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17 A ANÁLISE DO DISCURSO DOS GÊNEROS JORNALÍSTICOS: A ENTREVISTA E SEU ESTUDO NO MEIO ESCOLAR. Adrieli Gouveia 1 (Uni-FACEF) Orientadora: Profª. Dra. Ana Lúcia Furquim Campos-Toscano (Uni-FACEF) Introdução De acordo com os PCN, a entrevista aparece como instrumento de trabalho, tanto na linguagem escrita e oral dos gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos quanto na prática de produção de textos orais e escritos. Ainda segundo os PCN, o trabalho com entrevistas poderia ser feito quanto à forma, ensinando ao aluno que o gênero entrevista se estrutura com perguntas e respostas que são redigidas na íntegra. Já seguindo a perspectiva bakhtiniana, o estudo deveria evidenciar o processo de sua produção, ou seja, as relações dialógicas e a sua contextualização sócio- histórico-cultural. Além do mais, quando se trata de adolescentes, é preciso considerar seu comportamento e o conjunto de valores que atuam como forma de identidade. Tudo isso implica no tipo de linguagem por eles usada como incorporação e criação de modismos, vocabulário específico e formas de expressão. Fatores como esses são, frequentemente, encontrados em entrevistas de revistas destinadas a esse tipo de grupo social, pois a oralidade é transcrita, muitas vezes, de forma integral. Nas revistas voltadas a esse público, pela perspectiva bakhtiniana sobre gêneros do discurso podemos dizer que, o conteúdo temático, a construção composicional e, principalmente, o estilo estão todos voltados para os jovens. É por meio do estilo que se presumirá a compreensão responsiva 1 Aluna regularmente matriculada no 5º semestre do Curso de Letras – Noturno e bolsista de Iniciação Científica pelo PIBIC – CNPq.

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A ANÁLISE DO DISCURSO DOS GÊNEROS JORNALÍSTICOS: A ENTREVISTA E SEU ESTUDO NO MEIO ESCOLAR.

Adrieli Gouveia1 (Uni-FACEF) Orientadora: Profª. Dra. Ana Lúcia Furquim Campos-Toscano (Uni-FACEF)

Introdução

De acordo com os PCN, a entrevista aparece como instrumento

de trabalho, tanto na linguagem escrita e oral dos gêneros privilegiados para a

prática de escuta e leitura de textos quanto na prática de produção de textos

orais e escritos.

Ainda segundo os PCN, o trabalho com entrevistas poderia ser

feito quanto à forma, ensinando ao aluno que o gênero entrevista se estrutura

com perguntas e respostas que são redigidas na íntegra. Já seguindo a

perspectiva bakhtiniana, o estudo deveria evidenciar o processo de sua

produção, ou seja, as relações dialógicas e a sua contextualização sócio-

histórico-cultural.

Além do mais, quando se trata de adolescentes, é preciso

considerar seu comportamento e o conjunto de valores que atuam como forma

de identidade. Tudo isso implica no tipo de linguagem por eles usada como

incorporação e criação de modismos, vocabulário específico e formas de

expressão. Fatores como esses são, frequentemente, encontrados em

entrevistas de revistas destinadas a esse tipo de grupo social, pois a oralidade

é transcrita, muitas vezes, de forma integral.

Nas revistas voltadas a esse público, pela perspectiva bakhtiniana

sobre gêneros do discurso podemos dizer que, o conteúdo temático, a

construção composicional e, principalmente, o estilo estão todos voltados para

os jovens. É por meio do estilo que se presumirá a compreensão responsiva

1 Aluna regularmente matriculada no 5º semestre do Curso de Letras – Noturno e bolsista de Iniciação Científica pelo PIBIC – CNPq.

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ativa do enunciado, ou seja, o estilo do enunciado depende do outro e é

determinado de acordo com a imagem que o enunciador tem do interlocutor,

como na escolha dos recursos linguísticos e, no caso do discurso midiático, no

emprego de cores e na veiculação de anúncios publicitários, tudo é feito de

maneira a ser visto pelo jovem como parte de sua identidade.

Buscamos, assim, refletir sobre essa prática educativa no que se

refere às atividades de escuta e de leitura de textos orais e escritos objetivando

encontrar marcas da oralidade como forma de constituição de identidade do

sujeito entrevistado e na relação intersubjetiva entre enunciador/enunciatário

em um determinado contexto sócio-histórico-cultural. Assim sendo, analisamos

um artigo da revista Atrevida, de setembro de 2008, observando como é

construída a identidade do público ao qual se destina levando-se em conta sua

situação de produção e os valores sociais enunciados.

