A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NOS PARÂMETROS...
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NELSON PERES DA SILVA
A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NOS PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO (PCNEM)
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO UNICID
SÃO PAULO 2011
NELSON PERES DA SILVA
A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NOS PARÂMETROS CURRICULARES
NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO (PCNEM)
Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do Título de Mestre em Educação junto à Universidade Cidade de São Paulo - UNICID, sob a orientação do Prof. Dr. Jair Militão da Silva.
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
UNICID
SÃO PAULO
2011
Profa. Dra. Carla Andréa Soares Araújo - convidada
Profa. Dra. Edileine Vieira Machado (Titular)
Prof. Jair Militão da Silva (Orientador)
COMISSÃO JULGADORA
AGRADECIMENTOS
A Deus por ter me concedido o dom da vida.
Ao meu orientador Prof. Dr. Jair Militão da Silva pelo apoio, paciência e respeito.
Ao Prof. Dr. João Gualberto de Carvalho Meneses e ao Prof. Dr. João Pedro da
Fonseca pelas valiosas contribuições na qualificação deste trabalho.
À Secretaria do Programa pelo apoio, orientações e suporte nas questões
burocráticas.
Aos colegas pela convivência e amizade.
À minha esposa Izabel pela compreensão nas minhas ausências e apoio em todos
os momentos.
Aos meus filhos Fábio e Rodrigo e às minhas noras Elaine e Gláucia pelo
incentivo nos momentos da pesquisa.
À minha neta adorável Laura, pelos sorrisos alegres e carinhosos.
.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................................... CAPÍTULO I – A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA AO LONGO DA HISTÓRIA 1 – Noções de cidadania........................................................................................
2 – A evolução do conceito de cidadania...............................................................
3 – A cidadania e a democracia no Brasil..............................................................
4 – Perspectivas sobre educação, cidadania e liberdade......................................
CAPÍTULO II – A EDUCAÇÃO NO BRASIL – DA INDEPENDÊNCIA AOS NOSSOS DIAS 1 – As relações entre educação e cidadania.........................................................
2 – Educação e cidadania no período imperial......................................................
3 - A educação na Constituição Republicana de 1891..........................................
4 - A educação nas Constituições de 1934 e de 1937...........................................
5 – Educação e cidadania na redemocratização do Brasil....................................
6 - A educação brasileira no período da ditadura militar........................................
7 – As relações entre educação e cidadania na nova república............................
8 – Educação e cidadania na atualidade brasileira................................................
CAPÍTULO III - A PREPARAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA NA EDUCAÇÃOA BÁSICA 1 – A educação para a cidadania no ambiente escolar.........................................
2 – Educação e a cidadania na sociedade brasileira............................................
3 - O conceito de educação básica na atual lei de diretrizes e bases da
educação nacional n°. 9394/96..............................................................................
4 - O ensino médio como terminalidade da educação básica................................
5 – Relações entre educação, cidadania e mundo do trabalho............................
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CAPÍTULO IV – ANÁLISE DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NUMA CONCEPÇÃO CRÍTICA DE EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA 1 – O contexto histórico, político e econômico da reforma curricular proposta
para o ensino médio expressa nos parâmetros curriculares nacionais ................
2 – A educação básica como política social da década de 1990...........................
3 – As diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio e sua articulação
com os parâmetros curriculares nacionais.............................................................
4 – A reorganização e articulação curricular do ensino médio...............................
5 – As funções da tecnologia na atual educação básica.......................................
6 – A cidadania e o mundo do trabalho nos parâmetros curriculares para o
ensino médio..........................................................................................................
7 - A avaliação da educação básica brasileira.......................................................
7.1 – A avaliação da educação básica no âmbito nacional....................................
7.2 – A avaliação da educação básica no Estado de São Paulo...........................
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................
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RESUMO
A presente pesquisa procurou analisar de forma crítica e reflexiva a nova proposta
curricular para o ensino médio protagonizada pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais e interpretada como política pública social para a educação básica na
década de 1990. Para efetivá-la, optou-se por uma abordagem metodológica
exploratória e argumentativa, procurando compreender o conceito de cidadania a
partir de sua origem no mundo grego e seu percurso na história da humanidade, a
evolução da educação na sociedade brasileira a partir da Independência do País,
a educação básica no contexto atual e o novo currículo escolar do ensino médio.
Os resultados da pesquisa bibliográfica demonstraram as mutações do conceito
de cidadania na história da humanidade, seus avanços e recuos na organização
de uma sociedade mais justa e a construção da educação brasileira fundada em
interesses das classes dominantes. Mesmo assim, podemos destacar que a
educação brasileira conquistou avanços significativos nas últimas décadas,
principalmente com a Constituição Federal de 1988 que assegurou a
universalização do ensino médio a todos os brasileiros, pelo menos em termos
constitucionais.
Durante a descrição e análise da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e Parâmetros Curriculares
Nacionais constatamos que o pretenso currículo escolar para o ensino médio não
assegura a formação do educando para a cidadania, mas adota sua centralidade
na formação de mão de obra para atender às exigências do mercado capitalista de
cunho neoliberal. Os altos índices de evasão escolar e baixo rendimento são os
principais fatores que tornaram o ensino médio um instrumento de exclusão social,
principalmente por atingir com maior intensidade as classes menos favorecidas.
PALAVRAS-CHAVE: POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO
BÁSICA, CIDADANIA, CURRÍCULO ESCOLAR
ABSTRACT
This research analyzed critically and reflexively the new curricular proposal for
Secondary Education, based on Brazilian Curricular Parameters, that was
interpreted as public social policy for basic education in the 1990s.
This current research utilized a theoretical method in an attempt to understand the
citizenship concept since its origin in the Greek society and its journey in the
humanity history; the education development in the Brazilian society since the
Brazilian’s Independence; the basic education in the current days and the new
curriculum proposal for Secondary Education by the Brazilian Curricular
Parameters.
The bibliography research results showed that the citizenship concept had
mutations during the humanity history, it showed also its influences for an equality
society development, and the Brazilian education arrangement based on ruling
social groups interests.
It has been showed that the Brazilian education has achieved significant advances
in the last few decades, mainly with the National Constitution (1988), which has
ensured the Secondary Education rights to all the Brazilian students, at least in
constitutional terms.
The analysis of the following items - Education Basis and Aims Act National
Education, Curricular Basis for Secondary Education and Brazilian Curricular
Parameters - has showed that the Secondary Education basis does not teach the
citizenship concept, but its intend to training the students for the requirements of
the capitalist market.
The high rates of dropout and student low income contributed to turn the
Secondary Education into social exclusion factor, and those factors should affect
mainly poor social groups.
KEY WORDS: PUBLIC POLICIES IN EDUCATION, BASIC EDUCATION,
CITIZENSHIP, SCHOOL CURRICULUM
LISTA DE SIGLAS
ANEB – Avaliação Nacional da Educação Básica
ANRESC – Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
CF – Constituição Federal
CEB – Câmara de Educação Básica
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNE – Conselho Nacional de Educação
DCNEM - Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
DUDH - Declaração Universal de Direitos Humanos
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FUNDEF – Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDESP – Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação, Cultura e Desportos
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONU – Organização das Nações Unidas
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNEM - Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica
SARESP – Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar
SEE – Secretaria de Estado da Educação
SEMTEC – Secretaria da Educação Média e Tecnológica
SENAC – Serviço Nacional do Comércio
SENAI – Serviço Nacional da Indústria
SESI – Serviço Nacional da Indústria
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
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INTRODUÇÃO
Restringir a ideia de cidadania, apenas a direitos, pode significar uma limitação da formação do cidadão. Nilson Machado.
O interesse pelo tema construção da cidadania no ambiente escolar
com apoio dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio está
relacionado à minha experiência profissional, como professor da educação básica
em escolas particulares e públicas durante mais de 20 anos, ministrando aulas de
Matemática, quase na sua totalidade nesse nível de ensino e longa experiência na
área de recursos humanos em empresas de médio porte. Foi um período em que
também ministrei aulas de diversas disciplinas da área técnica de informática em
escolas particulares da capital paulista que ofereciam o ensino médio
profissionalizante.
Com graduação plena na área de exatas e cursos complementares
em gestão de recursos humanos, mais tarde, em 1997, ingressei no curso de
pedagogia com o firme propósito de, após sua conclusão, assumir um cargo de
diretor de escola pública, mediante concurso público de provas e títulos.
No início do ano de 2002, assumi, em caráter efetivo, o cargo de
diretor da Escola Estadual Professor Miguel Sansígolo, jurisdicionada à Diretoria
de Ensino – Região Leste 4 em São Paulo, com quase dois mil alunos
matriculados no ensino fundamental – Ciclo II e ensino médio, instalada num
prédio bem conservado e com dependências escolares adequadas à sua
finalidade.
A idealização da escola dos meus sonhos sofreu uma ruptura
quando constatei a falta de funcionários administrativos e burocráticos para
atender a demanda da comunidade escolar e alguns professores mal preparados
para lecionar, principalmente as disciplinas da área de exatas, Matemática e
Física, além dos ranços de uma gestão pública, em que os direitos superam as
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obrigações e os mecanismos de controles funcionais são frágeis e inviabilizam a
formação de uma equipe de trabalho em tempo hábil, comprometida de forma
efetiva com o trabalho escolar.
Nessa passagem pela escola pública, como diretor, ainda com a
esperança de contribuir para a melhoria da qualidade da educação brasileira,
ingressei no curso de Gestão Educacional promovido para gestores de escolas
públicas da rede estadual paulista e realizado pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). Com a frequência às aulas durante um semestre, a
temática educação para a cidadania começou a contagiar o meu trabalho de
gestor da escola pública, principalmente por considerar assunto de grande
relevância para o cotidiano escolar.
Nesse cenário educacional e social, após poucos meses no cargo de
diretor de escola, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo promoveu
um concurso para supervisor de ensino e, mesmo com um certo ceticismo em
relação à possibilidade de poder contribuir para a melhoria da educação pública
paulista, participei do referido evento e em agosto de 2004, já estava exercendo
as funções de supervisão de ensino em escolas públicas e privadas da Diretoria
de Ensino – Região Leste 4 em São Paulo, deixando para trás o antigo cargo de
direção de escola pública.
Numa perspectiva mais abrangente, procurei reunir e apreciar
documentos oficiais que pudessem consolidar o meu conhecimento sobre a
educação básica, vista como política pública social adotada pela Secretaria de
Estado da Educação de São Paulo, embasada na Constituição Federal de 1988,
incorporada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 e
outros dispositivos normativos e legais afins. A partir dos objetivos propostos,
analisamos a legislação educacional brasileira, as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio e os Parâmetros Curriculares, considerando que
nosso interesse estava centrado na educação básica, mais especificamente no
ensino médio regular, como etapa conclusiva dessa modalidade de ensino.
Essa passagem marcou um período de investigação da educação
básica, vindo a emergir um grande interesse em conhecer mais e escrever sobre o
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tema educação para a cidadania, focando o significado de ambos os termos e
suas relações como elementos norteadores da construção de um projeto de vida
em sociedade, alicerçado no conhecimento construído com base na formação
promovida pela educação escolar. Com esse empenho, procuramos identificar nos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, como política pública
social, os fatores que podem, ou não, contribuir para a preparação dos
adolescentes para o exercício da cidadania plena, através da educação básica,
não ignorando suas contribuições para a formação básica para o trabalho.
Com esse olhar, a presente pesquisa procurou descrever e analisar a
proposta de educação escolar expressa nos PCNEMs de forma crítica e reflexiva,
buscando investigar pontos e contrapontos que poderiam interferir na preparação
do aluno para o exercício da cidadania no decorrer dos três anos de ensino médio,
caracterizado como etapa final da educação básica, direito universal assegurado a
todos os brasileiros pela atual Constituição Federal de 1988.
Para o desenvolvimento da pesquisa, optou-se por uma abordagem
metodológica exploratória e argumentativa, procurando compreender o conceito
de cidadania a partir de sua origem no mundo grego e seu percurso na história da
humanidade, sua relevância para a construção de uma democracia plena fundada
no Estado de Direito e sujeita às mutações sociais advindas de lutas e desafios
decorrentes da busca por melhores condições de vida.
Organizou-se uma reflexão sobre a evolução da educação no Brasil,
adotando como marco inicial a independência do país ocorrida em setembro de
1822, vislumbrando sua trajetória panorâmica, porém remetendo ao
aprofundamento da investigação ao período da consolidação da democracia
brasileira a partir da promulgação da atual Constituição.
A instauração desse regime democrático consolidou-se no Estado de
Direito, pelo menos, no âmbito constitucional, passando a assegurar desta forma a
todos os brasileiros os direitos civis, sociais e políticos, anteriormente mutilados
pela ditadura tecnocrata militar que assolou o país durante mais de 20 anos,
cristalizando sequelas cerebrais que ainda cauterizam a consciência de muitos
educadores.
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Sob a vigência dessa nova Constituição, a educação passou a
ocupar posição de destaque, tornando-se fator de promoção social e de
desenvolvimento de todos os brasileiros.
Artigo 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2007)
Nestes termos, a Carta Magna assumiu a importância da educação
nacional como processo formativo da pessoa humana, visando sua qualificação
para o trabalho e preparação para o exercício da cidadania, abrangendo a
educação infantil, o ensino fundamental, o ensino médio, o ensino superior e a
pós-graduação, porém a presente pesquisa limita-se apenas à etapa terminal da
educação básica, concentrada nas orientações expressas nos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEMs).
Considerando os objetivos da presente pesquisa, procurou-se
delimitar a realidade a ser investigada, concentrando-se na formação do
adolescente para o exercício da cidadania plena através da educação escolar,
faixa etária entre 15 e 17 anos, cursando o ensino médio na modalidade regular,
de acordo com a proposta formalizada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio.
Assumiu-se a hipótese de que nos documentos oficiais denominados
PCNEMs, elaborados pelo Ministerio da Educação, da Cultura e dos Desportos e
distribuídos aos sistemas escolares no ano 2000 para todo o país, o ensino médio
contribui para a preparação do educando para o exercício da cidadania, no
entanto existe um equívoco entre o que se proclama e o que efetivamente ocorre
nas escolas públicas e esse fato deve ser investigado.
A partir dos objetivos da pesquisa, optou-se por planejar sua
organização e desenvolvimento em duas etapas, sendo a primeira bibliográfica e a
segunda, análise documental embasada na legislação educacional, normas e
orientações emanadas de órgãos oficiais.
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Preliminarmente, procurou-se elaborar uma reflexão crítica sobre os
paradigmas da cidadania na história da humanidade desde a Antiga Grécia, numa
perspectiva panorâmica consubstanciada nas contribuições das obras: A História
da Cidadania de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky, O Que é Cidadania de
Maria de Lourdes Manzini Covre, A Era dos Direitos de Norberto Bobbio, A
Condição Humana de Hannah Arendt, dentre outros.
Na segunda etapa, buscaram-se subsídios na obra: Estrutura e
Funcionamento da Educação Básica de João Gualberto de Carvalho Meneses e
outros, além de diversos artigos de renomados educadores como Guiomar Nano
de Mello, Carlos Roberto Jamil Cury, Rui Berger Filho, Paul Singer e outros. Para
finalizar essa etapa, procedeu-se à análise das Constituições do Brasil de 1824,
1892, 1934, 1967, Emenda Constitucional n° 1/69 e Constituição de 1988, no que
tange à educação nacional e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
n° 9394/96 que incorporou as finalidades e princípios consagrados na atual Carta
Magna. Prosseguindo o processo investigativo, realizou-se uma análise das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, procurando assinalar os
princípios que nortearam a proposta de implementação do novo currículo escolar
para esse nível de ensino, centrados nos procedimentos normativos que devem
ser adotados pelos sistemas de ensino e unidades escolares de todo o país.
Analisaram-se os Parâmetros Curriculares Nacionais, tendo como
objetivo investigar de que maneira esses documentos, que representam o discurso
oficial do Ministerio de Educação, Cultura e Desportos, podem orientar as escolas
no sentido de potencializar a implementação de um novo currículo escolar para o
ensino médio que priorize o processo formativo do aluno para sua inserção na
sociedade contemporânea, assumindo seus direitos e deveres no meio em que
vive.
A presente pesquisa adota o Estado de Direito como eixo propulsor
da formação de uma sociedade mais justa e igualitária, em a diversidade deve
nortear as ações que puderam transformar os caminhos a serem seguidos pela
democracia no seu sentido pleno, apontando mecanismos que indiquem novas
práticas educativas para as escolas brasileiras.
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Caminhando nessa direção, buscou-se compreender os princípios
axiológicos e doutrinários que nortearam a elaboração dos documentos oficiais
DCNEMs e PCNEMs, ambos embasados na Carta Magna de 1988 que consagrou
a educação como um dos direitos sociais assegurados a todos os brasileiros no
mesmo patamar da saúde, do trabalho, da moradia, do lazer, da previdência
social, da proteção à maternidade e à infância.
Procurou-se descobrir os elementos que, segundo o discurso oficial,
apontam caminhos para a formatação de um “modelo” de educação balizado nos
princípios norteadores da educação problematizadora preconizada por Freire
(2005), como mediadora da construção de um educando autônomo e capaz de
protagonizar o seu próprio destino, contribuindo para a instituição de um novo
paradigma na sociedade contemporânea brasileira.
No desenvolvimento desta pesquisa, buscou-se intermediar um
diálogo entre as diversas obras pesquisadas, os documentos oficiais como
PCNEMs, DCNEMs e Pareceres do Conselho Nacional de Educação, além da
Constituição Federal de 1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n°.
9394/96, selecionando o ensino médio para embasamento conceitual em virtude
desse nível de ensino possuir características de terminalidade de uma etapa da
educação nacional – a educação básica.
Concordamos com Freire (2005) ao sublinhar que, no ambiente
escolar, as contradições emergem a partir de relações macro e microestruturais,
desfigurando, muitas vezes, o objetivo da escola, que é formar o cidadão
consciente para a vida, ressaltando que nem sempre a escola propicia ao
educando a construção de suas competências, principalmente por tolher muitas de
suas iniciativas com medidas disciplinares fundadas no autoritarismo e na
punição, impondo em alguns casos “a cultura do silêncio”.
A ruptura para a construção de uma cidadania plena deve
fundamentar-se numa reflexão constante inerente aos objetivos reais da escola e
se tais objetivos estão sendo alcançados ou, pelo menos, idealizados no cotidiano
das ações que são implementadas na educação básica.
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Observando sob o mesmo prisma, Andrade (2005) afirma que
surgem certas interrogações no ambiente escolar - “Sua escola educa para a
cidadania? Qual cidadania? O que é cidadania?”. Estes questionamentos
provocam inquietações nos meios educacionais entre professores e gestores
escolares, refletindo o comprometimento com o dia a dia da escola; estas
questões invadem a escola, um dos campos de conflito entre as identidades
sociais, e atravessam a complexa problemática da cidadania.
Naturalmente, esses tipos de questionamentos provocam grandes
preocupações no ambiente escolar, principalmente porque a escola tem como
finalidade principal propiciar ao educando uma formação cidadã, para torná-lo
consciente e protagonista da construção do seu caminho a ser trilhado por toda a
vida.
Essa reflexão adquire um valor inestimável no momento atual,
principalmente porque o país passou por um grande período de ditadura militar,
deixando profundas sequelas na sociedade brasileira. A construção de uma nova
sociedade democrática, mais justa e igualitária constitui um imenso desafio a ser
enfrentado pelos educadores, principalmente aqueles que atuam nas escolas
públicas, de uma forma geral.
No cotidiano escolar, focando a relação educador versus aluno, as
contradições tornam-se muito evidentes, pois a dinâmica pedagógica preconizada
pela escola nem sempre busca formar o verdadeiro cidadão autônomo,
consciente, responsável pela construção do seu futuro, através de uma pedagogia
problematizadora, libertadora e não bancária, segundo Freire (2005).
Como a reflexão sobre as relações da temática educação para a
cidadania é bastante ampla, a presente pesquisa delimita a sua abrangência, e
busca respostas para perguntas como:
• Qual é o conceito de cidadania no contexto educacional?
• Qual a relação existente entre cidadania e educação no ensino médio?
• Qual é o conceito de cidadania na Constituição Federal de 1988?
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• O que a escola pode fazer para educar para a cidadania?
• Que tipo de cidadania deve ou pode ser construída no ambiente escolar?
• Como os PCNEMs podem (ou não podem) contribuir para a preparação da
pessoa para o exercício da cidadania no contexto atual? (grifo nosso).
Para consolidação dos objetivos propostos, a presente pesquisa foi
estruturada em uma introdução, quatro capítulos e as considerações finais,
promovendo uma reflexão sistemática sobre o tema “A Construção da Cidadania
nos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio”.
Em linhas gerais, a introdução buscou organizar uma visão geral de
como o trabalho foi elaborado, sublinhando os pontos e contrapontos abordados
durante a exploração da temática em uma visão crítica e reflexiva.
No capítulo I, organizou-se uma reflexão sobre os paradigmas da
cidadania na história da humanidade, adotando como ponto inicial a Antiga Grécia,
considerada berço da democracia, procurando identificar fatores que contribuíram
para superar as restrições impostas à sociedade, por vieses ditatoriais de cada
período histórico e que foram se diluindo nas mutações da sociedade na grande
maioria dos países.
Com uma visão crítica foram abordados os múltiplos significados da
cidadania na sociedade contemporânea com seus diferentes paradigmas
decorrentes de práticas sociais ditatoriais e inibidoras que, em muitos países,
inviabilizaram a conquista de espaços de participação na vida social e política,
enfatizando as contribuições do Estado de Direito conquistado pelos franceses e
americanos no século XVII.
No capítulo II, organizou-se de forma sistematizada e reflexiva a
evolução histórica da educação no Brasil a partir de sua independência,
procurando assinalar seus avanços, recuos e desafios que marcaram diversos
períodos de turbulência na política educacional brasileira.
O capítulo III aborda de forma exploratória, analítica e reflexiva a
educação básica como política pública do Brasil, seus princípios legais,
axiológicos e doutrinários e sua relação com a cidadania democrática na
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sociedade atual, destacando sua identidade como terminalidade de uma etapa
educacional indispensável para a democratização do país.
A pesquisa procurou identificar os princípios que nortearam a
elaboração de toda legislação educacional brasileira, no que tange à construção
histórica da aproximação da educação com a cidadania na trajetória do direito
educacional do país, apontando para a formação de um aluno reflexivo, crítico,
consciente e autônomo através da educação formal, com destaque para a
dignidade humana, justiça social e combate às desigualdades sociais, pobreza e
violência contra os mais fracos.
Nesse aspecto, evidencia-se a relevância da educação básica
destinada a preparar o jovem para o exercício da cidadania plena e convívio
social, fundamenta em habilidades e competências que o educando deve
incorporar no ensino médio, através do aprendizado dos conteúdos curriculares,
ancorado no discurso oficial.
O capítulo IV procurou elaborar a descrição e análise reflexiva das
DCNEMs e PCNEMs com o objetivo de entender a proposta de reformulação do
currículo escolar para o ensino médio regular formalizada pelo discurso oficial e
estruturada em três áreas de conhecimento: Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências
Humanas e suas Tecnologias, organizados de forma sincrônica.
Nessa análise foi investigado se o “modelo” de ensino médio
proposto através do discurso oficial contribui para a formação da cidadania do
jovem estudante, centrado no princípio de flexibilização prescrito pela LDBEN/96 e
ancorado na interdisciplinaridade e contextualização dos conteúdos disciplinares
ministrados na sala de aula sob orientação dos PCNEMs.
Ainda neste capítulo, formalizou-se uma análise crítica dos PCNEMs,
salientando os pontos que se consideram débeis e inconsistentes para subsidiar a
elaboração de um currículo escolar que possa nortear a implementação de
políticas públicas para a educação básica em todo o território brasileiro, com
ênfase na formação da autonomia intelectual do jovem, preconizada pelas três
áreas de conhecimento com suas disciplinas potenciais.
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E nas considerações finais, formalizou-se uma síntese dos pontos e
contrapontos que subsidiaram a análise crítica e reflexiva da construção da
cidadania na história da humanidade e suas relações com o processo formativo
protagonizado pela educação escolar.
Nesta mesma perspectiva, enfatizam-se as orientações expressas
nos PCNEMs, interpretados nesta pesquisa como política social da educação,
definidos pelos órgãos oficiais do sistema educacional como capazes de subsidiar
a implementação de um currículo escolar que propicie ao estudante a formação
para o exercício da cidadania e a preparação básica para o trabalho no mundo
globalizado com dimensões planetárias.
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CAPÍTULO I – A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA AO LONGO DA HISTÓRIA
Cidadania não é um conceito estanque, mas um conceito histórico, o que
significa que o seu sentido varia no tempo e no espaço. Jaime Pinsky
1 – NOÇÕES DE CIDADANIA Na história da humanidade, o conteúdo semântico de cidadania tem
percorrido uma longa trajetória, cheio de mutações, interpretações diversas e
centrado em diferentes paradigmas que podem variar de acordo com a cultura de
cada país e do momento histórico no qual está inserido.
O conceito de cidadania possui uma multiplicidade de significados,
podendo ser apreciado na perspectiva histórica, sociológica ou filosófica, porém,
no presente trabalho, destacamos a sua dimensão pública centrada na
participação dos homens na vida social e política.
Cidadania é algo bom, indica respeito pela própria vida como ideal de
transformar o cotidiano do trabalhador, lutando por dias melhores, sendo sujeito
de seus próprios direitos e com a participação nas decisões dos destinos da
sociedade da qual faz parte, devendo haver sintonia entre direitos e deveres.
(COVRE, 2008).
É nesse sentido que este capítulo buscou sistematizar uma reflexão
sobre o significado de cidadania desde a Antiga Grécia até a atualidade,
classificando o Estado de Direito como instrumento capaz de assegurar o
progresso da humanidade de forma civilizada na ótica de Jean Jacques
Rousseau, e acreditando na educação como fator relevante para a construção de
uma sociedade melhor, potencializando ao homem sua inserção com dignidade no
universo social.
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2 – A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CIDADANIA Segundo Pinsky (2010), a evolução do significado de cidadania na
história da humanidade não percorreu uma trajetória linear, pois é impossível
estabelecer uma sequência única e determinista para a conquista de direitos em
todos os países do planeta, com a sua ampliação no decorrer dos tempos,
cidadania está associada à conquista de direitos e assunção de deveres.
Para o desenvolvimento desta pesquisa e melhor compreensão do
conceito de cidadania com suas mutações na história da humanidade, adotou-se
como ponto de partida deste percurso a Antiga Grécia localizada às margens do
Mar Mediterrâneo.
Nessa região, conhecida como polis grega, os homens eram livres e
participavam de uma democracia direta com atuação política contínua, marcada
por debates promovidos pelos cidadãos para resolução de conflitos com
embasamento em direitos e deveres da coletividade, centrados na vida de todos.
(Covre, 2008).
Essa atuação dos homens estava vinculada à cidade, onde homens
livres tinham responsabilidades jurídica e administrativa pelos negócios públicos,
dispondo de local para discutir e resolver tudo mediante palavras de persuasão,
sem nenhum tipo de coação ou violência, demonstrando uma forte tendência a
princípios democráticos.
