOSUL/CMC/REC. Nº 01/03) 1.

Citando o mesmo texto, temos que os objetivos da formação profissional

deveriam ser:

a) contribuir para o desenvolvimento integral da pessoa, proporcionando-lhe condições para seu crescimento laboral e social, fortalecendo, por sua vez, a capacidade competitiva das empresas; e. b) facilitar o acesso e a manutenção no mercado de trabalho e a melhora de suas condições de emprego.

A formação profissional deveria ser de qualidade tal que impacte positivamente sobre a empregabilidade dos trabalhadores, a qualidade dos empregos, a competitividade da economia e a inclusão social. [...] Os Estados Partes deveriam adotar medidas tendentes a garantir a participação dos atores sociais na gestão da Formação Profissional, assim como tendentes a promover o fortalecimento do diálogo social sobre formação. (MERCOSUL/CMC/REC. Nº 01/2003, p. 2)

De forma inextrincável, os atores sociais participam do emaranhado das

ações de qualificação profissional, dada a essência de sua definição, ou seja,

membros dos grupos que integram o sistema político. Estes podem ser

classificados em dois tipos: os atores públicos e os atores privados . De

forma geral podemos entender os primeiros como aqueles provenientes do

Estado, exercendo funções públicas, mobilizando os recursos associados a

estas funções, representados por políticos e os servidores públicos, que atuem

no segmento burocrático. Os últimos, por conseguinte, são provenientes da

sociedade civil, podendo ser representados pelos sindicatos dos trabalhadores,

empresários, grupos de pressão, centros de pesquisa e associações da

Sociedade Civil Organizada.

No Sistema Brasileiro de Proteção Social, a qualificação para o trabalho se inclui entre as políticas organizadas com base no eixo emprego e trabalho juntamente com a Previdência Social; previdência e benefícios de servidores públicos; políticas de apoio ao trabalhador (seguro desemprego, intermediação de mão de obra, qualificação profissional, crédito para geração de emprego e renda,

1 Art. 1 – Que os Estados Partes tenham em consideração o “Repertório de Recomendações Práticas sobre Formação Profissional”, que desenvolve o Art. 16 da Declaração Sociolaboral do MERCOSUL, com a finalidade de servir como instrumento de harmonização de critérios orientadores da formação profissional e de possibilitar o desenho e a implementação de políticas e de ações nacionais nessa matéria em bases comuns.

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benefícios específicos dirigidos aos servidores públicos); políticas ligadas à organização agrária e à política fundiária. Inclui-se ainda no eixo emprego e trabalho as ações dirigidas aos trabalhadores desempregados, àqueles pertencentes ao setor informal da economia, isto é, trabalhadores sem carteira, os autônomos, os trabalhadores não remunerados e que produzem para autoconsumo. (FILGUEIRAS, 2011, p. 442)

As características de heterogeneidade e de precariedade do mercado de

trabalho no Brasil dificultam, sobremaneira, a implementação de políticas de

qualificação. Agregado ao fato anteriormente exposto temos um elemento que

agrava a fluidez das ações, o tamanho do país. Percebe-se então, a relação

causal, da qual decorre a íntima relação entre este último e as políticas de

assistência social, e no caso específico, políticas de transferência de renda e

de combate à pobreza.

A formação profissional deveria adequar-se ao contexto de trabalho, respondendo aos requerimentos e às tendências dos setores produtivos, à qualidade de vida dos trabalhadores e ao desenvolvimento sócio-econômico da região. [...] Os Estados Partes deveriam promover a descentralização do desenho e a implementação da formação profissional, tanto no âmbito territorial como setorial, atendendo às necessidades regionais e locais. (MERCOSUL/CMC/REC. Nº 01/2003, p. 3)

No Brasil, a descentralização já vinha ganhando espaço, principalmente

após a Constituição de 1998. Nos anos recentes, com vistas a dar continuidade

a esse processo e a contemplar as recomendações do Grupo Mercado Comum

(GMC), verificou-se um processo gradual de repasse de atribuições e recursos

do governo federal aos estados e municípios, para a consolidação das políticas

públicas. Faz-se perceber desta maneira, a importância da participação

conjunta dos atores sociais, compreendendo os agentes públicos locais e os

agentes privados, como responsáveis pelo seu próprio desenvolvimento.