1 Propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais s obre práticas de

linguagem

De acordo com os PCN, o discurso se manifesta linguisticamente

por meio de textos, sendo um produto de uma atividade humana oral ou escrita

que apresenta uma sequência verbal constituída de relações que se

estabelecem pela coesão e coerência. Todo texto se organiza a partir de um

gênero que é escolhido de acordo com as intenções comunicativas. Na esteira

de Mikhail Bakhtin sobre gêneros do discurso, os PCN informam que, os

gêneros são caracterizados por três elementos: conteúdo temático, construção

composicional e estilo. Devido às variedades textuais, afirma-se que é

necessário tornar a noção de gênero como objeto de ensino enfatizando sua

diversidade e organização:

[...] A compreensão oral e escrita, bem como a produção oral e escrita de textos pertencentes a diversos gêneros, supõem o desenvolvimento de diversas capacidades que devem ser enfocadas nas situações de ensino. É preciso abandonar a crença na existência de um gênero prototípico que permitiria ensinar todos os gêneros em circulação social (BRASIL, 1998, p. 24).

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Para os PCN, a existência de um vasto número de gêneros torna

impossível seu ensino de maneira totalizada. Portanto, afirma ser necessário

priorizar os gêneros merecedores de uma abordagem mais profunda como os

que dizem respeito aos usos públicos da linguagem que contribuem para a

participação plena na sociedade:

[...] Os textos a serem selecionados são aqueles que, por suas características e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada. (BRASIL, 1998, p. 24)

Os PCN dividem as práticas de linguagem em prática de escuta

de textos orais e leitura de textos escritos, selecionando a entrevista nas duas

práticas. No âmbito dos textos orais, pressupõe-se que os alunos já disponham

de uma competência discursiva e linguística, por isso a escola tem usado essa

modalidade somente para tratamento de conteúdos diversos. Entretanto os

PCN propõem uma construção de conhecimento por meio da oralidade. Não se

estuda a linguagem oral em si, ela é tratada como uma modalidade que permite

a troca de informações, confronto de opiniões, negociações dos sentidos e

avaliação dos processos pedagógicos em que estão inseridas. Para os PCN, a

capacidade de interpretar e produzir textos é entendida como a de ler e

escrever, isso pode ser notado em textos escritos adequados a principiantes

que são, em sua maioria, fragmentos. Tenta-se aproximar os textos aos alunos

enquanto se deveria fazer o contrário. Na perspectiva dos PCN, é de se

esperar que o escritor iniciante redija seus textos iniciais com grande influência

da oralidade.

Segundo os PCN, são colocadas duas razões para que a fala não

se misture com a escrita: a primeira é a de que ninguém escreve como fala. A

segunda é a de que existem regras estabelecidas para o sistema da escrita

como padrões de correção de todas as formas linguísticas. Esse último

fenômeno se associa à gramática tradicional que desconsidera qualquer

variação linguística que não respeite a norma padrão.

As variações são próprias das línguas humanas e sempre

existirão. O uso de uma ou de outra forma de expressão depende de fatores

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geográficos, socioeconômicos, de faixa etária, de gênero (sexo), da relação

entre os falantes e do contexto de fala. Embora esses fatores sejam

apresentados nos PCN, podemos levar a uma interpretação diferente como a

de que os gêneros não são puros e, dentro desse contexto, a escrita e a

oralidade podem aparecer lado a lado como os gêneros primários, que são

oriundos da comunicação cotidiana, presentes nos secundários, mais

complexos. Os Parâmetros Curriculares não privilegiam os gêneros como uma

maneira de enunciar valores, ideologias, vozes sociais e a relação com o outro,

mas sim, com a valorização da forma e com finalidade escolar, como afirma

Fiorin (2006, p. 60):

[...] Depois que os Parâmetros Curriculares Nacionais estabeleceram que o ensino de Português fosse feito com base nos gêneros, apareceram muitos livros didáticos que vêem o gênero como um conjunto de propriedades formais a que o texto deve obedecer. O gênero é, assim, um produto, e seu ensino torna-se, então, normativo. Sob a aparência de uma revolução no ensino de Português está-se dentro da mesma perspectiva normativa com que se ensinava gramática.