As cidades-estado ou polis grega foram construídas por associação
de proprietários de terras agrícolas localizadas às margens do Mar Mediterrâneo,
estruturadas de maneira progressiva por habitantes do local. Todos se defendiam
de forma recíproca, integrados numa relação dialética, porém excluindo os
estrangeiros. (GARINELLO, 2008).
Nesse cenário, predominava um espírito de democracia ancorado em
direitos e deveres, porém restritivo e excludente. Só podiam participar das
decisões homens livres e pertencentes à comunidade, devendo ser preteridos os
estrangeiros, as mulheres, as crianças e os escravos.
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Na realidade, os conflitos de interesse existentes na polis grega eram
resolvidos de forma comunitária por mecanismos públicos, devendo participar
somente o conjunto de proprietários de terra. Desta forma, as decisões eram
políticas de caráter coletivo, pois os assuntos não podiam ser resolvidos por uma
única autoridade superior a todos.
Em Atenas, na Grécia, a cidadania estava atrelada à liberdade, visto
que o status de cidadão garantia ao homem livre o privilégio de participar das
decisões políticas. (PALMA FILHO, 1998).
Outro aspecto importante a ser considerado é a forma de criação e
manutenção das comunidades, bastante singular no tocante à sua organização, se
comparado à atualidade.
Sua identidade comunitária foi construída ao longo do tempo a partir de
populações muitas vezes díspares, sem unidade étnica ou racial. Foi criada e
recriada, reforçada e mantida por mecanismos que produziram o cidadão ao
mesmo tempo em que faziam nascer cultos comuns, moeda cívica, língua, leis,
costumes coletivos – modos de a comunidade fechar-se sobre si mesma e
definir seu território GARINELLO (2008:34).
Ainda nesta perspectiva, o autor acrescenta que naquela região a
cidadania antiga era transmitida por vínculos sanguíneos, passando de geração a
geração, e as comunidades eram formadas de maneira bem distinta, não existindo
nenhum princípio universal que legitimasse a concessão desse privilégio, e os que
migrassem para outras localidades perderiam sua cidadania original. No entanto,
essas cidades-estado fundadas na região do Mediterrâneo foram constituídas de
cidadãos originários de diferentes cidades-estado.
Além dessas comunidades, surgiram outras cidades-estado ao norte
da África, nas costas da Sicília e nas costas da Itália que tiveram seus habitantes
provindos de diversas origens não configurando, portanto, comunidade com a
mesma constituição étnica. Sob o direito de cidadania, Garinello (2008) salienta
que este poderia ser concedido em qualquer época e de forma individual,
bastando, conferir homenagens a uma pessoa importante ou promover retribuição
24
ou favor à coletividade, ficando evidente que cidadania não era direito
conquistado, mas outorgado.
Destarte, o direito à cidadania não era para todos, pois pertencer às
comunidades cidadãs representava um grande privilégio concedido para um grupo
reduzido de pessoas.
Pertencer à comunidade da cidade-estado não era, portanto, algo de pouca
monta, mas um privilégio guardado com zelo, cuidadosamente vigiado por
meio de registros escritos e conferidos com rigor. Como já ressaltava o filósofo
grego Aristóteles, fora da cidade-estado não havia indivíduos plenos e livres,
com direitos e garantias sobre sua pessoa e seus bens. Pertencer à
comunidade era participar de um ciclo próprio da vida cotidiana, com seus
ritos, costumes, regras, festividades, crenças e relações pessoais. Garinello
(2008:35)
A formação dessas comunidades não constituía nenhum tipo de
processo de inclusão social; pelo contrário, o fechamento das cidades-estado
indicava de forma evidente um processo de exclusão social e estas eram mais
fortes que os estado nacionais existentes na sociedade contemporânea.
É nessa dinâmica social que as comunidades promoviam a liberdade
na esfera política, contrapondo ao processo de violência existente no lar privado,
segundo procura demonstrar Arendt (2010:37):
O que todos os filósofos gregos tinham como certo, por mais que se
opusessem à vida na polis, é que a liberdade situa-se exclusivamente na
esfera política; que a necessidade é primordialmente um fenômeno pré-
político, característico da organização do lar privado; e que a força e a
violência são justificadas nesta última esfera por serem os únicos meios de
vencer a necessidade – governando escravos, por exemplo – e tornar-se livre.
Nesse sentido, o autor assinala que na Antiga Grécia, os cidadãos
estabeleciam uma enorme diferença entre lar e comunidade, pois segundo o
pensamento grego, no lar não existia igualdade entre os diversos membros, mas
sim desigualdade, o que justificava o uso da força e da violência, no entanto na
25
polis, as decisões eram tomadas entre os “iguais”, o que demonstrava uma
separação entre polis e família; na polis o homem recebia uma segunda vida
“além de sua vida privada”.
Ademais, a liberdade era considerada na polis grega como fator
relevante para assegurar a felicidade, entretanto a discriminação, a violência e a
exclusão social estavam presentes contra pobres e escravos, como afirma Arendt:
Uma vez que todos os seres humanos são sujeitos à necessidade, tem o
direito de empregar a violência contra os outros; a violência é um ato pré-
politico de liberar-se da necessidade da vida para conquistar a liberdade do
mundo. Essa liberdade é a condição essencial daquilo que os gregos
chamavam de felicidade, eudaimonia, que era um estado objetivo dependente,
em primeiro lugar de riqueza e saúde. Ser pobre ou ter má saúde significava
estar sujeito à necessidade física, e ser um escravo significava estar sujeito,
também, à violência praticada pelo homem. Arendt (2010:37).
Arendt ainda acrescenta que na polis grega, a manutenção de
escravos naquele contexto cultural e social era justificada pelos cidadãos como
uma necessidade instituída para garantir a felicidade e o bem-estar das pessoas
excluídas dos direitos de cidadania, pois nesse regime poderiam viver sem
preocupação com o futuro.
Essa “infelicidade” dupla e redobrada da escravidão é inteiramente
independente do efetivo bem-estar subjetivo do escravo. Assim, um homem
livre e pobre preferia a insegurança de um mercado de trabalho que mudasse
diariamente a uma ocupação regular e garantida; esta última por lhe restringir
a liberdade de fazer o que desejasse a cada dia, já era considerada servidão
(douleia) e até o trabalho árduo e penoso era preferível à vida tranquila de
muitos escravos domésticos. (ARENDT, 2010:37-38).
Tendo em vista esta perspectiva, a escravidão era algo bom para o
escravo, pois lhe assegurava um bem-estar permanente, livre das inquietações do
mercado de trabalho, assegurando-lhe maior tranquilidade com a promoção do
seu bem estar, ficando disponível para fazer o que bem lhe aprouvesse,
26
independente do que pudesse lhe acontecer no dia seguinte. Essa visão
paradoxal demonstra um período histórico de contradições no tocante ao conceito
de liberdade disseminado na sociedade contemporânea, pois a desqualificação da
pessoa humana fica bastante evidente no texto elaborado por Arendt.
Arendt (2010) ainda acrescenta que nas cidades-estado antigas, o
mecanismo de funcionamento da democracia era completamente diferente dos
regimes democráticos da atualidade, pois as decisões eram tomadas através de
voto direto e individual de seus membros, sem nenhum tipo de representação.
Não havia orientação doutrinária de qualquer natureza, nem partidos
políticos, nem divisão de poderes constitucionais, e cada assembleia decidia de
acordo com as circunstâncias e interesses em conflito. Mesmo assim, na
realização desses eventos ficava evidente com muita clareza a existência de
interesses antagônicos entre ricos e pobres, assinalados pelas divergências dos
partícipes.
Garinello (2008) salienta que a dinâmica da cidadania romana era
mais aberta que as demais cidades-estado e esta estratégica acabou contribuindo
para que Roma conseguisse unificar todas as cidades-estado da região do Mar
Mediterrâneo, deixando de ser uma cidade-estado para se tornar numa
comunidade romana. Desta forma articulada e com aporte de sua expansão
militar, Roma instaurou naquela região a maior aliança de cidades-estado que o
mundo conheceu.
Nesse novo contexto histórico, a sociedade romana foi estruturada e
organizada em dois grandes grupos: de um lado a nobreza composta por um
conselho de anciãos e o restante da população, posicionado numa condição
subalterna e, portanto, sem direitos de cidadania. Diante dessa nova estruturação
da sociedade romana, “os sem direitos” deflagraram lutas por direitos sociais e
pelos direitos de cidadania contra os que tinham assegurado os direitos civis
plenos. (FUNARI, 2008).
Em Roma, apesar das restrições impostas à prática de cidadania, se
comparadas à realidade contemporânea, aquele momento histórico e cultural
27
repercute muitos de seus princípios nos dias de hoje. Essa constatação pode ser
apreciada nas palavras de Funari (2008):
As eleições, em Roma, constituem outro grande tesouro da cidadania. Os
comícios por tribos eram muito importantes, pois elegiam questores, edis,
tribunos e militares e tribunos da plebe. À diferença de muitas cidades gregas,
em que o direito de voto era restrito, em Roma votavam pobres e mesmo
libertos. As funções das assembleias eram tanto eleitorais como legislativas, e
o princípio fundamental do voto romano era o voto por grupo e não individual.
Funari (2008:63)
É importante salientar, segundo afirma Funari (2008), que o direito de
cidadania romana em termos jurídicos e políticos, quando concedido a alguém,
assinalava ascensão social de grande repercussão na comunidade. O cidadão
romano trazia consigo diversos privilégios legais e fiscais relevantes consagrados
pelo Direito Romano, destacando a possibilidade de elaboração de contratos com
direitos e assunção de responsabilidades, testamentos, direitos de propriedade e
outros.
Apesar da grande importância da repercussão até os dias atuais dos
princípios que nortearam a construção da cidadania da Antiga Grécia e do povo
romano, as lutas e conquistas de direitos em nível mundial continuaram sendo
ampliadas pelo decorrer da história, merecendo destaque, segundo Funari (2008),
a Independência dos Estados Unidos da América do Norte ocorrida em 1776, pois
esse fato histórico apresentou novas concepções para a política e para a
consolidação da cidadania, alicerçados em mecanismos jurídicos consistentes
para a instituição da democracia mais ampla da época, buscando inspiração no
discurso religioso, na influência dos pensadores, na luta contra a Inglaterra e nas
condições específicas de sua própria colonização.
Segundo Karnal (2010), a Declaração da Independência do povo
norte-americano expressa de forma clara e objetiva que - “todos os homens foram
criados iguais e dotados pelo Criador de direitos inalienáveis, como vida,
liberdade, busca de felicidade”, procurando instaurar uma nova consciência de
28
liberdade no país. Neste contexto político e democrático, em 1787 foi elaborada a
Constituição Norte-Americana que se inicia com a célebre expressão: “Nós, o
povo dos Estados Unidos”, procurando salientar a forma coletiva como o assunto
estava sendo tratado e a valorização do indivíduo com relação à garantia de
direitos individuais.
É importante salientar neste momento que, para assegurar a certeza
de liberdade individual, os estados aprovaram e introduziram dez emendas à
Constituição, consideradas de grande relevância para a democracia daquele país,
garantindo ao cidadão o direito de portar armas, de ter julgamentos abertos e com
júri, de não ser penalizado com penas cruéis, além de assegurar o direito de
quase absoluta liberdade de expressão.
Karnal (2010) afirma ainda que a concepção de cidadania e liberdade
conquistadas pelo povo norte-americano com a independência do país e
promulgação da Constituição apresentava-se de forma bastante avançada para a
época, porém excludente e restritiva, se comparada com a atualidade. A
democracia, ora instaurada, era bastante seletiva, pois mulheres escravas e
brancas pobres não tinham direito de votar, configurando desta maneira um
regime democrático dos séculos XVIII e XIX naquele país, convivendo com
exceções, inclusive com a escravidão negra.
Essa visão de cidadania justificava-se pelo fato de ter sido inspirada
no modelo estético e político da Grécia Clássica, em que escravos, mulheres e
estrangeiros eram excluídos da participação das decisões da comunidade. Esse
“modelo” de cidadania carregava no seu bojo uma maneira implícita de excluir a
maioria das pessoas de participação política, assegurando privilégios para uma
pequena minoria, contrapondo ao processo de inclusão total. Apesar disso, a
Constituição norte-americana era muito ampla, em relação aos princípios
democráticos, pois cidadania e igualdade constituíam um todo inseparável,
consequentemente, a ampliação desses direitos foi sendo efetivada de forma
paulatina no período do país independente.
29
De uma maneira geral, a ampliação dos direitos de liberdade e de
cidadania decorrentes da Revolução Norte-Americana e centrados num processo
democrático foi relevante para a humanidade, segundo afirma Singer:
A Revolução Americana foi pioneira na formulação dos direitos humanos. Pela
primeira vez, um povo fundamenta sua aspiração à independência nos
princípios da cidadania, ou seja, coloca como finalidade primordial do Estado a
preservação das liberdades dos integrantes do povo, elevados à condição de
sujeitos políticos. (SINGER, 2010: 201)
Naquele contexto político e social, os direitos humanos, a liberdade e
a cidadania garantiam ao povo norte-americano uma condição substancialmente
privilegiada para a época, em comparação com outras nações.
Para se aprofundar numa análise mais detalhada e reflexiva sobre o
significado de cidadania na sociedade contemporânea, segundo Covre (2008), há
necessidade de remeter à sua construção histórica marcada por referenciais
relevantes daquele período, destacando as Cartas de Direitos dos Estados Unidos
da América do Norte (1776), da Revolução Francesa (1789) e a Carta de Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas (1948).
Na conquista de direitos protagonizada pelos norte-americanos e
expressos na Carta de Direitos dos Estados da América, merecem destaque o
direito à liberdade de expressão, de manifestações públicas e outros, declarados
em seu artigo I.
ARTIGO I – O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma
religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos, ou cerceando a liberdade
de palavra, ou de imprensa, ou o direito do provo se reunir pacificamente, e
de dirigir ao Governo petições para reparação de seus agravos.
Este artigo representa uma pequena amostra do conjunto de direitos
conquistados nessa época pelos americanos, pois outros artigos liberam a posse
de armas, a inviolabilidade de casas, a proibição de as pessoas serem obrigadas
a testemunhar contra si mesmas, a garantia de julgamento rápido público e
30
imparcial, além de outros, representando um grande avanço no tocante à
conquista da liberdade e consequentemente da cidadania democrática.
Em decorrência da Revolução Francesa, os homens passaram a
viver em núcleos urbanos, destacando-se de forma gradativa o exercício da
cidadania, consolidando-se uma nova relação jurídica diferenciada e centralizada,
o chamado Estado de Direito, com estabelecimento de direitos iguais para todos
os homens, considerado de grande relevância por se tratar de uma conquista
pioneira em toda a história da humanidade, declarada nas Cartas Constitucionais
que se opunham ao processo de normas difusas e indiscriminadas da sociedade
feudal e às normas arbitrárias dos regimes ditatoriais. Covre (2010)
Com essa Revolução emergiu o Estado Liberal Burguês,
protagonizou-se um grande avanço em termos de direitos do cidadão, instituindo-
se direitos iguais para todos, ainda que somente perante a lei, trazendo como
proposta a cidadania.
Essas conquistas provocaram uma verdadeira ruptura no antigo
sistema feudal vigente que reconhecia como direito o obtido pelo nascimento,
próprio da sociedade feudal, em que os servos e os camponeses eram tratados
como gado, agregados em glebas, sem direitos, sem escolhas de seus destinos,
sem arbítrios sobre seus valores.
A instauração do Estado Liberal Burguês, ancorado nos princípios do
capitalismo, promoveu a instituição e visão de classes sociais, provocando o
desenvolvimento da cidadania vinculada à valorização do trabalho, desprestigiado
e indigno na Idade Média por convicções religiosas.
A autora afirma que a cidadania sob a visão burguesa foi elaborada
por intelectuais e demorou séculos para sua formação, vinculando direitos
humanos somente aos donos de propriedades. Instituiu-se um conceito de
cidadania “mais formal, a que serve a dominação”, pois “num tipo de cidadania
mais efetivo, os direitos são extensivos, quantitativa e qualitativamente a todos”,
destacando-se a formulação de determinadas “cidadanias” de caráter universal e
outras com objetivo de prover a dominação.
31
Mais tarde, no ano de 1948, a promulgação da Declaração Universal
de Direitos Humanos (DUDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) veio
consolidar mais uma grande conquista para os países signatários de acordos
internacionais, inclusive para o Brasil.
Em seus 30 artigos, a DUDH enumera uma coletânea de Direitos de
grande relevância para a liberdade e dignidade humana, como o Artigo I que
declara que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com
espírito de fraternidade”, além de promulgar o direito à vida com dignidade, a
liberdade de religião, a não discriminação por qualquer natureza, a proibição de
escravidão, a igualdade perante a lei, a liberdade de pensamento, o acesso aos
serviços públicos, dentre outros.
Em linhas geais, esses documentos descrevem direitos e deveres
relacionados à cidadania democrática, representando conquistas para as pessoas:
Todos cabem o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um salário
condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à
habitação e ao lazer. E mais, é direito de todos expressar livremente, militar
em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus
valores. Enfim, o direito de ter uma vida digna, de ser homem. Covre (2008:9)
Na perspectiva de construção da cidadania plena, lutas, conquistas e
desafios para o homem contemporâneo, com ênfase em direitos, mas também em
deveres, a autora aponta caminhos para essa jornada:
Ele também deve ter deveres: ser o próprio fomentador da existência dos
direitos a todos, ter responsabilidade em conjunto pela coletividade, cumprir as
normas e propostas elaboradas e decididas coletivamente, fazer parte do
governo, direta, ou indiretamente, ao votar, ao pressionar através dos
movimentos sociais ou participar de assembleias no bairro, sindicato ou
escola. Covre (2008:9)
32
Não muito distante desse período que foi marcante para a sociedade
contemporânea, segundo Covre (2008), no limiar do século XIX, o tema cidadania
começou a ser debatido na grande maioria dos países do planeta, inclusive no
Brasil. Pronunciamentos de políticos, capitalistas, intelectuais e organizações não
governamentais invadiram a mídia, repercutindo nos meios de comunicação de
massa, rádios, TVs, Internet a pretensa importância da cidadania para os povos,
figurando também nos movimentos sociais com ênfase para reivindicações de
saneamento básico, saúde, educação, direito à livre expressão e outros.
Concordamos com o questionamento da autora que, ao apreciar de
forma crítica o tema abordado, pergunta quem são essas pessoas que debatem a
cidadania, pois pertencem a diferentes segmentos da sociedade contemporânea e
completa: qual tipo de cidadania que esses extratos sociais estão discutindo, pois
cidadania não é algo estanque, implica diálogo?
Nesse cenário, Covre (2008) assinala que muita gente ainda
confunde o privilégio de ser cidadão com o direito de votar, porém apenas essa
prática não garante nenhum tipo de cidadania se não vier acompanhada de
determinadas condições de nível econômico, político, social e cultural, enfatizando
ainda a importância da participação das pessoas em igrejas, escolas, sindicatos,
comunidades de bairro ou outras instituições.
Expressando de forma semelhante, Pinsky (2005) salienta que
cidadania pode ser configurada numa atitude de cotidiano de cada um; implica em
consciência de pertinência a uma sociedade, à responsabilidade coletiva e ainda
afirma que o exercício de cidadania está expresso no voto, no respeito aos
pedestres na faixa de trânsito, no controle de ruídos de seu carro, na conservação
da limpeza da via pública, dentre outras atitudes.
Acrescenta que, em linhas gerais, o conteúdo semântico do termo
cidadão pode advir de vertentes completamente antagônicas, com interesses
conflitantes, procurando definir o cidadão como um tipo de pessoa educada, ideal
para conviver em sociedade, ou alguém com autonomia intelectual, com
capacidade para intervir no meio em que vive, buscando a promoção de
mudanças na sociedade.
33
Nesta perspectiva, Andrade(2005) aborda o assunto e aponta alguns
paradigmas de cidadania que precisam ser apreciados, principalmente quando se
pensa num cidadão crítico e reflexivo capaz de construir o seu próprio destino ou
outro passivo, obediente e conformado com tudo que a sociedade lhe impõe.
Na concepção tradicional de educação, há um modelo de cidadão culto,
civilizado e erudito a ser educado nos padrões tidos como democráticos de
convivência social e aptidão para o mercado. Na vertente crítica, o caminho
está na possibilidade de uma educação baseada na tomada de consciência da
injustiça do sistema capitalista, desmistificando suas ideologias e promovendo
a mudança social. Os enunciados pós-críticos questionam ao mesmo tempo a
suposta neutralidade dos conhecimentos veiculados pela escola, como
pretendem as teorias tradicionais, e a existência de um sujeito autônomo,
capaz de desmascarar as ideologias, via educação conscientizadora, como
querem as concepções críticas. Andrade (2005:213)
Pinsky (2010) afirma que o significado de cidadania é construído
historicamente através da cultura de um país, portanto existem diferenças
significativas entre ser cidadão brasileiro, cidadão americano ou cidadão alemão e
completa: “ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade
perante a lei, em resumo, ter direitos civis. É preciso também participar do destino
da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos”. Além disso, destaca que
somente direitos civis e políticos não garantem democracia, pois há também a
necessidade dos direitos sociais, assegurando a participação na riqueza coletiva
do país, o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, a uma velhice
tranquila.
Covre (2008) adverte que, de uma maneira geral, há certa tendência
de as pessoas pensarem em cidadania somente em termos de direitos a receber,
omitindo-se o fato de que a própria pessoa pode ser o agente desses direitos e
acrescenta que é imprescindível trabalhar para conquistar esses direitos. De
alguma forma todos devem fazer parte do governo.
34
A autora salienta que a cidadania é o próprio direito à vida no sentido
pleno e esse direito deve ser construído diariamente de forma coletiva, não
apenas em termos de necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de
assistência, quando indispensáveis. Completando, a cidadania está associada a
direitos e deveres e o seu exercício é algo possível, dependendo do embate
político de quem não dispõe de muito poder. Só é possível existir cidadania se
houver prática de reivindicação e luta para fazer valer os direitos da pessoa
humana. Demo (1995) acrescenta que a cidadania é o componente mais
importante para o desenvolvimento da sociedade atual, destacando-se o processo
emancipatório com a apreensão da capacidade de dizer não às imposições das
elites dominantes.
Covre (2008) destaca a importância de lutar por direitos na
perspectiva do Estado de Direito, procurando o desenvolvimento social.
A prática da cidadania pode ser a estratégia por excelência para a construção
de uma sociedade melhor. Mas o primeiro pressuposto dessa prática é que
esteja assegurado o direito de reivindicar os direitos, e que o conhecimento
deste se estenda cada vez mais a toda a população. Covre (2008:10)
A autora completa afirmando que os diferentes significados de
cidadania podem ser abarcados pelos direitos civis, direitos políticos e direitos
sociais, interligados num todo orgânico que se materializa no cotidiano cultural e
social, pois sem direitos políticos não existem direitos civis e sociais, não se
esquecendo de que em contraposição, devem vir acompanhados dos deveres,
numa concepção de sociedade democrática.
Numa perspectiva análoga, Bobbio (2004) associa os direitos e
deveres da pessoa humana na dinâmica prática da cidadania como componente
fundamental para o desenvolvimento social.
Como uma metáfora usual, pode-se dizer que direito e dever são como o verso
e o reverso de uma mesma moeda. Mas qual é o verso e qual é o reverso?
Depende da posição com que olhamos a moeda. Pois bem: a moeda da moral
35
foi tradicionalmente olhada mais pelo lado dos deveres do que pelo lado dos
direitos. Bobbio (2004:51)
A visão de cidadania preconizada por Rousseau (1712-1778),
segundo Covre (2008), aponta para a construção de relações justas entre os
homens, sem exploração, sem dominação de homem sobre homem, declarada em
“O Contrato Social”, defendendo um regime político legítimo em que nenhum
homem deve ter autoridade natural sobre o seu semelhante e de forma nenhuma
a força possa produzir direito. Nesse sentido, PALMA FILHO (1998) salienta que o
filósofo Rousseau, se conhecesse a fragilidade do regime democrático brasileiro,
certamente encontraria evidências que contrariam suas convicções.
A proposta de Rousseau, segundo Covre (2008), pressupõe a
preservação de direitos e deveres numa democracia direta, sem restrições
relacionadas à condição de igualdade e associadas aos aspectos econômicos e
políticos, com a participação de todos.
3 – A CIDADANIA E A DEMOCRACIA NO BRASIL A construção da cidadania no Brasil percorreu um longo caminho,
pois direitos civis, direitos sociais e direitos políticos, elementos fundamentais para
uma vida cidadã e que evidenciam a consolidação da justiça social, nem sempre
caminharam juntos. O país amargou períodos de ditadura, escravidão dos negros,
fraudes em eleições (1890-1930), desigualdade social e discriminação racial, além
de outros ingredientes da anticidadania. (CARVALHO, 2008)
Covre (2008) assinala que numa cidadania democrática plena, os
direitos sociais ocupam posição de grande relevância, pois procuram atender às
necessidades humanas básicas, sublinhando a reposição da força de trabalho,
assegurando o sustento do corpo humano, a alimentação, a saúde, a educação, o
trabalho com um salário justo, habitação e outros.
36
Os direitos políticos dizem respeito à deliberação do homem sobre
sua vida, ao direito de ter livre expressão de pensamento e prática política,
religiosa etc., além, de abarcarem o relacionamento e convivência em organismos
dirigidos por outros homens, de forma representativa direta, tais como sindicatos,
partidos políticos, movimentos sociais, associação de bairros e outros,
enfrentando imposições dos poderosos por meio de greves, movimentos sociais e
pressões.
E acrescenta que, em síntese, direitos civis, direitos sociais e direitos
políticos não podem existir de forma dissociada, pois a sua materialização
depende de uma relação recíproca entre os três, proporcionando a extensão a
todos do direito à vida no sentido pleno, elemento fundamental da cidadania.
A autora salienta que o ordenamento jurídico de um país se constitui
num ente fundamental para a liberdade e a democracia, refletindo diretamente na
cidadania democrática plena, com ênfase para a Carta Magna que representa
uma arma nas mãos dos cidadãos para reivindicações e conquistas de posições
mais igualitárias, pois estes e outros princípios estão expressos em maior ou
menor grau nas constituições de cada país.
A Constituição impõe limites no poder dos governantes e condensa a
ideia de direitos de cidadania, constituindo-se num instrumento que assegura a
não violência para os cidadãos. Os assuntos que lhe dizem respeito não podem
ser tratados de forma arbitrária e, nessas circunstâncias, os homens podem
partilhar das mesmas normas jurídicas, lançando mão delas para sua defesa e
proteção.
Na sociedade contemporânea, apesar da conquista de direitos em
muitos países, a grande maioria da população mundial não tem esses direitos
assegurados, inclusive no Brasil, haja vista o período de duas décadas de ditadura
tecnocrática militar, quando a sociedade brasileira passou por uma fase de
anticidadania, restrição de liberdade, tortura e mesmo eliminação de pessoas
contrárias à forma de pensar e agir desse regime dominante.
Não se pode apreender que somente leis possam potencializar a
efetivação da cidadania, pois para construí-la no seu sentido universal, fazendo
37
valer os direitos civis, sociais e políticos e servir de fato às necessidades das
pessoas, é preciso de lutas e desafios que sedimentam as conquistas e
possibilitam a sua estruturação que está sempre em processo, com ênfase em leis
mais justas.