Ross Schneider e Karcher (2010) sugerem que cinco traços peculiares

aos mercados de trabalho na América Latina – baixos níveis de qualificação,

forte regulação do trabalho, elevada rotatividade, um setor informal grande e

sindicatos pequenos e politizados, sem representação ao nível das fábricas –

juntamente com fortes complementaridades econômicas entre eles, ajudam a

entender a continuidades desses mercados de trabalho na região e suas

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respostas desapontadoras nas décadas recentes aos desafios da reforma de

mercado e da globalização.

Entretanto pode-se argumentar que a leitura de continuidade é

decorrência, em parte, efeito do tempo e da percepção do impacto das

transformações em curso no mercado de trabalho. Há sinais de que os níveis

de qualificação tem evoluído positivamente, a rotatividade decresceu a partir da

segunda metade da década passada e o setor informal tem diminuído

significativamente, a partir da contínua melhora do mercado de trabalho formal.

Ironicamente, em que pese a aceleração e aprofundamento da intervenção do

estado na economia brasileira, essas mudanças que configuram uma resposta

positiva e sustentável aos desafios da globalização tem ocorrido justo naqueles

pontos em que a influência do mercado proporciona incentivos corretos aos

trabalhadores e às empresas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Streeck (2010), em sua recente resenha crítica do debate da última

década em torno do modelo VoC, defende uma agenda analítica em busca de

uma maior e real variedade analítica, em contraponto a construção bipolar do

modelo original (LME e CME); e com maior sensibilidade para com a história,

com recuperação das crises e conflitos como fontes de ordem sócio-econômica

nas diferentes trajetórias evolutivas do capitalismo nos paises, em contraponto

ao foco exclusivo na coordenação e cooperação no modelo original. Ele

destaca como uma das quatro questões críticas de sua argumentação o

nacionalismo metodológico por detrás da definição no VoC de casos como

países e a assignação de paises como unidades analíticas completas a uma

posição na classificação tipológica de capitalismos. Ele nota ainda que Hall e

Soskice (2000) apenas mencionam, sem especificar e desenvolver, uma

variedade de capitalismo “mediterrâneo”, deixando subentendido que há em

função do argumento dos autores acerca da eficiência da complementaridade

institucional dos pólos, há apenas duas possibilidades evolutivas abertas para

tais paises, a convergência para um ou outro pólo, ou a convergência dual.

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Conforme apresentado acima, observamos uma explosão de distintas

variedades de capitalismo nas leituras na perspectiva do modelo VoC do Brasil.

Por um lado, tal desenvolvimento aumenta o risco da eficácia da difusão do

modelo no país e na região como um todo, bem como para a efetiva

contribuição das análises locais para a evolução do modelo VoC na direção e

uma formulação teórica, ou ao menos em sua consolidação em um marco

analítico comparativo de amplo escopo explicativo. Por outro, incorpora a

promessa de por em relevo novas dimensões, como aponta Streeck (2010):

Em geral, a media que o número de tipos de capitalismo cresce, e o número de pises dentro de cada tipo consequentemente declina, paises começam a aparecer crescentemente como indivíduos históricos no sentido weberiano. Paradoxalmente, isso torna suas semelhanças como economias políticas capitalistas e suas interrelações mútuas mais salientes. (STREECK, 2010, p. 29)

Dentro dessa reflexão crítica, o autor também questiona o status dos

paises como unidade principal de análise, discutindo resultados de pesquisas

empíricas que enfatizam o declínio da influência do estado-nação no

comportamento da empresas. Essa tendência carece ainda da atenção

analítica de pesquisadores do modelo VoC do Brasil. Sua conclusão da análise

crítica dos debates em torno do modelo VoC na última década aponta na

direção do paradigma da economia política internacional, com um maior foco

analítico na mudança institucional, tanto endógena quanto empurrada pela

globalização dos mercados em expansão, em detrimento das teorias de

equilíbrio centradas nas instituições nacionais.

O interesse teórico está se concentrando menos na auto-estabilização das instituições complementares a nível nacional e mais na dependência e na interdependência das configurações institucionais nacionais imbricadas nos mercados globais, distintamente dos mercados nacionais imbricados. Mercados são estudados como potencialmente desestabilizares de seu contexto institucional, em vez de como sendo sempre e necessariamente estabilizados e contidos por eles, e como expandindo mais rápido do que as instituições pelas quais eles são esperados de serem regulados. No novo paradigma emergente para o estudo do capitalismo – que tem muita semelhança com os paradigmas mais antigos– a maximização do lucro ocupa o lugar de maximização de eficiência e resultados econômicos são atribuídos tanto aos agentes