De acordo com os PCN, o ensino de norma padrão nas escolas

se dá pelo fato de que não tem sentido ensinar aos alunos o que eles já

sabem, pois a aula é o espaço para o desenvolvimento intelectual e linguístico

dos alunos. Isso significa aprender a manipular textos escritos variados e

adequar o registro oral às situações interlocutivas, o que implica o uso de

padrões mais próximos da escrita.

Os conteúdos de Língua Portuguesa articulam-se entre o uso das

linguagens oral e escrita e a reflexão sobre língua e linguagem. Em função

desses eixos, os conteúdos são organizados em “Prática de escrita e de leitura

de textos” e “Prática de produção de textos orais e escritos”. Essa seleção de

textos refere-se à prática de produção de textos e à análise linguística,

oferecendo modelos para serem seguidos como forma de sofisticação.

Os PCN propõem um trabalho com os gêneros jornalísticos em

sala de aula. Entretanto, tendo como base os gêneros do discurso do ponto de

vista de Mikhail Bakhtin2 pode-se notar que os gêneros não ocorrem de

2 Não nos interessamos, aqui, em discutir a autoria dos textos dos integrantes do Círculo de Bakhtin, composto por estudiosos e artistas como Bakhtin, Volochinov, Medviédiev e outros.

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maneira pura. Portanto, oralidade e escrita podem aparecer lado a lado dentro

de um mesmo enunciado. Existem também, como já mencionamos, elementos

que compõem os gêneros como: conteúdo temático, estilo e estrutura

composicional que são escolhidos de acordo com o enunciatário e a atividade

responsiva que se espera. Na escolha desses aspectos estão incluídas as

vozes sociais e as ideologias pretendidas, como podemos verificar no próximo

item quando discutimos as reflexões bakhtinianas sobre gêneros do discurso.

2 Os gêneros do discurso na perspectiva bakhtiniana

Os PCN valorizam o aspecto formal do texto, o que difere da

perspectiva bakhtiniana, pois, para o filósofo russo, são os gêneros que

determinam um enunciado que atende às finalidades de diferentes esferas das

atividades humanas. Por estar intimamente ligado ao enunciado, o estilo

funciona como um elemento do gênero e reflete a individualidade de quem fala.

Assim, as escolhas linguísticas estão voltadas para a intenção do enunciador

perante seu interlocutor.

Ao refletir sobre os gêneros discursivos, Bakhtin (2000) não teve

a pretensão de fazer um catálogo de todos os gêneros com a descrição de

cada um, pelo contrário, dada à variedade dos gêneros, virtude das

inesgotáveis atividades humanas, há uma complexidade e uma possibilidade

de alterações e ampliações. Nesse contexto, a escolha de gêneros a serem

priorizados não é adequada e pertinente pela perspectiva dos estudos

bakhtinianos. À medida que as esferas das atividades se desenvolvem e ficam

mais complexas, existem gêneros que desaparecem, gêneros que surgem,

outros se diferenciam e existem aqueles que ainda ganham novo sentido.

Para Bakhtin (2000), os gêneros são meios de apreender a

realidade. Mesmo que uma pessoa domine bem uma língua, sentirá dificuldade

ao participar de uma determinada esfera se não tiver o controle dos gêneros

que essa prática humana requer.

Os gêneros discursivos possibilitam a combinação entre as

formas oral e escrita. Essa relação entre gêneros é a melhor maneira para se

entender a formulação de que a produção da linguagem não está restrita ao

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plano verbal. A interação que possuímos com o cinema, programas de

televisão e formatos digitais se deve ao conhecimento adquirido por meio da

literatura, diálogos e outros gêneros da esfera secundária. No sentido de que

todo discurso é construído de forma a obter uma resposta, os gêneros

constituem-se em função das necessidades culturais e apresentam-se como

respostas às formações em curso. Assim, quando um diálogo entra para um

texto jornalístico, por exemplo, ele perde sua relação com o contexto da

comunicação primária e ganha lugar no contexto da comunicação escrita.

3 Os adolescentes e a busca pela identidade

Segundo Gracioli (2006), o termo adolescência foi adotado da

psicologia e psicanálise e relaciona essa fase à mudança da personalidade, da

mente e do corpo do ser humano para que este passe à vida adulta. A

juventude é um período vital que caracteriza um conjunto de reações

psicológicas que se ligam às transformações fisiológicas. Já a concepção do

jovem como categoria social é algo mais elaborado, pois recupera aspectos

biológicos e psicológicos situando-os na trajetória da inserção do jovem na

sociedade.