No Brasil, mesmo com a existência de leis em vigor, ocorrem fatos
que configuram a anticidadania, como é o caso dos Esquadrões da Morte
constituídos por policiais militares que decidem o destino de supostos marginais,
julgando-os e condenando-os sumariamente à morte. Na maioria das vezes, são
trabalhadores que foram levados à marginalidade devido à exclusão social,
protagonizada por uma estrutura subjacente construída pelo regime tecnocrático –
militar, ainda sobrevivente na sociedade brasileira. (COVRE, 2008)
Além desses fatos, outro doloroso exemplo de anticidadania pode ser
constatado no Norte e Nordeste do Brasil, onde muitos trabalhadores rurais são
tratados como escravos, como pode ser observado em denúncias feitas pelos
meios de comunicação de massa do país.
Apesar desses fatos degradantes da sociedade brasileira, é
importante destacar que a luta dos trabalhadores tem sido intensa em nosso país,
iniciando-se praticamente na década de 1920, quando emergiu o processo de
urbanização e industrialização do Brasil, surgindo a conhecida cidadania operária,
representada com o aumento do operariado. (CARVALHO, 2008).
Covre (2008) acrescenta que, no Brasil, quando surgiram as
primeiras reivindicações de trabalhadores, foram considerados casos para a
polícia resolver, porém, logo em seguida, foram transformados em impasses para
os políticos encontrarem solução, ampliando os direitos de cidadania.
Nesse cenário “A grande atuação política dos trabalhadores nas
décadas de 1910 e 1920 levou a um contexto em que as elites pensavam como
atender ou acenar com o atendimento de certas reivindicações” (COVRE,
2008:54) O Estado atendeu parte das reivindicações dos trabalhadores com a
finalidade de desmobilizá-los, atrelando as atividades sindicais ao próprio Estado.
Questionando sobre as conquistas dos trabalhadores e sua liberdade
para reivindicar mais direitos, a autora assinala que nem sempre os trabalhadores
38
escolhem o local onde querem trabalhar ou em que condições e ritmos preferem
desempenhar suas atividades, pois o filme Tempos Modernos demonstra, através
de Charles Chaplin, o sofrimento dos trabalhadores em uma fábrica e a sua
maneira mecânica de trabalhar, sem alternativa para escolha.
É importante salientar que na sociedade contemporânea os direitos
sociais assumem uma relevância maior para o cidadão, na medida em que os
detentores do capital e do poder têm construído o seu conceito de cidadania,
buscando manter os trabalhadores passivos e receptores desses direitos, a
despeito das mudanças decorrentes das transformações advindas do capitalismo,
acenando para a construção de uma sociedade melhor.
Por um lado, isso pode significar um engodo se os trabalhadores se
mantiverem subalternizados aos seus empregadores. No entanto, essa situação
pode ser mudada, bastando que os trabalhadores submissos busquem reverter o
quadro de submissão, procurando ocupar de forma efetiva os espaços apontados
pelos direitos.
No período que abrange 1930 a 1945, criou-se no Brasil o Ministerio
do Trabalho, Indústria e Comércio e instituíram-se direitos sociais à frente de
direitos políticos. Num contexto autoritário, aprovou-se a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) promulgada em 1943 pelo então Presidente Getúlio Vargas,
“colocado no poder pelos militares”, com participação política praticamente nula e
precária vigência de direitos civis. (CARVALHO, 2008)
De 1945 a 1964, segundo Covre (2008), instaurou-se no país uma
espécie de democracia fundada no liberalismo e no monopolismo, com princípios
autoritários, período em que se fizeram sentir as primeiras grandes lutas pela
conquista de direitos e pela construção da cidadania, lideradas por trabalhadores
italianos que chegaram ao Brasil para trabalhar na indústria nacional.
Nesse cenário, a autora questiona como ficou a construção da
cidadania nesse momento de ditadura liderada por Getúlio Vargas e com o apoio
dos militares.
De 1945 a 1964, desenvolveu-se no Brasil a chamada democracia populista.
Sendo democracia, ainda que autoritária e atravessada pelas duas vertentes
39
(liberalismo e monopolismo), como ficou a cidadania nesse período?
(COVRE, 2008:54)
E mais tarde, de 1964 a 1985, o país imergiu num regime ditatorial
consubstanciado na anticidadania, época em que mutilaram direitos,
principalmente, na vigência do Ato Institucional número 5, editado no ano de 1968,
provocando uma grande imobilização da sociedade. Vale destacar que qualquer
projeto de cidadania deve estar atrelado às condições mínimas de democracia,
com ênfase para o respeito à Constituição e sua consolidação requer luta contínua
de toda a sociedade.
No Brasil, a experiência recente da Constituinte, período em que o
Congresso Nacional elaborou a atual Constituição Federal, promulgada em 1988,
representou um fato marcante para toda a sociedade brasileira com a instituição
de um novo ordenamento jurídico para o país, configurado em princípios
democráticos.
Apesar da instituição de um regime democrático conquistado no país,
os direitos civis têm sido motivo de luta intensa tanto no Brasil quanto em outros
países da América Latina, pois se referem à locomoção e à liberdade de
expressão. Para o usufruto desses direitos, é imprescindível a existência de
regimes democráticos que assegurem a existência dos direitos políticos.
A autora salienta que o Estado de Direito pode assegurar o
desenvolvimento necessário ao progresso da humanidade, sem retornar à
barbárie primitiva, pois se trata de um instrumento que potencializa a vida de
forma civilizada que só depende do ordenamento jurídico da sociedade.
Nesta perspectiva, afirma:
O Estado de Direito, o governo pelas leis, foi uma conquista histórica da
humanidade e deve ser irreversível. Com toda a sua ambiguidade, a lei pode
ser também instrumento da maioria dos cidadãos. Mas não devemos ser
ingênuos e acreditar que a luta pela cidadania se restringe às leis, embora elas
lhe sejam essenciais. As leis são instrumentos importantes para fazer valer
40
nossos direitos, ainda que por meio de inúmeras pressões sociais. Covre
(2008:29)
A autora tem razão quando afirma a conquista de direitos pela
humanidade deve ser ampliada e não reduzida. Sua posição jamais deve ser
revertida e por outro lado, as leis devem ser utilizadas como instrumentos para
assegurar aos cidadãos uma vida melhor.
4 – PERSPECTIVAS SOBRE EDUCAÇÃO, CIDADANIA E LIBERDADE
Em toda história da humanidade, não há como dissociar cidadania de
liberdade, no entanto o conceito de igualdade nem sempre se apresentou com as
mesmas características e convicções. O liberalismo sempre procurou valorizar
mais as ações individuais do que as coletivas, admitindo as desigualdades
materiais como normais, pois os indivíduos não são iguais na capacidade de
aprendizagem e desenvolvimento de seus talentos.
Nesta perspectiva, PALMA FILHO (1998) salienta que essa liberdade
não abrange o campo das condições materiais, assinalando que a desigualdade
material é perfeitamente coerente com o princípio liberal, pois as pessoas não são
iguais em talentos. A igualdade fica restrita apenas ao plano de oportunidades e a
democracia moderna, segundo Bobbio (2004), assenta na soberania não do povo,
mas dos cidadãos, pois o povo é apenas uma abstração que foi sempre utilizado
para encobrir diversos tipos de realidades.
Na doutrina liberal, a liberdade é compreendida como a ausência de
coerção de indivíduos para indivíduos no sentido de se recorrer à força ou
métodos espúrios para induzir o ser humano a fazer o que não deseja.
(STEWART JR, 1984)
As lutas e conquistas dos povos estão atreladas ao progresso
democrático possível, à consecução dos direitos humanos e sua emancipação
41
política, tanto de maneira individual quanto coletiva das pessoas. A cidadania é
abordada sob diferentes paradigmas, porém sempre vinculados aos ideais de
liberdade e de igualdade. Uma das mais importantes conquistas dos povos no
século XX tem como fulcro a cidadania, perfazendo um dos componentes
fundamentais do desenvolvimento humano, selecionando o mercado com a função
de meio, numa concepção neoliberal. (DEMO, 1995),
A democracia é um sistema político organizado, regulado e
administrado em prol da maioria das pessoas, devendo ser gerido de forma a não
suprimir o fenômeno do poder, indispensável para a estrutura social, porém
balizado no Estado de Direito, potencializando o seu acesso com o apoio
majoritário dos interessados, não realizado em prol de aligarquias.
Com esse olhar, Demo (1995) conceitua cidadania como a
competência humana de se fazer protagonista de seu futuro, para construir a sua
própria história, coletivamente organizada, fundada na sua capacidade crítica,
buscando interferir na sua realidade de modo alternativo, apontando para o
processo emancipatório, potencializado pela formação escolar através da
educação, organização política, identidade cultural, informação e comunicação.
Para a consolidação da cidadania é imprescindível a competência humana de se
fazer sujeito de suas ações, de construir sua história de forma coletiva e
organizada.
Nesse sentido Pinsky (2005) acrescenta que um trabalho de base
realizado por professores, alunos, comunidade e governo pode contribuir para
mudanças de atitudes em relação à escola, numa responsabilidade mútua,
destarte, potencializando a participação de todos, conquistando direitos e
assumindo obrigações, num processo formativo de construção da cidadania,
demonstrando que cidadania se aprende na escola.
No entanto, Demo (1995) aborda a temática e destaca que o maior
desafio da construção da cidadania na atualidade é a eliminação da pobreza
política, pois a ignorância potencializa a ampliação da condição de massa de
manobra das pessoas, inibe a consciência crítica da marginalização que lhe é
imposta pelos poderosos, obscurecendo sua visão política de organização, de
42
concessão de uma história alternativa, admitindo que a injustiça constitui elemento
de seu destino e que produz riqueza para os outros, sem dela poder participar.
Para combater a miséria econômica, o pobre necessita superar sua
condição de pobreza política, descobrindo que existem as oportunidades e a
cidadania constitui-se em requisito indispensável para o desenvolvimento,
ressaltando a necessidade de construir as competências para enfrentar os
desafios que emergem, pois basta sua aplicação no cotidiano social.
Numa sociedade democrática, o avanço das políticas públicas pode
contribuir e favorecer a construção da cidadania, , incentivando a sociedade
organizada a controlar a elite e o Estado de forma coordenada e dialeticamente
polarizada. A mais próxima das políticas públicas nesse segmento é a educação
básica, desde que tenha boa qualidade, característica indispensável para gerar
um processo formativo capaz de construir as competências indispensáveis à
cidadania, destacando sua obrigatoriedade e os recursos financeiros para seu
financiamento.
No Brasil, a educação básica encontra-se muito atrasada, refletindo a
condição perversa do capitalismo, sobretudo no confronto entre o poderio
econômico e a miséria reinante, evidenciando seus traços de perversidade no
fracasso escolar, em que a adoção de um sistema de seleção, mesmo à revelia da
legislação educacional, trata o fator repetência mais comum que a aprovação,
ignorando o sentido essencial que se funda na equalização de oportunidades,
atingindo principalmente as camadas mais pobres da população.
Esses indicadores divulgados pelo MEC através do censo escolar
demonstram o péssimo rendimento escolar da educação básica, agravando-se
com os desequilíbrios regionais, principalmente nos estados do norte e nordeste
do país, com ênfase nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática.
43
CAPÍTULO II – A EDUCAÇÃO NO BRASIL – DA INDEPENDÊNCIA AOS NOSSOS DIAS
O principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer
coisas novas e não simplesmente repetir o que as outras gerações
fizeram. Jean Piaget.
1 – AS RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E CIDADANIA
Numa perspectiva histórica, este capítulo procurou analisar as
relações entre educação e cidadania no Brasil, desde a sua Independência de
Portugal até os dias de hoje, sublinhando o período que abrange a promulgação
da Constituição Federal de 1988 e a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional n° 9394/96, com sua repercussão no processo de redemocratização do
país e formação do jovem para uma sociedade que se avança em alta velocidade
na tecnologia da comunicação e da informação.
Nessa trajetória, adotou-se como pressuposto que a educação
escolar não é neutra, portanto está sempre a serviço da formação de um tipo de
cidadania, potencializando a inserção do jovem no universo social, construindo no
cotidiano escolar a sua cidadania que pode ser de obediência e passividade ou
crítica e reflexiva. (PALMA FILHO, 1998)
A partir dos objetivos do presente trabalho, desenvolve-se uma
análise reflexiva e crítica das relações existentes entre educação e os diferentes
tipos de cidadania construídos durante o período em estudo. Destacam-se os
princípios universais e fundamentais da dignidade humana, justiça social e no
combate às desigualdades, pobreza e violência contra os mais fracos.
Na atualidade, o discurso oficial declara a educação escolar como
um dos pilares de desenvolvimento sustentável da democracia, construção da
44
identidade juvenil, preparação da pessoa para o exercício da cidadania plena,
convívio social e qualificação para o trabalho.
É com esse espírito audacioso que o Estado brasileiro se propõe a
implementar uma política educacional que priorize o processo formativo da pessoa
através da educação básica, proporcionando a todos os brasileiros a construção
de competências e habilidades imprescindíveis para o exercício da cidadania
democrática e preparação básica para o trabalho, consolidado na conclusão do
ensino médio, etapa terminal desse nível de educação.
Nesta perspectiva, a educação básica, consubstanciada no discurso
oficial expresso na atual legislação educacional brasileira, normas e orientações
sobre a temática, busca formar o jovem para o mundo do trabalho, mundo do
conhecimento, prática social e preparação para o prosseguimento de estudos.
2 – EDUCAÇÃO E CIDADANIA NO PERÍODO IMPERIAL A proclamação da Independência do Brasil foi realizada de forma
pacífica em 7 de setembro de 1822, negociada entre a elite brasileira, a coroa
portuguesa e a Inglaterra, tendo como mediador o próprio príncipe Dom Pedro.
Mediante o pagamento da quantia vultosa de dois milhões de libras esterlinas ao
reino de Portugal, o Brasil conquistou sua independência, proporcionando nessa
época a unificação territorial do país. Algumas províncias receberam a notícia
somente três meses depois e o conceito de cidadania não sofreu nenhuma
alteração com essa mudança de regime de governo. (CARVALHO, 2008).
A primeira Constituição brasileira recebeu a denominação de
Constituição do Império do Brasil e foi outorgada em 25 de março de 1824 pelo
então imperador Dom Pedro I. Com 179 artigos, a Constituição estabeleceu que
são cidadãos brasileiros os nascidos no Brasil, os libertos, os filhos de brasileiros
nascidos em países estrangeiros que viessem residir no país, dentre outros,
estando sujeitos à perda da cidadania em casos de naturalização em país
45
estrangeiro, aceitação de condecoração de governo estrangeiro, sem autorização
do imperador ou ser banido por sentença, portanto o “modelo” de cidadania
adotado no país estava vinculado apenas à nacionalidade.
O perfil da Constituição Imperial demonstrava que para a elite
governante do Brasil, a educação popular não era considerada relevante, pois
apesar de estabelecer como direito a instrução primária gratuita aberta a todos os
cidadãos, determinava que a sua implementação deveria ser realizada de forma
descentralizada através das províncias e sem nenhum tipo de apoio financeiro ou
técnico do Governo Central, tornando o processo inexequível em virtude da
carência de recursos (CURY, HORTA e FÁVERO, 1996).
Nesse cenário de dificuldades, haveria necessidade de uma política
educacional que contemplasse a concessão de recursos financeiros às províncias
e a criação de um sistema público para gerir todo o processo da educação
nacional. No entanto, as dificuldades não foram superadas e desta forma o
princípio educacional estabelecido pela Constituição Imperial expresso em seu
artigo 179 – [...] Inciso XXXII – A Instrução primária, e gratuita a todos os
cidadãos”, tornou-se letra morta.
A gratuidade da instrução primária a todos os cidadãos foi o único
princípio educacional estipulado pela Constituição Imperial, apresentado como
ideal, segundo Saviani (2008), porém considerando a falta de recursos
organizacionais e financeiros, acabou sendo reduzido à instalação de algumas
escolas de primeiras letras, não produzindo os frutos esperados, e deixando
muitas ideias apenas no papel. Na corte e nas grandes cidades, instituições
educacionais particulares passaram a oferecer um ensino primário mais rico que o
oferecido pelas escolas públicas. (HAIDAR e TANURI, 1998)
Para se ter uma ideia mais concreta do processo educacional do país
no Período Imperial, Carvalho (2008) destaca que meio século após a
proclamação da independência do Brasil, a maioria da população brasileira era
constituída por analfabetos, pois no ano de 1872, apenas 16% da população era
alfabetizada.
46
Neste contexto educacional sob a vigência da Constituição Imperial,
o Governo Central demonstrou que não conseguiu zelar pela instrução primária.
Apenas fixou o currículo para as escolas de primeiras letras e instituiu o ensino
primário para o sexo feminino. A educação do povo, na realidade, ficou à mercê
de interesses pessoais e políticos do soberano centrado no seu poder absoluto.
No tocante ao ensino superior, o Governo Imperial instalou nos país os cursos
jurídicos na cidade de Olinda no estado de Pernambuco e na capital paulista e
criou as faculdades de medicina na Bahia e no Rio de Janeiro, restando anseios,
esperanças e planos não realizados. Deixou para a República uma enorme tarefa
a ser promovida no que tange à instrução pública. (HAIDAR e TANURI, 1998).
3 - A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA DE 1891 Em 15 de novembro de 1889, com a Proclamação da República, a
monarquia sai de cena e através de um golpe militar sem a participação popular,
instaura-se no Brasil um novo regime de governo, o republicano, criando
expectativas sobre mudanças de paradigmas de cidadania, considerando que a
escravidão havia sido abolida em 1888, portanto num passado bastante recente.
No novo cenário institucional o Governo Provisório tinha a incumbência de
reorganizar o país jurídica e politicamente. (MARÇOLA, 2010).
Com a mudança do regime de governo, a Constituição Imperial foi
revogada e em 24 de fevereiro de 1891, a primeira Constituição Republicana é
promulgada, assegurando a todos os brasileiros os direitos civis e a ampliação dos
direitos políticos. O exercício do direito ao voto, anteriormente limitado pelo valor
da renda, passa a ser contemplado a todos os brasileiros alfabetizados, portanto
excluindo os analfabetos do processo eleitoral. (CURY, HORTA e FÁVERO,
1996)
Essa mesma Constituição estabeleceu um postulado declarando a
igualdade das pessoas na sociedade, no entanto ignorou a dura realidade dos
47
negros recém-libertos, caboclos e índios, além de retirar o único direito
educacional consagrado na Constituição Imperial de 1824, o princípio de
gratuidade da educação primária.
O ensino secundário passou a ser controlado diretamente pela
União, buscando o seu aperfeiçoamento e a sua estruturação em nível de país;
por outro lado, procurando a superação de seu caráter propedêutico em relação
ao ensino superior. Essa Constituição Republicana não contemplava gratuidade
nem obrigatoriedade de ensino elementar no país.
A Constituição de 1891 desvinculou a Igreja Católica do Estado,
estabelecendo a proibição expressa do uso de dinheiro público para subvencionar
todos e quaisquer tipos de atividades religiosas, manteve o legado do Império no
que tange à educação elementar e instituiu a laicidade do ensino em todos as
escolas públicas brasileiros, expressa no seu “Artigo 72 – [...] § 6º - Será leigo o
ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”.
Esse princípio constitucional, segundo Saviani (2008), desonerou o
Estado e transferiu as questões de ordem confessional para a iniciativa privada.
Para viabilizar sua aplicação, a União deveria organizar e instaurar um “sólido”
sistema público de educação capaz de estruturar e gerir o ensino em todo o
território nacional, em consonância com os princípios de um Estado republicano.
A inexistência de um Ministerio específico para gerir e articular os
negócios da educação e a ausência de uma política educacional eficaz para o
setor agravaram ainda mais a situação do país. Qualquer medida que fosse
adotada seria de difícil implementação, por isso no período da Primeira República
(1889-1930) a educação apresentou poucos avanços.
A organização e a instauração de um sistema público de ensino
“sólido” acabaram ficando apenas no papel, pois a elite governante do Brasil
argumentou que numa República Federativa o regime político é descentralizado,
portanto a organização nacional do ensino também deve ser e, neste caso, sob a
responsabilidade das antigas províncias, agora transformadas em Estados
federados com a Proclamação da República.
48
Na realidade, a argumentação apresentada pela União não se
confirma, pois o novo regime vigente no Brasil apenas mudou de denominação, de
Império para República, mas se manteve de forma centralizada. A Constituição
Republicana não sofreu alterações substantivas nesse aspecto e com a
insuficiência de recursos organizacionais e financeiros os estados federados não
dispunham de meios para a implementação e manutenção do ensino de forma
descentralizada.
Nas duas primeiras décadas do regime republicano, a área da
educação se manteve com as mesmas ideias do período Imperial. Nenhum tipo de
mudança significativa aconteceu e as estratégias permaneceram idênticas,
apenas mudança de regime de governo e concessão de alguns direitos. (HAIDAR
e TANURI, 1998)
A Constituição Republicana de 1891 manteve o dever de animar no
país o desenvolvimento das artes e ciências à União, não de forma privativa,
devendo ainda promover a instrução secundária apenas no Distrito Federal,
estabelecendo como sua competência o poder para legislar sobre o Ensino
Superior na Capital da República.
Aos Estados, a Carta Magna facultava o exercício de poder ou direito
de legislar, contanto que sua negação não estivesse expressa em cláusula
constitucional, ficando implícito que não era proibido aos respectivos Estados a
criação de escolas de qualquer nível ou modalidade de ensino, bem como legislar
sobre sua organização e funcionamento.
Apesar desse cenário educacional de dificuldades, no início do
período republicano (1890/1893) a educação no Estado de São Paulo
implementou reformas, assegurando um ensino primário de melhor qualidade,
principalmente por se constituir num dos principais polos econômicos do país,
sendo considerado um dos Estados mais progressistas.
Nesse período, o Estado de São Paulo destacou-se pela construção
dos chamados grupos escolares, cujas classes eram formadas por alunos de
acordo com o seu nível de adiantamento e pela elevação do nível da escola
49
normal. Nesse período, outros Estados fizeram uso do modelo paulista de
educação para implementação de melhorias em suas escolas de ensino primário.
De forma paralela, foram processadas mudanças qualitativas e
quantitativas no ensino normal, procurando o aprimoramento e disseminação do
ensino primário, destacando que, apesar de alguns Estados ampliarem seu
currículo e prolongarem sua duração, o curso normal funcionou com conteúdo
concentrado em cultura geral e de forma paralela ao ensino secundário.
Nesse longo período (1822-1830), o ensino secundário no Brasil
ficou, praticamente, por conta da iniciativa privada, pois a União mantinha apenas
um colégio que ministrava esse nível de ensino, o Colégio Dom Pedro. Mesmo
assim, o controle dessa modalidade de ensino permanecia como competência da
União, ampliando-se ainda mais, porém de forma progressiva com as reformas
Maximiliano (1915) e João Luiz Alves (1925). A educação popular nessa fase ficou
concentrada em estabelecimentos de ensino da esfera estadual e o ensino
secundário concentrou-se nas escolas particulares.
O ensino normal, a instrução primária e o ensino profissional ficaram
à mercê das possibilidades financeiras dos Estados, pois a União continuava
ausente na organização e manutenção da instrução popular, ignorando a
“instrução básica comum necessária à formação da consciência nacional”,
apontada no período imperial como ameaça à integridade política da nação.
A partir desta constatação, movimentos nacionalistas buscaram
empunhar a bandeira de luta contra o analfabetismo, exigindo a efetiva
participação do governo Federal, como participante desse setor inclusive,
abordando a constitucionalidade dessa participação. Nesse período foram
promulgadas diversas leis que propunham a cooperação do governo central na
educação popular no país, bem como, a discussão deste tema.
No ano de 1926, o Brasil passou por uma Reforma Constitucional;
foram apresentadas diversas emendas com o objetivo de viabilizar de forma
expressa a participação da União na cooperação e manutenção da instrução
popular, porém nenhuma delas foi aprovada. Somente mais tarde, após o
fechamento de escolas alemãs na Região Sul do Brasil, o Governo Federal
50
concedeu auxílios financeiros para manutenção de escolas primárias, construídas
por estados e prefeituras, através de medidas isoladas de exceção, após o final da
Primeira Guerra Mundial.
Até o final da Primeira República, foram criadas escolas de ensino
técnico para formação de aprendizes artífices e de patronatos agrícolas, de forma
isolada, persistindo assim a ausência de uma política nacional de educação e de
uma coordenação central de todos os segmentos e modalidades de ensino. Os
Estados desincumbiram-se sozinhos da tarefa de manutenção do ensino popular,
organizando-o de forma independente de ações da União.
A consciência da necessidade de um sistema de educação eficaz
com abrangência nacional, inspirado numa política pública dessa natureza,
marcou o final da Primeira República e esses ideais vieram a fazer parte do
Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932), documento elaborado por um
grupo de intelectuais brasileiros, consubstanciado em princípios educacionais
bastante avançados para a época e endereçados ao Governo e à população.
4 - A EDUCAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES DE 1934 E DE 1937 Com a Revolução de 1930, encerra-se um período histórico da
política brasileira com a queda da Primeira República e assunção da Presidência
do Brasil por Getúlio Vargas, na condição de governo provisório. O momento
clama por uma nova ordem jurídica, uma nova Constituição.
Com esse idealismo, os paulistas se rebelaram e passaram a exigir
do governo provisório a convocação imediata de uma Constituinte, porém não
sendo atendidos, desencadearam a Revolução Constitucionalista de 1932, sendo
sufocados pelas forças leais ao governo e em seguida concedida anistia para
todos os rebelados. Apressou-se a convocação da idealizada Constituinte, cuja
instalação ocorreu no dia 10 de novembro de 1933. Nessa época, o governo
provisório já acenava sua grande preocupação com relação à extensão da
51
cidadania, o voto das mulheres e dos maiores de 18 anos. (QUIRINO e MONTES,
1987)
Em 16 de julho de 1934, foi aprovada a nova Constituição brasileira
de teor democrático-liberal, preservando o caráter do princípio federativo em vigor
e ampliando as atribuições da União na área da educação, fixando-lhe, dentre
outras, as seguintes competências: “traçar as diretrizes da educação nacional,
fixar o plano nacional da educação e coordenar sua execução em todo o país,
organizar e manter os sistemas dos territórios e exercer a ação supletiva, onde
necessária”. (HAIDAR e TNURI, 1998:89)
Após a Revolução de 1930, as relações entre o governo Federal e os
Estados passaram por um processo de centralização política, atingindo todos os
segmentos da sociedade e com as mudanças na política e na economia, o Brasil
passou de uma sociedade pré-capitalista agrocomercial e artesanal para uma
sociedade urbana industrial.
O crescimento da indústria provocou uma grande migração da
população rural para as cidades com expectativas de conquistar novas
oportunidades de trabalho, melhores possibilidades de mobilidade social e êxito
profissional, resultando num aumento de demanda pela escolarização. As
matrículas aumentaram de 1933 a 1960 – 253% para o ensino primário, 817%
para o total do ensino técnico, 402% para o ensino normal e 1207% para o ensino
secundário.