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interessados em benefícios privado quanto às instituições públicas desenhadas para assegurar um uso eficaz de recursos escassos. A pesquisa empírica está cada vez mais olhando para as crises e contradições no lugar da estabilidade e da coerência, o conflito é considerado a regra e não a exceção e o compromisso e esperado antes da cooperação. As diferenças ao longo do tempo entre os períodos de desenvolvimento capitalista superam diferenças entre lugares, ou países (Coates 2005a). Em vez de competição entre países e coordenação dentro deles, a economia política está novamente dando primazia aos conflitos entre atores dentro e fora dos mercados sobre onde as leis do mercado devem ser aplicadas e onde não. (STREECK, 2010, p. 40)

Assim, em contraponto às considerações de Ross Schneider e Karcher

(2010) apresentadas acima, pode-se argumentar que a leitura de continuidade

do mercado de trabalho no Brasil (e quiçá em outros países da América Latina)

é decorrência, em parte, efeito do tempo e da percepção do impacto das

transformações em curso no mercado de trabalho. Há sinais de que os níveis

de qualificação têm evoluído positivamente, a rotatividade decresceu a partir da

segunda metade da década passada e o setor informal tem diminuído

significativamente, a partir da contínua melhora do mercado de trabalho formal.

Ironicamente, em que pese a aceleração e aprofundamento da intervenção do

estado na economia brasileira, essas mudanças que configuram uma resposta

positiva e sustentável aos desafios da globalização tem ocorrido justo naqueles

pontos em que a influência do mercado proporciona incentivos corretos aos

trabalhadores e às empresas.

Schmidt (2007) em sua síntese analítica da trajetória das pesquisas

recentes sobre evolução da economia política da Europa nas últimas décadas

diz que ela se moveu de um foco no trabalho para um foco no estado e logo

para um foco na firma e agora está de volta a uma ênfase mais equilibrada nos

três.

Durante o mesmo tempo que o estado estava sendo trazido de volta, o trabalho estava fazendo um retorno... A renovação do neo-corporativismo, que poderíamos chamar de neo-neo-corporativismo, ademais, ocorreu em grande parte devido as necessidade próprias dos empregadores de manter as relações de trabalho cooperativas essenciais à produção de produtos de alta qualidade em um modelo de just-in-time em redes de produção fortemente acoplados (Thelen e Kume 1999; Thelen, 2001), como bem como devido a Estados em países com fortes, mas combativos, sindicatos que buscaram a economia e/ou os mercados de trabalho. Logo, em vez de

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globalização levando na direção da convergência para um único modelo neo-liberal de desregulamentação das relações trabalhistas, ele trouxe uma contínua, se não crescente divergência. Isso significa que o trabalho permanece uma força a ser reconhecida, ainda que de forma diferente nas diferentes variedades do capitalismo. (Schmidt, 207, p. 14)

Entretanto, para além da última virada da globalização como fator que

empurra a questão do trabalho para a frente da cena analítica das análises

baseadas no modelo VoC, a terceirização offshore e near-shore do trabalho

(SCHMIDT, 2007), se delineia o imperativo da inovação que por sua vez molda

também as institucionalidades dependentes do estado, o comportamento

estratégico das firmas e até a configuração dos mercados (TEECE, 1998). Por

um lado, já foi identificada por estados desenvolvidos e em desenvolvimento a

necessidade de se escapar da situação de equilíbrio de baixas qualificações,

onde a economia fica presa em um círculo vicioso de baixo valor adicionado e

baixos salários, para responder ao desafio da globalização produtiva e de

mercados de inovação (WILSON & HOGARTH, 2003). Por outro, estudos

recentes destacam a necessidade de qualificação dos trabalhadores no modelo

da VoC para fazer face às demandas da inovação incremental e radical nas

empresas, e consequentemente a pressão do mercado e das empresas pela

reforma das institucionalidades que moldam a dinâmica de treinamento dos

trabalhadores bem como o mercado e as relações trabalhistas (HERRMANN &

PEINE, 2011). Finalmente, para além da necessidade de mais uma

reconfiguração das necessidades de trabalho da empresa, se vislumbra o

imperativo de reconfiguração dos mercados de trabalho na direção de maior

mobilidade e incentivos para cooperação para validar a sustentabilidade dos

padrões de produção da inovação regionalizada e de difusão do conhecimento

requeridos por trabalhadores, empresas e Estados (e governos sub-nacionais)

nessa fase emergente da globalização do desenvolvimento (SIMONEN &

MCCANN, 2010; SAXENIAN, 2006).

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