Em seus estudos, Gracioli (2006) mostra que foi entre 1870 e

1900 que o caminho para o descobrimento da juventude foi preparado e

difundida a idéia de que era necessário que os “jovens fossem jovens”. Mas foi

somente na metade do século XX que o conceito de adolescência se

democratizou separando os jovens dos adultos. No entanto, esse

descobrimento foi ambíguo, pois, de um lado, houve uma conquista e, de outro,

a revelação de um caráter conflitivo.

Para Gracioli (2006), o desenvolvimento dos meios de

comunicação possibilitou a popularização de uma cultura juvenil global com

uma linguagem diferenciada e universal e uma identidade que superava os

limites da comunidade. No que diz respeito ao âmbito social, houve uma

mudança de usos e costumes que superou o puritanismo dando lugar ao

liberalismo.

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Segundo Gracioli (2006), a concepção mais precisa de jovem foi

elaborada por Carles Feixa ao afirmar que a condição do jovem se estabelece

pelo tipo de organização social adotada pelo homem e se define como

construção cultural através do contexto e do momento histórico. A juventude é

construída através do social e formulada por circunstâncias econômicas,

sociais e políticas que estão sujeitas a modificações ao longo do tempo. Desse

modo, as relações entre as gerações estão sujeitas a alterações em diferentes

tempos e espaços sociais. A juventude pode ser definida como uma categoria

social e não apenas como uma faixa etária limitada. É um grupo caracterizado

pela diversidade.

De acordo com Papalia (2006), a principal tarefa da adolescência

é o confronto da própria identidade com uma confusão de identidades de

maneira a obter um adulto com um papel valorizado pela sociedade. Os

adolescentes usam outras pessoas como modelo, suas buscas consistem em

utilizar informações anteriores para formar uma nova estrutura. Nessa busca de

identidade, eles almejam afirmar e organizar suas habilidades, necessidades,

interesses e desejos que possam ser transportados para um contexto social. A

intolerância, um marco do ambiente social do jovem, funciona como uma

defesa contra a confusão de identidade.

De acordo com Moran (1992), os meios de comunicação

respondem à sensibilidade dos jovens, pois são dinâmicos, rápidos e capazes

de tocar o sentimento, a afetividade e, por último, a razão. A maior atração se

dá pela mistura das linguagens visual, falada, de movimento, musical e a

escrita em um mesmo contexto, de forma agradável, rápida e sintética. Existe,

também, uma mistura de assuntos e conteúdos como, por exemplo, notícia,

humor, imaginação, lazer, realidade, concreto, abstrato, presente, passado e

futuro. Esses meios se adaptam ao ritmo dos jovens. A ficção e a informação

são transformadas em espetáculos que mexem com os sentimentos e emoções

dos jovens por encontrar alguma resposta ao que esses procuram, mesmo que

de forma inconsciente.

Apesar de todos os problemas e diferenças que os jovens

apresentam em relação à vida, os estudos de Abramo (2005) apontam que

ainda existe um grau de positividade, ou seja, há mais coisas boas do que ruins

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em ser jovem. Em sua grande maioria, os jovens encontram-se satisfeitos com

sua saúde, aparência física, capacidade de tomar decisões, família, amizades,

relações afetivas, com a maneira que ocupam seu tempo livre e com suas

condições materiais. Dois tópicos são apontados, unanimemente, como os

principais para tornarem a adolescência uma fase positiva: a pouca carga de

responsabilidade e a possibilidade de se divertir mais. No que diz respeito aos

aspectos negativos estão: a convivência com riscos, a falta de liberdade e de

emprego. No que diz respeito ao trabalho, a situação ainda divide os jovens

deixando a maioria insatisfeita.

Segundo estudos de Abramo (2005), para a maioria dos jovens,

enquanto o melhor da juventude é aproveitar a vida, a mesma termina quando

começam as responsabilidades com filhos e família. Não existe, portanto, uma

noção de idade, ou seja, essa fase da vida é definida pela responsabilidade,

quanto menor for, mais se está vivendo a juventude e, quando as

responsabilidades aumentam, é porque a vida adulta está se iniciando.