No período de 1930 a 1945, houve uma expressiva expansão da
rede pública de ensino de nível médio, principalmente na modalidade acadêmica,
secundária. Esse crescimento decorreu do grande aumento da demanda por
escolarização e não de uma política educacional que procurasse ajustar a
organização escolar a sua clientela, ora heterogênea. Na ausência de uma política
educacional para o setor, o índice de evasão escolar e repetência, passou a ser
extremamente significativo.
Vale salientar que houve avanço na área educacional. A Constituição
de 1934 foi a primeira Constituição brasileira a destinar um capítulo à questão
educacional, o Capítulo II, da Educação e da Cultura, estabelecendo que:
52
CAPÍTULO II
Da Educação e da Cultura
Art. 148 – Cabe à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o
desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral,
proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do país, bem
como prestar assistência ao trabalhador intelectual.
Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrado pela família e
pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a
estrangeiros domiciliados no país, de modo que possibilite eficientes fatores da
vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a
consciência da solidariedade humana.
A Constituição de 1934 estabeleceu princípios educacionais muito
relevantes para a sociedade brasileira: a gratuidade do ensino primário, a
universalização da educação, a obrigatoriedade do ensino primário, a liberdade de
ensino, dentre outros.
A vigência dessa Carta Magna foi extremamente curta, pois em 10
de novembro de 1937 o então Presidente Getúlio Vargas outorgou uma nova
Constituição instituindo no país a ditadura do Estado Novo, silenciando em relação
a alguns princípios e relativizando outros, e , estabelecendo em seu artigo 129 a
criação do ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos
favorecidas e em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. (SAVIANI,
2008).
O princípio de liberdade de ensino foi mantido na Constituição
Federal de 1937 quando estabeleceu que a arte, a ciência e o ensino poderiam
ser livres à iniciativa individual e a de associações coletivas públicas e particulares
e que o dever do Estado é contribuir para o desenvolvimento dessas iniciativas,
favorecendo a fundação de instituições dessa natureza.
A Constituição também estabeleceu que o ensino primário seria
gratuito, porém relativizou essa gratuidade, pois exigia que os mais favorecidos
contribuíssem em termos de solidariedade na ocasião da matrícula para beneficiar
os menos favorecidos com uma contribuição mensal para a caixa escolar.
53
No período de vigência do Estado Novo foram criadas as leis
orgânicas do ensino, estabelecendo diretrizes para a organização da educação
nacional, não de forma sistêmica, mas por partes, não havendo adoção de um
sistema integrado para todo o país.
A Constituição estabeleceu como dever das indústrias e sindicatos, a
criação de escolas de aprendizes destinadas aos filhos de seus empregados ou
de seus associados na esfera de suas especificidades, sendo criados nessa
época o Serviço Nacional da Indústria (SENAI), o Serviço Nacional do Comércio
(SENAC) e o Serviço Nacional da Indústria (SESI), com esse objetivo.
5 – EDUCAÇÃO E CIDADANIA NA REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL
Em 1945, com a queda da ditadura de Getúlio Vargas, iniciou-se o
processo de redemocratização do país, sendo convocada em apenas dois meses
uma Assembleia Nacional Constituinte com poderes ilimitados para elaborar e
votar a Constituição do Brasil e eleições: presidencial e legislativas, sendo eleito
para presidência do Brasil Eurico Gaspar Dutra. Os trabalhos da Constituinte
foram concluídos em 2 de setembro de 1946, e a nova Constituição brasileira
promulgada no dia 18 de setembro de 1946, restituindo direitos essenciais à
sociedade civil e liberdade de iniciativa aos cidadãos. (QUIRINO e MONTES,
1987).
Nesse mesmo ano, com o final da Segunda Guerra Mundial, o
ambiente planetário traduzia um clima democrático, segundo Carneiro (2010), pois
trazia no seu bojo um conjunto de valores universais representados pela liberdade,
dignidade humana e solidariedade internacional, vistos como pilares de
sustentação daquele momento histórico.
A nova Constituição brasileira aprovada neste cenário político
recuperou a orientação descentralista e liberal da Carta Magna de 1891,
restabelecendo uma parte dos principais dispositivos relacionados à educação,
54
com destaque para os princípios da obrigatoriedade do ensino primário e sua
gratuidade, assegurando o direito de todos à educação. Além disso, delegou à
União a competência para legislar sobre as diretrizes e bases da educação
nacional, potencializando a organização de um sistema Federal de ensino de
caráter supletivo, procurando amenizar as deficiências de cada localidade em todo
o território nacional. (HAIDAR e TANURI, 1998)
No tocante aos recursos financeiros para a área educacional, a
Constituição de 1946 estabeleceu a obrigatoriedade de a União aplicar
anualmente nunca menos que 10%, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, nunca menos que 20% da renda resultante dos impostos para a
finalidade específica de manutenção e desenvolvimento do ensino, nos termos
estabelecidos pelo seu artigo 169. Por outro lado, liberou o ensino à livre iniciativa
privada, condicionado a atender os dispositivos legais que regulamentassem a
matéria.
Os Estados e o Distrito Federal restabeleceram a atribuição expressa
de organizar e implementar os seus respectivos sistemas de ensino de forma
bastante análoga ao estabelecido pela Constituição de 1934. A mesma
Constituição de 1946 outorgou a competência para a União legislar sobre as
diretrizes da educação nacional e por isso todos os planos de trabalho elaborados
pelos entes federados ficaram na dependência de legislação Federal,
inviabilizando o seu desenvolvimento em nível estadual.
E nesse período histórico, ano de 1948, o Poder Executivo
encaminhou à Câmara Federal o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da
Educação. Ele só foi aprovado em dezembro de 1961, 13 anos depois, após longa
e tumultuada discussão no Congresso Nacional, o que evidencia as dificuldades
enfrentadas pelos Estados federados e pelo Distrito Federal.
Nesse longo período de tramitação do projeto de lei de Diretrizes e
Bases, de forma paralela à Constituição de 1946, permaneceram em vigor as Leis
Orgânicas da Educação, passando por algumas modificações somente em 1962,
ficando mantidos durante esse tempo o ensino primário e o normal nos moldes
anteriores.
55
Em 20 de dezembro de 1961 entrou em vigor a primeira Lei de
Diretrizes e Bases – LDB n° 4024, regulamentando a educação brasileira,
estabelecendo novas normas para a educação nacional.
Dá-se um importante passo no sentido da unificação do sistema de
ensino e da eliminação do dualismo administrativo herdado do Império.
Inicia-se, pela primeira vez, uma relativa descentralização do sistema
como um todo, concedendo-se considerável margem de autonomia aos
Estados e proporcionando-lhes as linhas gerais a serem seguidas na
organização de seu sistema (HAIDAR e TANURI, 1998:96)
A nova LDB manteve a autonomia dos Estados quanto à organização
do ensino primário, limitou a fixação de suas finalidades, duração e
obrigatoriedade, fixando as normas gerais e as grandes linhas de um sistema
nacional de educação, consolidando a vitória dos educadores de 1920, início de
1930, conferindo à União a competência para fixar diretrizes gerais e as grandes
linhas de um sistema nacional de educação. Passou a coordenar a ação educativa
de todo o país e, aos Estados, coube a organização de seus sistemas de ensino
nas respectivas modalidades.
Para estruturação e organização do ensino técnico e secundário, os
Estados, os municípios e a iniciativa privada deveriam adotar os padrões federais,
ficando a União responsável pela autorização e fiscalização dos estabelecimentos
que viessem a oferecer essas modalidades de ensino, com padrões rígidos e
uniformes. Na realidade toda rigidez curricular e de programas não passou dos
aspectos formais, pois o Governo Central não dispunha de recursos técnicos e
financeiros para bancar o controle nos termos propostos pela legislação
educacional da época.
56
6 - A EDUCAÇÃO BRASILEIRA NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR
Em 31 de março de 1964, as Forças Armadas desencadearam um
movimento armado vitorioso, depondo o Presidente da República, dando inicio à
destruição da Constituição Federal que regera a república liberal-democrática
desde o ano de 1946. (QUIRINO e MONTES, 1987).
Com a instauração do regime militar, instituiu-se no país uma
progressiva centralização política e administrativa da educação, contrariando o
processo de descentralização estabelecido pela LDB N° 4024/61. O planejamento
da educação que era incumbência do Conselho Federal de Educação passou a
ser executado por órgãos centrais do Poder Executivo, assegurando a sua
hegemonia absoluta, nos termos dos Atos Institucionais de 1964 a 1966.
(HAIDAR e TANURI, 1998)
Neste contexto autoritário, em 24 de janeiro de 1967, o Governo
Militar outorgou uma nova Constituição ao país, relativizando o princípio de
gratuidade do ensino público, estendendo a possibilidade de o Poder Público
substituir o regime de gratuidade pela concessão de bolsas de estudo. Era
possível exigir o posterior reembolso no caso de ensino superior. Extinguiu a
promoção por mérito, estabilidade de professores e remuneração condigna de
docentes, dentre outros direitos, estabelecidos na Constituição de 1946.
Apenas dois anos depois, em 17 de novembro de 1969, entre o
período de doença do General Costa e Silva e a posse do novo presidente
General Emílio Garrastazu Médici, a junta militar que governava o país outorgou a
Emenda Constitucional número 1, mantendo os mesmos dispositivos expressos
na Constituição de 1967 no que tange à educação nacional, apenas procedendo a
algumas alterações em sua redação. (SAVIANI, 2008)
A educação nacional teve de incorporar de forma compulsória a
ideologia dominante inspirada na segurança do país. A Constituição outorgada
pelos militares em 1967 abriu espaço para a criação de escolas particulares,
57
direcionando recursos públicos para sua ampliação e fortalecimento, sem critérios
claros e previamente definidos. (CARNEIRO, 2010)
Em linhas gerais, a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional
de 1969 mantiveram a divisão de atribuições relativas ao ensino estabelecidas
pela Constituição de 1946 com poucas alterações, porém, houve uma ampliação
de regulamentação e controles federais, principalmente no tocante à definição de
diretrizes e bases da educação nacional. (HAIDAR e TANURI, 1998).
Com a tendência centralizadora do regime militar, o Ministerio do
Planejamento assumiu a liderança do processo educacional do país, em
consonância com as novas Leis que normatizavam a educação nacional. Nesse
período podemos destacar a Lei n° 5540 de 28 de novembro de 1968 que “Fixa
normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com
a escola média e dá outras providencias” e a Lei 5692 de 11 de agosto de 1971
que “Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2° graus”, refletindo a tendência
de centralização do novo regime de governo, tanto pela sistemática quanto pelo
conteúdo das legislações, reservando poucos assuntos para a competência dos
Estados.
A Lei 5692/71 manteve o conceito de grau de ensino, presente na lei
anterior à de número 4024/61, no entanto estabeleceu uma mudança bastante
radical na estrutura básica da educação nacional. Na legislação anterior o curso
primário era de quatro anos no mínimo, o médio ginasial de três anos e o ensino
médio colegial de três, perfazendo um total de dez anos de escolarização nesse
nível de ensino.
A nova lei (5692/71) estabeleceu o ensino de primeiro grau com
duração de oito anos e o ensino médio com duração de três, perfazendo um total
de 11 anos de escolarização, promovendo o prolongamento da escola única e
contínua, segundo Carneiro (2010), vindo ao encontro da ampliação da
escolaridade obrigatória estabelecida pela Constituição Federal de 1967. (HAIDAR
e TANURI, 1998)
Carneiro (2010) salienta ainda que a Lei 5692/71 apresentava uma
estrutura única e profissionalizante para o ensino médio centrada no mercado de
58
trabalho, impondo um currículo universal para o todo o país, disponibilizando para
o estudante uma enorme gama de habilitações profissionais, no entanto essa
configuração foi marcada por grande resistência da sociedade brasileira.
Na realidade, essa LDB estabeleceu a profissionalização do ensino
médio de forma compulsória no nível de segundo grau, procurando integrar vários
cursos colegiais em um único segundo grau direcionado para uma habilitação
ocupacional, porém essa modalidade de curso não chegou a ser implementada na
totalidade das escolas, nem na rede pública nem na particular.
Neste contexto histórico, é interessante destacar o que estabelece a
Lei 5692/71 – “Artigo 1º. - O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral
proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas
potencialidades como elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e
preparo para o exercício consciente da cidadania”, em plena ditadura militar.
PALMA FILHO (1998) destaca que essa LDB adotou um modelo de
cidadania que atribui um maior valor ao aprendizado do convívio social, ignorando
as desigualdades sociais, demonstrando que cidadania é algo inerente ao próprio
ser humano. Basta apenas a educação criar condições para o seu
desenvolvimento idealizado, sem nenhum tipo de problematização sociopolítica,
completamente antagônica à defendida por Demo (1995) que assinala o conceito
de cidadania focado na emancipação da pessoa humana, na construção do sujeito
de sua própria história.
A rejeição pela sociedade, a inviabilidade e a inconveniência dessa
legislação acabaram pressionando o Conselho Federal de Educação que resolveu
relativizar sua aplicação, normatizando seu cumprimento através do Parecer CFE
76/75, introduzindo as “habilitações básicas” com o objetivo de potencializar uma
formação mais geral para o trabalho, mas com a possibilidade de ser completada
nas empresas, segundo assinala Haidar e Tanuri (1998). Em 1982, a
obrigatoriedade da profissionalização compulsória do segundo grau foi abolida
definitivamente pela Lei 7044, convalidando os atos normativos estabelecidos pelo
Conselho Federal de Educação.
59
7 – AS RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E CIDADANIA NA NOVA REPÚBLICA
No período da ditadura militar, conhecido como Nova República,
mais especificamente de 1964 a 1980, o Brasil imergiu num processo de
anticidadania. Direitos foram simplesmente extintos e sua extinção legitimada pelo
Ato Institucional número 5 editado no ano de 1968, promovendo uma verdadeira
varredura na democracia brasileira. Nesse cenário ditatorial, a cidadania ficou
aniquilada, pois sua existência deve estar sempre atrelada à democracia,
consolidada no respeito e cumprimento da Constituição. (COVRE, 2010)
Romanelli (1998) salienta que o Ato Institucional número 5 de 13 de
dezembro de 1968 retirou dos brasileiros todas as garantias individuais, quer
públicas, quer privadas, concedendo ao presidente da república plenos poderes
para atuar como executivo e legislativo.
A promulgação do Decreto-Lei 477 de 26 de fevereiro de 1969
“simplesmente” estabelece normas de conduta para os profissionais da educação
e para os educandos. O referido decreto “Define infrações disciplinares praticadas
por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de
ensino público ou particulares, e dá outras providências”, impondo regras ao corpo
docente, discente e administrativo de todas as escolas, proibindo todo tipo de
manifestação de caráter político ou protesto no âmbito das universidades,
contornando a crise de insuficiência de vagas e pressão sobre a reivindicação de
mais vagas.
Direitos sociais passaram por mudanças radicais, apontando um
grande retrocesso no tocante aos salários e condições de vida, além da inibição
do exercício de direitos de organização e manifestação. A educação nacional teve
de incorporar a ideologia dominante inspirada na segurança do país, a
Constituição outorgada pelos militares em 1967 abriu espaço para a criação de
escolas particulares, direcionando recursos públicos para sua ampliação e
fortalecimento, sem critérios claros e previamente definidos. (LUCA, 2010)
60
Carneiro (2010) salienta que no período da ditadura militar a
obrigatoriedade do ensino fundamental de sete a catorze anos representou “uma
grande conquista” estabelecida pela Lei 5692/71, conflitando com a permissão de
trabalho para crianças a partir dos 12 anos de idade e relativizando a gratuidade
do ensino com a concessão de bolsas de estudo reembolsáveis determinado pela
Constituição.
Mesmo com esse possível avanço no setor educacional, o autor
acrescenta que a trajetória da educação brasileira consolidou sua fragilidade e
debilidade, pois há pouco tempo o Brasil esteve entre os países com menores
índices de escolarização do mundo. Admitiu a igualdade de direitos a todos no ano
de 1948, após a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela
Assembleia da Organização das Nações Unidas, assegurando a todas os
brasileiros, pelo menos em termos legais, o direito ao trabalho, à moradia, à
saúde, à livre expressão e a uma vida digna.
Com relação à vida cidadã, o direito de votar com algumas restrições
foi incorporado à primeira Constituição brasileira, promulgada no ano de 1924.
Teoricamente um direito político assegurado, ignorando por completo a situação
de penúria dos negros libertos e também dos índios, estabelecendo, pelo menos
em termos jurídicos, que todos os brasileiros são iguais perante a lei. (CURY,
HORTA, FÁVERO, 1996)
8 – EDUCAÇÃO E CIDADANIA NA ATUALIDADE BRASILEIRA
No ano de 1988, restabeleceu-se no Brasil a democracia com a
promulgação de uma nova Constituição Federal, em substituição à Carta de 1967
com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional de 1969. Nessa
Constituição os direitos fundamentais apareceram em destaque, nos títulos iniciais
dos capítulos, indicando sua centralidade na ordem em que se fundava, a
democracia plena.
61
Nesse cenário, os debates dos trabalhadores desempenharam um
papel de grande relevância na participação da vida pública, marcando presença
no interior dos Estados nacionais, amparados pelas transformações decorrentes
do capitalismo, à busca de justiça social na divisão da riqueza produzida de forma
coletiva. A nova Constituição resgatou o direito de votar de forma universalizada,
estendido de forma facultativa aos analfabetos e aos maiores de 16 anos e
menores de 18, assegurando sua cidadania política, ativa e participativa,
reconhecida como ampliação da democracia brasileira. (LUCA. 2010)
A partir desse novo contexto político e jurídico nacional, os princípios
constitucionais que normatizam a educação no país passaram a apontar para o
funcionamento das redes escolares, a formação de recursos humanos para a
função docente e atividades correlatas, os recursos financeiros para a educação, a
gestão das escolas públicas, a qualidade do ensino e outros fatores inerentes à
temática, destacando que devem ser ajustados através da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, em harmonia com a Carta Magna. (SOUZA e
SILVA, 1997).
A nova Constituição promulgada em 1988, sob a bandeira da
redemocratização do país, não afastou essencialmente a divisão de competências
relacionadas à educação nacional fixadas pela Constituinte de 1934. Manteve as
mesmas atribuições para a União, pois a organização dos sistemas passou a ser
de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de
forma concorrente. A competência para legislar sobre as diretrizes e bases da
educação nacional continuou sendo privativa da União. (HAIDAR e TANURI,
1998)
Princípios de grande relevância foram estabelecidos pela Carta
Magna, como o direito ao acesso e permanência na escola em condições de
igualdade para todos, liberdade de ensinar, aprender, pesquisar, além da
divulgação do pensamento, da arte e do saber. Além destes, pluralismo de ideias
e de concepções pedagógicas e a coexistência de instituições públicas e privadas
de ensino, gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, gestão
democrática, dentre outros, afirma Saviani (2008).
62
Além desses princípios, o autor salienta que a Constituição Federal
de 1988 procurou imprimir à educação brasileira uma modalidade de política
educacional centrada na democratização da sociedade. Disponibilizou meios
jurídicos e apoio financeiro para implementação de medidas que potencializassem
a construção da cidadania no ambiente escolar, com liberdade e democracia,
segundo afirma Saviani (2008). Estatuiu o princípio de autonomia universitária,
mantendo os princípios de universalidade da educação; gratuidade e
obrigatoriedade do ensino fundamental e liberdade de ensino. Restabeleceu o
princípio de vinculação orçamentária, impondo à União a aplicação de 18% na
educação e aos Estados, Distrito Federal e Município o percentual de 25% da
receita de impostos arrecadados.
Em 20 de dezembro de 1996, o então presidente da república
Fernando Henrique Cardoso promulgou a nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDBEN n°. 9394/96, da qual destacamos a educação
básica:
Art. 21. A educação escolar compõe-se de:
I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e
ensino médio;
II - educação superior.
Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania
e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
Na nova LDBEN, a educação básica impõe-se como um direito de
todos os brasileiros e dever do Estado, assinala uma ampliação da cidadania, e ao
mesmo tempo indica uma nova estrutura para esse nível de educação no Brasil.
Esse nível de escolarização passa a ser constituído pela educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio, representando um todo orgânico, declarado pela
Constituição Federal de 1988 como um direito social.
Nesse aspecto, Cury (2008) assinala que a CF/88 estabeleceu que a
educação visa “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
63
da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Deve ser efetivada mediante a
garantia do ensino fundamental de caráter obrigatório e gratuito, portanto direito
subjetivo, e a universalização do ensino médio a todos os brasileiros, expressos
nos artigos 205 e 208 da referida Constituição.
De uma maneira geral, a educação escolar deve buscar a
autorrealização do educando, sua formação básica para o trabalho e preparação
para o exercício da cidadania, princípios estabelecidos pela LDBEN. Precisa
constituir-se na maior preocupação dos educadores, considerando sua relevância
para o processo formativo do educando na sociedade contemporânea. (SOUZA e
SILVA, 1997)
Apreendendo os mesmos princípios, a LDBEN estabeleceu que a
educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais (artigo 6°.). Declara que o desenvolvimento do processo
de educação escolar deve ser realizado, de preferência, em instituições próprias
de ensino, vinculando-se ao mundo do trabalho e à prática social.
É importante salientar que a atual LDBEN 9394/96 foi a primeira lei
da educação brasileira que não diz que o ensino profissional vincula-se ao
trabalho, mas que toda a educação escolar será vinculada ao trabalho e à prática
social. Não especifica níveis ou modalidades de ensino, pelo contrário, faz
compreender que todo processo formativo educacional deve estar entrelaçado de
forma global. (MELLO, 1999)
Essa dinâmica deve ser processada mediante a interação da pessoa
com a família e com a sociedade de uma forma bastante abrangente. Busca uma
articulação entre as diversas fontes de estímulos educativos vinculados ao
processo educacional e ao mundo do trabalho. Caracteriza como dever da família
que não pode ser alienada e dever do Estado que deve assegurar vagas para o
ingresso e permanência dos educandos até a conclusão da educação básica,
finalizada com ensino médio. (SOUZA e SILVA, 1997)
64
Em linhas gerais, a educação escolar foi inspirada em princípios e
fins estabelecidos pela atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) n° 9394/96 que declara que:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação
dos sistemas de ensino;
IX – garantia de padrão de qualidade;
X – valorização da experiência extraescolar;
XI – vinculação entre educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
Este conceito de formação da pessoa humana fundado em
princípios, consagrados pela Constituição Federal de 1988 e incorporados pela Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9394/96 declara a educação como
um direito de todos os brasileiros e um dever do Estado, assegurado no contexto
de uma sociedade democrática, balizada no Estado de Direito. Nesse sentido,
salienta Cury (2008:296):
A educação escolar, pois, é erigida em bem público, de caráter próprio, por ser
em si cidadã. E por implicar a cidadania no seu exercício consciente, por
qualificar para o mundo do trabalho, por ser gratuita e obrigatória no ensino
fundamental, por ser gratuita e progressiva a obrigatoriedade no Ensino médio,
65
por ser também a educação infantil um direito; a educação básica é um dever
do Estado.
Ainda no aspecto de construção da cidadania no ambiente escolar e
seu exercício de forma consciente, Cury (2008) assinala que a educação escolar
tem por finalidade o desenvolvimento do educando, assegurando-lhe formação
comum para o exercício da cidadania, fornecendo-lhe meios para progredir no
trabalho e em estudos posteriores.
Cury (2008) destaca que a escola se constitui num local privilegiado
de interação e desenvolvimento social, onde igualdade e equidade se cruzam.
Deve procurar e formalizar o atendimento a determinados grupos sociais
representados por minorias discriminadas num cenário social, em que pessoas
com necessidades especiais, afrodescendentes e outros se relacionam
mutuamente, tornando evidente a função social da instituição escolar, pressuposto
fundamental do direito a um serviço público de qualidade.
Nesse contexto social, enfatiza o autor, há necessidade de se prover
uma educação para a cidadania, com enfoque estratégico na construção de uma
vida melhor, buscando compreender que o conhecimento é essencial para todas
as pessoas.
Por fim, assinala Mello (1999), o processo formativo consolidado na
conclusão da educação básica representada pelo ensino médio deve potencializar
ao jovem a construção de um projeto de vida, com ênfase para o trabalho e
cidadania. Cada estudante deve procurar protagonizar a sua própria maneira de
viver e seu estilo de pensar.
66
CAPÍTULO III - A PREPARAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA NA EDUCAÇÃOA BÁSICA
Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a
apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem
consigo. Michel Foucault
1 – A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA NO AMBIENTE ESCOLAR
Na sociedade brasileira, pensar a educação básica como instrumento
de desenvolvimento social centrada na formação do educando para a cidadania
democrática representa um grande avanço para a construção de uma democracia
plena, sedimentada em princípios universais, sustentada na dignidade humana, na
justiça social e no combate às desigualdades sociais, pobreza e violência contra
os mais fracos.
A educação básica consolida-se como um dos pilares do
desenvolvimento sustentável da democracia, da construção da identidade juvenil e
preparação da pessoa para o exercício da cidadania, convívio social e qualificação
para o trabalho, no ambiente escolar. Educar implica potencializar a construção de
competências e habilidades para enfrentar os desafios de ordem social e pessoal
do mundo contemporâneo.
Signo da formação mínima exigida pelo mundo contemporâneo para
a convivência democrática, representa no Brasil um direito assegurado pela
Constituição Federal de 1988 e se consolida na conclusão do ensino médio, etapa
final desse nível de escolarização.
Possui características próprias de terminalidade, devendo
potencializar ao educando um processo formativo com enfoque no mundo do
trabalho, mundo do conhecimento e prática social. Procura priorizar a formação da
67
pessoa para o exercício da cidadania, aprofundamento de conhecimentos
incorporados no ensino fundamental e preparação para prosseguimento de
estudos.
O presente capítulo explora essa temática e promove uma reflexão
sobre sua repercussão no processo formativo dos jovens nos dias de hoje.
Destaca o ensino médio como etapa final da educação básica, sua relação com o
mundo do conhecimento, sua preparação para o exercício da cidadania,
construção de sua identidade numa sociedade que avança em alta velocidade na
tecnologia da comunicação e informação, em sintonia com legislação educacional
vigente e normas formuladas pelos órgãos oficiais, vinculados ao Ministerio da
Educação e dos Desportes.
2 – EDUCAÇÃO E A CIDADANIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA
No Brasil, a conquista de direitos não percorreu uma trajetória linear
ao longo de toda a sua história. Os avanços nesse sentido foram se ampliando e
consolidando no decorrer dos tempos, sendo incorporada à cultura nacional a
ideia de cidadania. (PINSKY, 2010)
Nesse sentido, declara que o exercício da cidadania plena consiste
em usufruir os direitos civis, políticos e sociais, com ênfase em votar, ser votado,
participar dos destinos da sociedade, ter um salário justo, ter direito à propriedade,
ter direito à educação básica de qualidade, igualdade perante a lei, além de ter
uma velhice tranquila.
As relações entre educação e cidadania estão presentes no discurso
educacional, documentos oficiais e em diversas leis brasileiras, assinalando de
forma consensual que a educação visa a formação do cidadão. Destaca a
necessidade de preencher espaços vazios que se alojam entre o discurso e a
ação, espalhando sementes que gerem projetos e que visem de forma efetiva a
construção da cidadania através da educação. (MACHADO, 2002)
68
Nesse cenário, a sistematização de uma reflexão sobre as relações
existentes entre educação e cidadania implica conhecer previamente o significado
de ambos os termos e sua contextualização no cotidiano escolar e social dos
educandos.
Atualmente, a expressão educar para a cidadania na interpretação
de Silva (2002) implica transformar uma situação existente, superá-la através do
deslocamento de um ponto inicial, percorrer um caminho denominado estratégia e,
nesse percurso, provocar transformações significativas com o objetivo de atingir
um ponto de chegada, enfatizando a consecução das transformações que se
pretende atingir.
O educador deve analisar o processo formativo do aluno centrado no
seu aprendizado, nos seus direitos e deveres e no que é bom para o próprio
aluno, utilizando-se do currículo escolar como instrumento dinâmico para priorizar
temas e juízos de valor sobre eles.
Na realidade, a educação para a cidadania pressupõe educar para a
convivência numa sociedade de pessoas semelhantes, numa mesma região
geográfica e com a mesma cultura, assumindo o valor de uma identidade que
reflete o signo dos partícipes desse convívio social.
Com essa perspectiva, o autor aborda a temática e salienta:
O instrumento do educador é o currículo, constituído mediante temas, juízos
de valor sobre esses temas e formas.
Educar para a cidadania supõe a escolha de temas pertinentes ao convívio
social solidário, à emissão de juízos de valor que olhem positivamente os
esforços no sentido da tolerância, respeito, dignidade humana e a escolha de
forma que em si já seja mensagem educativa. É sempre oportuno lembrar ao
educador de que diante de temas curriculares semelhantes, diferentes
posturas valorativas e diversas formas utilizadas podem produzir resultados
até antagônicos. (SILVA. 2002:274)
Essas concepções pedagógicas relacionadas ao currículo escolar,
formuladas por Silva (2002), procuram assinalar que educar para a cidadania
pressupõe instrumentalizar o aluno para que ele construa os seus próprios juízos
69
de valor sobre temas vinculados ao seu cotidiano escolar e social, incorpore o
conceito de tolerância, dignidade humana e respeito mútuo, focados no convívio
social solidário.
Numa sociedade democrática, aponta Demo (1995), os avanços das
políticas públicas bem elaboradas podem contribuir e favorecer a construção da
cidadania, incentivando a população organizada a controlar a elite e o Estado de
forma coordenada e dialeticamente polarizada.
Dentre essas políticas públicas, a mais próxima desse segmento é a
educação básica, desde que tenha boa qualidade, característica indispensável
para gerar um processo formativo capaz de potencializar a construção das
competências e habilidades indispensáveis à cidadania, não se omitindo de
disponibilizar recursos financeiros para a sua manutenção e financiamento.
Salienta o mesmo autor que a educação básica no Brasil encontra-se
bastante debilitada, refletindo a condição perversa do capitalismo, sobretudo no
confronto entre fatores econômicos e as desigualdades sociais reinante em
grande parte do território nacional.
O fracasso escolar, o péssimo rendimento escolar, desequilíbrios
regionais e estigmatização da escola pública como “escola de pobre para pobre”,
além da má qualidade do ensino decorrente da formação inadequada do corpo
docente e da falta de motivação, com reflexos na maior vítima da educação, o
aluno oriundo das camadas mais pobres da população, demonstram a situação
caótica da educação básica brasileira.
Concordamos com as críticas formuladas por Demo (1995), pois os
indicadores de qualidade da educação básica brasileira divulgados recentemente
pelo MEC/INEP, com base no censo escolar do ano letivo de 2010, demonstram a
situação caótica de aprendizagem dos alunos, principalmente das escolas
públicas de grande parte do território nacional. Houve um crescimento significativo
no número de matrículas no ensino fundamental e médio, no entanto o índice de
retenção e evasão é assustador, pois ambos somados chegam a ultrapassar os
50% dos educandos em algumas escolas de regiões mais pobres.
70
3 - O CONCEITO DE EDUCAÇÃO BÁSICA NA ATUAL LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL N°. 9394/96.
A educação básica impõe-se como um direito de todos os cidadãos
brasileiros e um dever do Estado. Significa uma ampliação da cidadania e ao
mesmo tempo assinala como uma nova forma de organização da educação
escolar do país. Além disso, a educação básica traduz uma nova realidade para a
sociedade brasileira, sendo constituída pela educação infantil, ensino fundamental
e ensino médio, salientando seu caráter de terminalidade de uma fase de
escolarização da pessoa humana, consagrada como o primeiro direito social
estabelecido pelo artigo 6° da Constituição Federal de 1988. (CURY, 2008)
A educação escolar, segundo assegura a Carta Magna, deve visar
ao “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho”, devendo ser promovida mediante a garantia
de oferta do ensino fundamental, de caráter obrigatório e a universalização do
ensino médio, ambos gratuitos.
Balizada nesses mesmos princípios, a LDBEN N°. 9394/96
incorporou os direitos da educação consagrados pela CF/88, e estabeleceu que a
educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na vida
familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais da sociedade civil e nas manifestações
culturais. De forma complementar assinala que o processo de educação escolar
deve ser realizado, de preferência, em instituições próprias de ensino, vinculando-
se ao mundo do trabalho e à prática social.
Mello (1999) acrescenta que a atual Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional é a primeira lei da educação brasileira que não vincula apenas
o ensino profissional ao mundo do trabalho, mas declara que toda educação
escolar será vinculada ao trabalho e à prática social. Não especifica cursos, níveis
ou modalidades de ensino; pelo contrário, faz-se compreender que todo o
71
processo formativo potencializado pela educação deve estar entrelaçado de forma
global.
A efetivação desse processo formativo deve ser realizada mediante a
interação da pessoa com a família e com a sociedade, de uma forma bastante
abrangente, procurando buscar uma articulação entre diversas fontes de estímulos
educativos vinculados ao processo educacional e ao mundo do trabalho,
caracterizado como dever da família que não pode ser alienado. Como dever, o
Estado deve assegurar vagas para o ingresso e permanência dos educandos até
a conclusão da educação básica. (SOUZA e SILVA, 1997)
Considerando a relevância da educação escolar para as práticas
sociais e para a empregabilidade, Cury (2008:296) salienta que “A educação
escolar, pois, é erigida em bem público, de caráter próprio, por ser em si, cidadã.
E por implicar a cidadania no exercício consciente, por qualificar para o mundo do
trabalho [...]”.
Nesta perspectiva, a LDBEN n° 9394/96 declara:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho. Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação
dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência extraescolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
72
Em linhas gerais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional assinala que a maior preocupação da educação escolar deve estar
centrada na autorrealização do educando e sua formação para o trabalho e
cidadania, como fatores de grande relevância para o seu desenvolvimento social.
Ainda neste aspecto, Cury (2008) acrescenta que a educação básica
declarada na CF/88 como um direito da pessoa e um dever do Estado representa
um avanço no Estado Democrático de Direito, considerado um bem público,
implica em formação para a cidadania e mundo do trabalho, deve ser gratuito e
abranger a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, como um
todo orgânico.
O autor ainda salienta a grande relevância da educação básica por
constituir-se num momento privilegiado, em que igualdade e equidade se cruzam,
procurando formalizar atendimento a determinados grupos sociais representados
por minorias discriminadas num cenário social constituído por pessoas com
necessidades especiais, afrodescendentes e outros, assumindo a função social da
educação, pressuposto fundamental do direito a um serviço público.
4 - O ENSINO MÉDIO COMO TERMINALIDADE DA EDUCAÇÃOBÁSICA
A denominação educação básica, instituída pela LDBEN N°.
9394/96, representa um conceito novo na forma de organização da educação
nacional, significando um pilar para a construção da cidadania no ambiente
escolar. (CURY, 2008)
Em se tratando de um conceito inovador na legislação educacional
brasileira, a educação básica assinala para um reconhecimento positivo dentro do
processo de redemocratização da nação, um grande avanço na ampliação do
direito à cidadania com ênfase na educação escolar, considerada um bem público,
73
procurando promover a qualificação para o trabalho e a preparação para o
exercício da cidadania.
A terminalidade da educação básica indica a conclusão do ensino
médio, posicionado entre o ensino fundamental e a educação superior. Sua
denominação tem variado de acordo com a legislação educacional vigente no
país. No período de vigência da LDB 4024/61, a primeira legislação que fixou as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, esse nível de ensino recebeu a
denominação de ensino médio com duas ramificações: ensino secundário e
ensino técnico e mais tarde com a aprovação da LDB 5692/71, o nome adotado
passou a ser segundo grau, instituindo-se no país, de forma compulsória, um
ensino médio profissionalizante. Em 20 de dezembro de 1996, com a promulgação
da atual LDBEN, o então segundo grau passou a denominar-se ensino médio com
uma configuração mais geral. (SOUZA e SILVA, 1997)
No contexto educacional brasileiro, esse nível de educação escolar
tem provocado muitas polêmicas quanto à sua natureza e finalidades, suscitando
debates nos meios acadêmicos e sociais.
Para uns trata-se de um ensino destinado a ampliar a cultura geral do
educando e, nesse sentido, subdividiu-se, antes da promulgação da Lei
4.024/61, em dois grandes ramos: o clássico mais voltado para as letras, as
ciências sociais e a filosofia, e o cientifico, mais endereçado às ciências
exatas: Matemática, Física, Química e Biologia. Para outros, deveria voltar-se,
de preferência, para a habilitação profissional, com ênfase maior para as
disciplinas específicas e menor para a cultura geral. Foi a corrente que se
impôs na reforma de 1.971, obrigando a todas as escolas desse grau de
escolaridade a priorizar à formação técnica sobre qualquer outra. (SOUZA e
SILVA, 1997:59)
Os autores Souza e Silva (1997) acrescentam, ainda, que essa
profissionalização compulsória do antigo segundo grau estabelecida pela Lei
5.692/71 culminou com um enorme fracasso, pois não conseguiu potencializar a
formação de técnicos, devidamente qualificados para o mundo do trabalho, nem
fomentar a motivação dos jovens para a cultura geral. As consequências dessa
74
medida foram a proliferação de cursinhos preparatórios para a entrada nas
universidades e a desqualificação de cursos superiores em virtude do ingresso de
alunos sem o devido preparo cultural necessário.
Para Saviani (2008), a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional promoveu alterações bastante significativas na educação escolar,
determinando a separação entre o ensino médio e o ensino técnico,
estabelecendo que “o ensino médio, atendida a formação geral do educando,
pode prepará-lo para o exercício de profissões técnicas”.
Cury (2008) acrescenta que a educação básica constitui uma nova
organização da educação escolar, representando ampliação da cidadania com
significação democrática no âmbito civil, social, político e cultural. Seu objetivo
enfoca o desenvolvimento do educando, potencializando-lhe a formação para a
participação na sociedade como cidadão, assegurando-lhe meios para progredir
no trabalho e em estudos posteriores.
Esse conceito de educação básica, tal qual se expressa na
Constituição Federal de 1988, transparece o universalismo de diversos direitos,
consagrados como direito do cidadão e dever do Estado, subdividida em três
etapas: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio e consolidado numa
única realidade.
O ensino médio circunscrito como etapa terminal da educação básica
tem passado por muitas transformações no tocante a seus objetivos, oscilando
entre preparar o educando para cursar uma universidade ou prepará-lo para sua
inserção no mundo do trabalho, não necessariamente habilitá-lo ao exercício de
uma profissão técnica. Na prática, pode-se constatar uma ambiguidade entre os
objetivos do ensino médio, além da fragmentação excessiva do conhecimento
através das disciplinas escolares, normalmente ministradas.
Apreciando a configuração do ensino médio de forma crítica, Zibas
(2005) afirma que o período compreendido entre o final do século XX e início do
século XXI ficou marcado pelo confronto de ideias entre o conceito e a estrutura
do ensino médio no Brasil, porém não se materializou de forma concreta nenhum
tipo de melhoria na qualidade do ensino ministrado nas escolas.
75
Nesta mesma perspectiva, Cury (2008) assinala que a pretensa
reforma do ensino médio expressa no discurso oficial, estabelecida pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional e normatizada pelo Conselho Nacional
de Educação (CNE), não se consolidou da maneira prenunciada devido à
deficiência de política pública direcionada à sua implementação. Pode ser
comparada à reforma do então segundo grau instituído pela Lei 5692/71 que
instaurou a profissionalização desse nível de ensino de forma compulsória, não
efetivada, ficando somente na pretensão por ser inviável sua implementação no
contexto histórico da época. O autor acrescenta ainda que, para entender a
reforma do ensino médio dos anos de 1990 no Brasil, é indispensável
compreender a proposta de reforma educacional de uma forma global, nos termos
da referida legislação e outros dispositivos normativos estabelecidos pelos órgãos
oficiais.
Procurando viabilizar a implementação do novo currículo escolar
para o ensino médio, o Ministerio da Educação através do Conselho Nacional de
Educação representado pela Câmara de Educação Básica, organizou e publicou
as Diretrizes Curriculares Nacionais. Esse documento oficial foi redigido pela
Conselheira Guiomar Nano de Mello do CNE/CEB, recomendando uma audaciosa
transformação na organização curricular do ensino médio de acordo com a
Resolução CEN/CEB n°. 3/1998. Essa pretensa reforma curricular ganhou sentido
entre o final da década de 1990 e início do século XXI, assinalando um novo olhar
para o ensino médio devido à grande ampliação da demanda, às transformações
dos meios de produção e à necessidade de uma aproximação maior da cultura
juvenil com a compreensão do mundo contemporâneo.
Essa explosão de demanda por matrículas no ensino médio ocorreu
no período de 1994 a 2000, saltando de cinco milhões de matrículas para oito
milhões, respectivamente, um acréscimo de 60% em apenas sete anos. A
demanda continuou aumentando e em 2003 o país já protagonizava a cifra de
nove milhões de alunos no ensino médio, segundo dados do MEC, evidenciando
uma maior democratização da educação brasileira para os jovens, cujos pais não
tiveram, praticamente, nenhum tipo de educação formal.
76
Apesar da expressiva ampliação da demanda por matrículas no
ensino médio, evidencia-se nessa fase a dura crítica dos educandos quanto aos
conteúdos disciplinares ministrados sem contextualização, implementados através
de métodos tradicionais de ensino, buscando preparar o aluno para o ingresso no
ensino superior, contribuindo para a evasão escolar e a repetência.
Mesmo assim, há mais de dez anos, o discurso oficial disseminado à
sociedade contemporânea destaca a importância da escola para formar o jovem
com competências e conhecimentos que potencializem interações com o meio
produtivo de bens, salientando as mudanças culturais, socioeconômicas e
tecnológicas do mundo globalizado. Diante desse cenário, procurando tornar o
ensino médio mais inclusivo, Zibas (2005) recomenda a implementação de uma
reforma nesse nível de ensino para atender a essa demanda da sociedade,
considerando ainda a heterogeneidade do alunado.
Apesar das duras críticas de renomados educadores com
embasamento bem fundamentado contra esse discurso oficial, não se pode negar
que o desenvolvimento social e econômico é concreto e que a formação do jovem
para essa nova realidade constitui um grande desafio para o sistema educacional
e para a sociedade.
É preciso destacar que a formação necessária do jovem para
enfrentar as mudanças da sociedade atual precisa transcender a demandada pela
produção, pois esta deve ser mais ampla e mais profunda do que apenas a
exigida pelo sistema produtivo global.
A educação escolar não deve ignorar as exigências do processo de
produção impostas pela sociedade tecnológica, no entanto não se pode
simplesmente se submeter de forma passiva à atual racionalidade econômica,
anulando a exigência de desenvolvimento de conhecimentos e valores para a
construção de uma cidadania democrática.
Evidentemente, a escola deve instrumentalizar os jovens para que
eles consigam compreender o mundo real, o que, na prática, significa potencializar
o desenvolvimento da cidadania democrática focada na compreensão da estrutura
da atual sociedade no mundo da economia globalizada, com possibilidade de
77
protagonizar transformações pelo próprio indivíduo nessa sociedade passível de
mudanças; os jovens devem aprender a sobreviver no mundo real e conseguir
compreender a estrutura do mundo do qual eles fazem parte, focado nas relações
econômicas.
Além disso, em se tratando de preparação do alunado para o
exercício da cidadania democrática através da educação escolar, as opiniões não
são unânimes, em virtude da própria história da instituição escolar no seu contexto
social. Diante do aumento expressivo das desigualdades sociais, violência
generalizada, crise de valores, dificuldades de socialização da juventude e anomia
social, um novo currículo escolar pode facilitar a compreensão desse
posicionamento político-pedagógico.
No cotidiano escolar, ainda segundo Zibas (2005), há necessidade
de maior aproximação entre o currículo do ensino médio e a cultura juvenil, pois os
docentes têm encontrado grandes dificuldades para a elaboração de uma
articulação entre ambos, o que acaba provocando certa aversão por parte dos
alunos aos conteúdos das disciplinas escolares, dificultando as relações entre
escola e estudantes, acarretando prejuízos para o desenvolvimento de sua
aprendizagem.
E com a automatização de muitas estruturas produtivas e o
crescimento inexpressivo das atividades econômicas do país, as oportunidades de
trabalho para os jovens acabam sendo reduzidas, diminuindo os postos de
trabalho, mesmo para os que concluíram o ensino médio, apontando para um
panorama de incertezas em relação à sua própria empregabilidade.
Neste cenário de preocupações, o estudante convive com situações
muito contraditórias, pois mesmo com a obtenção do certificado de conclusão do
ensino médio, suas possibilidades de conquistar um emprego formal são
pequenas. Sem esse mínimo de escolaridade, a situação torna-se ainda pior, pois
a exigência mínima na atualidade é a educação básica concluída.
Diante dessa incerteza, o adolescente é induzido ao desinteresse
pelas atividades escolares, potencializando comportamentos agressivos no
cotidiano escolar. Para atenuar esse tipo de conduta incompatível com o ambiente
78
educacional, a atuação do professor deve voltar-se para a cultura do jovem,
focando música, dança e atividades afins, como estratégias para promover o
enriquecimento dos conteúdos das disciplinas escolares. É preciso buscar a
construção da identidade do aluno no sentido positivo em relação às atividades do
seu cotidiano escolar e social.
A autora destaca ainda que, no cotidiano escolar, essa estratégia
não deve reduzir ou simplificar o currículo, mas buscar uma aproximação maior
entre os jovens e a escola, contribuindo para facilitar o trabalho do professor, não
apenas como instrumento de sedução do alunado.
5 – RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO, CIDADANIA E MUNDO DO TRABALHO
As principais características do mundo do trabalho e do mundo do
conhecimento têm passado por inúmeras transformações no decorrer da história
da humanidade. Suas relações são influenciadas por fatores culturais, sociais e
culturais decorrentes das próprias mutações da sociedade. Atualmente, não se
pensa o conhecimento aplicado ao trabalho, mas uma quase total identificação
entre o mundo do conhecimento e o mundo do trabalho, o conhecimento aplicado
ao conhecimento, o aprender a aprender. (MACHADO, 2002)
O aprender a aprender, segundo Delors (1996), constitui um dos
pilares da educação, signo de uma aprendizagem contínua e por toda a vida
produtiva, ocupando espaços na dinâmica das sociedades modernas.
Na atualidade, a sociedade está passando por mudanças bastante
significativas com reflexos na economia, na produção de bens, na educação e nas
práticas sociais, segundo Severino (2000), destacando os desafios que o mundo
enfrentará no presente milênio, inclusive na busca de construção da cidadania
através da educação escolar.
79
É importante salientar que os avanços da sociedade tecnológica
estarão presentes nas mutações que o momento histórico reserva à humanidade,
no trabalho, na economia, nas relações sociais e na construção da cidadania:
A humanidade vive, hoje, um momento de sua história marcado por grandes
transformações, decorrentes, sobretudo, do avanço tecnológico, nas diversas
esferas de sua existência: na produção econômica dos bens naturais; nas
relações políticas da vida social; e na construção cultural. Essa nova condição
exige um redimensionamento de todas as práticas mediadoras de sua
realidade histórica, quais sejam, o trabalho, a sociabilidade e a cultura
simbólica. Espera-se, pois, da educação, como mediação dessas práticas, que
se torne, para enfrentar o grande desafio do 3° milênio, investimento
sistemático nas forças construtivas dessas práticas, de modo a contribuir mais
eficazmente na construção da cidadania, tornando-se fundamentalmente
educação do homem social. (SEVERINO. 2000:65)
Nesse cenário de grandes mudanças, o autor assinala a relevância
da educação básica como um processo pedagógico sistematizado, visando
interferir na própria dinâmica das relações sociais, buscando priorizar um estudo
de objetos científicos com o objetivo de subsidiar a formulação de políticas
públicas focadas no desenvolvimento integral da sociedade contemporânea.
Ainda no tocante às relações sociais com ênfase no significado do
trabalho e suas especificidades, remetendo-se à história da humanidade, segundo
Machado (2002), o mundo do trabalho e o mundo do conhecimento nem sempre
apresentaram o mesmo tipo de vínculo. A Bíblia consigna o trabalho como castigo
ao primeiro casal, por não ter sido devidamente educado, segundo os preceitos
divinos, para obedecer ao criador. Eles se alimentaram dos frutos da árvore do
conhecimento e receberam o trabalho como punição, o que assinala sua
configuração como castigo, podendo associar o trabalho escravo a essa forma de
interpretação bíblica.
No atual cenário brasileiro, o trabalho é consagrado como um direito
social estabelecido pela Constituição Federal em seu artigo 6°, sendo equiparado
80
a outros direitos sociais, como a educação, a saúde, a previdência social, moradia,
proteção à maternidade e infância, dentre outros.
Machado (2002) assinala, ainda, que no mundo grego as relações
entre trabalho e conhecimento eram bastante distantes. O trabalho escravo e o
dos artesãos estavam alheios ao universo do conhecimento. E o mundo do
trabalho na época da Revolução Industrial exigia um tipo de conhecimento, no
entanto não significava algum nível de escolarização, mas treinamento prático
para operar máquinas ou equipamentos industriais, completamente diferentes da
atualidade, em que o mundo do trabalho e o mundo do conhecimento estão
integrados.
Sobre o trabalho, no cenário da Revolução Industrial (1789), o autor
ainda salienta que a exigência não era estudo ou escolarização, mas técnica,
conhecimento representava prática para o exercício da função ou treinamento,
completamente diferente do contexto atual, em que o trabalho, o conhecimento e a
formação profissional estão interligados por um forte vínculo.
Nos séculos XVII e XVIII, o conhecimento científico passou por um
período de ampliação, com a frequência de gênios nas academias, merecendo
destaque Newton e mais tarde o inventor da máquina a vapor, Watt. Em
consequência, a relação entre o universo do trabalho e o universo do
conhecimento foi de aproximação. Trabalho e conhecimento foram contemplados
com novas significações; destaca-se nessa fase a Revolução Industrial, pois o
conhecimento passou a ser utilizado como instrumento de trabalho nos meios
produtivos, surgindo o termo tecnologia, com significado bastante semelhante ao
utilizado na atualidade.
No cenário histórico da humanidade, a abordagem do conhecimento
como ciência está vinculada ao censo promovido pela França em 1872, sob o
reinado de Luiz XV. Preocupado com a necessidade de construção de navios,
determinou a realização do censo das árvores, procurando dimensionar o volume
de matéria-prima disponível no país para a consolidação de seus projetos.
A partir dessa época, o conhecimento passou a ser tratado como se
fosse uma mercadoria e uma enciclopédia, como se fosse um empreendimento,
81
instituindo-se o direito de propriedade para ambos, elevando-se a importância da
relação do conhecimento com o universo do trabalho.
De uma maneira geral, ainda segundo Machado (2002), é importante
salientar que os educadores até agora não assimilaram a ideia da relevância da
incorporação do conhecimento para o mundo do trabalho, em todos os níveis e
modalidades de ensino do país. Sua atenção não se mostra suficiente para
atenuar a falta de sintonia existente entre a escola e o trabalho, principalmente
nesse momento de crise de desemprego estrutural visível em todas as economias
do mundo.
Na atualidade, a crise do desemprego com fortes evidências no
mercado de trabalho global, divulgada pela mídia, não tem conscientizado a
população sobre suas características e dimensões. A princípio, tinha-se a
expectativa de que a situação era temporária, no entanto as mudanças estruturais
na economia globalizada estão demonstrando que a tendência de redução de
empregos está se consolidando nos setores produtivos, agrícolas e industriais.
Destaca-se um significativo crescimento no setor de serviços, decorrente da
utilização de novas tecnologias da informação e comunicação.
Os diagnósticos relacionados à redução do emprego estrutural estão
contemplando segmentos fragmentados, apontando fatores econômicos, políticos,
sociopolíticos, dentre outros. Procura contribuir para a idealização de políticas
públicas que possam potencializar alguma melhora no mercado de trabalho. As
leis formuladas com esse objetivo em vez de promover contribuição positiva têm
prejudicado o seu funcionamento natural.
A partir das análises relacionadas ao desemprego estrutural, a
dimensão educacional se destaca pela sua importância tanto no que se refere à
formação para o trabalho quanto para a construção de novos projetos de valores,
ou novas concepções sobre o trabalho.
No cenário industrial, quando se refere ao ensino médio, “a formação
profissional parece estar ainda mais comprometida com o significado do trabalho”,
destaca Machado (2002).
82
A contraposição de uma formação técnica a uma formação geral, a
especialização precoce em vez de alimentação contínua de múltiplos centros
de interesse, e, sobretudo, o encurtamento do período escolar, em vez de um
alongamento do mesmo ao infinito, na perspectiva de uma educação
permanente parecem condenar o ensino técnico a andar na contramão das
transformações em curso. (MACHADO. 2002:19-20)
Os paradigmas cartesianos marcam presença na organização das
escolas de educação básica, priorizando a decomposição de tarefas com ênfase
na hierarquia e fragmentação. O próprio ambiente ressente a necessidade de
buscar novas alternativas mais apropriadas às mudanças de significação para o
mundo do conhecimento e o mundo do trabalho.
Especificamente sobre o desemprego estrutural, o autor salienta que
está evidente o agravamento da crise de desemprego, pois a formação escolar
promovida pelas instituições de ensino superior não estão em sintonia com as
necessidades dos atuais meios empresariais, centrados em novos paradigmas
organizacionais. Diante desse quadro desolador de desemprego, há necessidade
de implementação de ações que viabilizem a criação de postos de trabalhos que
atendam aos ideais das pessoas e não contrariem as leis trabalhistas.
A educação escolar representa um elemento de fundamental
importância para atenuar a crise de desemprego e, nesse momento oportuno, os
educadores devem explorá-lo, procurando a superação da situação existente,
sinalizando a dimensão econômica. A falta de sintonia entre o mundo do trabalho
e o mundo do conhecimento não indica a existência de subordinação de um ao
outro, porém há necessidade da identificação de fatores que possam contribuir
para a busca e o equacionamento de uma solução viável para esse impasse. Sua
exploração pelos educadores, com certeza, constituir-se-á num desafio para
superar essa divergência entre ambos, com reflexos diretos nas atividades
econômicas.
Não se pode esperar a elaboração de mecanismos que possibilitem
a simples transferência dos conhecimentos construídos na escola para o meio
empresarial. A otimização dos meios de produção e de bens de consumo
83
identificados como qualidade total, competitividade e gestão estratégica, nada tem
a ver com a construção de uma cidadania plena, muito menos imaginar que a
melhoria da qualidade do ensino possa transformar a escola numa empresa.