4 Entrevista: PCN versus teoria bakhtiniana

A revista Atrevida apresenta, com frequência, artigos que

aconselham os adolescentes a enfrentar as dificuldades dessa fase, como os

namoros, as paqueras e desentendimentos familiares, o que configura um

conteúdo temático voltado para os valores sociais desse grupo. Também,

muitas vezes, essas sugestões são seguidas de depoimentos de adolescentes,

com a indicação dos nomes, idade e local, evidenciando, assim, um discurso

veridictório, ou seja, ao apresentar essas referências, o discurso veiculado pela

revista se aproxima da realidade. Os depoimentos apresentam marcas de

oralidade e pressupõem a realização de uma entrevista realizada anteriormente

à produção do artigo.

A seguir, apresentamos o artigo “Eu amo meu ídolo!”, veiculado

na edição de setembro de 2008. Segundo Medina (1995), essa forma de

entrevista que temos é chamada de entrevista diálogo, pois se trata de uma

busca em comum. Procura-se uma verdade que pode dizer respeito à pessoa

ou ao problema do entrevistado. A característica mais marcante da entrevista,

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no âmbito jornalístico, é a segmentação em que o adolescente, por exemplo,

ganha títulos e tratamentos específicos.

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Figura 1: Eu amo meu ídolo!

Fonte: Atrevida, setembro de 2008, p. 74 – 76.

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Figura 2: Desafios à vista!

Fonte: Atrevida, setembro 2008, p. 74 – 76.

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No início do artigo, a “chamada” para a matéria já configura a

identidade juvenil:

Quem é realmente apaixonada por um famoso sabe o quanto é barra sofrer por alguém com quem não se pode ter contato sempre. Além de tudo, as fãs mais dedicadas ainda têm que agüentar brincadeiras dos amigos e até dos próprios pais. É o seu caso? Então, saiba como enfrentar tudo isso numa boa (ATREVIDA, setembro 2008, p. 74).

No discurso do enunciador, podemos perceber fortes marcas da

oralidade através dos termos “barra” e “numa boa” que são utilizados de forma

a obter uma atitude responsiva dos jovens. A interrogação “É o seu caso?”

também contribui para uma identificação, pois se não for o caso pelo qual a

leitora está passando, ela não precisará ler o artigo, mas como essa é uma

fase em que os jovens estão buscando pela formação de sua identidade, é

pouco provável que alguma adolescente não se sinta atraída por essa

“chamada”:

[...] E não é a toa que se apaixonar por um famoso é comum na adolescência. É muito fácil se apaixonar por um ídolo. Como não conhecemos a pessoa, projetamos nela nossos sonhos e desejos. O famoso acaba virando o menino ideal [...] (ATREVIDA, setembro 2008, p. 74).

Todas as jovens sofrem ou já sofreram por um amor platônico. Os

temas são todos elaborados a partir de algo em comum entre os jovens a fim

de se obter o resultado esperado: as vendas da revista. Na fase de

descobertas, o amor é uma delas e, para suprir essa necessidade, muitas

meninas acabam procurando dar esse sentimento a pessoas em que existe

uma possibilidade muito remota de dar certo. Mas à medida que vão crescendo

e amadurecendo, sentem necessidade de receber esse amor também e é

nesse ponto que o ídolo é trocado por meninos comuns.

Os depoimentos das garotas dão um aspecto mais verídico ao

artigo, pois estão expondo seus sentimentos, ou seja, qualquer pessoa pode

desenvolver esse tipo de sentimento por um artista. Por meio desses

depoimentos também podemos verificar as vozes sociais que configuram o

artigo, são jovens entre 14 e 16 anos de idade que possuem uma classe social

que lhes permite viajar e comprar vários objetos relacionados a seu ídolo e que

buscam qualquer tipo de informação sobre ele, por isso são atentas aos meios

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de comunicação, principalmente internet, que lhes proporcionam maiores

informações.