Ainda nos dias de hoje, os currículos escolares procuram viabilizar o
ensino da maior quantidade possível de conteúdos nos poucos anos de educação
formal, sem a expectativa de uma educação permanente. Essa preocupação se
justifica pelo fato de as empresas estarem passando por transformações
estruturais de grande monta no meio econômico, procurando mecanismos para
melhoria de desempenho e qualidade, identificando o conhecimento como um dos
fatores de maior relevância para a produção de bens. Considerando os grandes
avanços decorrentes da sociedade tecnológica na atualidade, a ideia de que há
necessidade de uma formação permanente e que a escola não ensina tudo sobre
o trabalho está crescendo nos meios empresariais. Destacam-se as mudanças
que vêm ocorrendo no universo econômico, no mundo do trabalho e no mundo do
conhecimento, e com ênfase na reorganização das empresas, destacando a
aprendizagem permanente focada no aprender a aprender.
O debate sobre essa modalidade de aprendizagem ganha destaque
no modelo de educação proposto pela UNESCO através do “Relatório da
Comissão Internacional para o Século XXI – Educação: Um tesouro a descobrir”
(1996), cujo Relator foi Jacques Delors.
O autor destaca que a educação básica não deve estar vinculada
apenas à qualificação das pessoas para o mundo da economia e adaptação a um
emprego, mas desenvolver outros tipos de aptidões, dentre eles a concepção de
educação permanente. O acúmulo de informações e conhecimentos no início da
vida, não assegura que perdurem para sempre, de forma indefinida. É de
fundamental relevância o aprendizado de como se aprende, o aprender a
aprender centrado na aplicação do conhecimento sobre o conhecimento.
84
CAPÍTULO IV – ANÁLISE DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO NUMA CONCEPÇÃO CRÍTICA DE EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA
A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida. John Dewey
1 – O CONTEXTO HISTÓRICO, POLÍTICO E ECONÔMICO DA REFORMA CURRICULAR PROPOSTA PARA O ENSINO MÉDIO EXPRESSA NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
Na década de 1990, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio (PCNEM), o Brasil e os demais países da América Latina
demonstravam estar em extrema desvantagem com relação aos índices de
escolarização e nível de conhecimentos, se comparados aos países
desenvolvidos, havendo necessidade de promover reformas na área educacional,
priorizando o desenvolvimento social.
Numa perspectiva centrada em fatores econômicos e políticos,
materializada no modo capitalista de produção de bens e num ideário neoliberal,
consubstanciada na mundialização do capital, globalização da economia e numa
visão planetária, caracterizada pela Revolução Técnico-Científica, o Brasil
procurou definir suas políticas sociais, priorizando a educação básica para atender
a essas demandas de mercado.
O discurso oficial assinala a implementação de políticas públicas
focadas no desenvolvimento social através da educação, norteada por agências
multilaterais, considerando a necessidade de formação de mão de obra qualificada
85
para atender às necessidades do mercado de trabalho e preparação para o
exercício da cidadania.
Para potencializar a superação das desvantagens da formação
escolar em relação a outros países mais desenvolvidos, o Ministerio da Educação
e do Desporto determinou com certa urgência a organização das diretrizes gerais
e os parâmetros curriculares nacionais para orientar, através desses instrumentos,
a formatação de um novo currículo para o ensino médio, etapa terminal da
educação básica, em consonância com a Constituição Federal.
A reforma curricular proposta, segundo os PCNEMs, tem como fio
condutor as mudanças do conhecimento advindas dos avanços tecnológicos
definidos na chamada revolução da informática, cujo papel principal foi provocar
uma ruptura nos paradigmas educacionais predominantes, buscando potencializar
a incorporação das novas tecnologias com seus múltiplos desdobramentos,
destacando os fatores econômicos, produção de bens e as relações sociais.
Os reformadores argumentaram que, com a evolução das indústrias
da América Latina, ocorridas nas décadas de 1960 e 1970, os sistemas
educacionais passaram por mudanças significativas para atender às demandas de
mão de obra mais qualificada e profissionalizada daquela época, inclusive o Brasil.
Neste contexto histórico, político e econômico foi promulgada a LDB
N° 5692/71, instituindo no país o ensino de segundo grau, atual ensino médio,
compulsoriamente profissionalizante, tendo como principal objetivo atender à
demanda de mão de obra qualificada para a indústria nacional, provocando uma
redução na procura por Ensino Superior.
Entendemos que o processo educacional brasileiro sempre buscou
atender às demandas de mão de obra para a indústria de bens de consumo, numa
visão capitalista e liberal, e não necessariamente a formação do educando para o
exercício da cidadania democrática plena.
O discurso oficial declarou a educação como fator indispensável para
a formação da cidadania, mesmo em pleno regime ditatorial com direitos políticos
mutilados, tal qual expressa a LDB 5692/71 em seu primeiro artigo.
86
“ Art. 1º O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao
educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades
como elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o
exercício consciente da cidadania”. (grifo nosso).
PALMA FILHO (1998) salienta que todas as reformas educacionais
instauradas no Brasil nos últimos cem anos enfatizaram o papel da educação na
formação do cidadão. Adotaram sempre um conceito genérico para a cidadania,
portanto o seu significado pode ser de passividade e obediência ou crítica e
reflexiva.
Considerando as necessidades de adequar a educação nacional aos
princípios e fins estabelecidos pela LDBEN, o MEC buscou num trabalho conjunto
com membros da sociedade civil, professores da rede pública, professores
universitários, secretários da educação e especialistas nas três áreas de
conhecimento, organizar um novo currículo para o ensino médio. Definiu-se um
novo perfil para o concluinte da educação básica, ancorado na pedagogia de
competências.
Para difundir os princípios dessa reforma curricular e orientar os
professores da educação básica, na busca de novas abordagens e metodologias
para o aperfeiçoamento da prática educativa nas escolas brasileiras, o Professor
Ruy Leite Berger Filho, Diretor do Departamento de Desenvolvimento da
Educação Básica e Tecnológica e a coordenadora do projeto Professora Eny
Marisa Maia, ambos do MEC, estruturaram os Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio (PCNEM). Essa coletânea de documentos, após longo
período de debates, consolidada em sua versão final, foi apresentada e aprovada
consensualmente por todos os participantes.
As orientações formuladas por esses documentos, representando o
discurso oficial, foram descritas em seus quatro módulos; não são normas ou
regulamentos que os sistemas e unidades escolares devem seguir, em caráter
obrigatório, mas representam um instrumento de grande relevância para a
educação. Podem contribuir para a melhoria das práticas educativas a serem
implementadas pelos docentes no cotidiano da sala de aula.
87
Sua proposta foi centrada na organização de um currículo escolar
que prioriza o desenvolvimento de competências básicas com significados para o
estudante, fundados na contextualização dos conhecimentos construídos através
da interdisciplinaridade. Incentiva o desenvolvimento do raciocínio focado na
capacidade de aprendizagem, completamente diferente da legislação anterior, que
contemplava um ensino descontextualizado e com ênfase no acúmulo de dados e
informações, sem significado para o momento histórico atual.
Os PCNEMs salientam que na década de 1990, as novas tecnologias
da informação passaram a produzir uma quantidade extremamente grande de
informações, sendo superadas em um tempo relativamente pequeno.
Pressionaram os sistemas educacionais a buscarem novos parâmetros para a
formação dos cidadãos, empobrecendo o fator “acúmulo de conhecimentos”.
A proposta curricular para o ensino médio buscou priorizar a
aquisição de conhecimentos básicos pelo educando, a preparação científica, o
desenvolvimento da capacidade de utilizar os diversos recursos da tecnologia, o
pesquisar, procurar informações, aprender a aprender, em sintonia com a LDBEN
n° 9394/96 e em consonância com o Relatório Delors formalizado pela UNESCO.
Apontam para a necessidade de pensar um currículo escolar que
abarque as mudanças estruturais da sociedade contemporânea, os novos
mecanismos de produção identificados como fator econômico, a organização
social e seus paradigmas, não se esquecendo das contribuições formativas que o
sistema educacional brasileiro pode proporcionar para o grande contingente de
jovens que, a cada ano, ingressa no ensino médio.
Apesar de o ensino médio ter se expandido de forma bastante
significativa a partir da década de 1980, considerando o intervalo de 15 a 17 anos,
o índice de escolarização nesse segmento ainda está em grande desvantagem,
comparado com outros países, inclusive, da América Latina. Atender a essa
demanda deve ser um grande desafio para a educação brasileira.
Na atualidade, salienta-se que grande parte desse contingente tem
origem em famílias de baixa renda, segundo o INEP. Isso permite concluir que
está havendo mudanças na sociedade, grupos de excluídos estão podendo
88
retornar para continuar seus estudos, compreendendo a necessidade de melhor
escolarização para enfrentar o desafio das novas exigências para o novo mercado
de trabalho emergente.
Na visão dos reformadores, o currículo escolar do novo ensino médio
precisa atender a um melhor padrão de qualidade que contemple as mudanças
decorrentes da revolução do mundo do trabalho, do mundo do conhecimento e
das novas relações sociais daí decorrentes, exigência da sociedade atual.
Com base nesse entendimento, PCNEM procuram formalizar uma
proposta curricular fundada na construção de competências e habilidades a serem
construídas no ambiente escolar pelo aprendizado de conteúdos de disciplinares.
Nesse trabalho, deve predominar a contextualização de temas do cotidiano
escolar e social do aluno na convivência com os seus semelhantes, na perspectiva
de práticas sociais e no mundo do trabalho, enfatizando a cidadania democrática
globalizada.
Com esse objetivo, os reformadores procuraram sistematizar um
conjunto de fatores que possam nortear a preparação da pessoa para o exercício
da cidadania e qualificação básica para o trabalho, através da educação escolar
com base em competências e habilidades estabelecidas pela legislação
educacional.
Não concordamos com a expressão dos reformadores no tocante à
preparação do jovem para o exercício da cidadania através do ensino médio na
configuração proposta, pois não há uma conceituação clara e objetiva sobre o tipo
de cidadania que se pretende construir através da educação escolar.
Ao abordar a “Pedagogia das Competências”, os reformadores
explanam a temática de forma ambígua. Ao descrever as competências e
habilidades que os estudantes deverão incorporar durante um mínimo de três
anos do ensino médio, imprimem a ideia de que ambos os termos têm o mesmo
significado prático. Eles são apresentados nos PCNEMs de forma mesclada em
diversas situações.
Questionamos, ainda, como construir uma consciência cidadã num
país de tantas desigualdades sociais como o Brasil, onde a pobreza, a miséria e o
89
desemprego contagiam grande parte da população e cujo mundo do trabalho está
articulado na visão do ideário neoliberal, transformado num mercado e submisso
ao capitalismo contemporâneo, procurando atender suas demandas?
Palma Filho (1998) assinala que a educação escolar está sempre a
serviço da formação de um tipo de cidadania. Ela pode ser de conformismo,
obediência, submissão ou crítica reflexiva, dependendo da forma que se articula o
processo educacional. No planejamento do currículo escolar estão selecionados
objetivos, conteúdos e critérios de avaliação que repercutem na relação educativa
do aluno.
Apesar do “belo” discurso oficial incorporado pela legislação
educacional centrado no desenvolvimento social, segundo os PCNEMs, a difícil
formação para a cidadania democrática plena e a competitividade perversa do
neoliberalismo emerge no mundo atual e foram expressas nas palavras do então
Ministro de Estado da Educação e do Desporto (Brasil, 1994-2002) Paulo Renato
Souza:
Existe hoje uma arena global na qual, gostemos ou não, é até certo ponto
jogado o destino de cada indivíduo. Apesar de uma promessa latente, a
emergência desse novo mundo, difícil de apreender e ainda mais difícil de
prever, está criando um clima de incertezas, para não dizer de apreensão, que
torna a busca de um enfoque verdadeiramente global para os problemas ainda
mais angustiantes (DELORS, 1996:9)
Essa forma de abordagem da competitividade existente na sociedade
contemporânea declarada por uma autoridade da educação e de âmbito Federal,
a nosso ver, demonstra que os PCNEMs podem ser vistos como política social da
educação, porém sem muita credibilidade. Os objetivos expressos nos
documentos oficiais são conflitantes e muitas vezes sua argumentação não
apresenta consistência quando de sua contextualização no cotidiano escolar e
social do aluno.
Para problematizar os princípios e objetivos das propostas de
mudanças na educação brasileira, o presente capítulo analisou a atual LDBEN,
90
mais especificamente no que se refere ao ensino médio, as DCNEMs e os
PCNEMs, ancorados em pressupostos de uma concepção crítica da educação
básica. Apontou fatores que relacionam a política educacional brasileira com a
construção da cidadania no ambiente escolar versus ideário neoliberal circunscrito
no Relatório Delors (1996), representando organismos internacionais como a
UNESCO, consubstanciado em interesses multilaterais.
2 – A EDUCAÇÃO BÁSICA COMO POLÍTICA SOCIAL DA DÉCADA DE 1990
A política educacional brasileira implantada no país, a partir do limiar
do século XXI através da LDBEN/96 e dispositivos normativos organizados pelo
MEC, foi formulada com base no relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional para o Século XXI sob o título Educação: um tesouro a descobrir,
iniciado em março de 1993 e concluído em setembro de 1996 por Jacques Delors.
Mais tarde, no ano de 2001 esse relatório foi publicado no Brasil em parceria com
o Ministerio da Educação e do Desporto.
Esse documento conhecido como Relatório Delors (1996) foi
produzido na Conferência Mundial de Educação para Todos promovida pela
UNESCO, UNICEF, PNUD e Banco Mundial na cidade de Jontien na Tailândia em
1990, tendo como principal objetivo subsidiar reformas educacionais em países
emergentes, inclusive, o Brasil, procurando incorporar na formação do aluno da
educação básica, o princípio do aprender a aprender, significando a educação por
toda vida produtiva.
Essa assertiva pode ser testificada pelas palavras do então Ministro
de Estado da Educação e do Desporto de nosso país (1994-2002) Paulo Renato
Sousa, que destacou a sua relevância para as reformas educacionais da década
de 1990, final do século XX: “trata de contribuição ímpar à revisão crítica da
política educacional de todos os países”, distinguindo “o processo de globalização,
das relações econômicas e culturais que estamos vivendo”. (DELORS, 1996)
91
Expressando o espírito dessa Conferência, Delors 1996) assinala a
relevância da educação básica para o desenvolvimento das pessoas e da
sociedade.
“Não como um remédio milagroso”, não como um “abre-te sésamo” de um
mundo que atingiu a realização de todos os seus ideais, mas, entre outros
caminhos e para além deles, como uma via que conduza a um
desenvolvimento humano mais harmonioso, mais autêntico, de modo a fazer
recuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões, as opressões, as
guerras... (DELORS, 1996:11)
É importante salientar que os reformadores sinalizam a educação
básica como instrumento de transformação social, capaz de provocar um recuo na
pobreza e na exclusão social através de um processo formativo fundado na
construção de competências básicas através da educação escolar.
Os próprios PCNEMs advertem que a nova sociedade que emerge
da evolução tecnológica dos processos de produção capitalista provocará uma
redução nos níveis de emprego e os jovens deverão ser os mais atingidos, pois
não haverá emprego para todos. O próprio discurso oficial expresso nesses
documentos se contradiz, pois nesse panorama histórico, não haverá emprego
para todos. (grifo nosso)
De uma forma geral, os PCNEMs traduzem uma política social para o
país e sinalizam para a educação básica como solução para todos ou quase todos
os problemas que assolam o território brasileiro, tais como pobreza, violência,
discriminação racial e o desemprego estrutural. Esses documentos não indicam
mecanismos que possam atenuar os efeitos da ideologia neoliberal impregnada na
sociedade brasileira dos dias atuais. (grifo nosso)
Não concordamos com o discurso oficial expresso através desses
documentos, pois, somente a educação básica consolidada na conclusão do
ensino médio não resolverá os problemas das desigualdades sociais; pelo
contrário, com os altos índices de evasão e repetência desse nível de ensino
92
divulgado pelo INEP/MEC, a educação escolar está acentuando e ampliando a
exclusão social, principalmente para as classes menos favorecidas.
A proposta dos reformadores buscou sua centralidade numa
perspectiva mundial consubstanciada na Revolução Técnico-Científica com base
na informática. Segundo os PCNEMs, o sistema educacional deve priorizar a
universalização da educação básica, associando à formação do aluno o
desenvolvimento dos meios de produção.
Esses documentos destacam como ideal dos reformadores a
educação permanente, aprender a aprender, incorporada no ensino médio como
medida necessária para o desenvolvimento humano. Nessa visão reformista, a
educação básica concluída é capaz de promover a equidade social.
Essa pretensa reforma educacional brasileira centrada no ensino
médio, etapa final da educação básica, está formulada em quatro módulos. O
primeiro apresenta o conceito do novo ensino médio e os fundamentos legais que
orientaram o trabalho dos reformadores, a LDBEN e as DCNEMs e os demais
organizam os conteúdos disciplinares nas áreas de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências
Humanas e suas Tecnologias, buscando promover uma articulação entre os
potenciais conteúdos disciplinares.
3 – AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO E SUA ARTICULAÇÃO COM OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS O Conselho Nacional de Educação (CNE) por meio da Câmara de
Educação Básica (CEB) formalizou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio (DCNEMs), configurando normas obrigatórias para orientação e
planejamento curricular das escolas e sistemas de ensino de todo o país, em
consonância com a atual LDBEN e com expresso vínculo ao trabalho e as práticas
sociais. (MELLO, 1999)
93
As DCNEMs nasceram do Parecer CNE/CEB 15 aprovado em
05/061998, redigido pela relatora e conselheira Guiomar Nano de Mello que
salientou a relevância dessas normas e orientações no sentido de subsidiar a
organização de um novo currículo para o ensino médio com base num
aprendizado contextualizado, recheado de ferramentas da tecnologia da
comunicação e informação.
A autora assinala que as DCNEMs incorporaram os princípios e
finalidades da educação básica consagrados pela LDBEN e expressos no
Relatório Delors (1996) da UNESCO, o desenvolvimento do educando,
assegurando-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
o fornecimento de meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
Concordamos com a opinião da educadora, em parte, porém
asseveramos que, apesar das DCNEMs se constituírem num documento muito
bem elaborado e articulado para a implementação de um novo currículo escolar
para o ensino médio, somente normas e orientações não tornarão a escola formal
brasileira um instrumento de construção de cidadania democrática plena.
Para consecução desse processo formativo, a LDBEN vinculou toda
a educação escolar ao trabalho e a prática social, perpassando a educação
infantil, o ensino fundamental, o ensino médio, a graduação e avançando para os
cursos de pós-graduação, apontando para uma integração educacional, sem
nenhum tipo de especificação de níveis de escolarização ou disciplinas escolares.
E nesse contexto educacional, destacam-se as DCNEMs como
normas obrigatórias a serem adotadas pelos sistemas educacionais e escolas
desse nível de ensino em todo o país, porém sem discriminar as disciplinas que
deverão compor o currículo escolar, apenas dando ênfase ao desenvolvimento de
competências cognitivas.
Acreditamos que o foco do ensino foi direcionado para a
aprendizagem, centrado na construção de competências e habilidades e não
assimilação de conteúdos disciplinares, ficando evidente a presença do princípio
da flexibilização consagrado pela LDBEN e incorporado pelos DCNEMs e pelos
PCNEMs.
94
Essa legislação estabelece que as escolas deverão organizar um
currículo escolar que contemple a construção de competências básicas em todo o
seu processo formativo e com duração mínima de três anos correspondentes ao
ensino médio, etapa conclusiva da educação básica, sem vincular disciplinas
escolares, assinalando para os conteúdos a serem ministrados como meios e não
fins em si mesmos.
A lei explicitamente abre portas para um currículo voltado para competências e
não para conteúdos. Este currículo ou doutrina curricular tem como referência
não mais a disciplina escolar clássica, mas sim as capacidades que cada uma
das disciplinas pode criar nos alunos. Os conteúdos disciplinares se concebem
assim como meios e não como fins em si mesmos. (MELLO, 1999:164)
Outros pontos de grande relevância expressos na LDBEN indicam
para a pretensa autonomia intelectual, segundo a autora, com significado de
incorporação do aprender a aprender, centrado na educação permanente e o
conhecimento dos fundamentos científicos e tecnológicos dos processos de
produção a serem incorporados até a conclusão da educação básica.
As DCNEMs estabelecem o vínculo entre teoria e prática em cada
disciplina do currículo escolar do ensino médio. Buscam incorporar o significado
das ciências, das artes das letras e não simplesmente aprendê-las. A atribuição de
significado ao conhecimento aponta para sua aplicabilidade em contextos
diferentes do aprendizado, por exemplo, a língua portuguesa pode ser utilizada no
sentido de instrumentalizar a comunicação, o exercício de cidadania e acesso a
outras informações e conhecimentos à procura de novos significados, atentando
para a construção de uma educação escolar como um todo orgânico.
Atualmente, segundo os PCNEMs, um novo tipo de jovem tem
ingressado no ensino médio, com idade significativamente menor, fato decorrente
da redução da faixa etária dos concluintes do ensino fundamental. Esse fator
demonstra um grande esforço por parte dos sistemas educacionais no sentido de
buscar soluções para problemas básicos de qualidade de ensino, principalmente
no tocante à repetência escolar.
95
Mello (1999) sublinha que, quando o estudante conclui a 8ª. série
mais cedo, normalmente tem muito mais disposição para continuar seus estudos,
o que tem sido um indicativo de que o ensino médio está deixando de ser
excludente. Um contingente maior de adolescentes na faixa etária de 15 a 17
anos, cujos pais não tiveram oportunidade de estudar, estão ingressando nesse
nível de ensino, atribuindo significado para a escola, fato que seus ancestrais não
conseguiram.
Esse panorama histórico torna bastante oportuno para a organização
de uma escola média para acolher esse novo tipo de aluno que traz consigo o
ideal de construir um projeto para sua própria vida, no qual esteja incluído o
prosseguimento dos estudos ou pelo menos um emprego.
Apesar desses indicativos apresentados pelas DCNEMs e abordados
por Mello (1999), o censo escolar elaborado pelo IBGE consolidado no ano letivo
de 2010 demonstrou a fragilidade do sistema educacional brasileiro. Enquanto o
país tem uma população de aproximadamente 16 milhões de adolescentes na
faixa etária de 15 a 19 anos, apenas 8.357.675 jovens frequentaram o ensino
médio nesse ano letivo de 2010. (IBGE, 2010) Ainda, segundo o MEC/INEP, está
havendo uma acomodação da demanda nessa modalidade de ensino, no entanto
acreditamos que a educação pública brasileira continua excluindo muitos dos
jovens em idade escolar, principalmente nos anos finais da educação básica.
A autora ainda salienta que o aumento da competitividade na busca
por uma oportunidade de trabalho, e sobremaneira marcado por uma crise de
empregabilidade, atinge de forma quase que geral e cruel a população mais
jovem, provavelmente mais madura, com mais autonomia para tomar decisões em
sua própria vida, ao mesmo tempo angustiada e vulnerável à falta de recursos
financeiros, na maioria das vezes, procurando ajudar economicamente seus pais e
sua família, vivendo em condições de pobreza.
É diante dessas novas demandas sociais que os reformadores
propõe a organização de um novo ensino médio, cujo currículo escolar contemple
as inovações que estão ocorrendo no mundo do trabalho, no mundo do
conhecimento e nas práticas sociais. Enfatizam a construção de competências e
96
habilidades básicas gerais, focadas no desenvolvimento de um perfil que
contemple as exigências do mercado de trabalho, contribuindo para a formação de
um trabalhador polivalente, com capacidade de análise para solução de
problemas, tomada de decisões, autonomia intelectual e com capacidade para
continuar aprendendo. (grifo nosso)
No discurso oficial protagonizado pelos PCNEMs as escolas deverão
adotar os princípios pedagógicos que proporcionem a construção da identidade do
aluno, sua autonomia intelectual, a aprendizagem interdisciplinar contextualizada e
a incorporação da ideia de convivência na diversidade.
Para materializar essas competências no cotidiano escolar e social,
as DCNEMs estabelecem a organização de um currículo escolar para o ensino
médio capaz de promover um aprendizado focado na superação da dualidade
profissional ou acadêmica, no sentido de proporcionar uma diversidade de
conteúdos que pode ser mais voltada para a formação propedêutica ou para o
trabalho, dependendo das características da clientela de cada local ou região.
Para atender essa nova demanda ancorada na LDBEN, o currículo escolar para
esse nível de ensino deve ser composto por uma base nacional comum e uma
parte diversificada, ambas organizadas para contemplar as necessidades da
respectiva clientela, apontando para a construção de um todo orgânico vivo, em
permanente ajuste e mutação. (MELLO, 1999)
E para complementar a base nacional comum do currículo escolar,
segundo os PCNEMs, cada sistema de ensino e unidade escolar podem definir a
sua parte diversificada, tendo como objetivo atender às características de sua
economia e de sua clientela, destacando a cultura regional e local da sociedade.
É importante destacar que na organização de uma matriz curricular,
a base nacional comum deve contemplar as demandas regionais, buscando focar
os aspectos econômicos, socioculturais e políticos, procurando um novo
significado para o ensino médio, porém sem inviabilizar a elaboração de projetos
que possam contribuir no sentido de potencializar a preparação básica do
educando para o mundo do trabalho, em consonância com seus interesses e de
sua comunidade. (PCNEMs, 1999)
97
O discurso oficial salienta que a parte diversificada do currículo
escolar não deve implicar em profissionalização, pois seu objetivo é consolidar
conhecimentos de forma contextualizada focados em práticas sociais e produtivas.
Considerando que nem sempre as escolas possuem as mesmas
vocações, umas têm mais vocação para a área biológica, outras para a área de
exatas, outras para ciências sociais e assim sucessivamente, as DCNEMs e os
PCNEMs propõem de forma articulada que todas devem contemplar a preparação
básica para o trabalho no contexto da educação básica, mesmo com vocações
diferentes. (grifo nosso). Independente da vocação de cada unidade escolar as
DCNEMS estabelecem que o currículo escolar para o ensino médio deve ser
organizado em três grandes áreas de conhecimento: Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências
Humanas e suas Tecnologias.
Mesmo com a organização do currículo escolar em áreas de
conhecimento, as DCNEMs não pretendem estabelecer ou propor a eliminação
das disciplinas escolares, mas recomenda-se uma articulação em permanente
diálogo entre aquelas que têm maior afinidade, no sentido de, através da
contextualização, procurar resolver problemas do cotidiano escolar e social do
aluno e, por outro lado, procurando buscar uma integração global entre as
respectivas áreas de conhecimento.
Nesse contexto de construção de conhecimento no ambiente escolar,
as DCNEMs estabelecem dois princípios de fundamental importância para o
aprendizado do aluno: a interdisciplinaridade e a contextualização com o objetivo
de auxiliar as escolas na organização de seus respectivos currículos escolares
para o ensino médio, como salienta Mello (1999):
O primeiro é o princípio da interdisciplinaridade, partindo da noção de que as
disciplinas escolares são recortes arbitrários do conhecimento. Esperamos que
comece nas escolas um exercício de solidariedade didática entre as
disciplinas. Dizemos solidariedade didática porque solidariedade implica boa-
vontade, a ideia de desarmar resistências em relação aos feudos disciplinares.