“Sei que parece infantil amar alguém que eu nunca vi, mas não simplesmente ignorar o que sinto”. A frase, da Lahana Cristo, de 14 anos, bem poderia estar na boca de milhares de adolescentes. Há dois anos ela dedica boa parte dos seus dias ao baixista Bryan Donahue, da banda Boys Like Girls [...] (ATREVIDA, setembro 2008, p. 74). “Entro no fotolog do Tavares todos os dias. Adoro as coisas que ele escreve! Ele é o cara ideal! Para me atrair, o menino precisa ser parecido com ele”. Parece que Luíse Ribeiro Macedo, de 16 anos já está em outro estágio daquele amor platônico [...] (ATREVIDA, setembro 2008, p. 75). “Sou viciada em Catch Side. Passo boa parte do meu tempo pesquisando sobre o grupo e baixando vídeos. Minhas amigas ficam arretadas comigo porque eu só sei falar do Kaká, vocalista da banda. Mas o que eu posso fazer?” o que mais incomoda Mariana Matos Gonçalves, de 14 anos, não é nem o fato de que sua paixão não seja correspondida [...] (ATREVIDA, setembro 2008, p. 75). “Faço as maiores loucuras pelos meus ídolos! Já assisti a mais de 20 shows do COM, largo tudo, pego ônibus e vou! Uma vez, entreguei uma prova correndo e viajei duas horas para chegar a tempo de ver o finzinho de uma apresentação”. Gabriela Raabe, de 16 anos, não mede esforços quando o objetivo é chegar mais perto da sua banda preferida [...] (ATREVIDA, setembro 2008, p. 76).

Os depoimentos são marcados por aspas, isso mostra que é a

fala de outra pessoa que não a do enunciador, ou seja, a fala das pessoas

entrevistadas para a produção da matéria. Percebemos marcas da oralidade

como, por exemplo, “arretadas” que, além de representar um gíria também

serve de marcação regional, pois essa palavra é usada somente em algumas

regiões do Brasil. A veracidade do artigo é obtida através dos nomes e da

idade das garotas logo após o depoimento: “Gabriela Raabe, de 16 anos”.

Esses depoimentos são comentados por uma psicoterapeuta o que funciona

como uma solução, dada por uma profissional, para os problemas das leitoras.

O discurso da psicoterapeuta é um discurso de autoridade, pois se trata de

uma pessoa cuja voz tem autoridade, inclusive profissional, para discutir esses

problemas.

Segundo Medina (1995), no contexto dos estudos jornalísticos, a

entrevista funciona como interação social e quebra de isolamentos grupais,

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individuais e sociais. Serve também como pluralizadora de vozes e como uma

distribuição democrática da informação, seu fim é o inter-relacionamento

humano. Os participantes da entrevista se interagem, modificam, revelam,

crescem no conhecimento do mundo e deles próprios. Nesse discurso

veiculado na revista, por exemplo, é possível verificar que o enunciador, em

seu intuito discursivo de se aproximar dos valores sociais dos jovens, expõe

atitudes, medos e inseguranças das adolescentes em relação aos namoros e

“ficadas”. Configura-se, assim, a identidade dos adolescentes enunciada por

uma revista que expõe a voz juvenil para obter a aceitação desse grupo social.

Conclusão

Os PCN entendem que se deve trabalhar os gêneros do discurso

e sugerem alguns como os jornalísticos. Eles citam a entrevista como um texto

possível para se trabalhar em sala de aula, mas propõem as modalidades

escrita e oral separadamente.

Ao refletir sobre o diálogo como forma de comunicação, Bakhtin

(2000) valorizou esferas da linguagem que não estão nos limites de um único

meio. Assim, os gêneros discursivos são realizações das interações produzidas

na esfera da comunicação verbal e, por essa perspectiva, há de se levar em

consideração os valores sociais dos sujeitos da comunicação, o que evidencia

uma concepção de linguagem e sua relação com o social, diferentemente dos

PCN que tratam o estudo dos gêneros de maneira escolarizada, ou seja, como

uma classificação, muitas vezes, voltadas para a leitura e a escrita por meio de

modelos.

Também, pela análise feita, verificamos que a oralidade e a

escrita podem ocorrer lado a lado dentro de um mesmo texto. Isso se

comprova pelo conteúdo temático, a estrutura composicional e o estilo que,

criados de forma a atender a demanda de um determinado grupo social,

funcionam para a constituição de um gênero, no caso artigos de revistas

destinadas a adolescentes. Revela-se, desse modo, a identidade desses

jovens, ou seja, seus valores sociais, suas inseguranças, desejos e suas ações

numa época em que as relações amorosas são marcadas pela efemeridade e

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pelas sensações prazerosas e momentâneas que o contato físico pode

proporcionar.

Gêneros, escolhas verbo-visuais, intenções comunicativas, entre

outros fatores, tudo está inter-relacionado. Portanto, a exclusão ou omissão de

um desses fatores, como, em alguns momentos, apresentam os PCN,

descaracteriza as reflexões bakhtinianas.

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Referências

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MEDINA, Cremilda de Araújo. Entrevista: o diálogo possível. 3. ed. São Paulo: Ática, 1995.

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