98
O segundo princípio vem da educação profissional. Em inglês é conhecido
como aprendizagem situada. Em português é chamado de contextualização de
conteúdo. A contextualização tem a ver com motivação, conceito fartamente
explorado em pedagogia. Motivar o aluno depende de fazê-lo entender, dar
sentido àquilo que aprende. (...) É quase impossível, quando se ensina ou se
faz a transposição didática desse conhecimento, despertar na sala de aula o
mesmo encantamento de quem fez a descoberta original. (MELLO. 1999:170)
A autora acrescenta que o princípio da interdisciplinaridade não se
resume apenas à solidariedade didática. À medida que se aprofunda mais numa
determina disciplina, mais se percebe a conexão que existe entre as diversas
disciplinas que compõem cada área de conhecimento e sua relação com as
demais áreas. A contextualização aponta para o relacionamento da teoria com a
prática, como estabelece a LDBEN, que consiste em relacionar o aprendizado do
aluno em sala de aula com a sua experiência imediata no contexto escolar e
social, inclusive na produção de bens e serviços no seu próprio trabalho secular.
Nesse processo de contextualização do aprendizado, o jovem do
ensino médio precisa compreender a sua própria sexualidade, conceitos e tabus,
como escolher seu parceiro ou parceira, sexo seguro, ter condições de decidir se
deve fazer dieta, conhecer hábitos saudáveis, decidir se deve fumar, usar drogas,
aprender a conviver com sua própria família e incorporar outros conhecimentos
que possam participar da vida em sociedade.
Ainda com relação às competências a serem incorporadas ao ensino
médio, as DCNEMs estabelecem que na organização do currículo escolar cada
escola deverá promover situações da aprendizagem coerentes com princípios
estéticos, políticos e éticos, assinalando a Estética da Sensibilidade, a Política da
Igualdade e a Ética da Identidade.
O discurso oficial expresso através das DCNEMs e dos PCNEMs
formaliza a organização de um currículo escolar para o ensino médio, buscando
proporcionar a incorporação de competências e habilidades em cada área de
conhecimento de forma bem organizada, utilizando os conteúdos disciplinares
como apoio de tais competências.
99
Na educação profissional, as habilidades específicas exigidas para a
qualificação ou habilitação para o exercício de uma profissão técnica, por
exemplo, Curso de Enfermagem, deverão ser ministradas fora da carga normal do
ensino médio.
O ensino médio regular ou profissionalizante pode ser promovido de
maneira separada, ou integrados, contanto que sejam atendidas prescrições
estabelecidas pela LDBEN, Diretrizes Curriculares específicas para essa
modalidade de ensino, bem como a respectiva carga horária mínima
profissionalizante estabelecida pelo MEC.
4 – A REORGANIZAÇÃO E ARTICULAÇÃO CURRICULAR DO ENSINO MÉDIO
O currículo escolar do ponto de vista dos PCNEMs representa um
importante instrumento de cidadania democrática, contempla os conteúdos e os
procedimentos metodológicos de aprendizagem contextualizada, potencializando
ao educando sua integração na sociedade, nas relações políticas, no mundo da
produção de bens e da simbolização subjetiva.
Nesta perspectiva, propõe-se uma reforma educacional voltada para
a construção de uma nova cidadania no país, incorporando as diretrizes e
premissas apontadas pela UNESCO, presentes no Relatório Delors (1996) com
ênfase nos quatro pilares estruturadores da educação para o século XXI, aprender
a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser.
A premissa aprender a conhecer incorpora a ideia de que há
necessidade de ter uma prática educativa que priorize o domínio dos instrumentos
do conhecimento, vislumbrando-os como meios e não como fins.
A educação nesta perspectiva busca consolidar mais uma formação
focada na compreensão do mundo, no direito à vida com dignidade, no entender,
no descobrir e no conhecer, estimulando o senso crítico, a capacidade de
discernimento, a autonomia em vez de memorizar informações ou fatos.
100
À medida que aumenta a compreensão do mundo, instiga-se a
curiosidade intelectual e o senso crítico, refletindo na capacidade de autonomia,
do discernimento e do entendimento do mundo real.
Aprender a conhecer pressupõe a aquisição de instrumentos de
aprendizagem que potencializem a continuação da aprendizagem por toda a vida.
Na prática, significa incorporar a ideia do aprender a aprender.
Aprender a fazer implica associar teoria e prática, privilegiando a
aplicação da ciência e tecnologia com significação para a vida contemporânea, a
construção de competências e habilidades advindas da contextualização do
conhecimento escolar. Aprender a conhecer e aprender a fazer são premissas
indissociáveis, estão intimamente ligadas e no cotidiano escolar e social se
complementam.
Aprender a viver significa construir as competências e habilidades
para compreender o outro, entender a interdependência que existe entre as
pessoas, viabilizando a realização de projetos comuns, administrando os conflitos
que na maioria das vezes são inevitáveis, aprender a viver juntos na mesma
sociedade.
De uma forma geral, os PCNEMs propõem uma educação que visa a
formação do educando no sentido completo, como pessoa e como cidadão,
potencializando o desenvolvimento de sua autonomia, senso crítico e capacidade
de discernimento diante das circunstâncias de seu cotidiano na sociedade,
incorporando a capacidade de criação de juízos de valor sem a ingerência de
outras pessoas.
Aprender a viver e aprender a ser decorrem de aprender a conhecer
e aprender a fazer, devendo no seu conjunto constituir ações contínuas para
consolidação da formação da pessoa humana como cidadão.
Para articular a incorporação dessas aprendizagens, os PCNEMs
propõem uma organização curricular para o ensino médio que potencialize a
ministração de conteúdos significativos para a construção de competências e
habilidades, em consonância com os seus eixos norteadores.
101
Nesse sentido, salienta-se a relevância dos eixos a serem articulados
na organização do currículo escolar, pois valores históricos, culturais e sociais
incorporados nos conteúdos disciplinares validam a relevância social da educação
nas dimensões histórica e cultural da sociedade. Um eixo epistemológico
potencializa a construção de novos conhecimentos, assegurando a eficácia desse
procedimento.
No tocante à organização curricular, a LDBEN determina que o
ensino fundamental e o ensino médio formalizem uma grade curricular para cada
nível de ensino, ambos constituídos por uma base nacional comum e uma parte
diversificada.
Especificamente para o ensino médio, os PCNEM orientam que a
base nacional comum deve contemplar a contextualização de conteúdos
disciplinares com enfoque para a construção de competências e habilidades
básicas para o mundo do trabalho e prosseguimento de estudos. Apontam para a
solução de problemas concretos relacionados a contextos sociais, produção de
bens, dentre outros, desprezando a memorização de informações ou esquemas
preestabelecidos. Exemplificando, os PCNEMs apontam para o estudo de biologia
com ênfase no impacto ambiental e o uso da tecnologia para prevenir doenças
profissionais e aplicações de recursos tecnológicos para a produção de novo
conhecimento cientifico.
A incorporação dessa modalidade de aprendizagem consolidada na
construção de competências e habilidades básicas significa conquistas na
democratização do país, direitos consagrados na CF/88 e incorporados pela
LDBEN/96 e que servirão de referência para a avaliação da educação básica em
todo o território nacional.
Nesta perspectiva, os PCNEMs salientam as diretrizes e orientações
estabelecidas pelo artigo 35 da atual LDBEN n°. 9394/96:
Seção IV Do Ensino médio Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima
de três anos, terá como finalidades:
102
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no
ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a
novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
(BRASIL, 1996)
Neste dispositivo legal, segundo os PCNEMs fica evidente que o
ensino médio deve potencializar ao aluno a consolidação e aprofundamento dos
conhecimentos incorporados no ensino fundamental, oportunizando sua formação
para continuação de estudos. Incluem-se nesse contexto, a formação ética,
desenvolvimento de autonomia intelectual e do pensamento crítico, além da
compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos
relacionados à teoria e à prática no ensino de cada disciplina escolar.
Complementando, o discurso oficial expresso nos PCNEMs confirma
que esses princípios e valores estabelecidos pela LDBEN/96 foram formalizados
mediante orientação de organismos internacionais como a UNESCO no relatório
Delors (1996), fortalecendo o argumento de que há necessidade de preparar o
trabalhador para continuar aprendendo diante das transformações que ocorrem na
sociedade atual, sinalizando para a revolução informacional.
Ainda nesta mesma perspectiva, os PCNEMs acrescentam a
relevância do artigo 36 da LDBEN que determina:
Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste
Capítulo e as seguintes diretrizes: I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da
ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da
sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de
comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;
103
II - adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa
dos estudantes; III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória,
escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo,
dentro das disponibilidades da instituição. IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em
todas as séries do ensino médio. (Incluído pela Lei nº 11.684, de 2008) § 1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão
organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção
moderna; II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem. (BRASIL, 1996).
Neste artigo, a legislação educacional formaliza as diretrizes para
constituição orgânica dos conhecimentos e competências que o aluno deverá
construir no decorrer do ensino médio através do estudo de conteúdos
disciplinares, domínios de princípios científicos que emergem no sistema de
produção moderna, além dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia, atualmente
incluídos como disciplinas obrigatórias nas três séries desse nível de ensino,
consideradas como indispensáveis para o exercício da cidadania, contrariando, a
nosso ver, os princípios de flexibilização expressos na LDBEN. (grifo nosso)
Apesar dessa obrigatoriedade estabelecida pela Lei 11684/2008 que
alterou a LDBEN/96, os PCNEMs orientam que o currículo escolar do ensino
médio deverá contemplar uma base nacional comum, priorizando a flexibilização
dos conteúdos a serem ministrados e a metodologia adotada pelas escolas para
materialização do ensino e da aprendizagem, sem mencionar disciplinas
escolares, exceto em casos muito específicos.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino e os Parâmetros
Curriculares salientam a importância dos sistemas e unidades escolares
procurarem alternativas de organização curricular comprometida com a formação
do educando, centradas na apropriação de conhecimentos direcionados ao mundo
do trabalho e as práticas sociais, incorporando o princípio de flexibilização
prescrito pela LDBEN. A escola deve internalizar a ideia de formação do aluno
104
para o mundo globalizado, consubstanciado na articulação das três áreas de
conhecimento, Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias.
Nesse cenário escolar de construção de conhecimentos, as DCNEMs
e os PCNEMs apontam para a adoção de disciplinas potenciais, não de caráter
obrigatório, ou mesmo recomendadas, nem eliminando conteúdos específicos ou
empobrecendo seu ensino, mas assinalando para a integração destes de forma
global com o objetivo de desenvolver competências e habilidades focadas no
mundo do trabalho e nas práticas sociais, em consonância com os dispositivos
normativos e legais vigentes no sistema educacional brasileiro.
A estruturação do currículo escolar do ensino médio em áreas de
conhecimento procura assegurar um “modelo” de educação de base científica e
tecnológica, reunindo conhecimentos que são imbricados pela sua própria
natureza, compartilhando objetos de estudos e facilidade de comunicação que
podem ser desenvolvidos de maneira interdisciplinar, centrados na solução de
problemas do cotidiano escolar e social do aluno, numa perspectiva sociocultural
direcionada para conciliar humanismo e tecnologia numa sociedade em constante
mutação.
De uma forma geral, a LDBEN/96 estabelece a adoção de estudos
da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural
e da realidade social e política, especialmente do Brasil, o ensino da arte [...] de
forma a promover o desenvolvimento cultural do educando e a educação física,
integrados à proposta pedagógica da escola, a serem desenvolvidos na base
nacional comum do currículo escolar do ensino médio.
Ainda quanto à organização curricular do ensino médio, as DCNEMs
apontam para a construção de um currículo planejado, orgânico, superando a
organização de disciplinas estanques, priorizando a integração e a articulação dos
conhecimentos, num processo contínuo de interdisciplinaridade. Destaca a sua
organicidade no tocante à educação tecnológica básica, a compreensão do
significado da ciência, das letras e das artes, o processo histórico de
105
transformação da sociedade e da cultura e o estudo da língua portuguesa como
instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania.
Na perspectiva da interdisciplinaridade e contextualização dos
conteúdos a serem desenvolvidos em sala de aula, os reformadores sinalizam
para a organização do currículo escolar nas três áreas de conhecimentos para
facilitar o processo educativo. Adota o princípio da flexibilidade expresso na
LDBEN/96, DCNEMs e PCNEMs, demonstrando ser exequível sua implementação
em todo o território brasileiro, mesmo com as desigualdades sociais e regionais.
O discurso oficial expresso nos PCNEMs destaca que o ensino
médio passou a ser um direito assegurado pela CF/88, devendo o Estado oferecer
a todas as pessoas que desejarem concluí-lo, pois é considerado indispensável
para o exercício da cidadania, acesso às atividades produtivas, prosseguimento
de estudos, desenvolvimento pessoal, inserção plena na sociedade e progresso
no trabalho, contribuição para construção de sua identidade. Potencializa o
desenvolvimento de sua capacidade para continuar aprendendo com status de
produtor de conhecimento, através da construção de competências básicas
embasadas na ciência e na tecnologia.
Na realidade, a legislação educacional buscou integrar a educação
básica como um todo orgânico articulado. Salientou o desenvolvimento de valores
e competências indispensáveis para a construção de um projeto individual
vinculado ao projeto de sociedade de uma forma global, a formação ética, o
desenvolvimento da autonomia intelectual, preparação básica para o mundo do
trabalho centrado no conceito de educação geral. Potencializou a formação para a
criticidade e autonomia, devendo ser efetivada no ambiente escolar como o apoio
estratégico dos PCNEMs.
O conceito de linguagem nos PCNEMs está vinculado à capacidade
humana de articular significados coletivos em sistemas arbitrários de
representação. Seus atos apontam para a construção de sentidos compartilhados,
e que variam de acordo com as carências e experiências da vida em sociedade.
De uma forma geral, propõe que as linguagens possibilitem o inter-
relacionamento nas práticas sociais e na história, promovendo a circulação de
106
sentidos, produzindo formas sensoriais cognitivas e diferenciadas. Por outro lado,
implicando a apropriação demonstrada pela utilização e pelo entendimento de
sistemas simbólicos sustentados em diferentes suportes e de seus instrumentos
considerados de organização cognitiva da realidade e de sua comunicação.
Os PCNEMs priorizam a aprendizagem da língua portuguesa como
língua materna capaz de propiciar a geração de significados, a integração do
mundo e da própria interioridade e o conhecimento de língua (s) estrangeira (s).
Potencializam a ampliação de horizontes de acesso a pessoas de outros países
com outras culturas e outras informações e o uso da informática como ferramenta
de informação e comunicação na resolução de problemas em atividades
profissionais, de gestão de pessoal e as artes. Inclui a literatura e as atividades
físicas e desportivas como domínio do corpo e como forma de expressão e
comunicação.
Outros fatores de grande relevância, para a compreensão das
linguagens e dos códigos, estão situados no tempo e no espaço, sendo
representados por seu caráter histórico, sociológico e antropológico, considerando
suas relações com as práticas sociais e produtivas, inclusive a inserção do aluno
no mundo letrado e simbólico com ênfase para o convívio social e negociação de
sentidos através das linguagens como instrumentos de comunicação. A linguagem
e seus sistemas apontam para uma articulação entre eles, sinalizando a
necessidade de uma garantia de participação ativa na vida social, a cidadania
desejada.
O aprendizado das ciências da natureza no ensino médio difere
significativamente do ensino fundamental em termos qualitativos, pois nesse nível
de ensino a aprendizagem deve contemplar a apropriação e a construção de
pensamentos mais abstratos e com novos significados, tratando-os como um
processo cumulativo do saber e de ruptura de consensos e pressupostos
metodológicos.
O aprendizado dessa área deve destacar as concepções científicas
atualizadas do mundo físico e natural, centradas na solução de problemas. Buscar
o aprimoramento do educando para o trabalho de investigação científica e
107
tecnológica, desenvolvendo atividades institucionalizadas de produção de
conhecimentos, bens e serviços. Os estudos dessa área de conhecimento devem
visualizar a matemática como uma linguagem que busca representar os aspectos
do real, como instrumento formal de expressão e comunicação para as diversas
ciências.
As ciências e as tecnologias são produções humanas, historicamente
construídas, segundo os PCNEMs, no entanto os objetos de estudo por elas
utilizados e os discursos por elas elaborados não se confundem com o mundo
físico e natural. Importa entender que o mundo é o mesmo, mas os objetos de
estudos são diferentes. É fundamental que o aluno entenda os princípios
presentes nas tecnologias e sua associação com os problemas relacionados com
os conteúdos aprendidos de forma contextualizada, procurando aplicar aqueles
princípios em situações reais ou simuladas.
A área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias
deve proporcionar um aprendizado centrado na incorporação de competências e
habilidades que apontem para a compreensão e a utilização dos conhecimentos
científicos, visando explicar o funcionamento do mundo, com destaque para o
planejamento, execução e avaliação de ações que possam intervir na realidade.
Finalmente, a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias
engloba a Filosofia e a Sociologia, e deve promover o desenvolvimento de
competências com enfoque para a construção de consciências críticas e criativas
com capacidade para gerar respostas adequadas a problemas da atualidade e
solução para situações novas, com ênfase para a ampliação da cidadania, através
do conhecimento da produção histórica dos direitos e deveres do cidadão,
potencializando o desenvolvimento da consciência cívica e social em relação ao
outro, na tomada de decisão e na forma de ação no sentido público e particular.
Ainda expresso no discurso oficial representado pelas DCNEMs e
pelos PCNEMs destacam-se o desenvolvimento de competências e habilidades
que promovam o entendimento da sociedade como uma construção humana,
construída e reconstruída num processo histórico contínuo ao longo de gerações.
108
No processo educativo, é fundamental destacar o espaço construído,
ocupado e consumido pelo homem, representado como de sociabilidade humana
em âmbito coletivo. Definir espaços públicos com reflexos da constituição das
individualidades, demonstrando a si próprio a identidade de um agente social que
intervém na sociedade e avalia o sentido dos processos sociais que orientam o
constante fluxo social com sua intervenção nesse processo.
A organização do currículo escolar do ensino médio por áreas de
conhecimento com a articulação das linguagens, da filosofia, das ciências
humanas e suas tecnologias não visa a criação de novas disciplinas, mas através
da interdisciplinaridade e da contextualização pretende-se superar o tratamento
estanque e compartimentalizado atribuído ao conhecimento escolar e bastante
disseminado no cotidiano das escolas brasileiras. Procura utilizar o aprendizado
incorporado através das disciplinas escolares para subsidiar a construção de
competências e habilidades para resolver problemas concretos do dia a dia do
educando.
Por fim, é importante sublinhar que o desinteresse pela escola e
consequente evasão escolar são decorrentes do ensino de conteúdos muito
distantes do cotidiano escolar e social do educando, perpetuados nos rituais da
escola, sem reflexão ou crítica dos docentes, portanto sem significado ou
contextualização com o mundo real.
É indispensável que a aprendizagem esteja vinculada a um
referencial que o educando se identifique no seu dia a dia e com o seu mundo
real, vislumbrando sua compreensão e interferência de maneira autônoma na sua
própria realidade social.
Para complementar a base nacional comum do currículo escolar,
independente da adoção de áreas de conhecimentos, cada sistema de ensino e
unidade escolar deve definir a sua parte diversificada, tendo como objetivo atender
às características de sua economia e de sua clientela, destacando a cultura
regional e local da sociedade.
109
5 – AS FUNÇÕES DA TECNOLOGIA NA ATUAL EDUCAÇÃO BÁSICA
Os PCNEMs como política pública abordam as características da
nova sociedade, embasada na revolução tecnológica, com seus reflexos na
produção de bens e de informações, focada na centralidade do conhecimento.
Nesta perspectiva, a educação básica amparada na tecnologia da
comunicação e da informação deve assegurar ao aluno do ensino médio uma
autonomia, jamais atingida, considerando que as competências cognitivas e
culturais exigidas para o mundo do trabalho estão muito próximas das necessárias
ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e seu preparo para o exercício da
cidadania como fator de desenvolvimento social.
A educação não assegura as oportunidades sociais para todos, pois
os avanços tecnológicos reduzem as oportunidades de atividades simbólicas, em
que o conhecimento constitui instrumento de atuação profissional e diante disso
muitos jovens continuarão se vendo excluídos.
Mesmo com o crescimento econômico, ocorrem fatos na sociedade
contemporânea que provocam a exclusão social, como o desemprego estrutural, a
pobreza, a violência e a intolerância, todos decorrentes da falta de conhecimento
do jovem, refletindo nos processos de solidariedade e coesão social, dificilmente
possíveis de serem inferidos, descobrindo quantos e quais são as pessoas que
terão acesso à educação, incorporando os benefícios disponibilizados pelos
avanços tecnológicos.
E nesse cenário de desigualdades sociais e excludência é
necessário o combate a dualidade dessa sociedade, pois o processo educativo
deve assegurar a oportunidade para que todas as pessoas desenvolvam as
competências básicas necessárias para o exercício da cidadania e para o mundo
do trabalho.
Essas competências descritas nos PCNEMs são inerentes à
capacidade de abstração, curiosidade, criatividade, pensamento sistêmico,
capacidade para trabalhar de forma coletiva, pensamento crítico, capacidade de
110
comunicação e busca por conhecimento tanto na esfera social quanto cultural,
com ênfase no exercício da cidadania democrática.
Os reformadores destacam que para efetivação da reforma curricular
do ensino médio faz-se necessário investir na área de macroplanejamento, pois
ficou constatado que para atender à demanda nacional, é preciso aumentar o
número de vagas nesse segmento educacional e melhoria na formação dos
docentes. Os professores precisam incorporar as novas tecnologias de
informática, priorizando a sua utilização como ferramentas para seleção e
tratamento de conteúdos, o que exige mudanças na sua formação. Estas foram
algumas das prioridades indicadas pela Secretaria de Educação Média e
Tecnológica (SEMT) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (INEP) fundamentadas no Sistema de Avaliação da Educação
Básica (SAEB) e que subsidiaram a elaboração da proposta de reforma curricular
para o ensino médio.
Os PCNEMs recomendam a incorporação dos avanços da ciência e
da tecnologia, em destaque no setor produtivo e nas relações sociais com enfoque
das tendências apontadas para o século XXI, sugerindo mudanças permanentes e
rupturas rápidas de paradigmas dominantes, completamente diferentes dos
séculos passados, época em que os avanços do conhecimento caminhavam de
forma muito mais lenta. Os avanços da biogenética têm provocado debates em
nível global quanto à ética, o avanço da tecnologia da informação e da robótica
tem alterado a configuração dos processos de produção industrial, contribuindo
para acentuar o desemprego estrutural.
Os PCNEMs destacam que, apesar do crescimento econômico e da
migração de vagas do setor industrial para o terciário, a geração de empregos tem
sido insuficiente para atender a demanda, principalmente para os trabalhadores
com baixa qualificação. As exigências do mercado de trabalho permanecem da
mesma forma e os conhecimentos são superados rapidamente em virtude dos
avanços científicos, provocando certa instabilidade na organização educacional e
na política produtiva e social.
111
Os avanços da tecnologia mudaram a configuração dos processos
de socialização, transformaram os conceitos de identidade individual e coletiva;
mudaram os paradigmas da prática social e do mundo do trabalho e do
conhecimento.
No cenário dessa revolução tecnológica, a globalização econômica
eliminou as fronteiras e impôs a necessidade da implementação de uma educação
com muitos desafios, utópica, mas necessária para a construção de uma
sociedade mais justa, mais livre, balizada nos princípios contidos no relatório
Delors (1996) da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, da
UNESCO. Sinaliza para a redução da pobreza, da exclusão social, das opressões
aos menos favorecidos e das guerras, buscando protagonizar uma educação que
contemple um triplo papel: econômico, cientifico e cultural, estruturada em quatro
pilares, aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver e aprender a ser,
segundo Delors (1996).
6 – A CIDADANIA E O MUNDO DO TRABALHO NOS PARÂMETROS CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO O discurso reformista do ensino médio delineado pelos PCNEMs
enfatiza a formação básica do educando para o mercado de trabalho e para a
cidadania numa sociedade globalizada e com visão planetária. Procura sua
consolidação num ideário neoliberal, num contexto de reestruturação dos
processos de produção decorrentes dos avanços da tecnologia, sobretudo da
microinformática e biogenética, instaurado no país no governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso (1994-2002).
Os princípios axiológicos, conceito de cidadania e trabalho expressos
na política educacional brasileira para o ensino médio e incorporados pela LDBEN
estão fundamentados no Relatório Delors (1996) para a UNESCO da Comissão
Internacional para o século XXI, formalizado na Conferência Mundial de Educação
112
para Todos, realizada em Jontien, na Tailândia, em 1990. Procuram atender às
prioridades impostas por agências internacionais.
Segundo o discurso oficial expresso nos PCNEMs, o Brasil e outros
países da América Latina estão em grande desvantagem em termos de
escolarização e nível de conhecimento se comparados aos mais desenvolvidos da
Europa. O trabalhador brasileiro “modelo fordista” precisa ser substituído por um
profissional mais especialista, mais proativo, polivalente e flexível; exigência do
setor produtivo no contexto atual. Para essa requalificação do trabalhador, como
exigência do mercado de trabalho, o país precisa implementar uma política pública
centrada na educação básica de qualidade que contemple o desenvolvimento de
competências e habilidades necessárias para sua inserção no mundo produtivo.
Acreditamos que a educação básica brasileira expressa no discurso
oficial contempla sua submissão aos processos de produção de bens e serviços,
procurando sempre atender ao capitalismo globalizado, ancorado na política
neoliberal e centrado muito mais na formação de mão de obra qualificada para o
setor industrial do que na formação ou preparação para o exercício da cidadania
democrática.
O atual mundo do trabalho, descrito pelos PCNEMs, exige um
trabalhador com competências de caráter geral, com status de sujeito produtor de
conhecimento, centrado no “aprender a aprender” e participante dos processos de
produção, completamente diferente do expresso pela Lei 5692/71 que apenas
habilitava o educando para o exercício de uma profissão técnica. O mundo
produtivo exige uma escola reformada que atenda às exigências do capital. A
nova LDBEN estabelece que a educação deve estar vinculada ao mundo do
trabalho e à prática social, contagiando dessa forma toda a prática educativa
escolar.
O discurso oficial formalizado através dos PCNEMs destaca as
características da nova sociedade originária da revolução tecnológica com seus
reflexos na produção de bens e de informações, focadas na centralidade do
conhecimento. Deve assegurar à educação uma autonomia, jamais atingida,
considerando que as competências cognitivas e culturais, exigidas para o mundo
113
do trabalho, aproximam-se das necessárias para o pleno desenvolvimento da
pessoa humana e seu preparo para o exercício da cidadania. Aponta a educação
como fator de desenvolvimento social e que o desemprego é contingência da falta
de qualificação profissional.
Os PCNEMs asseveram que a educação proposta pelos
reformadores não garante oportunidades sociais iguais para todos, pois os
avanços tecnológicos da sociedade capitalista reduzem as oportunidades de
atividades simbólicas, em que o conhecimento constitui instrumento de atuação
profissional. Muitos jovens continuarão sendo excluídos do mercado de trabalho,
portanto o próprio discurso oficial aponta a educação básica promovendo a
anticidadania, incorporada ao desemprego.
Fica muito evidente que a cidadania propalada no discurso oficial e a
cidadania efetivada não se confirmam, pois mesmo com o crescimento
econômico, ocorrem fatos na sociedade atual que provocam exclusão social: o
desemprego, a pobreza, a violência e a intolerância. Segundo os PCNEMs, esses
fatores degradantes da sociedade atual decorrem da falta de conhecimentos do
educando, refletindo nos processos de solidariedade e coesão social.
Não concordamos com essa assertiva do discurso oficial, afinal de
contas, quantos e quais serão as pessoas que terão acesso à conclusão da
educação básica com qualidade, direito universal outorgado pela Constituição
Federal, incorporando os benefícios disponibilizados pelos avanços tecnológicos?
Nesse cenário de desigualdades sociais e excludência, o combate a
essa dualidade social deve ser promovido através do processo educativo,
segundo os PCNEMs, assegurando oportunidades para que todas as pessoas
desenvolvam as competências básicas para o exercício da cidadania e para o
mundo do trabalho. (grifo nosso) Essas tais competências são inerentes à
capacidade de abstração, curiosidade, criatividade, pensamento sistêmico,
capacidade para trabalhar de forma coletiva, pensamento crítico, capacidade de
comunicação e busca por conhecimento, tanto na esfera social quanto cultural,
com enfoque para o exercício da cidadania democrática.
114
Apesar desse “belo discurso oficial”, não encontramos nenhum tipo
de proposição para a equalização das oportunidades na educação básica, no
mercado de trabalho e na busca por redução das desigualdades sociais.
Ainda com esse olhar, conflitando com o ideal dos reformadores,
Donald Stewart Jr adverte que para promover a equidade social, haveria
necessidade da promoção de medidas compensatórias com o objetivo de atenuar
as desigualdades entre as pessoas, pelo menos no campo das igualdades de
oportunidades, do ponto de vista econômico e social. (STEWART JR, 1995)
Complementando essa análise, e apreciando o contexto da política
educacional brasileira centrada na educação básica, não acreditamos ser possível
superar as desigualdades sociais com apenas uma proposta de implementação de
um “modelo” de currículo escolar que, na prática, cria uma sociedade fabricada
por intelectuais, fundada na ideologia do capitalismo e ancorada no
neoliberalismo, sem formalizar um mecanismo que priorize o processo de
equidade social, principalmente nas regiões mais pobres do território nacional.
Os próprios PCNEMs destacam o problema do desemprego
estrutural provocado pela revolução tecnológica, no entanto dá a impressão de
que os reformistas procuram explicar que os desempregados deverão aceitar sua
condição como natural, pois a educação básica constituir-se-á num remédio para
todos os males.
7 - A AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA 7.1 – A Avaliação da Educação Básica no Âmbito Nacional
A avaliação permanente da educação básica emerge como um
diagnóstico para que o país conheça os problemas existentes nas escolas
públicas e privadas, e como prognóstico para que seja possível direcionar políticas
115
públicas com o propósito de melhoria da qualidade da aprendizagem dos alunos.
(DEMO, 1995)
Os pais, alunos e a população têm o direito de saber o que acontece
nas instituições escolares e nos órgãos que administram os sistemas
educacionais. A questão da aprendizagem no Brasil, segundo o autor, é algo
vergonhoso para todos. Não há como esconder a situação caótica em que se
encontra a educação básica e seria um absurdo colocar esse problema nas costas
do professor, que, na prática, também é uma vítima do sistema, juntamente com
os alunos. Não se pode negar que a formação do professor repercute na formação
do aluno, pois um docente mal preparado, desatualizado e com baixa
remuneração também contribui para o fracasso escolar.
Sobre a qualidade da educação no país, a LDBEN deixa claro que
compete à União estabelecer, em colaboração com Estados, Distrito Federal e
Municípios, diretrizes para os currículos escolares e competências que serão
indispensáveis para assegurar a formação do aluno, inclusive assegurando o
processo nacional de avaliação do rendimento escolar com o objetivo de definir
prioridades para melhoria da sua aprendizagem.
A legislação assinala no Título IV, da Organização da Educação
Nacional, em seu artigo 9°. :
Art. 9º A União incumbir-se-á de:
[...].
I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios;
IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos
mínimos, de modo a assegurar formação básica comum;
V - coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação;
VI - assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no
ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de
ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do
ensino.
116
A avaliação da educação básica no Brasil é bastante complexa e se
constitui num grande desafio para os órgãos que administram os sistemas
educacionais do país. Há necessidade de construir estratégias avaliativas que
contemplem sua qualidade formal e política, com transparência até certo ponto
obsessiva e subsidiada por mecanismos de constante aprimoramento, procurando
superar a resistência das escolas e reduzir ou mesmo atenuar os efeitos
agressivos da avaliação. (DEMO, 1995)
Em 1990, segundo informações oficiais, o MEC promoveu a primeira
avaliação da educação básica brasileira denominada Sistema de Avaliação da
Educação Básica (SAEB) com a participação de um número reduzido de escolas
em todo o país, ofertada apenas e tão somente às 1ª, 3ª, 5ª e 7ª séries do ensino
fundamental das escolas públicas da rede urbana, abrangendo os conteúdos de
língua portuguesa e matemática, incluindo uma redação para os alunos das 7ª
séries. Esse formato de provas se manteve até a edição do ano de 1993.
O SAEB foi reestruturado a partir do ano de 1993, passando a ser
constituído por duas avaliações: Avaliação Nacional da Educação básica (ANEB)
e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), mais conhecida como
Prova Brasil.
Essa avaliação externa da educação básica realizada em larga
escala a cada dois anos tem como objetivo diagnosticar o sistema educacional
brasileiro, destacando alguns fatores sociais e econômicos que podem interferir no
desempenho da aprendizagem dos alunos, servindo de indicador de qualidade do
ensino que é ofertado no país e subsidiando a formulação e a reformulação de
políticas públicas na área educacional: municipal, estadual ou Federal. Sua
realização foi promovida nos anos de 2005, 2007 e 2009 pelo MEC/INEP e poderá
contribuir para a melhoria da qualidade da educação básica, equidade e eficiência
do ensino nas escolas públicas e particulares.
Segundo esses órgãos oficiais, o SAEB e a Prova Brasil são dois
exames complementares que juntas compõem o Sistema de Avaliação da
Educação Básica e tem como objetivo avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo
117
sistema educacional brasileiro através de testes padronizados e questionários
socioeconômicos. Atualmente, o SAEB realizado pelo INEP/MEC abrange
estudantes das redes públicas e privadas de todo o país, localizadas em área
urbana e rural, matriculados na 4ª e 8ª séries (ou 5° e 9°. Anos) do ensino
fundamental e terceiras séries do ensino médio.
Nas avaliações, os educandos respondem a questões de língua
portuguesa com foco em leitura e matemática com foco na resolução de
problemas, além de fornecerem informações socioeconômicas e outras que
podem estar associadas ao seu desempenho escolar. Os professores e os
diretores respondem a questionários sobre dados demográficos, perfil profissional
e condições de trabalho.
Essa avaliação é aplicada por amostragem, cujas classes a serem
avaliadas são selecionadas através de sorteio e depois das provas corrigidas. O
resultado é disponibilizado no portal do INEP para todos os Estados da federação
e sociedade em geral. Outro fator de grande relevância para o sistema
educacional brasileiro no tocante aos objetivos da Prova Brasil e SAEB é estimular
a cultura da avaliação, fomentado dessa maneira a implementação de avaliações
estadual e municipal, inclusive, com o aporte técnico do próprio INEP. (grifo
nosso)
Para determinar o nível de qualidade da educação de cada escola ou
cada rede de ensino, o INEP criou, no ano de 2007, o Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (IDEB), variando de zero a dez para facilitar o entendimento
de todos, Esse indicador é calculado com base no desempenho dos estudantes
nas avaliações realizadas pelo INEP e nas taxas de aprovação da unidade
escolar, dados esses obtidos através do censo escolar. Para que o IDEB cresça, é
necessário que o aluno frequente as aulas, aprenda e não seja reprovado no ano
letivo, pois as taxas de aprovação influenciam no cálculo do IDEB.
Esse índice é medido a cada dois anos e tem como objetivo
demonstrar a situação da educação básica em todo território nacional, subsidiando
as escolas e o sistema educacional a partir das metas definidas para cada ano,
chegando em 2022 à nota seis, correspondente à qualidade do ensino em países
118
desenvolvidos. Esse indicador fixado pelo MEC considerou o resultado obtido
pelos 20 países mais bem colocados do mundo, considerando os países da
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A partir das informações consolidadas pelo INEP através do IDEB, o
Ministerio da Educação, Cultura e Desporto e as Secretarias Estaduais e
Municipais de Educação têm subsídios para definir ações a serem implementadas
para o aprimoramento da qualidade da educação no país, redução das
desigualdades regionais existentes e promoção de correção de distorções e
debilidades identificadas. É possível direcionar recursos técnicos e financeiros
para serem aplicados em áreas identificadas como prioritárias, pois a União
dispõe de recursos adicionais do FUNDEB para investimentos em ações de
melhoria da educação básica.
O MEC de posse desse instrumento traçou metas de desempenho
da educação básica para cada escola de cada rede, a cada dois anos,
organizando uma projeção até o ano 2022. Esse novo indicador (IDEB) foi
utilizado tendo como marco inicial o ano letivo de 2005 e em 2007, foram
apresentados resultados positivos, demonstrando que a união de pais em torno da
educação de seus filhos promove mudanças nos resultados. Através dos dados
dessas avaliações, ao longo do tempo, as escolas, as redes ou mesmo o sistema
como um todo poderá acompanhar a evolução do desempenho da educação
básica.
Ainda segundo o MEC, a metodologia adotada para elaboração dos
testes e sua aplicação, SAEB e Prova Brasil é adequada para avaliar redes ou
sistemas de ensino e não para avaliação de alunos individualmente. Nesse
processo cada grupo de alunos representa uma unidade dentro do sistema de
ensino como um todo e o resultado reflete cada unidade e não alunos
individualmente.
Os processos de avaliação do SAEB e da Prova Brasil estão
ancorados em critérios técnicos definidos pelo INEP e disponíveis em seu sítio.
O Saeb, por sua vez, é uma avaliação por amostra, isso significa que nem
todas as turmas e estudantes das séries avaliadas participam da prova. A
119
amostra de turmas e escolas sorteadas para participarem do Saeb é
representativa das redes estadual, municipal e particular no âmbito do país,
das regiões e dos estados. Dessa forma, não há resultado do Saeb por
escola e por município.
A base metodológica das duas provas é a mesma, a diferença está na
população de estudantes aos quais são aplicadas e, conseqüentemente,
aos resultados que cada uma oferece. Ambas avaliam as mesmas
disciplinas, Língua Portuguesa e Matemática. (INEP, 2011)
Segundo dados oficiais do MEC e do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB) consolidado no ano de 2009 mostra uma evolução na
qualidade da educação em todos os níveis, tanto do ensino fundamental quanto
do ensino médio, pois as metas de progressão estabelecidas para a avaliação
foram superadas.
Apesar dos dados oficiais apresentarem resultados positivos na
progressão da aprendizagem dos estudantes da educação básica, não confiamos
em todos os seus critérios utilizados para seleção das escolas avaliadas. Em
algumas situações destacadas neste trabalho, as unidades escolares participantes
são selecionadas por sorteio, sem critério técnico para definição da referida
amostra a ser pesquisada. (grifo nosso).
Através do Censo Escolar de 2010, formalizado e divulgado pelo
MEC, o índice de repetências de alunos do ensino médio supera os 30% dos
matriculados em milhares de escolas distribuídas por todo o país, inclusive, em
alguns casos esse índice chega a 50%. Esses indicadores demonstram que a
construção da cidadania no ambiente escolar, almejada pelo ideário dos
reformadores da educação básica e expressa nos PCNEMs, está muito distante
de se tornar realidade, apesar do grande aumento de matrículas nesse nível de
educação.
120
7.2 – A AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO ESTADO DE SÃO PAULO
O Estado de São Paulo, segundo informações oficiais da Secretaria
de Estado da Educação (SEE), promove anualmente a avaliação da educação
básica ministrada em sua rede pública, de caráter obrigatório, através do Sistema
de Avaliação do Rendimento Escolar (SARESP). Esse processo de avaliação foi
planejado, em princípio, para avaliar a educação pública paulista, no entanto na
atualidade as redes municipais e particulares podem ser atendidas pelo mesmo
processo avaliativo.
Normalmente, no mês de novembro de cada ano, os alunos são
avaliados em todas as escolas estaduais na modalidade de ensino regular,
mediante aplicação de provas do 3°, 5°, 7° e 9° anos (2ª, 4ª, 6ª, 8ª séries) do
ensino fundamental e da 3ª Série do ensino médio nos componentes curriculares
Língua Portuguesa com Redação, Matemática, Ciências da Natureza (Física,
Química e Biologia) desde o ano de 1996.
Para aprofundamento da análise das variáveis que podem interferir
na aprendizagem dos alunos, são aplicados questionários aos pais, alunos,
professores, professores coordenadores e diretores de todas as escolas públicas,
solicitando dados que possam contribuir para a análise do sistema escolar, cujos
resultados servirão de instrumentos para subsidiar a implementação de políticas
públicas na área da educação e do plano de metas das escolas.
Seu objetivo consiste em produzir informações consistentes sobre a
educação básica pública paulista e visa orientar os órgãos centrais da Secretaria
de Estado da Educação e os gestores das escolas no sentido de procurar meios
para melhoria da qualidade da educação no Estado de São Paulo.
A partir do ano de 2007, a SEE-SP promoveu algumas adequações
no SARESP, compatibilizando sua base de dados com o SAEB, proporcionando a
comparação dos resultados de ambas as avaliações, nas disciplinas de Língua
Portuguesa e Matemática, ano após ano.
121
Desta forma, a SEE-SP e os gestores das escolas públicas da rede
estadual paulista podem identificar o desempenho escolar dos alunos de cada
escola nas séries e habilidades avaliadas e por outro lado, proceder a um
acompanhamento da evolução da qualidade da educação ao longo dos anos.
A metodologia utilizada para elaboração das provas do SARESP é
adequada para avaliar sistemas de ensino e não apenas para avaliar alunos de
forma individualizada. Essas avaliações são aplicadas em todas as escolas da
rede pública estadual paulista.
Essa avaliação é representada por indicadores que assinalam os
níveis de desempenho da educação básica no Estado de São Paulo, classificados
de acordo com a proficiência em Língua Portuguesa e Matemática.
A classificação adotada pelo SARESP abrange três níveis de
desempenho, com subdivisões, assim descritos:
Insuficiente – Abaixo do básico: os alunos neste nível demonstram domínio
insuficiente dos conteúdos, competências e habilidades desejáveis para o
ano/série escolar em que se encontram.
Suficiente: Básico: os alunos neste nível demonstram domínio mínimo dos
conteúdos, competências e habilidades, mas possuem as estruturas
necessárias para interagir com a proposta curricular no ano/série subsequente.
Adequado: os alunos nesse nível demonstram domínio pleno dos conteúdos,
competências e habilidades desejáveis para o ano/série escolar em que se
encontram.
Avançado: Avançado: os alunos neste nível demonstram conhecimento e
domínio dos conteúdos, competências e habilidades acima do requerido para o
ano/série escolar em que se encontram. (BOLETIM SARESP, 2010)
Considerando que a presente pesquisa está centrada no ensino
médio regular, salientamos os resultados do SARESP divulgados pela SEE-SP
referente ao ano de 2010. A avaliação aplicada em todas as escolas públicas
estaduais demonstrou uma situação bastante preocupante, pois 37,9% dos alunos
avaliados estão abaixo do nível básico; 38,3% estão no nível básico; 23,3% no
nível adequado e apenas 6% no avançado.
122
Esses indicadores demonstram que os objetivos do novo ensino
médio protagonizado pelos reformadores, oficializados pela LDBEN, DCNEMs e
PCNEMs, estão distante de se tornarem realidade no Brasil. Estamos pensando a
educação em um dos estados mais evoluídos do país. Não há como discordar de
Demo (1995) quando afirma que aprendizagem no Brasil “é uma vergonha”.
Os indicadores de fluxo escolar (repetência e evasão) em grande
parte das escolas públicas estaduais de ensino médio da grande São Paulo
variam entre 25% e 50%. Esses fatores assinalam que a “cidadania sonhada” e a
preparação para o trabalho no ambiente escolar estão muito distantes de se
tornarem uma realidade; pelo contrário, a exclusão social emerge das próprias
escolas pelos baixos indicadores de desempenho, repetência e evasão que
comprometem todo o sistema educacional brasileiro.
Para exemplificar os indicadores citados, listamos algumas escolas
de ensino médio localizadas na região leste da capital paulista e que demonstram
a função excludente da escola pública, pois o indicador de fluxo aponta para a
exclusão social promovida pelas unidades escolares.
ITEM ESCOLAS ESTADUAIS - SÃO PAULO INDICADOR
DE FLUXO
1 JOAO RAMACCIOTTI PROF 51%
2 JOAO SARMENTO PIMENTEL 41%
3 ARTHUR CHAGAS JUNIOR PROF 40%
4 VICTOR MIGUEL ROMANO PROF 40%
5 JORGE DUPRAT FIGUEIREDO 39%
6 JULIETA FARAO PROFA 39%
7 AROLDO DE AZEVEDO PROF 37%
8 CHIBATA MIYAKOSHI 36%
9 JOZINEIDE PEREIRA GAUDINO 34%
10 ASTOLFO ARAUJO DEPUTADO 32%
11 AFONSO PENNA JUNIOR PR 32%
12 OCTACILIO DE CARVALHO LOPES PROF 30%
13 INAH JACY DE CASTRO AGUIAR 27%
14 JOAO CAMARGO PROF 27%
15 JOSE TALARICO 27%
Fonte: Boletim SARES/IDESP - 2010
123
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa, procurou-se descrever e analisar o conteúdo dos
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, como política social
implementada no final da década de 1990 pelo governo Fernando Henrique
Cardoso. Buscou-se identificar pontos que relacionam a educação básica com a
formação do jovem para a idade adulta, tendo como eixo norteador o processo de
flexibilização expresso na LDBEN/96 e o seu vínculo com a construção da
cidadania no ambiente escolar.
Para consolidar os resultados obtidos na contextualização teórica
desses documentos oficiais, preliminarmente, formalizou-se uma reflexão de forma
sistematizada sobre os principais paradigmas da cidadania na história da
humanidade. Inicia-se na Antiga Grécia, em torno dos séculos VI e V antes de
Cristo, perpassando a Revolução Francesa, Revolução Americana, Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH) protagonizada pela UNESCO em 1948,
alcançando o momento atual.
Tal percurso envolveu a análise das relações entre cidadania e
educação no contexto histórico, político e econômico da sociedade brasileira,
ancorado nos referenciais bibliográficos e documentais selecionados para esta
pesquisa, o que permite assegurar que as questões formuladas anteriormente
formam respondidas.
Na construção histórica da humanidade, foi possível notar que o
conceito de cidadania incorporou inúmeras mutações, porém sempre esteve
atrelado à liberdade e à inserção da pessoa humana no mundo social e político.
Nesse longo tempo, o conceito de igualdade desempenhou papéis diferentes,
dependendo da cultura de cada país. Ser cidadão no Brasil e ser cidadão na
Alemanha não significa viver nas mesmas condições de liberdade e igualdade,
pois a equidade social depende da cultura local e nem sempre atende às
demandas de maneira igualitária.
124
Em pleno século XXI, para grande parte da população brasileira,
cidadania está vinculada apenas aos direitos de votar, de ir e vir, de receber
assistência social do governo, não incorporando o ideal de emancipação política,
criticidade e reflexão sobre a construção de sua própria história, procurando deixar
de ser objeto para tornar-se sujeito de seu próprio destino, segundo Demo (1995).
Nos limites desta pesquisa, analisou-se a educação brasileira numa
visão panorâmica, desde a Independência do Brasil até os dias de hoje, podendo
notar que na fase imperial a população brasileira, na sua grande maioria, não
sabia sequer ler e escrever. Era representada, principalmente, por negros
escravos, caboclos e índios, vivendo na pobreza e, por outro lado, uma pequena
elite que usufruía benefícios e regalias de forma muito semelhante às elites de
países europeus.
Após a Proclamação da República no ano de 1889, muitos brasileiros
acreditavam que fosse ocorrer mudança significativa na sociedade brasileira, no
entanto apenas uma Constituição promulgada em 1891 estabeleceu direitos iguais
para todos, sem se preocupar com os negros libertos e índios que viviam em
condição de penúria diante desse novo regime de governo.
Na realidade, ao analisarmos as constituições brasileiras anteriores a
de 1988, identificamos a cidadania como um “status de cidadão”, outorgado pelo
Estado, sem vínculo com conquistas ou emancipação política e suas relações
débeis com o processo formativo adotado pela educação escolar.
Na década de 1960 e 1970, em plena ditadura militar, houve uma
ampliação no número das escolas de educação média e, consequentemente,
oferta de vagas para atender a demanda com o objetivo de formação de mão de
obra para a indústria de bens e serviços.
Segundo a visão dos reformadores expressa nos PCNEMs, a
educação brasileira nos moldes estabelecidos pela LDB N°. 5692/71 transformou
o ensino médio, compulsoriamente, em ensino profissionalizante com o objetivo de
atender a demanda de mão de obra qualificada, exigida pela industrialização do
Brasil, centrada principalmente na região Sudeste do país.
125
Quanto à descrição e análise dos PCNEMs, foi possível constatar
que as reformas educacionais protagonizadas pela sociedade brasileira nas
últimas décadas sempre estiveram a serviço de interesses de organismos
multilaterais como o Banco Mundial, UNESCO, dentre outros. Incorporados num
ideário liberal e mais tarde neoliberal, estavam ancorados em princípios de
natureza capitalista, com objetivo de melhoria da produção de bens e mais
centrados na formação de mão de obra do que na preparação para o exercício da
cidadania.
Esse discurso oficial enfatiza que na década de 1990, outros
paradigmas nos processos de produção foram criados decorrentes da evolução
tecnológica, porém a escola continuava ainda preparando o trabalhador para o
sistema fordista. Por esse motivo a educação precisava mudar, passando a formar
um novo tipo de trabalhador, priorizando o “desenvolvimento social”.
Nesse contexto político e econômico, o presidente FHC promulgou a
atual LDBEN n°. 9394/96, incorporando os ideais do Relatório Delors (1996),
formalizado em sintonia com as orientações da UNESCO e que mais tarde deram
origem às DCNEMs e aos PCNEMs, documentos oficiais que nortearam a
implementação do novo currículo escolar para o ensino médio nos moldes atuais.
. Numa análise minuciosa dos PCNEMs pode-se identificar que a
proposta de uma nova organização curricular para o ensino médio adota a
pedagogia das competências. Ela deve ser construída com conteúdos
disciplinares independentes das disciplinas estabelecidas nas matrizes
curriculares, o que configura o princípio de flexibilização estabelecido pela LDBEN.
Durante os três anos de ensino médio, o jovem deve incorporar as
competências indispensáveis à cidadania e formação básica para o trabalho. Essa
temática é abordada pelos PCNEMs de forma ambígua, mesclando competências
e habilidades, induzindo o leitor a entender que ambos os termos têm o mesmo
significado prático.
Esses documentos não deixam claro o tipo de cidadania que se
pretende formar no ensino médio, pois, de uma maneira geral, o foco, a nosso ver,
126
está mais centrado na preparação básica para a mão de obra, atendendo às
necessidades do mercado de trabalho produtivo.
Apesar disso, não se pode negar que o MEC tem se esforçado para
melhorar a educação básica, inclusive elaborou e divulgou novas orientações
curriculares para as três áreas de conhecimento denominadas PCNEM+,
procurando eliminar dúvidas quanto à aplicabilidade dos PCNEMs. O assunto
continua na pauta dos órgãos oficiais e certamente não será esgotado tão logo.
Defende-se, ainda, a criação de uma sociedade com o aporte dos
recursos tecnológicos, procurando desta forma atenuar os efeitos do desemprego
estrutural, a exclusão social e as desigualdades regionais, balizado no conceito de
uma educação permanente, centrado na educação por toda a vida produtiva.
Essa configuração de sociedade parece um tanto contraditória no
próprio discurso oficial, pois os reformadores assinalam que não haverá emprego
para todos e os mais jovens terão mais dificuldades para conseguir o emprego tão
desejado.
Na prática, essa nova sociedade que se propõe a criar através da
educação básica não apresenta consistência; pelo contrário, demonstra que sua
sustentação está embasada no neoliberalismo e capitalismo excludente, em que
aparentemente todas as pessoas estão em condições iguais de enfrentar a
competitividade do mercado de trabalho, o que não é verdade.
Fica evidente que o novo currículo escolar proposto para o ensino
médio busca preparar o educando para o mercado de trabalho e não para a
cidadania democrática, e ainda, salientam os PCNEMs que nem todos terão
acesso a uma educação de qualidade à altura das necessidades do novo mercado
de trabalho.
Em resumo, a análise demonstrou que o discurso oficial expresso na
LDBEN, nas DCNEMs e nos PCNEMs, que assinalam a educação básica capaz
de preparar a pessoa para o exercício da cidadania e formação básica para o
trabalho, não se efetiva de forma eficiente e eficaz no cotidiano escolar e social do
aluno do ensino médio.
127
Tal afirmação pode ser comprovada pelos indicadores de
desempenho da educação básica nacional divulgados pelo Ministério da
Educação e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP)
representados pelo IDEB e no Estado de São Paulo pelo SARESP.
Na realidade, houve um grande avanço no número de matrículas no
ensino médio e oferta de vagas para atender a demanda, isso é inquestionável,
porém milhões de alunos avaliados das mais diversas escolas, principalmente
públicas, em todas as regiões do país, têm demonstrado um índice de
desempenho extremamente baixo. Vale relembrar a afirmação de Demo (1995)
que destaca que a aprendizagem no Brasil “é uma vergonha”.
O índice de repetência e a evasão escolar, principalmente no ensino
médio em grande parte das escolas, variam de 30% a 40%, demonstrando que a
escola está contribuindo intensamente para a propagação da anticidadania,
principalmente das grandes massas menos favorecidas da população brasileira.
Diante dessas fortes evidências de práticas de anticidadania,
salientamos e concordamos com Cury (2008) quando ele afirma categoricamente
que a pretensa reforma do ensino médio expressa no discurso oficial declarado na
nova LDBEN 9394/96 não se consolidou da maneira prenunciada, devido à
deficiência da política pública direcionada à sua implementação. Ela pode ser
comparada à reforma do então segundo grau estabelecida pela Lei 5.692/71 que
instituiu a profissionalização desse grau de ensino de forma compulsória, não
efetivada Fica somente na pretensão por ser inviável sua implementação no
contexto histórico da época.
Esta pesquisa não propõe a formulação de mudanças no currículo
escolar para o ensino médio. Espera-se que as críticas relatadas possam
contribuir para que se pense numa política pública social centrada na educação
básica, que contemple a equidade para as classes que mais necessitam de apoio
governamental e que estão à mercê de inúmeras instituições que promovem a
exclusão social através da repetência e evasão escolar.
128
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